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UNIVERSIDADE FEDERAL

Nº26 vol. 01 – 2015 ISSNFLUMINENSE


Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 11 1809-3264

FACULDADE DE EDUCAÇÃOPágina 2 de 112

REVISTA QUERUBIM
Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais
Ano 11 Número 26 Volume 1
ISSN – 1809-3264

2015 2015 2015


2015
REVISTA QUERUBIM
NITERÓI – RIO DE JANEIRO
2015

NITERÓI RJ
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264
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Revista Querubim 2015 – Ano 11 nº 26 – vol.1 – 112 p. (junho – 2015)


Rio de Janeiro: Querubim, 2015 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais
Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital

Conselho Científico
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Carlos Walter Porto-Goncalves (UFF - Brasil)
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Paolo Vittoria
Ruth Luz dos Santos Silva
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Vanderlei Mendes de Oliveira
Venício da Cunha Fernandes
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Sumário

01 "O gladiador tranquilo": análise da construção de sentido verbo-visual em uma capa da revista 04
Veja – Alana Destri, Andressa Trento, Ediane Fátima Mezomo, Isabella Todeschini,
Raquel Souza Tré e Anselmo Lima
02 Sobre a noção de político e as relações de sentidos entre língua e discurso – Alâna Capitanio 11
03 Do picadeiro à escola: as atividades circenses e as relações com a educação física - Aline de 17
Souza Caramês, Daiane Oliveira da Silva e Hugo Norberto Krug
04 Impactos causados pelo esgoto a céu aberto: estudo de caso da Avenida XXV de Julho de 24
Pelotas – RS – Ana Luiza Kroning Gonçalves
05 O tutor na educação a distância: um estudo sobre a mediação reflexiva e dialógica – Andréia 31
Santana de Carvalho
06 Dialética e fenomenologia: as andarilhagens de Paulo Freire – André Luis Castro de Freitas 39
e Luciane Albernaz de Araujo Freitas
07 Língua Portuguesa e ensino: gestos de inter-ação na e pela linguagem – Angélica Pereira 47
Martins, Hélder Sousa Santos e Paula Boaventura Veloso
08 A figura do nordestino na obra “a Hora da Estrela” – Arlete Ferreira dos Santos 52
Viviana de Souza e Simone da Silva Santos Moura
09 Hegemonia, cotidiano e consumo cultural em Antonio Gramsci – Jean Henrique 57
Costa
10 La transformación en los grupos interactivos – Estefanía Fernández Antón 63
11 Du_Bod e o raio-x do país: um olhar sobre a produção marginal brasileira contemporânea – 72
Fernando Reis de Sena
12 A importância da educação ambiental como atividade transdisciplinar no ensino fundamental 77
– Heloisa Carla Xavier Marthos dos Santos, Samanta Gallo Cabral e Talal Suleiman
Mahmoud
13 O canibalismo amoroso em Dentro da Noite, de João do Rio – Hilda Gomes Dutra 86
Magalhães
14 Conhecendo as unidades escolares que ofertam o ensino médio no município de Formosa – 93
Goiás – Hugo de Carvalho Sobrinho
15 As marcas docentes na formação inicial em Educação Física – Hugo Norberto Krug, 101
Cassiano Telles, Rodrigo de Rosso Krug e Victor Julierme Santos da Conceição
16 Ensino de gramática e análise linguística na escola: uma breve consideração teórica – Ionara 108
Miranda da Cunha e Bruno Gomes Pereira
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"O GLADIADOR TRANQUILO": ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DE SENTIDO


VERBO-VISUAL EM UMA CAPA DA REVISTA VEJA

Alana Destri
Andressa Trento
Ediane Fátima Mezomo
Isabella Todeschini
Raquel Souza Tré1
Anselmo Lima2

Resumo
O foco deste trabalho é a construção de sentido verbo-visual na capa da revista Veja do dia 14 de
março de 2012, com a manchete “O GLADIADOR TRANQUILO”. O objetivo é analisar se a
palavra "gladiador" tem nos dias atuais alguma ligação com o sentido inicial com o qual era
conhecida na época dos combates realizados antigamente. Faz parte da metodologia do estudo a
consulta a dicionários latinos, etimológicos e contemporâneos. A fundamentação teórica diz
respeito aos conceitos de significação e tema (ou sentido) tais como apresentados por
Bakhtin/Volochinov e comentados por Cereja. Os resultados demonstram que é notável a
diferença de sentidos que a palavra teve ao longo da história e permite concluir que significação
corresponde a sentidos que historicamente se sedimentam.
Palavras-chave: significação; tema; verbal; visual.

Abstract
The focus of this article is the verbal-visual meaning-making process on the cover of Veja magazine
published on March 14th, 2012, with the headline "O GLADIADOR TRANQUILO". The
objective is to analyse whether the meaning of the word "gladiador" is at present somehow linked
to its original meaning with which it was known in the time of ancient combats. The methodology
of the study involves the use of latin, etymological and contemporary dictionaries. The theoretical
foundations consists in the concepts of meaning and theme such as they are presented by
Bakhtin/Volochinov and commented on by Cereja. The results demonstrate the remarkable
difference between the meanings that the word had throughout history and allows to conclude that
meaning corresponds to themes that are historically sedimented.
Keywords: meaning; theme; verbal; visual.

Introdução

O uso da língua e da linguagem é uma das características dos seres humanos que os
diferencia dos outros animais. Sejam elas escritas ou orais, são empregadas pelas pessoas com muita
frequência e de forma ora mais, ora menos espontânea. Entretanto, dificilmente paramos para
pensar, pesquisar e analisar, por exemplo, qual é a origem das palavras que utilizamos no nosso
cotidiano e como esse conhecimento nos ajudaria a melhor compreendê-las ou interpretá-las. Nesse
sentido, a pesquisa apresentada neste artigo trata, dentre outras coisas, da palavra “gladiador”,
encontrada em uma das capas da revista Veja, mais precisamente na manchete “O GLADIADOR
TRANQUILO”, que se refere ao lutador brasileiro de Mixed Martial Arts (MMA), Anderson Silva.

1 Acadêmicas do 5º período do Curso de Licenciatura em Letras Português-Inglês da Universidade


Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Pato Branco.
2 Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP; Professor da Universidade

Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Pato Branco, selmolima@hotmail.com.


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Serão apresentadas: 1) a metodologia ou procedimentos de pesquisa utilizados no estudo,


desde a escolha da capa da revista até a seleção da palavra para análise; 2) a fundamentação teórica;
3) a análise da palavra “gladiador”, com pesquisa em dicionários e ênfase em suas diferentes
significações ao longo da história; 4) a relação da palavra “gladiador” com a palavra “tranquilo”,
bem como com o sintagma “o gladiador tranquilo”, que - como título-manchete - está intimamente
ligado à imagem, isto é, ao visual da capa; e, finalmente, 5) os resultados da pesquisa.

Aparentemente, a revista Veja empregou a palavra “gladiador” com o sentido atual de


“lutador”. Mas será que a palavra “gladiador” sempre teve esse sentido que conhecemos "tão bem"
hoje? Qual é a sua origem? Em que respostas para essas perguntas poderiam enriquecer e
aprofundar a compreensão ou interpretação da capa da revista?

Metodologia

Para a realização do estudo, após analisar diversas capas de revista, a equipe de pesquisa
optou pela análise da capa de uma edição da revista Veja, que traz a manchete “O GLADIADOR
TRANQUILO”. Essa escolha se explica pelo intrigante contraste que a palavra "gladiador" produz
em relação com a foto do lutador de MMA Anderson Silva. Participa desse contraste -
determinante para nossa escolha da capa - a palavra “tranquilo”, que introduz uma antítese na
relação com a palavra "gladiador" (como poderia um "lutador" desse tipo ser "tranquilo"?!), a qual
se amplia quando se considera o visual da capa: a foto do lutador com mãos em posição de prece,
oração ou meditação: alguém que busca a paz?

Como ponto de partida para a análise, empregamos dicionários etimológicos, nos quais
foram consultadas as origens das palavras "gladiador" e "tranquilo". Em seguida, com base nas
palavras latinas indicadas pelos dicionários etimológicos como precursoras dessas duas palavras,
foram empregados dicionários de tradução do latim para o português, com o intuito de verificar as
correspondentes traduções em português e suas possíveis acepções. Finalmente, com base nessas
informações, buscamos o significado atual de cada uma dessas palavras em dicionários
contemporâneos. Assim, foi feita uma comparação da significação original de cada palavra com
seus respectivos significados contemporâneos.

Posteriormente, levando em conta o contexto de produção da capa, identificamos o


sentido de cada palavra na relação com a matéria da revista, com o visual da capa e com o próprio
perfil do lutador.

Fundamentação Teórica

Na capacidade de significar de uma palavra, existem dois estágios: um "inferior", o da


significação, e outro "superior", o do sentido (ou do tema). A significação é um potencial de
construir um sentido, uma capacidade própria dos signos e das formas da língua. É mais estável, no
sentido de que tende a permanecer a "mesma". Assim, no estágio da significação, os elementos
linguísticos podem ser usados em diferentes enunciações, com a "mesma" significação.

Contrariamente à significação, o sentido não pode ser separado da enunciação, pois os dois
são a expressão de uma situação histórica real. Em consequência disso, o sentido é único e não
pode ser repetido, especialmente pelo fato de que os elementos extraverbais também participam da
construção do sentido, integrando a situação de produção, recepção e circulação do enunciado.
Dessa forma, o instável e o inusitado de cada enunciação, aqui entendida como produção de
enunciados, se juntam à significação e com ela constroem o sentido, que vem a ser o resultado final
desse processo, incorporando-se à significação, mas nem por isso deixando de ser sempre flexível,
mutável e renovável.
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A significação da enunciação, por exemplo, “Que horas são?”, é relativamente estável: ela
se constrói das significações de todas as palavras que fazem parte dela. Já o sentido dessa
enunciação não pode ser separado da situação histórica e não pode ser segmentado. Quando um
professor pergunta à classe: “Que horas são?”, pode estar querendo saber quantos minutos faltam
para o fim da aula; uma criança que faz esta mesma pergunta à mãe, que está fazendo o almoço,
pode querer saber a que horas o almoço será servido.

Portanto, enquanto a significação é abstrata e tende à permanência e à estabilidade, o


sentido é concreto e histórico e tende ao fluído, ao dinâmico. Se a significação está para o signo, o
sentido está para o signo ideológico (CEREJA, 2010 p.202; BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009, p.
128-136).

Análise

A origem das disputas entre gladiadores vêm de rituais fúnebres promovidos pelo povo
etrusco. Dois homens eram condenados a lutar para que o vencido fosse usado como sacrifício a
fim de acalmar as almas dos ancestrais do falecido. Com o passar do tempo, essas lutas foram
gradualmente perdendo a sacralidade e passaram a ser organizadas por Roma para a diversão do
povo. Na Roma Antiga, os gladiadores eram criminosos condenados, escravos e prisioneiros de
guerra. Como os gladiadores vencedores ganhavam fama e abundantes prêmios, alguns homens
livres passaram a participar desses duelos fazendo dessa atividade uma carreira profissional
(VITORINO, 2001, p.145).

"Gladiador" refere-se literalmente “àquele que usa o gládio” e vem do Latim gladiātor,
palavra que, por sua vez, se deriva da palavra também latina gladĭum (BUENO, 1974 p. 1581).
Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa Lexikon (2010), gladĭum significa “espada
de dois gumes”. Reforçando a ideia de que "gladiador" se deriva de gladĭum, foram encontradas nas
paredes das cidades romanas de Pompeia, Herculano e Puteoli diversas representações gráficas de
gladiadores, com destaque para a grande variedade de tipos e formas de armas que empunhavam
(GARRAFFONI, 2005, p.15).

O vocábulo gladĭum também tem sua origem. É aceito que gladĭum remonta ao período
céltico, visto que as palavras que expressam “espada” nas línguas célticas britânicas possuem uma
relevante conexão. Além do campo semântico de armamento, há a combinação característica entre
suas consoantes iniciais como em cleddyf (língua gaulesa), kleze (língua bretã) e clethe (língua córnica)
(HARPER, 2014). Levando o estudo mais a fundo, podemos relacionar as variações da palavra
"gládio" com o Proto-Indo-Europeu, a língua mais antiga a ser reconstruída com estudos histórico-
comparativos (O’BRIEN, 2014, p. 2). O Proto-Indo-Europeu possui a palavra qelad, que exprime
“bater, golpear” (LIEF, 2014).

E é exatamente em “bater, golpear” que Anderson Silva é “perito”. É lutador profissional


de MMA (Artes Marciais Mistas) que agrega diversas técnicas de luta como Boxe, Jiu-Jítsu e Caratê.
O ringue é octogonal, para evitar que o esportista se refugie em algum canto. As lutas preliminares
são realizadas em três assaltos de cinco minutos, enquanto as principais têm cinco assaltos de cinco
minutos. Diferentemente dos confrontos dos gladiadores, o objetivo da luta e seu término não
inclui a "morte" de um dos combatentes. No MMA, há cinco modos de encerrar a disputa: por
pontos dados pelos juízes; por nocaute – quando o jogador perde os sentidos; por nocaute técnico
– quando o lutador não tem mais condições de continuar; por finalização – quando o atleta é
imobilizado; e, finalmente, por desclassificação de um dos participantes (CORREIA e
NASCIMENTO, 2012, p. 94).
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No auge de sua carreira, Anderson Silva foi estampado na capa da revista Veja publicada
no dia quatorze de março de dois mil e doze:

Fonte: REVISTA VEJA, 2012.

O adjetivo "tranquilo" - presente no sintagma "o gladiador tranquilo" - vem da palavra


latina tranquillus, que significa “manso, quieto, sereno, sossegado” (CUNHA, 2010). Tendo
conhecimento sobre a atividade mortalmente agressiva de um gladiador, conforme nossa exposição
anterior, é curioso e contraditório ver Anderson Silva designado dessa forma e descrito pelo
adjetivo "tranquilo". O caráter antagônico dessa designação vai além das palavras: é também
apresentado no visual de capa, como elemento extraverbal. Na imagem, pode-se ver Anderson Silva
usando luvas, símbolo de sua profissão, enquanto junta suas mãos em posição de prece ou oração.
Essa forma de posição de mãos com os cotovelos levantados é chamada Namaste, saudação
tradicional indiana que geralmente é seguida por uma leve inclinação do corpo quando se deseja
demonstrar respeito (ARMY LOGISTICS UNIVERSITY, 2014). A inclinação conversa com as
artes marciais orientais – disciplinas integrantes do MMA –, visto que é comum o praticante fazer
uma pequena reverência antes de um duelo.

A matéria da revista explica o porquê de caracterizar Anderson Silva como “tranquilo”,


tanto no verbal quanto no visual: isso se deve ao fato de seu ofício violento supostamente não se
refletir em sua vida pessoal, pois - por exemplo - educa os cinco filhos à base de abraços, possui
aversão a velocidade, é aficionado por organização e ternos e coleciona bonecos (CORREIA e
NASCIMENTO, 2012, p. 89). Mas porque o chamam de "gladiador"? Anderson Silva é um lutador
profissional, que conseguiu fama e fortuna – algo igualmente buscado pelos gladiadores
profissionais da antiguidade. No entanto, o que Anderson Silva leva para o ringue não vai além de
calções, luvas e protetores bucais e genitais: nenhum gládio. Além disso, mortes supostamente não
são fervorosamente ansiadas pelo público.

Anderson Silva é visto como gladiador porque o combate de gladiadores, seja pela tradição
de martírios cristãos ou pela produção cinematográfica, foi impresso no imaginário ocidental ao
longo dos séculos (GRAFFONNI, 2005, p. 15). Contudo, a imagem de comum uso do vocábulo
"gladiador" nos dias atuais “relaciona-se mais aos modelos de gosto codificados do presente do que
àqueles aos quais um atento exame do passado remeteria” (VITORINO, 2001 p. 148). Olhando por
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esse prisma, o uso da palavra foi recriado, transformado e alterado através das épocas históricas.
Como explica Cereja (2010), “o tema se incorpora à significação, de modo que o sistema é sempre
flexível, mutável e renovável”.

Por fim, o Dicionário Houaiss (2001) já traz dicionarizado o verbete "gladiador" na


acepção de “lutador profissional”, o que se afasta em definitivo da significação inicial de "gladiador"
como “assassino”. Um sentido inédito foi construído com a palavra na manchete “O
GLADIADOR TRANQUILO” presente na capa da revista Veja. Anderson Silva é um gladiador,
sim, mas não como os de antigamente e talvez nem mesmo como os de hoje em dia. Supostamente,
de modo geral, os "lutadores profissionais" de MMA, os "gladiadores" da atualidade, não teriam
nada da “mansidão”, “quietude”, “serenidade” e “sossego” de Anderson Silva.

Considerações Finais

Neste artigo buscamos explorar a construção do sentido do vocábulo "gladiador" inserido


no contexto de uma capa de revista. Sendo assim, reforçou-se para nós a ideia de que uma palavra
pode ter diversos sentidos em diferentes situações sociais, históricas e comunicativas. O estudo do
contexto - juntamente com seus elementos extraverbais, especialmente visuais - nos permitiu
acessar fatores determinantes na identificação do processo de construção do sentido do enunciado
“O GLADIADOR TRANQUILO”.

Outro fator importante neste estudo foi a análise etimológica, que possibilitou uma clareza
maior sobre como se deu a notável transformação de sentido da palavra estudada ao longo de sua
história, das origens aos dias atuais. Verificamos que a significação da palavra "gladiador" se alterou
ao longo do processo histórico de transformação da língua, com a agregação de novos sentidos à
significação. A palavra "gladiador" pode já não ter o sentido exato que possuía quando essa espécie
de lutador originou-se. No entanto, Anderson Silva não deixa de ser, a sua maneira, um verdadeiro
"gladiador" dos tempos atuais. Para nós, fica então claro que a significação de uma palavra corresponde na
realidade a sentidos que historicamente se sedimentam.

Referências
ARMY LOGISTICS UNIVERSITY. India Customs. Disponível em:
<http://www.alu.army.mil/ALU_INTERNAT/CountryNotes/PACOM/INDIA%20CUSTOMS.pdf>.
Acesso em: 24 nov 2014.
BAKHTIN, Mikhail. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. 11. ed. São Paulo: Hucitec,
2009.
BUENO, Francisco da Silveira. Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa. São
Paulo: Brasília, 1974. 4v.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.
CEREJA, William. Significação e tema. In: BRAIT, B. (org.). São Paulo: Contexto, 2010.
CORREIA, Davi; NASCIMENTO, Silvio. Por que tanta gente está de olho em Anderson Silva. Veja, São
Paulo, n.11, p.88-98, 14 de março de 2012.
CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4.ed. Rio de Janeiro:
Lexicon, 2010.
GARRAFFONI, Renata Senna. Gladiadores na Roma Antiga: dos combates às paixões cotidianas. São
Paulo: Editora Annablume/ FAPESP, 2005.
HARPER, Douglas. "Gladiator". Online Etymology Dictionary. Disponível em:
<http://dictionary.reference.com/browse/gladiator>. Acesso em: 23 nov 2014.
LIEF, Philip. "Swordsman." Roget's 21st Century Thesaurus. Disponível em:
<http://www.thesaurus.com/browse/swordsman>. Acesso em: 23 nov 2014.
O’BRIEN, Joaquina. De onde surgiram as línguas européias?. The Magazine of the Hispanic and
Lusophone Communities. Disponível em:
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264
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<http://www.portvitoria.com/Documents/10_Article_PiresOBrien_LinguasEuropeias.pdf>. Acesso em: 24


nov 2014.
VEJA. São Paulo: Abril, 2012, ano 45, n.11, 14 de março.
VITORINO, Mônica Costa. A Figura do Gladiador. Belo Horizonte: UFMG, 2001.
Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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SOBRE A NOÇÃO DE POLÍTICO E AS RELAÇÕES DE SENTIDOS ENTRE


LÍNGUA E DISCURSO

Alâna Capitanio3

Resumo
Neste artigo, compreendemos como se constitui a noção de político, na perspectiva teórico-
metodológica da Análise de Discurso, desenvolvida nos trabalhos de Michel Pêcheux e Eni Orlandi,
principalmente. Para desenvolver nosso gesto de interpretação, perscrutamos o modo como se
constitui a noção de político como dissenso e como divisão do sentido. A partir disso,
compreendemos como esta noção de político implica no trabalho com a língua, com o discurso,
com os diferentes gestos de interpretação.
Palavras-chave: Político. Sentido. Língua

Abstract
In this article, we understand how it is constitute the notion of political, in the theoretical and
methodological perspective of Discourse Analysis, developed in the work of Michel Pêcheux and
Eni Orlandi, mostly. To develop our gesture of interpretation, we scrutinize how constitutes the
notion of political as dissent and as division of sense. From this, we understand how this notion of
political implies working with the language, with the discourse, with different gestures of
interpretation.
Keywords: Political. Sense. Language.

Introdução

Neste artigo, temos como objetivo compreender os sentidos que constituem as noções de
político, política na perspectiva discursiva da Análise de Discurso fundada, principalmente, nos
trabalhos de Michel Pêcheux e Eni Orlandi. Considerar essa reflexão sobre o político permite-nos
trabalhar a multiplicidade e divisão dos sentidos, da(s) língua(s), os lugares de resistência, os
diferentes gestos de interpretação.

Com Orlandi (2012a, p. 21), compreendemos que “não há sentido sem interpretação” e
que toda interpretação é um “gesto”, gesto este que acontece porque o espaço simbólico se marca
pela incompletude e pela relação com o silêncio. Assim, a interpretação constitui-se como “o lugar
próprio da ideologia, e é ‘materializada’ pela história” (ORLANDI, 2012a, p. 18).

Dito de outro modo, a autora afirma que a interpretação acontece de algum lugar da
história, da sociedade e tem uma direção a qual chamamos de política. Por isso, podemos sempre
compreender a textualização do político no gesto de interpretação, visto que o político é “o fato de
que o sentido é sempre dividido, tendo direção que se especifica na história, pelo mecanismo
ideológico de sua constituição” (ORLANDI, 2012a, p. 21-22).

Subsumindo esta reflexão, neste artigo, nosso aporte está no que Rancière (1995a, 1995b,
1996a, 1996b) desenvolve como política, enquanto dissenso, e Orlandi (2007, 2012b) sobre o político,
enquanto divisão do sentido. A partir do que os autores trabalham, pensamos o político em relação
ao discurso, à política(s) de línguas, à língua, ao(s) sentido(s).

3Mestre em Estudos Linguísticos, sob orientação do Prof. Dr. José Simão da Silva Sobrinho, pelo Programa
de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó –SC.
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Relações de sentidos: o político, o discurso, a língua

Para iniciar nosso gesto de interpretação sobre o político, nos é importante considerar, com
Rancière (1995a), que a escrita é um ato político, um ato que não pode ser realizado sem significar.
Mais do que o exercício mecânico de uma competência, o ato de escrever é “uma maneira de
ocupar o sensível e de dar sentido a essa ocupação”, seu gesto pertence à constituição estética da
comunidade que objetiva alegorizar essa constituição (RANCIÈRE, 1995a, p. 7).

A constituição estética, continua o autor, deve ser entendida como “partilha do sensível” a
qual dá forma à comunidade e significa

O modo como se determina no sensível a relação entre um conjunto comum partilhado


e a divisão de partes exclusivas. Antes de ser um sistema de formas constitucionais ou
de relação de poder, uma ordem política é uma certa divisão das ocupações, a qual se
inscreve, por sua vez, em uma configuração do sensível: uma relação entre os modos de
fazer, os modos de ser e os do dizer (RANCIÈRE, 1995a, p. 8, grifos do autor).

A partilha do sensível, explica o autor, é o sistema de evidências que, ao mesmo tempo,


revela a existência de um conjunto comum e dos recortes que nele definem lugares e partes, de
modo que, fixa um comum partilhado e partes exclusivas. A partilha do sensível constitui-se daquilo
que “faz ver quem pode tomar parte do comum em função daquilo que faz, do tempo e do espaço
em que essa atividade exerce” (RANCIÈRE, 1995a, p. 16).

Interpretamos, assim como afirma o autor, a política como um modo de determinação do


“sensível”, divisão dos espaços simbólicos destinados à determinada ocupação, uma forma de
visibilidade e dizibilidade do que é próprio e do que é comum. A política ocupa-se, assim, do que
se vê e do que se pode dizer sobre aquilo que é visto, de quem tem competência e qualidade para
dizer, das propriedades do espaço e do tempo. A escrita seria política, pois traça e significa uma re-
divisão entre as posições dos corpos e o poder da palavra soberana.

Nesse viés, Rancière (1996a) pensa a política em relação ao que ele formula como
desentendimento, dissenso, que não tem relação com o conflito daquele que diz algo e do outro que
diz outra. O desentendimento incide sobre aqueles que falam, tem relação à apresentação sensível
do comum, própria qualidade dos interlocutores em apresentá-lo, em que um dos interlocutores, ao
mesmo tempo, entende e não entende o dizer do outro.

O dissenso seria para Rancière (1996b) a divisão no núcleo do mundo sensível que institui
a política e sua racionalidade, sendo a racionalidade do político um mundo comum, instituído pela
divisão. Assim, a política se constitui como um modo de ser da comunidade que se opõe ao outro,
dito de outro modo, é um “recorte do mundo sensível que se opõe a outro recorte do mundo
sensível” (RANCIÈRE, 1996b, p. 368). O dissenso constitui-se como o conflito sobre a
constituição mesma do mundo comum, sobre o que nele se vê e se ouve, não sendo uma guerra de
todos contra todos, “ele dá ensejo a situações de conflitos ordenadas, a situações de discussão e de
argumentação” (RANCIÈRE, 1996b, p. 374).

A política é o que rompe com o lugar do estatuto social de um indivíduo ou grupo, que cria
atores novos, objetos novos, em relação a esta lógica, e começa justamente onde se para de igualar
as parcelas do comum, de equilibrar lucros e perdas. Ela é “sempre uma ruptura com a auto-
regulação, com a dominação” (RANCIÈRE, 1995b, s∕p), uma interrupção a qual institui a política
“como o desdobramento de um dano ou de um litígio fundamental”, sendo o dano outro modo de
nomear a divisão do sensível (RANCIÈRE, 1996a, p. 28).
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O autor exemplifica que a guerra dos pobres e dos ricos é uma guerra sobre a própria
existência do político, em que o litígio sobre a contagem dos pobres como povo e do povo como
comunidade, consiste no litígio em torno da existência da política, no qual há política. A política,
assim, é a esfera de atividade de um comum que é litigioso, “a relação entre as partes que não
passam de partidos e títulos cuja soma é sempre diferente do todo” (RANCIÈRE, 1996a, p. 29). A
política reside naquilo que escapa à medida ordinária que é nada ou tudo.

Rancière (1996a) define que existe política quando há encontro de dois processos
heterogêneos: o primeiro é policial e o segundo é da igualdade. A lógica policial e a lógica igualitária
devem se encontrar, ter um ponto de encontro para que haja política.

O autor se refere à polícia como a lei, normalmente implícita, que define a parcela ou a
ausência das partes, uma ordem dos corpos que define os modos de ser, de dizer e que faz com que
esses corpos sejam designados pelos seus nomes a fazerem tal tarefa. A polícia é “uma ordem do
visível e do dizível que faz com que essa atividade seja visível e outra não o seja, que essa palavra
seja entendida como discurso e outra como ruído” (RANCIÈRE, 1996a, p. 42).

O segundo processo, chamado de igualdade pelo autor, diz respeito às práticas guiadas pela
suposição e igualdade de qualquer ser falante com outro ser falante no intuito de averiguar essa
igualdade. Ela não é algo que a política aplica e sim uma “pressuposição que deve ser discernida nas
práticas que a põem em uso” (RANCIÈRE, 1996a, p. 45). Esse princípio, afirma o autor (1996b),
só tem efeito quando se considera o dissenso, o qual irrompe uma lógica da dominação que se
considera natural.

Guimarães (2005), a partir da própria leitura que faz de Rancière, formula o político como
“um conflito entre uma divisão normativa e desigual do real e uma redivisão pela qual os desiguais
afirmam seu pertencimento” (GUIMARÃES, 2005, p. 16). O autor afirma que o político é, assim,
afirmação da igualdade, do pertencimento, num conflito com a divisão desigual do real, para
redividi-lo em nome do pertencimento de todos no todo. O político está sempre dividido pelas
desmontagens da contradição que o constitui, sendo essa desmontagem um esforço de silenciar a
contradição, em vista de um político como ação homogeneizadora que tanto se esgota no
administrativo como no que Rancière (1996a) denomina como polícia.

A partir do que Rancière (1996a) pontua sobre polícia e igualdade, entendemos que, nas
condições de produção da mundialização/globalização, “cada vez mais há uma saturação ‘policière’
da política, é o que se chama de consenso, nas nossas sociedades” (RANCIÈRE, 1995b, s/p). O
autor exemplifica que grupos entram na lógica de realizar pactos, acordos para fixar os limites do
possível, com parceiros sociais definidos, já identificados e integrados. A ausência de política, isto é,
a existência dessa regra consensual, é o que podemos ver acontecendo pelo retorno do poder
carismático, das guerras étnicas, racismo, xenofobia, ou seja, é a modernidade, que é também o
consenso, o mercado, etc.

Rancière (1996a) conceitua o consenso como uma relação de circularidade entre natureza e
lei. A lei tem como princípio “estabelecer a permanente conversibilidade do Um da lei com o Um
do sentimento que define o estar-junto” (RANCIÈRE, 1996a, p. 121, grifo do autor). O sistema
consensual, assim, repousa sobre os axiomas “o todo é tudo, o nada não é nada” (RANCIÈRE,
1996a, p. 123), repousa naquilo que chamamos de democracia. O consenso tem a pretensão de
fazer desaparecer a cena política do dissenso, não quer mais sujeitos divididos, mas partes reais do
corpo social, corpo e agrupamento enumeráveis, bem identificados a sua raça, etnia. Assim, por
exemplo, Rancière (1996b) afirma que em vez de ter a figura política do proletário, aparece o
imigrado, identificado pela raça, cor. A ação política que considera o dissenso é que rompe com os
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sentidos naturalizados, ditos como evidentes, com o consenso. Assim, a política rompe com a
ordem lógica da polícia.

Disso que tecemos a partir do autor, compreendemos que nos é importante considerar a
política enquanto dissenso, como divisão do sensível, que rompe com os sentidos considerados
evidentes, naturalizados. Bem como, nos interessa os sentidos que produzem o consenso, o
apagamento da política pela polícia, produzindo efeitos nas relações entre língua, Estado e nação.

É importante considerar, assim como Orlandi (2012a), que o político “é o fato de que o
sentido é sempre dividido, tendo uma direção que se especifica na história, pelo mecanismo
ideológico de sua constituição” (ORLANDI, 2012a, p. 21-22). Dessa forma, continua a autora, a
interpretação, lugar próprio da ideologia, acontece de algum lugar da história e da sociedade e tem
uma direção política, que faz com que o sentido seja dividido, movimente-se, não sendo qualquer
um, mas constituído pela língua na história.

A autora continua afirmando que a compreensão é política, pois dá abertura à problemática


do simbólico e do político, trabalhando a contradição, a divisão do sentido, pela desterritorialização
da noção de leitura, pela noção de discurso. A noção de discurso possibilita trabalhar as reflexões
sobre sujeito e situação, isto é, as condições de produção em que os sentidos se constituem.

O discurso, como afirma Orlandi (2012c), é sempre incompleto, um processo contínuo que
não se esgota em uma situação particular, pois o que sempre temos são trajetos, pedaços, estados
do processo discursivo. Conceituado por Pêcheux ([1969]4 2010a, p. 81) como “efeito de sentidos”,
o discurso é produzido a partir de determinadas condições de produção, as quais compreendem os
sujeitos e a situação, bem como a memória, as filiações de sentidos.

Subsumindo esse modo de compreender o discurso, Pêcheux ([1977] 2012b, p. 24) afirma
que a prática política é a “transformação de relações sociais dadas em novas relações sociais
produzidas por meio de instrumentos políticos”, sendo este instrumento de transformação da
prática política o discurso. Não significa que a política se reduza ao discurso e sim que toda decisão
no sentido político “adquire seu lugar na prática política como uma frase em um discurso”
(PÊCHEUX, [1977] 2012b, p. 24, grifo do autor). Por prática, o autor entende ser todo o processo de
transformação de certa matéria-prima em um determinado produto. Essa transformação é efetuada
por um trabalho humano determinado, utilizando também determinado meio de produção.

O político, conforme Orlandi (2012a), é mediador nos confrontos de sentidos, de modo


que os lugares os quais correspondem aos gestos de interpretação do político, como nação, Estado,
governo, etc., constituem-se como catalizadores desses sentidos. Contudo, com as transformações
das relações sociais, das relações entre países, nas condições de produção da
mundialização/globalização, há o silenciamento do político, há o que Rancière (1996a) apresenta
como o apagamento da política pela polícia, que resulta nas catástrofes, guerras, racismo, lutas
nacionalistas.

Nesse sentido, a discussão que consideramos sobre político, política, polícia é essencial
porque é na língua que esses confrontos se explicitam, “lugar de relação à história e ao social e lugar
de singularidades” (ORLANDI, 2012a, p. 131). Por esta razão, concordamos com Orlandi (2012c,
p. 34), que o político se constitui como “relações de força que se simbolizam”, reside no fato de
que os sentidos são determinados pela forma da organização social que se impõe para um indivíduo
interpelado pela ideologia.

4A data entre colchetes refere-se à primeira edição da obra na língua original, a outra data é a da edição
consultada.
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Compreender o político é entender, conforme a autora, que sujeitos e sentidos são


divididos, que não há como não estar no discurso sem constituir-se em uma posição-sujeito, a qual
se inscreve em formação discursiva. Essa formação discursiva constitui-se como projeção da
ideologia no dizer que faz com que sujeito e sentido tenham uma direção em relação com a
ideologia.

Consideramos a língua “dividida” (GUIMARÃES, 2005, p. 18), “afetada desde sempre


pelo político” (ORLANDI, 2007, p. 8), uma questão política. Assim quando pensamos em política
de línguas damos um sentido político à língua. A partir disso, procuramos com Orlandi (2012c)
trabalhar a política da língua materializada na formulação, pelos gestos de interpretação, buscando
compreender a determinação histórica dos sentidos, o funcionamento do político.

Subsumindo que a língua é constitutiva do político, compreendemos, à luz de Orlandi


(2013), a política de línguas a partir de três posições distintas: da unidade como valor, da diversidade
como valor, da dominação como valor. A unidade está relacionada às razões do Estado, das
Instituições, como o caso da construção da identidade nacional brasileira, em que uma unidade
linguística imaginária foi imposta frente à diversidade regional e às influências de outras línguas,
como exemplifica Mariani (2004). Continua a autora, a dominação tem suas razões que regem as
relações entre povos, entre nações, e Estados, que podemos exemplificar pelo caso das conquistas
das colônias, em que uma língua se impõe pela lei, pela força, pelo contato. A diversidade tange as
razões relativas aos que falam as línguas, significa a diversidade concreta das línguas, ou seja, sua
forma material.

A unidade e a diversidade são questões que devem ser tratadas de modo inseparável. A
unidade não é somente questão do Estado, ela é a condição necessária da constituição de qualquer
língua (ORLANDI, 2013). Podemos pensar a língua portuguesa no Brasil em sua unidade, como
língua nacional e oficial do Estado, sustentada pelos instrumentos linguísticos, e sua diversidade que
considera a coexistência de línguas indígenas, de imigrantes, etc.

Para cada uma dessas posições, Orlandi (2013) argumenta que os princípios éticos são
diferentes e estão quase sempre em relação de contradição. E é este ponto que acreditamos ser
essencial: considerar a contradição como princípio ético, visto que a produção de um conhecimento
sobre a língua e a(s) política(s) de línguas se constituem na relação com esse jogo contraditório, que
é político. A política de línguas é um trabalho que relaciona o político, o sujeito, a língua, as línguas
e o saber sobre as línguas.

Nesse viés, concordamos com Mariani (2004) que uma política linguística (entendida como
sinônima de política de línguas) é resultante das condições históricas de relações entre línguas em
um determinado momento, em um determinado espaço-tempo de prática discursiva que emerge
como resultado de uma tentativa de organização das práticas significativas e das forças sociais que
se encontram em jogo.

Por isso, Orlandi (2013, p. 140) afirma que “ao se definir que língua se fala, com que
estatuto, onde, quando, e os modos de acesso a ela”, como por exemplo, pela legitimação de
acordos, pela construção de instituições linguísticas, está se praticando as diferentes formas das
políticas de língua, ao passo que, para identificá-las, “está-se produzindo seu conhecimento, sua
análise, e dando a ela configuração singular” (ORLANDI, 2013, p. 140).

Isso se deve ao considerar discursivamente, afirma Orlandi (2007), a língua como um corpo
simbólico-político, afetada desde sempre pelo político que faz parte das relações entre sujeitos em
sua vida social e histórica. Por isso, pensar em política de línguas é compreender as formas sociais
sendo significadas por e para sujeitos históricos e simbólicos, conforme suas formas de existência,
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de experiência, no espaço político de seus sentidos.

Considerações finais

Na escrita deste trabalho, que se constitui por si só como um ato político, nos desafiamos a
compreender o modo como consideramos a noção de político, política, na filiação teórica da
Análise de Discurso que considera a multiplicidade do sentido, o sentido em relação a outro, nunca
inacabado, mas sempre em movimento. E, assim, observamos o funcionamento do político,
estruturante da divisão do sentido, da língua, dos espaços simbólicos.

Nessa perspectiva, falar do político “é remeter para uma divisão no processo de produção
dos sentidos, uma divisão da qual não se tem como escapar” (MARIANI, 2004, p. 42). E é na língua
que observamos esse funcionamento, língua que é capaz de falha, de brechas, de aberturas, de
resistência, lugar de trabalho do político.

Assim, finalizamos este trabalho inserindo-o um ponto final necessário, uma pontuação na
qual, conforme Orlandi (2012c, p. 126) “o sujeito trapaceia com a incompletude e com a sua
dispersão, produzindo imaginariamente a imagem do Um, do Completo, do Acabado, do Finito”.

