Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Revista Querubim 2008 Ano 04 Nº 07– 194 p. vol. 1 (jul - dez/ 2008)
Rio de Janeiro: Querubim, 2008
1.Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais - Periódicos.
I. Título: Revista Querubim Digital.
CONSELHO EDITORIAL
Presidente: Aroldo Magno de Oliveira (UFF- RJ)
Secretário: Roberto Carlos Rodrigues
CONSULTORES
EDITOR
Aroldo Magno Oliveira
DIAGRAMAÇÃO E REVISÃO TÉCNICA
Aroldo Magno de Oliveira
PROJETO GERAL
Aroldo Magno Oliveira
2
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
SUMÁRIO
Abstract: In this paper we aim to explore the referenciation process in the sense
production during the reading, understanding the construction of speech objects as result
of a constant instability (Mondada and Dubois, 2003). Our purpose here will be to
formulate, in accordance with studies on social representations (Moscovici, 2003), some
directions for an analysis that values the subject as a being who actively sets up and
conceives by itself the world in his historically and socially action. In this purpose we
examined some of these approaches which ones helped us to assume different assumptions
about the processes how the readers built the sense, and in which ways they have chosen
during the process.
Key-words: Reading; Referenciation; Social Representations.
Apesar de a atividade de leitura (o ato de ler) ser, por natureza, uma tarefa
individual, uma vez que é o indivíduo, como sujeito único, que propõe sentidos em um
contexto que se configura mediante a interação autor e leitor, adotamos uma concepção de
leitura como atividade sociocognitiva, que envolve crenças, valores e conhecimentos, tanto
aqueles envolvidos diretamente no processo, na produção de sentido, quanto outros que
acabam por caracterizar estratégias ou operações regulares de abordagem do texto. Em
outras palavras, assim como proposto por Koch e Elias (2006, p. 13), na produção de
sentido, entram em cena as experiências e os conhecimentos do leitor, que mobiliza, para
4
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
isso, tanto os saberes construídos socialmente, quanto estratégias cognitivas, como a seleção,
a antecipação, a inferência e a verificação.
Sob esse enfoque, percebemos a leitura como um processo de interação,
considerando o ato de ler uma atividade de construção/produção de sentido. Dessa forma,
o texto deve ser entendido como o material por meio do qual se estabelece a possibilidade
dessa interação, em que se desenvolve uma manipulação de recursos (lingüísticos, textuais,
cognitivos, sociais, etc.), em determinadas condições, visando à constituição de um
discurso.
A interação, nessa perspectiva, deve ser concebida como componente do processo
de comunicação, de construção de sentido, tratando-se de um fenômeno sociocultural que
abarca características lingüísticas e discursivas e que permite, em uma análise sistemática, a
investigação de relações intersubjetivas, que dá lugar a um jogo de representações em que
se constroem sentidos. Dito de outra forma, ao sujeito leitor não deve ser atribuída uma
competência que se limitaria apenas à dimensão lingüística, no sentido de que domina os
signos e as possibilidades previstas pelo sistema verbal, mas também a competência
comunicativa e textual.
É nesse sentido que os estudiosos do discurso, ao ressaltar o papel dos sujeitos
(locutor e interlocutor) no processo de (re)produção da linguagem, concebem a língua
como o resultado da existência de uma relação em que locutor, texto e interlocutor formam
um triângulo, dentro do qual acontece a produção de significados. É aí que o texto passa a
ter sentido, que se realiza a comunicação propriamente dita, ou seja, (...) toda palavra comporta
duas faces., nos dizeres de Bakhtin (1986, p. 08), Ela é determinada tanto pelo fato de que procede
de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. (Grifos do autor)
Van Dijk (2000), além disso, lembra que não existe um processo de compreensão único, mas
processos de compreensão que variam de acordo com diferentes situações, de diferentes usuários da língua, de
diferentes tipos de discursos.
Vê-se, com isso, que existe, no mínimo, uma intrincada rede de ações diversas que
envolvem a produção de sentido na leitura, e que, pode-se deduzir, a compreensão, a
produção de sentido, restringindo-se aqui à atividade de leitura, não se reduz à ativação e ao
uso de informações internas e cognitivas, mas inclui, também, processamento e
interpretação de informações exteriores.
É sob essa perspectiva que pretendemos investigar, de um ponto de vista
interacional, como eixo deste estudo (e porque as consideramos fundamentais no
processamento de sentido na leitura) as estratégias de referenciação de que o leitor lança
mão nessa atividade e suas conseqüências na atribuição de sentidos para um dado texto.
Tema clássico da Filosofia da Linguagem e da Lingüística, a questão da referência
situa-se entre duas grandes tendências teóricas: a que concebe o referente como objeto do
mundo extralingüístico e a que o vê como objeto do discurso. Na primeira, os referentes
são objetos do mundo, logo a questão da correspondência com esse mundo e a exclusão do
sujeito estão em pauta, de tal maneira que a validade das palavras do discurso é avaliada em
termos de um quadro vericondicional. Na segunda, os referentes são objetos do discurso e
a realidade não é vista como pronta e acabada, à espera de uma etiqueta; ao contrário, ela é
construída, constantemente, pelos atores sociais nas práticas discursivas de que participam,
portanto, no curso das interações entre locutores, intersubjetivamente (Mondada, 2005, p. 11).
5
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Segundo Ducrot (1984) – para quem a palavra tem de conter, como seu elemento
constitutivo, uma alusão a uma exterioridade – o referente possui um estatuto de ambigüidade, já
que, ao mesmo tempo em que se apresenta como externo ao discurso, nele está inscrito; o
referente de um discurso não é, assim, como por vezes se diz, a realidade, mas sim a sua realidade, isto é, o
que o discurso escolhe ou institui como realidade (Ducrot, 1984, p. 419).
Nessa perspectiva, apoiamo-nos em Mondada e Dubois (2003), as quais afirmam
que os referentes (objetos do discurso) são constructos culturais, representações
constantemente alimentadas pelas atividades lingüísticas. Essas pesquisadoras, às quais
filiamos nossa abordagem, assumem uma concepção de língua na qual os sujeitos constroem,
através de práticas discursivas e cognitivas, social e culturalmente situadas, versões públicas do mundo
(2003, p. 17).
A referenciação é, dessa perspectiva, um processo dinâmico, interativo, que ocorre
em diferentes contextos cujas “negociações” para constituição de sentidos atuam sobre
objetos de discurso. Nas palavras de Marcuschi (2001, p. 04), o ato de referir é um ato criativo
no contexto de ações lingüísticas sócio-historicamente situadas.
Essa posição nos é cara porque orienta a proposta de análise que será apresentada
neste estudo, a qual pressupõe:
De acordo com o autor, pode-se lembrar que esse sistema de crenças e valores
possui uma dupla função: estabelece uma ordem que permite aos membros de uma
comunidade orientar-se em seu mundo material e social a fim de controlá-lo; possibilita que
a comunicação seja possível entre os membros dessa comunidade, através de aspectos de
seu mundo e sua história individual e social.
Investigando os estudos da referenciação da maneira como está sendo tratada aqui,
ainda há que se concordar com Moscovici (2003, p. 219), quando este lembra que
Não há representações sociais sem linguagem, do mesmo modo que sem elas não há
sociedade. O lugar do lingüístico na análise das representações sociais não pode, por conseguinte,
ser evitado: as palavras não são a tradução direta das idéias, do mesmo modo que os discursos não
são nunca as reflexões imediatas das posições sociais.
Outra contribuição importante nos estudos acerca das representações sociais e que
corrobora com o projeto de análise proposta neste trabalho está no entendimento de que a
ancoragem desempenha um papel fundamental nessas relações que possibilitam a produção
de sentido e conseqüente construção do conhecimento. Segundo Franco (2004), ela constitui
parte operacional do núcleo central e em sua concretização, mediante apropriação individual e personalizada
por parte de diferentes pessoas constituintes de grupos sociais diferenciados, e consiste no processo de
integração cognitiva do objeto representado para um sistema de pensamento social
preexistente e para as transformações, históricas e culturalmente situadas, implícitas em tal
processo.
3.1 Contextualização
A experiência de leitura que nos propomos analisar neste artigo envolveu 34 alunas
do 1º período do curso de Pedagogia de uma universidade privada, que se prontificaram a
participar do experimento como leitoras de um texto previamente selecionado para esse
fim. Suas idades variam de 17 a 49 anos, concentrando-se entre 22 e 28. A maioria não está
trabalhando como professora atualmente e as quatro que estão atuam na educação infantil
ou no ensino fundamental de 1ª a 4ª séries.
A atividade durou aproximadamente uma hora e meia, desde a leitura silenciosa do
texto até a resolução, por escrito, de questões que lhes foram propostas. Nesse percurso, as
alunas-leitoras foram orientadas a não se comunicarem e a não se identificarem nas folhas
de respostas e orientações, com o objetivo de garantir que o processamento fosse
individual e que se permitisse uma análise conjunta e imparcial dos dados obtidos.
O texto escolhido para leitura foi Pais e filhos, de Fernando Bonassi, publicado na
Folha de São Paulo, em 1º de outubro de 1997. Tal escolha se deveu ao fato de que alguns
referentes não estão explicitamente designados no texto, o que possibilita uma margem
razoável para inferências no processo de ativação desses referentes, fato que nos
interessava bastante, tendo em vista os propósitos desta investigação. Ei-lo:
Pais e filhos
– Mãe... Por que tem tanto mosquito?
– Tira a mão daí.
– Se eu tirar, vem mosquito, mãe.
– Tira a mão daí já!
– A senhora tá brava comigo?
– Não, não tem nada com você.
– A senhora ainda tá brava com ele?
– Acho que não.
– Então por que a gente não tira ele daqui?
– Não sei...
– A gente podia pôr ele no quarto.
– Não quero mais ele lá.
– Mãe... o papai não vai acordar?
– Não, acho que não.
O título do texto (Pais e filhos) é formado por dois substantivos no plural e sem
artigo definido, numa seqüência, o que aponta para o campo do genérico: uma âncora
posta pelo autor do texto e que pode ser alçada pelo leitor. Remete-nos a um determinado
sistema de enquadre: o contexto familiar.
8
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
4. Considerações finais
5. Referências bibliográficas
RESUMO
A presente pesquisa busca investigar a importância das histórias em quadrinhos para a
formação do leitor. Este trabalho que foi motivado pela minha observação durante a
graduação, no período do estágio, quando constatei as imensas dificuldades dos discentes
na leitura. Então, para que a leitura fosse algo prazeroso, por que não adotar as histórias em
quadrinhos como alternativa lúdica para a aprendizagem? A pesquisa tem o intuito de
descobrir qual a influência das HQ nos discentes. Desse modo, pretende-se com minha
pesquisa, colaborar com os educadores e futuros profissionais, para que os mesmos
possam incrementar suas aulas, tornando-as lúdicas e especiais, oferecendo aos discentes
aulas entusiasmadas, por meio da inserção das histórias em quadrinhos como uma forma
leve de aprendizagem.
Palavras – chave: histórias em quadrinhos, leitura e aprendizagem.
ABSTRACT
This research seeks to investigate the importance of stories in comics for the formation of
the reader. This work has been motivated by my observation during the graduation during
the stage, where many see the difficulties of students in reading. So that was something
pleasurable to read, why not take the stories in comics as an alternative to the teaching
Playful? The research has the aim of discovering the influence of HQ in students. Thus, it
is with my research, collaborate with the educators and future employees so that they can
enhance their lessons by making them play and special, offering classes enthusiastic
learners, through the insertion of the stories in comics as a mild form of learning.
Words – key: comic stories, reading and learning
3
Refere-se à parte da Monografia, cujo título é “As histórias em quadrinhos nos livros didáticos de Língua
Portuguesa das séries iniciais do Ensino Fundamental”, orientada pela profª Dra. Estela Natalina Mantovani
Bertoletti, na unidade da UEMS de Paranaíba.
4
Acadêmica do curso de Especialização em Educação – UEMS de Paranaíba
5
Orientadora e docente do curso de Pedagogia e de Especialização em Educação – UEMS de Paranaíba
12
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
INTRODUÇÃO
1. AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
De acordo com Coelho (1991), a literatura infantil veio a ter um destaque maior
com os livros de Monteiro Lobato, a partir dos anos de 1920. O idealizador da boneca
Emília foi um grande representante da literatura infantil. Os livros, as publicações e os
demais escritos da época versavam sobre temas adultos e com a chegada de Lobato, um
nacionalista convicto, deu-se ênfase ao tema infantil, com histórias voltadas às crianças,
transformando a literatura de uma vez por todas numa autêntica alternativa para as crianças
e principalmente para os adultos, por meio de uma linguagem popular e criativa,
conquistando leitores e leitoras assíduos, certamente sedentos de saber, como pode ser
notado em Coelho (1991):
Tal esforço foi provocado, de início pelo caos econômico que se instaura
no mundo com o crack da bolsa de Nova York (1929)[...] coincidindo,
entre nós, com o Estado Novo(ditadura implantada por Getúlio Vargas)
[...] prosseguia a fermentação das novas idéias pedagógicas e se debatiam
as propostas para o novo planejamento da Educação nacional.
(COELHO, 1991, p. 240)
Para Coelho (1991) a preocupação dos escritores era a de atingir as crianças com
histórias engraçadas, proporcionando lazer a quem não possuía outro tipo de informação.
Assim, as histórias em quadrinhos tornaram-se necessárias, pois tinham uma forma de
comunicação fácil, dispostas em quadrinhos, assim contribuindo para o aumento do
número dos leitores.
Nos anos 50, assumia o governo o presidente Juscelino Kubitschek, proferindo em
seu discurso o lema “50 anos em 5”, no qual ficavam compreendidos todos os setores na
rápida resolução de todos os problemas brasileiros, isto é, em apenas um mandato seriam
solucionadas todas as mazelas sociais, inclusive as educacionais, o que ficou, infelizmente,
na teoria. Em contrapartida, as produções em quadrinhos americanas adentram o país
(Walt Disney) demonstrando que os popularmente conhecidos gibis, caíram no gosto do
povo, fazendo-os “devorar” as publicações de HQ, como pode ser visto em Coelho (1991):
Além disso, as HQ trouxeram para si inúmeros leitores, crianças que buscavam essa
forma de diversão. É importante mencionar as vantagens financeiras para autores e o
sucesso cada vez mais estrondoso dos gibis, os quais atraiam a atenção de vários
investidores. Conforme Coelho (1991):
[...] para atender ao crescente público em todo o Brasil (ou pelo menos
nos centros urbanos mais importantes). (COELHO, 1991, p. 252)
Naquele tempo, o que se via, era o descaso em relação às crianças, relegadas a uma
literatura adulta e imprópria para sua idade. Após o esclarecimento inicial, é conveniente
retomar a história do nascimento da revista O Tico-Tico, uma vez que foi a precursora do
gênero infantil no Brasil, revolucionando, por ser a primeira revista de quadrinhos do
Brasil, lançada em 11 de outubro de 1905, a qual veio a ser uma fonte de alegria para todas
as pessoas, principalmente para a faixa etária infanto-juvenil e também se tornou um
modelo a ser copiado e reproduzido, devido a sua proposta inovadora. Naquele tempo, o
que se via, era o descaso em relação às crianças, relegadas a uma literatura adulta e
imprópria para sua idade, conforme Coelho (2005):
Mas é fora de dúvida que a idéia de publicar uma revista nos moldes com que foi
publicado O Tico-Tico nasceu do conhecimento de algumas publicações mais ou
17
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Como toda inovação, as HQ na época foram vistas com desconfiança por parte dos
educadores, talvez pelo medo do poder inserido nas histórias, muitas vezes aparentemente
ingênuas, que consistiam em perigosos influenciadores, sobretudo no modo de ser e de agir
das pessoas.
Assim as HQ estrangeiras deixavam os governantes preocupados com a
implantação de idéias revolucionárias nas mentes dos jovens, os quais poderiam ser
desvirtuados de seu nacionalismo.
histórias em quadrinhos.
Martins (2004) explica:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
pessoas têm acesso fácil às HQ, uma vez que são um investimento barato e os textos
curtos atraem muitos leitores.
As HQ são atraentes e, por isso, conquistam leitores que poderão ingressar em
outros gêneros também, assim, formam-se leitores permanentes e incentiva-se o hábito da
leitura, um hábito saudável e necessário. As HQ contribuem muito para a formação inicial
deste leitor, por serem estimulantes visualmente e por conterem histórias simples e que
provocam a curiosidade e a imaginação da criança ou do adulto.
Este tema é muito instigante pela relevância das HQ como formador de futuros
leitores, quando na perspectiva atual, o brasileiro não gosta de ler, o que é uma pena, uma
vez que o mundo da leitura emana cultura e saber.
REFERÊNCIAS
Resumo
O objetivo geral é compreender os saberes estéticos e apreciativos em dança de educandos
do ensino médio de Viçosa, MG. A Fenomenologia-Hermenêutica orienta a coleta e análise
de dados. Resultados reveralam que a maioria dos participantes: (1) gostaria de assistir
apresentações de dança na escola; (2) assistiu apresentação de dança, ao vivo, pelo menos
uma vez; (3) sente “algo” no corpo ao assistir a uma apresentação de dança; (4) julga uma
apresentação de dança ‘boa’ ou ‘ruim’ baseando-se na performance dos bailarinos; (5)
atenta, em uma apresentação de dança, ao jeito de dançar, a sincronia e os movimentos dos
bailarinos.
Palavras-chave: dança, estética, apreciação, escola, ensino médio
6
Este artigo apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa com financiamento da FAPEMIG –
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – e CNPQ - Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico: “Educação para as Artes: Análise do impacto de projetos de
interface entre pesquisa e extensão que focam na sensibilização estética ou no apreciar da dança pelo público
mineiro” (2008-2010).
² Membros do “Grupo de Pesquisa Transdiciplinar em Dança” da Universidade Federal de Viçosa,
cadastrado no CNPq. A primeira autora é Ph.D em Dança, e Professora Adjunto I da UFV. As demais
autoras são graduandas em Dança na UFV e bolsistas de iniciação científica da FAPEMIG.
24
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Abstract
The main objective is to understand the aesthetic and appreciative knowledge in dance of
high school students from Viçosa, MG. Phenomenology-Hermeneutics orients the data
gathering and analysis. The results revealed that the majority of participants: (1) would like
to watch dance showings at school; (2) watched live dance performances at least once; (3)
feel “something” at their bodies when they watch a dance presentation; (4) judge a dance
piece as “good” or “bad” based on the dancers’ performance; (5) pay attention in a dance
piece at the dancers’ way of dancing, synchrony and movements.
Keywords: dance, aesthetics, assessment, school, high school
Introdução
Resultados e Discussão
7
O trabalho de campo se constituiu em uma intervenção através de oficinas e discussões semanais nas
escolas; observações de apresentações de dança ao vivo – na própria escola e em teatro - e em vídeos;
observações de aulas práticas do Curso de Graduação em Dança da UFV.
26
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
pode ser vivenciada pela pessoa que se movimenta e se permite essa abertura de
expressão”. Vieira e Lima, pesquisadoras e educadoras brasileiras em dança, citam as
pesquisas de mais de dez anos das educadoras norte-americanas Bond e Stinson (2000/01),
que descrevem e interpretam os significados das experiências de crianças e adolescentes na
educação em e através da dança. Bond e Stinson obtiveram dados de aproximadamente 600
pessoas, jovens e crianças com idade entre três e 18 anos, com diversidade de gênero, raça,
etnia, experiência e nacionalidade. A análise de desenhos, observações e questionários
mostra experiências “superordinárias” que deslocam os participantes das atividades
cotidianas.
Os participantes usaram metáforas tais como “[sinto-me ao dançar como se]
estivesse voando livre,” e “[vivencio] um mundo totalmente novo” para descrever para
onde a dança os permite “viajar”. Há paralelos entre os resultados dos estudos de Bond e
Stinson e de outros pesquisadores (como os resultados do psiquiatra Edward Hallowell
[2002], os resultados da ‘psicologia positiva’ de Martin Seligman [2002] que é autor do livro
‘Felicidade Autêntica’, e da ‘teoria do fluxo’ de Mihaly Csikszentmihalyi [1996, 2006]) que
sugerem que a arte pode auxiliar no desenvolvimento da capacidade humana para atingir a
felicidade.
Nesse sentido, Stinson (2004) e Metller (1980) afirmam que as experiências estéticas
vivenciadas em dança são significativas porque proporcionam satisfação imediata. O uso
prazeroso do movimento sobrepõe a sua função utilitária de promoção da saúde física e da
aprendizagem de outras disciplinas através da dança – embora esses aspectos sejam
importantes.
Em relação à fruição, perguntamos “Já assistiu a apresentações de dança?” a
maioria dos participantes disse sim. Esses resultados mostram que a divulgação da dança
em Viçosa através de apresentações em locais acessíveis ao público em geral – como ruas,
na escola e praças e não somente em teatros – têm permitido que a maioria dos
participantes tenha fruído a dança, ao vivo, pelo menos uma vez. Nesse sentido, Lima,
Vieira e Ávila (2008) ressaltam que:
Acreditamos que os alunos não sentem apenas vontade de dançar, mas de estar
dançando naquele momento em um palco, ou seja, de estar se apresentando e sendo
apreciados pelo público. Nesse sentido, Strazzacappa (2006) afirma que preparar os alunos
para se apresentarem “é parte fundamental na formação do artista, ele deve ser levado a
sério, idealizado com zelo e estruturado com atenção” (p. 83). A autora justifica essa
afirmação: “Nas aulas de dança não há algo palpável para se ‘levar para casa’. O resultado
do trabalho técnico de dança é cênico. Apresenta-se na forma de uma coreografia ou de um
espetáculo que acontece num dado intervalo de tempo, num espaço específico para esse
fim” (p. 82). Além de ser importante trabalhar a mostra artística que prepara o próprio
educando para subir no palco e se apresentar, a autora lembra:
Não podemos nos esquecer também de que a educação estética dos pais
se faz nas apresentações dos filhos. Muitas vezes, a apresentação de final
de ano do filho se resume na primeira e única experiência estética dos
pais. Professores e diretores, cientes de tal situação, não podem permitir
que essa oportunidade seja desperdiçada. (p. 83)
interpretação seja a visão primeira que as pessoas geralmente tem ao assistirem uma dança:
o interesse pelo virtuosismo. Talvez os participantes não mencionem outros elementos que
compõe o produto artístico – como a disposição espacial e a mensagem a ser comunicada –
porque não os compreendem muito bem. Assim, podem achar que esses não são
importantes. Acreditamos que, com as aulas de apreciação durante a pesquisa, os alunos
ampliarão seu olhar e saberão prestar atenção aos diversos aspectos constituintes de uma
dança. Porém, houve nuance em uma das respostas:
Este aluno revela uma atenção aos detalhes e ao todo da obra. Sem termos
maior conhecimento da sua formação prévia em dança, fica difícil arriscarmos
interpretações sobre essa fala. O que nos ocorre, porém, é que a voz desse aluno é um
exemplo da complexidade do fenômeno de fruição em dança. Ou seja, são vários os
elementos que podem ser alvo da atenção do expectador e, quanto maior seu
conhecimento do contexto cênico em dança (iluminação, maquiagem, cenografia, roteiro,
trilha sonora e outros), maior é a possibilidade de compreensão.
Ao responder a pergunta “O que faz você achar uma apresentação de dança
boa?” muitos alunos responderam “sincronia”. Percebemos o quanto os alunos apreciam
uma dança em que todos os dançarinos fazem os mesmos movimentos, ao mesmo tempo e
“igualzinhos”. Como grande parte dos alunos já havia afirmado não conhecer dança
contemporânea ou a confunde com outras modalidades – dados obtidos em outras
perguntas não apresentadas neste artigo – permanece a dúvida: Será que eles apreciariam a
Dança Contemporânea? Como sabemos, os movimentos nesse vocabulário nem sempre
são iguais e isso é o que eles afirmaram valorizar ao apreciar. E quanto ao Balé? Será que
apreciariam o corpo de baile em que os movimentos são sincronizados, bem ensaiados e os
bailarinos dançam em uníssono? Essas questões, esperamos, serão discutidas ao longo da
nossa convivência com esses alunos.