Referências
GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento. 2 ed. Campinas, SP: Pontes, 2005.
MARIANI, B. Colonização Linguística: Línguas, política e religião no Brasil (séculos XVI a
XVIII) e nos Estados Unidos (século XVIII). Campinas, SP: Pontes, 2004.
ORLANDI, E. Apresentação. In: Orlandi, E. (org.). Política Linguística no Brasil. Campinas,
SP: Pontes, 2007.
______. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 6 ed. Campinas, SP: Pontes
Editores, 2012a.
______. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas, SP: 3. ed. Pontes
Editores, 2012b.
______. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas, SP: 3. ed. Pontes
Editores, 2012c.
______. Língua e conhecimento linguístico: para uma história das ideias no Brasil. 2 ed. São
Paulo, SP: Editora Cortez, 2013.
PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução: Eni P.
Orlandi, 4 ed. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2009.
______. Reflexões Sobre a Situação Teórica das Ciências Sociais e, especialmente, da Psicologia
Social. In: ORLANDI, E. (org.) Análise de Discurso Michel Pêcheux. Textos escolhidos por:
Eni Puccinelli Orlandi. Tradução: Mariza V. da Silva e Laura A. P. Parisi. 2 ed. Campinas, SP:
Pontes, 2012.
RANCIÈRE, J. Políticas da Escrita. São Paulo, SP: Editora 34, 1995a.
______. Os riscos da Razão. Rancière em entrevista a Vinicius Torres Freire. Folha de São Paulo,
10 set. 1995b. Disponível em <
http://almanaque.folha.uol.com.br/entrevista_filosofia_jacques_ranciere.htm >, Acesso em: 05
ago. 2014.
______. O Desentendimento. Política e Filosofia. São Paulo, SP: Editora 34, 1996a.
______. O Dissenso. In: NOVAES, A. (org.) A Crise da Razão. São Paulo, SP: Companhia das
Letras, 1996b.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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DO PICADEIRO À ESCOLA: AS ATIVIDADES CIRCENSES E AS RELAÇÕES COM A


EDUCAÇÃO FÍSICA

Aline de Souza Caramês5


Daiane Oliveira da Silva6
Hugo Norberto Krug7

Resumo
O estudo objetivou verificar a importância das atividades circenses como uma das práticas
corporais inseridas nos conteúdos da Educação Física Escolar de forma a propor a compreensão de
questões culturais do circo. A pesquisa caracterizou-se como descritiva exploratória pautada em
achados científicos. As discussões mostraram que as transformações no mundo do circo foram
mudanças significativas na cultura e que podem ser tratadas na Educação Física Escolar, para
favorecer ao aluno um conhecimento corporal amplo e da realidade, pois através da reflexão sobre
si mesmo e a cultura ocorrerá o desenvolvimento do pensamento crítico e da formação integral.
Palavras-chave: Atividades Circenses. Cultura. Escola. Educação Física.

OF RING TO SCHOOL: THE CIRCUS ACTIVITIES AND THE RELATIONS WITH


THE PHYSICAL EDUCATION

Abstract
The study aimed to verify the importance of circus activities with a of the corporal practices
inserted in school physical education content so the to propose the understanding of cultural issues
of the circus. The methodology was characterized with descriptive exploratory research guided in
scientific findings. The discussions showed that the changes in the world of the circus were
significant changes in culture and that can be treated in school physical education, for favor the
student a knowledge body broad and also of reality, because through of the reflection about
yourself and the culture may occur the development of critical thinking and of the integral
formation.
Keywords: Circus Activities. Culture. School. Physical Education.

Considerações iniciais

A escola é um meio educacional significativo em relação ao oferecimento de oportunidades


e de desenvolvimento integral das pessoas. A Educação Física enquanto componente curricular da
escola, para o Coletivo de Autores (1992), tem como conteúdos clássicos da cultura corporal, o
jogo, o esporte, as lutas, a dança e a ginástica. Portanto, o foco da área não deve estar ligado apenas
às habilidades e às competências para o esporte, mas para a ampliação dos conteúdos no âmbito da
cultura corporal. Dizem que os conteúdos são conhecimentos necessários à apreensão do
desenvolvimento sócio-histórico das próprias atividades corporais e à explicitação das suas
significações objetivas. Deve-se considerar a seleção e organização dos conteúdos para promover a
leitura da realidade, analisando a origem do conteúdo e, assim, conhecer o que determinou a
necessidade de seu ensino.

5 Mestre em Educação Física (UFSM); aline.geralda@gmail.com.


6 Mestre em Educação Física (UFSM); daí_tupa@yahoo.com.br.
7 Doutor em Educação (UFSM); hnkrug@bol.com.br.
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Bortoleto (2008) aponta um caminho em que as atividades circenses são divididas em


unidades didáticas pedagógicas que facilitam o desenvolvimento teórico- prático dos conteúdos
para uma melhor organização desses. Essas unidades englobam acrobacias, equilíbrios, encenação,
atividades aéreas e de manipulação de objetos.

É importante ressaltar que o circo faz parte do acervo cultural da humanidade, como
parcela integrante da difusão das artes e da cultura popular. Desse modo, sugere-se que as
atividades circenses possam ser incluídas nas escolas como conteúdo das aulas de Educação Física,
proposta como mais uma prática corporal que venha somar-se aos aspectos culturais no processo
pedagógico. Assim, a partir destas premissas, o estudo objetivou verificar a importância das atividades
circenses como uma das práticas corporais inseridas nos conteúdos da Educação Física Escolar de forma a propor a
compreensão de questões corporais do circo.

Decisões metodológicas

O estudo caracterizou-se como uma pesquisa qualitativa descritiva e exploratória. Para


Fazenda (1989), na pesquisa qualitativa se fundamenta em um trabalho descritivo de situações,
pessoas ou acontecimentos em que todos os aspectos da realidade são importantes. Severino (2007)
diz que na pesquisa exploratória busca-se levantar informações sobre um determinado objeto,
delimitando um campo de trabalho, mapeando as condições de manifesto do mesmo.

Desta forma, na realização do estudo utilizou-se achados científicos com temas sobre a
cultura e sua relação com a Educação Física, isto é, sobre o desenvolvimento de atividades circenses
na Educação Física Escolar e questões culturais do circo.

A análise se deu a partir da relação como a cultura é tratada na Educação Física, e as


contribuições que têm com as atividades circenses, através de uma possibilidade de aproximar a
evolução do mundo circense com as aulas de Educação Física. A discussão foi realizada por meio
de elaboração da síntese interpretativa. De acordo com Minayo (2011), deve-se elaborar uma
redação onde ocorra um diálogo dos temas tratados na pesquisa com os objetivos, podendo incluir
as questões e os pressupostos da pesquisa. Assim, a interpretação da análise de dados obtidos foi
realizada de modo a contemplar a importância e a relação que as atividades circenses têm com a
Educação Física, sendo esta baseada no caráter cultural que envolve as transformações do circo.

A cultura do circo: a arte milenar da lona ao palco

O circo é considerado pelo Ministério da Cultura como um patrimônio histórico da cultura,


pois constitui uma forma de expressão fundamental para a formação da cultura brasileira pelo seu
modo itinerante de ser e a capacidade de trazer influências em todo território. Castro (2005) salienta
que a ideia de circo vem de concepções ligadas às características peculiares unidas em artes como
pinturas chinesas com retratos de acrobatas, equilibristas e contorcionistas, onde nesse período,
havia o uso de elementos como adestramento de animais, malabarismo, acrobacias e magia em
treinamentos de guerreiros para favorecer competências ligadas às capacidades corporais. Essa
manifestação cultural foi se desenvolvendo através dos saltimbancos, que realizavam apresentações
de malabarismos e acrobacias em feiras e praças públicas. Destaca que no decorrer das
transformações da sociedade ao longo dos anos, até hoje são desenvolvidas novas possibilidades do
trabalho com o corpo do homem que não são necessariamente sob uma lona, chegando aos
diferentes níveis de classes sociais que confraternizam a magia do universo circense em praças,
teatros e casas de shows. Ainda deve ser considerado que os artistas circenses trazem contribuições
artísticas e culturais que há séculos enriquecem a variedade de conhecimentos culturais numa
simbologia de características que, posteriormente, possibilitaram uma relação com o processo
educativo. Já Geertz (2008) diz que os símbolos que compõem a cultura se objetivam em ações
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públicas e observáveis que buscam sentido ao modo de vida dos grupos. Por essa importância cria-
se a possibilidade de trazer o tema circo para dentro da escola.

Relativamente às transformações culturais é evidente que a tecnologia proporcionou a


criação de variadas formas de diversão e lazer para as pessoas, inclusive no meio circense,
destacando a relação com a estrutura do circo, e consequentemente a isso, as diferentes
modalidades surgidas no processo histórico de seu desenvolvimento. Corroborando com isso,
Geertz (2008) coloca que compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir
sua particularidade.

De acordo com Barone (2006) a cultura circense baseou-se em dois pilares: a transmissão
oral do conhecimento e a estrutura familiar. Isso se dava em grupos relativamente fechados com
aprendizagem sigilosa, onde os incluídos tinham diferentes graus de parentesco e os saberes obtidos
eram passados de geração a geração, assim as técnicas e os valores desenvolvidos eram preservados.
É possível observar que havia um cunho pedagógico que envolvia o processo de ensino-
aprendizagem, pois desde cedo as crianças, cujo seus familiares pertenciam ao âmbito circense,
eram desenvolvidas em vários ofícios e logo que adquiriam experiência, estavam aptas a mostrarem
seu conhecimento no picadeiro. O conhecimento artístico e de habilidades era exclusivo da família
e se dava através do mestre (que era como a figura de um professor) assim como todos os afazeres
do circo eram de responsabilidade dos familiares.

Para Silva (2006) o modelo de circo ocidental se enraíza numa cultura conservadora. As
trupes circenses consolidam uma tradição caracterizada por um forte vínculo social, tendo a família
como base de sustentação. Era o ‘circo dos tradicionais’. A organização do trabalho forma um
conjunto entre a socialização, a formação e a aprendizagem que são articuladas e dependentes, onde
o objetivo não era apenas organizar o trabalho e produzir um espetáculo, mas manter o circo
família.

Com o passar do tempo surgiram modificações das formas de entretenimento devido à


difusão dos meios de comunicação, à própria organização social circense e ao distanciamento das
novas gerações com a cultura circense. Mas, eis que foram incluídas novas modalidades no meio
circense como a dança, a música e o teatro, trazendo inovações, com uma nova linguagem e o
modo de ver e democratizar a cultura circense (SILVA, 2006). Já Duprat (2007) destaca que muitas
companhias passaram a não ter picadeiro, nem lona, e se apresentam, na maioria das vezes, em
teatros, casas de espetáculo ou outro espaço, sempre buscando a modernidade às artes circenses.

As atividades circenses e a relação com a Educação Física

Na Europa no século XIX, o circo era uma atividade de grande fascínio pelas variações do
trabalho com o corpo, onde, conforme Soares (2001), nesse processo há o surgimento do ‘corpo
educado’ que é o resultado da lenta elaboração de formas distintas de intervenção dirigida ao
exterior com a intenção de atingir a alma humana. Contrapondo a burguesia da época, os artistas
realizavam práticas corporais descompromissadas, com simples espetáculos realizados em feiras e
circos, com palhaços, acrobatas, gigantes e anões despertando sentimentos variados no público
durante as apresentações. Entretanto, estes sentimentos eram desvalorizados pela burguesia,
considerados inúteis ao trabalho, pois o artista fazia uso excessivo da força e energia. Mas logo, a
ginástica passou a ser científica e despertou o interesse da burguesia, que a utilizou como um
instrumento disciplinador de posturas, ações e gestos contribuindo para que o indivíduo obtivesse
noções de economia de tempo, gasto de energia e para cultivar a saúde, com caráter ordenativo,
disciplinador e metódico.
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Segundo o Coletivo de Autores (1992) a prática da ginástica é necessária na medida em que


a tradição histórica do mundo ginástico é uma oferta de ações com significado cultural para os
praticantes, onde as novas formas de exercitação em confronto com as tradicionais possibilitam
uma prática corporal que permite aos alunos darem sentido próprio às suas exercitações ginásticas.

A ginástica é vista no circo das mais variadas formas que vão desde acrobacias de solo à
atividades aéreas. Assim, temos um quadro proposto por Xavier (2005).

Domínios Ginástica Circo


Do Ginástica Artística e Rítmica: saltos, giros, poses, Acrobacia de solo: individu-al,
corpo rotações, equilíbrio e flexibilidade, execuções na em pares, grupos (pirâmi-des
trave de equilíbrio humanas) usando bancos
De objetos Ginástica Rítmica Desportiva:– arcos, cor-das, Malabarismo: swings, claves,
fitas, bolas e maças arcos, diabolos, bolas
De Ginástica Artística ou Olímpica: barras fixas, Acrobacias aéreas: trapézio,
espaços paralelas, cavalo com alças e argolas tecido, cama elástica, corda,
mastro chinês

Este quadro mostra uma relação das atividades do circo com a ginástica como se fossem as
transformações e adaptações ocorridas da ginástica para as atividades circenses envolvendo
domínios do corpo, objetos e diferentes espaços. Além dessas modalidades, há a modalidade de
equilíbrio onde envolvem pernas de pau, monociclo, rolo americano e até mesmo malabarismos de
equilíbrio que se torna mais difícil relacionar diretamente com a ginástica devido as suas
particularidades específicas.

Para o esclarecimento destas mudanças, Bortoleto (2008) destaca que o circo sempre
buscou nutrir-se da tecnologia de seu tempo, porém em alguns momentos e lugares, ainda hoje, é
possível observar certo descompasso com outros recursos, saberes e tecnologias existentes. Os
contrastes do circo ainda são visíveis embora a tecnologia seja um recurso que pode contribuir para
a evolução. Porém, os grandes custos desses recursos impedem e dificultam o desenvolvimento de
alguns circos.

A cultura do circo é uma cultura que, mesmo com toda adversidade e dificuldade
encontradas, é algo que permanece se disseminando e sendo cultuada por inúmeros artistas das
mais variadas etnias. Geertz (2008) trata a cultura como uma teia de significados que o próprio
homem teceu e a sua análise se dá por meio de uma ciência interpretativa que procura um
significado. E que para entendê-la é preciso analisar como as pessoas são, como se relacionam,
como interagem e assim, ver o significado das ações desenvolvidas pelos indivíduos na sociedade.

Partindo deste pressuposto, também tem importância no âmbito escolar e, nesse caso,
enfatizando as aulas de Educação Física, já que busca seus significados e objetivos próprios e
também sofre influências das culturas impostas pelo próprio homem. Fazem parte do componente
curricular da Educação Física, as mais variadas formas de manifestações. De acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) a Educação Física Escolar conta com diversos
componentes, destacando-se as formas expressivas corporais: o jogo, o esporte, a dança, a ginástica,
as lutas, as atividades expressivas e rítmicas e outras manifestações com características lúdicas.

Neste sentido, a Educação Física teve contribuições das Ciências Sociais e Humanas para
elaborar explicações em relação ao movimento humano, tratando a Educação Física como
fenômeno cultural, o qual, de acordo com Daolio (2004), o termo “cultura” se tornou a principal
categoria de conceitos na área da Educação Física. Tem-se a cultura corporal como uma área de
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conhecimentos entendida pelo Coletivo de Autores (1992) como a maneira de tematizar formas de
atividades expressivas corporais no âmbito escolar, por meio da Educação Física, tratadas como
prática pedagógica que precisa ser transmitida e assimilada pelos alunos. Além disso, para estes
autores, por meio da cultura corporal busca-se desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo
de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história,
exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte,
malabarismo, contorcionismo, mímica e outros que podem ser identificados como formas de
representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente
desenvolvidas.

Para Bracht (1992) os conteúdos ensinados são selecionados de uma realidade fora da
escola, mesmo que esteja voltada a ela. O professor deve saber que o que é desenvolvido nas aulas
vem da cultura corporal, sendo uma produção humana.

Já o Coletivo de Autores (1992) concordam com o vínculo entre Educação Física e cultura.
Acreditam que todas as manifestações corporais do homem são geradas na dinâmica cultural
humana durante toda sua evolução tendo significados próprios e diversificados de acordo com o
contexto de determinados grupos culturais. Além disso, a análise de uma expressão na dinâmica
cultural específica do contexto onde é realizada determina se uma ação corporal é digna de trato
pedagógico na Educação Física.

Um dos pontos destacados por Bortoleto e Machado (2003) é o fato de que a atividade
circense é um conteúdo tão legítimo e importante quanto os conteúdos tradicionais da Educação
Física, e, por isso, também deve-se dar atenção à cultura corporal que essas atividades circenses
representam. O Coletivo de Autores (1992) diz que a Educação Física na escola deve propor uma
ação pedagógica com a cultura corporal e a linguagem deve auxiliar o aluno na compreensão de seu
sentir corporal.

O trabalho das atividades circenses no âmbito da Educação Física Escolar podem englobar
os fatores presentes na cultura corporal, fazendo uma aproximação que abrange desde os
conhecimentos motores, cognitivos até os conhecimentos culturais. Duprat e Bortoleto (2007)
mostram que a Educação Física Escolar é responsável pelo espaço de ‘vivência’, que tem como
objetivo inserir os alunos em contato com a cultura corporal. Para isso, o interesse pedagógico não
deve estar centralizado no domínio técnico dos conteúdos, mas sim no domínio conceitual deles,
dentro de um espaço humano de convivência, onde há possibilidade de serem vivenciados valores
humanos que aumentem os graus de confiança e de respeito entre os integrantes do grupo.

Bracht (1992) coloca que o movimento a ser tratado pela Educação Física, como disciplina
escolar, é aquele que carrega determinado sentido/significado conferido por um contexto histórico-
cultural. E assim, por ter um determinado sentido e significado, como manifestação artística e parte
da cultura corporal, a arte circense pode ter justificada sua presença na escola. Deve-se levar em
consideração que as atividades circenses devem ser tratadas pela Educação Física como um
conteúdo sendo estimulado por um processo pedagógico que insira esse tipo de atividade nas aulas.

Para Gáspari e Schwartz (2007) o universo circense possui elementos lúdicos, expressivos e
comunicativos dentro dos aspectos físico, psíquico e sócio cultural com contribuição riquíssima na
área de conhecimento da Educação Física. Em tempos de competitividade acirradas, inegáveis são
as contribuições das atividades físicas que proporcionam experiências sensíveis, capazes de
promover o encontro do ser humano consigo mesmo e com o outro de um modo que a atividade
circense consegue fazer.
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Conforme Baroni (2006), as atividades do universo circense envolvem riso, a


expressividade, a alegria, o prazer, a brincadeira, o lúdico, o sensível, o belo, a afetividade, a
criticidade, a criatividade, o jogo, a linguagem dentre outras. Já para Duprat (2007) a atividade
circense entra como divisor de águas, analisando que é possível romper com os padrões
estabelecidos com a Educação Física “rotineira”. Corroborando com isso, Invernó (2003) acredita
que a atividade circense se configura como uma atividade que reúne vários conhecimentos de
caráter educativo o que é suficiente para abordar tal arte no currículo não só da Educação Física,
mas de outras disciplinas escolares. Para Bortoleto (2008) a socialização do conhecimento
universalmente produzido está inserida em campo de conhecimentos da cultura corporal, ao qual o
aluno tem direito a conhecer e compreender as diferentes manifestações culturais produzidas ao
longo da história. Destacam sobre conhecer a evolução de sua cultura patrimonial, vivenciar esse
patrimônio, e de posse dele apropriar-se das outras manifestações culturais, evitando ou eliminando
a substituição da cultura patrimonial pela cultura hegemônica.

É possível constar que é necessária a quebra do distanciamento entre a escola com a arte
circense e assim, podemos pensar num processo de ensino/aprendizagem que se dê não
necessariamente sob uma lona, mas também no âmbito escolar. Considerando que os conteúdos
desenvolvidos nas aulas de Educação Física se dão por meio de conhecimentos culturais do meio
circense que podem ser desenvolvidos como novas experiências levando em consideração a
relevância do tema abordado.

Todos estes temas discutidos sobre o universo circense e as mudanças ocorridas nele,
podem ser desenvolvidas durante as atividades da aula com situações de resolução de problemas
que façam com que os alunos sejam instigados e reflitam para compreender o contexto de sua
realidade social.

Considerações finais

A inserção das atividades circenses não visa negar os conteúdos já existentes que são
desenvolvidos na Educação Física, mas sim, apontar uma perspectiva que vai além do que já é
proposto nas aulas. O estudo mostrou que a Educação Física Escolar também tem a função de
mostrar e ensinar ao aluno sobre os conhecimentos sociais decorrentes de uma sociedade que
sofreu e vem sofrendo constantes transformações culturais capazes de transformar a realidade e o
contexto que o aluno está inserido.

Ter a consciência do desenvolvimento das atividades circenses na Educação Física, dando


um trato que relacione com questões culturais do mundo circense, acarreta um significado de
relevância para o contexto da disciplina. Mostra, não apenas a prática pela prática, mas trás
apontamentos para que esta seja dotada de um significado e tenha um sentido. Busca a
compreensão e reflexão do aluno sobre o lugar em que está e a cultura que o rodeia, valorizando e
trazendo contribuições para seu pensamento crítico.

Em virtude da sua riqueza cultural, o circo pode ser abordado nas aulas de Educação Física
Escolar, desenvolvendo uma aproximação de modo a incluir suas práticas aos saberes culturais,
destacando e considerando que é possível essa relação, que vem a ser estimulada num processo
pedagógico envolvendo ensino/aprendizagem.

A importância da diversidade da cultura corporal e a maneira de tratar uma abordagem


diferenciada em relação à prática da Educação Física Escolar que evite os métodos tradicionais de
ensino, se dá pelo fato de que, nas atividades circenses, há o desenvolvimento de inúmeras
capacidades, onde estão inseridos diferentes tipos de experiências com essa forma de manifestação
que envolve questões artísticas, culturais e até mesmo corporais. E assim, por meio das atividades
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circenses, é possível que o aluno conheça a riqueza dos conhecimentos da cultura humana que foi
desenvolvida durante o processo histórico da sociedade.

Referências
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Prática, v.9, n.1, p.81-89, 2006.
BORTOLETO, M.A.C. Introdução à pedagogia das atividades circenses. Jundiaí: Fontoura,
2008.
BORTOLETO, M.A.C.; MACHADO, G.A. Reflexões sobre o circo e a Educação Física.
Corpoconsciência, n.12, p.39-69, 2003.
BRACHT, V. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação
Física. V.7. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CASTRO, A.V. O elogio da bobagem. Rio de Janeiro: Alice de Castro, 2005.
COLETIVO DE AUTORES.Metodologia de ensino de E.Física.S.Paulo:Cortez, 1992.
DAOLIO, J. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas: A.Associados, 2004.
DUPRAT, R.M. Atividades circenses: possibilidades e perspectivas para a Ed. Física Escolar,
2007. Dissertação (Mestrado em Ed. Física) - UNICAMP, Campinas, 2007.
DUPRAT, R.M.; BORTOLETO, M.A.C. Educação Física Escolar: pedagogia e didática das
atividades circenses. Rev. Bras. Ciências do Esporte, v.2, n.28, p.171-190, 2007.
FAZENDA, I. (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989.
GÁSPARI, J.C.; SCHWARTZ, G.M. Vivências em arte circense - Motivos de aderência e
expectativas. Motriz, n.3, v.13, p.158-164, 2007.
GEERTZ, C.A. Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
INVERNÓ, J. Circo y Educación Física. Barcelona: Inde Publicaciones, 2003.
MINAYO, M. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. R.Janeiro: Vozes, 2011.
SEVERINO, A.J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007.
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XX. Campinas: UNICAMP, 2006.
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XIX. Campinas: Autores Associados, 2001.
XAVIER, I. Conteúdos ginásticos no âmbito circense. In: ENCONTRO PERNAMBUCANO DE
PESQUISA EM EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE, XIV., 2005, Recife. Anais, Recife: UFPE,
2005.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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IMPACTOS CAUSADOS PELO ESGOTO A CÉU ABERTO: ESTUDO DE CASO DA


AVENIDA XXV DE JULHO DE PELOTAS – RS

Ana Luiza Kroning Gonçalves

Resumo
O acesso à água potável e ao saneamento básico foi reconhecido como direito do ser humano pela
Organização das Nações Unidas. São vários os impactos causados pelo Esgoto à Céu aberto. Além
da poluição visual, mau-cheiro e o acumulo de insetos ao redor, um dos principais impactos é o
aparecimento de doenças na população situada ao redor do problema. Com base nas considerações
supracitadas e acreditando que o esgoto a céu aberto é um grande problema ambiental, este
trabalho tem por objetivo demonstrar a opinião de moradores que residem próximo a um típico
problema de Esgotamento não tratado, localizado na Avenida Vinte e Cinco de Julho, bairro Três
Vendas, Pelotas/RS.
Palavras-Chave: Água potável, esgoto, Impactos ambientais.

Abstract
Access to safe water and sanitation has been recognized as a human right by the United Nations.
Several impacts caused by open sewers. Besides visual pollution, bad smell and accumulation of
insects around, one of the main impacts is the appearance of disease in the population situated
around the problem. Based on the above considerations and believing that the open sewage is a
major environmental problem, this paper aims to demonstrate the opinion of residents living close
to a typical problem Depletion untreated, located on Avenida Twenty Five July Three Sales, Pelotas
/ RS. Neighborhood
Keywords: Drinking water, wastewater, environmental impacts

Introdução

O acesso à água potável e ao saneamento básico foi reconhecido como direito do ser
humano pela Organização das Nações Unidas. A resolução declara que “o direito a uma água
potável, limpa e de qualidade e a instalações sanitárias é um direito humano, indispensável para
gozar plenamente do direito à vida”. No entanto, 884 milhões de pessoas no mundo não têm
acesso à água potável e mais de 2,6 bilhões não dispõem de instalações sanitárias adequadas.
(WONG, Antony)

Serviço absolutamente essencial, a coleta e o tratamento de esgoto têm sido deixados de lado
por sucessivos governos. Hoje, apenas 50,6% da população urbana brasileira têm acesso à rede de
esgoto. Para um país que pretende ser uma potência econômica esse número é inaceitável,
principalmente porque quem tem mais sofrido com essa situação são as crianças.

A inexistência de rede de distribuição de água potável, associada à falta de coleta e de


tratamento de esgoto, cria um ambiente insalubre que propicia o desenvolvimento de doenças
fatais. O que mais surpreende no esgoto é o seu poder destruidor, sua capacidade de atuar em todo
o território nacional e de se infiltrar em todos os níveis da sociedade. (WONG, Antony)

As águas residuais contêm basicamente matéria orgânica e mineral, em solução e em


suspensão, assim como alta quantidade de bactérias e outros organismos patogênicos e não
patogênicos.
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Outros produtos podem ser indevidamente jogados descarga abaixo e lançados na rede de
águas residuais, como estopas, chupetas e outros materiais relacionados a crianças, objetos
de higiene feminina, tais como absorventes, ou ainda produtos tóxicos de origem
industrial, preservativos usados, etc.

As águas residuais em decomposição anaeróbica produzem gases que, em espaços fechados,


como tubulações ou estações, podem estar concentradas a níveis perigosos. (RIOS, Jorge L. Paes)

A importância desse estudo é demonstrar que o Esgoto à Céu aberto é causador de diversas
doenças, além das diarréias e outras infecções causadas pela falta de coleta e de tratamento de
esgoto, outras doenças prejudicam o desenvolvimento e condenam essas crianças em longo prazo.

Se pegarmos crianças de 0 a 5 anos, os danos são ainda maiores: são permanentes. Trata-se
de doenças toxicológicas causadas pela contaminação por substâncias químicas vindas de causas e
produtos diversos, tais como a lata de refrigerante, a lata de tinta, garrafas PET, óleo de cozinha,
sacolas plásticas, entre outros objetos que são lançados diariamente nos rios e nos esgotos a céu
aberto das comunidades carentes em todo o País.

Com base nas considerações supracitadas e acreditando que o esgoto a céu aberto é um
grande problema ambiental, este trabalho tem por objetivo demonstrar a opinião de moradores que
residem próximo a um típico problema de Esgotamento não tratado, localizado na Avenida Vinte e
Cinco de Julho, bairro Três Vendas, Pelotas/RS.

Referencial teórico

Este estudo foi construído através do levantamento de dados encontrados na literatura já


existente, bem como foram realizadas pesquisas por meio da internet, e realizado o
desenvolvimento de uma pesquisa de estudo de caso. Foi feito um levantamento de todos esses
dados e desenvolvido esse artigo.

Materiais e métodos

Segundo Yin (2005), o estudo de caso pode ser tratado como importante estratégia
metodológica para a pesquisa em ciências humanas, pois permite ao investigador um
aprofundamento em relação ao fenômeno estudado, revelando nuances difíceis de serem
enxergadas “a olho nu”.

Além disso, o estudo de caso favorece uma visão holística sobre os acontecimentos da vida
real, destacando-se seu caráter de investigação empírica de fenômenos contemporâneos.

Já para Vergara (2009), quanto aos meios à pesquisa é do tipo estudo de caso, pesquisa de
campo e bibliográfica. Estudo de caso porque o projeto busca profundidade e detalhamento do
problema da Avenida Vinte E Cinco de Julho, e pesquisa de campo considerando a investigação “in
loco”. Bibliográfica considerando que na fundamentação teórico metodológica foram utilizadas
literaturas dos principais autores das áreas corretas ao tema.

Para tanto foi realizado uma pesquisa com questionário do tipo objetivo com sete questões
objetivas. A entrevista realizada obedeceu a uma pauta de algumas questões relacionadas ao
problema de Esgoto a céu aberto da Avenida XXV de Julho.
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O universo da pesquisa foi constituído de 14 moradores nos arredores do problema em


Questão. No desenvolvimento da pesquisa, foram elaboradas questões para que fosse verificado
como está sendo essa situação para aquelas pessoas.

Apresentação e discussões

A Avenida

A Avenida XXV de Julho (Vinte cinco de Julho) é uma Avenida Movimentada que se
interliga a Avenida Fernando Osório através da Rótula entre Av. Fernando Osório – Avenida
salgado Filho e Avenida Vinte e Cinco de Julho – Conforme Figura 1.

Essa Avenida apresenta bastante movimento em virtude de Empreendimentos Populares do


Governo que foram construídos naquela região e suas proximidades. Além disso, também é
caminho para alunos que se deslocam à Faculdade Anhanguera, situada na Avenida Fernando
Osório, esta é de grande extensão sendo parte pavimentada e parte não e apresenta grande
comercio local como a presença de: academias, mercados, escola, igreja, representações, oficinas,
motel e inúmeras residências dentre outros.

Figura 1

Os impactos causados pelo esgoto a céu aberto

São vários os impactos causados pelo Esgoto à Céu aberto. Além da poluição visual (Figuras
2 a 5), mau-cheiro e o acumulo de insetos ao redor, um dos principais impactos é o aparecimento
de doenças na população situada ao redor do problema.

São muitas as doenças vinculadas à falta de saneamento. Elas interferem na qualidade de vida
da população e até mesmo no desenvolvimento do país. A maioria dessas doenças é de fácil
prevenção, mas causam muitas mortes, como o caso da diarréia entre crianças menores de 5 anos
no Brasil. Os índices de mortalidade infantil também estão associados ao acesso a serviços de água,
esgoto e destino adequado do lixo.

As doenças são transmitidas pelo contato ou ingestão de água contaminada, contato da pele
com o solo e lixo contaminados. A presença de esgoto, água parada, resíduos sólidos, rios poluídos
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e outros problemas também contribuem para o aparecimento de insetos e parasitas que podem
transmitir doenças. (SANEPAR, 2010)

Algumas das doenças mais comuns são:

Febre Tifóide: Doença infecciosa que causa febre contínua, mal-estar, manchas rosadas no tronco,
tosse seca, prisão de ventre e comprometimento dos tecidos linfóides.

Febre Paratifóide: É semelhante à Febre Tifóide, mas menos letal. É causado por infecção bacteriana,
com apresentação de febre contínua, eventual aparecimento de manchas róseas no tronco e diarréia.

Shigeloses: Infecção bacteriana aguda no intestino grosso. Apresenta febre, náuseas e, às vezes,
vômitos, cólicas e tenesmo (sensação dolorosa na bexiga ou na região anal). Em casos graves, as
fezes apresentam sangue, muco e pus.

Cólera: Doença intestinal bacteriana aguda, com diarréia aquosa abundante, vômitos ocasionais,
rápida desidratação, acidose, câimbras musculares e colapso respiratório, podendo levar o paciente a
morte em um período de 4 a 48 horas, se não houver tratamento.

Hepatite A: Febre, mal-estar geral, falta de apetite, náuseas e dores abdominais seguidas de icterícia.
A convalescença é prolongada e a gravidade aumenta com a idade, porém há recuperação total sem
seqüelas.

Amebíase: Infecção causada por um protozoário parasita que atinge os intestinos. As enfermidades
variam desde uma disenteria aguda e fulminante, com febre e calafrios e diarréia sanguinolenta ou
mucóide (disenteria amebiana), até um mal-estar abdominal leve e diarréia com sangue e muco
alternando com períodos de estremecimento ou remissão.

Giardíase: Diarréia crônica com cheiro forte, fraqueza e cólicas abdominais, graças às toxinas que
libera. Gera um quadro de deficiência vitamínica e mineral e, em crianças, pode causar a morte, se
não houver tratamento.

Leptospirose: Ocorre com mais freqüência em épocas de chuva ou alagamento, pode apresentar uma
simples gripe e até complicações hepáticas e renais graves.

Inúmeras outras doenças também são causadas pela falta de tratamento de esgoto, como:
poliomielite, diarréia por vírus, ancilostomíase (amarelão), ascaridíase (lombriga), teníase,
cisticercose, filariose (elefantíase), esquistossomose, etc.

É importante lembrar que os custos com prevenção dessas doenças são menores do que os
que se tem com a cura e a perda de vidas por causa delas. Também se poderiam aperfeiçoar os
gastos públicos com saúde se o dinheiro investido em tratamento de doenças vinculadas à falta de
saneamento pudesse ser direcionado para outras questões. (SANEPAR, 2010)
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Figura 2 Figura 3

Figura 4 Figura 5

Questionário: aplicação e análise

Após análise do local “problema” a equipe do trabalho desenvolveu um questionário para


aplicação com moradores próxima à região proposta no trabalho. Foram estipuladas sete questões
relacionadas à situação atual da Avenida Vinte e Cinco de Julho, conforme Tabela 1.

PERGUNTAS RESPOSTAS
1. VOCÊ CONHECE ALGUM LOCAL COM PROBLEMAS
SANITÁRIO (ESGOTO A CÉU ABERTO) PRÓXIMO DA SUA ( ) SIM ( ) NÃO
CASA (AVENIDA XXV DE JULHO)?
2. VOCÊ SE INCOMODA COM A ATUAL SITUAÇÃO DA
AVENIDA XXV DE JULHO EM RELAÇÃO AO ESGOTO A ( ) SIM ( ) NÃO
CÉU ABETO?
3. VOCÊ JÁ OBSERVOU OU EVIDENCIO MAU CHEIRO,
( ) SIM ( ) NÃO
INSETOS, LIXO OU TRANSBORDAMENTO NO LOCAL?
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4. VOCÊ TEM CONHECIMENTO QUE PODERÁ ADQUIRIR


( ) SIM ( ) NÃO
DOENÇAS DECORRENTES DESSE PROBLEMA?
5. VOCÊ JÁ CONTRAIU ALGUMA DOENÇA ACREDITANDO
( ) SIM ( ) NÃO
ESTAR RELACIONADO AO PROBLEMA?
6. VOCÊ JÁ OBSERVOU ALGUMA LIMPEZA E/OU
MANUTENÇÃO REALIZADA PELA PREFEITURA NO ( ) SIM ( ) NÃO
LOCAL?
7. VOCÊ ACREDITA QUE HAVERIA MELHORAS SE
( ) SIM ( ) NÃO
HOUVESSE CANALIZAÇÃO DO ESGOTO?
Tabela 1

Em relação ao conhecimento dos moradores ao local com problemas sanitários (esgoto a céu
aberto) próximo de suas casas localizado na Avenida Vinte e Cinco de Julho, 78,58% responderam
ter conhecimento sobre o fato (Questão 1), Obtivemos 71,40% dos entrevistados afirmando
estarem em desacordo com à situação atual da Avenida (Questão 2), já em relação ao mau cheiro,
insetos, lixo e transbordamento(Questão 3), 78,58% responderam presenciar alguns desses itens no
local com freqüência. O total de 49,98% dos entrevistados tem o conhecimento dos riscos a sua
saúde em relação às doenças que podem ser ocasionadas a partir do impacto ambiental oferecido
pelo Esgoto aberto (Questão 4). Cerca de 21,42% das pessoas que participaram do questionário diz
ter contraído alguma doença que acredita ter relação ao problema estudado (Questão 5).

Somente 35,70% dizem já ter presenciado alguma limpeza e/ou manutenção na área.
(Questão 6). Por fim, 85,68% dos moradores acreditam que haveria melhoras de todos os aspectos
mencionados anteriormente se fosse realizado a canalização do Esgoto a céu aberto na Avenida
Vinte e Cinco de Julho. Resultados conforme tabela 2.

90
80
70
60
50
40
30
20
10
0 Questã
Respostas Resposta Questã
positivas negativa Questã
Questão 1 78,5 21,5 Questã
Questão 2 71,4 28,6 Questã

Questão 3 78,5 21,5


Questão 4 49,9 50,1
Questão 5 21,42 78,58
Questão 6 35,7
Tabela 2 64,3
Questão 7 85,6 14,4
Considerações finais

No cenário atual está sendo cada vez mais cobrada à implementação de Gestão de Pessoas
relacionada à Gestão Ambiental. Desta forma, para que uma empresa atinja um patamar de
sustentabilidade, deve possuir uma gestão adequada.
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A gestão de pessoas demonstra influenciar nesta diferença sustentável, através da


identificação de competências essenciais desde o recrutamento, passando pelo treinamento e
desenvolvimento, gestão do conhecimento, comunicação eficiente, tecnologia de ponta, visão
sistêmica da organização, clima e cultura organizacional, gestão da qualidade de vida no trabalho e
principalmente na utilização de indicadores para controle e medição dos programas adotados em
busca de atingir a estratégia macro.

Neste contexto a pesquisa demonstrou que são possíveis através de programas e


treinamentos dentro da Gestão de pessoas manterem a gestão ambiental dentro da empresa, esses
resultados foram apresentados com aplicação do questionário aos colaboradores.

Concluiu-se que a grande maioria dos colaboradores da empresa pesquisada conhece as


medidas com que a empresa realiza suas questões ambientais. Entretanto deve-se salientar que a
rotatividade de pessoas em uma indústria é constante e por isso deve-se manter uma Gestão
contínua.

Além disso, identifica-se uma oportunidade de melhoria na Empresa, com a inclusão do


questionário aplicado neste trabalho como uma ferramenta de Gestão na análise e/ou treinamento
periódico nessa parte ambiental de seus colaboradores.