Ao responder a pergunta “O que faz você achar uma apresentação de dança
ruim?” obtivemos, novamente, respostas relacionadas a performance dos bailarinos.
Algumas são apresentadas:
Últimas Considerações
A reflexão dos resultados nos fornece subsídios para conhecer melhor o contexto e
o saber artístico desses alunos. Ela nos possibilita construir uma proposta para a educação
apreciativa da dança que privilegia a criatividade e a valorização tanto do processo quanto
do produto. Outro aspecto fundamental é o respeito pela a diversidade artística, cultural e
corporal. Nossa preocupação em construir uma proposta de qualidade para esses alunos, se
dá pelo potencial da dança e da arte em influenciar o processo educacional dos alunos de
forma pontual e geral, como nos lembra Ana Mae Barbosa (2005):
Referências Bibliográficas
Resumo
Objetivamos investigar as características de manifestações orais de alunos observadas em
salas de aula de uma escola pública de ensinos fundamental regular e médio supletivo do
interior paulista. Utilizamos o referencial teórico de Adorno e Walter Benjamin
correlacionado com uma metodologia de abordagem qualitativa. Assim, usamos os
conceitos de Erfahrung - experiência tradicional que era transmitida por meio das narrativas
orais no mundo pré-capitalista - e o de Erlebnis - experiência moldada pelo modo de
produção capitalista com o amparo da Indústria Cultural). Verificamos que os elementos
formadores das manifestações orais eram engendrados por confluências e contradições
entre tradição e modernidade.
Palavras-chave: Narrativa.; Experiência; Educação
Abstract
Our work aims at investigating characteristics of students’ oral expressions observed in
classrooms of a public school - that offers ordinary Elementary School and Adult High
School – in São Paulo state’s countryside.We utilezed Adorno and Walter Benjamin’s ideas
as a theoretical frame of reference, correlated with a methodology of qualitative nature.
Thus, we used the concepts of Erfahrung – which refers to the traditional experience iartisan
societies and passed on through oral narratives – and Erlebnis,which is the experience
shaped by Capitalist mode of production with Cultural Industry’s help. We perceived that
the forming elements of those oral expressions were engendered by confluences and
contradictions between tradition and modernity.
Key-Words: Narrative; Experience; Education.
32
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
afirmar que a desorientação dos sujeitos é - de certa forma - orientada pela Indústria
Cultural.
Portanto, esses imperativos culturais difundidos por meios de comunicação que se
valem de recursos tecnológicos cada vez mais avançados empobrecem a Erfahrung
realizadora da constituição dos sujeitos enquanto seres dotados de certa autonomia e
historicidade. É interessante relembrar, como o fez Costa (2002), que os meios de
comunicação de massa surgiram no Iluminismo, que desvendava a realidade por meio da
racionalidade e da experimentação, retirando da mesma seus aspectos míticos, mas
tornaram-se – ironicamente – agentes de propagação de novas formas de opressão e de
encantamento.
Nessa conjuntura sócio-cultural, inferimos – por exemplo - que talvez o fato de os
alunos de procedência urbana do projeto de filosofia serem mais resistentes em narrarem
suas experiências em sala de aula - em relação aos alfabetizandos do projeto PEJA -,
pudesse se dever à dinâmica imposta pelas relações sociais geradas pelo atual sistema de
encadeamento das forças produtivas. Dinâmica que impõe, sobretudo nas zonas urbanas –
que são mais rapidamente influenciadas pelas constantes mudanças culturais, econômicas e
tecnológicas – a substituição da narração pela informação midiática, da tradição pela
novidade. O declínio da experiência comunicável nos centros urbanos torna-se ainda mais
visível, sendo o esvaziamento do sujeito muito mais nítido.
Procedimentos metodológicos
pulsionais por meio do consumismo desenfreado – e nunca saciado – que acarreta a castração da sublimação.
36
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
que o passado transformado em experiência pessoal pudesse surgir (ou não) em sala de aula
com maior facilidade, o que iria ao encontro com a possibilidade de identificação de
narrativas orais de experiências de acordo com os preceitos teóricos apresentados.
Na busca pela captação dos elementos constituintes de manifestações orais
contemporâneas de alunos foram obtidas seis manifestações orais narrativas de alunos que
constituíram amostras de experiências contadas em sala de aula. Nesse artigo apresentamos
três exemplos a partir dos quais obtivemos pistas para o entendimento das formas de
experiências compartilhadas oralmente em salas de aula contemporâneas:
Amostra A: a manifestação oral sobre uma personagem do folclore brasileiro de
uma aluna do Ensino Fundamental – lenda do Saci Pererê – na qual ficaram patentes as
relações paradoxais entre os produtos do aparato midiático da Indústria Cultural e a
tradição oral decadente e, desse modo, entre a Erfahrung e a Erlebnis. Isso se evidenciou pelo
fato de a jovem crer que o ser fantástico era – em sua gênese - oriundo do programa de
televisão Sítio do Pica-Pau Amarelo e não uma lenda secular assentada na tradição oral.
Amostra B: manifestação oral de uma educanda do Ensino Fundamental na qual foi
percebido que o assunto em questão - os sonhos premonitórios - sempre tem despertado a
curiosidade humana, motivo pelo qual a classe, habitualmente bem comportada, se tornou
agitada e falante. No relato da jovem, foi possível verificar que o sucinto esboço narrativo
continha elementos que dizem respeito a aspectos fantasiosos do imaginário humano. Ou
seja, se referem ao que há de extraordinário, misterioso, e até mesmo “miraculoso”
(BENJAMIN, 1996, p. 203) nas representações que as pessoas criam sobre fatos e
situações não explicáveis facilmente pela ciência.
Amostra C: A partir de uma pesquisa feita na Internet sobre uma espécie de lagarto
típico do sertão nordestino brasileiro, um estudante do Ensino Fundamental resgatou um
fragmento da trajetória da vida de seu avô, migrante que viveu a experiência da seca e teve
de se alimentar do referido animal. O interesse do aluno na escolha desse animal para a
pesquisa escolar se deu sob a inspiração de um parente próximo que lhe transmitiu a
experiência vivida por meio da palavra falada. Aqui podemos perceber a importância dada
pelo adolescente ao seu antepassado – uma figura no qual o educando reconhecia a
“autoridade da velhice” no sentido empregado por Benjamin (1996 p.114). Nesse caso,
foram percebidos vislumbres da experiência tradicional - Erfahrung - transmitida oralmente
de um avô para o seu neto. Ironicamente, um típico representante do aparato midiático – a
Internet – que auxilia a permanência da Erlebnis auxiliou o compartilhamento dessa
experiência em sala de aula.
Considerações finais
Referências Bibliográficas
Resumo
Esse artigo apresenta as novas tecnologias como parte integrante de qualquer sala de aula
nos dias de hoje. Com isso, há uma mudança de atitude e de comportamento de
professores e alunos que passam a coexistir com os novos meios de ensinar e aprender.
Essa nova realidade pedagógica cria novos conceitos como os de autonomia na
aprendizagem e de aprendizagem colaborativa.
Palavras-chave: aprendizagem – autonomia - colaboração
Resumen
Este artículo presenta las nuevas tecnologías como una parte integral de cada aula el día de
hoy. Con esto, hay un cambio de actitud y el comportamiento de los profesores y los
estudiantes que vienen a coexistir con las nuevas formas de enseñanza y aprendizaje. Esta
nueva realidad crea nuevos conceptos educativos, como la autonomía en el aprendizaje y el
aprendizaje colaborativo.
Palabras clave: aprendizaje - autonomía - la colaboración
Introdução
Papel do Professor
Ainda de acordo com Nicolaides (2003), em termos práticos, aqueles que tentam
desenvolver autonomia, professores e aprendizes, encontram-se, muitas vezes, constritos
pelo sistema educacional que, frequentemente, pouco favorece o desenvolvimento do
aprendiz. Também há o fator econômico que dificulta a atualização da tecnologia, em
países como o Brasil, com parcos recursos financeiros para a educação. Isso faz com que
todo o processo para desenvolver a autonomia dos alunos seja ainda mais difícil – desde a
42
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
aquisição de software e hardware especializado até investimento em pessoal, para que novos
caminhos possam ser planejados.
Aprendizagem colaborativa
Considerações finais
Já passamos da fase “uau” da Internet, isso quer dizer que, já estamos além do
período de deslumbramento com esse meio. Não podemos mais pensar sobre o uso ou não
uso das novas tecnologias em sala de aula. Precisamos admitir de vez que o computador
entrou na sala de aula, assim como o livro já havia entrado no passado. Ele é agora parte
integrante do processo de ensino-aprendizagem. O que precisamos agora é assumir e
encarar os novos desafios trazidos por essa nova tecnologia.
O primeiro desafio é treinar e preparar os professores para que eles possam saber
tirar o melhor proveito possível dessa ferramenta educacional, utilizando o computador
com uma função pedagógica. Ao mesmo tempo é necessário preparar os alunos para
trabalhar com a autonomia e a colaboração necessária que o meio exige.
Na nossa sociedade paternalista, o aluno ainda vê o professor como o detentor do
saber e o único responsável pela sua aprendizagem, então, é preciso uma mudança de
atitude por parte de professores e alunos. O professor tem que saber estimular o aluno a
querer buscar e construir seu próprio conhecimento, guiando o aluno na jornada, e o aluno,
tem, que saber, também, que o professor vai guiá-lo, mas que ele tem que andar com suas
próprias pernas.
O outro desafio é a criação de materiais disponíveis para uso no meio
computacional. Os instrutores / elaboradores de materiais para cursos / aulas on-line têm
que se conscientizar que os cursos ofertados via Internet não podem ser transpostos do
papel para a tela, pois não é apenas uma mudança de meio. Os cursos presenciais quando
passam a ser virtuais eles mudam todas as características, é uma nova abordagem, uma
mudança de atitude e de comportamento que tem que ser considerada por professores,
elaboradores de materiais e usuários.
Referências Bibliográficas
em sua essência, por ser mais velho que o tempo que lhe foi cotado, pautado no modismo.
Sistema funcionando como organismo independente. Reorganizando-se.
A linguagem do punk é ampla, da roupa, ao som, da atitude à palavra escrita. Corvo
contou-me sobre a influência de Rodolfo na arte, na organização do Movimento Punk em
Cuiabá, em se falando com essa troca de materiais e da troca interpessoal, aquela do
contágio deleuziano.
A primeira língua a ser falada ou não é calada, ou seja, o visual, a identificação e o
reconhecimento de uma similitude que se expande e se deixa ser apreciada ao olhar.
Quando pergunto ao Rodolfo sobre como é ser punk, ser artista, produzir zines e distribuí-
los ele responde-me que
Quando a gente conheceu Rodolfo foi através de carta, a gente morava em Cuiabá
e ele lá, né? Era um dos caras mais conhecidos no Brasil, no meio punk, sabe? Todo
mundo falava de Rodolfo... os caras de São Paulo: conhecem Rodolfo; no Rio de Janeiro:
Rodolfo; Nordeste: Rodolfo. Aí quando a gente foi pra Curitiba, a gente já pensou, vamos
corresponder com ele... ele fazia esse zine Ovelhas Negras do Brasil, era um dos zines mais
47
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
famosos que tinha no Brasil, era se falar de zine era Ovelhas Negras. A gente conheceu ele
por cartas, tal... A gente foi lá e conheceu o cara, não tinha nada a ver, tipo assim... Eu
achei que não tinha nada a ver com o que eu pensava, era totalmente diferente do cara que
escreveu... Apesar do Rodolfo ter aquele visual punk assim, eu acho ele um cara padrão
assim, tá entendendo? Não tinha nada a ver com punk. Ele era muito educado, a gente não
tinha onde comer, ele levou a gente numa cantina, todo arrumadinho Rodolfo foi, com
jaco, mas o jaco dele era... bonito... cabelo penteado, era moicano, mas penteado de lado,
parecia um cara normal, levou a gente lá... Um cara normal, eu pensava: esse aí que é o
Rodolfo... Punk... Ele que escreve aquelas coisas lá, né? Nem parece... Fomos conhecendo
o cara e ele pegou uma amizade muito forte com a gente.
O primeiro contato foi feito pelas escrituras: pelas cartas e trocas de zines. E no
universo punk a escritura tem o valor do que ali vigora, não é a sua materialidade que lhe dá
valor, é sim sua própria intimidade com o criador, o deus, o rei. Inicialmente, como vem a
ser o caso dos punks Rodolfo e Corvo, a palavra escrita foi determinante na admiração, na
formação, nos conhecimentos compartilhados, mas não de forma estanque, pois a
elaboração foi realizada de modo que um zine ultrapassa o signo de ser um meio de
comunicação para ser um relato da existência e desejos daqueles que o escrevem ou o
interpretam. É como Corvo afirma “no zine você vai ver coisas que não vai ver em livro
nenhum”, é a escritura mesma da pele de quem o redige.
Ao ser secundária por si só como o é, a escritura descarrega nas letras a veracidade
mesma que o ato da fala e da potência pela intimidade entre o criador e a escrita.
Indecidível é aquele que não se é nem se deixa de ser, é o transeunte à deriva dos
contornos da cidade, da contradição que impugna no peito, no punk e sua roupa é que
prosa do asfalto, das noites que guiam entre suas surpresas enquanto ele se deixa levar.
Pensamento hesitante que lhe fornece as marcas, os signos corporais. Uma beleza meio
indecifrável, um não sei o quê de frágil, áspero, romântico e violento. É um não apanhar,
sendo a todo tempo requisitado, com sua inexatidão pontual poética bailando entre a vida,
o consumo dela mesma, um entranhamento do outro em si, efervescendo em
multiplicidade, em agenciamento. Briga da perda de identidade ao ser coletivo com um ser
Um que se apaixona e se perde em si mesmo sem saber o que é ser: o eu mesmo e o eu
todos.
Os punks possuem subdivisões definidas por detalhes que acreditam diferenciá-los,
particularidade especial entre punks metropolitanos11 enquanto em Cuiabá essa
transparência não é tão legível, talvez porque não haja, a não ser em se tratando da
segregação entre punks e anarcopunks como aconteceu claramente entre punks do início
de 2000. Punks da banda Atrito, Aranha, Hyngrid, Edzar não tocavam nos locais em que
outros punks realizavam eventos e nenhum outro que estivessem sendo realizados por
outros. Tocavam apenas em bairros e eventos armados por eles.
Outra diferenciação evidente era entre os punks e metaleiros. Mesmo que o contato
dos dois grupos seja nos primórdios do surgimento da cena underground cuiabana, sempre
11
48
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
foram envolvidos num desejo de certo distanciamento como se dele dependesse a defesa
da identidade e da territorialidade.
O pharmakon é ao mesmo tempo veneno e remédio, é a contradição do punk que o
move. A constante inconstância em se perder de vista com o rumo bem ali na frente que é
a sua não-contradição.
Posso citar exemplos disso quando é projetada a visão da mídia sobre eles, que em
Cuiabá personifica punks, metaleiros, gays, roqueiros, todos os agenciamentos em um
mesmo caldeirão, do diferente. A inflamabilidade é recoberta com uma amabilidade de ser
notícia, num apoio midiático que divulga as festas e os recobre de atenção.
Patú Antunes12 enuncia uma matéria sobre o Abalo Sísmico da seguinte maneira:
Na mesma página de jornal em que estão noticiadas uma festa de drag queens que se
inicia com uma chamada simplesmente direta, utilizando, inclusive, termos que lhe dizem
respeito e são subtendidos pelos iniciados.
Em oposição ao retratar busco os fanzines. O zine é criado por um ou pelo
agenciamento de uns, permanecendo sua identidade pessoal, pois são assinados, reflete o
meio de comunicação criado por punks e assimilados por outros grupos posteriormente.
Percebo o zine não é só um meio de comunicação de política, poesia, quadrinhos,
divulgação de bandas ou de cenários distantes onde o punk se espalha, e sim dotado de
força criadora, artística e sociológica, como é empregado por Canclini: duma arte que não
só expressa os sentimentos em relação à vida social de quem o produz, que é, todavia,
construído de forma artesanal e por de custo baixo e acessível, e que pode ser entregue
corpo-a-corpo em locais estrategicamente definidos.
A propriedade do ato da escrita seja ela de cunho político ou artístico é coerente
com todo o arsenal que é derivado das manifestações punks. O conflito, contudo, é a
eterna quebra e restauração do punk e de seu Movimento. Paralelo aos debates internos da
sensação da identidade e do agir coletivo frente a subjetividade de cada um há o bando, o
agenciamento, que luta contra a assimilação ao seu estilo contra o mercado. Uma corda de
pontas contra o enrijecimento do grupo na correlação entre seus indivíduos quando
pregam não a igualdade, mas mais que isso, a possibilidade de ser o que se é e de outro
lado, a apreensão dos signos que lhe são mais caros transformados em títulos vendidos aos
jovens que querem a rebeldia como se ela pudesse ser comprada.
A desconstrução que propõem Derrida é a fuga da verdade, o se deixar levar pelos
rastros que nos formam, pois só a não-verdade pode, segundo o autor, nos proporcionar a
significação. Apenas a não-verdade se converte em verdade. Isso ocorre não de uma forma
dialética, acontece sim na desconstrução onde não existe uma bilateralidade, mas infinitas
12
Jornalista.
49
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
possibilidades que podem ser recombinadas em plano infinito, pois tudo o que existe e o
que não existe tem a possibilidade de existência, estar no terreno do impossível é ter porta
aberta à invasão do outro, porque se não é possível barrá-lo, não é possível cercar-se contra
os afetos, contra os códigos, contaminamo-nos em aceitação ou não, o segundo sim, é
aceitação, é o acolhida que a fragilidade das cercas não conseguiu resguardar.
A invasão do outro se reflete marcadamente entre os símbolos punks. A suástica
nos patches, por exemplo, barram entre dentes a assimilação midiática, por ser esta
condenada entre a moral e a ética geral, ainda que possa realçar o caráter negativista que a
mídia serve de canal para divulgar. Seu intuito é massificar uma aparência violenta e
irracional do jovem despossuído de equilíbrio mental normalmente provindo de família
desestruturada.
Sua leitura foi seguindo os mesmos moldes do punk brasileiro, em se dizendo sobre
o anarquismo como posição política entre muitos punks; na importância, num primeiro
momento, do visual, e num segundo, o momento contemporâneo que opta por adotar
roupas mais ligadas ao street13; na influência nas experiências musicais no punk rock que
originaram o Hard Core, e as fusões do metal como o grind core, o crossover.
O correio iniciou o transporte de comunicação entre os punks. O sarcasmo como
atitude do punk aparece numa ação para driblar os gastos com selos, de acordo com o
relato de Corvo:
Pra mim é algo muito importante, é o registro das idéias das pessoas daquele
momento, naquela década, registra os fatos, bandas, protestos, idéias... e depois que passa 5
anos e aqueles punks já são da antiga daí eles vão entender a importância... pois aquilo é a
única coisa registrada do que aconteceu... e é o Movimento na palavra escrita, o registro, o
poder da palavra escrita.
O zine toma outra proporção em relação ao seu início e como parte de um acervo.
A mentalidade de Rodolfo circunscreve sobre a importância dessas associações que em
muito se assemelham a grupos que em potencialidade podem vir a acarretar uma revolução
molecular, por imbuírem-se na produção simbólica original. Lembrando que a captura dos
punks dos elementos conhecidos socialmente são re-significações do signo, podendo ou
não ser entendida por pessoas de fora, e não poucas vezes, mal interpretada. É pelas
referências simbólicas que há um engendramento que permite atuar com liberdade dentro
da esfera macro que possui seu sistema, da mesma forma, pleno de aspectos simbólicos.
Os zines funcionam dentro do grupo como fator de comunicação, mas sobretudo,
propagando os signos, a escritura, a cartografia da pele, questiona por sua própria
valorização, a entrada de outros meios de comunicação, e demonstra a audácia de pertencer
a uma sociedade consumista sob o lema do “faça você mesmo” transposto da mesma
forma no visual. A música é, de forma semelhante, incluída no espaço de signos, pois esta,
o punk rock não é assimilável mesmo aos grandes mercados, sua energia advinda da
rapidez da sua batida e das letras de cunho ou político ou fortemente contestatórias que
expurgam uma vivência insatisfeita certamente não agrada um público diferenciado, pois a
mesma insatisfação e miséria de contatos nas cidades repercutem em todos e evidencia um
fracasso geral, pouco apreciável ao sistema mercadológico, ainda que exista público
consumidor.
Há uma freqüência grande na interpretação desviada para um caráter negativo, mas
que é propositalmente programada. Quer-se determinar o caráter duvidoso e frágil no
punk, mas ele passível de cometer tantos deslizes sociais porém que não deve ser
qualificada a partir da identidade fixa também que é maciçamente colocada sobre eles de
maneira que os reduz a essa identidade forjada.
Eu sou capaz de respeitar um nazista, sim, eu acho isso a coisa mais anarquista que
poderia ter, anarquista a ponto de não respeitar? Que libertário é? Porque hoje eu já penso
assim, o ser humano é livre pra fazer o que ele bem entender, ele vai arcar com as merdas
que ele fizer, não vai? O punk está na diferença do respeitar e do aceitar, o punk está no
respeitar. Não quer dizer que eu aceito o nazismo, acho a coisa mais estúpida, nacionalismo,
pô, quer coisa mais estúpida que nacionalista, entendeu? Pô, essa dificuldade toda que você
tem com passaporte, pra conhecer uma outra cultura, esse negócio de território, né? Isso é
ridículo, mas e aí? Eu não gosto de pagode, eu vou sair matando todo pagodista?
51
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Tem-se aí um testemunho de Carol Punk que afirma ter sofrido represália de alguns
punks. De acordo com ela a violência que sofreu teve como início o fato de usar em seu
visual suspensório, e este é tido como próprio da roupa dos skinheads. Parece ser totalmente
incongruente, e é.
A esse respeito, do código visual que se mutabiliza, agregando cada vez menos o
visual pesado em todas as cidades Rodolfo dá seu testemunho de que em Curitiba se usa o
moicano, mas que lá “virou moda moicano baixo, muita gente usa, os punks mais novos
andam com aquele visual, mas aqui está totalmente dispersado, é como se tivesse muitos
indivíduos punks pela cidade e nenhum Movimento Punk”. Novamente percebe-se a
ligação que extrapola os muros territoriais das cidades e une os punks numa mesma
veracidade histórica, seja em São Paulo, Cuiabá e em outros lugares.
Ser punk
No meio de um oceano em que a massa de água são ondas sonoras, como ondas
ficam num movimento incessante de ir e vir. Um mar bravio de ondas que vibram até seu
corpo, local que não serve com caixa para se depositar, pois é dele emitido o mesmo
vaivém das ondas.
O corpo no meio do oceano é transfigurado pelas ondas bruscas. E se pensa em
encontrar-se cai em si para saber que não existe ali noção alguma de tempo e espaço. Não
pode acessar seu sentido da visão, pois tudo é escuro. O corpo parece sozinho dentro do
perigo que lhe chega pela audição. Mas o novo é que por ela todos os outros sentidos se
tornam acionados. Como um gato, um morcego ou um rato se torna atento para a próxima
bomba sonora que lhe alcançará. Nessa profusão seu corpo único, próprio e conhecido foi
esquecido sem que pudesse lhe acarretar saudade ou dor porque é como a morte que chega
e não se tem mais tempo pra pensar sobre ela.
Inicia-se se assim o ritual da transfiguração. Ao corpo lhe é acometido a desrazão, o
eteno, o esquecimento. E só a morte apressa o equilíbrio. Quando abre os sentidos na
escuridão e os medos se esvaíram o corpo percebe que não está só. As ondas multiplicam-
se agora pelo impulsionar dos outros corpos que se agitam rapidamente, com movimentos
rápidos e perigosos.
Se de longe parece uma guerra, de dentro é a guerra em uma dança da destruição.
Esse corpo vibrátil perde sua identidade para se tornar um corpo só. O equilíbrio. Agora
sim está formado o corpo, em unicidadade. É na presença da guerra e do equilíbrio que o
corpo uno se mostra e é pura máquina de guerra, destruidora e destrutível. Impassível, mas
ao mesmo tempo tensa à realidade, aos mundo lá fora, ao próprio corpo que merece ser
poupado porém não o é. Porque para ele o que importa é entrar em harmonia com as
ondas e os outros corpos.
Somente um olhar de fora que possa congelar a cena pode descrevê-la, coturnos,
calças apertadas, camisetas, talvez alguma jaqueta. Mas percebe os rebites afinadíssimos
com pregos, cortantes até a alma. Coleiras e rostos com olhos firmes, algumas vezes
pintados de preto.
Se algum movimento dentro da dança da guerra sair de uma perfeita velocidade
sincrônica é possível que o corpo seja arremetido. Sangue. Como o movimento pode ser
tão harmônico dentro de algo que não tem métrica, não tem fórmula, não tem certo ou
errado só pode ser explicado como algo da natureza que se contra balanceia na disfunção
permanentemente operante. Como a fúria da natureza que não poupa, pois é amoral.
Corpos de homens e mulheres são todos corpos de guerra.
As ondas sonoras vinda dos três, quatro, poucas vezes cinco acordes é o punk rock,
o hardcore. Os poucos acordes e o rápido tempo da música são responsáveis pelos golpes
sonoros ecoados nas paredes nuas que revidam da mesma forma que os corpos em transe o
som que lhes chega. Os corpos se movimentam habilmente ao serem penetrados pelo punk
rock ou pelo hardcore. Tão rápido quanto, tão violento quanto. Os homens no palco são
pura força masculina, vozes firmes, olhos firmes, corpo impassível que se lhe tirassem o
som de nada faltaria para se perceber que se trata de uma denúncia.
53
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Bibliografia
BEY, Hakim. TAZ: Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad Editora, 2001;
CAIAFA, Janice. Movimento Punk na cidade: a invasão dos bandos sub. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1989;
DELEUZE, Gilles e PERNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora Escuta, 1998;
DERRIDA, J. (1997) A Farmácia de Platão. São Paulo: Iluminuras. Fédida, P.(1998);
54
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Resumo
Este trabalho aborda a representação da história no capítulo A Fonte, de O continente I,
de Érico Veríssimo. Esta obra, publicada em 1949, abarca no segundo capítulo a matriz
platina como gênese da formação do Rio Grande do Sul, ao eleger as missões como espaço
onde circulam figuras significativas como o jesuíta Alonzo, Sepé Tiaraju e Pedro
Missioneiro, numa mistura entre ficção e História. Este estudo discute, também, como
Érico Veríssimo, através de sua obra, articula interesses do presente da escritura com o
passado histórico do Rio Grande do Sul, na medida em que traz para o campo literário as
bases de uma civilização niveladora, através de uma representação verossímil da História.
Palavras-chave: literatura; história; Érico Veríssimo
Abstract:
This work analyses the representation of History in the chapter A fonte” (The fountain)
from the novel O continente, (The Continent) by Erico Verissimo, published in 1949.
This chapter approaches the Hispanic version to the foundation origin of Rio Grande do
Sul, by choosing the Jesuitical Missions as space, as well as characters like the Jesuit priest
Alonso, Sepe Tiaraju and Pedro Missioneiro, blending fiction and History. This work also
discusses how Erico Verissimo articulates interests the present of writing with the historical
past of Rio Grande do Sul, as he brings to Literature the founding bases of a standardizing
civilization, through a verisimilar representation of History.
Keywords : Literature – History – Erico Verissimo
14
Mestranda em Estudos Literários na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), orientanda do Prof. Dr.
Pedro Brum Santos.
15
Paul-André Lesort (apud BOURNEUF, R.; QUELLET, R.,1976, p.25)
55
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Este trecho do Tratado de Madri auxilia o narrador a criar a atmosfera que pairava
sobre os Sete Povos por volta de 1750. Permite, também, o reconhecimento da situação
vivenciada pelos jesuítas que deveriam carregar “trinta mil índios para o outro lado do
rio Uruguai sem causar-lhes danos irreparáveis” (p 77), com todos os seus pertences,
com “setenta mil cabeças de gado” (p 77).
Dessa forma, o conflito histórico desencadeado a partir deste tratado é
representado em A Fonte sob o prisma dos jesuítas. Padre Alonzo via o acordo entre
Espanha e Portugal como algo malévolo, como uma peste medonha.
Considerações Finais
À moda dos romances de família, de acordo com Zilberman (1992: 104), essa
trilogia consiste na grande saga do Rio Grande. Erico retrocede às origens míticas do
Estado ao dar a Pedro Missioneiro certa designação patriarcal, na medida em que o coloca
como formador de uma genealogia que dá origem ao Continente de São Pedro.
Pedro é a origem ficcional do clã Terra Cambará, isto é, o índio miscigenado
constitui A Fonte racial do Rio Grande do Sul. Dessa forma, ao germinar o ventre de Ana
Terra, descendente de bandeirantes paulistas, configura a gênese do povo rio-grandense.
A origem do Estado está denominada também no substantivo que dá nome ao
capítulo. Fonte, do latim fonte, fontis, designa ao segundo capítulo de O Continente I a
tarefa de fundar. Este nome que significa nascente de água, no seu sentido figurado
significa aquilo que origina ou produz, a origem16. O artigo definido “a” determina a
fundação: não é qualquer uma, mas a que lança as bases de uma terra. A Fonte permite,
assim, através do universo diegético, que a origem fundacional missioneira do Continente
de São Pedro saia do mito e entre para a história.
Ao eleger, pois, as missões como espaço de A Fonte, bem como Pedro
Missioneiro, índio miscigenado, como personagem deste capítulo, Erico Veríssimo aceita a
matriz platina como gênese da formação do RS. No entanto, esta corrente é posta ao lado
da lusitana, com a personagem Ana Terra. Pedro Missioneiro e Ana Terra, matriz platina
e lusitana, respectivamente, configuram a fonte do extremo meridional brasileiro. Erico
articula, assim, em A Fonte, com o passado histórico do Rio Grande do Sul e com a
história do seu próprio tempo, pois traz para o campo literário as bases fundadoras do
estado, através de uma representação verossímil da histórica.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
16
Dicionário Aurélio – Século XXI
59
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
RESUMO
Interpreta-se à luz da Antropologia Social e da Saúde Coletiva o significado das
representações e os simbolismos presentes no processo saúde-doença. Tomando como
referencia três correntes religiosas, o pentecostalismo, o espiritismo e o candomblé;
questiona-se: como a religião exerce influência no processo de cura? A prática religiosa
envolve o sujeito em seus rituais que possuem um significado especifico para o adoecer.
Procurando compreender como se ocorre a cura através da religião fez-se uso da
observação participante e de entrevistas (estruturada e semi-estruturada) em um centro
espírita e numa Igreja pentecostal (Igreja Universal do Reino de Deus), na cidade de Caicó/
RN e em um Terreiro de candomblé, na cidade de Parelhas/RN. Consideramos o que foi
observado e através do aporte teórico que as três doutrinas religiosas exercem efeitos sobre
a saúde dos sujeitos auxiliando-os e dando significados para que estes obtenham a cura,
dentro da ideologia de cada uma das religiões estudadas. Dessa forma, imaginamos que
discutir as práticas alternativas de saúde constitui-se num momento propício para
(re)pensar a atual hegemonia que permeia a prática e o desenvolvimento da saúde nos
serviços prestados aos sujeitos que buscam e necessitam dos serviços de saúde.
Palavras - chave: Religião e cura. Sociedade e saúde. Saúde coletiva.
RESUMEN
Es interpretado a la luz de Antropología Social de Salud Pública y el significado de los
símbolos y representaciones en el proceso salud-enfermedad. Tomando como referencia
tres corrientes religiosas, el pentecostalismo, el espíritu y el candomblé, la pregunta es:
¿cómo la religión influye en el proceso de curación? La práctica religiosa implica el tema en
sus rituales que tienen un significado concreto a la enfermedad. Tratando de entender
cómo ocurre la curación a través de la religión se ha hecho uso de la observación
participante y entrevistas (estructuradas y semi-estructurada) en un centro espiritual y de
una Iglesia Pentecostal (Iglesia Universal del Reino de Dios) en la ciudad de Caicó / RN y
un Terreiro de Candomblé, en la ciudad par / RN. Consideramos que lo que se ha
observado y contribución teórica de las tres doctrinas religiosas ejercer efectos sobre la
salud de las personas y ayudarles a dar significado para ellos obtener una cura, en el marco
de la ideología de cada una de las religiones estudiadas. Por lo tanto, imaginar que la
práctica de discutir alternativas de salud se encuentra en un momento propicio para (re)
pensar la actual hegemonía que impregna la práctica y el desarrollo en los servicios de salud
prestados a personas que buscan y necesitan de los servicios de salud.
Palabras clave: la religión y la curación. La sociedad y la salud. Salud colectiva.
60
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Introdução
saúde. A tecnologia é uma ferramenta desenvolvida pelo homem para auxiliá-lo. Assim, se
faz necessário lembrar que o contato e a comunicação entre o sujeito e o profissional de
saúde são de fundamental importância, pois permite uma aproximação e uma troca de
símbolos entre ambos fazendo com que o sujeito sinta-se, também, responsável e
promotor na reabilitação de sua própria saúde.
Dentro deste contexto Oliveira (2002, p. 64) relata que se formou “[...] um quadro
paradoxal: grandes e incontestáveis avanços tecnológicos em benefício do ser humano, por
um lado, e, por outro, uma sensação de crise permanente, com atendimento inadequado,
insuficiente e, pior, oferecido sem eqüidade.” Percebemos que no atendimento à saúde é
necessário que seja firmado uma relação de confiança tendo em vista que o sujeito não
poderá ser um objeto que é levado em uma linha de produção passando por diversos
setores para resultar em um produto final, nesse caso seria a restauração da sua saúde.
Conforme Cerqueira-Santos; Koller; Pereira (2004, p. 90):
Como na maioria das vezes o sujeito deixa de ser o centro, assim, a doença e a
tecnologia tomam este lugar. Há a ausência da troca de símbolos e da formação de
significados acerca da doença por parte do sujeito (o que é algo inerente do ser humano
buscar a compreensão do que o afeta não só na saúde mais de modo geral), faz com que
haja uma evasão dos sujeitos nos serviços de saúde onde estes muitas vezes passam a ser
última hipótese na busca da restauração de sua saúde, quando deveria ser a primeira.
Kleinma e Knauth (apud OLIVEIRA, 2002, p. 64) em seus estudos informam que:
Dentro das formas alternativas de cura a religião é uma forte corrente que envolve
o sujeito e dá significado para a sua doença em um contexto e com símbolos bem
compreensíveis para o mesmo e além de tudo este permanece sendo ator principal no
processo de cura, sendo envolvido em rituais - que tem suas especificidades em cada
religião.
No desenvolvimento do processo de restauração da cura Rabelo (1993, p. 318)
informa que os “[...] terapeutas religiosos colocam-se em uma posição bastante
conveniente: não apenas afirmam dividir responsabilidade com a medicina moderna, mas
julgam intervir onde esta revela-se incapaz.” Com isso estes garantem espaço e mostram-se
necessários tanto quanto os profissionais que fazem parte dos serviços de saúde.
62
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Considerações
Como foi possível observar e constatar as religiões traz o sujeito para o centro de
suas atividades, tanto a IURD, o Espiritismo e o Candomblé, inserem o sujeito em um
contexto que busca estabelecer significados para a doença ou o mal que acomete o sujeito
doente. É importante ressaltar as peculiaridades de cada uma dessas correntes religiosas nos
seus rituais, os quais foram expostos anteriormente.
A busca pela colocação do sujeito no centro das atenções por parte das religiões
estudadas é algo pelo que podemos observar como, positivo e imprescindível, para uma
aproximação entre o sujeito doente e o outro que o auxilia na cura. Isso foi de certa forma,
sendo no decorre da evolução histórica dos serviços de saúde, menosprezado, e precisa
urgentemente ser recuperado, desde, a formação dos profissionais na academia, até que seja
consolidado e mantido na prática cotidiana do serviço-saúde, o que possibilitará uma
humanização nos serviços, e o mais imprescindível a formação e compreensão de certos
significados por parte do sujeito que procura o serviço de saúde, numa interação, que deve
ser constante, entre o profissional e o sujeito no transcorrer da assistência, ocorrendo à
formação de uma confiança, a consolidação real de uma relação de trabalho profissional-
sujeito, não uma imposição por parte de quem é detentor do conhecimento sistemático-
científico, e talvez um melhor desenrolar na reabilitação do sujeito, tendo em vista que este
será ator, e assim o deve ser, na restauração de sua saúde, pois este compreendendo,
interpretando e assimilando para o seu contexto cognitivo o que lhe é passado tornar-se-á
muito mais acessível e interativo no processo saúde-doença.
A hiperespecialização que se dá no desenvolvimento da saúde hoje; a tecnologia
sendo centrada muitas vezes entre o sujeito e o profissional de saúde impede uma melhor
interação entre ambos, tornando de certo modo o serviço saúde meramente mecanicista,
apesar de que é importante deixarmos, explícito, que não negamos à importância da mesma
no processo saúde-doença, mais que esta não vai além de uma ferramenta e desse modo
não pode tomar ares maiores que sua finalidade para a qual é proposta.
67
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Referências
Abstract: Studying the literature’s role in the student’s life, it is noticed a gradual disinterest
in literary text. The present article is a result of the intervention in a class of Fundamental
Educacion, in wich we achieved a socio interactive project, emphasizing the reading of
literary works, based in Jauss’s Reception Esthetic theory and in the Receptional Method
created by Bordini and Aguiar (1993). The objective is to contribuite for a teach – learning
that helps teachers and students to think carefully about the importance of the literary work
and to make the reader aware of his position in the society.
Keywords: literary text, Reception Esthetic, elementary school.
1. Introdução
Num contexto em que o cidadão comum interessa-se por formas de lazer menos
aprofundadas de interação com as artes e o conhecimento, insere-se a leitura literária, a qual
já teve nos dois últimos séculos um importante papel na formação da cultura geral, e hoje
está praticamente restrita à escola. Estudando o papel da literatura na vida dos educandos,
nota-se um gradual desinteresse pelos livros, de tal modo que estes, chegando ao Ensino
Médio, têm verdadeira apatia pela leitura. Os professores, por sua vez, parecem
despreparados para enfrentar o problema em sala de aula.
Dessa forma, a intervenção nas escolas torna-se imprescindível, a fim de
contribuirmos com um ensino-aprendizagem que auxilie tanto professores como alunos a
uma verdadeira reflexão sobre a importância da obra literária para a formação de um leitor
consciente de sua condição na sociedade. Por isso, buscamos uma turma de Ensino
Fundamental, para elaborar um projeto sócio - interacionista, enfatizando a leitura de obras
literárias, com base na teoria da Estética da Recepção e no Método Recepcional de Ensino
de Literatura, criado por Bordini e Aguiar (1993).
17
Bolsista da Iniciação Científica Voluntária da Universidade Estadual do Centro-Oeste.
69
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
2. Formação do leitor
A interação entre texto e leitor se dá com a fusão dos quadros de referência em que
estão inseridos. A esses quadros Jauss denominou “horizontes de expectativas, os quais
incluem todas as convenções estético-ideológicas que possibilitam a produção/recepção de
um texto” (BORDINI; AGUIAR, 1993, p.83).
Portanto, em termos educacionais o Método Recepcional concretiza-se com a
70
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
3. Aplicando o método
4. Considerações finais
5. Referências Bibliográficas
BARRETO, Lima. A nova Califórnia. In: MORICONI, Ítalo. Os cem melhores contos brasileiros
do século. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001. p. 34-42.
BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor. 2.
ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
ISRAEL, George; TOLLER, Paula. Gilmarley Song. <Disponível em
<http://letras.terra.com.br/kid-abelha/64093/>. Acesso em: 03 abr. 2008, 14:15:00.
FONSECA, Rubem. Passeio Noturno – parte I; Passeio noturno – parte II. In:
MORICONI, Ítalo. Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de janeiro: Objetiva, 2001. p.
283-289.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina. In: MORICONI, Ítalo. Os cem melhores contos
brasileiros do século. Rio de janeiro: Objetiva, 2001. p. 312-314.
LOBATO, Monteiro. Negrinha. Disponível em:
<http://www.bancodeescola.com/negrinha.htm>. Acesso em: 09 abr. 2008, 16:51:10.
LUCAS um intruso no formigueiro. Direção de John A. Davis. Los Angeles: Warner Bros.
Pictures, Playtone, DNA Productions Inc., Legendary Pictures: Dist. Warner Bros, 2006. 1
filme (88 min): son., color.; 16 mm.
NUNES, Lygia Bojunga. O sofá estampado. 8. ed. Rio de janeiro: José Olympio, 1988.
PITTY. O Lobo. Disponível em <http://pitty.musicas.mus.br/letras/69129/>. Acesso em:
03 abr. 2008, 14:20:00.
TREVISAN, Dalton. Uma vela para Dario. MORICONI, Ítalo. Os cem melhores contos
brasileiros do século. Rio de janeiro: Objetiva, 2001. p. 279-280.
ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 1989.
75
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Resumo: Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa conduzida com 153 alunos
da 1ª série do Ensino Médio na qual objetivou-se investigar a visão desses participantes
sobre o ensino da língua inglesa recebido no Ensino Fundamental. O referencial teórico
apoiou-se em estudos sobre formação de professores no campo da Lingüística Aplicada.
Os instrumentos empregados foram entrevista e questionário. Os resultados apontam que
o ensino de inglês recebido pelos participantes foi ineficiente. Segundo os alunos, as causas
dessa ineficiência foram, dentre outras, as práticas pedagógicas de seus professores e o mito
de que “só se aprende inglês nos cursinhos”.
Palavras-chave: Ensino/aprendizagem de língua inglesa; ensino fundamental; formação
de professor.
Abstract: This paper reports the results of a research conducted with 153 students from 1 st
grade High School in which we aimed at analyzing theirs view concerning the English
language teaching received at elementary schools. As the fundament for this research, we
used studies regarding teaching formation in the field of Applied Linguistics. Interview and
questionnaire were employed. Results show that the English Language teaching received by
the sample was inefficient. According to the students, the factors which caused this
inefficiency were, among others, teachers’ pedagogical practices and the myth that “it´s only
possible to learn English at language courses”.
Keywords: English language teaching/learning; elementary school; teacher formation.
Introdução
conseqüente com os artigos 205 e 206 da Constituição Federal, que baseiam o fim maior da
educação no pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Na base das habilidades mínimas necessárias ao cidadão deste século estão a leitura,
a escrita e o domínio de línguas, o qual é uma das habilidades que possibilitam a melhoria
do nível social, político e cultural.
Considerando que os participantes desta pesquisa foram aprovados no processo
seletivo do Colégio de Aplicação (CAP/COLUNI) da Universidade Federal de Viçosa
(UFV), que constava de quinze candidatos por vaga, e no devido processo a língua inglesa
não estava incluída, surgiu o interesse de ouvir seus depoimentos e experiências em relação
à disciplina língua inglesa.
Organizamos este artigo em quatro partes. Na primeira seção, tratamos do
referencial teórico, o qual se apoiou em parte da literatura existente em Lingüística Aplicada
sobre o tema formação de professores. Na segunda parte, trazemos a metodologia
escolhida para a realização do estudo, detalhando sua natureza, o contexto investigado, os
participantes, os instrumentos empregados na coleta de dados e a análise dos resultados.
Na terceira seção, analisamos e discutimos os resultados obtidos. Por fim, trazemos as
considerações finais do estudo.
Referencial teórico
Metodologia
Este trabalho configura-se como uma pesquisa híbrida, na qual se utilizou tanto o
paradigma qualitativo quanto o quantitativo. Como Scaramucci (1995) observa muito bem,
a tendência de se optar por apenas um paradigma, ignorando totalmente o outro, pode vir a
causar certa dificuldade em relação ao esclarecimento de variáveis relevantes no estudo. Daí
a opção pela realização de um trabalho híbrido.
Este estudo, conforme mencionado, foi realizado com 153 estudantes de ambos os
sexos de quatro turmas (A, B, C e D) da 1ª série do Ensino Médio do Colégio de Aplicação
(CAP/COLUNI) da Universidade Federal de Viçosa (UFV) no ano de 2004. Dos 153
alunos, 54 (35%) cursaram o Ensino Fundamental em escolas públicas e 99 (65%) em
privadas. Ainda sobre os participantes, é preciso mencionar que 150 (98%) estudaram em
escolas de Minas Gerais e apenas 3 (2%) em escolas de outros estados brasileiros. Por fim,
faz-se extremamente importante ressaltar que, conforme convivência da primeira autora
deste artigo, os alunos participantes desta pesquisa possuíam não só um enorme senso
crítico, mas também um imenso senso ético.
No que se refere ao contexto em que a pesquisa foi conduzida, o Colégio de
Aplicação (CAP/COLUNI), órgão da Universidade Federal de Viçosa (UFV), destina-se à
formação do aluno, ministrando o Ensino Médio. No transcorrer de seus quarenta e dois
anos de existência, o COLUNI tornou-se referência de um ensino de qualidade e mantém a
tradição de ser o melhor colégio de Minas Gerais, sendo considerado um paradigma para as
escolas do sistema oficial e particular da região; com professores habilitados, trabalhando
em regime de dedicação exclusiva, o que permite maior atendimento às dificuldades
individuais dos alunos. As atividades de ensino do colégio desenvolvem-se em modernas
instalações no campus da UFV que, além de salas de aula, dispõe de salas de projeção,
laboratórios de Química, Física, Biologia e Humanidades, bem como de Informática, que
possibilita acesso a uma rede de computadores conectada à internet. Os alunos utilizam
ainda a Biblioteca Central, a Praça de Esportes, o Restaurante Universitário e a Divisão de
78
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Saúde da UFV.
Em relação aos instrumentos de coleta de dados, utilizamos entrevista semi-
estruturada e questionário informativo.
A opção pelo uso de entrevista semi-estruturada deveu-se, segundo Nunan (1992),
porque nesta o pesquisador tem uma idéia geral de onde quer chegar, mas não entra na
entrevista com uma lista de questões predeterminadas. Vale destacar que todos os alunos
foram entrevistados por dois minutos e os depoimentos foram devidamente gravados, com
a permissão dos participantes.
•Você poderia relatar qual a leitura que você faz do ensino da língua inglesa lhe foi
oferecido no Ensino Fundamental?
•Há algum fato ou experiência que você gostaria de destacar?
Quanto ao questionário utilizado, tínhamos como objetivo identificar em que
cidade e estado19 onde o aluno cursou o Ensino Fundamental e se a escola era publica ou
privada.
Por meio da análise dos dados foi possível identificar cinco itens apontados pelos
alunos participantes como causadores de ineficiência no ensino de língua inglesa no Ensino
Fundamental: (1) Práticas Pedagógicas, (2) Mito - só se aprende inglês nos cursinhos -, (3) Perfil e
formação dos docentes, (4) Comunidade escolar e (5) Ausência de hábito de estudo. Vale
ressaltar também que foi possível observar uma considerável semelhança nos depoimentos
dos alunos da escola privada e nos da pública. Esta similaridade pôde ser facilmente
percebida por meio dos itens mencionados pelos participantes como responsáveis pela não
eficiência do ensino de inglês recebido no Ensino Fundamental.