Referências bibliográficas

WONG, Antony. Esgoto a céu aberto: inimigo invisível – Correio do povo . Disponível em:
http://www.tratabrasil.org.br/esgoto-a-ceu-aberto-inimigo-invisivel-correio-do-povo (visualizado
em 03 de junho de 2014).
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Construtivos do Emissário de Manaus" - Congresso Interamericano de AIDIS - Panamá, 1982.
VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. 11 ed. São
Paulo: Atlas, 2009.
YIN, R.K. Estudo de caso. Planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
SANEPAR, 2010 - Companhia de Saneamento do Paraná, disponível em:
http://educando.sanepar.com.br/ensino_medio/doen%C3%A7-relacionadas-com-falta-de-
saneamento (visualizado em 20 de maio de 2014).
KLUG, Waldemar – Entrevistado, morador próximo do local.
KUNZGEN, Elanir Klug - Entrevistado, morador próximo do local.
TUROW, Eliane Rutz - Entrevistado, morador próximo do local.
NILMANN, Patrícia - Entrevistado, morador próximo do local.
FALKE, Ereni Kunzgen - Entrevistado, morador próximo do local.
BARBOSA, Leandro Miranda - Entrevistado, morador próximo do local.
CELESTINO, Raquel - Entrevistado, morador próximo do local.
FERNANDES, Ana Maria Dias - Entrevistado, morador próximo do local.
SEDREZ, Givanildo - Entrevistado, morador próximo do local.
ALBORNOZ, Léo - Entrevistado, morador próximo do local.
BARRETO, Diana - Entrevistado, morador próximo do local.
REICHOW, Leonardo - Entrevistado, morador próximo do local.
WOZIAK, Carlos Augusto Huber - Entrevistado, morador próximo do local.
SILVEIRA, Lucinara - Entrevistado, morador próximo do local.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 1/806/2015
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O TUTOR NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM ESTUDO SOBRE A MEDIAÇÃO


REFLEXIVA E DIALÓGICA

Andréia Santana de Carvalho


Mestre em Educação
Professora/tutora do Projeto Educa/EaD da Prefeitura de Guarujá

Resumo
Este artigo é fruto do trabalho final de curso de pós-graduação em "Planejamento, Implementação
e Gestão da Educação a Distância". Para fazer a tessitura deste labor, priorizei investigar na
literatura o papel do tutor enquanto mediador reflexivo e dialógico na Educação a Distância. No
presente estudo, foi possível clarificar o cerne na tutoria a distância, ressaltando que a função do
tutor não é facilitar nem tampouco dificultar o processo de aprendizagem, mas sim, desencadear a
autoria de pensamento, a reflexividade, a criatividade, a dialogicidade como instrumentos de
interlocução e de tomada de consciência para tecer novas práticas educativas.
Palavras-chave: Educação a Distância; Tutor; Mediação reflexiva e dialógica.

Abstract
This article is the result of the final work of graduate course on "Planning, Implementation and
Management Education Distance". To make the fabric of this work, prioritized in the literature
investigate the role of the tutor as reflective and dialogic mediator in Distance Education. In this
study, it could be clarified in the core distance tutoring, noting that the role of the tutor is not easy
nor hinder the learning process, but trigger the authorship of thought, reflexivity, creativity,
dialogicity as instruments of dialogue and awareness to weave new educational practices.
Keywords: Distance Education; Tutor; Reflective and dialogic mediation.

Introdução e objetivos

A Educação a Distância (EaD) vem passando por uma rápida expansão desde o início do
século XXI, trazendo profundas reflexões sobre as mudanças organizacionais na educação devido
ao uso da tecnologia e suas possibilidades. O foco desse trabalho aponta, especificamente, para o
contexto dos Sistemas de Tutorias em Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).

Em 2012, no “I Encontro Regional de Educação a Distância” realizado na Universidade Federal


do Maranhão (UFMA), Luís Gomes, o presidente da Associação Nacional dos Tutores da
Educação a Distância (ANATED), enfatizou que:

Com o crescimento da educação a distância, vários desafios surgiram, principalmente


sobre a tutoria. Falta regulação, ou seja, quais habilidades e competências deve possuir
para exercer essa função, pois exige uma abordagem diferente da que ele já faz no
modelo presencial (BENNY, 2012).

Esse discurso ressalta como é essencial considerar, valorizar e analisar as peculiaridades dos
sistemas de tutorias a distância que possibilitam novas formas de aprender e de ensinar.

Ao considerar a complexidade dos sistemas de tutorias a distância, Gelatti e Premaor (2009,


p. 243) consideram que cabe ao tutor "(...) a atribuição de fomentar a aprendizagem para
concretizar os objetivos propostos através da ativação dos processos cognitivos, sociais, afetivos,
além de avaliar os processos realizados (...)".
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De acordo com Brunetta et al. (2013, p. 83), enquanto mediador, o tutor a distância "(...)
ocupa uma posição na qual é necessário estar em constante diálogo com os alunos a fim de
estimulá-los durante todas as etapas do curso (...)".

Assim, a questão-problema tecida no presente trabalho foi: Como a literatura concebe o


papel do tutor enquanto mediador do processo educativo na EaD, nas perspectivas reflexivas e
dialógicas?

No presente trabalho procurei investigar na literatura o papel do tutor enquanto mediador


do processo educativo na EaD. Para concretizar esse objetivo, pesquisei na literatura a importância
do tutor enquanto mediador do processo de reflexão na EaD e investiguei em bibliografia
específica como os autores percebem as práticas dialógicas entre o tutor e os alunos na EaD.

Metodologia

Na elaboração do presente trabalho privilegiei a pesquisa bibliográfica para investigar o


papel do tutor enquanto mediador do processo educativo na EaD. Defendo que esse tipo de
pesquisa possibilita uma investigação mais profunda e ajuda a clarificar a relevância da mediação
reflexiva e dialógica na modalidade a distância.

Segundo Severino (2007), a pesquisa bibliográfica é um levantamento da literatura


especializada para um estudo do assunto que será abordado, não sendo uma reprodução de um
tema já estudado, mas oportunizando a investigação sob uma nova perspectiva ou interpretação.

Na perspectiva qualitativa, utilizei fontes primárias e secundárias de pesquisas científicas.

Fontes primárias são constituídas por obras ou textos originais, material ainda não
trabalhado, sobre determinado assunto. As fontes primárias, pela sua relevância, dão
origem a outras obras, que vão formar uma literatura ampla sobre aquele determinado
assunto.
As fontes secundárias referem-se a determinadas fontes primárias, isto é são
constituídas pela literatura originada de determinadas fontes primárias e constituem-se e
em fontes das pesquisas bibliográficas (ANDRADE, 2001, p. 43).

Cabe lembrar que segundo Cervo e Bervian (apud UNIASSELVI, s.d., p. 23), a pesquisa
bibliográfica "(...) busca conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado
existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema (...)".

Gil (apud UNIASSELVI, s.d., p. 22) ressalta que a "(...) principal vantagem é possibilitar ao
investigador a cobertura de uma gama de acontecimentos muito mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente".

Depreendo que a referida pesquisa bibliográfica pode ser uma possibilidade para
vislumbrar novas perspectivas para a tutoria nos cursos a distância.

Discussão e considerações finais

Na EaD há vários tipos de cursos que visam atender as necessidades de cada instituição
bem como do público-alvo. Segundo Clementino (2014), os cursos autoinstrucionais podem ser
sem ou com tutoria.
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Os cursos autoinstrucionais sem tutoria são informativos, com conteúdos superficiais. O


aluno não interage com os colegas de curso nem com o tutor. A avaliação é realizada por meio de
questões de múltipla escolha e/ou de falso ou verdadeiro (CLEMENTINO, 2014).

Nos cursos autoinstrucionais com tutoria, o propósito também é transmitir as informações


de forma acrítica. No entanto, nesse tipo de curso com tutoria, quando o aluno tem uma dúvida, ele
solicita a ajuda do tutor pelo telefone e/ou por e-mail (CLEMENTINO, 2014).

Sabemos que em pleno século XXI, um dos grandes desafios da EaD é superar os modelos
autoinstrucionais (sem ou com tutoria), pois eles não priorizam a interatividade, a cooperação, a
reflexividade, a tomada de consciência.

Para a concretização de uma proposta pedagógica de cunho reflexivo, a equipe da EaD


(coordenador, designer gráfico, designer pedagógico, professor, tutor, entre outros profissionais)
precisa refletir e delinear a sua filosofia de aprendizagem, tendo consciência que os cursos a
distância necessitam superar as informações prontas e acabadas.

De acordo com Clementino (2014), há cursos a distância na perspectiva cooperativa


(colaborativa) que enfatizam a interação em chat, fórum de discussão, entre outras ferramentas do
AVA. Os referidos cursos ressaltam a comunicação constante entre alunos e alunos e, alunos e
tutores.

Tijiboy et al. (2009) fazem uma alerta: "(...) apesar da variedade de recursos de interação ou
ferramentas que um ambiente virtual de aprendizagem disponha, cabe à equipe docente avaliar
continuamente o processo de interação, devendo em diversos momentos promover a cooperação, a
reflexão (...)".

Corroborando com esse posicionamento Clementino (2014) considera que as ferramentas


tecnológicas são importantes bem como a proposta pedagógica de cada instituição, pois se o
planejamento educativo tiver uma perspectiva autoinstrucional, os alunos terão cursos conteudistas
mesmo com ferramentas tecnológicas interativas.

Na literatura sobre a EaD, é perceptível que vários autores sinalizam a necessidade de


clarificar os papéis da tutoria a distância. Segundo Almeida (apud MACHADO; MACHADO,
2004), "o professor-tutor atua como mediador, facilitador, incentivador, investigador do
conhecimento, da própria prática e da aprendizagem individual e grupal".

Litwin (2001) e Palloff e Pratt (2002) enfatizam que o tutor exerce o papel de facilitador na
construção do conhecimento, uma vez que a aprendizagem é centrada no aluno, tornando-o mais
responsável e consciente por suas produções e participações.

Sá (apud BEBER; MARTINS; DIAS, 2008) também considera que o tutor é um orientador
da aprendizagem do aluno, um facilitador na modalidade a distância.

Entretanto, considero que os termos "mediador" e "facilitador" não são sinônimos. O


cerne na tutoria a distância não é facilitar nem tampouco dificultar o processo de aprendizagem,
mas sim, desencadear a autoria de pensamento, a autonomia, a responsabilidade, a reflexividade, a
interação, a cooperação, a criatividade, o espírito investigativo, a dialogicidade como instrumentos
de interlocução e de tomada de consciência para tecer novas práticas educativas.
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Sabemos que os obstáculos são imensos até porque no processo sócio-histórico, "não
fomos educados para olhar pensando o mundo, a realidade, nós mesmos. Nosso olhar cristalizado
nos estereótipos produziu em nós paralisia, fatalismo, cegueira" (WEFFORT, 1996, p. 10).

Segundo Beber, Martins e Dias (2008), na modalidade a distância, "a figura do tutor deve
situar-se numa posição estratégica, já que seu desempenho central é atuar como mediador entre
currículo, interesses e capacidades do aluno".

Defendo que na EaD, a tutoria necessita conhecer os seus alunos, acolhendo cada cursista
e a equipe, interagindo nos fóruns de apresentação, de dúvidas, nos fóruns temáticos, nos chats,
enviando e respondendo os e-mails, entre outras atividades.

Na perspectiva reflexiva, as propostas pedagógicas dos cursos a distância têm como ideia
motriz a sustentação de práticas educativas que enfatizam a dialogicidade, a interatividade, a
criticidade.

Na modalidade a distância, a tutoria tem a possibilidade de criar espaços de trabalho, de


interação e socialização, incentivando a participação, a autonomia, a reflexão, o diálogo por meio
das ferramentas pedagógicas disponibilizadas no AVA.

Beber, Martins e Dias (2008) enfatizam que na EaD, "a figura de destaque, responsável
pelo bom andamento das atividades, é o tutor, profissional que assume a missão de articulação de
todo o sistema de ensino-aprendizagem (...)".

Beber, Martins e Dias (2008) ainda argumentam que "(...) o tutor tem como finalidade
resolver os ruídos de comunicação e os problemas que surgem ao longo do processo de ensino,
procurando resolvê-los e, ao mesmo tempo, realizar a articulação e desenvolver ações para
aperfeiçoar o sistema de EaD (...)".

Para Tijiboy et al. (2009), "as funções que o tutor a distância desempenham podem a
primeira vista parecer fácil. Estas seriam: fazer mediações e interlocuções através das ferramentas
do ambiente/plataforma de ensino utilizado no curso, manter ativa a participação dos alunos (...)".

Para explicar o processo de mediação da tutoria a distância, Tijiboy et al. (2009) ressaltam
que cabe ao tutor:

(...) mediar o processo de apropriação/construção do conhecimento partindo do nível


de conhecimento real, aquilo que o aluno previamente tem conhecimento e que já
demonstrou através das ferramentas de interação (uma das quais é o fórum de
discussão), para um nível de desenvolvimento potencial, que é aquilo que este será
capaz de aprender.

Tijiboy et al. (2009) fundamentam a mediação do tutor a distância a partir da concepção de


Vygotsky (1991, p. 59), depreendendo que a Zona de Desenvolvimento Proximal é "(...) a distância
entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente
de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de
problemas (...)".

A complexidade do trabalho da tutoria a distância reside na mediação na Zona de


Desenvolvimento Proximal (ZDP), ou seja, o labor do tutor é tecido na intersecção entre a Zona de
Desenvolvimento Real (ZDR) e a Zona de Desenvolvimento Potencial (ZDP).
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A mediação do tutor reside na ZDP, pois ele precisa trabalhar pedagogicamente a partir
dos conhecimentos prévios dos alunos, objetivando que o corpo discente construa conhecimentos
basilares para a sua formação.

No AVA, o tutor pode disponibilizar ferramentas síncronas e assíncronas para realizar a


mediação reflexiva e dialógica na ZDP. O chat é uma ferramenta síncrona na qual o tutor pode
diagnosticar os conhecimentos construídos pelos alunos, uma vez que as respostas precisam ser
imediatas.

Já, o fórum de discussão é uma ferramenta assíncrona na qual o tutor pode solicitar para o
corpo discente uma pesquisa mais aprofundada sobre a temática analisada. Na referida ferramenta,
o tutor tem mais tempo para analisar, fazer o feedback.

Devido a complexidade do processo de mediação a distância, a orientação da tutoria exige


um número de alunos reduzido. "Alguns autores apontam como ideal um tutor para cada 20 ou 30
alunos" (BEBER; MARTINS; DIAS, 2008).

A tutoria também necessita atender os alunos em horários flexíveis e meios diversos, como
ressalta Sá (apud MACHADO; MACHADO, 2004). Em concomitância requer gerenciar bem o
tempo para fazer mediações éticas, construtivas, acolhedoras, reflexivas, cooperativas, criativas para
construir espaços de trabalho, de interação, de reflexão.

Tijiboy et al. (2009) são incisivos ao enfatizarem que o processo de reflexão na modalidade
a distância necessita de "(...) questionamentos e perguntas do tutor ao aluno, visando a solução de
um problema. Implica necessariamente uma ação consciente ou intencional do mediador em
provocar o raciocínio crítico do aluno (...)".

Os referidos autores também ressaltam que o tutor enquanto "(...) mediador não fornece
respostas, mas instiga a busca dessas pelo próprio aluno" (TIJIBOY et al., 2009).

Nobre e Melo (2011, p. 04) alertam que esse profissional necessita “(....) explorar as
interfaces, respeitando o desenho didático, com postura sempre proativa, aberta a coparticipação e
problematizadora”.

Nobre e Melo (2011, p. 04) também fazem uma analogia entre a tutoria a distância e a
"ponte rolante", quando ressaltam que o tutor necessita:

(...) estar sensível e com a percepção apurada em relação às demandas e necessidades


dos seus cursistas, estimulando-os e despertando-os para novos olhares, novos pontos
de vista e reflexão de suas práticas. A menção à “ponte rolante” e não à “ponte fixa”
nos remete ao cuidado com a individualidade e abordagens diferenciadas nas relações
interpessoais na sala de aula virtual.

As referidas autoras ainda alertam que o tutor na EaD age como uma "ponte rolante",
realizando a mediação entre o professor-autor, o material didático e os alunos.

Há uma necessidade do tutor em EaD compreender a relevância do exercício do diálogo


no AVA, tanto nas ferramentas síncronas quanto assíncronas.

Cabe lembrar que no presente trabalho, não considero o tutor como um mero facilitador e
sim, um mediador que tem funções complexas, tais como:
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(...) saber lidar com os ritmos individuais diferentes dos alunos; Apropriar-se de técnicas
novas de elaboração do material didático impresso e do produzido por meios
eletrônicos; Dominar técnicas e instrumentos de avaliação, trabalhando em ambientes
diversos daqueles já existentes no sistema presencial de educação; Ter habilidades de
investigação; Utilizar técnicas variadas de investigação e propor esquemas mentais para
criar uma nova cultura, indagadora e plena em procedimentos de criatividade (SOUZA
et al., 2004, p. 82).

Silva (apud NOBRE; MELO, 2011, p. 11) também argumentam que cabe a tutoria "(...)
gerenciar possíveis conflitos explícitos e implícitos no calor das discussões e no desenrolar dos
trabalhos, estimular: a colaboração, a interatividade (...) o clima cordial e estimulante (...)”.
Ratificando essa postura pedagógica, Guarezi e Matos (2009) depreendem que cabe a
tutoria possibilitar o exercício da interatividade e da colaboração, incentivando o intercâmbio de
experiências entre os alunos, destacando a comunicação entre grupos, em respeito às diferenças
individuais.

Também para Costa, Paraguaçú e Pinto (2009), o papel da tutoria é apoiar e orientar os
alunos em seus estudos, mediar discussões, autonomia, destacando o processo de interação mútua
na construção do conhecimento.

Segundo Alarcão (2005, p. 45), para estimular a reflexão nos processos educativos são
necessários "(...) contextos que favoreçam o seu desenvolvimento, contextos de liberdade e
responsabilidade (...)".

Compreendo que o trabalho pedagógico na EaD não é um labor solitário, pois é tecido na
coletividade e na diversidade de ideias.

Para Zeichner (1995, p. 120), necessitamos superar o "(...) isolamento em pequenas


comunidades compostas por pessoas que compartilham orientações idênticas, o que empobrece o
debate e as interações (...)".

Defendo que os cursos a distância necessitam superar os modelos autoinstrucionais (sem


ou com tutoria) para transcender o individualismo. A reflexão individual não é suficiente para
desenvolver um processo educativo crítico.

Para Neder (2000), o tutor deve participar dos momentos de preparação e desenvolvimento
de um curso, pois ele precisa colaborar na discussão do currículo do curso, dos materiais didáticos,
receber formação institucional para trabalhar no curso, participar da construção dos instrumentos
de avaliação dos alunos, avaliar os discentes e o curso, ou seja, é co-responsável pelo processo de
formação dos alunos.

Nessa perspectiva, Beber, Martins e Dias (2008) são incisivos quando mencionam que "(...)
é necessário investir e desenvolver sistemas tutoriais eficazes, apropriados a apoiar e promover o
crescimento do aluno em cada uma das etapas do processo de ensino".

No viés reflexivo, vislumbro um perfil de tutor que seja compromissado, disciplinado,


organizado, motivado, autônomo, reflexivo, proativo, emancipador, cooperativo, ético.

Também defendo que a simples expansão da EaD não garante uma tomada de consciência
da equipe e dos alunos. Nem a mera utilização das ferramentas tecnológicas do AVA garante o
processo de reflexividade na modalidade a distância.
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Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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DIALÉTICA E FENOMENOLOGIA:
AS ANDARILHAGENS DE PAULO FREIRE

André Luis Castro de Freitas


Prof. - FURG, Rio Grande - RS
Doutor em Ciênciada Computação
Doutorando em Educação
Luciane Albernaz de Araujo Freitas
Profª. IF SUL, Pelotas – RS
Doutora em Educação Ambiental

Resumo
O presente trabalho tem como objetivo problematizar o pensamento educacional de Paulo Freire, o
qual encharcado pelos métodos dialético e fenomenológico constituiu seu modo de fazer na
educação. A partir de um estudo descritivo crítico tem-se por intencionalidade elencar categorias
que venham a demonstrar o trânsito do autor por entre diferentes visões de mundo na busca de
uma educação mais humana e libertária. Argumenta-se no texto a necessidade de refletir sobre uma
perspectiva pedagógica contemporânea que aponte para uma marcha dialético/fenomenológica
enquanto movimento não apenas para acolher o sujeito diferente, mas com ele organizar encontros
de diferentes.
Palavras-chave: Educação. Dialética. Fenomenologia. Conscientização. Paulo Freire.

Abstract
This paper intends to discuss the educational thought of Paulo Freire, which constituted by
dialectical and phenomenological methods define their way of thinking and doing education. From
a critical descriptive study has aimed to list categories that may demonstrate the author for transit
between different worldviews in search of a more humane and libertarian education. In the text the
need to reflect on a pedagogical perspective that points to a dialectical / phenomenological way
while moving not only to accommodate the different subject is discussed, but he organize different
meetings.
Key-words: Education. Dialectic. Phenomenology. Critical consciousness. Paulo Freire.

Considerações iniciais

Na proposta freiriana as construções de conhecimentos estabelecem a passagem da


ingenuidade à criticidade, caracterizando a conscientização como um processo permanente de
transição, onde conteúdos, programas e metodologias inerentes ao currículo gravitam em torno da
relação educativa.

O processo de conscientização permite transitar por entre estágios diferentes os quais se


complementam no processo gnosiológico, onde educador ou educadora e educandos conhecem e
aprendem, construindo, progressivamente, sua consciência crítica. É a partir desse papel, complexo
no contexto do dia a dia, que o educador ou educadora ao refletir e agir sobre a realidade constitui-
se pela tentativa de ir além da transmissão do conhecimento.

Scocuglia (2010) compreende que se vive a época de incertezas paradigmáticas, onde,


fundamentalmente, as práticas pedagógicas estão associadas à vivência docente, a qual só é possível
para quem a exerce. A partir de tantas teorias e, ainda, paradigmas emergentes e em declínio, afirma
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que a reflexão sobre a prática, com o intuito de melhorá-la, caracteriza o caminho prudente a ser
trilhado.

Nesse contexto, para Scocuglia (2010), a identidade do sujeito é constituída de


características individuais e coletivas as quais definem os seres humanos como seres relacionais que
estão no mundo e com o mundo. O conhecimento e a consciência crítica que um indivíduo tem de
si mesmo e de sua relação com os outros é componente essencial das identidades.

Ainda para o mesmo autor, embasado em Freire, a partir dos caminhos da história como
movimento, luta e possibilidade da transformação é latente vislumbrar as tentativas de reinventar as
práticas educacionais e, nelas, as identidades de educadores ou educadoras.

A pedagogia freiriana está apoiada nesse contexto, na ideia de que o conhecimento é uma
contingência particular da história e da política. Freire (2002), quando argumenta sobre a teoria do
conhecimento, sustenta que não é possível ao educador ou educadora apenas exercer uma oratória
sobre as razões ontológicas, epistemológicas e políticas da teoria, mas pelo contrário, o discurso
sobre a teoria deve ser o exemplo concreto e prático da teoria, enfim, a sua encarnação. “Ao falar
da construção do conhecimento, criticando a sua extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a
construção, estar envolvendo os alunos” (FREIRE, 2002, p. 21).

O pedagogo propõe a educação problematizadora como forma de ação visando


proporcionar uma relação de troca horizontal entre educador ou educadora e educandos a fim de
oportunizar a atitude de transformação da realidade conhecida.

Essa forma de educação compreende uma humanização em processo, constituída pela


práxis8, a qual implica a ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Inserida
nessa perspectiva está à relação dialógica a qual se apresenta como elemento fundante para
conceber a educação problematizadora.

Considerando os pressupostos elencados compreende-se que o presente trabalho tem


como objetivo problematizar o pensamento educacional de Paulo Freire, apoiado nos métodos
dialético e fenomenológico como formas de constituição de seu modo de pensar e fazer a educação

Com o intuito de abordar a referida discussão o trabalho está organizado nas seguintes
temáticas: as relações dialético-dialógicas e o método freiriano apresentam-se aproximações entre a dialética
de base marxiana e o método freiriano assumindo como elo as relações dialógicas; o contexto
fenomelógico freiriano compreende-se um alinhamento da proposta freiriana em consonância aos
autores de estudos fenomenológicos por meio de reflexões a respeito da discussão. Após, seguem
as considerações finais.

8A práxis estabelece uma ação transformadora consciente e crítica da realidade, superando a dicotomia teoria
e prática. Essa ação desencadeia a construção de um novo modelo conceitual onde o sujeito passa a atuar e
interferir sobre o contexto no qual está inserido. “É na práxis que o ser humano tem de provar a verdade, isto
é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensar” (MARX; ENGELS, 2010, p. 27). Para Sánchez
Vázquez (2007): “A relação entre teoria e práxis é para Marx teórica e prática; prática, na medida em que a
teoria, como guia da ação, molda a atividade do homem, particularmente a atividade revolucionária; teórica,
na medida em que essa relação é consciente” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 109).
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As relações dialético-dialógicas e o método9 freiriano

A ênfase na promoção do diálogo com os diferentes é objeto permanente na obra de Paulo


Freire, onde se permite ouvir o outro pelo exercício da alteridade, deixando tomar-se pelas suas
razões, antes mesmo de elaborar a contraposição de ideias, como um exercício de deixar algo em si
que foi dito pelo outro.

Essa necessidade de entendimento do outro é compreendida por Freire (2004) por meio do
exercício da humildade. Para o autor não existe diálogo se não há humildade. “A pronúncia do
mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante”
(FREIRE, 2004, p. 46). O diálogo rompe-se quando seus polos perdem a humildade
demonstrando que a autossuficiência não é compatível com o diálogo.

Nesse contexto as aspirações, motivos e finalidades encontrados no trabalhado, se tornam


aspirações, finalidades e motivos humanos, onde o sujeito não está nesse espaço, como algo
petrificado, mas está sendo, desenvolvendo-se e em processo.

Em Freire (2004) compreende-se a defesa de uma ação libertadora da opressão social,


quando o autor argumenta que humanizar é se tornar autônomo, consciente e sujeito da própria
historia. “Falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanização
e negar os homens é uma mentira” (FREIRE, 2004, p. 46).

Enfatiza-se a importância do outro no contexto freiriano, pois “[...] já não se pode afirmar
que alguém liberta alguém, ou que alguém se liberta sozinho, mas que os homens se libertam em
comunhão” (FREIRE, 2004, p. 75).

As relações dialógicas, nesse contexto, promovem o encontro dos homens que pronunciam
o mundo, com o intuito de (re) criar a história, onde o foco permanente é a reflexão sobre a
realidade a qual não é entendida como abstrata e estática, mas sim como uma realidade concreta e
processual da qual o sujeito faz parte e intervém.

Uma vez garantidas às condições inicias para a relação dialógica o método dialético-
dialógico freiriano cria a problematização do tema gerador, como o universo mínimo temático. Esse
universo mínimo é composto por temas os quais, em geral, se contradizem, e por vezes mantém
estruturas já existentes. Há uma relação de correspondência entre os temas geradores e o contexto
histórico do qual os sujeitos fazem parte, possibilitando perceber a inserção dos envolvidos na
temática.

Procurando uma aproximação à proposta marxiana considera-se que a ação libertadora


freiriana, a partir de uma relação dialógica entre sujeitos históricos10 está para além da, somente,

9 Para Brandão (2013), Paulo Freire pensou um método de educação construído a partir da ideia de um
diálogo entre educador ou educadora e educando onde há sempre partes de cada um no outro. Os métodos
de alfabetização possuem um material pronto como cartazes, cartilhas e cadernos de exercícios, mas para
Freire o “[...] método é instrumento de preparação de pessoas para uma tarefa coletiva de reconstrução
nacional” (BRANDÃO, 2013, p. 87), pois a educação é uma proposta “[...] de criar, com o poder do saber do
homem libertado, um homem novo, livre também de dentro para fora” (idem, ibidem, p. 87).
10 Na obra Pedagogia do oprimido, Freire (2004) compreende que o ser humano como sujeito histórico é aquele

que ao ter consciência de sua atividade e do mundo em que está inserido atua em função das finalidades que
propõe e que lhe são propostas, tendo como ponto de decisão de sua busca em si e em suas relações
constituir o mundo com sua presença criadora por meio das transformações realizadas nesse próprio mundo,
quando se separa desse para poder com ele ficar, (re) criando sua existência.
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formulação de pensamentos, mas como vinculação do conhecimento a objetivos concretos como


forma de alcançar a transformação social.

Freire (2004) argumenta sobre a importância da investigação das dimensões significativas


da realidade no sentido de propor aos sujeitos interação entre as partes, pois “[...] as dimensões
significativas, que por sua vez, estão constituídas de partes em interação, ao serem analisadas,
devem ser percebidas pelos indivíduos como dimensões de totalidade” (FREIRE, 2004, p. 55).

Constitui-se a necessidade de captar a realidade como um todo, buscando na realidade


social percebida, não só a superação do conhecimento abstrato isolado das partes, mas a superação
do conhecimento dedutivo dessa mesma realidade.

A investigação do tema gerador aproxima o pensar dos sujeitos no que se refere à realidade
percebida, investigando de tal forma a atuação desses sobre essa. “Isto não significa a redução do
concreto ao abstrato, mas tê-los como opostos que se dialetizam no ato de pensar” (FREIRE, 2004,
p. 97), onde abstrato e concreto formam um único método de conhecimento.

O processo teórico freiriano desloca-se do real ao abstrato e retorna ao real concebido pelo
pensamento, caracterizando um movimento por entre abstrato e concreto onde se supera a
abstração pela percepção crítica do concreto. A superação estará para além da totalidade
investigada.

Depois de realizados os movimentos de busca e delimitação temática concebe-se a


codificação da realidade em estudo, para posterior descodificação11 junto aos sujeitos envolvidos na
relação educativa. A partir da relação dialógica sobre os conteúdos programáticos é que acontece a
investigação dos sujeitos em relação à realidade.

A codificação se constitui por uma representação da situação existencial dada pela interação
de seus elementos. Os sujeitos se reconhecem nessa interação ao mesmo tempo em que passam a
ser seu objeto de reflexão.

Na obra Extensão ou comunicação?, Freire (2013) argumenta que a situação codificada, ou


figurada, a qual remete por abstração ao concreto da realidade existencial, promoverá a
comunicação verdadeira entre os sujeitos quando a codificação dos temas constituírem um
programa como “[...] um sistema de relações em que um tema conduz necessariamente a outros,
todos vinculados em unidades e subunidades programáticas” (FREIRE, 2013, p. 125).

Na codificação pedagógica12 como o objeto cognoscível é a situação existencial não há


espaço para o educador ou educadora narrarem o que para esses se constitua o saber da realidade,
mas a tarefa é desafiar os sujeitos para que penetrem na significação do conteúdo temático.

11 Ao longo do texto se manterá a fidelidade a obra freiriana em relação ao termo descodificação. Mesmo que
muitos autores utilizem decodificação de maneira semelhante optou-se por manter o termo conforme escritos
do autor encontrados em obras como: Educação como prática da liberdade, Pedagogia do oprimido, Extensão ou
comunicação? e Educação e mudança.
12 No contexto da obra Extensão ou Comunicação?, Freire (2013) utiliza o termo codificação pedagógica em

distinção ao termo codificação publicitária. “A pedagógica tem o núcleo do seu significado amplo, expresso
por um número plural de informações, enquanto a publicitária tem o núcleo de seu significado singular e
compacto, constituído de ´anunciadores´ que apontam para uma só direção: a que a propagandista impõe”
(FREIRE, 2013, p. 126, grifo do autor).
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Após a codificação onde é proposta a representação do tema, na descodificação faz-se o


desvelamento do tema. Os processos de codificação e descodificação significam “[...] transcender as
situações-limite, fazer com que o sujeito se reconheça no objeto” (FREIRE, 1979, p. 31).

Compreende-se que a descodificação significa trazer o objeto desconhecido até a realidade


do sujeito promovendo uma ressignificação, passando a representação a uma situação concreta de
aproximação do real, partindo a uma percepção crítica.

Nesse contexto há a necessidade de conhecimento sobre a realidade onde esse conhecer


exige codificar as partes e descodificá-las na busca da retotalização. Conhecer significa: “[...]
conscientização e necessita partir do todo (abstraindo as partes) e fazer o caminho de volta em
direção ao todo, construindo a síntese (o concreto). E, enfim, desvelar a percepção da percepção
antes percebida” (NÓBREGA et al, 2010, p. 88).

O contexto fenomelógico freiriano

Parte-se do pressuposto que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos,


quando é possível reconhecer que não há como procurar o seu sentido sem refletir sobre a
existencialidade humana. Nesse contexto, é preciso compreender a educação a partir das relações
humanas vivenciadas “com” e “no” mundo, sobretudo porque a educação é, sem dúvida,
experiência constitutiva do sujeito engajado efetivamente nesse mundo.

A conscientização não consiste em estar frente à realidade assumindo uma posição de


observador, mas a “[...] conscientização não pode existir fora da ´práxis´, ou melhor, sem o ato ação
– reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de
transformar o mundo que caracteriza os homens” (FREIRE, 1979, p. 15, grifo do autor).

Para o autor a consciência é problematizada como um fenômeno que se autorrepresenta,


sendo capaz de refletir sobre si mesma, ou ainda, ser consciência de si mesma. Para Oliveira (1996)
pela consciência o ser humano compreende a si próprio e o mundo passando a promover ações
capazes de transformá-lo em um novo ser, com capacidade de provocar transformações na ordem
social.

Essa consciência faz-se engajada no mundo, uma consciência intencional que examina e
explora o mundo, onde a compreensão desse está ancorada no superar as contradições, pois “[...]
explicações unilateralmente subjetivas e objetivas que rompem essa dialetização, dicotomizando o
indicotomizável, não são capazes de compreendê-lo” (FREIRE, 1983, p. 51).

Retomando a ideia de conscientização como compreensão de si e do mundo com ação de


transformação remete ao ser humano tornar-se o ser da práxis, quando busca transformar o mundo
com reflexão e ação articuladas de forma a enfrentar os desafios permanentes. “A conscientização
ultrapassa o nível de tomada de consciência pela análise, do desvelamento das razões de ser da
determinação situacional vivida, para constituir ações transformadoras” (GHIGGI, 2008, p. 134).

Partindo do pressuposto que os desafios são cotidianos faz-se a exigência de um processo


constante de desacomodação, onde não há o definitivo, mas um novo momento que deve ser
refletido, compreendido e transformado.

Problematiza-se que a tomada de consciência, muitas vezes, tende a atenuar o processo de


conscientização. Quando se estabelece essa afirmação acredita-se que o ser humano diante da
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consciência crítica13 deve se reconhecer como inconcluso, condicionado, e agente transformador da


realidade onde está inserido. O erro, muitas vezes, é quando esse ser considera-se ajustado a essa
realidade, ou ainda, determinado.

É um ser condicionado por acreditar-se como sujeito imerso em uma situação de opressão,
mas possuidor da capacidade de reflexão e tomada de consciência as quais lhe exigirão ação. A
proposta freiriana não está alinhada a um ser determinado, pois como tal esse não teria alternativas
de transformação.

Para Oliveira (1996) o processo de educação conscientizadora freiriana é o resultado de


uma redução fenomenológica elevada ao seu mais alto grau, depois de aplicada ao domínio social.
Para Freire “[...] isolado dos outros e da realidade social, o indivíduo não pode tornar-se um ser
consciente e nem desenvolver a sua auto-educação” (OLIVEIRA, 1996, p. 55).

Em Freire (1997) é possível compreender a concepção humanista, fenomenológica, quando


o autor compreende que a consciência é um abrir-se do ser para o mundo. Nega que essa seja um
recipiente que se enche, mas, pelo contrário, representa um ir até ao mundo para captá-lo, sendo
próprio da consciência estar dirigida para algo.

A essência de seu ser é a sua intencionalidade sendo por isso que toda a consciência é
sempre consciência de, mesmo quando realiza o retorno a si mesma. Dessa forma, “[...] na ‘retro-
reflexão’, na qual a consciência se intenciona a si mesma, o eu ‘é um e é duplo’” (FREIRE, 1997, p.
15, grifo do autor). O eu não deixa de ser um para ser uma coisa para a qual sua consciência se
intencionasse, continua sendo um eu que se volta intencionalmente sobre si.

Considerações finais

O objetivo da proposta freiriana é a aquisição, por parte do sujeito, de uma compreensão


de si próprio e do mundo no sentido de promover movimentos que sejam capazes de transformá-lo
em um novo ser, constituindo transformações na ordem social onde está inserido.

Problematiza-se o aspecto dialético - fenomenológico da educação conscientizadora, no


qual quanto maior o exercício da conscientização, mais se compreende e desvela a realidade,
penetrando na essência fenomênica do objeto, frente ao qual o sujeito se encontra para analisá-lo.

No intuito de promover essa educação conscientizadora faz-se necessário garantir uma


relação dialógica entre os sujeitos envolvidos. Nesse contexto as relações educativas, apoiadas em
trocas dialógicas, promoverão ao educador ou educadora e aos educandos construirem suas
atividades, alicerçados no movimento contínuo de tomada de consciência.

O diálogo torna-se categoria fundante do processo educativo e esse, por sua vez, está
associado a outras três categorias: a conscientização, a práxis e a unidade dialética. A concepção

13 Oliveira (1996), a partir da obra de Freire, caracteriza os estágios da consciência: consciência mágica – a
percepção da realidade social é limitada e distorcida, sendo a preocupação maior do homem a satisfação de
necessidades elementares básicas; consciência ingênua – “[...] nota-se uma certa capacidade de
questionamento do meio histórico cultural bem como a viabilidade de estabelecer relações dialógicas com o
mundo e com os outros.” (OLIVEIRA, 1996, p. 39); consciência fanatizada –as ações dialógicas ficam
prejudicadas e reduzidas, pois representa uma consciência sectária, impondo sempre a ideia do
convencimento e, por fim, a consciência crítica – se caracteriza pela profundidade de interpretação da
realidade onde tudo é visto como passível de transformações. “O homem se torna participante do processo
histórico e não mais apensas seu mero espectador” (OLIVEIRA, 1996, p. 44).
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problematizadora da educação eleva o ser humano - mundo como problema, exigindo uma posição,
permanentemente, reflexiva do sujeito. Esse é um corpo consciente desafiado e que responderá ao
desafio. A partir desses pressupostos é possível afirmar que o educando não é apenas aquele que
escuta, mas aquele que tem algo a dizer.

A partir de cada situação com que o sujeito se defronta sua consciência intencionada vai
captar as particularidades da problemática, as quais irão ser percebidas como unidades em interação
pelo ato reflexivo da consciência, a qual vai tomando criticidade.

Freire afirma que a educação sozinha nada pode, mas sem ela não é possível pensar
mudanças na e da sociedade. Nessa problematização existe um caminho, mais próximo à aposta ao
inédito viável14 freiriano onde o formato da sala de aula e sua ontológica opção dialógica devem dar
conta do acolhimento de todos e todas na condição de sujeitos do processo de aprendizagem e da
história, bem como, das experiências de vida.

As ideias aqui apresentadas possuem por finalidade provocar a articulação do pensamento


na busca de desvelar encaminhamentos que possam ser utilizados no cotidiano das relações
educativas. Acredita-se oportuno elencar pressupostos oriundos desse estudo os quais tenham por
objetivo promover relações educativas dialógicas tomando por base os métodos: dialético e
fenomenológico. Compreende-se: a) a importância da formulação de pensamentos, mas
vinculando-se o conhecimento a um objetivo concreto; b) abstrato e concreto formam um único
método de conhecimento, onde como opostos se dialetizam no ato de pensar; c) durante a relação
dialógica sobre os conteúdos programáticos é que acontece a investigação dos sujeitos em relação à
realidade; d) os sujeitos se reconhecem na interação ao mesmo tempo em que passam a ser seu
objeto de reflexão; e) a necessidade de conhecimento da realidade onde esse conhecer exige
codificar as partes e decodificá-las na busca da retotalização; f) a educação a partir das relações
humanas vivenciadas “com” e “no” mundo; g) o desvelar a realidade como o ato de penetrar na
essência fenomênica do objeto, frente ao qual o sujeito se encontra para analisá-lo; h) a educação
como ação de transformação do ser em um novo sujeito, com capacidade de provocar
modificações na ordem social; i) o ser humano como ser inconcluso e agente transformador da
realidade onde está inserido, e ainda; j) a ação da consciência de intencionar-se a si mesma, o eu é
um e é duplo.