Práticas pedagógicas
Hoje, mais do que nunca, o processo de ensino deve primar pela busca
do eficiente, do significativo, do criativo. Essas são exigências com as
quais nos defrontamos e que partem do aluno, que se prepara para atuar
numa sociedade que vive sob o signo da competitividade, onde a
excelência é o objetivo almejado.
O programa de disciplina que norteia uma atividade proficiente e segura por parte
dos professores de língua inglesa, e que perpassa pela prática pedagógica, foi apontado
pelos participantes como um agravante da pouca eficiência registrada no ensino desta
língua nas escolas de Minas Gerais, pois os alunos identificaram uma quase total ausência
de objetivos nesse programa. O mesmo agravante também foi observado por Coelho
(2005) em sua dissertação de mestrado. Segundo a autora, a carência de um programa
pedagógico estruturado é um dos principais fatores causadores de deficiência no ensino de
inglês nas escolas públicas brasileiras.
Os participantes mencionaram que os conteúdos foram simplesmente repetidos nas
quatro séries do Ensino Fundamental. Porém, notou-se que parece ser cômodo para os
alunos estudarem as estruturas básicas, em conseqüência, demonstram certa dificuldade em
conteúdos como “verbo to be”, manipulando o professor e vice-versa. Ainda segundo os
participantes, pouca ou nenhuma atenção foi dada à prática oral e vocabulário e a utilização
do áudio (atividade de listening) foi feita apenas como atividade rotineira e mecânica. Como
Rutherford (1987) enfatiza muito bem, o ensino de gramática tem sido considerado
sinônimo de ensino de língua estrangeira há 2.500 anos. E vinte e um anos depois vemos
que essa visão continua.
No que se refere ao mito “só se aprende inglês nos cursinhos”, 24,55% dos participantes o
apontaram como uma das causas da não eficiência no ensino de inglês no Ensino
Fundamental. Segundo os alunos, este mito é propagado pela mídia e, hoje, está inserido
nas escolas, permeando todo o processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa neste
contexto. Autoras como Paiva (1997), Barcelos (1995), Silva (2001) e Coelho (2005)
também encontraram esse mesmo resultado em suas pesquisas.
80
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Em relação ao perfil e formação dos docentes, 19,09% dos alunos acreditam que este
item seja um dos fatores responsáveis pela ineficiência no ensino de inglês no Ensino
Fundamental. Os participantes comentaram que os professores muitas vezes enfrentam
dificuldades na sua própria formação. São poucos anos de estudo da língua estrangeira de
uma forma mais densa. Ou se, por outro lado, os professores dominam a língua foi porque
buscaram essa formação fora das Universidades; por conseguinte, falta-lhes o
conhecimento teórico e até mesmo prático. Os alunos perceberam também, ao longo dos
estudos no Ensino Fundamental, uma incidência de professores sem a titulação mínima
exigida (graduação). Segundo Leffa (2001), isso deriva de um desequilíbrio, onde a procura
por docentes é maior do que a oferta de profissionais competentes.
E é de nosso conhecimento que a formação de professores é o alicerce
fundamental para melhoria da qualidade do ensino. Segundo os PCNs a formação de
professores de 5ª a 8ª série precisa ser revista, feita em nível superior nos cursos de
licenciatura. Entretanto, reconhecemos que a legislação sozinha não é capaz de garantir um
ensino de qualidade. Temos visto formarem-se especialistas em áreas do conhecimento,
sem reflexões e informações que dêem sustentação à sua prática pedagógica (Perrenoud,
1999; Mateus, 2002). Professores que são treinados e não formados, pois profissionais que
receberam formação reconhecem a necessidade da educação contínua apontada por Silva
(2000).
Conforme mencionado no referencial teórico deste trabalho, vários autores têm
mencionado a reflexão como principal instrumento para o desenvolvimento do professor
de língua estrangeira (Zeichner e Liston, 1996, Perrenoud, 1999). Como sugere Maza
(1997), o professor de hoje deve ser um profissional participativo, reflexivo, observador de
sua própria prática e da prática de seus colegas, ou seja, pesquisador. Ele não é mais um
modelo de detenção do saber, ele não apenas treina seus alunos. Ele precisa tornar-se o
facilitador da aprendizagem e sua principal função, em sala de aula, é dar significação ao
processo pedagógico.
Quando eu não conheço a mim mesmo, eu não posso saber quem são os
meus alunos. Eu os verei através de um vidro escurecido, nas sombras da
minha vida não examinada - e quando eu não puder vê-los claramente,
eu não poderei ensiná-los bem20.
Comunidade escolar
Por comunidade escolar entendemos que seja aquela que engloba diretores,
coordenadores, supervisores e professores de outras áreas. Para 15% dos participantes
desta pesquisa, esta comunidade se configura como um dos fatores causadores de
ineficiência no ensino de inglês durante o Ensino Fundamental. Segundo os alunos, a
comunidade escolar é uma das responsáveis por esta ineficiência porque menospreza a
20
Tradução feita pelas autoras deste artigo.
81
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
disciplina língua inglesa e, por conseguinte, é responsável pelo que nos aponta Moita Lopes
(2002, p. 75): “mesmo quando não explicitadas para o aluno, estas mensagens tácitas
chegam a eles”.
Somos conscientes de que em nossos dias faz-se necessário que a maioria dos
cidadãos adquira o domínio de línguas estrangeiras como instrumento de vida. Porém,
paradoxal e infelizmente, observou-se, neste estudo, que esta consciência parece não ter
ainda despertado a comunidade escolar que, de acordo com os participantes, deixa aparente
a necessidade de uma maior ética interdisciplinar.
Por fim, no tocante ao hábito de estudo, 12,73% dos alunos indicaram este item como
um dos responsáveis pela não eficiência no ensino de língua inglesa no Ensino
Fundamental. De acordo com os participantes, quase nenhum tempo é reservado em casa
para estudo. Segundo os PCNs se a aprendizagem não for uma experiência bem-sucedida,
o aluno construirá uma representação de si mesmo como alguém incapaz de aprender e o
aprendizado tenderá a se transformar em ameaça, então, a ousadia necessária se
transformará em medo, para o qual a defesa possível é a manifestação do desinteresse.
A tabela abaixo resume os fatores causadores da ineficiência no ensino de
inglês no Ensino Fundamental em Minas Gerais.
Considerações finais
Referências bibliográficas
Resumo: Este trabalho tem por objetivo catalogar os vários sentidos do get em gramáticas
e dicionários de língua inglesa, analisá-los morfossintaticamente e observar como tais livros
trazem a palavra. A investigação tem como base a proposta de Selinker e Kuteva (1992) 21,
que levantam os vários sentidos da palavra, mostrando como os mesmos são relacionados.
Os resultados mostram que o material pesquisado traz os sentidos da palavra separados e,
muitas vezes, dispostos dos mais literais aos mais metafóricos. Algumas estruturas, no
entanto, não têm correspondentes em língua portuguesa, o que pode causar estranheza a
brasileiros, estudantes de inglês como língua estrangeira.
Palavras-chave: ensino – metáfora conceitual – get.
Abstract: This work has the aim to catalog the various meanings of get in English
grammars and dictionaries, analyze them in a morphologic and syntactic way and observe
how these books exhibit the word. The investigation has as basis Selinker & Kuteva
(1992)’s proposal in which they raise the various meanings of the verb, showing how the
relations among them happen. The results show that the investigated books bring the
meanings of the word separated and in some cases disposed from the most literal to the
most metaphoric one. Some structures, however, don’t have correspondents in Portuguese
language. This fact can cause strangeness to Brazilian students of English as a second
language.
Palavras-chave: teaching – conceptual metaphor – get.
Introdução
A análise de algumas gramáticas de língua inglesa (Murphy, 1993; Mc. Carthy &
O’Dell, 1998; Redman, 1997; Swan, 1990; Eastwood, 1999; Hewing, 1999) nos mostrou
que apenas os livros especializados sobre o “uso” da língua trazem o verbo get como um
21
Selinker &Kuteva (1992) destacam, sob a ótica da Linguistica Cognitiva, as ligações e inter-relações
entre os vários sentidos da palavra polissêmica get , procurando dessa forma facilitar a aprendizagem
desse termo.
84
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
ponto a ser estudado de maneira específica. Swan (1990) afirma que get é um dos verbos
mais comuns no inglês falado, embora sua freqüência na língua escrita se dê em menos
ocasiões. Para o autor, professores e estudiosos da língua acham que usar get na língua
escrita não é um bom estilo. Redman (1997) também menciona o uso deste como uma
estrutura mais comum na linguagem falada do que na escrita. Já Mc. Carthy & O’Dell
(1998), no capítulo de seu trabalho destinado ao get, põem o verbo como uma palavra
muito usada em língua falada, sem, porém, mencionar o uso na língua escrita. Outros livros
abordam a palavra estudada apenas mencionando definições e exemplos de usos.
Lingüistas aplicados (e.g. Lima e Araújo, 2005), de modo geral, hipotetizam que um
dos fatores que podem trazer problemas de uso da LE é a diferença existente entre sentido
e estrutura da língua estudada e a primeira língua do aprendiz. No caso particular do verbo
get, tal fato pode explicar a dificuldade dos brasileiros de produzirem enunciados com
verbos alternativos para cada situação em contexto que falantes nativos usariam o get.
Sentidos e estruturas morfossintáticas parecem estreitamente relacionadas, como defende a
Lingüística Cognitiva (Croft & Cruise, 2004; Givón, 2001).
Pesquisas recentes de Lima (2005) têm mostrado claramente que estruturas como
hunger for em inglês, ou “ter fome de”, em português, só aparecem em contextos
metafóricos, expressando desejo. Nesse sentido, nossa investigação passa pela análise dos
sentidos do get, conforme traçados por Selinker e Kuteva (1992), mas associada à estrutura
morfossintática coocorrente. Associar esses dois fatores pode contribuir de forma efetiva
para a produção de enunciados com get por aprendizes brasileiros, uma vez que
observações das diferenças e semelhanças de um e de outro com a língua portuguesa pode
indicar uma estratégia pedagógica mais direcionada a cada caso.
Além disso, verificar a freqüência de uso de cada sentido/estrutura na LI pode
auxiliar na escolha dos itens mais relevantes para fins instrucionais. Com o objetivo de
verificar essas questões, levantamos a estrutura morfossintática do verbo da língua inglesa
get em gramáticas e dicionários.
Para Swan (1990), a palavra tem quatro sentidos principais, o que corrobora o
mapeamento proposto por Selinker e Kuteva (1992), que traz a mesma quantidade de
sentidos mais literais e a partir dos quais derivariam aqueles mais metafóricos. Segundo o
autor, o primeiro sentido da palavra é o de “receber”, “obter”. Com esse sentido, o verbo é
usado com um objeto direto [e.g. I got a letter from Lucy this morning (Recebi uma carta de
Lucy essa manhã)]. Para Swan (ibid), o sentido exato da palavra em uma sentença (receber
ou obter), depende do contexto. Em português, os verbos “receber” e “obter”, assim como
na LI, são verbos também usados com objeto direto (Ferreira, 1988). Além disso, Houaiss
(2001) menciona a possibilidade de esses verbos serem também bitransitivos (e.g. Obteve-
lhe um emprego; Tocantins recebe do Araguaia suas águas na divisa do Pará), ou ainda, no
caso de obter, o verbo ser também pronominal (e.g. Os dois receber-se-ão no sábado).
O segundo sentido do get [e.g. aquele encontrado em get away from me (sair)], ainda de
acordo com Swan (ibid), seria aquele que sugere algum tipo de mudança ou movimento.
Aqui, a palavra pode ser usada com adjetivo [e. g She got dressed (Ela se vestiu)], infinitivo
[e.g. How did you get to be a driver, Jed? (Como você conseguiu ser um motorista, Jed?)],
particípio [e.g.How did the window get broken?( Como a janela se quebrou?)], preposição [e.g.
My waist size had suddenly increased and I could not get into my trousers any more. ( O tamanho da
85
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
minha cintura aumentou inesperadamente e não pude mais entrar nas minhas calças
compridas)] ou partícula adverbial [e.g. Get away (Dê o fora)]
Para uma compreensão mais detalhada de cada estrutura do inglês, Swan (ibid)
mostra algumas diferenças que ocorrem no segundo sentido acima (mudança ou
movimento). Assim, quando a palavra vem acompanhada de uma partícula de movimento,
ou de uma preposição, o tipo de mudança referida é quase sempre um movimento [e.g.
Let's get back to Florence (Vamos voltar para Florença)]. Se get for seguido por um particípio
passado [e.g. broken (quebrado)], o sentido é muito similar ao da voz passiva e a palavra
age como um verbo auxiliar [e.g. that picture got damaged when we were moving (aquele quadro foi
danificado quando estávamos nos mudando)]. Em língua portuguesa, a voz passiva,
conforme Faraco & Moura (1995) mostram, é feita com a ajuda do verbo ser, que não
constitui sentido de get.
A respeito da passiva com o get, em língua inglesa, Eastwood (1999) também
menciona que o uso da palavra com essa estrutura emprega o verbo to be (ser/estar) [e.g.
lots of postmen were bitten by dogs (muitos carteiros foram mordidos por cachorros)]. O autor
cita que o uso do get com passiva se faz em situações informais e geralmente quando se
refere a algo que acontece por acaso ou inesperadamente. Murphy (1993) concorda com
Eastwood (ibid) com respeito a este uso de get, quando se trata de ação não planejada.
Hewings (1999), no entanto, afirma que o uso do get + passiva ocorre mais em discurso
informais em imperativos [e.g. Don’t get up about it (Não se incomode com isso)], e em
algumas frases tais como get married (case-se) [e.g. Where did you live before you got married?
( onde você morava antes de casar?)].
O terceiro uso do get, de acordo com Swan (1990), é aquele em que a palavra é
seguida por um objeto direto que, por sua vez, requer o uso de um adjetivo [e.g. I can’t get
my hands warm (Não consigo esquentar minhas mãos)], um infinitivo [e.g.Let’s get her to buy us
lunch (Vamos pedi-la para comprar almoço para nós)], um particípio [e.g. I must get my hair
cut (Devo cortar meu cabelo)] ou uma preposição ou partícula adverbial [e.g Please get you
elbow out of my stomach ( por favor tire seu cotovelo do meu estômago)]. O sentido da
palavra, com tais usos, envolve mudar. Segundo Hewings (1999), a utilização da estrutura
get + particípio passado ocorre quando queremos que alguém faça algo para nós [e.g.We got
the car delivered to the airport (Tivemos o carro entregue no aeroporto)]. Get, nesse padrão, é
normalmente usado apenas em conversação e escrita informal.
Quanto ao terceiro uso da palavra, nossa investigação nas gramáticas citadas, não
encontra exemplos de estrutura em língua portuguesa com tal emprego. Podemos, dessa
forma, inferir que tal prática cause estranheza e dificuldade de uso pelo grupo de
aprendizes mencionados.
O quarto e último sentido principal de get, sugerido por Swan (1990), refere-se ao
uso da forma de particípio passado da palavra (got). Com essa estrutura, got é usado em
algumas formas do verbo to have (ter), e refere-se a “posse”, “relacionamento” [e. g I’ve got a
cousin who lives in Athens (Tenho um primo que mora em Atenas)] ou, obrigação [e. g Have
you really got to go? (Você tem mesmo que ir?)]. Ainda, segundo o autor, a estrutura have + got
é usada também no inglês americano, mas em outra estrutura. Na língua falada por
americanos, o particípio passado de get é gotten [e.g.She’s finally gotten her brakes fixed (Ela
finalmente teve seus freios consertados)].
86
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Hewing (1999) menciona que alguns verbos são raramente ou nunca usados com
um pronome reflexivo em inglês, embora verbos correspondentes em outras línguas o
sejam. Dentre as palavras que o autor mostra, o get aparece em get up (levantar), get hot
(esquentar) e get tired (cansar). [e. g She got up late (Ela levantou cedo), It’s getting hot (Está
esquentando), He got tired, yesterday ( Ele ficou cansado ontem)]. Em língua portuguesa, de
acordo com Houaiss (2001), alguns verbos podem ser usados na estrutura pronominal, que
equivalem ao uso reflexivo mencionado por Hewing (ib) (e.g. No verão, o sol se levanta bem
cedo; venha e esquente-se perto da lareira; e pessoas asmáticas cansam-se demais).
Ainda, no que se refere ao get, o verbo conta com outros usos, como mencionado
por Murphy (1993). Um deles é a estrutura get + used to, que tem o sentido de algo que não
é estranho para alguém, ou seja, a pessoa está acostumada com algo. [e.g. Our new apartment
is on a very busy street. I suppose we’ll get used to the noise. (Nosso novo apartamento é em uma rua
muito barulhenta. Suponho que iremos nos acostumar com o barulho).
O autor salienta ainda que a palavra to da estrutura seja uma preposição e não parte
do infinitivo como em I want to play tennis (Quero jogar tênis). Em língua portuguesa, de
acordo com Houaiss (2001), o verbo acostumar-se (que é usado onde em inglês se utiliza
get used to) é um verbo que pode ser transitivo direto, indireto, bitransitivo e pronominal
(e.g. O luxo e a riqueza acostumaram-no; desde cedo acostumou os filhos ao trabalho; e não
tardou a acostumar-se com o ambiente).
Outros usos dizem respeito aos verbos frasais (verbo + partícula), dentre os quais o
get pode ser usado com on [e. g The bus was full. We couldn’t get on ( O ônibus estava tão cheio
que não conseguimos entrar)] ou up [e.g. I was so tired this morning that I couldn’t get up (Estava
tão cansado essa manhã que não conseguia levantar)]. Nesses exemplos, as palavras on e up
dão um sentido especial ao verbo. No caso do up, para cima e on, para dentro. Nossa
investigação em gramáticas encontrou verbos, em português, cujos complementos são
encabeçados por objetos indiretos, isto é, necessitam de uma preposição antes de seu
complemento (e.g. Escrever aos pais). A falta dessa preposição pode prejudicar o sentido ou
a correção do contexto, como o verbo assistir a seguir: assistir o paciente (sem preposição,
seguido por um objeto direto, como sentido de socorrer); ou assistir ao filme (com
preposição, significando presenciar), (Bechara, 1978).
Dicionários, como, por exemplo, Merriam – Webster Online Dictionary, trazem,
além dos muitos sentidos de get, a etimologia da palavra. O termo, que surgiu na idade
média, é originário do Old Norse geta, que se transformou em get ou beget e é também similar
ao inglês antigo que parte de bigietan a beget. No latim, a palavra tem origem em prehendere
com o sentido de seize (pegar) e grasp (agarrar). Já no grego, o termo é proveniente de
chandanein, com o sentido de hold (segurar), contain (conter). Uma observação da etimologia
da palavra estudada nos fez perceber que a mesma era utilizada com os sentidos mais
literais (segurar, pegar, agarrar).
Além da etimologia, observamos também como os dicionários (e.g. Oxford
Advanced Learner’s) trazem a palavra pesquisada. Tagnin(1977), em um estudo sobre os
sentidos de get, menciona a falta de preocupação de autores, na abordagem tradicional, em
agrupar os vários sentidos das palavras em dicionários. Mas, dicionários modernos como
MacMillan English Dictionary for Advanced Learners traz palavras polissêmicas como get
separadas em entradas. Os sentidos aparecem com ordem que vem dos mais literais aos
87
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
mais metafóricos.
Na observação de alguns dicionários, concluímos que os mesmos trazem os
sentidos da palavra, geralmente seguindo a seguinte ordem: o primeiro sentido que surge é
o de, receive (receber) ou obtain (obter); depois, aparece reach or bring to a particular state or
condition (alcançar ou trazer a um estado ou condição particular); em seguida, get aparece
significando make something happen (fazer algo acontecer); além dos sentidos já mencionados,
temos os de reach to the point where one does something (chegar ao ponto onde alguém faz algo),
move or cause to move (mover ou causar movimento).
Os dicionários apresentam ainda outros sentidos da forma verbal, mostrando
que a maioria das variações se dá quando o verbo vem acompanhado de uma partícula
modificadora de sentido, os chamados phrasal verbs (verbos frasais). Essa variedade de
combinações ocorre entre verbos e preposições ou advérbios, ou ambos, para formar um
novo verbo, com um significado que é diferente daquele da palavra simples. Um exemplo
de uma construção desse tipo está em get over (recuperar de uma enfermidade) em que get
une-se a uma preposição over para ter seu sentido modificado. Tal modificação, entretanto,
não parece ser arbitrária como estabelecido pela visão tradicional, mas motivada por
metáforas subjacentes, como mostra trabalhos como os de Lindstromberg (1996) e
Hodgson (2004), entre outros.
Considerações Finais
Referência Bibliográfica
Resumo
Por meio desse trabalho, buscou-se apresentar os aspectos teóricos e práticos de uma
práxis pedagógica cristã mediada pela educação visual e estética. Inicialmente,
descreveremos a importância da educação cristã nos movimentos da Reforma Protestante e
Contra-Reforma, na seqüência as definições de educação estética, educação visual e o
processo de desleitura de textos. Para tanto, fundamentou-se em diversas pesquisas de
vários autores como Lessa, Bloom, Dondis entre outros. A partir dessas conceituações,
buscou-se, por meio de uma prática consciente utilizar recursos estéticos como um meio
para proporcionar uma aprendizagem mais significativa, no qual levarão os aprendizes a
expressarem seus talentos, imaginação e a aquisição do conhecimento por uma práxis
diferenciada. O foco central do nosso trabalho foi observar como as diferentes linguagens
(teatro, música, literatura, pintura, entre outros) podendo enfim possibilitar uma mediação
entre o sujeito e o ensino/aprendizagem cristão, portanto, proporcionando cenas de uma
educação cristã com maior eficácia na ação didática.
Palavras chaves: cristianismo; dialética; linguagens;
Abstract
Through this work, trying to provide theoretical and practical aspects of a
pedagogical practice Christian mediated by the visual and aesthetic education. Initially,
describe the importance of education in Christian movements Protestant Reformation and
Counter-Reformation, in the sequence the definitions of aesthetic education, visual
education and the process of reading of texts. For both, was based on several searches of
several authors such as Read, Vygotsky, Lessa, Bloom, Dondis, Luzuriaga among others.
From these conceptualizations, trying to, through a practice conscious aesthetic use
resources as a means to provide a more meaningful learning, which will lead the
apprentices to express their talent, imagination and the acquisition of knowledge by a
different practice. The central focus of our work was to observe how the different
languages (theatre, music, literature, painting, among others) may finally allow a mediation
between the subject and teaching / learning Christian, therefore, providing scenes of a
Christian education more effectively in didactic action.
Index Terms: christianity; dialectic; languages;
90
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Introdução
Conceituamos práxis, do grego πράξις, é o processo pelo qual uma teoria, lição ou
habilidade é executada ou praticada, convertendo-se em parte da experiência vivida. Na
Sociologia, pode ser resumida como as atividades materiais e intelectuais exercidas pelo
homem que contribuem à transformação da realidade social.
Teoria não possui uma única definição, do grego θεωρία ,o substantivo grego
‘theoría’ significa ação de contemplar, olhar, examinar, especular e, também, vista,
espetáculo. Também pode ser entendido como forma de pensar e entender algum
fenômeno a partir da observação.
Enquanto que, no ensino, uma lição é apenas absorvida a nível intelectual no
decurso de uma aula, as idéias são postas à prova e experimentadas no mundo real,
seguidas de uma contemplação reflexiva. Desta maneira, os conceitos abstratos ligam-se à
realidade vivida, conforme Pimenta comenta que “o objeto da atividade prática é a
natureza, a sociedade ou os homens reais. A finalidade dessa atividade é a transformação
real, objetiva, do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana.
E o resultado é uma nova realidade, que subsiste independentemente do sujeito ou dos
sujeitos concretos que a engendram com sua atividade subjetiva, mas que, sem dúvida, só
existe pelo homem e para o homem como ser social”. (2001, p. 90).
94
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
utilizando todos os recursos que dispomos, já que não vemos com facilidade essas
atividades sendo realizadas no meio da educação cristã.
Partindo desse princípio, desenvolvemos e realizamos um projeto em uma
Instituição Religiosa, denominada ‘Igreja Morada do Altíssimo’, para alunos do Grupo
Missionário de Crianças, com idade entre sete e nove anos.
Para a elaboração do nosso plano de ensino, utilizamos às leituras de Read (2001),
Buoro (2001), Bloom (1991), Dondis (1996), Gardner (1999), Vigotski (1998-2003) Freitas
(2006) e Braga (2006), pois necessitávamos de autores que viessem ao nosso encontro
embasando nossas leituras. Queríamos uma pesquisa diferente usando a educação cristã
juntando a educação estética que pouco se vê em igrejas que utilizam a estética para ensinar
seus dogmas e sofismas.
A estruturação do plano de ensino foi embasada na proposta de Dondis, que define
“A experiência visual humana é fundamental no aprendizado para que possamos
compreender o meio ambiente e reagir a ele; a informação visual é o mais antigo registro da
história humana”. (DONDIS, 1996, p. 7).
A partir disso, começou-se a pensar nas estratégias para que tal educação pudesse
concretizar com êxito, estabelecendo os objetivos de forma clara: fazer o dueto entre as
linguagens (textos religiosos, textos literários, arte, música, teatro e linguagem visual).
Observações finais
Referências
Resumo: Este trabalho constitui-se a partir da verificação de leitura de dois textos, feita
por alunos do Ensino Fundamental (5ª série) em duas escolas localizadas no município de
Prudentópolis-Paraná, uma na área central da cidade e outra na área rural. A pesquisa
objetiva diagnosticar a competência leitora desses alunos. Também, tem a intenção de
verificar o papel dos conhecimentos prévios na construção dos sentidos na leitura.
Palavras-chave: leitura; concepção interacionista; conhecimentos prévios.
Abstract: This article reports the reading of two texts made by students of an primary
education (fifth level) in two schools in the municipality of Prudentópolis-Paraná- Brazil,
one in downtown Prudentópolis and other in the rural area. The investigation has as
purpose to diagnose the reading competence of these students. It also has the objective to
investigate the paper of previous knowledge in the building of the senses in the reading.
Key-words: reading; interactive conception; previous knowledge.
1 – Concepções de leitura
A leitura tem sido estudada e descrita a partir de diferentes teorias, o que gera uma
diversidade de concepções. A leitura pode ser concebida como “captação” do significado
do texto. Nessa concepção, o texto é o elemento primordial da leitura, pois nele está toda a
essência do conhecimento e as informações necessárias para que haja a compreensão do
escrito. Assim, o leitor não é concebido como sujeito ativo, cabendo a ele somente extrair
as informações já prontas e acabadas.
O ato de ler também pode ser entendido como forma de atribuição de significado
às palavras escritas (Goodman, 1987; Smith, 1999). Ao contrário da primeira concepção, a
atribuição de sentido coloca o leitor como a fonte do conhecimento. A qualidade do texto
é considerada menos importante que o repertório de conhecimentos que o leitor adquire
em sua trajetória de vida e traz para a leitura.
Essas duas concepções têm sido alvo de muitas críticas, visto que, ao privilegiarem
ora o papel do texto ora o papel do leitor, acabam por oferecer uma visão muito limitada
acerca da leitura. Dessa forma, diversos autores vêm abordando a leitura como um
processo interativo (Kleiman, 1989; 1996; Kato, 1990; Leffa, 1996). Nessa concepção, o ato
de ler passa a ser visto como um processo que integra tanto as informações da página
impressa – um processo perceptivo – quanto as informações que o leitor traz para o texto
– um processo cognitivo. Isso implica reconhecer que o significado não está nem no texto
nem na mente do leitor; o significado torna-se acessível mediante o processo de interação
98
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
entre leitor e texto, não mais um produto de leitura que se centra num só dos participantes:
o texto ou o leitor.
Para que a interação leitor e texto seja o mais produtiva possível, é preciso que o
leitor desenvolva uma série de estratégias, “que envolvem a presença de objetivos a serem
realizados, o planejamento das ações que se desencadeiam para atingi-los, assim como sua
avaliação e possível mudança” (Solé, 1998, p.70). Nesse sentido, se o leitor processa o
texto é porque tem alguma meta a ser alcançada e é a partir desta que faz previsões sobre o
conteúdo do texto, seleciona as informações mais relevantes, inferencia – baseando-se nas
informações proporcionadas pelo texto e nos seus conhecimentos prévios – confirma ou
refuta as previsões e inferências antes mencionadas, retrocede na leitura a fim de resolver
possíveis dúvidas. É o que nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998) denomina-
se de estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação.
Autores como Dell’Isola (1996) e Moita Lopes (1996) adicionam o componente
social na atividade de interação. Para eles, a leitura é numa prática social, porque leitor e
autor revelam na leitura marcas da individualidade e do lugar social de onde provêm.
Dell’Isola (1996) aponta a leitura como ato de co-produção do texto. Isso porque o texto
nunca está acabado, pois apresenta espaços lacunares que serão preenchidos de acordo
com as condições sociais, ideológicas, culturais, históricas e afetivas do leitor. Moita Lopes
(1996) chama a atenção para o fato de que há relações de poder implícitas no uso da
linguagem. Assim, ao interagir com o texto, o sujeito leitor deve adquirir uma postura
crítica para questionar determinadas “verdades” veiculadas no texto e, consequentemente,
certos aspectos da realidade.
Portanto, a leitura, enquanto interação, envolve elementos diversos, incluindo não
apenas o texto (forma e conteúdo), mas também as características do sujeito leitor (seus
conhecimentos prévios, seus objetivos, suas estratégias, suas opiniões, suas crenças) e o
contexto social que envolve o leitor, o texto e o momento de produção da leitura.
3 – Cenário da pesquisa
Na leitura do texto “Carroça vazia”, os dados revelam que a grande maioria dos
alunos da escola A, 91%, copia partes do texto, demonstrando que não constrói a
compreensão, apenas extrai algumas informações. No exemplo A6, constata-se que o aluno
inicia sua resposta buscando demonstrar que se trata de uma construção pessoal (“eu
entendi”), contudo, no restante da resposta, limita-se a copiar as primeiras linhas do texto:
A6: “Eu entendi que serta manhã meu pai munto sábio, convidou-me a dar um passeio no bosque
e eu aceitei com muito praser. Ele se deteve numa clareira e depois de um pequeno silêncio me perguntou: -
Além do cantar dos pássaros. Você está ouvindo mais alguma coisa? Apurei os ouvidos alguns segundos e
respondi: - Um barulho de carroça”.
A14: “Eu entendi que no texto tinha um menino que foi dar um passeio com seu pai e ele deu
alguns exemplos, que quando a carroça está vasia ela faz mais barulho e quando nós entramos na carroça
faz pouco barulho e eu entendi com isso que tem pessoas que ficam gritando querendo ser o maior que
sempre tem mais, as pessoas tem se respeitar”.
A10: “Quem primeiro se retira é Elias com a mulher as despojos da vaca estão estendidos numa
poça de sangue. João chana com uim assobio seus dois auxiliares”.
A21: “Que eles bateram numa vaca e pegaram toda a carne da vaquinha, coitadinha. que uma
vaca queria ir para o Rio de Janeiro mas o motorista bateu nela e ela morreu”
Embora não tenha apresentado reflexões sobre os motivos que levaram as pessoas
a disputar a carne do animal, o aluno consegue reconstruir com as suas palavras o enredo,
manifestando conhecimento da estrutura narrativa. Nota-se, ainda, que o aluno usa o
substantivo vaca no diminutivo para expressar algum sentimento de piedade para com o
animal. Tal ocorrência pode ser explicada pelo fato de ele morar no interior e de que o
animal faz parte de seu cotidiano, podendo assim lhe representar algum valor. Conforme
Dell’Isola (1996), os espaços lacunares presentes em todo texto são preenchidos também
com as condições afetivas do leitor.
Analisemos outros dois exemplos:
Observa-se que os alunos A8 e A13 enfatizam suas respostas nas ações das
personagens, as quais não compartilham os instrumentos para abaterem a vaca. Isso
evidencia que mesmo não apresentando reflexões sobre os motivos que levaram os
moradores a ignorarem as pessoas mortas, os alunos conseguem tecer comentários
relevantes sobre a falta de solidariedade. Outro aspecto que pode ser notado na escola A é
com relação ao vocabulário utilizado pelos alunos, pois alguns usam algumas palavras da
variedade não padrão da língua portuguesa, por exemplo, “canhar”, “cainho”. Geralmente
essas palavras, que revelam a procedência dos alunos – marcas de seu lugar social – são
ignoradas pela escola, por se tratar de palavras que não condizem com a variedade padrão
da nossa língua, porém se trata de um repertório de conhecimentos adquirido pelo aluno
no convívio social.
103
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
B10: “Que tem gente que quer ser mais rico e glamuroso que os outros e isso é tipo a carroça que
faz barulho e irrita os outros e não podemos ser assim”.
B5: “Que aconteceu um acidente em cima de uma ponte, com um ônibus que ia do Rio de Janeiro
para São Paulo e uma vaca que ia de São Paulo para o Rio de Janeiro”.
B3: “Que nenhuma semelhança tem coincidência”.
B11: “Que aconteceu um acidente numa ponte um ônibus bateu na vaca e os passageiros
morreram mas os vizinhos da ponte queriam só a carne da vaca e nem se preocuparam com as pessoas do
acidente que estavam mortas”.
próprias palavras, pois resume parte da história com as palavras do autor. Todavia, quando
diz “os vizinhos queriam só a carne e nem se preocuparam com as pessoas do acidente”, o aluno B11
revela uma preocupação com o fato ocorrido. Assim, ele participa de forma mais ativa na
leitura, pois dá sentido às ações das personagens e expressa sua opinião na resposta. Já o
aluno B1 enfoca sua resposta em outro ponto, o qual corresponde à velocidade do
motorista:
B1: “Que o motorista atropelou uma vaca na ponte, pois está muito rápido”.
B4: “Eu entendi que se a gente for andar de carro tem que cuidar os animais e a estrada”.
Pode-se afirmar que, ao dizer “Eu entendi que se a gente for andar de carro...”, o aluno já
teve ou tem experiência com automóveis. Seu conhecimento de mundo foi ativado no ato
da leitura quando se inclui no texto, e ao continuar “... tem que cuidar os animais e a estrada”, o
aluno B4 deixa seu ponto de vista e tenta explicar a preocupação que se deve ter com a
direção e com os animais. Trata-se de conhecimentos baseados na experiência vivencial.
perpetuação de valores afetivos e sociais (“coitadinha”, “as pessoas tem se respeitar”, “não querer
só pra gente”), por meio do enfoque dado às ações das personagens (por exemplo, na ênfase
à velocidade do motorista e aos cuidados no trânsito). Ao manifestarem esses
conhecimentos, os alunos conseguiram distanciar-se das palavras do autor e produzir um
sentido a mais para o texto, mesmo que a resposta não seja aquela que o professor poderia
determinar como certa.
Nota-se que faltou aos alunos das escolas pesquisadas o conhecimento das
contradições da realidade, o qual poderia favorecer o desenvolvimento de argumentos e o
posicionamento crítico. Por exemplo, na leitura do texto “Relato de ocorrência em que
qualquer semelhança não é mera coincidência”, não se evidenciou nenhum comentário
acerca do porquê as pessoas demonstrarem preocupação apenas em apanhar a carne da
vaca, ignorando as vítimas do acidente. De acordo com Silva (1991, p.80),
Por isso, é urgente que a prática de leitura nas escolas seja redimensionada,
deixando de ser o cumprimento de uma formalidade para se tornar uma atividade de
questionamento, confronto e construção de sentidos, um momento em que o aluno pode
ouvir o que o outro tem a dizer e oferecer-lhe uma contra-palavra.
6 – Considerações finais
7 – Referências bibliográficas
Considerações iniciais
A subjetividade e o texto
A subjetividade é imanente a todo e qualquer texto, uma vez que, por mais objetivo
que o indivíduo pretenda ser, ao produzir um texto, sempre deixará marcas de sua opinião,
em menor ou maior grau, daí podermos afirmar que é impossível a objetividade total. Nas
palavras de Koch (2003, p.65), “(...) não há texto neutro, objetivo, imparcial: os índices de
subjetividade se introjetam no discurso (...)”.
A enunciação é o lugar privilegiado para a manifestação da subjetividade.
Benveniste (1970, p. 82) conceitua o que, para ele, seria a enunciação: “é este colocar em
funcionamento a língua por um ato individual de utilização”, ou seja, enunciar é usar a
língua. Esta serve de instrumento para o locutor no momento de produzir o enunciado.
Desse modo, a enunciação é o agente transformador da língua em discurso e é feita
entre um locutor, que se utiliza de elementos do aparelho formal, e um alocutário, isto é,
entre um eu e um tu, em um aqui-agora que lhes são particulares. Ao realizar o ato de
produção dos enunciados, o locutor mobiliza a língua, dando-lhe sentido, por meio das
formas que utilizou no discurso, determinando o ser da própria enunciação.
No que se refere à subjetividade, podemos entendê-la como um locutor sendo
capaz de se propor como sujeito. Essa proposição tem como condição a linguagem, “é na
linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito” (Benveniste, 1958,
p.288). A subjetividade também é percebida materialmente em um enunciado por meio de
algumas formas (dêixis) que a língua empresta ao indivíduo que quer enunciar; e, quando o
faz, transforma-se em sujeito.
Dentre as marcas lingüísticas que têm poder de expressar a subjetividade,
encontramos os pronomes e os verbos, integrando essas duas classes de palavras na
categoria de pessoa.
109
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Análise
Considerações finais
Ressaltamos que, embora as marcas de subjetividade acima assinaladas possam
constituir-se como elementos facilitadores por estabelecerem interlocução entre o docente
que elaborou o enunciado do exercício (locutor) e o discente (alocutário), o enunciado de
exercício analisado apresenta-se um tanto quanto mecânico, pois o texto base, a que ele se
refere, tem três parágrafos e são dadas quatro frases-sínteses para relacioná-las aos três
parágrafos do texto, o que denota ser óbvio a sobra de uma. Contudo, como esse não é o
nosso objetivo de pesquisa não nos deteremos nele.
É possível concluir que aspectos referentes à subjetividade na linguagem, presentes
no enunciado de exercício analisado, podem facilitar as estratégias de interação do aluno
com o texto, na medida em que buscam o envolvimento do aluno para a resolução do
exercício, num registro de língua que mescla o uso oral com o uso formal da língua.
Finalizamos dizendo que, dependendo da mediação do professor, a transposição
dos estudos teóricos sobre a linguagem para a sala de aula traz benefícios tanto para o
discente quanto para o docente. Àquele porque pode apropriar-se da linguagem de forma
autônoma na resolução das atividades propostas em sala de aula e a este porque pode
analisar e utilizar o material didático com discernimento e de maneira adequada.
111
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Referências Bibliográficas
Eliseu Riscarolli
Docente/Pesquisador da UFT – Universidade Federal do Tocantins - Tocantinópolis
Regis Glauciane Santos de Souza
Graduanda – Pedagogia – UFT - Tocantinópolis
Priscila de Lutiane de Jesus Aguiar
Graduanda – Pedagogia – UFT - Tocantinópolis
RESUMO
Com o presente estudo, buscou-se compreender como a escola se constitui num espaço de
transformação ou perpetuação de relações de identidade e alteridade. Mediante observações e
pesquisa, diagnosticamos que a turma a qual desenvolvemos nossos trabalhos na escola campo,
possuía tendências preconceituosas e discriminatórias por parte dos alunos/as e professoras e que
não havia nenhuma discussão e reflexão referente à temática em estudo. Simultaneamente,
percebemos também, que a maioria dos/as professores/as tem dificuldades em diferenciar
conceitos de sexo, gênero e sexualidade, e que, a educação familiar repressora por eles/elas
vivenciadas, assim como, as lacunas de sua formação, pode dificultar o processo de abordagem de
temas que envolvem a sexualidade e questões de gênero. De acordo com os diálogos, consulta ao
Projeto Político Pedagógico da escola e da vivência que tivemos, tínhamos a hipótese de que a falta
de reflexão ocorre devido a ausência de proposta de trabalho sobre a temática por nós identificada
no currículo da escola, que enfatiza apenas as questões relacionadas a reprodução humana, mas não
aborda as discussões sobre os papéis sociais construídos/definidos para homens e mulheres, sendo
este fato, o arcabouço das nossas reflexões.
Palavras chave: gênero, esteriótipos, prática docente.
ABSTRACT
In this study, we tried to understand how the school is built in an space of transformation or
perpetuation of relations of identity and otherness. Through observations and research, which
diagnosed the class which developed our work in the school field, had prejudiced and
discriminatory tendencies on the part of students / and the teachers and that there was no
discussion and reflection on the subject under investigation. Simultaneously, we also found that the
majority of / the teacher / have difficulty in differentiating the concepts of sex, gender and
sexuality, and that the repressive family education for them / they experienced, as well as the
shortcomings of their training, may impede the process of dealing with issues that involve matters
of sexuality and gender. According to the dialogues, consultation with the school's Educational
Policy Project and the experience we had, we had the hypothesis that the lack of reflection occurs
due to lack of proposal for work on the subject that we identified in the school curriculum, which
emphasizes only issues relating to human reproduction, but does not address the discussions on the
social roles constructed / defined for men and women, and this fact, the framework of our
thinking.
Key words: gender, stereotypes, teaching practice.
113
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
INTRODUÇÃO
A discussão sobre gênero e sexualidade nas escolas tem sido ainda muito tímida
Silva (2003, p. 295), pois ainda educamos as meninas para a submissão e os meninos para
serem líderes. De toda forma, essa temática requer mais atenção de professores/as,
estudiosos, e dos agentes públicos na promoção da uma educação de qualidade sem
estereotipar opções de credo, sexualidade ou qualquer forma de discriminação entre
homens e mulheres.
O presente trabalho iniciou-se com o intuito de desenvolvermos um projeto de
pesquisa, mas antes de qualquer ação e estudo, realizamos a pesquisa preliminar
diagnóstica, a que teve a finalidade de fazer um levantamento de uma possível problemática
na sala de aula e fora dela, posteriormente, a elaboração e desenvolvimento do projeto de
ação, como parte prática do projeto.
Realizamos a pesquisa na Escola Paroquial Cristo Rei, na Cidade de Tocantinópolis
- TO, sob a supervisão da professora Marly Fonseca e orientação do professor Eliseu
Riscarolli, na turma do 4º ano das séries iniciais, matutino, composta por 38 alunos - sendo
21 meninas e 14 meninos - com a faixa etária entre 8 e 9 anos. O primeiro contato com a
turma ocorreu no início de 2007, período em que iniciamos as primeiras observações,
conversas e entrevistas, prosseguindo com atividades de estudos e finalmente as oficinas na
escola no primeiro semestre de 2008. Destaca-se na turma características de participação,
comprometimento, bom relacionamento, atenção, dedicação e raramente faltam às aulas.
Metodologicamente, procuramos identificar a problemática através de visitas à
escola campo, observações em sala de aula e fora dela durante dez dias, com conversas
formais e informais com professores e alunos, planejamento e elaboração de teste para
diagnóstico (atividade de sondagem com texto reflexivo, com perguntas abertas e
fechadas), execução do mesmo, análise das atividades desenvolvidas no teste. A
problemática surge então, com a identificação de estereótipos como: “o homem deixa de ser
homem se executar o trabalho doméstico”; “o trabalho doméstico é uma tarefa exclusiva da mulher”; “o
menino deixa de ser menino se brincar junto com as meninas”; “há brincadeiras diferenciadas para meninos
e meninas” Esses aspectos foram constatados em 60% da turma (meninos e meninas), nas
manifestações cotidianas da escola. Além disso, algumas manifestações de docentes
endossam o caldo dos preconceitos e esteriótipos, tal como: “Esse menino está muito precoce.
Manifestando a sexualidade nessa idade!” (frase de uma professora no pátio da escola). Há uma
marcante falta de ações pedagógicas para discutir e refletir sobre estes estereótipos, que dê
atenção e estimule as discussões relacionadas a valores construídos socialmente, e uma
abordagem não só de gênero, mas também, de sexualidade, não explorada na sala de aula.
No desenvolvimento do trabalho, constatamos que há uma carência na turma,
assim como em toda a escola, de oficinas, workshops e reflexões sobre conceitos
estabelecidos culturalmente, sobretudo, os relacionados a gênero e sexualidade, visto que
114
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
como os P.C.N.s.
A oferta, por parte da escola, de um espaço em que as crianças possam esclarecer
suas dúvidas e continuar formulando novas questões, contribui para o alívio das ansiedades
que muitas vezes interferem no aprendizado dos conteúdos escolares. (PCN, 1997, p. 292)
E, por meio de um trabalho de inteira dedicação pode-se impedir muitos problemas
futuros, como comportamentos preconceituosos, visões estereotipadas em relação à gênero
e sexualidade, que entre os jovens e adultos desconstruir visões como estas, se tornam
muito mais difíceis, devido aos preconceitos adquiridos e imbuídos ao logo de sua
formação. Neste sentido, temos a expectativa, que este trabalho não se encerre com a nossa
intervenção de estagiários e pesquisadoras, mas que, a escola possa dar continuidade a este
e perceber que nossas ações são um princípio de uma trajetória bastante longa, um começo
de uma tarefa que poderá ser feita e construída de forma continua e permanente em prol da
efetivação do seu oficio, que é a melhoria e a oferta do ensino de qualidade. De acordo
com os P.C.N.s (1997), os temas polêmicos, demandam estudo, são fontes de reflexão e
desenvolvimento do pensamento crítico e, portanto, exigem maior preparo dos educadores
e educadoras. È importante, porém, que a escola possa oferecer um espaço dentro da
rotina escolar para essa finalidade.
A escola, sendo capaz de incluir a discussão da sexualidade no seu projeto
pedagógico, estará se habilitando a interagir com os jovens a partir da linguagem e do foco
de interesse que marca essa etapa de suas vidas e que é tão importante para a construção de
sua identidade. A comunicação entre educadores e adolescentes tenderá a se estabelecer
com mais facilidade, colaborando para que todo o trabalho pedagógico flua melhor. (PCN,
1997, p. 297)
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Além disso, a escola sempre foi um espaço ocupado à princípio, pelo sujeito
masculino, de um lado e de outro das carteiras circulavam apenas meninos e homens.
A própria estrutura curricular a partir da Primeira Republica até os anos de 1930,
era diferente entre meninos e meninas, e, portanto, chamada de educação dualista. Os
meninos tinham um currículo mais amplo, além das disciplinas básicas, o direito de estudar
filosofia, pois tinham-se em mente que estes iriam governar o país, já as meninas
estudavam nas escolas de primeiras letras, onde aprendiam a ler, as quatro operações
matemáticas e educação para o lar, as que conseguiam avançar eram no máximo normalista
Haidar, et al, (2002). A forma como mulheres e homens foram educadas/dos e estão sendo
educadas/os para o mundo faz com que se desenvolvam diferentes aspectos dos sistemas
pessoais e isso influencia diretamente seus papéis sociais.