Não se tem como intuito encerrar a discussão a partir desse trabalho, mas oportunizar que
se abram novas perspectivas na promoção da investigação de conceitos e pressupostos que se
compõem de forma imbricada no que concerne tanto à dialética quanto a fenomenologia no
contexto freiriano.

Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é método Paulo Freire. 34. reimp. São Paulo: Brasiliense,
2013.
FREIRE, Ana Maria Araújo. Inédito Viável. In: STRECK, Danilo; REDIM, Euclides; ZITKOSKI,
Jaime Jose (orgs). Dicionário Paulo Freire. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 223-226.
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento
de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

14 A sensação de insegurança se faz presente em todos os momentos de reflexão e ação, talvez pela tentativa
de compreender o inédito viável, como em Ana Freire (2010): “[...] estão intrínseco o dever e gosto de
mudarmos a nós mesmos dialeticamente mudando o mundo e sendo por esse mudado” (FREIRE, A., 2010,
p. 224).
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Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264
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FREIRE, Paulo. Papel da Educação na Humanização. Revista da FAEBA, Salvador, ano 6, n. 7, p.


9-36, jan./jun., 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 25. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 38. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 16. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
GHIGGI, Gomercindo. A pedagogia da autoridade a serviço da liberdade: diálogos com Paulo
Freire e professores em formação. Pelotas: Seiva, 2008.
MARX, Karl; ENGELS,Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
NÓBREGA, Michelle Rodrigues; SILVEIRA, Fabiane Tejada; GHIGGI, Gomercindo. Pensar e
ser pesquisa: a contribuição da dialética freiriana à Filosofia da Educação. In: STRECK, Danilo; et
al (orgs). Leituras de Paulo Freire: contribuições para o debate pedagógico contemporâneo.
Brasília: Liber Livro, 2010. p. 75-91.
OLIVEIRA, Admardo Serafim de. Educação: redes que capturam caminhos que se abrem. Vitória:
EDUFES, 1996.
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
SCOCUGLIA, Afonso Celso. Globalização, trabalho e docência: constatações e possibilidades.
Revista HISTEDBR On-line. Campinas, n. especial, p. 175-190, ago., 2010.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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LÍNGUA PORTUGUESA E ENSINO:


GESTOS DE INTER-AÇÃO NA E PELA LINGUAGEM

Angélica Pereira Martins15


Hélder Sousa Santos16
Paula Boaventura Veloso17

Resumo
O presente artigo se propõe a tecer reflexões gerais sobre Língua Portuguesa e (seu) Ensino atual,
tomando como pressuposto teórico a propalada noção linguística de inter-ação na linguagem. Nosso
material de análise utilizado para tal serão recortes de atividades retiradas de um livro didático de
português. Esse percurso teórico-metodológico permitir-nos-á corroborar, em essência, fatos do
estatuto da noção de interação na linguagem, por exemplo, o fato interlocução, o diálogo constante
de interlocutores que tomam a língua para (se) significar.
Palavras-chave: Ensino. Interação. Língua Portuguesa.

Abstract
This article aims to show general reflections about Portuguese Language and (their) teaching
nowadays, taking as theoretical assumption the vaunted linguistic notion of inter-action in language.
Our material of analysis used for such it’s composed by activities will be taken out of a textbook of
portuguese. This theoretical-methodological approach allow us to corroborate, in essence, facts of
the notion of interaction in the language, for example, the fact interlocution, the intensive dialogue
of actors who take the language to mean.
Keywords: Teaching. Interaction. Portuguese Language.

Primeiras palavras

A linguagem como representação do pensamento corresponde à imagem de um sujeito


psicológico (individual), diz a linguística geral. Esse sujeito constrói uma representação mental de
coisas do mundo e deseja, para tal, que essa seja captada por seus interlocutores de maneira
semelhante à que mentalizou. De acordo com Travaglia (1998), a linguagem enquanto código, uma
característica pressuposta à comunicação humana, põe-se na condição de um instrumento;
instrumento esse de comunicação, que, em outras palavras, corrobora a ideia de conjunto de signos
que se combinam segundo regras determinadas socialmente e culturalmente (a língua-código).
Assim, no ato de comunicação, considerando o emissor e receptor, seus actantes devem dominar
determinado código linguístico para que a comunicação seja então efetivada.

De modo diferente, a linguagem, tomada como forma de inter-ação com o mundo em


geral, significa-se no e pelo lugar de dada atividade linguageira. Ou seja, por intermédio dos
indivíduos (sujeitos e realidade) praticam-se ações (discursivas) envolvidas tanto no campo da fala
(onde é mais comum), quanto no campo da escrita, via contextos sócio-histórico e ideológicos;
sendo esses (des)envolvidos, então, em atos comunicativos. Em tese, as palavras abaixo, do filósofo

15 Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail:


angelicapereiiraa@hotmail.com
16 Professor de Língua Portuguesa, Literatura e Redação do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia de Minas Gerais (IFMG). E-mail: helder.sousa@ifmg.edu.br


17 Professora de Redação do Colégio Marista de Patos de Minas. E-mail: paulinha-boaventura@hotmail.com
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Bakhtin (1953, p.4), resumem bem a questão de existência de estados de inter-ação na e pela
linguagem. Diz, pois, o autor:

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre
relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos
dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana, o que
não contradiz a unidade nacional de uma língua.

No que tange o pensamento bakhtiniano em tela, consideramo-lo mais bem compreensível


ao analisar adiante um livro (material apostilado)18 de Língua Portuguesa, (da chamada Rede de
Ensino Pitágoras de Ensino (2008)), do sétimo ano do Ensino Fundamental. Dali, selecionamos a
Unidade n.2, intitulada de “As palavras me revelam”; atividade em que se pressupõe, da parte de
seus autores, a efetivação da noção de leitura como processo de interação em formulações escritas
de alunos. Tal resultado (uma expectativa, a priori), é bom lembrar, depende do contexto de
circulação, de recepção e dos objetivos do gesto de ler da figura leitor. O autor ressalta inclusive que
o sentido do texto não está no produtor, no leitor ou no próprio texto, mas sim na interação texto-
sujeitos-histórias-de-leituras.

Ademais essas questões, focamos nossa análise no capítulo 3, intitulado “Mensagem para
você”, que tem como objetivo aprimorar a noção do aluno acerca do que é e do que não é texto (cf.
MANUAL DO PROFESSOR, 2008) a partir do trabalho com os gêneros textuais; sendo esse (o
aluno) capaz de perceber diferenças entre textos (amostras). O autor, nesse passo, propicia a
exposição dos alunos a situações de comunicação significativas e próximas das do cotidiano nosso,
explorando as dimensões de interpretação prováveis ao ensino de dado gênero. Fato que propicia,
também, o acesso desses alunos a textos de gêneros diferentes, podendo, pois, fazer uma leitura
crítica e cidadã de algo maior, tangível em partes: o discurso.

Enfim, os conceitos mais trabalhados nos capítulos 2 e 3 do referido material de análise são
leitura e produção de sentidos. O autor espera que o aluno perceba a leitura como processo de
interação e que ele utilize dos gêneros do discurso para construir/reconstruir sentidos de textos
lidos ou produzidos.

Dessa feita, consideramos ser preciso pensar a aula de Língua Portuguesa como a relação
entre leitura-e-produção de sentidos. No decorrer deste trabalho, será analisado se o objetivo do
autor é posto em prática na construção de atividades didáticas.

Um excurso brevíssimo por teorias de linguagem

Sem delongas, o linguista Travaglia (1996, p. 21), em estudos sobre língua, diz-nos que “as
concepções de linguagem são tão importante quanto a postura que se tem relativamente à
educação”. Essas concepções podem ser compreendidas sob três vias, quais sejam: língua como
expressão de pensamento, língua como instrumento de comunicação e língua como elemento de interação.

A primeira concepção, a que vê a linguagem como expressão do pensamento, leva-nos ao


entendimento, segundo Travaglia (cf., ib.), de que se as pessoas não se expressam bem é porque elas
não pensam. Como a expressão se constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas
uma tradução, o modo como o texto está constituído não dependerá de condições de sua produção,

18 Por se tratar de um material no formato apostilado, faremos, doravante, alusão genérica aos autores. Ou
seja, tomando-os pela designação autor.
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ou seja, para quem se fala, de que situação de fala, para que se fala. Mas, unicamente, do
pensamento individual de cada um de nós, sua organização, estrutura.

A segunda concepção, a vê a linguagem como instrumento de comunicação, ou melhor, um


objetivo para a comunicação, caracteriza, por sua vez, a língua como um código; código esse que
deve ser dominado pelos falantes para que a comunicação possa ser efetivada. Ainda, de acordo
com formulações travaglianas (idem, cf., p.22), a língua é vista como um conjunto de signos que se
combinam por meio de regras, sendo ela (a língua) capaz de transmitir em si uma mensagem,
informações de um emissor a um receptor.

A terceira concepção, por fim, vê a linguagem como forma ou processo de interação.


Consoante a tal concepção, o indivíduo realiza ações na e pela linguagem: age, atua sobre o
interlocutor (ouvinte/leitor). No que tange esse fato, Travaglia (cf., 1996) acrescenta que a
linguagem é um lugar único de interação humana. Isto porque produz efeitos de sentido entre
interlocutores, contando com uma dada situação de comunicação e com um contexto sócio-
histórico e ideológico.

Mo(vi)mentos de análise

Grosso modo, o Capítulo 3, “Mensagem para você”, volta-se para possibilidade de chamar
a atenção do aluno quanto à questão nodal dos gêneros textuais. Existem fatos de linguagem ali a
partir dos quais, cremos, os alunos já estão expostos cotidianamente; fatos esses (de cultura) que
contribuem para o entendimento melhor do texto e, consequentemente, para o processo real de
ensino-aprendizagem. Espera-se, com efeito, que o aluno adquira competência para resolver
questões em todas as disciplinas. O capítulo em questão organiza-se em seções (quatro).

A primeira seção, intitulada de “Conversando”, busca promover uma reflexão genérica


sobre a temática do capítulo e conduzir o aluno a explicitar, por meio de atividades interativas, seus
conhecimentos prévios, em particular, a respeito do tema proposto (o gênero Carta pessoal).

Analisando a atividade n.2 (p.42), percebemos ali certa exigência de compreensão do aluno
face a maneiras atuais para se entrar em contato com alguém, no caso, alguém que esteja distante
nós (via e-mail, telefone, fax). Nesse passo, o autor do livro em exame levanta uma pergunta, qual
seja: “Como estar em contato com alguém, um ente, distante de nós?”, abrindo-se ali à ideia de
interação, à concepção de linguagem aludida há pouco. Quanto a isso, vemos, de fato, um gesto
autoral ocupado da necessidade de tomar a realidade do aluno e produzir para daí uma resposta,
melhor, várias (uma polissemia de sentidos). A proposta em análise, na íntegra, constrói o cenário
seguinte: “Suponha que você queira ou precise entrar em contato com uma pessoa que esteja
distante. Em nossos dias, como você pode fazer isso?” (cf., p. 42). Uma proliferação de sentidos,
resumindo, poderá derivar desse fato de linguagem.

Na segunda seção, intitulada de “Partindo dos textos”, as atividades trazidas ali


aprofundam o assunto a ser tratado no Capítulo 3, solicitando, para tanto, que o aluno vá além
daquilo que está proposto enquanto verdade necessária à compreensão de fatos de dado rol de
textos. A atividade n.1 dessa outra seção (p. 46) pede para os alunos reescreverem as frases,
trocando a expressão “à moda antiga” por sinônimos prováveis. Diz-nos, assim, a atividade:

Reescreva as frases a seguir substituindo essa expressão por sinônimos.


a) ‘Envie a uma pessoa querida e, à moda antiga, aguarde a
resposta.’(Como se fazia no passado.) b) ‘O maluquinho é um moderno à
moda antiga!’(De maneira, de modo velho).
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Trata-se de um exercício que não exige esforço esperado do aluno, abordando a linguagem
como instrumento de comunicação. Isto porque se fecham as possibilidades de resposta dele,
permitindo, na ocasião, apenas uma (resposta?) como sendo “a” correta. Já para a realização da
atividade n.2, é necessário que o aluno tenha conhecimento de significados para as palavras, dado
agora será preciso criar frases a partir dessas. Vejamos a injunção de tal atividade:

Usando adequadamente cada uma das palavras ou expressões a seguir,


escreva frases em que elas apareçam com sentido semelhante ao que têm
nos textos lidos. Se necessário, consulte um dicionário. a) caixa-postal b)
trocado c) correntes d) letra cursiva e) Orkut. (A palavra deve ser
empregada adequadamente).

Sem este conhecimento (o do léxico da língua), o aluno ficará impossibilitado de resolver a


questão. Tem-se aí, verdadeiramente, uma atividade em que a concepção de linguagem é a de língua
efeito de interação; atividade essa que exige do discente a construção de relações teóricas (o
conceito das palavras) e práticas (criação de frases).

A terceira seção “Pensando bem”, mostra-nos estudos sobre gramática. Neste ponto,
expõe-se o uso de questões de pontuação para o gênero textual Carta. A atividade n.1 da seção em
análise (p. 51) é introduzida por um pequeno texto sobre pontuação. Nela pede-se que os alunos
escrevam o nome dos sinais de pontuação que foram re(a)presentados ali. Literalmente, algo na
forma:
Escrevam, depois do sinal de pontuação, o nome de cada um deles. a) (.)
b) (,) c) (?) d) (!) e) (:) f) (;) g) (...).

Este é um exercício que trata a linguagem como instrumento de comunicação, ou seja, uma
atividade-cópia, já que há apenas uma resposta pré-determinada para a pergunta apresentada. Não
se exige do aluno algum gesto de ir-além do conteúdo posto.

A atividade n.2 solicita que os alunos reescrevam dado bilhete, empregando, para tanto,
sinais de pontuação adequados. Esclarece-nos, nesse mo(vi)mento, a atividade:

Reescrevam o bilhete a seguir, pontuando-o adequadamente. Depois,


comparem o trabalho de vocês com o de outros grupos e com a
pontuação original, que lhes será apresentada pelo professor. Antes de
começarem o exercício, observem o seguinte: os parágrafos já foram
demarcados, isso facilitará o trabalho de vocês; ao usar os sinais de final
de frase, vocês deverão iniciar a frase seguinte com letra maiúscula; no
texto original, foram usados os seguintes sinais: ponto final, vírgula,
ponto de interrogação, ponto de exclamação, reticências, travessão.
Bilhete: ‘Mãe saí cedo tinha que falar com a Renata antes da aula o
Eduardo ligou ah mãe estou gostando tanto dele queria você sabe mãe
não sei se volto para o almoço se você puder me busca no dentista deve
ser lá pelas três horas ligo quando sair de lá abraços e beijos Sílvia sua
filha mais querida 15 de abril 6h da manhã.

Agora, sim, trata-se de um exercício que traz para o bojo de discussão a ideia de linguagem
como elemento de interação, pois exige que o aluno já tenha conhecimentos a respeito dos usos
desses sinais a fim de poder empregá-los de maneira correta.

Na quarta e última seção, “Produzindo texto”, as atividades arroladas ali direcionam o


aluno a gestos de (des)envolver-se com habilidades de selecionar e de empregar recursos
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linguísticos na produção de textos. A atividade n.1 (p. 57) pede que os alunos continuem a carta
formulada (apenas algumas partes) pela personagem Minduim (em uma tirinha). Vejamos:

Leia atentamente a tirinha a seguir. ‘Minduim diz: _Caro correspondente.


Na última carta, perguntei se você tinha um cachorro. Você respondeu
que não tem. Cachorrinho de Minduim pensa: _Por que escrever para
alguém que não tem um cachorro?... ’ Use sua imaginação e complete a
carta iniciada por Minduim. Você deverá escrever, no mínimo, dois
parágrafos para completar o corpo da carta. Não se esqueça do fecho ou
despedida e da assinatura.

A atividade em questão constrói um cenário de interação na e pela linguagem. Dali, o aluno


precisará conhecer o corpo da carta e como ela é finalizada para poder (re)produzi-la.

Arremates finais

A partir dessas análises propostas até aqui, percebemos, com efeito, a utilização da
linguagem enquanto elemento de interação; isso se dá na maioria das atividades. Corrobora-se, com
isso, o objetivo nodal do autor ao construir seu livro didático (a apostila analisada).

Certamente, essa concepção de linguagem (linguagem na condição de elemento de


interação) faz com que o livro em questão seja apropriado para se trabalhar em sala de aula, já que
propicia ao aluno uma visão da língua para além do esperado, tornando-a parte de uma pessoa
crítica, constituída por suas próprias ideias e opiniões.

Resumindo, as atividades reprisadas aqui e verificadas por nosso exame são, em geral, bem
elaboradas; exigem que o aluno coloque em prática seu conhecimento de mundo, enriquecendo-o e
colaborando com (suas) (re)formulações linguísticas futuras. Logo, em vez de restringir as respostas
permitidas, as atividades abriram-se a possibilidades outras, a possibilidades que, sem dúvida, o
aluno terá como expor argumentos seus, defender uma tese, a propósito.

Referências
APOSTILA PITÁGORAS. Disciplina: Língua Portuguesa. 2008.
CORACINI, M. J. R. F. Interação e sala de aula. In: Calidoscópio, Vol. 3, n. 3, p. 199-208, set/dez
2005.
FARACO, C. A. Interação e Linguagem: Balanço e Perspectivas. In: Calidoscópio. Vol. 3.
Unisinos, 2005.
GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º
graus. São Paulo: Cortez, 1996.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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A FIGURA DO NORDESTINO NA OBRA “A HORA DA ESTRELA”

Arlete Ferreira dos Santos19


Viviana de Souza20
Simone da Silva Santos Moura21

Resumo
A obra “A hora da Estrela” de Clarice Lispector foi escrita um pouco antes de sua morte, em 1977.
Relata os momentos de criação do escritor Rodrigo S. M. (espécie de alter ego de Clarice), narrando
a história da personagem Macabéa que é uma alagoana órfã, virgem e solitária, características que a
insere no âmbito daqueles que são vistos como inferiores, sobretudo, por se tratar de uma
nordestina. Em consequência dessa visão estereotipada, este trabalho tem como objetivo analisar a
figura do nordestino, discutindo os confrontos e as dificuldades que esse povo encontra ao se
deparar com a sociedade moderna.
Palavras-chave: Nordeste. Literatura. Estereótipo.

Abstract
The piece of work "A hora da Estrela" by Clarice Lispector was written just before her death in
1977. It reports the writer’s Rodrigo S. M. creation moments (sort of Clarice's alter ego), telling the
story of the character named Macabéa who is an orphan natural from Alagoas (Brazil), virgin and
lonely, characteristics that fall within the scope of those who are seen as inferior, mainly because
she is Northeastern. As a result of this stereotypical view, this paper aims at analyzing the
Northeastern figure, debating clashes and difficulties that Northeastern people find when facing
modern society.
Keywords: Northeast. Literature. Stereotype.

Introdução

A visão estereotipada do Nordeste, facilmente se estende aos indivíduos que tiveram


origem nessa região. Clarice Lispector como uma autora contemporânea, por meio da linguagem
literária busca explanar como o nordestino é idealizado em um contexto social abalado pela força
da modernidade. Desse modo, ao apresentar a personagem Macabéa, a autora traz para o centro da
discussão esse ser excluído, denunciando toda carga de preconceito que se encontra por trás dos
estereótipos estabelecidos em torno da figura nordestina.

Na obra, “A Hora da Estrela”, Lispector apresenta através de uma personagem, o


nordestino, que muitas vezes, é comparado a um ser inferior, apático, sem conhecimento e
autonomia. Um ser que ao ir em busca de uma vida mais digna, além de não lutar por seus direitos,
perde a sua cultura, ficando subordinado às exigências do mundo capitalista. Por se vê nesse
contexto, o próprio indivíduo acaba internalizando a ideia que o sujeito nordestino é um ser inferior
e desagradável. Nesse sentido, a personagem Macabéa não só significa a visão estereotipada, como
também representa uma classe oprimida.

19 Graduanda do VIII semestre do curso de Letras, Libras, Língua Estrangeira, pelo Centro de Formação de
Professores - CFP da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB.
20 Graduanda do VIII semestre do curso de Letras, Libras, Língua Estrangeira, pelo Centro de Formação de

Professores - CFP da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB.


21 Graduanda do VIII semestre do curso de Letras, Libras, Língua Estrangeira, pelo Centro de Formação de

Professores - CFP da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB.


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A visão estereotipada sobre a figura do nordestino

O Nordeste é uma região que, para além das fronteiras geográficas, apresenta elementos
culturais capazes de singularizar o ser e o viver de sua gente. Dentre o conjunto de identidades
atribuídas ao nordestino, destacam-se as imagens associadas às irregularidades climáticas, isto é, a
falta de chuva, a seca e, além disso, sua representação social, tendo como principais aspectos
simbólicos a fome, a pobreza e a figura do retirante, que por sua vez, se destaca através de sua
desagradável presença ostensiva, tornando-se diferente dos habitantes de outras regiões.

A forma como o nordestino é identificado implica em uma série de simplificações,


levando-o a vincular-se à ideia de pobreza e atraso. Como fugas dessa realidade hostil determinada
pelo espaço em que vivem, os retirantes migram para outras regiões em busca de melhores
perspectivas para suas vidas. Nesse sentido, como afirma Antunes (2002, p. 126), para os
nordestinos migrar adquire a representação social de superação da miséria, de encontro de um lugar
social (de "excluídos" passariam a "incluídos"). Porém, ao desembarcar em seu destino, se deparam
com uma realidade totalmente distinta, dessa forma, acabam se tornando indivíduos marginalizados
e, mais uma vez, excluídos pela sociedade moderna e elitizada.

Por causa dessas imagens que apelam para a pobreza extrema, para o êxodo rural e para a
miséria nos centros urbanos, a região nordeste sofre uma visão preconceituosa e estereotipada de
seus aspectos simbólicos. Corrobora com isso, a falta de recursos e de investimentos políticos,
econômicos, culturais e sociais na região, em que os grupos dominantes estabelecem um padrão de
sociedade e cultura, fazendo com que os nordestinos se tornem cada vez mais exclusos.

Os nordestinos nas primeiras décadas do século XX, já ouviam falar de uma das grandes
metrópoles situada na região Centro- Sul, o Estado de São Paulo, porém, não tinham conhecimento
sobre o espaço geográfico em que se encontrava o mesmo e, tampouco, o perfil dos seus
habitantes, considerando-o fora da fronteira brasileira. Esse pensamento se deu através de uma
precariedade nos meios de comunicações, o que vem salientar o quão isolada era a região nordeste.
Todos os dados que os nordestinos ouviam a respeito desse Estado, mesmo sendo misterioso,
afloravam o desejo e o fascínio de conhecê-lo.

Os principais incentivadores à migração dos nordestinos para essa região foram os grandes
fazendeiros, contando, inclusive, com o apoio das autoridades governamentais, em decorrência da
necessidade e carência da mão de obra farta, ociosa e barata, através da utilização de propagandas,
como: a divulgação das riquezas e a demonstração da potência do Estado e dos subsídios atrativos
que lhes ofereciam para esse deslocamento, como ressalta Gund:

a partir do início da década de 1920, houve uma intensificação do fluxo de nordestinos


e migrantes para São Paulo, principalmente por conta de estímulos do governo
estadual, que tinha o objetivo de suprir a lavoura de mão de-obra, especialmente as
lavouras do interior paulista – propiciando o rápido desenvolvimento da região, a
oportunidade de emprego e a tão sonhada vida melhor. (GUND, 2006, p.29).

Além dos grandes fazendeiros e das grandes autoridades governamentais, podemos


enfatizar que familiares e amigos tiveram participação significante na influência desse processo
migratório. Assim, muitos indivíduos se animavam a tomar a estrada rumo ao desconhecido e
incerto destino.

Ao retornar à sua terra natal com pequenas quantias, os nordestinos tinham a sensação de
abundância e riqueza, pois, traziam consigo alguns bens materiais que diante das suas visões, jamais
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conseguiriam se permanecessem no Nordeste. Colaborando assim, com o despertar do desejo de


outros nordestinos a migrarem também. Quando outros não conseguiam ter êxito em sua migração,
retornavam para suas terras com um sentimento de vergonha, atribuindo a sua não-fixação a alguns
fatores como: a falta de adaptação, os rigores do clima, etc.

São Paulo foi durante algum tempo, a cidade que mais recepcionou nordestinos, pois
representava a modernização, sendo considerado o lugar das transformações; das mudanças
empreendidas pelo sistema capitalista, onde se tinha uma espécie de modelo a ser seguido pelos
demais Estados, visto que apontava (perspectiva de emprego, acesso à educação, enfim) melhores
condições de vida. No entanto, foi um dos espaços onde o nordestino passou por muitas situações
preconceituosas. A esse respeito, Estrela diz:

até fins dos anos 70, observava-se em algumas repartições públicas de São Paulo uma
clara manifestação de má vontade em relação à pessoa que portasse documentos
emitidos no Nordeste. A carteira de identidade emitida pela Secretária de Segurança
Pública da Bahia, por exemplo, apresentavafotografia em formato um pouco maior que
a de São Paulo, e isso bastava para que algumas “pequenas autoridades” se negassem a
recebê-la, aconselhando seu portador a tirar nova documentação, fazendo vistas grossas
à advertência impressa no documento: “válida em todo território nacional” (ESTRELA,
2003, p.213).

Isso demonstra que o nordestino “incomodava” a metrópole, de maneira que sua presença
só era aceita caso ele se adequasse de alguma forma naquele lugar. Pois, a cultura, a linguagem, o
“ser nordestino” eram motivos de repulsa para a sociedade moderna paulista. Daí, percebe-se a
literatura como antítese da sociedade que tenta denunciar a realidade de quem vive à sua margem,
nos levando a refletir, nesse caso, a realidade da região nordeste.

A narrativa de Clarice Lispector, “A Hora da Estrela”, revela as carências e violências


sofridas pelos migrantes nordestinos nos grandes centros urbanos, a começar pelos espaços
ocupados por esses sujeitos. Os mesmos passam a residir em ambientes periféricos das metrópoles.
Observa-se a precariedade do local em que morava a protagonista da obra, denominada de
Macabéa, no seguinte parágrafo: “o quarto ficava num velho sobradocolonial da áspera rua do Acre entre as
prostitutas [...]O cais imundo[...]" (LISPECTOR, 1984,p. 51).

É comum o fato de que ao chegarem às grandes cidades os nordestinos tendem a ocultar


sua cultura, por se sentir inferior aos outros indivíduos, passando, em certa medida, a absorver a
cultura do novo ambiente com a intenção de se igualar ao mesmo nível social e cultural
metropolitano, a fim de ser reconhecido e aceito socialmente. Isso sucede com Macabéa, quando
pinta a boca com batom vermelho, com o intuito de adquirir a identidade desejada, se espelhando
na atriz hollywoodiana Marilyn Monroe, um símbolo da modernidade. Modernidade essa, que é
caracterizada por uma camada social que se considera culta, urbanizada, civilizada e moderna que
possui interesse em conhecer os problemas, as angústias, as misérias, as tradições e cultura do
outro, como uma forma de se apresentar como superior diante desse outro.

Assim, a figura nordestina, representada através da personagem Macabéa, é seduzida pelos


elementos da modernidade e por uma realidade diferente da vivenciada no Nordeste, assim como
alguns nordestinos partiram para São Paulo, o mesmo fez Macabéa, à procura de uma vida mais
íntegra no Rio de Janeiro. Nesse sentido, passaria de “excluída” para “incluída”, conseguindo,
consequentemente, um status de superação da miséria. Contudo, esse ponto de vista que os
nordestinos possuem, enfatiza a concepção ilusória que os mesmos têm em relação às grandes
cidades. Ocorre, dessa maneira, um desencontro entre o imaginado e o vivido, capaz de produzir
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profundas rupturas psicológicas, as quais Volpe (2005apud Gund2006, p.26) denomina insílio, ou
seja, o exílio interno de um sujeito dentro de seu próprio país.

A autora descreve a personagem Macabéa como um indivíduo caracterizado pela


invisibilidade e desesperança. Um ser que sai de sua terra natal, na qual tinha uma vida marcada pelo
desprezo, miséria, privação e passa a viver numa cidade em processo de modernização. Apesar de
Macabéa estar inserida nesse contexto moderno e capitalista, a mesma sustentava as características
de uma nordestina, dessa forma, era inferiorizada, sendo vista apenas como uma figura nordestina,
cujas descrições eram tidas como lenta, estranha, ignorante e incapaz de qualquer reação. Na obra, a
autora descreve que a protagonista ficava observando nas vitrines os objetos que jamais teria
condições de comprar, onde enfatiza a sociedade capitalista que além de excluir, valoriza os bens
materiais e menosprezam os indivíduos, isso ilustra o não êxito da personagem em sua viagem.

Lispector discorre, em sua narrativa, as discriminações e estereótipos que são atribuídos às


pessoas que nascem no Nordeste. A protagonista do enredo só recebe nome, na metade da obra,
sendo que até então era identificada como “a nordestina”. Esse episódio revela a carga semântica
depreciativa que é atribuída a esse termo, além de pensar sobre a visão homogênea que existe do
povo nordestino. É relevante destacar, que o nordestino é retratado como um povo primitivo e até
mesmo selvagem, como menciona Albuquerque (2009, p.144) “estereotipá-los como homens
primitivos, bárbaros, alheios à civilização e à civilidade, que, embora fossem homens comuns,
escondiam uma fera pronta a se revelar, às vezes nem parecia gente”. E, como se pode perceber no
contexto da obra, em que a autora compara as personagens a animais. Tal zoomorfismo indica a
degradação do humano em detrimento dos valores materiais.

A personagem Macabéa é descrita como uma figura raquítica, magricela, amarela, tola e
idiota, reforçando o estereótipo do nordestino como um ser ignorante, preguiçoso, lento,
incompetente e desprovido de conhecimentos. Além de se levar em conta, que a fala do nordestino
é ridicularizada. É através da trajetória vivida por Macabéa em “A Hora da Estrela”, que fica
implícito a ideia de que o nordestino quando consegue conquistar algo para si, é através da mentira
ou de meios desonestos. Isso pode ser verificado quando Macabéa utiliza da mentira para ter um
dia de descanso, como descrito no trecho abaixo:

pois não é que quis descansar as costas por um dia? Sabia que se falasse isso ao chefe
ele não acreditaria que lhe doíam as costelas. Então valeu-se de uma mentira que
convence[...]Dançava e rodopiava porque ao estar sozinha se tornava l-i-v-r-e![...]
tomou tudo se lambendo e diante do espelho para nada perder de si mesma. Encontrar-
se consigo própria era um bem que ela até então não conhecia. Acho que nunca fui tão
contente na vida, pensou [...] Até deu-se ao luxo de ter tédio [...] (LISPECTOR, 1998,
p. 42).

Dessa forma, percebe-se que Macabéa não se sentia no direito de ser uma pessoa feliz e
nem de ter tédio, pois a mesma já havia internalizado a ideia de que o sujeito nordestino é um ser
inferior e desagradável. Além disso, esse trecho da obra revela que ao estar sozinha essa
personagem era ela mesma, livre de tentativas de ser outra ou de imitar um modo de vida que não
era o seu, vislumbrando a sua imagem no espelho para “nada perder de si mesma”.

Através de total ironia, a autora traz a tona os múltiplos preconceitos, os quais são
impostos aos indivíduos nordestinos. A definição humilhante da protagonista Macabéa é o reflexo
das imagens negativas construídas em torno do Nordeste e do nordestino. Dessa forma, o primeiro
é encarado apenas como um espaço de miséria e fome, já o segundo é visto como um povo de má
origem.
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Sendo assim, nota-se que nessa obra, não só há uma denúncia de como o nordestino é
visto negativamente no contexto moderno das cidades grandes, como também da forma
inferiorizada que o nordestino é visto pelo outro e, consequentemente, por si mesmo; uma visão
preconceituosa e excludente que é construída ao longo de sua trajetória nesses novos espaços. A
autora retrata a figura nordestina de modo desfigurado, empregando os estereótipos para apontar
com maior precisão os embates do nordestino ao inserir-se nas grandes metrópoles. Esse
deslocamento do indivíduo da sua terra natal provoca essa visão estereotipada, construída através
de um olhar dominante sobre o mesmo, que nem sempre se adéqua às mudanças proporcionadas
pela modernidade.

Conclusão

Dessa forma, Clarice Lispector, por meio da ficção, alcança através da personagem
Macabéa, representar o sujeito nordestino engajado na sociedade moderna, abrindo espaços para
discussões em relação aos fatores que levam os indivíduos a migrarem da sua terra natal para os
grandes centros urbanos, juntamente com a tentativa frustrada de adaptação dos mesmos e a
imagem negativa que foi construída sobre o povo nordestino. A autora utiliza-se da literatura para
dá voz à mulher nordestina, tirando-a do silêncio imposto por muitos anos à região Nordeste.

Portanto, não se pode negar a importância da Literatura, uma vez que é por meio da
linguagem literária, que a autora usa dos estereótipos para descrever a personagem partindo do
discurso dominante, com o intuito de desmitificá-lo e acender questionamentos que podem intervir
na realidade. Como ressalta Antunes (2002), é através da palavra que se pode colocar a “máscara”
que acaba impedindo a visão real do jogo que se é empregado socialmente, mas é também por meio
da palavra que se pode denunciar a mesma como uma “máscara”, o que se pode considerar um
passo muito importante para a superação do sistema que por essa “máscara” é encoberto.

Referências
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. De: Páginas de Nordeste. In. Id. Invenção do
nordeste e outras artes. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2009.p.126.
ANTUNES, Nara Maria de Maia. Caras no espelho: identidade nordestina através da literatura. In:
BURITY, Joanildo A. (org.). Cultura e identidade: perspectivas interdisciplinares. Rio de Janeiro:
DP & A, 2002, p. 125-141.
ESTRELA, Ely Souza. Os sampauleiros: cotidiano e representações. São Paulo: Humanitas,
2003.p.209-237.
GUND, Ivana Teixeira Figueiredo. POR ESSA TERRA... DESTINOS ITINERANTES: os
caminhos do sujeito migrante em Antônio Torres. 2006. 119f. Dissertação (Mestrado em Letras) –
Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, Juiz de Fora, 2006.
LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Record, 1984.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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HEGEMONIA, COTIDIANO E CONSUMO CULTURAL EM ANTONIO GRAMSCI

Jean Henrique Costa22

Resumo
Este ensaio discute o conceito de hegemonia em Antonio Gramsci como recurso teórico para se
pensar o cotidiano e a cultura popular frente aos meios de comunicação de massa. Trata-se de uma
breve reflexão teórica, didática, que objetiva mais apresentar descritivamente um conceito do que
revisar ou avaliar uma teorização. Seu objetivo é, portanto, restrito a um exercício de resenha. Logo,
este ensaio visa apresentar, a partir de Gramsci e comentadores, a cultura popular não como mero
veículo ideológico do status quo, mas sim, como um local de resistência e conflito potencial,
desenvolvendo-se, nas palavras de Schulman, uma história da hegemonia.
Palavras-chave: Hegemonia; Antonio Gramsci; Cultura Popular.

Abstract
This paper discusses the concept of hegemony in Antonio Gramsci as a way of thinking about the
everyday (quotidian) and the popular culture front to the mass media. This is a theoretical
reflection, didactic, which aims to provide more descriptive than a concept review or evaluate a
theory. Your objective is therefore restricted to a review exercise. Therefore, this paper aims to
present, from Gramsci, popular culture not as a mere ideological vehicle of the status quo, but
rather as a place of strength and potential conflict, developing a history of hegemony.
Keywords: hegemony; Antonio Gramsci; Popular Culture.

Raymond Williams assinala que o conceito de hegemonia adquiriu uma significação muito
peculiar a partir da obra de Antonio Gramsci, indo para além dos horizontes do domínio político
entre Estados. Segundo afirma, Gramsci fez uma distinção conceitual entre “domínio” e
“hegemonia”, sendo o domínio uma forma de manifestação política expressa sob coerção direta e
efetiva, enquanto a hegemonia traduzida pela direção obtida por meio de uma complexa
combinação de forças políticas, sociais e culturais – fenômeno bem distinto da simples coerção
(WILLIAMS, 1979; 2003).

Uma categórica ilustração do conceito de hegemonia como coerção efetiva está presente
no clássico ensaio de Lênin “O Estado e a Revolução”, de 1917, no qual um “exército permanente e a
política são os principais instrumentos do poder governamental” (LÊNIN, 2006, p. 17). Para Lênin, grosso
modo, hegemonia é sinônimo de dominação.

Seguindo essa distinção, Bobbio et al (1998, p. 580) lembram que dentre o uso marxista
do conceito de hegemonia encontra-se uma oscilação entre dois significados predominantes a
propósito de sua acepção. O primeiro sentido do modo marxista de pensar tende a aproximar
hegemonia e domínio, acentuando mais o “aspecto coativo que o persuasivo, a força mais do que a
direção, a submissão de quem suporta a hegemonia mais do que a legitimação e o consenso, a
dimensão política mais que a cultural, intelectual e moral”. Para Bobbio et al (1998) esse uso é
predominante nos escritos de teóricos da Terceira Internacional, destacadamente, Lênin. No
segundo sentido, muito distintamente da elaboração conceitual de nomes como Lênin ou Bukharin,
a hegemonia é concebida como capacidade moral e intelectual de direção, onde,

Cientista Social, Especialista em Demografia, Mestre em Geografia e Doutor em Ciências Sociais. Professor
22

Adjunto IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. E-mail: jeanhenrique@uern.br


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Em virtude da qual a classe dominante, ou aspirante ao domínio, consegue ser aceita


como guia legítimo, constitui-se em classe dirigente e obtém o consenso ou a
passividade da maioria da população diante das metas impostas à vida social e política
de um país (BOBBIO et al, 1998, p. 580).

Storey (2001, p. 103) destaca essa ideia de capacidade moral e intelectual de direção.
Segundo escreve, o conceito em Gramsci é usado para se referir “to a condition in process in which a
dominant class (in alliance with other classes or class fractions) does not merely rule a society but leads in through the
exercise of ‘moral and intellectual leadership’”; isto é, o processo no qual uma classe exerce sua liderança
moral e intelectual por meio de alianças com outras classes ou frações de classes. Seguramente,
Gramsci não nos deixa esquecer que o pensamento dominante, para melhor exercer sua hegemonia
sobre as classes populares, “assimila uma parte da ideologia proletária” (GRAMSCI, 1978, p. 133).

Em Gramsci, numa sociedade de classes, a supremacia de uma delas se exerce através de


modalidades complementares e integradas de domínio e hegemonia. Trata-se de uma conjugação de
força e consenso, mas nunca da mera imposição da força, principalmente em sociedades na qual a
sociedade civil apresenta níveis elevados de desenvolvimento e organização. Na análise gramsciana,
a sociedade civil é o lócus da formação e da difusão da hegemonia, diferentemente da concepção
leninista, na qual cabe ao Estado (sociedade política) essa primazia. Para Gramsci, a hegemonia é
igual à força mais consentimento. Trata-se, pois, de uma “adesão orgânica” entre dirigentes e
dirigidos, governantes e governados (GRAMSCI, 1989, p. 139), mas não imposição sem
consentimento.

Ainda discorrendo sobre o pensamento gramsciano, Bottomore (2001, p. 178) realça que,
longe de impor um conjunto de ideias de cima para baixo, uma “hegemonia completamente
desenvolvida deve repousar no consentimento ativo, numa vontade coletiva em torno da qual
vários grupos da sociedade se unem”. Através do puro domínio se obtém uma forma de
consentimento limitado que conduz a uma ordem política de base precária do ponto de vista
hegemônico, justamente em virtude da capacidade limitada de direção (moral e intelectual).
Prontamente, o conceito de Estado em Gramsci é ampliado para além da sociedade política. Em
Gramsci, o Estado é igual sociedade política mais sociedade civil. Tal ampliação do conceito traz em si a
necessidade de pensar a hegemonia também – e, principalmente – a partir da sociedade civil e de
seus aparelhos privados.

Bottomore lembra ainda que em Gramsci uma classe mantém seu domínio justamente
por ser capaz de ir além de seus interesses corporativos estritos, exercendo uma liderança moral e
intelectual, fazendo concessões, dentro de certos limites, a uma variedade de aliados unificados num
bloco social de forças (“bloco histórico”). Esse bloco representa uma “base de consentimento para
uma certa ordem social, na qual a hegemonia de uma classe dominante é criada e recriada numa teia
de instituições, relações sociais e ideias” (BOTTOMORE, 2001, p. 177). A hegemonia é, portanto,
tecida pelos “intelectuais orgânicos”, que têm um papel organizativo na sociedade.

Para Gramsci (1982, p. 07), todos os homens são intelectuais, “mas nem todos os
homens desempenham na sociedade a função de intelectuais”. Todos, desde o operário imbuído do
trabalho mais rotineiro, ao engenheiro responsável pela coordenação do trabalho mental, pensam e
repensam o mundo.

Deve-se destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia seja algo muito
difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma categoria de cientistas
especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. Deve-se, portanto,
demonstrar, preliminarmente, que todos os homens são ‘filósofos’, definindo os limites
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e as características desta ‘filosofia espontânea’ peculiar a ‘todo mundo’ (GRAMSCI,


1989, p. 11).

Todavia, nem todos exercem um papel ativo na organização de massas de homens e de


ideias. Em Gramsci, por conseguinte, temos um conceito de intelectual ampliado. O intelectual
orgânico para o autor, portador da capacidade moral e intelectual de direção das massas
(hegemonia), é aquele que apresenta certa capacidade dirigente e técnica. Não somente possui a
capacidade técnica restrita a sua atividade e sua iniciativa, mas ainda a possui em outras esferas. O
intelectual deve ser um organizador da massa de homens: deve ser um organizador da confiança. Deve possuir
a capacidade de organizar a sociedade em geral, criando as condições mais favoráveis à expansão da
própria classe (ou ainda, escolhendo pessoas especializadas a quem confiar esta atividade
organizativa). Os intelectuais são, desta forma, comissários do grupo dominante para o exercício
das funções de hegemonia.

A hegemonia é buscada, então, através do consenso espontâneo, dado pelas massas


(consenso que nasce da confiança) e pelo aparato de coerção estatal, “que assegura ‘legalmente’ a
disciplina dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído
para toda a sociedade” (GRAMSCI, 1982, p. 11). A hegemonia, prontamente, não é somente o
produto de uma classe, mas sim, de um conjunto de forças. Ultrapassa-se a visão de Lênin da
hegemonia como produto de uma classe, em si, dominante.

Williams esclarece ainda que o conceito de hegemonia extrapola o conceito de ideologia.


“Não exclui, é claro, os significados, valores e crenças formais e articulados, que uma classe
dominante desenvolve e propaga” (WILLIAMS, 1979, p. 113), nem tampouco reduz a consciência
a esses valores. Trata-se, pois, de um jogo de forças (arena de lutas). Bottomore (2001) reforça
dizendo que a hegemonia não se reduz a legitimação, falsa consciência ou mesmo
instrumentalização da massa da população, uma vez que o senso comum é composto de vários
elementos, alguns dos quais contradizem a ideologia dominante.

É verdade assim que existe uma ‘moral do povo’, entendida como um determinado
conjunto (no tempo e no espaço) de máximas para a conduta prática e de costumes que
derivam delas ou que as produziram; moral esta que é estreitamente ligada, tal como a
superstição, às reais crenças religiosas: existem imperativos que são muito mais fortes,
tenazes e eficientes do que os da moral ‘oficial’ (GRAMSCI, 1978, p. 185).

Em Gramsci, portanto, a ideologia não apenas influencia a massa da população, mas


serve também como princípio de organização das instituições sociais (BOTTOMORE, 2001, p.
178). A análise da ideologia em Gramsci é, para além da simples dominação e falsa consciência,
então, um terreno de luta.

Por conseguinte, evitando imputar ab initio um juízo de depreciação à ideologia, para


Gramsci (1989, p. 62), na medida em que são historicamente necessárias, “as ideologias têm uma
validade que é validade ‘psicológica’: elas ‘organizam’ as massas humanas, formam o terreno sobre o
qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc.”.

Por exemplo, nos Estudos Culturais britânicos, fortemente influenciados por Gramsci, há
a concepção de que a própria ideologia é uma arena de luta, com base numa perspectiva também de
baixo para cima, que atribui poder aos sujeitos e aos grupos subculturais para intervir nos sistemas
políticos e nos sistemas de significação para produzir mudanças (SCHULMAN, 2000).

Uma análise enérgica da cultura e do consumo cultural deve diagnosticar a complexidade


e as lutas cotidianas na vida concreta dos sujeitos, encarando a arena cultural como um campo de
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lutas pela hegemonia. Um caminho teórico que não leve em conta as distinções entre cultura de
massa (homogeneizante e rebaixada), cultura popular (autêntica, resistente) e cultura erudita (ligada
aos conceitos de beleza e verdade) deve se pautar no conceito de cultura como uma experiência
vivida no cotidiano. Certamente, na luta cotidiana por hegemonia existem determinados
empréstimos entre os grupos sociais distintos, o que invalida pensar em culturas autênticas.
Também não devemos nos basear em falsas oposições, tais como o alto e o popular, o urbano ou o
rural, o moderno ou o tradicional (CANCLINI, 2003). É preciso ver, portanto, a cultura como um
jogo de poder, no qual a negociação dos problemas da vida cotidiana se realiza dentro de uma
complexa estrutural social, que passa por alianças com grupos diferentes de acordo com o contexto
ou com o momento. Não basta, pois, ver as mensagens veiculadas pelos meios de comunicação de
massa, nem tampouco como são produzidas. Tem-se que pensá-las em suas significações concretas,
seus usos e desusos. Uma relevante recomendação presente em Michel de Certeau (1994, p. 39) é
que se observe, além das mensagens emitidas, também aquilo que “o consumidor cultural fabrica”
durante o seu uso, sua recepção, seu consumo, ou seja, entender as possibilidades de releituras.

Using a neo-Gramscian analysis, popular culture is what men and women make from
their active consumption of the texts and practices of the culture industries. Youth
subcultures are perhaps the most spectacular example of this process […] Products are
combined or transformed in ways not intended by their producers; commodities are
rearticulated to produce ‘oppositional’ meanings. In this way, and through patterns of
behavior, ways of speaking, taste in music, etc., youth subcultures engage in symbolic
forms of resistance to both dominant and parent cultures (STOREY, 2011, p. 105).

A leitura de Storey resume bem essa postura neogramsciana: a cultura popular é o que os
indivíduos fazem de seu cotidiano. Tomando como exemplo certas culturas juvenis, produtos são
consumidos de maneira não prevista pelos produtores; produzem-se significados de oposição; e,
fundamentalmente, essas culturas se envolvem em formas simbólicas de resistência às culturas
dominantes. Tal leitura demonstra que determinadas modalidades de consumo de produtos
massificados podem ser efetivadas devido a circunstâncias muito particulares da vida cotidiana, algo
bem além da simples cooptação, por exemplo, pela indústria cultural. Reforçando, o que é feito nas
camadas populares muitas vezes pode revelar traços de uma cultura entendida como forma de
encarar a realidade e se portar nela. São culturas que, mesmo na adversidade, revelam-se em
autoestima. Neste sentido, não se pode falar na corrupção de indivíduos fracos pela indústria
cultural, pois os produtos consumidos atendem a alguma lógica por parte de quem consome.

Na avaliação de Schulman (2000, p. 179), a releitura de Gramsci, no final dos anos 1970 foi
extremamente importante para colocar em movimento a reavaliação que os estudos culturais
britânicos fizeram da cultura popular. Segundo afirma, deixou-se de ver a cultura popular como
mero veículo ideológico do status quo e passou-se a vê-la como um local de resistência e conflito
potencial, desenvolvendo-se uma história da hegemonia. Nas palavras de Mattelart e Neveu (2004, p.
74), “longe de serem consumidoras passivas [...] as classes populares mobilizam um repertório de
obstáculos à dominação”. Aliás, muito distintamente do que se poderia supor, a “esmagadora
maioria das nossas experiências constitutivas permanece – e permanecerá sempre – fora do âmbito
do controle e da coerção institucionais formais [...] Nem mesmo os piores grilhões têm como
predominar uniformemente” (MÉSZÁROS, 2008, p. 54). Por conseguinte, não pode existir, nem
tampouco se pensar, numa coerção ideológica onipotente.

John Fiske (1989) reafirma essa capacidade popular de resistência e evasão. Para ele, a
cultura popular é um lugar de lutas que, embora aceitando o poder das insidiosas forças
dominantes, consegue resistir e evadir – com criatividade e vitalidade – das ideologias dominantes e
seus valores. Encontrando vigor e vitalidade nas pessoas, Fiske evita, portanto, ver a cultura
popular essencialmente fora ou essencialmente sufocada por modelos de poder.
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Recently, however, a third direction has begun to emerge, one to which I hope this
book will contribute. It, too, sees popular culture as a site of struggle, but, while
accepting the power of the forces of dominance, it focuses rather upon the popular
tactics by which these forces are coped with, are evaded or are resisted. Instead of
tracing exclusively the processes of incorporation, it investigates rather that popular
vitality and creativity that makes incorporation such a constant necessity. Instead of
concentrating on the omnipresent, insidious practices of the dominant ideology, it
attempts to understand the everyday resistances and evasions that make that ideology
work so hard and insistently to maintain itself and its values. This approach sees
popular culture as potentially, and often actually, progressive (though not radical), and it
is essentially optimistic, for it finds in the vigor and vitality of the people evidence both
of the possibility of social change and of the motivation to drive it (FISKE, 1989, p. 20-
21).

Nesse sentido, o consumo cultural não pode ser pensado de maneira inerte. É preciso
retomar a eficácia da indústria cultural e do poder dos meios de comunicação de massa, todavia,
sem anular – em substância – os sujeitos. Não é possível que os meios de comunicação de massa
consigam moldar a opinião e o sentimento de todas as classes populares. Gramsci sabiamente nos
mostra que as camadas populares da filosofia espontânea do senso comum (ou do bom senso,
aquele núcleo sadio do senso comum), embora saibam que sua argumentação reflexiva possa
parecer frágil, ainda assim possui certa sustentação. Certamente, não é possível se moldar o gosto
de todo mundo a partir do domínio direto da indústria cultural.

O elemento mais importante, indubitavelmente, é de caráter não racional: é um


elemento de fé. Mas, de fé em quem e em quê? Notadamente no grupo social ao qual
pertence, na medida em que este pensa as coisas também difusamente, como ele: o
homem do povo pensa que, no meio de tantos, ele não pode se equivocar radicalmente,
como o adversário argumentador queria fazer crer; que ele próprio, é verdade, não é
capaz de sustentar e desenvolver as suas razões como o adversário faz com as dele, mas
que – em seu grupo – existe quem poderia fazer isto, certamente ainda melhor do que o
referido adversário; e, de fato, ele se recorda de ter ouvido alguém expor, longa e
coerentemente, de maneira que ele se convenceu de sua justeza, as razões de sua fé
(GRAMSCI, 1989, p. 26).

Assim, não há como se moldar a opinião das pessoas a ponto de unilateralmente


prescrever-lhes o que é bom e o que é ruim no âmbito do consumo cultural. Sem o consentimento
ativo do indivíduo tal prescrição não se faz ativa. As pessoas têm um certo “bom senso” na recepção
cultural. O problema da recepção, do ponto de vista da unilateralidade e da homogeneidade, é crer
que as mensagens tenham somente um significado, e que este, por sua vez, seja apreendido somente
num sentido de mão única. Stuart Hall (2003, p. 366), então, problematiza sobre “uma noção de
poder e de estruturação no momento de codificação que todavia não [apaga] todos os outros
possíveis sentidos”. As mensagens hegemônicas pretendem que o sujeito leia o conteúdo de uma
determinada maneira; contudo, outras leituras podem e são feitas. Igualmente, “uma leitura
preferencial nunca é completamente bem-sucedida: é apenas o exercício do poder na tentativa de
hegemonizar a leitura da audiência” (HALL, 2003, p. 366). Assim, vê-se que uma decodificação
integralmente preferencial é, concretamente, uma utopia, um sonho dos managers do
entretenimento. As pessoas têm um certo bom senso em relação ao que consomem. Assim como,
“em geral, os leitores de jornal não têm a mesma opinião do jornal que compram, ou são por ela
escassamente influenciados” (GRAMSCI, 1978, p. 105), também os ouvintes de música popular ou
os leitores de autoajuda não são influenciados totalmente pelas mensagens propagadas. Emitem
oposições, às vezes muito intuitivas, às vezes bastante reflexivas. Assim, a partir de Gramsci, a
cultura popular passa não a ser vista como unilateral veículo ideológico do status quo, mas sim, passa
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a ser vista como um local de resistência e conflito potencial, desenvolvendo-se, novamente segundo
Schulman (2000), uma história da hegemonia.

Referências
BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. Coordenação da tradução de João Ferreira. 11.
ed. Brasília: Editora UNB, 1998.
BOTTOMORE, Tom (org.). Dicionário do pensamento marxista. Tradução de Waltensir Dutra.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.
Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 2003.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira
Alves. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
FISKE, John. Understanding popular culture. London; New York: Routledge, 1989.
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 8.
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
________. Os intelectuais e a organização da cultura. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 4.
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
________. Literatura e vida nacional. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaide La Guardia
Resende et al. Belo Horizonte, MG: UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.
LÊNIN, V. I. O Estado e a Revolução. 2. ed. Publicações Liga Bolchevique Internacional, 2006.
MATTELART, Armand; NEVEU, Érik. Introdução aos estudos culturais. Tradução de Marcos
Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. Tradução de Isa Tavares. 2. ed. São
Paulo: Boitempo, 2008.
SCHULMAN, Norma. O Centre for Contemporary Cultural Studies da Universidade de
Birmingham: uma história intelectual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O que é, afinal,
Estudos Culturais? Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
STOREY, John. Cultural theory and popular culture: an introduction. 3. ed. Essex: Pearson
Education Limited, 2001.
WILLIAMS, Raymond. Hegemonía. In: ________. Palabras Clave: un vocabulario de la cultura y
la sociedad. Traducción de Horacio Pons. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 2003.
________. Hegemonia. In: ________. Marxismo e Literatura. Tradução de Waltensir Dutra. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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LA TRANSFORMACIÓN EN LOS GRUPOS INTERACTIVOS

Estefanía Fernández Antón


Master en Investigación de Ciencias Sociales para la Educación
Grado de Educación infantil

Resumen
En el presente trabajo mostramos las transformaciones sociales, de eficacia academia y académicas
que solicitaron las personas voluntarias al alumnado de una Comunidad de Aprendizaje de la
comunidad autónoma de Castilla y León (España). Estas transformaciones se demandaron en la
intervención de éxito grupos interactivos. Para recoger esta información, empleamos la metodología
comunicativa crítica y la técnica de recogida de datos observación comunicativa. Entre los
resultados más significativos podemos destacar que las personas adultas de la comunidad (docentes
y voluntarios) no sólo se preocupaban por el avance académico del alumnado, sino que también
estaban preocupados por el avance social.
Palabras clave: Comunidades de Aprendizaje, grupos interactivos, metodología comunicativa
crítica.

The transformation in interactive groups

Abstract
In the present communication we show the social, academic efficacy and academic transformations
that the volunteers requested to students in a Learning Community of the autonomous community
of Castile and León (Spain). These transformations were demanded in the intervention of
successful interactive groups. To collect this information, we use the critical communicative
methodology and data collection technique communicative observation. Among the most
significant results we emphasize that adults of the community (teachers and volunteers) not only
were worried about the academic progress of students, were also concerned about the social
advancement.
Keywords: Learning Communities, interactive groups, critical communicative methodology.

Marco teórico

Existen numerosas investigaciones que analizan la intervención de éxito grupos interactivos en


diferentes centros educativos. Aquí queremos destacar los trabajos de Molina (2011), Pípi (2010) y
Vieira (2011). Molina (2011) se centra en el carácter inclusivo de los grupos interactivos para el
alumnado. Pípi (2010) obtienen que los grupos interactivos son fundamentales para que el
alumnado desarrolle habilidades académicas, comunicativas y sociales. Y, por último, Vieira (2011)
da a conocer de manera detallada el papel del voluntariado en las agrupaciones interactivas. En
nuestro caso, nosotros nos vamos a centrar en dar a conocer los cambios sociales, de eficacia
académica y académicos que el voluntariado pidió a los estudiantes en la actuación socioeducativa
citada.

Elboj, Puigdellívol, Soler y Valls (2006) son algunos de los autores que describen los grupos
interactivos; sus ideas aparecen reflejadas en la cita posterior:

Grupos heterogéneos formados por 4 ó 5 niños y niñas tanto en cuestión de


género como nivel de aprendizaje y origen cultural. Se preparan actividades de 20
minutos de duración, lo que permite mantener el nivel de atención y la motivación.
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Las actividades realizadas en cada grupo están tutorizadas por una persona adulta,
voluntarias y voluntarios de la comunidad que, en numerosas ocasiones, son
familiares… (p. 93).

Otra descripción de esta actuación socioeducativa de éxito la encontramos en Oliver y Gatt (2010):

Esta forma de agrupación inclusiva del alumnado consiste en la distribución de los


alumnos y alumnas en pequeños grupos heterogéneos dentro de la misma aula,
junto con una reorganización de los recursos humanos existentes en la escuela. La
dotación de diferentes personas adultas incluyendo la entrada y participación plena
de familiares y personas voluntarias no se utiliza para separar al alumnado en
función de su nivel o competencia ni para proveer adaptaciones curriculares a los
diferentes alumnos y alumnas, sino para promover interacciones de apoyo y
aprendizaje mutuo entre el alumnado en actividades comunes. Este tipo de
organización de la clase, incrementa la riqueza y la diversidad de las interacciones
que se dan entre el alumnado y estas personas adultas (p. 282).

En los grupos interactivos, como podemos ver en las citas anteriores, se tiene en cuenta al
alumnado y a las personas adultas. Las funciones del alumnado son aprender y enseñar a los
compañeros por medio del diálogo. En el caso de las personas adultas, encontramos dos agentes, el
voluntariado y el responsable de aula. Los primeros tienen la función de coordinar las agrupaciones
interactivas, promoviendo el diálogo y la reflexión de los estudiantes. El responsable de aula,
función desempeñada por los docentes de la escuela, dinamiza cada uno de los grupos coordinados
por los voluntarios o voluntarias (Aubert y García, 2001, p. 21).

El aprendizaje dialógico es el marco teórico de los grupos interactivos (Valls y Munté, 2010). La
enseñanza dialógica es aquella que surge cuando los estudiantes aprenden dialogando con las
personas de la comunidad (familiares, estudiantes de otros niveles educativos, voluntarios,
voluntarias, etc.). Este tipo de enseñanza está constituida por siete principios dialógicos: diálogo
igualitario, inteligencia cultural, transformación, creación de sentido, solidaridad, igualdad de
diferencias y dimensión instrumental (Aubert, Flecha, García, Flecha, y Racionero, 2010). En
cuanto a los principios indicados, sólo describiremos el principio en el que nos centramos en este
trabajo, que es el fundamento dialógico de transformación. Según Ferrada y Flecha (2008), la
transformación supone la modificación personal y social de todas las personas que componen el
contexto escolar. Para que se produzca tal transformación hay que analizar el progreso social y
académico de los estudiantes en primer lugar. En segundo lugar hay que promover el cambio,
partiendo de la información que se ha obtenido del análisis.

Este tipo de aprendizaje surge desde las aportaciones del Centro Especial de Investigación en
Teorías y Prácticas Superadoras de Desigualdades (CREA). Este centro creó esta teoría basándose
en las aportaciones de Habermas, Freire, Wells, entre otros (Aubert et al., 2010).

Metodología

Para explicar la metodología la vamos a dividir en dos apartados: la descripción del contexto y el
diseño metodológico del estudio realizado.

El contexto del estudio es una Comunidad de Aprendizaje situada en Castilla y León, comunidad
autónoma de España. Una Comunidad de Aprendizaje es un proyecto social y escolar en el que
participan todas las personas de la comunidad (profesorado, familiares, voluntariado, etc.). Estas
personas colaboran con el proyecto para formarse y para mejorar el proceso de aprendizaje de los
estudiantes (Elboj, et al., 2006).
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La Comunidad de Aprendizaje, en la que nos centramos, está ubicada en Castilla y León. Esta
escuela acoge alumnos y alumnas de las etapas de Educación Infantil y de Educación Primaria. En
nuestro caso, vamos hacer referencia a los alumnos y alumnas de tercero, cuarto, quinto y sexto de
Primaria. En estos cursos, hay once estudiantes.

Además de lo que ya hemos explicado sobre el contexto, nos parece importante indicar que una
gran parte de los voluntarios y voluntarias de esta comunidad fueron estudiantes universitarios,
madres y otros familiares del alumnado.

Para lograr el objetivo, dar a conocer los cambios sociales que el voluntariado pidió a los estudiantes en los grupos
interactivos, hemos empleado la metodología comunicativa crítica. Este tipo de procedimiento
metodológico rompe con la dualidad investigador e individuo investigado, dado que las personas
investigadas pueden participar en la interpretación de resultados y, por lo tanto, en la creación de
conocimiento (Flecha, Vargas, y Davila, 2004).

Como método de investigación, hemos elegido el estudio de caso simple con una unidad de análisis
(Yin, 2003) que coincide con el grupo de estudiantes de tercero, cuarto, quinto y sexto de Primaria.

La técnica de recogida de datos que hemos seleccionado es la observación comunicativa. Como


señalan Gómez, Latorre, Sánchez y Flecha (2006), esta técnica permite que las personas
investigadoras y las personas observadas interpreten conjuntamente la realidad mediante el diálogo.

Nuestro estudio está compuesto por diez observaciones comunicativas, pero, en este trabajo, vamos
a hacer referencia a siete (ver tabla 1).

Tabla 1. Observaciones del estudio

Observaciones comunicativas del estudio


14 de diciembre de 2012
1 de febrero de 2013
15 de febrero de 2013
22 de febrero de 2013
8 de marzo de 2013
15 de marzo de 2013
22 de marzo de 2013
3 de mayo de 2013

Todas las observaciones señaladas tuvieron una duración de dos horas aproximadamente: una hora
dedicada a la dinámica interactiva y otra hora a la evaluación final.

Controlamos la subjetividad inherente a la técnica, compartiendo los descubrimientos con los


participantes, acción necesaria para mantener la neutralidad según Guba (1983). Además, tuvimos
varios encuentros dialógicos con los participantes para hacer una interpretación conjunta de la
realidad, acción necesaria en la observación comunicativa.

Antes de pasar al apartado de resultados, mostramos los participantes del estudio en la tabla
posterior. Dentro de la tabla, podemos apreciar que participaron once personas, hemos protegido
su identidad empleado seudónimos.

Tabla 2. Participantes del estudio


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Participantes
Ana. Directora del centro, profesora de la escuela,
responsable de aula y voluntaria.
Susana. Profesora del centro y voluntaria.
Marta. Familiar de un escolar de Primaria y voluntaria.
Alonso, Daniel y Lola. Alumnado de tercero de Primaria.
Ricardo y María. Alumnado de cuarto de Primaria.
Leonor, Lourdes y Marcos. Alumnado de quinto de Primaria.

Adolfo, Ernesto, Jimena y Petra. Alumnado de sexto de Primaria.

Total: 15 participantes.

Hubo más participantes que formaron parte del estudio, sin embargo, en este trabajo, sólo hemos
presentado a los que están relacionados con la transformación.
Resultados

Antes de comenzar con los resultados obtenidos, tenemos que indicar que las sesiones de los
grupos interactivos se dividieron en dos partes: la primera parte fue la dinámica interactiva, y la
segunda parte fue la evaluación final. Durante la evaluación final, los escolares, las voluntarias y las
profesoras comentaron los posibles cambios que tenían que alcanzar algunos de los estudiantes. Los
acontecimientos que mostramos a continuación sucedieron en los dos momentos indicados.

En la Comunidad de Aprendizaje analizada, hemos observado que el voluntariado y el profesorado


hicieron recomendaciones de cambio a los escolares. Estas recomendaciones fueron de tres tipos:
sociales, académicas y de eficacia académica. En este grupo de personas incluiremos a las
profesoras porque, en muchas ocasiones, actuaron como voluntarias.

La eficacia académica no significa explicación de contenidos educativos, sino más bien otorgar
herramientas al alumnado para la solución de los problemas eficientemente. Sobre este tema, Freire
(2002) demuestra que el educador no sólo tiene que transferir conocimientos, sino que también
tiene que enseñar a pensar correctamente a su alumnado.

Peticiones del voluntariado para el cambio social del alumnado

En primer lugar, podemos ver como las personas voluntarias intentamos que los escolares
comprendieran que para hacer las actividades no hay que tener conductas competitivas y no hay
que perder la paciencia:

De repente Adolfo me confiesa el deseo que anhela secretamente—: Tienes que


decir que nosotros hemos sido el mejor grupo para que nos den la estrella.
—¿Qué estrella? —le pregunto.
—Una que nos dan al final si hacemos bien las actividades —dice Adolfo.
—Eso depende de vuestro trabajo en equipo —le digo. (Observación
comunicativa: 1.2.13).

… momento que aprovecha Jimena para decir—: María no se ha implicado en las


mesas.
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Cuando nos toca hablar a las voluntarias, yo digo—: Es un grupo que en general ha
mostrado interés, pero desconocen actitudes para incitar a la colaboración, ya que
perdían la paciencia y obligaban a María a participar.
Seguidamente Marta, Susana y Ana dicen que ellas han observado lo mismo.
(Observación comunicativa: 15.2.13).

Asimismo, las voluntarias del centro intentamos eliminar las conductas no dialógicas y la creación
de subgrupos:

El grupo dos está formado por Ernesto, Daniel y Marcos. Ernesto, sentado en el
medio de los dos niños, imita al coordinador de la mesa; sin embargo, es una
emulación alejada de las responsabilidades dialógicas. Primero les pone cuentas,
después les da órdenes para que las resuelvan individualmente. […] hay que
ayudarle a abandonar las intenciones de mando.
—Ernesto, puedes incitarles a participar sin exigirles —digo yo.
—Sólo estoy proponiendo —dice Ernesto.
—Intenta hacerlo sin decirles lo que tienen que hacer—añado... (Observación
comunicativa: 15.3.13).

Los niños ya se están levantando de su sitio, pero todavía quedan las últimas
palabras de Susana—: Es muy habitual que en los grupos aparezcan subgrupos. He
visto que siempre preguntáis al compañero que más os gusta. De esta manera, hay
compañeros que no tienen la oportunidad de ayudar. (Observación comunicativa:
8.3.13).

Durante las observaciones, nos dimos cuenta de que uno de los escolares se valoraba negativamente
en las sesiones interactivas. Dada esta circunstancia, tuvimos que recomendar al alumno que
mejorase su autopercepción.

Después de las palabras de los niños, intervenimos las voluntarias—: Marcos, te


valoras negativamente y no coincide con la realidad, nada más que escuches los
comentarios de tus compañeros sobre tu implicación en el grupo […] —digo yo…
(Observación comunicativa: 3.5.13).

Para finalizar con este apartado de resultados, indicamos que las voluntarias hicieron otras
peticiones: los escolares tienen que dar y recibir ayuda y escuchar activamente a todas las personas:

En lo que se refiere a la valoración del grupo tres, Jimena, bastante enojada, dice a
Susana—: Alonso se ha copiado de Ricardo en el ejercicio de las siglas.
—¿Os habéis preocupado en explicarle lo que son las siglas? —pregunta Susana.
—No, pero tampoco lo ha pedido —dice Jimena.
—Alonso, si no sabes hacerlo es mejor que lo digas para que te puedan ayudar, es
tan importante pedir ayuda como darla —dice Susana. Alonso escucha
atentamente, pero no dice nada. (Observación comunicativa: 22.3.13).

El murmullo de los chicos es cada vez más molesto. Susana no tiene otro remedio
que pedir al alumnado que mantengan el silencio para escuchar todas las opiniones.
El terrible alboroto termina tras el intento de poner orden de Susana.
(Observación comunicativa: 22.2.13).

Teniendo en cuenta estas recomendaciones sociales, nos damos cuenta de que los escolares
solucionan las tareas académicas de la siguiente manera: actúan de manera competitiva, pierden la
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paciencia con el escolar más lento, muestran conductas no dialógicas, tienden a preguntar las dudas
a los escolares con los que tienen más relación, les cuesta valorar su propio esfuerzo, les resulta
difícil dar y recibir ayuda y, por último, les resulta difícil escuchar a los demás en algunas ocasiones.

Peticiones del voluntariado para el cambio de eficacia académica del alumnado

Las finalidades del lenguaje del adulto en el cambio de la efectividad académica del alumnado
fueron: suscitar la reflexión grupal e individual, la participación equitativa, el trabajo en grupo
cooperativo, el interés por la actividad, el orden, la compresión de los enunciados y la no
reproducción de resultados. También son transformaciones de efectividad académica suprimir la
tendencia de hacer subgrupos y promover el sistema de dar-recibir ayuda (peticiones de los adultos
del apartado anterior).

Las voluntarias no podíamos expresar los resultados correctos. El alumnado se libró de su


equivocación reflexionando de manera individual y grupal:

Al rato tengo la impresión de que Lola se está perdiendo un poco, además veo
como está haciendo un ejercicio mal, luego le doy un consejo—: ¿Por qué no lo
vuelves a revisar? Inmediatamente Lola se detiene a solventar el fallo.
(Observación comunicativa: 14.12.12).

… —¿Árbol es a bosque como soldado a…? —pregunta Adolfo a Lola.


—¿Castillo? —contesta Lola.
—¿Qué os hace pensar que es castillo? —les pregunto a todos.
—Los soldados viven en un castillo —dice Lola.
—¿Qué es un bosque? —pregunto.
—Muchos árboles —contesta Adolfo.
—¿Entonces? —les pregunto (mientras, muevo las manos para indicarles que
tienen que decir la respuesta).
—Soldados —dice Leonor.
—¿Qué son soldados? —pregunto.
—Un ejército —contesta Adolfo. (Observación comunicativa: 22.3.13).

Debido a que la implicación desigual fue incompatible con las agrupaciones interactivas, las
personas adultas tuvimos que rescatar la participación adecuada con la palabra:

Me doy cuenta de que Leonor y Lourdes no tienen intención de participar. Cada


vez que Adolfo y Lola resuelven una tarea, las dos alumnas sólo asienten para
indicar que están de acuerdo con el resultado. —¿Creéis que la cuenta está bien,
Leonor y Lourdes? —pregunto yo… (Observación comunicativa: 1.2.13).

Antes de termina la actividad, Marta manifiesta algunas normas que deben seguir
los escolares cuando participan en los Grupos Interactivos—: Resulta esencial que
seáis capaces de regular vuestra implicación, es decir, cuando participáis mucho y
cuando participáis poco… (Observación comunicativa: 15.2.13).

La rapidez del trabajo individual tentó a los estudiantes; por consiguiente, las participantes adultas
tuvimos que recomendar el trabajo en equipo:

… parece que todos tienen mucha prisa por acabar, incluso Ernesto dice—: Que
cada uno haga un ejercicio y terminamos antes.
Les miro un poco horrorizada y les digo—: ¿A qué tanta prisa?, ¿desde cuándo
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hacer las tareas individualmente es cooperar?


—Es lo mejor. Además, en otras mesas ya lo hemos hecho —dice Petra.
—Me parece que lo mejor es que todos participéis, no pasa nada si sois más lentos
—digo yo. (Observación comunicativa: 1.2.13).

Recuperar el interés del estudiante por la actividad fue otra finalidad que intentamos alcanzar por la
vía comunicativa:

En este grupo, los escolares aparentan estar muy poco interesados por la actividad:
Marcos hace una flecha con uno de los brazos, Daniel tiene los mofletes pegados al
papel de los ejercicios, Jimena se queja de la dificultad de las tareas, y Leonor está
casi dormida. Dada esta situación, intento poner orden diciendo en varias
ocasiones—: Intentar calmaros chicos. […]. Después de pedir tranquilidad en
varias ocasiones, parece que los alumnos deciden terminar sus ejercicios en un
clima más sosegado. (Observación comunicativa: 22.2.13).

Las personas más mayores también queríamos que los estudiantes comprendieran los enunciados
de los ejercicios:

Cada niño lee el enunciado del ejercicio en silencio. Espero a que levanten la
cabeza de la hoja de tareas para preguntarles—: ¿Lo entendéis? Todos reconocen
que no comprenden el ejercicio. Entonces Adolfo se agita y lee el enunciado muy
deprisa. Como el ritmo de lectura es demasiado veloz para que comprendan la
actividad, comienzo a preguntar—: ¿Qué es lo primero que pide el enunciado?
—Que hagamos operaciones con cuatro cuatros —dice Lola.
—¿Y la segunda parte? —les pregunto.
—Que podemos hacer todas las operaciones que conozcamos para que dé de cero
a cien —dice Lola.
—¿Y qué más? —pregunto.
—Cero y cien inclusive —dice Daniel—. Pero, no sé lo que significa inclusive, ¿es
inglés?
—No, significa incluido —digo yo. (Observación comunicativa: 15.3.13).

El acto de copia entre alumnos fue una barrera para el diálogo entre compañeros, por tanto, el
colectivo adulto trató de cancelar la reproducción de resultados:

Una de las veces observo que Jimena dice a Petra—: Dime la respuesta de este
ejercicio (gesto señalando a la cuenta matemática).
Al ver esa conducta, decido intervenir para que intenten reflexionar
individualmente o con la ayuda de los compañeros. Además, es importante que
compartan conocimientos de manera dialógica—: ¿No crees que es mejor que le
digas a Jimena por qué has llegado a ese resultado? (Observación comunicativa:
14.12.12).

Peticiones del voluntariado para el cambio académico del alumnado

Es importante indicar, ya para acabar con las peticiones orales de los adultos, como eran las
transformaciones académicas que tenían que lograr los estudiantes. Las responsables de aula y las
voluntarias solicitamos los siguientes cambios académicos al alumnado: repuestas orales detalladas,
respuestas orales correctas, respuestas escritas amplias, respuestas escritas bien redactadas y
expresión verbal adecuada.
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Los alumnos y alumnas tuvieron que explicar contenidos académicos a sus compañeros de mesa de
forma detallada y correcta. Ajustar las respuestas del alumnado fue una tarea verbal del adulto:

Alonso empieza a preguntar a Petra—: ¿Qué es una palabra compuesta? —


Sacapuntas —dice Petra.
Entonces, decido animar a Petra para que dé una respuesta más detallada—: ¿Qué
te parece intentar aclarárselo con más detalle?
Petra se incorpora un poco de la silla y le explica a Alonso—: Es una palabra con
varias palabras juntas. (Observación comunicativa: 8.3.13).

Las personas más mayores también pretendíamos que el alumnado escribiese respuestas amplias y
bien redactadas:

—Antes de terminar me gustaría señalar una cosa —dice Ana—; hay que escribir
respuestas detalladas.
—Eso es verdad. Si podéis escribís lo mismo que mi compañero —comenta
Susana.
—Tenéis que aprender a redactar. Para ello no hay que escribir palabras sueltas —
dice Ana. (Observación comunicativa: 22.3.13).

Como se puede ver en los ejemplos expuestos, las personas adultas (docentes y voluntarios) estaban
implicadas en la educación del alumnado.

Conclusiones

Para concluir podemos decir, que los grupos interactivos permiten a las personas voluntarias
transmitir consejos a los estudiantes para que mejoren sus conductas sociales. Nuestro estudio nos
ha permitido identificar las siguientes recomendaciones realizadas por el voluntariado: los escolares
tienen que realizar las actividades sin ser competitivos y teniendo paciencia con otros escolares; hay
que evitar conductas de carácter no dialógico y la creación de subgrupos en la solución de las tareas;
hay que valorarse adecuadamente a uno mismo, evitando tener una opinión equivocada de las
acciones propias y, finalmente, es necesario realizar las actividades académicas dando y recibiendo
ayuda y escuchando activamente a todas las personas.

Aparte de los cambios sociales, las personas adultas se preocuparon por el progreso académico del
alumnado. Desde esta preocupación se intentó que los alumnos fueran más eficaces en el
aprendizaje de contenidos académicos, promoviendo actitudes cooperativas y la ayuda entre iguales.
También se intentó mejorar la expresión escrita y la expresión verbal.

Partiendo de los anteriores consejos de las personas voluntarias, podemos señalar que los
estudiantes tienen dificultades para solucionar las tareas de forma democrática, pues muestran
competitividad, exasperación con el escolar más lento, conductas no dialógicas, favoritismos para
preguntas las dudas y dificultad para trabajar de manera cooperativa, pedir ayuda, dar ayuda y
escuchar las opiniones de los demás. Otra dificultad diferente es la capacidad de valorar el propio
esfuerzo de manera adecuada. A partir de esta información nos planteamos las siguiente preguntas:
¿Estas actitudes del alumnado han sido heredadas de las enseñanzas tradicionales?, ¿si los escolares
hubiesen aprendido durante años mediante el aprendizaje dialógico mostrarían tales actitudes?

Este trabajo tiene significación científica por diversos motivos: muestra los cambios que tienen que
realizar los escolares para aprender de manera dialógica, hace hincapié en las dificultades que tienen
los estudiantes cuando aprenden con sus compañeros de clase, demuestra que los grupos
interactivos son una intervención de éxito que apuesta por el cambio de los estudiantes y
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finalizamos el texto haciendo dos preguntas, que no están contestadas, pero son de interés
científico.

Referencias
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dialógico en la sociedad de la información. Barcelona: Hipatia. 2010.
AUBERT, A., y GARCÍA. C. (2001). Interactividad en el aula. Cuadernos de Pedagogía, 301, 20-
24.
ELBOJ, C., PUIGDELLÍVO, I., SOLER, M., y VALLS, R. Comunidades de Aprendizaje:
transformar la educación. Barcelona: Graó. 2006.
FERRADA, D., y FLECHA, R. (2008). El modelo dialógico de la pedagogía: un aporte desde las
experiencias de Comunidades de Aprendizaje. Estudios Pedagógicos XXXIV, 1, 41-61.
FLECHA, R., VARGAS, J., y DAVILA, A. (2004). Metodología comunicativa crítica en la
investigación en Ciencias Sociales: la investigación Workaló. Lan Harremanak, 11 (2), 21-
33.
FREIRE, P. Pedagogía de la esperanza: un recuentro con la pedagogía del oprimido. México
D. F.: Siglo XXI. 2002.
GÓMEZ, J., LATORRE, A., SÁNCHEZ, M., y FLECHA, R. Metodología comunicativa crítica.
Barcelona: El Roure. 2006.