É importante lembrar que a instituição escolar exerceu, desde seus inícios uma ação
distintiva, uma ação diferenciadora, não apenas por tornar os que nela entravam distintos
dos outros (daqueles/as que a ela não tinha acesso), mas também por dividir internamente
os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento,
hierarquização. (LOURO, 2003, p.78)
Assim, buscamos demonstrar como a escola pode constitui-se como espaço
aglutinador, integrando socialmente indivíduos que lá convivem sem desmerecer a
particularidade de cada um, construir relações de respeito e alteridade, ou um espaço onde
se perpetua discriminações, estereótipos, etç. Pois, cabe a esta disseminar dentre outros, a
valorização humana e enquanto local de formação, que possa lançar bons frutos a
sociedade, acima de tudo, formar seres humanos melhores no sentido afetivo, respeito aos
outros e a si mesmos. Educar e orientar para a vida.
118
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
AÇÕES METODOLOGICAS
Nas produções realizadas durantes as aulas, foi trabalhado sínteses, perguntas orais,
explicações e compartilhamento das aprendizagens. Além disso, Foram desenvolvidas
também na sala de aula, atividades escritas com abordagem de conteúdos, afim de que os
alunos e alunas refletissem e dialogassem entre si sobre a discussão central do nosso
trabalho: combater as discriminações, estereótipos, preconceito e discutir questões
relacionadas a sexualidade e as relações de gênero.
Ao término dos nossos trabalhos, foi realizada uma dramatização a partir de textos
literários, um recital de poesias, baseado nas discussões das representações de gênero ao
longo da história, de forma que os alunos e as alunas expressassem as aprendizagens
desenvolvida durantes às aulas.
A avaliação aconteceu de forma continua através do acompanhamento e análise das
atividades realizadas de acordo com os critérios: participação e envolvimento dos/as
alunos/as; análise das atividades, dos debates, exposições de idéias, produção textual sobre
concepções, entendimento das discussões realizadas; auto-avaliação com a participação da
turma.
O trabalho de Orientação Sexual no espaço específico não comporta avaliação por
meio de notas ou conceitos, como habitualmente se pratica na escola. É fundamental
realizar uma avaliação contínua do processo de trabalho, solicitando comentários dos
alunos sobre as aulas desenvolvidas, o debate dos temas, a postura do educador, os
materiais didáticos utilizados, o relacionamento da turma e o que ficou de mais importante
para cada um, assim como as dúvidas que persistem e os temas que merecem ser
retomados ou desmembrados. Questionários para avaliar tanto as informações quanto as
opiniões dos alunos, sobre os temas gerais da sexualidade, podem ser aplicados no início e
no final de cada programa desenvolvido, para colher dados, o que pode ser muito útil na
avaliação do trabalho de Orientação Sexual. (PCN, 1997, p. 335)
Conforme os P.C.N.s (1997), um dos aspectos a ser considerado, no que tange a
abordagem de temas como a sexualidade é a formação do professor ou profissional da
educação que se responsabiliza por essa tarefa. É importante o aprofundamento teórico
sobre as questões contidas no trabalho de Orientação Sexual. Por tratar-se de temática
multidisciplinar, comportam contribuições de diferentes áreas do conhecimento, como
Educação, História, Sociologia, Antropologia, Psicologia, Psicanálise, Economia e outras.
Também é importante a construção permanente de uma metodologia participativa, que
envolve o lidar com dinâmicas grupais, a aplicação de técnicas de sensibilização e facilitação
dos debates, a utilização de materiais didáticos que problematizem em vez de “fechar” a
questão, possibilitando a discussão dos valores (sociais e particulares) associados a cada
temática da sexualidade. A montagem de um acervo de materiais na escola — como textos
e livros paradidáticos, vídeos, jogos, exercícios e propostas de dramatização —, é
importante para a concretização do trabalho.
Procuramos envolver a escola nas discussões, nas oficinas, e também nos
planejamentos de outras atividades que foram desenvolvidas na sala de aula, para que
pudéssemos perceber como nossa proposta de trabalho, as motivaria, ou criassem nelas um
interesse sobre a temática em questão. Porém o envolvimento direto da escola se deu
apenas pela participação da professora regente da turma que realizamos os trabalhos, a qual
presenciou muitas discussões e atividades, dando suas sugestões e contribuições, pois
120
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADOLPH, Cláudio. Escola na Produção da Identidade Sexual do Adolescente. In: PRATA, Maria
Regina: Gênero, Sexualidade e Educação / n.23..
www.anped.rg.br/reunioes/28/textos/ge23/ge23435int.rtf . Acesso 20h: 10/09/2008 - Páginas
Semelhantes
BORIS, Georges Daniel Janja Bloc. Falas de homens: a construção da subjetividade
masculina. São Paulo: Annablume, Fortaleza: Secretaria Estadual de Cultura, 2005.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: 1997.
CARVALHO, Marília Pinto de. O Fracasso Escolar de Meninos e Meninas: articulações entre
gênero e cor/raça. Revista Semestral do Núcleo de Estudos de Gênero – Pagu, Universidade
Estadual de Campinas, 2004.
CARVALHO, Sumaya Persona. Sexualidade, Educação e Cultura: instantâneos de escolas de
Cuiabá e Várzea Grande. Cuiabá, 2005.
COLOMER, T. A Formação do Leitor Literário: narrativa infantil e juvenil atual. Trad. L.
Sandroni. São Paulo: Global. 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, 2ª ed. São Paulo, SP. Editora paz e terra, 1998.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero e Magistério: Identidade, História Representação. Depto.
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. In: CANTANI, Denice Bárbara e al.
(org) Docência, Memória e Gênero: estudos sobre formação. 4. ed. – São Paulo: Escrituras
Editora, 2003.
MIRANDA, Cláudia. Linguagem Viva: Livro do Professor: a Importância do Olhar Crítico para
o Livro Didático.São Paulo: Ática, 2000.
MOTT, Luiz. Homo-Afetividade E Direitos Humanos. Estudos Feministas, Florianópolis, 14(2):
509-521, maio-agosto/2006.
PADILHA, Paulo Roberto. O Circulo de Cultura como Espaço Privilegiado do Planejamento
Dialógico. In PADILHA, Paulo Roberto. Planejamento Dialógico: como construir o projeto
político-pedagógico da escola. São Paulo: Cortez, Instituto Paulo Freire, 2005 (5ª ed.).
PILETTI, Nelson. Psicologia Educacional. São Paulo. Editora Aticas, 1990.
RISCAROLLI, Eliseu. Sexualidade, Educação, Gênero, Tocantins. Sexualidade e Gênero nas
Escolas do Bico do Papagaio. In: Seminário Internacional Fazendo gênero 7. Florianopólis-SC
Anais.
ROCHA, Olívia Cadeia Lima. Escritas Desejantes: deslocamentos de fronteiras. In: Seminário
Internacional Fazendo Gênero 7:gênero e preconceitos, 2006, Florianopólis-SC. Anais.
SAFFIOTI, Heleieth. Violência Doméstica: questão de polícia. e da sociedade.
www.unicamp.br/pagu/Publicacoes%20do%20Pagu/ColEnc1/colenc.01.a06
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise. Revista Educação e Sociedade,1995.
SILVA, Jane Felix. A professora de Ensino Fundamental e a Orientação Sexual na Escola: além dos
temas transversais. In: CARVALHO, Gênero e Educação: múltiplas faces. Carvalho, M. E. &
Pereira, M. Z. (org). João Pessoa. EdUFPB.2003.
SOUZA, Érica Renata. Re-significações de Gênero na Infância. In: ALDEMAN, Miriam &
SILVESTRIN, Celsi. (orgs.) Gênero Plural. Curitiba, ed.: UFPR, 2002.
VALÉRIA, Márcia. A visão do Regime Moral Frente a Mulher - Parte Terceira: Publicado no
Recanto das Letras em 17/08/2006 .
125
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Resumo: Nas primeiras peças históricas de Shakespeare, reis são carrascos ou vítimas. Ricardo III,
especialmente, pode ser caracterizado como pertencendo ao primeiro grupo. Entretanto, definir
Ricardo com uma superficial denominação de carrasco ou caráter destrutivo significa, por outro
lado, ignorar o que faz dessa peça, talvez a histórica mais popular de Shakespeare, um modelo de
estruturação dramática e representação psicológica. Enquanto os dois outros reis, Henrique VI e
Eduardo IV, passam despercebidos pelas três partes de Henrique VI, o disforme Ricardo clama pela
atenção do público como nenhum outro personagem havia feito antes. Talvez aqui, Shakespeare
tenha aprendido a despertar a curiosidade de sua audiência ao representar a interioridade de sua
protagonista. O objetivo desse estudo é fazer um comentário sobre os recursos retórico-
argumentativos usados por Ricardo na elaboração e na realização de seus planos.
Palavras-Chave: Critica Literária - Shakespeare – Ricardo III
Abstract: In the first Shakespeare’s historical plays, kings are torturers or victims. Richard III,
especially, is in the first group. Meanwhile, defines Richard with a superficial description of
hangman or as a destructive character means, on the other hand, to ignore what makes this play,
perhaps the most popular of Shakespeare’s historical plays, a model of dramatic structure and
psychological representation. While the other two kings before, Henry VI and Edward IV, pass
unnoticed by the three parts of Henry VI, the misshapen Richard calls for the public's attention like
no other character had done before. Perhaps here, Shakespeare has learned to arouse the curiosity
of his audience when represents the interiority of his protagonist. The aim of this study is to
present a commentary on the rhetorical and argumentative resources used by Richard III in the
drafting and implementation of his plans.
Key-Words:Literary Criticism – Shakespeare – Richard III
Ricardo III, composta entre 1592 e 1593, é a peça histórica mais longa de
Shakespeare, tendo mais de 3700 versos. Foi um sucesso estrondoso, talvez o primeiro do
autor ao lado de Titus Andronicus, tendo-se relato de suas apresentações até 1633, quase
vinte anos depois da morte do dramaturgo. Encerrando a tetralogia que dramatiza a Guerra
das Rosas, após as três partes de Henrique VI, Ricardo III finaliza com o casamento entre
Henrique Lancaster e Elizabeth York, união que encerra o conflito civil e dá início ao
prospero e popular período Tudor. A se ressaltar que o drama em questão tem uma dupla
qualidade: funciona como peça histórico-política na descrição dos jogos e intrigas do
poder, como também representa um êxito artístico-cênico de Shakespeare ao criar, pela
primeira vez, um vilão capaz de ganhar a simpatia de seu público mesmo em seus
momentos mais pérfidos.
126
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
24
Detalhes cronológico-temporais pouco importavam a Shakespeare, mas sempre receberam a atenção da
crítica. No caso de Ricardo III, as ilustrações de John Gilbert são interessantes como corpus de análise por
representarem Glocester ainda na juventude, ao fim de 3 Henrique VI, e como rei em Ricardo III, bem
mais velho. Mesmo detalhe foi percebido pelo artista na composição das ilustrações para Hamlet, na qual o
príncipe do quinto ato aparece mais maduro que o do quarto. Abaixo três variações da imagem da
personagem Ricardo III em ilustrações de Gilbert.
127
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Figura 1. John Gilbert. Ilustração para Henrique VI, V.iv. Ricardo mata Henrique VI.
Figura 2. John Gilbert. Ilustração para Ricardo III, I.iii. Ricardo corteja Lady Anne.
Figura 3. John Gilbert. Ilustração para Ricardo III, III.i. Ricardo ao lado dos bispos segura a bíblia.
poseus provém de seu terrível isolamento e inadequação – e ele tem êxito como showman em
parte porque sua vida interna é parca e moralmente frouxa. Sua criativa capacidade
destrutiva é brilhante, mas tem vida curta”[6]. Essa mesma vida curta fica evidente na
configuração do alferes de Otelo, em que poucos minutos a mais poderiam rapidamente
destruir os ardis do vilão. Se Ricardo é esse mesmo vilão discursivamente exuberante,
também são exuberantes as imagens que Shakespeare usa para reforçar seu caráter pérfido.
Nesse caso, são animais baixos, ferozes e famintos, sempre associados a Ricardo. Sobre o
bestiário usado pelo dramaturgo nessa peça, Caroline Spurgeon escreve:
Desde o início da peça, sabemos que Ricardo é esse amigo falso. Dizendo e
pensando uma coisa, mas sempre fazendo outra. Assim como outros vilões, após Aarão e
antes de Iago, Ricardo adora a elucidação didática dos seus planejamentos futuros. Se
observarmos a personagem ainda em 3 Henrique VI, há um grande salto entre o monstro
assassino da peça anterior e o disforme regente que nos convida a desfrutar da maquinação
e realização de sua conquista do trono. “Logo após a morte do pai, essa tortuosa figura,
física e mentalmente deformada, mesmo que ainda não totalmente amadurecida, por assim
dizer põe as cartas na mesa a respeito da própria personalidade. É só na peça seguinte, que
leva seu nome, que Ricardo se completa e se realiza inteiramente.”[10], escreve Barbara
Heliodora. Segundo ela, é a diferença entre o “tosco, óbvio, tão primário em seus sonhos e
ambições” da terceira parte de Henrique VI e a personificação do “desejo do poder tão
despido de complexidades e reflexões maiores” que encontramos em Ricardo III. O drama
abre, com essa personagem, solitariamente encarando a audiência, já anunciando ao público
o que acontecerá a seguir:
Park Honan, em sua biografia sobre Shakespeare, faz uma interessante comparação
entre o dramaturgo e sua personagem. Segundo ele, “Ricardo é agraciado com alguns dos
atributos do próprio autor, tais como o talento para a linguagem engenhosa, o gosto pelas
tiradas secas e inteligentes e a crença nos poderes inesgotáveis da representação e do faz de
conta. (...) Nunca se vira no palco elisabetano um assassino mais envolvente e
fascinante”[16]. Essa “linguagem engenhosa” fica ainda mais evidente quando estudamos
o modo como a própria peça se estrutura. Leslie Dunton-Downer e Alan Riding afirmam
que nessa peça, talvez a única em Shakespeare em que isso de fato acontece, toda a trama é
calcada no desenvolvimento da própria protagonista.
In this history play, Shakespeare for the first time creates a character who is
larger than the narrative. The play is fairly easy to follow because the plot is
controlled throughout by Richard, who, as the Duke of Gloucester, anticipates
each step of his climb to power. The chief weapon of his ambition, however, is
not violence, but language, language fed by his intelligence, cynicism, and total
amorality.[17]
Com essa primeira artimanha, Anne já diminui o ritmo das palavras lançadas contra
ele. Após adentrar nas proteções de Anne, fazendo-a diminuir seu repertório de injúrias,
Ricardo inicia a segunda etapa de sua batalha lingüística. Nessa, ele dedica-se a proferir uma
sucessão de negações, antíteses, paradoxos que por fim rendem a vontade e o próprio ódio
de Anne. Para Ricardo, assassinato pode ser transformado em ajuda caridosa, céu em
inferno, prisão em alcova. Discutir com ele é como discutir com um espelho inteligente que
retorna as nossas palavras não meramente copiadas, mas devidamente alteradas para
reforçar sua intenção, usando como base nosso próprio argumento. Tal jogo interminável,
no qual o oponente não dá ao outro nem mesmo tempo para respirar seria usado por
Shakespeare mais tarde em várias de suas comédias, como em A Megera Domada, Muito
Barulho por Nada e Como Gostais. Aqui, uma conversa que começou com a menção a um
homem morto é em poucos versos transportada para a menção da cama da própria Anne.
LADY ANNE: Dost grant me, hedgehog? then, God grant me too
Thou mayst be damned for that wicked deed!
O, he was gentle, mild, and virtuous!
GLOUCESTER: The fitter for the King of heaven, that hath him.
LADY ANNE: He is in heaven, where thou shalt never come.
GLOUCESTER: Let him thank me, that holp to send him thither;
For he was fitter for that place than earth.
LADY ANNE: And thou unfit for any place but hell.
GLOUCESTER: Yes, one place else, if you will hear me name it.
LADY ANNE: Some dungeon.
GLOUCESTER: Your bed-chamber.
LADY ANNE: I'll rest betide the chamber where thou liest!
GLOUCESTER: So will it, madam till I lie with you.
LADY ANNE: I hope so.[22] (I.ii)
LADY ANNE: Thou art the cause, and most accursed effect.
GLOUCESTER: Your beauty was the cause of that effect;
Your beauty: which did haunt me in my sleep
To undertake the death of all the world,
So I might live one hour in your sweet bosom.[23] (I.ii)
Ao fim, como última fase de seu plano, Ricardo projeta sobre Anne seus próprios
argumentos enviesados e escorregadios. É sua sempre a última palavra nessa discussão.
Com isso, ele assume primeiramente um ar de conselheiro leal e amigo preocupado para
depois lhe propor o que a princípio ninguém poderia propor numa situação semelhante a
essa: o casamento com a própria Anne. Para nossa surpresa, Anne aceita, fragilizada,
temerosa e sensível como está. Ao fim da cena, Anne já está tão enredada nos argumentos
extremamente elaborados de Ricardo que já aceita passiva e atenciosamente os argumentos
de seu antigo inimigo.
GLOUCESTER: Teach not thy lips such scorn, for they were made
For kissing, lady, not for such contempt.
If thy revengeful heart cannot forgive,
Lo, here I lend thee this sharp-pointed sword;
Which if thou please to hide in this true bosom.
And let the soul forth that adoreth thee,
I lay it naked to the deadly stroke,
And humbly beg the death upon my knee.
He lays his breast open: she offers at it with his sword
Nay, do not pause; for I did kill King Henry,
But 'twas thy beauty that provoked me.
Nay, now dispatch; 'twas I that stabb'd young Edward,
But 'twas thy heavenly face that set me on.
Here she lets fall the sword
Take up the sword again, or take up me.
LADY ANNE: Arise, dissembler: though I wish thy death,
I will not be the executioner.
GLOUCESTER: Then bid me kill myself, and I will do it.
LADY ANNE: I have already.
GLOUCESTER: Tush, that was in thy rage:
Speak it again, and, even with the word,
That hand, which, for thy love, did kill thy love,
Shall, for thy love, kill a far truer love;
To both their deaths thou shalt be accessary.
LADY ANNE: I would I knew thy heart.
GLOUCESTER: 'Tis figured in my tongue.
LADY ANNE: I fear me both are false.
GLOUCESTER: Then never man was true.[24] (I.ii)
Como o próprio Ricardo proclamará mais tarde, “teria algum dia alguma mulher
sido cortejada assim”? Nos próximos atos, saberemos que Ricardo desposa Anne, mas não
por muito tempo. Como Harold Bloom afirma, irônica e jocosamente, “A sexualidade
sadomasoquista do personagem é, com certeza, um elemento crucial: imaginar o comportamento conjugal de
Ricardo com a pobre Anne é dar asas às fantasias mais imundas”[25]. Como o próprio crítico
afirmará logo depois, há uma energia infinita, destruidora, ilimitada e brincalhona que ao
135
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
mesmo tempo no fascina e nos aterroriza. Seja condenando o irmão à morte, seja
conquistando Anne ou desprezando antigos amigos, Ricardo nos fascina em seu vazio de
motivos ou razões. Ele não deseja o trono, o trono é apenas um meio. Deseja o trono pois
é o trono que lhe dará poder ilimitado para incendiar o mundo. Conseguindo-o, Ricardo
passa a afastar-se de todos, buscando apenas a certeza de que não será deposto. Entretanto,
um poder desmedido usado com desfaçatez não poderia durar muito. E já na parte final da
peça, entra em cena Richmond, futuro Henrique VII, avô da Rainha Elizabeth.
Por outro lado, apesar da insistência de Bloom e também de Nunes nesse caráter de
energia discursiva interminável, não devemos investir Ricardo de qualidades que ele não
possui. Se de um lado há essa ampla gama de energia, destrutiva em sua gênese, por outro o
que temos é a sua limitada visão do mundo. Se Ricardo não tem ilusões também não possui
desejos construtivos, sendo em seu âmago completamente vazio. Novamente, como Iago
que inveja não apenas um posto militar mas e toda e qualquer ilusão de outrem, Ricardo
está só e só deseja continuar. Talvez seu mundo ideal fosse um mundo em que só ele
existisse. É por isso que, Shakespeare construindo sua caracterização caricatural de forma
tão exultante, ficamos sem entender o arroubo de consciência e discussão psicológica de
Ricardo no final da peça após o sonho com os fantasmas de suas vítimas. Diante do
iminente ataque de Richmond e tendo a consciência de que perderá o trono e a vida,
Ricardo sonha:
Para um ator, interpretar Ricardo III permite uma série de técnicas e brincadeiras
dramáticas que resulta sempre em variações imagéticas interessantes. Scott Colley escreveu
um livro, Richard's Himself Again: A Stage History of Richard III, analisando todas as
encenações conhecidas da peça. Seu estudo destaca a capacidade camaleônica não apenas
da personagem mas da própria peça de se adaptar a diferentes contextos. Sobre a lista de
atores que já interpretaram Ricardo, Colley escreve:
Como as palavras de Colley confirmam, Ricardo III, uma das peças mais encenadas
de Shakespeare, tem por séculos fascinado dramaturgos, diretores e atores por sua
capacidade de apresentar uma personagem monstruosa que rouba a atenção de seu público,
estranhamente ganhando sua simpatia. Nas fotos abaixo, temos as três versões
cinematográficas mais conhecidas da peça. Primeiramente, a versão de 1955, dirigida e
estrelada por Laurence Olivier. Como era apropriado à época, Olivier exagera na
maquiagem e na deformidade de Ricardo. Quatro décadas mais tarde, duas outras versões
reapresentaram a peça ao público contemporâneo. A primeira, de 1996, dirigida por
Richard Loncraine, e encenada por Ian McKellanor Richard (Ricardo III - Um . Nessa
versão, a obra foi adaptada para o contexto da segunda guerra mundial aludindo
obviamente o vilão à propaganda nazista. Por fim, no mesmo ano tivemos o filme Looking
for Richard, dirigido e interpretado por Al Pacino, filme que mescla a adaptação do texto e
um documentário sobre a peça, sobre Shakespeare, sobre o verso elisabetano, o desafio dos
atores americanos ao encenar o escritor inglês, etc. Nesse ultimo caso, o filme de Pacino
também funciona como uma bela introdução à obra de Shakespeare visto que discute a
validade da obra do dramaturgo na atualidade.
138
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Shakespeare, como sempre, deixa que achemos a resposta que mais nos agrade.
139
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
6. Bibliografia
[1] Tradutor e Crítico Literário. Possui Graduação e Mestrado em Letras pela Universidade Federal de Santa
Maria. É professor de Literatura Greco-Latina na mesma instituição e membro do Centro de Estudos
Shakespearianos (CESh).
[2] Vide como exemplos as primeiras cenas de Titus Andronicus ou Dois Jovens Cavaleiros de Verona.
[3] Detalhes cronológico-temporais pouco importavam a Shakespeare, mas sempre receberam a atenção da
crítica. No caso de Ricardo III, as ilustrações de John Gilbert são interessantes como corpus de análise por
representarem Glocester ainda na juventude, ao fim de 3 Henrique VI, e como rei em Ricardo III, bem mais
velho. Mesmo detalhe foi percebido pelo artista na composição das ilustrações para Hamlet, na qual o príncipe
do quinto ato aparece mais maduro que o do quarto. Abaixo três variações da imagem da personagem
Ricardo III em ilustrações de Gilbert.
[4] KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 28.
[5] HONAN, Park. Shakespeare – Uma Vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 167.
[6] Ibidem, p. 186.
[7] SPURGEON, Caroline. A Imagística de Shakespeare. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 218-219.