GUBA, E. G. Criterios de credibilidad en la investigación naturalista. En J. Gimeno Sacristán, y Á.


Pérez Gómez (Coords.), La enseñanza: su teoría y su práctica (pp. 148-165). Madrid:
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OJALA, M., y PADRÓS, Mª. Actuaciones de éxito, universales y transferibles. Cuadernos de
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MOLINA, S. Los Grupos Interactivos: una práctica de las Comunidades de Aprendizaje para la inclusión del
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PÍPI, E. S. Grupos Interactivos: uma proposta educativa. Tesis doctoral. Universidade Federal de São
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VIEIRA, L. Voluntariado en la escuela: un estudio de casos dentro del proyecto Comunidades de Aprendizaje.
Tesis doctoral. Universidad de Barcelona. 2011.
VALLS, R., y MUNTÉ, A. (2010). Las claves del aprendizaje dialógico en las Comunidades de
Aprendizaje. Revista Interuniversitaria de Formación del Profesorado, 67 (24, 1), 11-
15.
YIN, R. K. Case Study research: design and methods. Thousand Oaks, CA: Sage. 2003.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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DU_BOD E O RAIO-X DO PAÍS: UM OLHAR SOBRE A PRODUÇÃO MARGINAL


BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Fernando Reis de Sena23

Resumo
Este estudo objetiva refletir sobre os sentidos da literária marginal brasileira, concentrando-se no
poema / rap “Raio-x do país”, do rapper Du_Bod, publicado na coletânea Pelas periferias do Brasil em
2008. A escrita de Du_Bod insere-se num projeto que desestabiliza, reconstrói e reafirma o ser-e-
estar no contexto periférico, analisando os contrastes sociais, apresentados a partir de um eu-lírico
que fala “por milhões / Mas, nem cem param pra ouvir”. Conclui-se que o poema / rap tem função
dessacralizante, cuja construção discursiva vai contra a tradição literária, criticando a segregação, as
mazelas sociais e o cotidiano de guerra das periferias urbanas brasileiras.
Palavras-chave: Du_Bod, Literatura Marginal, Periferia.

Abstract
This study aims to reflect on the meanings of literary brazilian marginal, focusing on the poem /
rap "Raio-x do país," the rapper Du_Bod, published in the collection Pelas Periferias do Brasil in 2008.
Writing Du_Bod is part of a project that destabilizes, reconstructs and reaffirms the being and
being in the peripheral context, analyzing the social contrasts, presented from a self-lyrical speech
"by millions / But not one hundred stop to listen." It concludes that the poem / rap has
dessacralizante function, whose discursive construction goes against the literary tradition, criticizing
segregation, social ills and the daily war of Brazil's urban peripheries.
Keywords: Du_Bod, Marginal Literature, Periphery.

Algumas palavras sobre a literatura marginal

Segundo Ferréz, a literatura marginal “é uma literatura feita por minorias, sejam elas raciais
ou socioeconômicas. Literatura feita à margem dos núcleos centrais do saber e da grande cultura
nacional, ou seja, os de grande poder aquisitivo” (FERRÉZ, 2006).

É uma produção textual que se ocupa da representação da experiência de miséria e


brutalidade da vida nas comunidades pobres das grandes metrópoles, escrita por
pessoas que nasceram e cresceram nesses locais, tomando uma perspectiva elaborada a
partir do interior destas próprias comunidades (SILVA, 2011, p. 28).

Sérgio Vaz, em seu “Manifesto da antropofagia periférica” (2007), mostra-se imponente na


periferia que idealiza; articula e profere discursos que reconstroem e desestabilizam o imaginário
social sobre as zonas à margem dos grandes centros urbanos. Nas palavras do poeta: “dos becos e
vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune”. Uma voz que vai “contra a arte
patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra a arte fabricada para destruir o
senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha” (VAZ, 2007). Vaz também
preconiza: “A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza” (2007). Para ele,

É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua
arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que

23Graduado em Letras: Língua portuguesa e Literaturas pela Universidade do Estado da Bahia. Contato:
fernando.reys@hotmail.com
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imbeciliza um povo desprovido de oportunidades. Um artista a serviço da comunidade,


do país. Que armado da verdade, por si só exercita a revolução (VAZ, 2007).

Hollanda defende que a partir da escrita marginal passamos a ter uma visão anatômica do
contexto periférico: “tudo indica que a literatura marginal e seus autores, além de procurarem uma
escrita de denúncia, de resistência, de compromisso com a transformação social, honrando suas
raízes hip hop, buscam também um lugar na série literária” (HOLLANDA, 2010). O verbete,
entretanto, expõe muitos problemas, principalmente, quando associado a literatura. O termo
marginal carrega a carga de banalidade, de algo que deve ser proibido ou condenado. Logo, a
literatura autodenominada marginal corre o risco de se limitar a olhares segregatórios, o que pode
resultar na inferiorização de textos produzidos sob esta égide. Sobre isso, Ferréz afirma que:
“Quem inventou o barato não separou entre literatura boa / feita com caneta de ouro e literatura
ruim / escrita com carvão, a regra é só uma, mostrar as caras” (FERRÉZ, 2006).

Desse modo, é preciso olhar atentamente para o movimento que se revigora nas periferias,
uma vez que a indústria editorial tem se dedicado em criar selos que contemplam os representantes
da escrita dissidente. Escrita que põe em cheque as representações mantidas pela tradição literária
que excluía os grupos minoritários de suas páginas, comprovando que literatura brasileira “foi
sempre um discurso sobre o periférico e não feito pelo periférico (SILVA, 2011, p. 18). E entre os
escritores que vêm mudando este cenário está o rapper Du_Bod, que terá o poema / rap “Raio-x
do país” analisado neste estudo, cujos objetivos serão: destacar as marcas de resistência, verificando
as estratégias de criação de textos dissidentes e contribuir na disseminação do projeto literário de
escritores oriundos das periferias urbanas brasileiras.

O poema Raio-x do país, de Du_Bod

A personalidade ideológica de Du_Bod aparece como um fio condutor do poema / rap


“Raio-x do país”. Logo nos primeiros versos o eu poético declara: “Pesadelo, / É saber que
estamos às margens / Somos nós uma parte / Do futuro da humanidade” (DU_BOD, 2008, p. 39).
O grito sofrido de quem está no interior das periferias ecoa como matéria poética, tentando se fazer
ouvir em meio a tantas vozes que sobrepõem as suas. O intuito é revelar as mazelas sociais que
imperam sobre um eu-lírico que se confunde com o autor através de uma escrita densa e dissidente,
um testemunho de quem vive no caos humano instaurado nas comunidades pobres do Brasil.

O cotidiano reflete na escrita e a cada verso nos deparamos com um eu-lírico consciente e
inconformado com a situação do país: “O povo vive se iludindo / E quanto mais eu ando / Mais
me sinto submisso / Oprimido e menosprezado / A realidade é que eu sou discriminado”
(DU_BOD, 2008, p. 39). Neste tom de melancolia vai se constituindo um poema-denúncia,
revelando anseios e angustias: “A nossa gente encanta / Nasce na corda bamba / Sonha pra
caramba / Quando acorda cai da cama / Se alimenta de esperanças / Quer sair da boca do inferno”
(2008, p. 39). A partir do poema / rap, o autor nos guia pelas aflições humanas, discute sonho e
realidade com destreza, alimentando-se do que vivencia. Sonha em se libertar do presente
desolador, quer fugir da condição de objeto e ocupar o lugar de sujeito na sociedade: “Espero que
por aqui / Um melhor dia venha [...]” (2008, p. 39).

Para Vaz, a expressão literária dos guetos surge:

Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da
poltrona. Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e
espaços para o acesso à produção cultural. Contra reis e rainhas do castelo globalizado e
quadril avantajado. Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra
eles? “Me ame pra nós!”. Contra os carrascos e as vítimas do sistema. Contra os
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covardes e eruditos de aquário. Contra o artista serviçal escravo da vaidade. Contra os


vampiros das verbas públicas e arte privada. (VAZ, 2007).

Du_Bod expressa essa arte estridente, marcada pela crítica ao sistema opressor do qual ele
se sente oprimido. Ele é um artista que exerce a revolução pela sua comunidade, ou país, como
sugere Vaz (2007). E nesse tecer e destecer a linha tênue que sustenta o cotidiano das periferias, o
escritor vai aprofundando suas análises, expondo: “Fome, miséria, pobreza e violência” e
denunciando as desigualdades sociais: “São fatos e não boatos / Apenas algumas das crises intensas
/ Pro lado mais fraco / Sempre a corda arrebenta / Assim, nascemos e crescemos / Colhemos as
migalhas plantadas pelo sistema” (DU_BOD, 2008, p. 39). Nota-se que o texto adentra nos
contrates sociais, a escrita se torna mais cítrica e dessacralizante.

É ser contra a cidadania


Deixar o povo no esgoto
Esse é o Brasil!
Um país de tolos
Quem é de dentro,
fica com a casca
Quem é de fora,
fica com o miolo
Se não entendeu
Te explico tudo de novo
É pouco para muitos
E muito para poucos
Eles comem a carne
E a gente rói o osso.
(DU_BOD, p. 40)

Sem se preocupar com a agudeza poética, Du_Bod desenha um Brasil desigual, mascarado
e refém das classes favorecidas. O sujeito é sobreposto pelo caos da guerra em que vive. O eu-lírico
se dispõe a lutar contra as mazelas sociais e convida o leitor a refletir sobre a sua participação neste
processo de mudanças: “O jeito é se unir e ir pra rua”. E ao mesmo tempo vai tecendo seu
desabafo: “A vida continua / Sou mais um pobre brasileiro / Da Silva, sou da selva / Sou
guerreiro” (DU_BOD, 2008, p. 41).

Nas últimas estrofes, o sentido da escrita marginal é realçado e as críticas ficam mais
afiadas.

Reivindicando meus direitos


Como qualquer cidadão
Usando e abusando
Da liberdade de expressão

Tenho muita munição


A bala é a fala e tem poder
Quando a mente se rebela
Faz até o chão tremer

Denunciando a miséria
Que eu vejo por aqui
Se uma língua
Incendeia uma cidade
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Pus fogo no país.


(DU_BOD, 2008, p. 41)

Segundo Hollanda, “a força estética mas também política da palavra é descoberta pela
periferia. A palavra poética que encanta mas também o poder que quem detém e manipula com
destreza e segurança a prática da palavra cotidiana, da eficácia socio-econômica dos muitos usos da
palavra. Nitroglicerina pura” (HOLLANDA, 2010). Assim, pode-se definir o estilo do poema / rap:
nitroglicerina pura, no qual, une vozes pelo mesmo objetivo: “falo por milhões / Mas, nem cem
param pra ouvir” (DU_BOD, 2008, p. 42), principalmente, porque “o silêncio dos marginalizados é
coberto por vozes que se sobrepõem a eles, vozes que buscam falar em nome deles, mas também,
por vezes, é quebrado pela produção literária de seus próprios integrantes” (DALCASTAGNÈ,
2012, p. 17).

Como um estilo de escrita próprio, o autor classifica o seu texto como protesto e o
cotidiano como uma guerra: “Nessa guerra eu ando armado / com uma caneta / e um papel de
caderno” (DU_BOD, 2008, p. 42). E desse modo, os textos marginais vão se consolidando no
cenário literário brasileiro, novas vozes ecoam de todas as partes do país, pedindo passagem para
serem ouvidas, como sugere Ferréz: “Não somos o retrato, pelo contrário, mudamos o foco e
tiramos nós mesmos a nossa foto” (FERRÉZ, 2006).

Algumas considerações

A coletânea Pelas periferias do Brasil (2008), organizada por Alessandro Buzo se consolidou
pelo objetivo de dar voz a escritores de diferentes comunidades brasileiras que não tinham suas
obras publicadas e reconhecidas. A expressão literária dos guetos alcançou a imprensa, a
universidade e, principalmente, a crítica, que tem se debruçado nos últimos anos em compreender o
universo ficcional de seus representantes, revelando as especificidades do movimento denominado
marginal.

O poema / rap “Raio-x do país” faz parte desta produção artística contemporânea. Este
estudo contemplou as análises sociológicas do texto, apontando que as experiências do cotidiano do
autor Du_Bod contaminam, ou melhor, tornam matéria poética. Como o título propõe, viu-se um
diagnóstico preciso das condições calamitosas de quem vive entre os becos e vielas das periferias
brasileiras. O eu-poético mostra-se inconformado com sua situação, almeja melhorias para os seus;
a voz que ecoa desconstrói, recria e reafirma o discurso mantido pelas classes providas de bens de
consumo. Portanto, concluiu-se que o poema / rap de Du_Bod é a arte que vai “Contra o racismo,
a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala” (VAZ, 2007), destituindo o
olhar segregatório sobre os sujeitos oriundos das periferias, favelas e morros.

Referências
DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo:
Editora Horizonte/ Rio de Janeiro: Editora da Uerj, 2012.
DU_BOD. Raio-x do país. In: BUZO, Alessandro. (Org.). Pelas periferias do Brasil. São Paulo: Suburbano
convicto. vol. 2, p. 39-42, 2008.
FERRÉZ. Manifesto de abertura do livro Literatura Marginal. Disponível em: <
http://editoraliteraturamarginal.blogspot.com.br/2006/12/manifesto-de-abertura-do-livro.html>. Acesso
em: 06 jun. 2014.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. A questão agora é outra. Disponível em:
<http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/a-questao-agora-e-outra/>. Acesso em: 06 jun. 2014.
SILVA, Rogério de Souza. Cultura e violência: autores, polêmicas e contribuições da literatura marginal. São
Paulo: Annablume, 2011.
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VAZ, Sérgio. Manifesto da antropofagia periférica. Disponível em: <


http://colecionadordepedras.blogspot.com.br/2007/10/manifesto-da-antropofagia-perifrica.html>. Acesso
em 06 jun. 2014.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO ATIVIDADE


TRANSDISCIPLINAR NO ENSINO FUNDAMENTAL

Heloisa Carla Xavier Marthos dos Santos24


Samanta Gallo Cabral25
Talal Suleiman Mahmoud26

Resumo
A educação ambiental vem se configurando, no cenário nacional e mundial, como princípio básico
para a conservação do meio ambiente e melhoria na qualidade de vida dos cidadãos. Esta prática
está sendo implementada nas escolas, desde a educação básica, visando consequentemente o reflexo
na formação do indivíduo. Nosso estudo buscou responder à seguinte questão: Qual a importância
da educação ambiental como atividade transdisciplinar no ensino fundamental? Procuramos
estabelecer, através de pesquisa bibliográfica, estabelecer uma concepção fundamentada em estudos
teóricos desenvolvidos por pesquisadores da área educacional. Utilizamos os Parâmetros
Curriculares Nacionais e a Constituição Federal de 1988, numa abordagem holística da educação
ambiental, enfocada como um processo de construção na formação do aluno, que permite a
interação e aproximação do ser humano com a natureza. Nossos resultados destacam a relevância
da inserção da educação ambiental na educação escolar.
Palavras-chave: Formação de alunos. Transdisciplinaridade. Ensino Fundamental.

The importance of environmental education as a transdisciplinary activity in elementary


education

Abstrat
Environmental Education (EE) is becoming a fundamental principle, here and all over the world,
to preserve the environment and improve the life quality of people. Schools have been
implementing EE since their early years in order to influence in the students’ formation. Our study
tried to answer the following question: How important is EE as a transdisciplinar activity in basic
education? Through a bibliographic review, we tried to establish a concept based on theoretical
studies carried out by researchers in the education area. We used the National Curricular
Parameters and the Federal Constitution of 1988, in a holistic approach of EE, seen as a building
process in the students’ formation, which allows the interaction of man and nature. Our results
show the relevance of introducing EE in schooling.
Key words: Students’ formation. Transdisciplinarity. Basic Education.

Introdução:

A educação ambiental é considerada por instituições de todo o mundo como meio


indispensável para criar e exercer maneiras cada vez mais sustentáveis de interação entre o ser
humano e a natureza, com a finalidade de amenizar os problemas ambientais gerados pelo próprio
homem.

24 Especialista em Formação de Profissionais na Educação pela Universidade Federal da Grande Dourados;


Docente do ensino fundamental do estado do Mato Grosso do Sul em Ivinhema - MS. E-mail:
heloisabiouems@yahoo.com.br.
25 Mestre em Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi; Docente do curso de bacharelado em

hotelaria da UNIOESTE em Foz do Iguaçu – PR. E-mail: samantacabral@hotmail.com.


26 Doutor em Química pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; Docente do curso de

licenciatura em química da UFT em Araguaína –TO. E-mail: talalsuleiman@uft.edu.br.


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Sabe-se que a manutenção consciente do planeta pelos seres humanos envolve assuntos de
atitudes cotidianas, sendo de suma importância para o bem estar de todos os seres vivos, e por este
motivo a temática de educação ambiental torna-se um assunto de extrema urgência e relevância
para ser discutido nas escolas, no intuito de auxiliar na formação e sensibilização dos alunos para as
causas ambientais.

Neste contexto, faz-se necessário enfatizar a temática ambiental no ensino básico


destacando o verdadeiro entendimento da existência de vida no planeta, bem como as relações
entre os seres, ressaltando o valor do ser humano como parte integrante do meio ambiente, no qual
suas atitudes acarretam resultados impetuosos ao ambiente, que se reflete em todas as formas de
vida.

Consideradas essas determinações, este estudo buscou responder à seguinte questão: Qual
a importância da educação ambiental como atividade transdisciplinar no ensino fundamental? Nesta
direção, o objetivo geral para solucionar a questão foi a realização de uma leitura fundamentada do
currículo, enfatizando a importância da educação ambiental como atividade escolar.

O objetivo especifico centrou-se num estudo bibliográfico para analisar o valor da inserção
da educação ambiental como atividade escolar para a formação integral dos alunos e verificar o
favorecimento da educação ambiental aplicada de maneira transdisciplinar.

Para tanto foi adotada uma metodologia de caráter bibliográfico, através de uma
abordagem teórica a respeito da educação ambiental, por documentos tais como: a Constituição
Federal do Brasil de 1988, os Parâmetros Curriculares Nacionais, leis e decreto; além de
fundamentação em estudos desenvolvidos por pesquisadores da área educacional como Mauro
Guimarães, Alexandre de Gusmão Pedrini, Genebaldo Freire Dias dentre outros para elaboração de
um ponto de vista sistêmico e contemporâneo da relevância da educação ambiental no ensino
fundamental.

Assim, com a finalidade de construir um artigo de caráter científico para a formação de


profissionais em educação, o presente artigo está estruturado em duas seções.

A primeira seção denominada “Descrição da Problemática de Educação Ambiental”, sendo


esta subdividida em quatro: “interação ser humano e meio ambiente”, “envolvimento da educação
ambiental no processo educativo”, “papel da educação ambiental no ensino fundamental”, e
“Transdisciplinaridade", que em conjunto esta seção e suas subdivisões apresentam a teoria que
subsidiou a análise do estudo, bem como as conclusões alcançadas. E dando fechamento ao artigo
foi elaborada a segunda seção com as considerações finais.

Descrição da problemática de educação ambiental:

Interação ser humano e meio ambiente

Os seres humanos em busca da plenitude vêm desenvolvendo precipitadas modificações,


interferindo bruscamente no equilíbrio dos ecossistemas e isso ocasionam sérios problemas
ambientais que refletem de maneira direta em todas as formas de vida no planeta.

O controle adequado da extração de bens de consumo, tecnológicos, utilizando recursos


renováveis e não renováveis para o conforto e subsistência humana, mostram-se relevantes porque
provocam alterações ambientais, as quais muitas vezes a maioria destes recursos sofre por tempos
incalculáveis de reversão ou até mesmo irreversíveis.
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Por este motivo surge a necessidade urgente do desenvolvimento de programas e ações


educativas que provoquem mudanças de comportamento, valores e atitudes humanas em relação ao
meio ambiente. Pois somente com a realização de uma educação direcionada aos interesses
ambientais desde as séries iniciais, será possível sensibilizar os cidadãos a respeito da importância de
uma exploração sustentável dos recursos naturais como água, solo, combustível, alimentos dentre
outros.

Conforme cita Guimarães (1995, p. 30), “o ser humano é natureza e não apenas parte
dela”. Uma vez que “ao assimilar uma visão holística, a noção de dominação do ser humano sobre
o meio ambiente perde o seu valor, já que estando integrado em uma unidade (ser
humano/natureza)”, formando assim uma rede unificada.

Nesta mesma perspectiva, Moreira (1994) retrata que os estudos das relações, ou interações
homem-ambiente, não podem jamais serem realizados em separados, pois a natureza está no
homem e o homem está na natureza, na qual a existencialidade humana é uma condição concreta da
natureza, sendo o homem produto da história natural.

Deste modo, Meizger (2001, p. 3) alerta à relevância para com a preocupação no estudo das
interações do homem e o ambiente no qual se encontra inserido como fruto da integração da
sociedade com a natureza, e as inter-relações do homem com o seu próprio espaço de vida, além
das aplicações práticas em solução de problemas ambientais.

Como é lembrado por Rizzo (1996, p. 24) “o homem não se desenvolve no vazio, nem
físico, nem social e, menos ainda, alheio a emoções”, pois adquire hábitos, atitudes, valores e
esquemas de raciocínio que traçam a própria personalidade, construindo e transformando o
comportamento característico de cada indivíduo no decorrer de sua evolução.

Assim, segundo Guimarães (1995, p. 30) a “integração entre ser humano e ambiente” deve
ser trabalhada intensamente pelo educador para que haja o desenvolvimento de todas as atividades
humanas que fomentam melhoria na qualidade de vida, desde a habitação, saneamento básico,
educação, emprego e crescimento econômico.

Dessa forma, entende-se que os alunos do ensino fundamental são apresentados para o
ambiente de forma integrante dele, como o indivíduo não é formado no meio vazio tem grandes
chances de passarem a respeitar e ter uma conscientização com os bens renováveis e não renováveis
de que fazem uso e minimizando com isso os impactos ao meio ambiente.

Envolvimento da Educação Ambiental no Processo Educativo

Dada a importância da educação ambiental no Brasil em diversos estágios do aluno na


educação escolar fez com que o governo federal promulgasse na Constituição federal de 1998 um
item que assegura a efetividade desse direito, “promover a educação ambiental em todos os níveis
de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (BRASIL, 1998, Art.
225, § 1°, item VI).

A crescente preocupação com relação a educação ambiental, o governo federal institui a


Lei 9.795, de 27 de abril de 1999, que define “educação ambiental como processo pelo quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências [...]”, sendo elas direcionadas a conservação e preservação do meio ambiente, como
um componente fundamental e constante “da educação nacional devendo estar presente, de forma
articulada, em todos os níveis do processo educativo, em caráter formal e não formal”, edificando
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assim os propósitos da legislação. Ainda, estabelece a educação ambiental na educação escolar onde
deve ser desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições públicas e privada, na educação
básica, superior, especial, profissional, jovens e adultos de forma integrados, continuados e
permanentes, não pode ocorrer em disciplina específica (BRASIL, 1999, Art. 9° e 10°).

O decreto nº 4.281, de 25 de junho de 2002, o qual regulamenta a Lei nº 9.795, sendo


apresentado no artigo 5º; a inserção da educação ambiental ressaltando: “I - a integração da
educação ambiental às disciplinas de modo transversal, contínuo e permanente; e II - a adequação
dos programas já vigentes de formação continuada de educadores”. Percebe-se que tanto a lei 9.795
como o decreto 4.281 promulga a maneira de realizar a educação ambiental escolar; bem como é
apresentado no artigo 6º a implantação e viabilidade deste decreto, onde:

[...] deverão ser criados, mantidos e implementados, sem prejuízo de outras ações,
programas de educação ambiental integrados: I - a todos os níveis e modalidades de
ensino; II - às atividades de conservação da biodiversidade, de zoneamento ambiental,
de licenciamento e revisão de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras, de
gerenciamento de resíduos, de gerenciamento costeiro, de gestão de recursos hídricos,
de ordenamento de recursos pesqueiros, de manejo sustentável de recursos ambientais,
de ecoturismo e melhoria de qualidade ambiental; III - às políticas públicas,
econômicas, sociais e culturais, de ciência e tecnologia de comunicação, de transporte,
de saneamento e de saúde; IV - aos processos de capacitação de profissionais
promovidos por empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas; V - a
projetos financiados com recursos públicos; VI - ao cumprimento da Agenda 21
(BRASIL, 2002, Art. 6).

Seguindo nesta mesma perspectiva, de acordo com Brasil (1996, Art. 26) - Lei de Diretrizes
e Bases (LDB), que reporta a obrigatoriedade no estudo “o conhecimento do mundo físico e
natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil”. Compreendendo o artigo 27º,
inciso I, que diz respeito ao currículo na educação básica tendo “a difusão de valores fundamentais
ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem
democrática” (BRASIL, 1996, p. 13).

Por sua vez, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) trazem a educação ambiental
como algo necessário e sua realização exige “mais do que informações e conceitos”, onde “a escola
se proponha a trabalhar com atitudes, com formação de valores, com o ensino e a aprendizagem de
habilidades e procedimentos”, para vencer o grande desafio da educação ambiental. Fazendo com
que o ensino significativo contribua “para a formação de cidadãos conscientes, aptos para atuarem
na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um
e da sociedade local e global” (BRASIL, 1997, p. 12).

Para Pedrini, (1997, p. 11 e 13) “a educação consiste em um dos melhores meios para a
difusão da informação”, com princípios e métodos próprios, no qual “o educador ambiental, tal
como outros especialistas pedagógicos” devem desempenhar um papel fundamental na formação e
capacitação dos alunos.

Logo, o principal objetivo da implantação dos programas de educação ambiental no ensino


fundamental, é fornecer subsídios e conhecimentos a respeito do meio ambiente sustentável,
proporcionando ao aluno a possibilidade de interagir no meio em que vivem com responsabilidade
social pelas suas funções e ações nas quais respondam os propósitos da educação ambiental.

Neste sentido a aplicação da educação ambiental no ensino formal como uma extensão
dada ao conteúdo e à prática da educação direcionada para a resolução de problemas reais,
direcionados ao meio ambiente, que exigem uma maior sensibilidade para com o ambiente natural,
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além de proporcionar uma melhoria na estrutura social dos indivíduos. Pelos benefícios que este
tipo de educação pode auxiliar o estudante que lhe é esclarecido qual a verdadeira função de saber
fazer suas escolhas diante aos diversos agravantes cotidianos que enfrentam no ambiente em que
realiza suas atividades.

Complementando este contexto da definição de educação ambiental, Dias (2004, p.116 e


117) ressalta como sendo um processo que possibilita às pessoas apreenderem a maneira que
funciona o ambiente, em que o ser humano se encontra totalmente dependente, por estar
interligados (homem / meio ambiente) em todas as formas de representação humanas, refletidas em
suas condutas.

Da mesma forma, este tipo de ensino busca esclarecer o modo como o ser humano
compromete e promove a sua sustentabilidade, devendo fomentar processos de participação
comunitária que possam interferir no processo político, possibilitando todas as pessoas a adquirir
novos conhecimentos e induzir novas formas de conduta mais responsáveis, dos indivíduos na
sociedade favorecendo atitudes mais responsáveis para protegerem, conservarem e melhorarem o
ambiente de forma geral.

Por todas as considerações afirmadas é que a EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa


Agropecuária (2010) divulga a importância de implantação da educação ambiental como incentivo à
“mobilização dos cidadãos a partir do reconhecimento das causas e conseqüências dos impactos
sócio-ambientais que afligem todo planeta”; na busca de “satisfazer as necessidades fundamentais
da humanidade ao mesmo tempo em que são respeitados os direitos” das futuras gerações em
“terem acesso a um ambiente saudável” digno de cada indivíduo. Com isso, os alunos que obter
educação ambiental na educação escolar terão mais propensão de ser tornarem cidadãos mais
respeitosas com ambiente minimizando o impacto ambiental no planeta.

Papel da educação ambiental no ensino fundamental

A educação ambiental possui o papel fundamental de promover e estimular a percepção


para que as pessoas ajam em busca da melhoria na qualidade de vida.

Segundo Brasil (1996, art. 32, § II), Lei de diretrizes de bases da educação nacional, “a
compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores
em que se fundamenta a sociedade”; dando continuidade no artigo 32º, no que se referem ao item
IV sobre o “desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de
conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores”; sendo “o fortalecimento dos
vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a
vida social” (BRASIL, 1996, p. 12).

Segundo Tuan (1980) cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente às ações
sobre o ambiente em que vive, após algum tipo de experiências pode alterar sua percepção. E este
ato de perceber o ambiente no qual o ser humano está inserido, aprendendo a proteger e a
conservar o mesmo, é caracterizado como percepção ambiental.

Desta maneira, a percepção integrada na educação ambiental acaba servindo como


instrumento estratégico de promoção da consciência ambiental e integração da sociedade com a
natureza, a pesquisa de percepção ambiental visa uma forma de vida sustentável, atrelando
conhecimentos com participação, ou seja, envolvimento, compromisso e entendimento de que a
responsabilidade pelo futuro do planeta e suas reais possibilidades de reverter o processo de
degradação e desequilíbrio são certamente de cada cidadão, nas suas ações individuais e coletivas.
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Para Guimarães (1995, p. 30) percepção ambiental e a interpretação dos níveis e dimensões
do comportamento humano fornecem, excepcionalmente, compreensão nas mudanças da
paisagem. Gerando assim, um horizonte de possibilidades individuais e conjuntas de conservação
deste patrimônio através de valores locais e regionais, percebido e interpretado como legado às
futuras gerações de várias instâncias e conjunturas.

Neste contexto, destaca-se a maneira como o ensino formal ocasiona de certa forma a
percepção ambiental influenciada pelas condições sociais que afetam o ambiente natural, agindo
sobre a vida sócio-ambiental do aluno.

Dias (2004, p. 109) salienta ainda, que não se pode entender “uma questão ambiental sem
as suas dimensões, políticas, econômicas e sociais”, bem como ecológicas, culturais, étnicas,
tecnológicas, pois todas as áreas do conhecimento mostram-se integradas pelas suas causas e efeitos
que refletem uma nas outras.

Por este motivo a educação ambiental deve relacionar os temas de maneira “transversal, ou
seja, reunindo ações de diferentes disciplinas, em torno de um tema”, formando uma teia de
interação transdisciplinar, vinculando a percepção ambiental para melhor compreensão das inter-
relações entre o homem e o ambiente em que se encontra inserido (DIAS, 2004, p. 113). O estudo
da percepção ambiental assume importância para a compreensão das inter-relações entre o homem
e o ambiente, bem como suas expectativas, anseios, satisfações e insatisfações, julgamentos e
condutas (TRIGUEIRO, 2003).

Transdisciplinaridade

Sabendo que o meio ambiente consiste em bem de uso comum das pessoas, e garante a
qualidade de vida e a sustentabilidade humana, verifica-se, pois, a necessidade de uma educação
voltada para os cuidados desse patrimônio tão precioso.

E é pensando assim, que se encontra inserida a educação ambiental através de uma nova
dimensão a incorporada ao processo educacional, trazendo discussões sobre questões ambientais e
as conseqüentes transformações de conhecimento, diante de uma nova realidade a ser construída.

De acordo com Pedrini (1997), a importância da educação ambiental é principalmente


voltada para conservação das condições de sobrevivência para manutenção das futuras gerações,
além de ser vista como sendo:

Uma das possibilidades de reconstrução multifacetada [...]. Isto é, uma Educação


Ambiental considerada como saber construído socialmente e caracteristicamente
multidisciplinar na estrutura, interdisciplinar na linguagem e transdisciplinar na ação não
pode ser área profissional específica de nenhuma especialidade do conhecimento
humano. Deve, de fato, ser instrumentalizada em bases pedagógicas, por ser uma
dimensão da educação que proporciona a transformação de pessoas e grupos sociais [...]
(PEDRINI, 1997, p. 15 – 16).

E sob, esta visão o papel fundamental da educação voltada ao meio ambiente é “fomentar
a percepção da necessária integração do ser humano com o meio ambiente”, através de uma relação
harmoniosa com a natureza, possibilitando, a formação de novos conhecimentos, pela “inserção do
educando e do educador como cidadãos no processo de transformação ambiental” que atualmente
abrange todo quadro ambiental do nosso planeta (GUIMARÃES, 1995, p. 15). Sendo de grande
importância desta compreensão pelos alunos no ensino fundamental verifica-se através de um
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conhecimento transdisciplinar de assimilação plena do funcionamento do equilíbrio dinâmico que


ocorre no ambiente.

A educação formal é responsável pela “compreensão do mundo físico e social, à ampliação


e ao aprofundamento dos horizontes culturais e humanos” (COELHO, 2005, p. 59), consistindo de
temas que devem ser apresentados como uma alternativa de execução para a educação ambiental,
em que todas as disciplinas escolares, além de serem responsáveis por tratar desses assuntos de
forma integrada, ou também chamada de forma transdisciplinar assim como trazem os PCN.

Neste sentido, os conteúdos disciplinares devem ser trabalhados tomando como base um
desenvolvimento sistematizado, na qual “aproveitando oportunidades disponíveis para levantar
novas indagações a serem respondidas ao decorrer das disciplinas,” (BAZAN, 2000. p. 121),
levando aos alunos a reflexão dos conteúdos e assim, relacionando suas atitudes individuais e
coletivas dentro do contexto escolar, permitindo:

Por meio de pesquisa, um conhecimento mais aprofundado sobre o assunto e uma


visão geral sobre temas correlatos. Permite ao professor acompanhar o
desenvolvimento do aluno e sua capacidade de compreensão por meio do estudo
individual, num primeiro momento, e coletivo no segundo momento. A partir de uma
questão a ser investigada, os alunos podem ser motivados a pesquisar, individualmente
em busca de resposta [...] (MENDES, 2005, p. 189).

Outra atividade que não pode faltar na educação ambiental é a observação, tendo em vista
a investigação de maneira informal, na qual, “as características individuais e grupais dos alunos,
tende a identificar fatores que influenciam a aprendizagem e o estudo das matérias e, na medida do
possível, modificá-los”. Por meio deste tipo de metodologia verifica-se o desenvolvimento da
“capacidade de percepção comportamentos manifestos ou não dos alunos” (MENDES, 2005, p.
191).

Considerações finais

O presente artigo buscou compreender a problemática da educação ambiental no ambiente


escolar, com o foco na leitura fundamentada no currículo, que enfatizou a utilização deste tipo de
atividade escolar direcionada as questões relacionadas ao meio ambiente. Os documentos (PCN,
Constituição federal, Leis, e decreto) pesquisados respaldam a importância da educação ambiental
no ensino fundamental, e destaca que não deve ser ministrado uma disciplina específica e sim de
forma transdisciplinar para que o aluno tenha uma visão global do meio ambiente e com as ciências
interligadas.

Na ótica dos documentos pesquisados, foram demonstradas variedades e diversidades de


leis, decretos que pautam a importância da educação ambiental na educação escolar para haver uma
construção de alunos mais conscientes para respeitar e conviver impactando cada vez menos o
meio ambiente.

Destacou-se que o aluno durante a educação escolar pode assimilar a educação ambiental e
ter atitudes de preservação e conscientização com o meio ambiente, e especialmente ser racional no
uso dos bens não renováveis e renováveis possibilitando que as próximas gerações também façam
uso. E ainda, se tornar um adulto que consuma de forma coerente os bens materiais, agindo para o
bem-estar dele e da sociedade.

Com este objetivo, foi mostrado que ensinar a educação ambiental de forma
transdisciplinar é de grande importância compreensão pelos alunos no ensino fundamental
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podendo assimilar de forma plena o funcionamento do equilíbrio dinâmico que ocorre no


ambiente.

Percebe-se então, que com todos estes pontos facilitadores da educação ambiental no
ensino fundamental escolar é necessário que os professores estejam habilitados em realizar de
forma transdisciplinar para obter os aspectos positivos. Com este artigo surgem novas indagações
acerca do assunto e propiciando novos temas a ser pesquisados.

Além disso, o desenvolvimento eficaz da educação ambiental exige o pleno aproveitamento


de todos os meios públicos e privados que a sociedade dispõe para auxiliar na educação da
população extraescolar como os meios de comunicação em massa como, por exemplo: televisão,
rádio, internet, jornal, revistas, teatro etc.

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Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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O CANIBALISMO AMOROSO EM DENTRO DA NOITE, DE JOÃO DO RIO

Hilda Gomes Dutra Magalhães27

Resumo
Neste texto verificamos a presença do canibalismo amoroso no conto Dentro da noite, publicado
no livro homônimo, de João do Rio. Para atingir nosso objetivo, nos apoiamos na teoria de Robert
Gessain sobre o horror que a mulher desperta em alguns homens, procurando identificar como ele
se manifesta no texto analisado. No decorrer das análises foi possível constatar que no conto o
personagem masculino expressa seu horror à mulher criando um ritual canibalístico em que, com a
ajuda de um alfinete, retira e suga o sangue dos braços da noiva, experimentando horror e êxtase.
Palavras-chave: João do Rio; Canibalismo amoroso; Horror feminae.

The loving cannibalism in Dentro da noite, of João do Rio

Abstract
In this text we check presence of the loving cannibalism in the text Dentro da noite, of João do
Rio. To reach our objective, we use the theory of Robert Gessain about the horror that the woman
provoke in some men, trying to identify him in the analysed texts. In the course of the analyses it
was possible to note that in the story the masculine personage expresses his horror to the woman,
creating a ritual canibalístico in what, with the help of a pin, it withdraws and sucks the blood of the
arms of the fiancee, experimenting horror and ecstasy.
Keywords: João do Rio; Loving cannibalism; Horror feminae.

O Decadentismo, estilo literário surgido na segunda metade do Século XIX, volta-se contra
o pensamento lógico e redimensiona o eixo mimético da literatura do Ocidente, substituindo as
imagens dos escritores realistas e parnasianos pela metáfora do louco.

A literatura se delineia, então, como celebração do paradoxo, sustentada pelo


estilhaçamento da consciência, agora invadida pelos sustos e medos nascidos do inconsciente.

Temos o que se poderia chamar a estética do louco, caracterizada por uma latente
nevralgia, condicionando o surgimento de uma produção literária pautada na exploração do exótico,
do bizarro e, sobretudo, na super excitação dos sentidos. Reivindica-se a embriaguês dionisíaca,
numa linguagem submetida não mais à linearidade cartesiana, própria da lógica ocidental, mas ao
transtorno do paradoxo (PEREIRA, 1975, p. 17-52), da cisão, da fratura, da experiência dos limites.

O Decadentismo, arte que cultura a máscara e o artifício, se caracteriza também pela


instauração do labirinto, da angústia e do erotismo patológico. Legitima-se, nesta estética, a arte do
difuso, manifesto na proliferação sígnica e imagética sustentada pela evocação de imagens
produzidas sob a insígnia dos desejos reprimidos.