[8] Third Citizen - When clouds appear, wise men put on their cloaks; / When great leaves fall, the winter
is at hand; / When the sun sets, who doth not look for night? / Untimely storms make men expect a
dearth. / All may be well; but, if God sort it so, / 'Tis more than we deserve, or I expect. / Second Citizen -
Truly, the souls of men are full of dread: / Ye cannot reason almost with a man / That looks not heavily and
full of fear. Tradução: Primeiro Cidadão: Quando as nuvens se adensam, as pessoas sensatas põem capa;
quando as folhas começam de cair, o inverno é próximo; que não espera pela noite, quando se deita o sol no
ocaso? Tempestades fora de tempo são sinal de ruína, de colheita estragada. É bem possível que tudo venha a
140
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
acabar bemo deita o sol no ocaso? em pos sediços da Escritura. por qualquer Joao ; mas caso Deus assim
determine, é mais, sem dúvida, do que nós merecemos e eu espero. / Segundo Cidadão: De fato. O coração
dos homens se acha cheio de inquietações. Não é possível conversar com ninguém sem que possamos ler-lhe
nos olhos o que na alma sente. (II.iii) Todas as traduções de Ricardo III citadas neste texto são de autoria de
Carlos Alberto Nunes.
[9] Ricardo: Meu doce príncipe, a virtude pura dos vossos anos não sondou ainda toda a maldade deste
baixo mundo. Só distinguis os homens pelas formas exteriores, que muito raramente, Deus o sabe, ou jamais,
estão acordes com o coração. Os tios que acabastes de reclamar vos eram perigosos. Vossa Graça escrutava
os seus dizeres açucarados, mas não atendia ao veneno que no intimo eles trazem. Deus vos proteja dos
amigos falsos. (II.v)
[10] HELIODORA, Barbara. Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 59.
[11] RICARDO (Duque de Gloucester) — O inverno do nosso descontentamento foi convertido agora em
glorioso verão por este sol de York, e todas as nuvens que ameaçavam a nossa casa estão enterradas no mais
interno fundo do oceano. Agora as nossas frontes estão coroadas de palmas gloriosas. As nossas armas
rompidas suspensas como troféus, os nossos feros alarmes mudaram-se em encontros aprazíveis, as nossas
hórridas marchas em compassos deleitosos, a guerra de rosto sombrio amaciou a sua fronte enrugada. E
agora, em vez de montar cavalos armados para amedrontar as almas dos temíveis adversários, pula como um
potro nos aposentos de uma dama ao som lascivo e ameno do alaúde. Mas eu, que não fui moldado para
jogas nem brincos amorosos, nem feito para cortejar um espelho enamorado. Eu, que rudemente sou
marcado, e que não tenho a majestade do amor para me pavonear diante de uma musa furtiva e viciosa, eu,
que privado sou da harmoniosa proporção, erro de formação, obra da natureza enganadora, disforme,
inacabado, lançado antes de tempo para este mundo que respira, quando muito meio feito e de tal modo
imperfeito e tão fora de estação que os cães me ladram quando passo, coxeando, perto deles. Pois eu, neste
ocioso e mole tempo de paz, não tenho outro deleite para passar o tempo afora a espiar a minha sombra ao
sol e cantar a minha própria deformidade. E assim, já que não posso ser amante que goze estes dias de
práticas suaves, estou decidido a ser ruim vilão e odiar os prazeres vazios destes dias. (I.i)
[12] RICARDO (Duque de Gloucester) — Vai, percorre esse caminho que não terás regresso. Simples, incauto
Clarence, hei por ti tamanho amor que em breve enviarei para o céu a tua alma, se o céu aceitar o dom feito
assim por nossas mãos. (I.i)
[13] RICARDO. – Feito isso, Deus receba o rei Eduardo na sua graça e me conceda o mundo para nele
agitar-me. (I.i)
[14] RICARDO (Duque de Gloucester) — Ofendem-me; não posso suportá-lo. Quem são os que se queixam
junto ao rei de que eu – vejam só isto! – sou severo, que amor não lhes dedico? Por são Paulo, é preciso amar
pouco a Sua Graça, para as ouças lhe encherem com rumores. Porque não sei dar lisonja nem ter aspecto
afável, sorrir perante os homens, afagar, enganar e fingir, curvar-me como os franceses e arremedar cortesias,
tenho de ser considerado um rancoroso inimigo? Viver não pode alguém de gênio simples, alheio a qualquer
mal, sem que lhe sejam torcidos os intentos generosos por qualquer João meloso, astuto e hipócrita? (I.iii)
[15] Ricardo – Nessa altura lhes cito a Bíblia, suspirando fundo, que o mal com o bem retribuir nos manda:
é a palavra de Deus. Dessa maneira, visto a minha despida vilania com farrapos sediços da Escritura. Pareço
um santo, quando sou o diabo. (I.iii)
[16] HONAN, Park. Shakespeare – Uma Vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.185.
[17] DUNTON-DOWNER, Leslie. RIDING, Alan. Essencial Shakespeare Handbook. New York: DK,
2004, p. 85.
[18] ANA — Demônio imundo, vai-te por amor de Deus, e não nos atormentes; que da terra feliz fizeste o
teu inferno, encheste-a com gritos de maldição e com profundos clamores. Se te deleitas em contemplar teus
feitos odiosos, põe os olhos neste exemplo de tua carnificina. (I.ii)
[19] ANA — De todo o coração. Muito me alegra também ver-vos tão arrependido. Tressel e Berkeley,
vinde comigo.
RICARDO (Duque de Gloucester) — Dizei-me adeus. / ANA — É mais do que mereceis, mas já que me
ensinastes a adular-vos, pensai que já vos tenha dito adeus. (I.ii)
[20] HONAN, Park. Shakespeare – Uma Vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.186.
141
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
[21] ANA — O quê? Tremeis? Haveis medo? Pobre de mim, não vos posso censurar, que sois mortais, e os
olhos dos mortais não podem sofrer o maligno. Vai-te de ante mim, temeroso ministro dos infernos! Tão só
sobre seu corpo mortal tinhas poder; a alma, essa, não a podes ter; por isso, vai-te. / RICARDO (Duque de
Gloucester) — Doce santa, por caridade, não blasfemeis assim.
[22] ANA — Concedes-me, porco-espinho! Pois me conceda Deus também uma maldição sobre ti por esse
feito perverso. Oh, como ele era amável, doce e virtuoso. / RICARDO — Melhor para o Rei dos céus que o
tem agora. / ANA — Está no céu, onde tu nunca entrarás. / RICARDO — Deixai que ele me agradeça para
lá tê-lo enviado, pois era o seu lugar, mais esse que na terra. / ANA — E o teu lugar não é senão o inferno. /
RICARDO — Sim, outro lugar ainda, se quiserdes que o nomeie. / ANA — Uma masmorra? / RICARDO
— A vossa alcova. / ANA — Que se abata a inquietude sobre a alcova onde te deitas. RICARDO — Assim
acontece, senhora, até que me deite convosco. / ANA — Assim o espero! (I.ii)
[23] ANA — Tu foste a causa e o seu mais vil efeito. / RICARDO — A vossa formosura foi causa de tal
efeito,a vossa formosura que me perseguia em sonhos a fim de me dar cargo da morte do mundo inteiro para
que pudesse uma hora só viver sobre o vosso suave peito. (I.ii)
[24] RICARDO - Não ensines a teus lábios escárnio tal, porque foram feitos, senhora, para beijar, e não
para tal desdém. Se teu coração, prenhe de vingança, não pode perdoar, aqui está, entrego-te esta espada de
ponta afiada, para que a enterres, se te apraz, neste peito leal, e deixa partir a alma que te adora, exponho-o nu
ao golpe mortal e de joelhos, humilde, te imploro a morte. (Ajoelha-se descobre o peito, oferece-o ao mesmo tempo que
a espada) Não, não hesites, porque eu matei o Rei Henrique, mas foi a tua formosura que a tal me conduziu.
Vá, depressa, fui eu que apunhalei o jovem Eduardo, mas foi o teu rosto celestial que a isso me forçou. (Ela
deixa cair a espada) Levanta a espada, ou levanta-me a mim. / ANA — Ergue-te, homem enganador. Embora
eu deseje a tua morte. (Ele levanta-se) Não serei eu o teu carrasco. / RICARDO — Ordena então que eu me
mate, e fá-lo-ei. / ANA — Já ordenei. / RICARDO — Isso foi em tua cólera. Repete agora, profere a
palavra. Esta mão, que por teu amor matou o teu amor, matará, por teu amor, um amor bem mais leal.
Cúmplice te tornarás em ambas essas mortes. / ANA — Quisera conhecer teu coração. / RICARDO (Duque
de Gloucester) — Está espelhado na minha língua. / ANA — Temo que ambos sejam falsos. / RICARDO
(Duque de Gloucester) — Então nunca existiu um homem verdadeiro.
[25] BLOOM, Harold. Shakespeare: A Invenção do Humano. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 103.
[26] NUNES, Carlos Alberto. Introdução a Ricardo III. SHAKESPEARE, William. Obras Completas de
Shakespeare: Ricardo III. Traduzido por Carlos Alberto Nunes. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, sem data, p.
12.
[27] RICARDO III (Rei) — Dai-me outro cavalo! Ligai minhas feridas! Tende piedade, Jesus! Chiu, tão-só
sonhava. Ó covarde consciência, como me atormentas! As luzes ardem azuis, é a meia noite dos mortos.
Gotas frias de terror são no meu corpo tremente. De que me receio? De mim próprio? Não é mais ninguém
aqui. Ricardo ama Ricardo, ou seja, eu e eu. E aqui um assassino? Não! Sim, sou eu! Então fuge. Quê, de mim
próprio? Boa razão há, não me vá eu vingar! Quê, eu próprio contra mim próprio? Coitado de mim, eu amo-
me a mim próprio. Porquê? Pelos bens que eu próprio a mim próprio ofereci? Oh, não, pobre coitado, antes
a mim próprio tenho ódio por feitos odiosos que eu próprio cometi. Sou ruim vilão... mas minto, eu o não
sou! Sandeu, diz bem de ti próprio! Sandeu, não uses de lisonja! Minha consciência tem milhares de línguas
diferentes e cada língua me diz um conto diferente, e cada conto me condena como ruim vilão: perjúrio,
perjúrio, no mais subido grau; assassínio, assassínio horrendo, no mais horrífico grau. Todos os pecados
diferentes, todos cometidos em cada grau, se ajuntam diante o juiz todos bradando: “Culpado, culpado!” Em
desespero cairei. Não há criatura que me ame, e se eu morrer, ninguém me lamentará... E porque o fariam, se
eu próprio em mim próprio por mim próprio não encontro dó? Cuido que as almas de todos os que
assassinei vieram a minha tenda, e cada qual me ameaçou que amanhã a vingança tombaria sobre a cabeça de
Ricardo. V.iii.
[28] COLLEY, Scott. Richard’s Himself Again: A Stage History of Richar III. New York: Greenwood Press,
1992, p. 2.
[29] KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 47.
142
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Resumo:
Num período de prosperidade econômica e cultural como o elisabetano, Shakespeare
apresenta Ricardo II um rei repleto de caracteres psicológicos interessantes, porém de uma
fragilidade tocante. No decorrer de toda a peça, o que assistimos é a derrocada desse
monarca diante do poder de um usurpador popular, Bolingbroke. Ironicamente,
Shakespeare faz com que Ricardo, ao cair no desgosto de seus súditos dentro da peça,
ascenda no interesse dos expectadores. Nesse artigo, estudo a forma como Shakespeare
apresenta a queda social, física e psicológica desse rei enquanto o eleva a um nível superior
de autoconsciência.
Palavras-Chave:
Crítica Literária – Shakespeare – Ricardo II
Abstract:
In a period of economic and cultural prosperity as the Elizabethan period, Shakespeare’s
Richard II presents a king with interesting psychological characteristics, but with a kind of
sensitive fragility. During the whole play, the public watches the collapse of this monarch
in face the power of a popular usurper, Bolingbroke. Ironically, Shakespeare makes
Richard, while falls in his vassals’ disgust, amounts in the public’s interest. In this paper, I
study how Shakespeare presents the social, physical and psychological fall of this king while
the character amounts to another level of self-consciousness.
Key-Words:
Literary Criticism – Shakespeare – Richard II
Essa ação de um rei que virá crônica, peça e conto é também percebida e
aprofundada por Shakespeare em seu texto dramático. Quando Ricardo II é deposto do
poder diante do direito usurpado por Bolingbroke, o duque de York reflete sobre a
configuração dessas personagens. São reis? São políticos? Sim, mas também exercem o
papel de atores, de personagens num drama cuja audiência ora aprecia, ora aplaude e ora
vitupera. No palco de um velho teatro londrino, o público assiste aos súditos dentro da
peça que interagem com o próprio drama estatal.
poder monárquico.
2 – A máscara do estado e a inaptidão de Ricardo em usá-la
A peça Ricardo II pode ser lida como uma discussão entre direito divino e direito adquirido.
Ou ainda, como Frye[6] afirma e Bloom[7] parodia, como uma metáfora do rei ungido
como semelhante aos antigos reis de Israel ou com a própria figura de Cristo. Tal leitura é
válida, pois o próprio Ricardo II constantemente se auto-refere como o cordeiro pascoal.
[8] No entanto, ler Ricardo II “apenas” sob a ótica da oposição entre direito divino e
direito adquirido é deixar de lado toda a discussão sobre a própria representação psíquica
dessa protagonista.
Ao pensar sobre as diferenças entre o rei “ungido”, Ricardo II, inábil e incoerente, e o
usurpador Bolingbroke, sempre preocupado com o cumprimento da lei do estado, percebe-
se como Shakespeare brinca com as noções de bom e o mau governante. Em Ricardo II a
questão proposta, de forma simples e objetiva, gira em torno da escolha entre um “mau rei
hereditário e um bom rei usurpador”.[9] Ao pensar no contraste entre as duas
personagens, entre o egocêntrico Ricardo e severo Bolingbroke, Barbara Heliodora, no
livro Falando de Shakespeare, menciona que o dramaturgo
Cria uma figura sensível, requintada, atraente, para Ricardo II, que
conclama para este a solidariedade emocional do espectador; mas por
outro lado o austero Henrique é, a todos os momentos, o que atua como
deve um governante, preocupado com a comunidade como um todo:
nós o vemos, de certo modo, ser o instrumento adequado das
reivindicações de um numero grande e representativo de injustiçados,
nobres e povo, enquanto vemos Ricardo abusar, com arbítrios e pesados
impostos, do poder que não fez nada para conquistar. Rei aos nove anos,
conhecendo privilégios muito antes de sequer saber da existência de
responsabilidades, Ricardo é totalmente auto-referente, preocupado com
sua importância e com o que acreditava ser sua imunidade aos
sofrimentos do comum dos mortais. É precipitado, irrefletido, seu clima
emocional, instável; tudo sempre lhe parecera fácil porque jamais deixara
de ter o que queria; mas quando a nobreza se une contra ele, com o
apoio do povo, e as tropas que lhe são leais começam a perder batalhas,
cai na mais profunda depressão e se acha injustiçado.[10]
Aqui, Gaunt primeiramente profere uma série de palavras que se ajustam a uma
precária sabedoria perdida, desprezada pelo jovem e atual rei. Esse é um fogo, uma
tempestade, um homem faminto, que cedo ou tarde consumirá a si próprio. Está última
metáfora, de uma potência que cai por sua própria causa, está também associada à própria
Inglaterra. No passado, gloriosa, admirável e louvável, do ponto de vista de Gaunt – fala
que hoje nos toca mais pela sensibilidade da personagem do que por seu espírito patriótico
quase ingênuo –, agora causa ruína a si própria. A razão disso? “Flatterers”, aduladores, que
têm destruído o juízo do rei. Ainda nesse primeiro ato, após a ação desrespeitosa de
Ricardo diante de Gaunt, Northuland diz sobre Ricardo que “The king is not himself, but
basely led by flatterers.[12] (II.i).
Nesse sentido, Ricardo II encontra um interessante correlato com a narrativa
judaica de seus antigos reis. Não apenas pelo caráter profético e proverbial-sapiencial,
presente nas falas de Gaunt, mas pela própria configuração do monarca, disposto a aceitar
os conselhos de seus inexperientes companheiros e desprezando o auxílio dos antigos
conselheiros de seu pai. Tanto no primeiro Livro dos Reis, capítulo doze, quanto no segundo
Livro das Crônicas dos reis de Israel, capítulo treze, temos o relato de como o filho de
Salomão, Roboão, foi aconselhado por Jeroboão a lidar de forma justa e sensível com seus
súditos. Entretanto, o jovem rei, desprezando os conselhos que fizeram de seu pai e de seu
147
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
avô monarcas amados pelo povo, busca ajuda consultando os jovens que cresceram com
ele. O resultado foi que, como o elo mais frágil, Roboão despedaçou um reino
relativamente coeso e unido que havia sido formado pelos reis anteriores. Shakespeare, que
ao que tudo indica possuía um conhecimento razoável do relato bíblico, via leitura da bíblia
católica de Genebra, recria a mesma configuração na representação de seu rei. No entanto,
enquanto o Roboão bíblico é um rei ignorante e nada carismático, Shakespeare constrói um
Ricardo que vai, cena a cena, acendendo psicológica e artisticamente no interesse de seu
público. Continua sendo peça histórica, mas vai além, em direção à representação da
humanidade de um rei de poucas qualidades políticas, porém de grandes insights poéticos e
existenciais.
Aludindo aos bens matérias perdidos, Ricardo dá-se conta que é meramente um
homem. Mas de que sorte é essa reflexão? Uma reflexão muito próxima da imagem de
outra figura bíblica, Jó. Apenas depois de perder riqueza, família e saúde, é que homem Jó
se aproxima de sua própria inferioridade. No caso de Ricardo, essa constatação não é nem
um pouco positiva. Não há mais riquezas, mais filhos e mais vida esperando por Ricardo ao
fim de seu drama. Há apenas a morte. Como Jó, Ricardo menciona esse “punhado de
infrutuosa argila que a nossos ossos serve de coberta”, a um corpo já abandonado que
ainda prende sua alma. Além disso, a fala ainda adensa a discussão sobre reis que foram
mortos, traídos, envenenados ou depostos. No fim de seu discurso, Ricardo se auto-
proclama um mendigo, um servo, um escravo, não mais um rei. No entanto, o próprio
personagem questiona se essa mudança se deu apenas em sua interioridade ou se ela se faz
também presente em seu rosto. Na cena mais impactante do drama, Ricardo, diante do
recém empossado Henrique IV, pede um espelho e após estudar a revolução de seus
próprios pensamentos, agora espera encontrar na face as mesmas marcas da mudança. Para
sua surpresa, nem sempre a máscara da face acompanha às mutações do espírito.
Cenas do filme BBC Television Shakespeare – 3 Henry VI, de 1983. Dirigido por
Jane Howell.
Figura 01. Ricardo (Derek Jakobi) assiste ao confronto entre Bolingbroke e Mowbray.
(I.iii)
Figura 02. Ricardo, já deposto, vislumbra as marcas de seu rosto. (IV.i)
Figura 03. Ricardo na prisão, imagina um cosmos perfeito para si. (V.v)
O mesmo cuidado foi dedicado à variação dessa representação de Ricardo por parte
do artista John Gilbert em suas ilustrações para o drama. Na primeira ilustração, percebe-se
a mesma pompa de Ricardo enquanto decide pela acusação de Bolingbroke contra
Mowbray. Sua expressão facial de evidente desdém e sua posição elevada reforçam sua
superioridade. Na segunda ilustração, Gilbert expressa o desrespeito de Ricardo contra o
sábio ancião Gaunt. Enquanto todos dedicam a Gaunt respeito e admiração, Ricardo o
despreza, o que fica bem evidente pela posição corporal exaltada e expressão de irritação.
Por fim, na última ilustração, vemos Ricardo, já deposto, com os cabelos em desalinho e
um traje simples, talvez de um servo, vislumbrando a própria face diante do espelho. Com
sua arte, John Gilbert também procurou ressaltar a variação tanto social, quanto psicológica
da personagem.
152
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Figura 4. John Gilbert. Ilustração para Ricardo II, I.iii. Ricardo julga a acusação de
Bolingbroke.
Figura 5. John Gilbert. Ilustração para Ricardo II, II.i. Ricardo despreza os conselhos de
Gaunt.
Figura 4. John Gilbert. Ilustração para Ricardo II, IV.i. Ricardo observa sua própria queda.
Esse último relâmpago de consciência vem na última fala de Bolinbroke, atual rei e
monarca admirado pela população, especialmente em contraste com a falta de popularidade
do governante anterior. No entanto, Henrique, mesmo reconhecendo a necessidade da
execução de Henrique, parece insatisfeito com o ato. Como o dito comum apregoava, o
antigo rei precisa morrer para o que novo possa reinar em paz. Mas Henrique sabe que
nenhum reinado é de fato pacífico, como veremos nas próximas duas peças que levam seu
nome. Como prenúncio desses males vindouros, Henrique adverte Exton a respeito da
execução de Ricardo.
Se venenos são necessários, isso não significa que se deva festejar o uso de tais
preparos. Enquanto o festejo geral proclama o novo rei, Henrique convida seus súditos ao
luto. Ao lado de Henrique também lamentamos a desastrosa vida de Ricardo. Se há algo a
ser aprendido nessa peça é que não podemos recusar ou desprezar o bem coletivo,
especialmente quando se ocupa uma posição política. Agora, já estamos devidamente
pronto para o que Shakespeare visualizou como um ideal de educação monárquica.
Embora tenhamos duas peças dedicadas a Henrique IV, é à educação de príncipe Hal que o
dramaturgo dedica mais fôlego. Entre um pai relativamente rígido e um companheiro
exuberante em vivacidade, Falstaff, veremos a fundação do monarca mais popular até o
período elisabetano, Henrique V.
5 Bibliografia
FRYE, Northrop. Sobre Shakespeare. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1999.
HOLDEN, Anthony. Shakespeare. São Paulo: Ediouro, 2003.
BLOOM, Harold. Shakespeare: A Invenção do Humano. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
HELIODORA, Barbara. A Expressão Dramática do Homem Político em Shakespeare. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978.
HELIODORA, Barbara. Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 2004.
KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
KERMODE, Frank. A Linguagem de Shakespeare. São Paulo: Record, 2006.
SHAKESPEARE, William. Arden Shakespeare – Complete Works. London: Thomson, 2007.
SHAKESPEARE, William. Obras Completas de Shakespeare: Ricardo II. Traduzido por Carlos
Alberto Nunes. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, sem data.
SPURGEON, Caroline. A Imagística de Shakespeare. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
WELLS, Stanley. Oxford Dictionary of Shakespeare. New York, Oxford University Press, 1998.
[1] Tradutor e Crítico Literário. Possui Graduação e Mestrado em Letras pela Universidade Federal de Santa
Maria. É professor de Literatura Greco-Latina na mesma instituição. É membro do Centro de Estudos
Shakespearianos (CESh).
[2] HOLDEN, Anthony. Shakespeare. São Paulo: Ediouro, 2003, p. 168.
[3] Ibidem, p. 274.
[4] FRYE, Northrop. Sobre Shakespeare. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 80.
[5] YORK — Como os espectadores de uma peça no teatro, após sair o ator querido, indiferentes olham
para o que entra depois dele, julgando insuportável sua tagarelice: desse modo, se não com mais desprezo, os
assistentes zombavam de Ricardo. (Todas as passagens citadas pertencem a tradução de Carlos Alberto
Nunes).
[6] Ibidem, p. 76.
[7] BLOOM, Harold. Shakespeare: A Invenção do Humano. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 322.