Temos a celebração da arte inútil, porque desobrigada de encargos morais (ABASTADO,


1979, p. 100), a superestesia, a busca do ineditismo e a exploração do mundo do inconsciente e dos
traumas originais, num afrontamento trágico e revolucionário pontuado já por Baudelaire (apud

Doutora em Teoria da Literatura pela UFRJ, com pós-doutoramento na Sorbonne Nouvelle e na


27

EHESS/França. Professora do Curso de Letras da UFT.


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LEMAIRE, 1978, p. 53 ss) e que assume contornos mais definidos justamente na literatura do fim
do século XIX.

É neste contexto que situamos o conto Dentro da noite28, publicado no livro homônimo,
de João do Rio e objeto de nossa análise. O nosso objetivo neste estudo consiste em analisar a
presença do canibalismo amoroso no conto acima referido, utilizando como suporte teórico a teoria
psicanalítica de Gessain (1990) sobre o horror que as mulheres causam em alguns homens, como
resultado de traumas oriundos do período de amamentação.

Para Gessain (1990, p. 1), o fantôme du vagin denté é "uma das expressões do horror feminae, da
angústia inspirada pelas mulheres a certos homens." Interpretando Marie Bonaparte, ele explica que
o fenômeno tem suas origens na fase oral do desenvolvimento da libido, mais especificamente
quando, na primeira dentição, o bebê começa a morder os seios maternos e, ao ser repelido pela
figura da mãe, recalca a pulsão agressiva contra ela. Forma-se então um misto de culpa, temor e
desejo de vingança que se atualizam, na idade adulta, em relações conflituosas com o sexo oposto.

Para o recém-nascido, a imagem da mãe é o seio que o nutre. A mãe é para a criança o
prolongamento do seu próprio corpo. Ao morder o seio da mãe e ser repelido por ela, a criança
experimenta um sentimento de castração, porque parte do que ele imagina ser ele próprio lhe é
negado ou retirado. É assim que essa relação complexa entre mãe, seio e filho, passa a ser fonte não
apenas de todo o desejo e prazer da criança, como também de todos os fantasmas ancestrais, que
acabam por acompanhar o indivíduo e se manifestar em outras formas de representação em sua
vida adulta, especialmente no seu comportamento sexual.

No contexto psicanalítico, esses fantasmas serão representados de diversos modos. Robert


Gessain faz referências a sonhos de clientes, em que a imagem da mulher aparece como uma serra,
aranha, caranguejo, guilhotina, bocas que mordem e mastigam, peixes ferozes, enfim, toda sorte de
seres e objetos cortantes, que revelam um sentimento de castração em pessoas traumatizadas com a
imagem de uma mãe fálica.

Como a relação entre os gêneros tem sido sempre concebida na sociedade machista como
uma relação de seres diferentes, à mulher tem sido imputada todo tipo de imagem negativa,
representando as forças indomadas, ferozes, vorazes, tomando como referencial não raras vezes,
fenômenos próprios da mulher, mas que são incompreensíveis para o homem. Criam-se, a partir
daí, certos tabus que perduram nas sociedades, como, por exemplo, o parto e a menstruação.

Em relação a esta última, como registra Affonso Romano de Sant’Anna (1985, p. 78),

crê-se que, se durante a menstruação uma mulher toca um espelho, ele escurece, ou se
ela vai preparar uma maionese, esta desanda. As diversas religiões têm ensinamentos de
como lidar com a mulher durante o mênstruo, recomendando distância e prometendo
desgraças para quem a tocar. Do mesmo modo, já em Heródoto, está a narração de que
entre os Nasamones, na África do Norte, era costume a noiva dormir com vários
convidados para que assim se diluísse o espírito perverso que nela habita e que poderia
castrar o marido. Há tribos em que os homens encarregados realizam uma tarefa em si
perigosa e mortal.

No plano mítico, uma das imagens mais representativas desse medo ancestral é a Esfinge,
que, como sabemos, é a representação de um ser essencialmente antropofágico. A sua fala
"Decifras-me ou te devoro" significa não apenas o mistério, mas a possibilidade da morte. É um ser

28 As citações dessa obra serão indicadas pela sigla DN, seguida da paginação.
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essencialmente devorador e, o que é mais significativo, é um ser feminino diante do qual o homem
não tem condições de qualquer reação.

Esse elemento feminino, essa grande mãe, fálica e castradora, cujo corpo híbrido traz os
mistérios dos pássaros, dos animais predadores e das mulheres, é um ente essencialmente
canibalesco e traz em si, conforme afirma Sant’Anna (1985, p. 84),

as contradições reais e imaginárias do macho, psicológica e culturalmente dividido


numa esquizofrenia entre o amor e o ódio. Sobressai um traço, um sinal, uma marca
ambígua e reveladora desse trauma na metáfora da boca e dos lábios. A Madona que
sorri é a mesma que devora. A abelha que produz o mel é a mesma que morde. Eva que
seduz, seduz através da boca que alicia e morde a maçã do desejo. Como na
interpretação que Freud fez da Giocanda de Da Vinci, ou como se constata na esfinge
grega e egípcia, o sorriso inscrito na boca desenha como sedução aquilo que se oculta
na voracidade oral-sádica do ser devorador.

Essa mulher misteriosa, poderosa, castradora e fálica é representada também pela serpente,
símbolo que ganha vários significados diferentes na história da civilização, representando tanto
elementos positivos (como a vida, para os caldeus; a música e a poesia para os gregos) quanto
negativos, como o dragão, pela sereia, pela medusa, etc.

Na cultura ocidental, a imagem feminina sempre esteve ligada tanto à santidade quanto ao
mal e, na Idade Média, a binomia da mulher devoradora e santa é representada nas personagens da
fada e da bruxa, representação do maniqueísmo entre o Bem e o Mal. Diante dela, o personagem
masculino apresenta dois tipos de comportamentos diante dessa mulher misteriosa: ou se cala,
submisso, castrado, diante dessa mulher ao mesmo tempo sedutora e castradora, ou externa seu
ódio, na forma de violência, respondendo dessa forma à ameaça que representa a mulher ao seu
lado.

Em todos os casos e em todos os tempos, esse ódio é dramatizado, na literatura, em


situações em que a mulher é aniquilada, tanto física quanto moralmente. Fora da ficção, esse ódio
acha-se concretizado na discriminação social em relação à mulher, sobretudo nas relações violentas
que pontuam o quotidiano de casais em todos os cantos do mundo.

Essa violência se revela como canibalismo no sentido estrito do termo: é quando o


personagem se move pelo desejo de devorar, literalmente, o objeto de desejo, como manifestação a
um só tempo de amor e ódio.

Na esteira de Sade, o desejo na ponta do alfinete: os dentes do canibal

Como foi afirmado anteriormente, o personagem masculino pode se mostrar passivo ou


ativo em relação a essa mulher fálica e devoradora. No segundo caso, a protagoniza todo tipo de
ritual e prazeres sádicos, incluindo sacrificar, decepar, apunhalar, picar, sugar, etc. Nestas situações,
o ritual canibalesco se mostra invertido e a mulher passa de caçadora a caça, de algoz a vítima. É o
que podemos perceber em Dentro da noite, em que o ato canibalesco é levado a termo com
requintes de sadismo, tendo como instrumento de tortura um alfinete.

A estória conta o drama de um personagem acometido de uma "moléstia incurável", que se


manifesta quando a noiva põe à mostra os braços, que lhe parecem extremamente sedutores.
Entretanto os braços não inspiram apenas sedução e encanto. Mais do que isso, fazem emergir
sentimentos mais profundos e assim é que o encanto que os braços provocam no personagem faz-
se acompanhar pelo desejo de "fazê-los sofrer":
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E uma noite estávamos no baile dos Praxedes, quando a Clotilde apareceu decotada,
com os braços nus. Que braços! Eram delicadíssimos, de uma beleza ingênua e
comovedora, meio infantil, meio mulher (…) Tive um estremecimento. Ciúmes? Não.
Era um estado que nunca se apossara de mim: a vontade de tê-los só para os meus
olhos, de beijá-los, de acariciá-los, mas principalmente de fazê-los sofrer. Fui ao
encontro da pobre rapariga fazendo um enorme esforço, porque o meu desejo era
agarrar-lhes os braços, sacudi-los, apertá-los com toda a força, fazer-lhe manchas
negras, bem negras, feri-los… (DN, 3-4)

Notemos que a ambigüidade de sensações (encanto e terror) provocadas pela visão dos
braços nus da personagem revela que o noivo vê em a imagem da mulher devoradora. Notemos
que a noiva é apresentada por ele como sendo ao mesmo tempo "meio infantil" e "meio mulher".
Ela é uma personagem ambígua e, como tal, não se pode discernir nela de modo claro nem o seu
lado criança e nem o seu lado mulher. Isso protege, de certo modo, o personagem dos seus medos
ancestrais por algum tempo, já que, embora sendo noivos havia já algum tempo, a moléstia só se
manifesta muito depois, mais exatamente diante da visão dos braços de Clotilde.

Ora, os braços, para o personagem, tanto podem abraçar quanto sufocar. E essa percepção
é de tal forma ameaçadora que o transtorna completamente. Os braços nus de Clotilde atualizam no
noivo o fantasma da mulher castradora, du vagin denté que aniquila, que mata. Todas essas
reminiscências, na verdade inconscientes, tornam-no um personagem ativo, que se revolta contra a
ditadura do seio mau e, por isso, será a partir de então, um ser clivado, vagando entre o monstro e o
cavalheiro. Respondendo à ameaça que lhe parece ser a noiva, seu beijo, metaforizado na imagem
do alfinete, afaga e acaricia, mas também faz destrói e faz sofrer, na medida em que provoca
"manchas negras" nos braços da noiva. É assim que o don juan dá passagem ao vampiro, ao
canibal, ao sádico:

Contive-me dias, meses, um longo tempo, com pavor do que poderia acontecer. O
desejo, porém, ficou, cresceu, brotou, enraigou-se na minha pobre alma. No primeiro
instante, a minha vontade era bater-lhe com pesos, brutalmente. Agora a grande
vontade era de espetá-los, de enterrar-lhe longos alfinetes, de cosê-los devagarinho, a
picadas. E, junto de Clotilde, por mais compridas que trouxesse as mangas, eu via esses
braços nus como na primeira noite, via a sua forma grácil e suave, sentia a finura da
pele e imaginava o súbito estremeção quando pudesse enterrar o primeiro alfinete,
escolhia a posição, compunha o prazer diante daquele susto de carne que havia de
sentir. (DN, 4)

A tortura é um requinte do ritual canibalesco. Notemos que o personagem passa por duas
reações diferentes ao ver os braços de Clotilde. São reações que modificam e refinam o desejo. O
anseio inicial, como o próprio personagem confessa, era destruir definitivamente o objeto
perturbador ("bater-lhe com pesos brutalmente"). Entretanto, durante a evolução da "moléstia",
este anseio inicial cede espaço ao desejo de espetar os braços de Clotilde, desejo acompanhado da
antecipação do prazer que tal ato poderia lhe proporcionar. O personagem, do qual não se sabe o
nome, deseja não mais destruir definitivamente a noiva, mas sim perder e resgatar aos poucos o
objeto desejado, o que se torna possível respectivamente pela picada do alfinete e pela sucção do
sangue derramado:

_Mas vai doer!." "_Não, não vai." " _E o sangue?


_Beberei essa gota de sangue como a ambrosia do esquecimento. E dei
por mim, quase de joelhos, implorando, suplicando, inventando frases,
com um gosto de sangue na boca e as frontes a bater, a bater…" Clotilde
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por fim estava atordoada, vencida, não compreendendo bem se devia ou


não resistir. (DN,5)

A boca, neste trecho, demonstra a sua vocação genuinamente canibalesca. A necessidade de


morder (metaforizada na imagem do alfinete) é completada pela de sugar. E sugar não o leite, que
em si não implica em sacrifício, mas o sangue, que requer o esvaimento da vida do outro. Pela
mordida (pela picada do alfinete) e pela sucção, temos os dois elementos basilares da amamentação,
resgatando no imaginário o trauma da mordida original e suas conseqüências assassinas: a mordida,
a repressão, a vingança, a satisfação.

O líquido, elemento de grande importância na narrativa de João do Rio e que aparece


geralmente relacionado à embriagues dos sentidos (álcool, morfina, éter, champanhe, etc), encontra-
se no texto relacionado à morte (sangue), lembrança do seio mau a engendrar o desejo de vingança
e a requisitar o ato assassino.

Ao perceber atrás da delicadeza da noiva a fera que o atormenta, o protagonista investe


contra Clotilde. Os dentes, instrumento de tortura e de concretização de um erotismo doentio, se
escondem na ponta do alfinete. É através dele que o personagem propõe a se relacionar, de agora
em diante, com a noiva. O alfinete é, portanto, um índice de estranhamento, de afastamento por
parte do amante, mas também uma forma de concretização de seus desejos mais secretos,
revestindo-se ao mesmo tempo do estatuto de boca e do órgão sexual masculino:

Tirei da botoeira da casaca um alfinete e, nervoso, nervoso como se fosse amar


pela primeira vez, escolhi o lugar, passei a mão, senti a pele macia e enterrei-o.
Foi como se fisgasse uma pétala de camélia, mas deu-me um gozo complexo de
que participavam todos os meus sentidos. Ela teve um ah! de dor, levou o lenço
ao sítio picado, e disse magoadamente: _Mau!" (DN, 5-6)

Temos, no quadro acima, o que Pereira (1975, p. 42) denomina "amor do impossível",
próprio do Decadentismo, e que se realiza "de forma agônica e insatisfeita, na atração obsessiva do
medonho e na realização do mal, no erotismo vampírico e na conseqüente necessidade de
aviltamento da beleza amada".

Trata-se de um sentimento complexo, mescla de sensações de êxtase e dor, num constante


processo de perda e resgate do objeto desejado. Isso tudo nos mostra que, em Dentro da noite, as
relações entre o homem e a mulher se desenvolvem na esfera da oralidade, atualizando medos
ancestrais. Os elementos carne, boca e alfinete se ajustam na medida dos dentes, do aço, da
laceração e da saciedade, sustentáculos de uma história de desejos reprimidos, mas que
proporcionam ao personagem profundo prazer, como se pode observar no trecho abaixo:

Quando ao cabo de alguns minutos acariciei-lhe na sombra o braço, por cima da


manga, numa carícia lenta que subia das mãos para os ombros, entre os dedos senti que
já tinha o alfinete, o alfinete pavoroso. Então fechei os olhos, encolhi-me, encolhi-me, e
finquei. Ela estremeceu, suspirou. Eu tive logo um relaxamento de nervos, uma doce
acalmia. Passara a crise com a satisfação, mas sobre os meus olhos os olhos de Clotilde
se fixaram enormes e eu vi que ela compreendia vagamente tudo, que ela descobria o
seu infortúnio e a minha infâmia. (DN, 6)

Como se pode observar pelas considerações da última frase, o personagem é plenamente


consciente do que faz e inclusive se mortifica com isso. É o que ele próprio denomina uma infâmia.
Entretanto é exatamente essa infâmia a fonte de seu supremo prazer, o que nos mostra que o
protagonista é um sujeito clivado entre o amor e o ódio e, como tudo vê pelas lentes de seu
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imaginário doentio, também enxerga em Clotilde duas facetas contraditórias: a fada e a bruxa. E é
essa mulher má, fruto de sua imaginação, que o sujeito quer dominar e fazer sofrer. Por isso, na
trilha de Sade, ele a submete ao ritual do alfinete.

Esse ritual é essencialmente canibalístico e sacrificial. Ora, recorrendo a Bataille (1989, p.


61), veremos que o sacrifício se constitui numa forma de redução da presença de elementos
perturbadores, tirando seus efeitos "da oposição obtida ao marcar a pureza, a nobreza da vítima e
dos lugares". No trecho citado, o desejo de "causar manchas negras" remete-nos, mais do que à
simples necessidade de massacrar o corpo, ao anseio de atacar uma relação estruturada. Ataca-se a
relação amorosa e, "em particular a forma específica do erotismo feminino" (ALBERONI, 1988, p.
78).

É então que Clotilde reconhece no noivo não o príncipe, mas o assassino, apresentando o
amor, neste caso, uma dupla face: a da felicidade e a do horror. Um horror que é compartilhado
pelos dois, uma vez que o próprio personagem se horroriza com os seus desejos sádicos:

Oh! Justino, não dormi. Deitado, a delícia daquela carne que sofrera por meu desejo, a
sensação do aço afundando devagar no braço da minha noiva, dava-me espasmos de
horror! Que prazer tremendo! E apertando os varões da cama, mordendo a travesseria,
eu tinha a certeza de que dentro de mim rebentara a moléstia incurável. Ao mesmo
tempo que forçava o pensamento a dizer: nunca mais farei essa infâmia!, todos os meus
nervos latejavam: voltas amanhã; tens que gozar de novo o supremo prazer! Era o
delírio, era a moléstia, era o meu horror…" (DN, 6)

O personagem se vê dividido entre os sentimentos de pena, remorso, horror e prazer,


passando a representar um homem em crise, protótipo do personagem da ficção decadentista e que
se acha "acometido por um lancinante horror vacui e dividido consigo mesmo, arrasado por
solicitações contraditórias." (PEREIRA, 1975, p. 35)

Entretanto, mesmo sofrendo terríveis dramas de consciência, o protagonista não consegue


se desvencilhar da "moléstia fatal", e o sacrifício tem continuidade num espetáculo em que o
erotismo, requisitando, na perspectiva sadeana, a tortura e o esquartejamento (SADE, 1953, p. 254-
257), mostra o seu lado destruidor, mórbido.

Estabelece-se entre o monstro e sua noiva (a bela e a fera), uma espécie de contrato em que
as cláusulas reeditam o ritual de Drácula:

Não lhe via a carne mas tinha-a mareada, ferida. Cosi-lhe os braços! Por último
perguntava: "Fez sangue, ontem?" E ela, pálida e triste, num suspiro de rola: Fez… Pobre
Clotilde! A que ponto eu chegara, na necessidade de saber se doera bem, se ferira bem, se
estragara bem! E no quarto, à noite, vinham-me grandes pavores súbitos ao pensar no
casamento, porque sabia que se a tivesse toda havia de picar-lhe a carne virginal nos
braços, no dorso, nos seios… (…) Em um mês ela emagreceu, perdeu as cores. Os seus
dois olhos negros ardiam aumentados pelas olheiras roxas. Já não tinha risos. (DN, 8)

Através das suas "mordidas" e das suas "sugadas", o noivo devora aos poucos a noiva:
acabam-lhe os risos, as cores e as carnes. Trata-se da concretização de um drama psicológico
vinculado à primeira infância, que é atualizado na mordida. Por medo da mulher devoradora, o
personagem assume o papel de canibal, sendo que, no conto, boca dentada é metaforizada no
alfinete, ocupando um espaço central no texto.

A constante recorrência a tal metáfora permite-nos situar os traumas psíquicos emergentes


no livro citado na esfera da oralidade do desenvolvimento da libido e afirmar que a relação
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homem/mulher acha-se marcada pela alternância dos sentimentos de amor e ódio, de desejo de
destruição e de arrependimento, caracterizando-se assim a existência do fantôme du vagin denté como
fundamento estrutural do conto.

Referências
ABASTADO,Claude. Mythes et rituels d'écriture. Paris: Complexer, 1979.
ALBERONI, Francesco. O erotismo. Trad. Élia Bdel. 2a. ed.Rio de Janeiro:Rocco,1988.
BATAILLE, Georges. A literatura e o mal. Trad. Suely Bastos. Porto Alegre: LPM, 1989.
GESSAIN, Robert. Vagina dentada na clínica e na mitologia. Trad. Affonso Romano de Sant'Anna.
Apostila xerocopiada. Pós-Graduação, UFRJ, 1990.
LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 5a. ed. Trad. Pedro Tamen. Rio de
Janeiro, Martins Fontes, 1979.
LEMAIRE, Anika Rfflet. Lacan. Trad. Francisco J. Millet. Barcelona: Edhasa, 1971.
PEREIRA, José Carlos S. Decadentismo e simbolismo na poesia portuguesa. Coimbra: Centro de Estudos
Românicos, 1975.
RIO, João do. Dentro da noite. Rio de Janeiro: Inelivro, 1978.
SADE, Donatien Alphonse de. Les crimes de l'amour. Paris:Jean Jacques Pauvert, 1953.
SANT'ANNA, Affonso Romano de. O canibalismo amoroso na literatura brasileira. 2a. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1985.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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CONHECENDO AS UNIDADES ESCOLARES QUE OFERTAM O ENSINO MÉDIO


NO MUNICÍPIO DE FORMOSA-GOIÁS29

Hugo de Carvalho Sobrinho*


Mestrando em Geografia pela Universidade de Brasília

Resumo
O presente artigo foi produzido a partir de encaminhamentos e discussões realizadas durante a
implementação do estágio supervisionado em Geografia, componente curricular obrigatório nos
cursos de licenciatura. A proposta foi conduzida com o objetivo de conhecer as unidades escolares
que ofertam o ensino médio no município de Formosa-Goiás. A pesquisa se caracteriza como
exploratória e descritiva realizada pelos acadêmicos do 4º ano do curso de licenciatura em
Geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG) – Câmpus Formosa e organizada pelo
bolsista* em pró-licenciatura. Percebe-se que tais identificações e caracterizações contribuem de
forma significativa para os estagiários e futuros estagiários na escolha das instituições que irão
contribuir para a formação docente no município, além de destacar as discrepâncias em relação às
escolas caracterizadas.
Palavras-chave: Identificação. Caracterização. Ensino Médio.

Abstract
This article was produced from referrals and discussions held during the implementation of
supervised training in geography, compulsory curricular component of the degree course in
geography . The proposal was conducted in order to know the school units that offer high school
in the city of Formosa , Goiás . The research is characterized as exploratory performed by students
from the 4th year of the degree course in Geography from the State University of Goiás (UEG) -
Campus Formosa and organized by scholarship student* in pró-licenciatura. It is perceived that
such identifications and characterizations contribute significantly to the trainees and future trainees
in the choice of institutions that will contribute to teacher training in the city , besides highlighting
the discrepancies regarding the featured schools.
Keywords: Identification . Characterization. Secondary School.

Introdução

Este trabalho tem como objetivo apresentar um levantamento de informações que visou
identificar e caracterizar as instituições públicas que ofertam o ensino médio no município de
Formosa – Goiás no ano de 2014. Nesse sentido foi possível levantar o histórico, a estrutura física e
organizacional das instituições. A caracterização está baseada em pesquisa exploratória realizada
pelos acadêmicos do 4º ano do curso de Licenciatura em Geografia pela Universidade Estadual de
Goiás – Câmpus Formosa, além de dados dos indicadores educacionais de site oficiais. As fontes
utilizadas foram o banco de dados online do instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, que é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e o

29A identificação e caracterização dos colégios que estão expostos neste artigo foi realizada no ano de 2014
pelos acadêmicos do 4º do curso de licenciatura em Geografia da Universidade Estadual de Goiás – Câmpus
Formosa por meio de visita in loco e organizada pelo mestrando* sob orientação da Professora Drª Francilane
Eulália de Souza.
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Sistema de Informações Gerenciais da secretaria de Educação do Estado de Goiás fornecido pela


subsecretaria regional de Educação de Formosa.

De acordo com os indicadores educacionais o município de Formosa possui um total de 64


escolas urbanas e rurais, sendo 21 estaduais e, dessas 13 ofertam o ensino médio. Nesse sentido, a
Lei 9394/96 (LDB) em seu 11º artigo, inciso VI, relata que os estados devem assegurar o ensino
fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio a todos que o demandarem. Assim,
observou-se que de fato no município de Formosa o sistema de ensino estadual oferta com
prioridade o ensino médio, mesmo sabendo que os sistemas de ensino (Municipal, Estadual e
Federal) podem atuar em outros níveis desde que atendidas plenamente às necessidades de sua área
de atuação.

Nesta perspectiva, considera-se a identificação e caracterização de tais escolas, mesmo que


de forma sucinta, como relevante, pois se trata de identificar e compreender alguns aspectos
importantes, principalmente, para os estagiários da Universidade Estadual de Goiás - Câmpus
Formosa, devido a mesma ser um pólo de formação docente.

Nesse sentido, para um melhor entendimento acerca desse trabalho optamos em organizá-
lo em quatro momentos. Inicia com uma breve caracterização do município de Formosa – Goiás,
em seguida destacamos informações sobre a quantidade de alunos matriculados no ensino médio
no ano de 2014, passando para a caracterização das unidades escolares em três aspectos: histórico,
estrutura física e organizacional e, por fim, as considerações finais.

O município de Formosa/Goiás

Monti (2007) evidencia que a criação de Brasília foi um marco relevante para o crescimento
da cidade de Formosa - Goiás. Novas rodovias foram construídas no município, no qual teve seu
desenvolvimento impulsionado. Atualmente, segundo os dados do Plano Diretor do município de
Formosa (BRASIL, 2003), esta cidade está localizada na latitude 15°32'14"S e longitude
47°20'04"W, com uma altitude média de 918 m. O município de Formosa possui cerca de 108.503
habitantes, de acordo com a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de
2013.

Em questão de sua localização no estado de Goiás o município faz parte da mesorregião do


Leste goiano e na microrregião do Entorno do Distrito Federal (figura 1). A sede do município se
localiza a 79 km da Capital Federal e a 280 km de Goiânia, capital do estado de Goiás. Devido,
principalmente, à proximidade com o Distrito Federal (DF), a cidade convive com grande fluxo
migratório, destacando-se a migração pendular, o que acaba gerando especulação imobiliária e, por
vezes, ocupação desordenada. Atualmente o município –– juntamente a outros do entorno do DF –
– faz parte da Região de Desenvolvimento Integrado do Distrito Federal e Entorno (RIDE).

Possuindo uma área territorial de 5.811,790 (km²), e uma densidade demográfica de 17,22
(hab/km²). Sua economia é predominantemente voltada ao setor de serviços. O Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) do ano 2010 é de 0,744, considerado de médio
desenvolvimento humano, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano do ano 2013 elaborado
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil (PNUD, 2013).
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Figura 1 - Localização de Formosa - GO em relação ao entorno do Distrito Federal.

Fonte:
Teixeira, 2005.

Número de alunos matriculados no Ensino Médio no município de Formosa – Goiás no


ano de 2014

É oportuno apresentar os dados fornecidos pela subsecretaria Regional de Educação de


Formosa referente aos alunos do Ensino Médio matriculados na rede Estadual de ensino no
primeiro semestre do ano de 2014, pois é relevante perceber o quantitativo, além por meio dele
identificar as escolas que ofertam esse nível de ensino (Figura 02).

Figura 02 – Planilha do quantitativo de alunos matriculados frequentes, fornecido pela


subsecretaria Regional de Educação - Formosa referência: 04 / 2014
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Fonte: Goiás (2014)

Observa-se que, no primeiro semestre temos um quantitativo de 1.373 alunos matriculados


na 1º série, 1.193 na 2º série e 1.225 na 3º série com um total de 3.791 matriculados na modalidade
anual, além de 16 alunos matriculados no ensino médio semestral, assim totaliza-se 3.807 de alunos
matriculados no ensino médio.

Passemos a caracterização dos colégios.

 Colégio Estadual Americano do Brasil


De acordo com o Projeto Político Pedagógico (2014) o colégio foi o primeiro Grupo
Escolar de Formosa - Goiás, surgindo através do decreto nº 4.658 de 23 de maio de 1934. Esse
grupo escolar se transformou em Escola Estadual Americano do Brasil e, atualmente, Colégio
Estadual Americano do Brasil.

O colégio se localiza no Centro da cidade de Formosa – GO, na Rua Professora Alta Vidal,
320. Esse estabelecimento de ensino funciona nos três períodos: matutino (Ensino Médio),
vespertino (Ensino Fundamental II) e noturno (Ensino Médio). Conforme observado e exposto no
Projeto Político Pedagógico, o colégio possui 07 salas de aula, 01 biblioteca, 01 sala dos professores,
01 laboratório de informática, 01 cantina, 03 banheiros, 01 sala com data show, além de secretaria e
uma sala da direção, em uma área total de 4.230,56 m².

Possui recursos audiovisuais para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem. Dentre


esses recursos se destacam: quadro-branco; filmes; álbum seriado; exposições; murais didáticos;
retroprojetor; filmadora; mapas e globos; jogos pedagógicos; livros didáticos, informativos e
literários; televisão entre outros. A quantidade de profissionais que atuam no colégio é bastante
expressiva, 46 em sua totalidade, sendo uma diretora, uma vice-diretora, uma secretária geral, uma
gerente de merenda, uma coordenadora do PDE (Plano de Desenvolvimento da Escola), três
auxiliares de serviços administrativos, quatro coordenadores pedagógicos, dez executores de
serviços gerais, um vigia e 23 professores, distribuídos nos três turnos.

 Colégio Estadual Hugo Lôbo


O atual colégio Estadual “Hugo Lôbo” até então com a denominação de Ginásio Estadual
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foi criado pelo Decreto-Lei nº 3.243, de 11 de Novembro de 1960 e inaugurado no dia 23 de março
de 1964. As suas atividades se iniciaram no prédio que passou a ser conhecido como Vietnã,
alcunha dada pelos próprios alunos, com 06 turmas, sendo 03 (três) de 1º série; 01(uma) de 2º; 01
(uma) de 3º e 01 (uma) de º série ginasial. Assim, em 1970, foi construído um anexo, que passou a
ser o prédio principal, composto de seis salas, secretaria, diretoria, sala dos professores e banheiros.
Neste mesmo ano, com a criação do curso técnico de contabilidade, passou o Ginásio Estadual a
denominar-se Colégio Estadual, o que pertence até hoje. Em 1992 foram construídas mais 06 (seis)
salas de aula; 01 (um) laboratório; 02 (dois) banheiros e 01 (uma) cantina. Em 1993 foi construída
uma biblioteca e a cantina foi ampliada. Em 1994 foi construída mais uma sala de aula. Em 2001 o
Colégio passou por uma reforma geral. Foram criados laboratórios de Ciências, de Línguas e de
Informática. Das salas duas foram transformadas em biblioteca, duas em laboratório de informática,
uma em arquivo morto e outra em laboratório de línguas. Em 2002 deixa de atuar com o ensino
fundamental, permanecendo o ensino médio nos três turnos (Projeto Político Pedagógico, 2014). O
colégio localiza-se na Avenida Valeriano de Castro nº 704, Centro da cidade.

Conforme observado e exposto no Projeto Político Pedagógico (2014), o colégio possui: 12


salas de aula; 02 banheiros para o pessoal administrativo; 04 banheiros para os alunos; 01 sala de
direção; 01 sala para secretaria; 01 sala para Biblioteca; 01 Laboratório de Informática; 01
Laboratório de Línguas; 01 Laboratório de Ciências; 02 salas para cantina; 01 depósito para móveis;
02 Almoxarifados; 01 sala para professores; 02 Quadras para esporte (descobertas). O colégio
possui ainda, material didático pedagógico, tais como: quadro-negro; televisão; filmes; notebooks;
murais didáticos; retroprojetor; filmadora; mapas históricos e globos; jogos pedagógicos; livros
informativos e literários; televisão entre outros. Nesse sentido o colégio funciona em três turnos –
matutino, vespertino e noturno – com um número de 1.058 alunos matriculados e 69 funcionários
sendo: 01 diretor; 01 Vice – diretor; 01 secretário; 01 Coordenador do Projeto Jovem do Futuro; 03
Coordenadores Pedagógicos; 40 Professores; 03 professores dinamizadores de biblioteca; 04
auxiliar administrativo; 08 Auxiliar de Serviços Gerais; 02 Guardas; 05 Merendeiras.

 Colégio Estadual Professor Domingos de Oliveira


Segundo as com as informações fornecidas pela direção do colégio, suas atividades
iniciaram em 1983 e oferta atualmente o ensino fundamental e Médio. O colégio se localiza no
bairro Jardim das Oliveiras, ao lado da estação de tratamento de água de Goiás na área urbana de
Formosa- GO.

O quadro de funcionários da escola atualmente se constitui da seguinte forma: 01 diretora;


01 vice-diretora; 01 coordenadora; 01 secretária; 03 auxiliares de secretaria; 08 auxiliares de serviços
gerais; 02 seguranças e 10 professores. A escola possui 04 salas de aula; 02 banheiros (Masculino e
Feminino); 01 sala de direção; 01 coordenação; 01 sala de professores. E recursos pedagógicos
básicos para o processo de ensino-aprendizagem.

 Colégio Estadual Professora Maria Angélica de Oliveira


O colégio foi inaugurado no dia 10 de maio de 1964, porém houve uma reinauguração para
a entrega de um prédio com novas estruturas em 1999. O colégio está localizado na Avenida
Circular Nº 20, Setor Bosque na zona urbana da cidade de Formosa.

No que se refere a sua estrutura física, o colégio possui: 06 salas de aula, 04 banheiros,
sendo 02 para alunos com necessidades especiais; 01 laboratório de informática, 01 sala para os
professores, 01 quadra esportiva descoberta, 01 pátio e 01 biblioteca que funciona nos períodos
matutino e vespertino.
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Possui vários recursos pedagógicos tais como: televisão, retroprojetores, copiadora, DVD,
um datashow, aparelho de som. O atual quadro de funcionários do colégio é composto por 19
professores e 15 funcionários administrativos, isto é, limpeza, secretaria, vigias e merendeiras.

 Colégio Estadual Doutor José Balduíno de Souza Décio


O colégio foi fundado no ano de 1947 e em 1996, passou de grupo escolar para
estabelecimento de ensino por ministrar o ensino fundamental. Em 1998 recebeu o título de
Colégio Estadual e implementou o ensino médio não profissionalizante. Está localizado na Rua
Waldemir de Miranda nº 480 no centro de Formosa.

De acordo com a direção a instituição atende aproximadamente 480 alunos. Possui 05 salas
de aula; 01 sala de professores; 01 cantina; 01 laboratório de informática; 02 banheiros; 02
banheiros para alunos especiais; 01 banheiro para professores; 01 quadra de esportes; pátio. No que
se refere aos recursos pedagógicos encontra-se: 01 televisão; 04 copiadoras; 04 datashow; 01
aparelhos de som; 01 retroprojetor; mapas; globos entre outros. Já no que tange ao quadro de
profissionais que atuam na escola são: 37 funcionários entre a gestão, coordenadores, auxiliares de
secretaria; serviços gerais; guardas e professores.

 Colégio Estadual Professor Sérgio Fayad Generoso


O colégio foi fundado no ano de 1994, com 18 salas de aula atuando no ensino
fundamental I e II e ensino médio. O colégio se localiza na Avenida Maestro João Luiz do Espírito
Santo, S/N, no bairro Formosinha na cidade de Formosa. Atualmente, o colégio aderiu por meio
da Lei 17.920 que institui os Centros de Ensino em Período Integral – CEPI -, no âmbito da
Secretaria de Estado da Educação.

A escola se apresenta com uma boa estrutura física e organizacional. Possuindo 18 salas de
aula; 05 sanitários; 01 direção; 01 secretaria; 01 sala de professores; 01 cantina; 01 biblioteca; 01
laboratório de ciências; 01 sala de informática; 01 laboratório de Matemática; 01 secretaria; 01 sala
para a rádio escola; 01 quadra de esporte; 01 almoxarifado.

Atualmente possui um quantitativo de 52 servidores, distribuídas entre secretaria, copeiras;


coordenadores; direção; auxiliares de serviços gerais e 22 professores.

 Colégio Estadual Helena Nasser


O colégio segundo a direção foi fundado no ano de1990 como rede municipal e a partir de
1996 passou a ser estadual funcionando apenas com o ensino médio, em 2013 passou a integrar o
ensino fundamental para suprir as necessidades das comunidades. O colégio Estadual Helena
Nasser está situado na Rua 18 quadra 59 lote 01 do Jardim bela Vista, em Formosa Goiás.

O colégio atende segundo a direção 333 alunos, com uma média de 25 a 30 alunos por sala
com a faixa etária de 09 a 25 anos de idade. Funciona em uma casa adaptada temporariamente para
as necessidades dos alunos, pois não possui prédio próprio. Nesse sentido, possui: 05 salas de aula;
01 sala de secretaria/direção; 01 sala de professores/coordenação; 01 pequena cantina; 02
banheiros; 01 bebedouro elétrico. É importante destacar que, o colégio não possui pátio, quadra de
esportes, biblioteca e laboratório de informática.

O colégio conta com: 21 professores; 03 coordenadores; 09 funcionários administrativos


(merendeiras equipe de limpeza e guardas); 03 funcionários do grupo gestor (diretor, vice-diretor e
secretário).
 Colégio Estadual Distrito Santa Rosa
O Colégio foi construído em 1971 e teve sua unidade cedida pelo município para o estado
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desde a década de 1990, mas um futuro colégio já está sendo construído em um espaço próprio e
promete ser um colégio modelo no município de Formosa.

O colégio está a 70 km de distância da sede do município e se localiza na Praça Virgílio


Alves Ferreira nº10 Centro, Distrito Santa Rosa. O mesmo atende em grande parte a população
do distrito e uma parte significativa dos alunos atendidos é do meio rural. Possui 280 alunos
matriculados, sendo que 120 desses são do meio rural. O Colégio possui 05 salas de aula; 01
biblioteca; 02 banheiros; 01 cantina; 01 sala de coordenação; 01 laboratório de informática. O
Colégio encontra-se em ótimo estado de conservação, pois recentemente a população se
mobilizou para cobrar dos governantes a reforma das salas, pois a mesma encontrava-se em
condições impróprias para o uso. O quadro de funcionários é composto por 11 professores, 02
vigias, 01 secretária, 02 coordenadores, 05 servidores, 01 gerente de merenda, 01 auxiliar
administrativo, 04 monitores do projeto mais educação.

 Colégio Estadual Vale da Esperança


O colégio se localizada no Assentamento Vale da Esperança no meio rural do município de
Formosa aproximadamente 70 km de sua sede. A escola atende quatro assentamentos (Vale da
Esperança, Florinda, Água Viva e Brejão), além de fazendas vizinhas. A trajetória educacional dos
assentados inicia-se em 1997 quando ainda estavam no acampamento Vale da Esperança com
turmas de 1ª a 4ª série em uma antiga casa que possuía duas salas de aula e uma cantina, atendendo
as crianças, filhos dos moradores do acampamento. Em 2004 a subsecretaria de educação de
Formosa criou o Colégio Estadual Vale da Esperança, atendendo uma das reivindicações dos
trabalhadores assentados.

Atualmente o colégio é composto por 06 salas de aula; 02 banheiros (masculino e


feminino); 01 banheiro especial; 01 laboratório de informática; 01 cantina; 03 áreas de circulação; 01
estufa, 01 barracão e 01 quadra de esportes. Importante destacar que a escola foi reformada em
julho de 2012. Na sua organização administrativa e organizacional se encontra da seguinte maneira:
01 diretor; 01 secretário; 01 auxiliar de secretaria; 02 coordenadores pedagógicos; 09 professores; 04
auxiliares de serviços gerais; 01 supervisora de merenda e 02 vigias. O colégio se encontra em bom
estado de conservação e atendendo as séries finais do ensino fundamental e ensino médio.

 Colégio Estadual Arthur Ribeiro Magalhães Filho


Segundo o Projeto Político Pedagógico (2014) o colégio foi fundado no ano de 1992,
pelo decreto nº. 470 de 16 de dezembro de 1992. Onde iniciou suas instalações em um prédio
disponibilizado pela Secretaria Municipal de Educação, sendo que até os dias atuais continua
funcionando no mesmo local. O Colégio Estadual Arthur Ribeiro de Magalhães Filho é o único
colégio do Distrito que oferece o ensino médio. O Colégio está localizado na Rua do Campo s/n
- Distrito do JK - Formosa-GO.

São compostos de 09 salas de aula; 01 secretaria; 01 sala de professores; 01 Depósito; 01


laboratório; 01 cantina; 02 depósitos de merenda, 08 banheiros masculino, 02 banheiros
administrativo, 01 área de circulação, 01 área coberta, 01 pátio, 01 piscina, 01 quadra de esportes
coberta, possuindo várias áreas verdes e não possui biblioteca. No que se refere à estrutura
organizacional do colégio possui 18 funcionários: 01 direção; 01 secretária; 01 coordenador
Geral; 01 auxiliar administrativo; 01 gerente de merenda; 02 merendeiras; 02 auxiliar de serviços
gerais; 02 guardas; 07 professores;

 Colégio Estadual Professora Sueli Maria Nichetti


De acordo com a direção do Colégio Estadual Professora Sueli Maria Nichetti o mesmo
remonta a década de 30, o colégio era conhecido como Escola Republicana Getúlio Dornelles
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Vargas, situada na fazenda Pindaíbas. A mesma foi desativada devido à baixa quantidade de
alunos. Assim, a professora da unidade foi transferida para a fazenda Mandiocal, localizada
distante de sua residência. Passado alguns anos a escola foi transferida mais uma vez, dessa vez
para a fazenda Lagoa Dom Prudêncio, porém ainda continuava muito distante para a professora
e os alunos que moravam em fazendas da região, mas uma vez, a distância foi um fator
preponderante para a redução do número de alunos. Contudo, somente na década de 60 a escola
foi transferida para o Distrito do Bezerra. Em 1962 foi inaugurada a Escola Reunida Professor
Ribeiro, que posteriormente, passou a se chamar Escola Povoado do Bezerra. O prédio tinha
apenas duas salas de aulas e não possuía cantina e diretoria. Atualmente o colégio está localizado
na Rua principal S/N no Distrito do Bezerra no município de Formosa.

O colégio possui 07 salas de aulas; 03 banheiros 01biblioteca; 01 cantina, 01 quadra


esportiva; 01 sala de professores. O quadro de funcionários é composto por 17 professores; 18
funcionários administrativos e serviços gerais. Funciona nos três períodos, matutino (com
fundamental e médio), vespertino (apenas com fundamental) e noturno (somente com ensino
médio). Possui também recursos audiovisuais, tais como, aparelho de DVD, Retroprojetor;
televisão; computadores.

Considerações finais

É sabido que as estruturas físicas e organizacionais das unidades escolares favorecem o


processo de ensino-aprendizagem. Assim, esse trabalho teve a preocupação em destacar como se
encontram as estruturas físicas e organizacionais dos colégios que ofertam o ensino médio em
Formosa-GO. Não podemos deixar de mencionar que as unidades escolares localizadas nas
periferias da cidade se encontram mais sucateadas em detrimento as unidades escolares mais
centralizadas. Espera-se que esse artigo possa ser utilizado pelos acadêmicos, em especial, da
Universidade Estadual de Goiás - Câmpus Formosa e, assim, contribuir com as escolhas das
unidades escolares que irão realizar o estágio supervisionado.

Referências
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de
1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996.
BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento. Plano
Diretor do Município de Formosa - GO. (2003). 188 p.
Disponívelem:<www.integracao.gov.br/.../download.asp?.../planos_diretores/Plano _Formosa>.
Acesso em: 10 dez. 2014.
GOIÁS. Secretaria de Educação – SEDUC. Sistema de Informações Gerenciais – IGE. Goiânia:
SEDUC – GO, 2014.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANISIO
TEIXEIRA. Indicadores educacionais. Disponível em:
<http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais>. Acesso em: 21 nov. 2014.
MONTI, Estevão Ribeiro. As veredas do grande sertão-Brasília. Ocupação, Urbanização e
Resistência Cultural. Tese de Doutorado Brasília – D.F., maio/2007. 308 p.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD (2013).
Ranking IDHM Municípios 2010. Disponível em:
<http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDHM-Municipios-2010.aspx>. Acesso em: 13
dez. 2014.

Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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AS MARCAS DOCENTES NA FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Hugo Norberto Krug30


Cassiano Telles31
Rodrigo de Rosso Krug32
Victor Julierme Santos da Conceição33

Resumo
Este estudo objetivou analisar as percepções de acadêmicos de um curso de Licenciatura em
Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre suas marcas docentes
positivas e negativas. Caracterizamos a pesquisa como qualitativa descritiva do tipo estudo de caso.
O instrumento de pesquisa foi um questionário. A interpretação das informações foi pela análise de
conteúdo. Participaram 20 acadêmicos do 8º semestre do referido curso. Constatamos cinco marcas
positivas e duas negativas. Concluímos que o curso estudado foi gerador de marcas positivas e
negativas, estando relacionadas direta ou indiretamente ao currículo do curso e aos professores
formadores.
Palavras-chave: Educação Física. Formação de Professores. Formação Inicial. Marcas Docentes.

The marks teaching in initial formation in physical education

Abstract
This study aimed to analyze the perceptions of academic of a course in Bachelor's Degree in
Physical Education from a public university in southern Brazil about their teaching marks positive
and negative. We characterized the research with qualitative descriptive of type case study. The
instrument of research was a questionnaire. The interpretation of information was by content
analysis. Participated 20 academic in 8th semester of that course. We found five marks positive and
two negative. We conclude that the course studied was generator of marks positive and negative,
being related directly or indirectly to the course curriculum and the teacher educators.
Keywords: Physical Education. Teacher Formation. Initial Formation. Marks Teaching.

Considerações iniciais

Para Sarmento e Fossati (2011), em dias recentes, discussões são pertinentes sobre o ser
professor, enfocando os processos formativos, fazendo-se um recorte no preparo do futuro
professor para a complexidade da docência. Nesse sentido, a escuta e a problematização das
percepções de futuros professores sobre a docência são fundamentais, pois podem apontar
questões importantes para a formação inicial.

Logo, torna-se importante efetuarmos estudos que tratem destas questões, pois, conforme
Krug et al. (2013) deve-se voltar olhares para a formação inicial em Educação Física como campo
de investigação tendo em vista que todos os cursos de Graduação em Educação Física do país

30 Doutor em Educação; Doutor em Ciência do Movimento Humano; Universidade Federal de Santa Maria;
hnkrug@bol.com.br.
2 Mestre em Educação Física; Universidade Federal de Santa Maria; telleshz@yahoo.com.br .
3 Doutorando em Ciências Médicas; Universidade Federal de Santa Catarina; rodkrug@bol.com.br.
4 Doutor em Ciências do Movimento Humano; Universidade do Extremo Sul Catarinense;

victorjulierme@yahoo.com.br.
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sofreram modificações curriculares a partir da criação das Diretrizes Curriculares Nacionais Para o
Curso de Graduação em Educação Física.

E, neste contexto, emergiu o tema ‘marcas docentes na formação inicial em Educação


Física’, pois, segundo Cavalheiro (2014), as marcas docentes matizam o que resulta do tempo vivo
na memória, abstraído na interação com os formadores durante a formação inicial, mescladas às
tecidas no tempo atual.

Ferri (2010) define como ‘marcas’ aqueles fatos que ficam na memória espontânea e que
trazem somente recordações positivas. Em contraposição, Cavalheiro (2014) afirma que as marcas
também são aquelas que provocam algum tipo de frustração ou desencanto com a formação
vivenciada que, de alguma forma, contribuem para o corte com a docência. Já Cunha (2010) diz que
ao longo do processo formativo entrelaçam-se pontos de encontros e desencontros, fatos que
marcam (positiva ou negativamente) e que se encontram na subjetividade das pessoas.

Assim, embasando-nos nestas premissas descritas formulamos a questão norteadora do


estudo: quais são as percepções de acadêmicos de um curso de Licenciatura em Educação Física de
uma universidade pública da região sul do Brasil sobre as suas marcas docentes? A partir desta
indagação delineamos o objetivo geral do estudo como sendo: analisar as percepções de acadêmicos
de um curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do
Brasil sobre as suas marcas docentes positivas e negativas. Para facilitar o atingimento do objetivo
geral o dividimos em dois objetivos específicos: 1) Analisar as percepções de acadêmicos de um
curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre
as suas marcas docentes positivas; e, 2) Analisar as percepções de acadêmicos de um curso de
Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre as suas
marcas docentes negativas.

Justificamos a realização do estudo acreditando que pesquisas desta natureza oferecem


subsídios para reflexões que podem possibilitar modificações no contexto da formação inicial de
professores de Educação Física, bem como uma melhoria da qualidade desses profissionais na
atuação docente na escola.

Procedimentos metodológicos

Esta investigação caracterizou-se por ser uma pesquisa qualitativa descritiva na forma de
estudo de caso. Para Triviños (1987) a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de informações
descritivas sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto dos pesquisadores com
a situação estudada procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos
participantes da situação de estudo. Conforme Gil (1999) o estudo de caso se fundamenta na ideia
de que a análise de uma unidade de determinado universo possibilita a compreensão da
generalidade do mesmo ou, pelo menos, o estabelecimento de bases para uma pesquisa posterior,
mais precisa.

Utilizamos um questionário para coletar as informações. Para Triviños (1987), mesmo o


questionário sendo de emprego usual no trabalho positivista, também o podemos utilizar na
pesquisa qualitativa. A interpretação das informações coletadas pelo questionário foi realizada por
meio da análise de conteúdo que, para Bardin (1977), tem três etapas: a pré-análise; a exploração do
material; e, o tratamento dos resultados.

Participaram do estudo vinte acadêmicos do 8º semestre de um curso de Licenciatura em


Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil. Consideramos que os
acadêmicos no final do curso teriam mais pertinência para opinar sobre as questões do estudo. A
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escolha dos participantes aconteceu de forma espontânea, sendo a disponibilidade o fator


determinante. Quanto aos aspectos éticos vinculados às pesquisas científicas, destacamos que todos
os envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e as suas identidades
foram preservadas.

Resultados e discussões

Os resultados e as discussões deste estudo foram orientados e explicitados pelos seus


objetivos específicos, pois esses representaram as categorias de análise. Essa decisão está em
consonância com o que afirmam Minayo; Delardes e Gomes (2007) de que as categorias de análise
podem ser geradas previamente à pesquisa de campo. Assim a seguir, apresentamos o que
expuseram os futuros professores de Educação Física sobre as suas marcas docentes durante a
formação inicial.

As marcas docentes positivas

Nesta categoria de análise, achamos importante mencionar Luft (2000) que coloca que
positivo é algo que tende a auxiliar para a melhoria de alguma coisa. Assim, para este estudo,
consideramos positiva a marca docente apontada pelos acadêmicos estudados que tenderam para
auxiliar em uma melhoria do desempenho docente na Educação Física Escolar durante o curso de
Licenciatura em Educação Física. Nesse sentido, emergiram ‘cinco unidades de significados’ descritas na
seqüência a seguir.

‘A participação nos Estágios Curriculares Supervisionados’ (dezessete citações) foi a primeira e


principal unidade de significado manifestada. Sobre essa unidade citamos Bernardi et al. (2008) que
dizem que os cursos de Licenciatura precisam propiciar aos acadêmicos experiências que os
coloquem frente ao contexto profissional futuro. São situações em que este resgata as suas
experiências com o curso, adquiridas por meio das diferentes disciplinas oferecidas, para embasar e
oferecer subsídios para a sua atuação como professor. E, entre as disciplinas que constam do
currículo, destaca-se o Estágio Curricular Supervisionado (ECS) por sua relevância na formação do
futuro professor, visto que esse propicia ao acadêmico um contato com a realidade escolar. Assim,
na vivência de situações concretas da docência, o ECS contribui na organização de como ensinar,
bem como no desenvolvimento de um processo de reflexão crítica sobre a docência. Dessa
maneira, Pimenta e Lima (2004) colocam que o ECS poderá ser um espaço de convergência das
experiências pedagógicas vivenciadas no decorrer do curso, como também uma possibilidade de
aprendizagem da profissão docente, mediada pelas relações sociais historicamente situadas.

‘A participação em grupos de estudos e pesquisas’ (dez citações) foi a segunda unidade de


significado manifestada. A respeito dessa unidade citamos Souza (2008) que diz que a participação
de alunos da graduação em grupos de estudos e pesquisas é muito relevante para a formação desse
futuro professor na medida em que o mesmo percebe as possibilidades que esse espaço poderá lhe
oferecer. Ilha; Marques e Krug (2010) destacam que os integrantes de grupos de estudos e pesquisas
ao se reunirem num contexto de discussão, estudo, reflexão e pesquisa, podem vir a
compreenderem melhor os saberes docentes, aprofundarem o seu entendimento e, ainda
mobilizarem a sua articulação através da prática docente ou mesmo construírem alguns saberes
vividos e percebidos posteriormente, ao se inserirem no campo de trabalho. Assim, esses grupos
podem promover o desenvolvimento profissional de professores de Educação Física através da
conscientização, mobilização e (re)construção dos saberes docentes.

Outra unidade de significado manifestada, a terceira, foi ‘a participação em projetos de pesquisa,


ensino e extensão’ (sete citações). Quanto a essa unidade apontamos Maschio et al. (2009) que dizem
que os projetos de pesquisa, ensino e extensão surgem como uma possibilidade de aproximação da
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realidade escolar na formação inicial de professores, oportunizando experiências variadas e


significativas em relação à profissão escolhida. Destacam que compreendem a participação em
projetos de pesquisa, ensino e extensão como um componente essencial dos cursos de formação
inicial e do desenvolvimento dos professores, uma vez que, por meio dessa participação, é possível
conhecer novas possibilidades de ensinar e aprender a profissão docente.

A quarta unidade de significado manifestada foi ‘o convívio com bons professores formadores’ (cinco
citações). Relativamente a essa unidade nos reportamos a Souza; Tabanez e Silva (1998) que dizem
que durante sua formação os alunos se deparam com diversos modelos de ‘bons professores’. E,
nesse sentido, Pereira e Garcia (1996) afirmam que o conceito de ‘bom professor’, além de associar-
se à categoria de professor, deve estar ligado a uma situação histórica dada, com implicações
sociológicas, culturais e políticas, manifestadas na sua forma de ser, como pessoa e como
profissional. O conceito de ‘bom’, também como categoria filosófica, é motivo de estudo desde o
tempo dos sofistas gregos. O ‘bom’ está interrelacionado com o ‘bem’ e incorre em valor. O
conceito de ‘bom’ também possui diversos viézes, ligados da Psicologia à Sociologia, mas para o
senso comum, no qual se apóiam os valores dos alunos, o ‘bom’ corresponde ao correto, ao
eficiente, à satisfação, ao apropriado. Assim, a qualidade de ‘ser bom’, implica numa série de fatores
que estão ligados à competência, à proficiência, à habilidade, etc. Aquele que é considerado ‘bom’,
relaciona-se à sua capacidade docente, com natureza e função educativa. Ser bom relaciona-se à
questão de negar o mau, o deficiente, o incompetente, etc.

A quinta e última unidade de significado foi ‘a participação em cursos de atualização profissional’


(duas citações). Essa unidade pode ser apoiada em Marques (1992) que afirma que a formação
acadêmica deve despertar o futuro profissional para o enriquecimento pessoal constante, da sempre
atualização, da busca de soluções, sendo assim, um eterno estudioso. Nóvoa (1992) diz que a
formação não se constrói por acumulação de curso, de conhecimentos ou de técnicas, mas sim
através de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas e de reconstrução permanente da
identidade pessoal.

Ao fazermos uma análise geral sobre a percepção dos acadêmicos estudados constatamos
que a quase totalidade (quatro do total de cinco) das marcas docentes positivas estão diretamente
(uma) ou indiretamente (três) ‘ligadas ao currículo do curso’. ‘A participação nos Estágios Curriculares
Supervisionados’ (dezessete citações) foi a marca docente positiva diretamente ligada ao currículo do
curso, pois o estágio é uma das principais disciplinas obrigatórias do mesmo. As marcas
indiretamente ligadas ao currículo do curso, pois estas são atividades extracurriculares, não
obrigatórias, mas complementares, foram: ‘a participação em grupos de estudos e pesquisas’ (dez citações);
‘a participação em projetos de pesquisa, ensino e extensão’ (sete citações); e, ‘a participação em cursos de
atualização profissional’ (duas citações). Constatamos ainda que apenas uma (do total de cinco) marca
docente positiva foi ‘ligada aos professores formadores’, sendo ‘o convívio com bons professores formadores’ (cinco
citações). Vale ainda destacar que as cinco marcas docentes positivas tiveram no total quarenta e uma
citações, sendo trinta e seis ‘ligadas diretamente (dezessete) e/ou indiretamente (dezenove) ao currículo do curso’ e
somente cinco ‘ligadas aos professores formadores’. E, a partir destas constatações inferimos que o
currículo do curso e os seus professores formadores são um importante componente para uma
formação de qualidade, pois podem proporcionar marcas docentes positivas nos futuros
professores. Nesse sentido, citamos Krug et al. (2013) que apontam para uma compreensão mais
ampla de currículo, que ultrapasse a grade curricular, os seus conteúdos e as suas atividades de
ensino, sendo todo o complexo conjunto que envolve a dinâmica educativa, podendo ser
obrigatória ou não para a habilitação profissional.
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Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264
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As marcas docentes negativas

Nesta categoria de análise, achamos necessário citar Luft (2000) que diz que negativo é algo
que contém ou exprime recusa, é contraproducente. Assim, para este estudo, consideramos negativa
a marca docente apontada pelos acadêmicos estudados que tendeu para tornar contraproducente o
desempenho docente na Educação Física Escolar durante o curso de Licenciatura em Educação
Física. Nesse sentido, emergiram ‘duas unidades de significados’, as quais foram elencadas a seguir.

‘O convívio com maus professores formadores’ (dezesseis citações) foi a primeira unidade de
significado ressaltada. Sobre essa unidade mencionamos Odorcick et al. (2001), que dizem que é
difícil fracionar a imagem do ‘mau professor’, pois, na visão dos alunos, vários aspectos se
entrelaçam, mas em seu estudo os acadêmicos da Licenciatura em Educação Física (universidade
pública) apontaram como principais características o ‘desinteresse’, a ‘didática ruim’, a
‘irresponsabilidade’ e a ‘arrogância’. Já Krug et al. (2013) no estudo intitulado “Avaliando a
formação inicial: a percepção de acadêmicos de um curso de Licenciatura em Educação Física”
constataram que os maus professores formadores foi o principal aspecto negativo do mesmo.

A segunda e última unidade de significado ressaltada foi ‘a pouca relação entre teoria e prática nas
disciplinas do curso’ (seis citações). Em se tratando dessa unidade citamos Shigunov; Dornelles e
Nascimento (2002) que destacam que o relacionamento entre teoria e prática se constitui em um
problema básico na formação de professores. De acordo com Pimenta e Lima (2004), este
problema é um desafio que somente poderá se dissipar com o entendimento de que todas as
disciplinas são “teóricas” e também “práticas”, diferente do que geralmente é visto quando o
estágio é entendido como a parte prática e as demais disciplinas como a teórica, pois todas as
disciplinas devem contribuir para a finalidade de formar professores a partir da análise, da crítica e
da proposição de novas maneiras de fazer educação. A pouca relação entre teoria e prática também
foi um dos aspectos negativos na avaliação da formação inicial na percepção de acadêmicos de
Educação Física em estudo realizado por Krug et al. (2013).

Ao efetuarmos uma análise geral sobre a percepção dos acadêmicos estudados constatamos
que a metade (uma de duas) das marcas docentes negativas foi ‘ligada aos professores formadores’, sendo ‘o
convívio com maus professores formadores’ (dezesseis citações). A outra metade (uma de duas) das marcas
docentes negativas foi ‘ligada ao currículo do curso’, sendo ‘a falta de relação entre teoria e prática’ (seis
citações). Vale destacar que as duas marcas docentes negativas tiveram no total vinte e duas citações.
E, a partir destas constatações inferimos que o currículo do curso e os seus professores formadores
podem ser importante componente para uma deficiente formação profissional, pois podem
proporcionar marcas docentes negativas nos futuros profissionais. Nesse sentido, mencionamos
Leone e Leite (2011) os quais salientam que é preciso atender suficiente e explicitamente a
formação inicial para que esta possa preparar adequadamente o futuro professor para o seu ingresso
no trabalho docente.

Considerações transitórias

Pela análise das informações obtidas temos a destacar o seguinte: a) Quanto às marcas
docentes positivas constatamos que os acadêmicos estudados apontaram ‘cinco unidades de significados’:
1) ‘A participação nos Estágios Curriculares Supervisionados’; 2) ‘A participação em grupos de estudos e pesquisas’;
3) ‘A participação em projetos de pesquisa, ensino e extensão’; 4) ‘O convívio com bons professores formadores’; e, 5)
‘A participação em cursos de atualização profissional’. Esse rol de marcas docentes positivas aponta para:
1º) Quatro marcas (1; 2; 3 e 5) que possuíram ‘ligação direta e/ou indiretamente com o currículo do curso’; e,
2º) Uma marca (4) que teve ‘ligação com os professores formadores’; e, b) Quanto às marcas docentes
negativas constatamos que os acadêmicos estudados apontaram ‘duas unidades de significados’: 1) ‘O
convívio com maus professores formadores’; e, 2) ‘A pouca relação entre teoria e prática nas disciplinas do curso’.
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Esse rol de marcas docentes negativas aponta para: 1º) Uma marca (1) que teve possuíram ‘ligação
com os professores formadores’; e, 2º) Uma marca (2) que teve ‘ligação direta e/ou indiretamente com o currículo
do curso’.

A partir destas constatações concluímos que o curso de Licenciatura em Educação Física


na percepção dos acadêmicos estudados foi gerador de marcas docentes tanto positivas quanto
negativas. Esse fato está em consonância com o destacado por Cavalheiro (2014) de que o processo
formativo é gerador de marcas e estas tomam forma e relevo, a partir das ações, reações e
interações dos acadêmicos com as atividades de ensino, bem como com os formadores durante o
curso. Ainda para corroborar com os achados deste estudo citamos Zabalza (2004) que coloca que
a aprendizagem profissional da docência está relacionada às experiências vividas pelos acadêmicos e
como eles as organizam, pois, por meio delas, eles se constroem como sujeitos, a partir da trajetória
pessoal, escolar, acadêmica, da inserção na cultura; compõem o mundo; entrecruzam-se com as
vivências e experiências que vão construindo o mundo da vida e a identidade do futuro profissional.

Também concluímos pela existência de marcas docentes positivas em maior quantidade


(cinco unidades de significados com um total de quarenta e uma citações) do que as marcas docentes
negativas (duas unidades de significados com um total de vinte e duas citações). E, nesse sentido,
destacamos uma maior possibilidade de uma formação de qualidade dos acadêmicos estudados. Em
síntese, o curso de formação inicial deixou marcas nos acadêmicos estudados, tanto positivas
quanto negativas, na busca formativa para o vir-a-ser docente de Educação Física.

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Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015
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ENSINO DE GRAMÁTICA E ANÁLISE LINGUÍSTICA NA ESCOLA: UMA BREVE


CONSIDERAÇÃO TEÓRICA

Ionara Miranda da Cunha34


Bruno Gomes Pereira35

Resumo
Apresentamos algumas reflexões sobre as diferenças entre ensino de gramática e análise linguística.
Tomamos como ponto de partida as diferentes concepções de língua consideradas por ambas.
Fizemos uma pesquisa bibliográfica, mobilizando alguns teóricos da Linguística Textual que
entendem o texto como forte aliado para um ensino ressignificador das habilidades de leitura,
interpretação e produção de textos. Os autores que utilizamos reconhecem os avanços que a escola
básica tem apresentado no ensino de língua materna, mas acreditam que é preciso avançar mais.
Um ensino voltado à prática de análise linguística pode ser uma pertinente possibilidade para um
ensino mais reflexivo.
Palavras-Chaves: Gramática; Análise Linguística; Língua.

Resumen: Presentamos algunas reflexiones sobre las diferencias entre enseñanza de la gramática y
el análisis lingüística. Tomamos como punto de partida una de las diferentes concepciones de la
lengua considerada por ambos. Hicimos una búsqueda en la literatura, la movilización de algunos
teóricos del Lingüística Textual que entienden el texto como fuerte aliado para una enseñanza
ressignificadora de las habilidades de lectura , interpretación y producción de textos. Los autores
reconocen los avances que la escuela básica ha presentado la enseñanza en lengua materna, pero
creen que hay que ir más allá. Una educación orientada a la práctica de análisis lingüística puede ser
una posibilidad relevante para una enseñanza más reflexiva .
Palabras clave: Gramática ; Análisis Lingüística; Lengua.

Introdução

Não é de agora que as discussões sobre a língua se fazem mais vívidas não só no aspecto
escolar, mas também (e principalmente) quando se entende a linguagem como ferramenta de
interação social, ou seja, é na escola que os falantes teorizam e problematizam o uso da língua já
presente em outros contextos de uso.

De acordo com o paradigma tradicional de ensino, para se compreender a língua, de fato,


era preciso um regimento quase que dogmático segundo a gramática teórica, que, por muitas vezes,
delimitava as concepções de uso da linguagem e consequentemente o processo de leitura e escrita.
Claro que tal metodologia não deve ser encarada com total descaso, tanto que buscamos
argumentar sobre um consenso metodológico eficaz capaz de atender as principais particularidades
no conceito de língua que se tem em ambas as abordagens.

Seguindo uma análise mais voltada para o campo linguístico, este trabalho embasa-se por
meio das leituras de autores que discutem a importância da análise linguística na rotina escolar ao
sugerir práticas de ensino com a mesma. Nessa linha de estudos, temos Antunes (2003; 2007) e

34 Graduanda em Licenciatura em Letras (Língua Portuguesa) pela Universidade Federal do Tocantins (UFT),
campus universitário de Araguaína.
35 Doutorando em Ensino de Língua e Literatura (Estudos Linguísticos) pela Universidade Federal do

Tocantins (UFT). Bolsista CAPES. E-mail: brunogomespereira_30@hotmail.com.


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Silva (2009; 2011; 2012). Assim, adentramos num espaço que passa por um período de
aprimoramento diante das complexidades vivenciadas ainda na escola.
Acreditamos que estes estudos promovam uma discussão mais ampla dentro do cenário
educacional e que possibilitem também uma compreensão crítica e reflexiva sobre o ensino de
língua. É a partir daqui que surgirão novos norteamentos para que essas práticas em sala de aula,
especialmente nas aulas de língua materna, possam promover ressignificações nas esferas de leitura,
interpretação e produção de textos.

Além dessa Introdução, das Considerações Finais e das Referências, esse artigo é constituído pelas
seguintes seções: O Ensino de Gramática na Escola; Língua e Ensino: Desdobramentos na Sala de Aula e O
ensino e a aprendizagem a partir da análise linguística.

O Ensino de Gramática na Escola

É possível percebermos algumas práticas pedagógicas que apresentam uma postura


inadequada a respeito do ensino de gramática, este sob um viés único e doutrinador. Exemplo disso
é o posicionamento de alguns professores de língua materna ao optarem pela perspectiva da
gramática normativa em suas aulas, isto é, a uma restrição tradicionalista da gramática ao ponto de
prevalecer questões ligadas às regras e nomenclaturas, em detrimento de um ensino voltado ao
desenvolvimento das habilidades dos alunos da escola básica (cf. BRASIL, 1997).

Neste caso, é interessante observar que esta realidade, muito presente no contexto da
educação básica, corresponde a uma série de implicaturas na atual conjuntura do ensino escolar,
pautada no “domínio do normativo, no qual define o certo, o como deve ser da língua e, por
oposição, aponta o errado, o como não dever ser dito” (ANTUNES, 2007, p. 30).

Ainda conforme Antunes, “à medida que se avança em anos, se avança também na


discriminação das diversas subdivisões de cada classe, com pormenores que chegam a confundir
mais do que esclarecer”. (ANTUNES, 2007, p. 69). Talvez por este motivo ainda exista certa
discrepância quando associamos determinada regra gramatical a sua nomenclatura, principalmente
quando tais terminologias adentram no circuito escolar de ensino de língua. Logo, parece-nos que
um ensino gramatical que se esgota em si não abarca explicações suficientes para os
questionamentos travados por ele mesmo.

O que vem à tona nessas discussões é se os usos destas nomenclaturas gramaticais


permitirão, de fato, um ensino eficaz e compreensivo da língua frente à atual demanda de uma
escola emergente. Portanto, “falta à maioria das pessoas leigas em questões linguísticas a clareza
para discernir entre o que são regras de gramática e o que são apenas elementos de terminologia
gramatical, isto é, rótulos, nomes das unidades da gramática” (ANTUNES, 2007, p. 70).

Nesse sentido, Mendonça endossa que:

Ensinar gramática, nessa concepção, é ensinar língua, que, por sinal, é ensinar norma
culta, o que significa ensinar a desprezar outras variedades – não só por ignorá-las, mas
por considerá-las inferiores. A gramática aí tem um caráter prescritivo e discriminatório:
para a gramática normativa, é errado todo uso da linguagem que esteja fora dos padrões
linguísticos estabelecidos como ideais. (MENDONÇA, 2009, p. 233).

Claro que há ressalvas que permitem uma discussão mais próxima do estudo da língua
com a complexidade do processo pedagógico, de maneira a oferecer resultados mais significativos,
exigidos pela realidade em que nos encontramos. Além disso, “parece, portanto, não faltar ao
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professor o respaldo das instâncias superiores, que assumiram o discurso de novas concepções
teóricas, de onde podem emergir novos programas e novas práticas” (ANTUNES, 2003, p. 23).

É neste tocante que Silva (2011) embasa seus estudos por meio da análise dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), questionando a perspectiva da gramática no processo de ensino e
aprendizagem de língua materna. Neste sentido, Silva diz que “atualmente no Brasil; ao abrirmos
qualquer livro ou diretriz curricular, com propostas ou sugestões sobre ensino de língua materna,
observamos um discurso de oposição a uma prática pedagógica tradicional” (SILVA, 2009, p. 143).

Em suma, concordamos com Mendonça (2009) no sentido de que não podemos ignorar o
esforço que a escola básica tem apresentado a respeito do ensino de gramática nas aulas de língua
materna. Mesmo prevalecendo ainda um ensino gramatical voltado às nomenclaturas sem muita
articulação com o sentido do texto, felizmente as aulas de Língua Portuguesa têm apresentado
indícios de que tais normatizações tendem a mudar, rompendo com os paradigmas que até então
estimulavam certos preconceitos dentro e fora da sala de aula.

Língua e Ensino: Desdobramentos na Sala de Aula

As perspectivas contemporâneas dos estudos interdisciplinares no ensino de língua


apresentam suas primeiras mudanças nos desdobramentos da prática escolar. Neste caso, os
estudos científicos têm se aproximado do contexto presente da sala de aula para que estas
transformações possibilitem uma aprendizagem mais satisfatória, respondendo às demandas e
particularidades culturais dos sujeitos envolvidos no processo. Nesse sentido, Antunes (2007)
argumenta que:

a língua flui; e ninguém pode deter o seu curso. Isso significa, contudo, que esse curso
desça à deriva, sem que nada possa controlar seu fluxo. Já vimos que a própria condição
das línguas, de serem marca da identidade cultural de grupos, funciona como força
estabilizadora que regula e controla as variações (ANTUNES, 2007, p. 75).

Outro fator determinante nesse conceito é que as “línguas têm, em seu comando, pessoas,
seres atuantes, ativos, capazes de administrar entre possíveis opções, aquela que mais se ajusta à
situação” (ANTUNES, 2003, p. 77). Neste caso, a preocupação dos estudos linguísticos não se
centra apenas na criticidade relacionada à língua. Na verdade, foi através das instituições de nível
superior, que as teorias linguísticas formam submetidas a um processo de revisão e reformulação
dentro do ensino de língua nas escolas de nível fundamental e médio, descritos por Bagno (2002)
nas seguintes circunstâncias:

As contribuições das novas disciplinas surgidas dentro do campo maior da linguística –


sociolinguística, psicolinguística, linguística do texto, pragmática linguística, análise da
conversação, análise do discurso etc. – ampliaram enormemente o objeto mesmo dos
estudos da linguagem: o tradicional exame da “língua em si” (que se detinha
exclusivamente na gramática fonético-fonológicas, morfossintáticas e lexicais) deixou de
ser o foco exclusivo das investigações científicas da linguagem, que têm se lançado cada
vez mais na busca da compreensão dos fenômenos da interação social por meio da
linguagem, da relação entre língua e sociedade, da aquisição da língua pela criança, dos
processos envolvidos no ensino formal da língua, do controle social exercido pelas
ideologias veiculadas no discurso etc (BAGNO, 2002, p. 14).

Neste quesito, os estudos linguísticos ainda não adentraram de fato no espaço escolar. Por
isso, a teoria não deve ser também entendida como um tipo de conhecimento que abrange um
todo, isto é, a teoria torna-se permissível a mudanças e a contextualizações específicas.
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Não é por acaso que as pesquisas no campo dos estudos linguísticos são cada vez mais
fomentadas nas esferas acadêmico-científicas e implementadas nas práticas pedagógicas das aulas de
ensino de língua, por exemplo. Nesse sentido, Silva e Fajardo (2012) argumentam que:

A grande questão, hoje em relação ao ensino da língua materna na escola, que a cada dia
vira tema de pesquisa de mais teóricos, concentra-se, acreditamos, em possibilitar ao
aluno o desenvolvimento de sua capacidade de análise e de reflexão crítica sobre os
fenômenos linguísticos, em formar cidadãos capazes de se exprimir oralmente e por
escrito. Entretanto, acreditamos que, para alcançar esses ideais no ensino básico,
precisa-se analisar também a formação inicial do professor (SILVA e FAJARDO, 2012,
p. 224).

De fato, muitos professores que estão em atividade tiveram uma formação anterior a tais
questionamentos das pesquisas linguísticas mais contemporâneas. Tais profissionais tendem a
adotar, principalmente, uma concepção de língua como fenômeno homogêneo, estruturada por
uma gramática já formalizada.

O professor precisa estar ciente de que mesmo sob as condições obsoletas do sistema
educacional, o profissional da educação ainda pode, e deve, contribuir de maneira significativa na
formação de um aluno letrado, cada vez mais consciente de seu papel social, agindo em
consonância com as singularidades de cada ambiente escolar. Para isso, é necessário que a escola
entenda a língua como instrumento de interação social, capaz de mediar relações humanas e, por
meio de sua gramática, estabelecer diversas relações de sentido. Nesse sentido, temos a postura
adotada pelas orientações nacionais diante da mudança no cenário educacional:

A questão não é de falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar,
considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o
registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o
que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa. É
saber, portanto, quais variedades e registros de língua oral são pertinentes em função da
intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A
questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou
seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o
efeito pretendido (BRASIL, 1997, p.26).

Em síntese, pensamos que a escola deve procurar se adequar às demandas sociais do


mundo pós-moderno. Acreditamos que o redimensionamento das práticas escolares, sob o viés de
língua como instrumento social, pode garantir resultados positivos para os sujeitos envolvidos nos
processos de ensino e de aprendizagem. Uma perspectiva mais social, e menos normativa, sobre a
língua pode ajudar o aluno da escola básica a perceber uma relação maior entre o que ele estuda na
escola e o que ele pratica em seu contexto real de vida.

O ensino e a Aprendizagem a partir da Análise Linguística

Um dos maiores desafios do professor de língua na contemporaneidade provavelmente seja


o processo de convergência entre os estudos teóricos e a sua prática na sala de aula. Empecilhos é o
que não faltam para justificar a encruzilhada em que o docente se encontra. Muitas vezes, tais
discussões, principalmente no campo dos estudos linguísticos, ainda causam certo estranhamento
por parte do professor (Cf. SILVA, 2011).

Mesmo diante das adversidades cotidianas, o professor deve buscar mecanismo para tentar
desenvolver um ensino que procure valorizar questões ligadas às práticas de letramento dos alunos,
aprimorando suas habilidades cognitivas por meio do uso de diferentes textos em sala de aula.
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Estamos nos referindo a um ensino galgado na análise linguística. Temos consciência de que se trata
ainda de um grande desafio para o professor, mas como dissemos na seção anterior, a língua é uma
ferramenta de ineração, por isso está em constante transformação. A escola, por sua vez, deve se
mostrar aberta às mudanças e ao diálogo com novas possibilidades pedagógicas. Neste caso:

o desafio está em saber como realizar uma análise linguística pertinente para a formação
de um falante mais competente. Dizer que esta análise se destina à formação de um
falante competente já representa uma opção que norteará a proposta a ser feita, pois
estamos considerando pertinente a formação de um usuário competente da língua e não
a formação de um analista competente da língua (TRAVAGLIA, 2010, p. 01).

De fato, é uma preocupação que acoberta a teorização no campo prático, isto é, a tentativa
de absorver a teoria deve promover efeitos satisfatórios na prática pedagógica, ressignificando as
modalidades escrita e oral da língua. Entendemos que uma postura docente, galgada na análise
linguística, envolve também as particularidades pragmáticas e discursivas em que os alunos estão
inseridos, sendo, portanto, um incansável trabalho de readaptação metodológica e de análise textual.

Partimos de uma perspectiva semântica e pragmática da análise linguística, pois acreditamos


que esta prática de análise textual deve compreender níveis discursivos presentes no desenvolver
das atividades escolares, ou seja, tudo está interligado, como um sistema. Assim, ampliar
competências de leitura e escrita do aluno, por meio da análise linguística, parte de uma postura
interdisciplinar, que escapa à esfera puramente da língua.

Retomando aos estudos de Travaglia (2010), percebemos que a proposta de análise


linguística do autor propõe um ensino a partir da significação do elemento gramatical até sua
função no plano discursivo, levando o aluno a desenvolver a sua competência no uso de diferentes
textos em vários domínios sociais.

Considerações finais

As discussões travadas nas universidades apontam várias perspectivas sobre a


complexidade da língua enquanto objeto de estudo. Entretanto, é necessário avançarmos mais,
sobretudo quando nos referimos à língua como prática social, ideologicamente engajada. Nesse
sentido, pensamos que o ensino de língua materna, com base na análise linguística, pode ajudar a
repensar o caráter da social e cultural da língua, posto que possa revitalizar o ensino e desenvolver
letramentos múltiplos na escola básica. A leitura dos teóricos que apresentamos nessa abordagem
apresenta algumas questões que podem nos ajudara repensar o papel do texto em sala de aula, por
meio da prática de análise linguística.

Em síntese, algumas ponderações parecem adentrar nas pertinências escolares, permitindo


novas percepções de ensino, por intermédio do campo linguístico. Os estudos gerados a partir
desses questionamentos propõem nortear significativas mudanças da prática docente. O ensino de
língua, sobretudo de língua materna, anseia por tais consequências.

Referências
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Portuguesa – O ensino de Língua Portuguesa no séc. XXI: desafios e possibilidades. Rio Grande:
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Enviado em 30/04/2015
Avaliado em 15/06/2015

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