[8] Sobre essa possível leitura do drama, é esclarecedor o comentário de Park Honan em Shakespeare – Uma
Vida: “Shakespeare elaborava suas peças de forma a que dessem margem a múltiplas interpretações, e todas
155
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
elas têm problemas inesgotáveis. No entanto, com mais confiança intelectual aqui do que em peças históricas
anteriores, Shakespeare usa o patriotismo como um tema a ser contraposto a idéias profundamente
perturbadoras. Ricardo II mostra como é fácil se livrar de um rei ungido. O que é posto em questão de forma
radical não é o poder de Deus, mas certas suposições acerca da divindade: a peça desmitifica a monarquia
minando a noção de sanção divina e sugere que investir soberanos não faz parte das preocupações do céu. A
idéia de que Deus não mais ‘guarda os justos’ tem um impacto dramático tremendo e contraria dogmas da fé
que sustentam exércitos desde os tempos da dinastia Tudor até os nossos dias. Sendo um obra-chave no
desenvolvimento do autor, Ricardo II também abre um novo caminho para as tragédias shakespearianas. Se a
graça divina não protege nem mesmo o servo ungido, a história pode não passar de um produto da vontade
humana; assim, a ênfase recai sobre a escolha, a responsabilidade e a habilidade como fatores que podem
determinar o destino de um Macbeth ou de um Lear.” (Honan, 276)
[9] HELIODORA, Barbara. Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 63.
[10] Idem.
[11] Qual profeta inspirado ora eu me sinto. Eis o que, na hora extrema, a seu respeito vou predizer: durar
não pode a sua chama impetuosa de dissipação, porque o fogo violento se consome depressa. As chuvas finas
duram muito, mas são curtas as grandes tempestades. Quem faz imoderado uso da espora, termina por matar
a montaria; quem come com sofreguidão, acaba por se asfixiar com os próprios alimentos. A vaidade falaz,
corvo insaciável, após consumir tudo, se devora. Este real trono, esta ilha coroada, este solo de altiva
majestade, esta sede de Marte, este novo Éden, este meio paraíso, fortaleza que a Natureza para si construiu
contra as doenças e os braços invasores; esta raça feliz, mundo pequeno, esta pedra preciosa, colocada num
mar de prata que lhe faz as vezes de muro intransponível ou de fosso que lhe defende a casa contra a inveja
das terras menos fartas; este solo bendito, este torrão, esta Inglaterra, esta ama, esta matriz, sempre fecunda,
de grandes reis, famosos pela origem, temidos pelo braço, celebrados por seus feitos em prol da cristandade e
da cavalaria (...) esta pátria querida, esta Inglaterra que terras outras conquistava, agora fez a triste conquista
de si mesma.
[12] O rei mudou demais; guiado se acha por vis aduladores.
[13] Bloom escreve: “Ricardo II é mau rei, mas, como poeta metafísico, é interessante, os dois papeis são
antitéticos, de modo que a realeza diminui, à medida que a poesia se desenvolve. No final da ação, Ricardo é
um rei morto, tendo sido forçado a abdicar e, em seguida, assassinado, mas o que permanece em nossos
ouvidos é seu metafísico arremedo de lirismo”. (p. 318).
[14] Nossas vidas, o reino, tudo, agora pertence a Bolingbroke. Nada resta a que chamemos nosso, afora a
morte e esse punhado de infrutuosa argila que a nossos ossos serve de coberta. Pelo alto céu, no chão nos
assentemos para contar histórias pesarosas sobre a morte de reis: como alguns foram depostos, outros
mortos em combate, outros atormentados pelo espectro dos que eles próprios destronado haviam, outros
envenenados pela esposa, outros mortos no sono: assassinados todos! (...) Ponde os chapéus; não zombeis,
com solenes reverências, do que é só carne e sangue. Despojai-vos do respeito, das formas, dos costumes
tradicionais, dos gestos exteriores, que equivocados todos estivestes a meu respeito. Como vós, eu vivo
também de pão, padeço privações, necessito de amigos, sou sensível às dores. Se, a tal ponto, eu sou escravo,
como ousais vir dizer-me que eu sou rei?
[15] Ficará satisfeito; hei de ler tudo, depois de ver o livro em que se encontram escritos meus pecados:
minha própria pessoa. (Volta o criado com um espelho.) Dá-me o espelho. Vou ler nele. Como! Sem rugas, ainda,
mais profundas? Tão grandes bofetadas a tristeza me aplicou, sem deixar marcas mais sérias? Ó espelho
adulador! Como as pessoas que na prosperidade me seguiam, tu me estás enganando. Serão estas as feições de
quem tinha diariamente dez mil pessoas sob seu teto e a todas alimentava? Será esta a face que, à maneira do
sol, deixava cego quem a olhasse de frente? Era esta a face que fez face a loucuras incontáveis para, afinal, ter
de baixar os olhos diante de Bolingbroke? Muito frágil é a glória que irradia desta face; tão frágil quanto a
glória é a própria face. (Joga o espelho ao chão.) Ei-la aí, reduzida a cem pedaços. Não deixes de anotar, rei
silencioso, a moral do meu gesto: como as mágoas em pouco tempo a face me destruíram. Atos IV.i.
[16] KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 36.
[17] Ibidem, p. 53.
[18] Estive a refletir como me seja possível comparar esta angustiosa prisão ao vasto mundo. Sendo o
156
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
mundo tão populoso e aqui não existindo, além de mim, nenhuma outra criatura, não sei como o consiga.
Mas não paro de martelar a idéia: darei provas de que minha alma e o cérebro casaram e que uma geração de
pensamentos, logo após, conceberam. E, são esses pensamentos que o meu pequeno mundo povoaram de
caprichos, da maneira por que vemos no mundo, visto como jamais os pensamentos se acomodam. Os mais
graduados, como os pensamentos relativos a assuntos religiosos, de dúvidas se mesclam, provocando conflito
entre as palavras. Por exemplo: “Deixai que os pequeninos venham a mim”. E após: “É bem mais fácil um
camelo passar pelo buraco de uma agulha do que eles alcançarem o reino de meu pai”. Os pensamentos
ambiciosos cogitam só de absurdos: como estas fracas unhas abrir possam uma passagem através das pétreas
costelas deste mundo, esta minha áspera prisão. E, porque falham, morrem vítima do próprio orgulho. (...)
Desta arte, eu represento ao mesmo tempo muitas pessoas, todas descontentes. Sou rei, por vezes. A traição,
nessa hora, me leva a desejar ser um mendigo, e mendigo me torno. Então o peso da miséria de novo me
persuade que eu estava melhor sendo monarca. Torno a ser rei; mas nesse mesmo instante ponho-me a
imaginar que Bolingbroke me destronou e que eu não sou mais nada. (...) Malgastei todo meu tempo; o
tempo ora me gasta, porque me vejo transformado agora no relógio do tempo. Os pensamentos são minutos,
que com suspiros batem no quadrante dos olhos, onde se acha sempre meu dedo, à guisa de ponteiro para
marcar as horas e limpá-las de lágrimas. Agora, meu querido Ricardo, o som que nos indica as horas são
suspiros profundos que me batem no coração: o sino. Assim, suspiros, lágrimas e gemidos, os minutos, o
tempo e as horas marcam.
[19] KERMODE, Frank. A Linguagem de Shakespeare. São Paulo: Record, 2006, p. 73.
[20] (Entra Exton, com criados que trazem um ataúde.)
EXTON — Grande rei, neste esquife eu te apresento teu medo sepultado. Sem perigo mais para ti, aí jaz teu
inimigo, Ricardo de Bordéus, por mim trazido. BOLINGBROKE — Exton, não te agradeço; o cometido
feito de que te orgulhas me enxovalha, cobrindo a nossa pátria de mortalha. EXTON — Tu mesmo, ó rei,
me insinuaste o feito. BOLINGBROKE — Quem recorre ao veneno, só proveito dele entende tirar; ódio lhe
vota. Não te amo; muito embora eu a derrota de Ricardo almejasse, ora abomino, quanto lhe tenho amor, seu
assassino. Em tua própria consciência, que te esmaga, procura agora a merecida paga, não em palavras de
agradecimento, nem em favores reais e valimento. Como Caim, passa a vagar de noite, sem jamais
encontrares quem te acoite. Senhores, asseguro-vos que da alma confrangida fugiu-me toda a calma, por ver
que necessário se tornasse, para minha subida, este traspasse. Vinde chorar comigo o que eu lamento e ponde
luto desde este momento. À Terra Santa pretendo ir, contrito, para limpar-me deste atroz delito. Solidários
ficai na minha agrura, lastimando esta morte prematura. (Saem.) V.vi.
157
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
From the film Perfume: Jean Baptiste and Herodes Agripa I - a discursive dialogue
Abstract: This paper presents a reading about the film Perfume: the history of murderer,
managed by Tone Tykwer (2006). Using itself as methodological and theoretical support,
the French Discourse Analysis, Peaches, that establishes the discursive relation between the
characters Jean Baptiste Grenouille and king Herodes Agripa I, in a dialogue involving the
film and the Bible. It is perceived that there’s a sensible update of between the two
characters, because, each one in his way, by public acclamation is raised to the position of
the holy god and finally eaten by worms.
Key-words: Jean Babtiste, Herodes Agripa I; Enunciative image; Discourse Analysis.
Introdução
Sabe-se que pra a AD, o sujeito não inaugura os sentidos, ele se constitui ao mesmo
tempo com os sentidos a que se filia. Isso implica dizer que para significar, o sujeito
precisar se inscrever na ordem da língua e da história, ou seja, retomar sentidos produzidos
antes, independentemente, noutro lugar, para que no seu agora, atualidade, produza este ou
aquele efeito de sentido, dependendo da(s) formação(ões) discursiva(s) pela(s) qual(ais)
159
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
transitar. As FDs, por sua vez, se definem como regiões do dizível que delimitam os
sentidos possíveis de serem enunciados a partir de seu interior, ou seja, o mesmo dizer,
filiado a FDs diferentes, sentidos diferentes.
Se, a depender da formação discursiva, o sentido pode ser outro, então para se
compreender determinado discurso, ou seja, o efeito de sentidos entre locutores, há que se
atentar para sua materialidade histórico-social. Há aí uma determinação. Isso implica dizer
que o político e o imaginário indicam a direção dos sentidos, impedindo que ele seja apenas
um e ao mesmo tempo não permitindo que seja qualquer um.
Os fatos reclamam sentidos. Os sentidos ao se historicizarem, inscrevem-se na
memória, na histórica, que torna legível o legível, possível o dizer. Essa possibilidade do
dizer, que não é disponível a qualquer um, pois apenas determinados sentidos são possíveis
a determinados sujeitos, torna o sentido universal, dando a impressão ao sujeito, no eixo da
formulação, a ilusão de que o sentido nasce ali, com ele. Ilusão de ser a fonte do sentido
que na verdade se filia.
Se, por um lado, o sujeito pensa ser a origem do dizer e que o sentido é
transparente, a-histórico, por outro, o analista de discurso sabe que não é assim. Se, de um
lado, o sujeito se filia a determinado sentido pra depois textualizar o discurso, por outro, o
analista parte do texto, para ter acesso aos mecanismos de funcionamento do discurso. É
este percurso que se percorre aqui; do texto ao discurso.
Não é um homem! Ele é um anjo... consumiram (as pessoas) o corpo de Jean Baptiste Grenouille,
comendo-o ainda vivo. São esses dois enunciados que se prestam como objeto discursivo.
Levando-se em consideração as circunstâncias em que se irrompe essa produção discursiva,
ou seja, o lócus de sua formulação, pode-se melhor compreender como os sentidos aí se
materializam, verificando como o político aí intervém, decidindo a direção dos sentidos, ou
seja, porque uns e outros não. E é atentando-se à memória que se chega a essa
compreensão.
Grenouille é um assassino em série que está condenado a ser torturado até a morte
e, em 1766, na França, ainda se praticava o “espetáculo punitivo” (FOUCAULT, 1987, p.
12), portanto, o destino de Jean Baptiste, é de se esperar, seja semelhante ao de Damiens,
contemporâneo seu que, em cumprimento de sentença condenatória de morte, depois de
um longo período de tortura, “foi reduzido a cinzas” (idem, p. 10).
Porém, o destino reservava a Grenouille, ao invés de uma morte sofrível, um
momento de glória no cadafalso. Sem dizer nenhuma palavra, pois uma das características
marcantes da personagem é a de ser econômico com as palavras, ao exalar a fragrância de
seu perfume perfeito, reverte o curso dos acontecimentos a seu favor, pois o perfume
continha uma essência capaz de dominar os sentimentos dos humanos, colocando-os
assim, sob um estado de reverência religiosa a Jean Baptiste.
Assim, os presentes, que ali estavam para assistir sua execução, sob efeito do
perfume, lhe atribuem agora filiação divina. Este status de divindade é legitimado quando
enunciado pela maior autoridade religiosa ali presente, o bispo católica que, em encontro
religioso anterior ao evento no cadafalso lhe impôs a excomunhão religiosa, atribuindo-lhe
160
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
filiação satânica. A natureza de Grenouille muda, migra de essência. Não é um homem! Ele é
um anjo, exclama o bispo. De filho do diabo à condição divina.
Sabe-se em AD que os lugares imaginários a partir dos quais enunciam os locutores
são constitutivos dos sentidos possíveis de produzidos. Assim diz Eni Orlandi, “são
relações de força, sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na
“comunicação”” (ORLANDI, 1999, p. 40, aspas no original).
Assim sendo, o lugar a partir de onde o bispo diz ser agora santo aquele que antes
ele mesmo havia excomungado, legitima seu dizer. Afinal, não é a partir de um lugar
comum que fala o religioso, mas da posição-sujeito religiosa que lhe confere tal poder, ou
seja, a FD – que determina o que pode ser dito a partir de determina posição (ORLANDI,
1996a, p. 58) em que se filia o dizer de tal autoridade lhe possibilita declarar alguém como
filho do diabo e/ou de Deus, pois a formação ideológica que orienta tal formação
discursiva é que sustenta a igreja como representante de Deus. (RODRIGUÉZ, 1998, p.
48).
Livre, Jean Baptiste se dirige à Paris, cidade natal, ao local de seu nascimento, o
mercado de peixes, onde, ao derramar, sobre sua cabeça, o perfume que havia produzido,
atrai um bom número de pessoas sobre seu corpo que o consumem em sua totalidade em
poucos instantes. Acaba o filme.
Os eventos expostos até agora em si mesmos parecem contraditórios, ou seja, da
condição de criminoso à natureza divina ao que se segue o extermínio por consumo
humano. Entretanto, tomados como objeto discursivo, esses enunciados não é um homem!
Ele é um anjo... consumiram (as pessoas) o corpo de Jean Baptiste Grenouille, comendo-o ainda vivo, não
se deixam amarrar como apenas uma seqüência enunciativa disposta na ordem linear da
história do filme. Obviamente, como todos os eventos narrados no filme, se tomados em
sua discursividade atualizam sentidos já historizados, bem com apontam para possíveis no
futuro.
Eni Orlandi assevera que “diante de qualquer fato, de qualquer objeto simbólico
somos instados a interpretar” (1999, p. 10) e que, portanto, “o homem não pode evitar a
interpretação, ou ser indiferente a ela” (ORLANDI, 1996b, p. 9). De sorte que o ser
humano está fadado a interpretar.
Diante dos enunciados acima descritos, quando de suas ocorrências,
contextualizados no filme perfume, há uma injunção à interpretação, ou seja, é inevitável as
seguintes indagações: o que isso quer dizer? Qual o sentido disso? Ao analista de discurso,
em adição, interessa ir mais além, ou seja, indagar como estes enunciados significam, pois
interpretar é comprometer-se com os sentidos e analisar implica saber como o discurso
produz determinados efeitos de sentidos.
Sabe-se que, ao trabalhar com discurso, o que conta não são os enunciados
empíricos, como se eles tivessem sentidos atrelados a eles mesmos, mas, como diz Eni
Orlandi, o que importa são “as imagens enunciativas” (1993a, p.12). Isso implica dizer que,
mesmo que o que se diz no aqui, agora, não coincida palavra por palavra com o que foi
enunciado antes, que está lá, na memória discursiva, aquele pode ser um ressoar deste, uma
atualização dos sentidos, pois o que importa é a imagens que fica. No caso dos enunciados
em análise, este ressoar remete à memória discursiva, ao dito antes, por exemplo, na Bíblia.
Por volta de 44 E.C., o rei Herodes Agripa I, na cidade de Cesaréia, que fica ao
161
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Norte Nordeste de Jerusalém (Estudos Perspicaz, 1991, p. 485), trajando vestes reais, ao
receber uma delegação de Tiro e Sídon, proferiu um discurso público e logo após faleceu.
Por que e como faleceu o Rei? Que relação discursiva há entre o que aconteceu com
Herodes Agripa I e Grenouille?
De acordo com a Bíblia, livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 12 e versículo 20, o
rei Herodes Agripa I tinha uma animosidade para com os habitantes de Sídon e Tiro. Estes,
entretanto, dependiam do rei na questão da alimentação. Por volta da estada do rei em
Cesária, Tiro e Sídon enviaram uma delegação para pedirem um termo de paz ao rei. Por
esta ocasião, relata o escritor bíblico Lucas, “Herodes vestiu-se da roupa real e se assentou
na cadeira de juiz, e começou a fazer-lhes um discurso público” (Atos, 12, ver. 21). Em
resultado do discurso real, a população em uníssono, grita: “a voz de [um] deus e não de
um homem” (ver. 22).
A voz de uma deus e não de um homem, diz relato bíblico em relação ao rei. Não é um
homem! Ele é um anjo, diz o bispo, em relação a Grenouille. Os dois personagens começam a
ganhar configuração identitária, um em relação ao outro. Os dois, cada uma à sua maneira,
por aclamação pública, da condição humana são elevados à posição de divinos.
É bem verdade que isso por si só, não diz muita coisa. Era comum àquela época se
prestar adoração ao Imperador romano e, Tiro e Sídon estavam por ocasião desse
acontecimento sob julgo romano. Ademais, Herodes Agripa I era um rei cujo domínio era
vasto na região, chegando a reinar sobre várias províncias romanas e, não bastasse isso, era
amigo do imperador e tinha forte influência na corte imperial.
Em adição, deve-se levar em consideração o fato de os sistemas religiosos em
Sídon e Tiro não serem monoteístas; portanto, atribuirem natureza divina ao rei, no
mínino, não pode ser considerado como estranho, dado serem eles politeístas e guardarem
proximidade com os sistemas religiosos grego e romano. Entretanto, mesmo assim sendo,
a ligação entre Grenouille e Agripa I, só por estes fatos, não é tão exclusiva assim.
Porém, o que dá consistência aos laços discursivos entre as duas personagens,
tornando-os apontável discursivamente um ao outro é a declaração bíblica a seguir: “e,
comido de vermes, expirou” (Atos, 12, ver. 23). As duas cenas discursivas, serem
aclamados divinos e em seguida extinguirem-se comidos por vermes, particularizam as duas
personagens, colocando-as em diálogos discursivos.
Dizer que dentre todas as cidades da Europa, Paris era a que mais exalava mau
cheiro e que, em Paris, o mercado dos peixes era o lugar em que o mau cheiro mostrava ser
mais profundo e repugnante é preparar o cenário para o surgimento dos “vermes”. E
porquê Grenouille, o anjo, havia de se dirigir exatamente ao mercado dos peixes? Ele havia
de ser punido; os vermes o esperava.
Deve-se notar que enquanto que a multidão, reunida ao redor do cadafalso o
idolatrava, o adorava, embora tivesse ele igualmente o corpo impregnado pela fragrância, a
ação dos no mercado dos peixes foi adversa. Embora o reconhecessem como anjo, o
comeram. E porquê o comeram? O filme não responde, mas o silêncio significa, e uma das
suas características é o de estar ligado à história (ORLANDI, 1993b, p. 12).
Se Jean Baptiste atualiza discursivamente Herodes Agripa I, nos termos em que se
analisou, então o motivo da morte do segundo funciona qual indicativo à razão pela qual o
primeiro morreu. Lucas, escritor do livro de atos, diz em relação à morte do rei: “o anjo de
162
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Jeová o golpeou instantaneamente, porque não deu glória a Deus” (Atos 12, ver. 23). A
falta de modéstia do rei Agripa I, o levou a aceitar honras imerecidas, segundo as Escrituras
Sagradas, recebendo, em conseqüência, punição divina. Similarmente, Grenouille, logrou-se
está acima da Igreja, por aceitar religiosa reverência do Bispo e da multidão.
Se, por um lado, as autoridades civis nada puderam fazer a Grenouille; por outro, a
Justiça Divina não o deixaria impune. Dentre muitas as alternativa, Jean Baptiste foi
induzido a se dirigir ao mercado dos peixes para que, junto com sua arrogância, seu
percurso terminasse ali e, como que comido pelos vermes, expirou.
Referências Bibliográficas
Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas: com referências. São Paulo, Sociedade Torre de
Vigia de Bíblia e Tratados, 1986.
Estudo Perspicaz das Escrituras. Vol. 2, Sociedade Torre de Vigia de Bíblia e Tratados. São
Paulo, 1991.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: O nascimento da Prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 32ª
ed., Petrópolis, Vozes, 1987.
ORLANDI, E. P. Análise de Discurso, Princípios e Procedimentos. Campinas, SP, Pontes, 1999.
_____________Discurso e Leitura. Campinas, SP, ed. 3ª, Cortez, 1996a.
_____________Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis, Vozes,
1996b.
_____________Vão surgindo os sentidos. In: ORLANDI, E. P. (org.) Discurso fundador: a
formação do país e a construção da identidade nacional. Campinas, Pontes, 1993a. Prefácio.
_____________As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas, Unicamp, 1993b.
ROGRIGUES, C. Sentido, interpretação e história. In: ORLANDI, E. P.(org.) A leitura e os
leitores. Campinas. Pontes, 1998. pp.47-58.
163
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Resumo: Este artigo analisa uma estratégia de referenciação chamada por Francis(1994) de
rotulação. Verificamos a importância da seleção do nome-núcleo dos rótulos para a
orientação argumentativa e, por conseguinte, a construção dos sentidos.
Palavras-chave: rótulos; referenciação; coesão lexical.
Abstract: This article identifies and analyses non-specific nominal groups which are
referred to as labels by Francis (1994). The head of the nominal groups were analysed
taking into consideration the importance of their semantic aspect to the construction of
meaning.
Key words: labels, encapsulation, lexical cohesion
1 – Introdução
2.1 – Referência
25
A partir de agora, utilizaremos SNs por sintagmas nominais.
164
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
fixos, nem estáveis. Dentro dessa perspectiva, temos a seguinte visão de língua de
Koch(2003:124): “a língua só se realiza enquanto prática social, quer dizer, os seres
humanos nas suas práticas sociais usam a língua e a língua só se configura nessas práticas e
é constituída nessas práticas.”
A fim de sinalizar essa mudança de perspectiva, Koch(2005, 2004, 2003ª,
1999ª,1998) e Marcuschi (1999, 1998) adotam o termo referenciação no lugar de referência
e, por conseqüência, a noção de referente é substituída pela de objeto-de-discurso, já que as
entidades são construídas no processo de interação, ou seja, são dinâmicas. Logo, quando
os objetos-de-discurso são introduzidos, segundo Koch(2003:80), “podem ser modificados,
desativados, reativados, transformados, recategorizados, construindo-se, assim, o sentido
no curso da progressão textual.”
Consideramos, dessa forma, a referenciação uma atividade do discurso, na qual o
sujeito será responsável por selecionar destro de um repertório lingüístico os objetos-de-
discurso que dão sentidos a sua proposta. Nas palavras de Koch(2005:35), isto quer dizer
que
2.2 – Rotulação
O uso de SNs não específicos é uma das estratégias de referenciação destacada por
Francis (1994). Entende-se por rótulo o SN não específico que requer uma realização
lexical no seu co-texto, ou seja, é um elemento nominal que precisa ser especificado no
discurso. Esse traço distintivo do rótulo faz com que funcione como anafóricos e/ou
catafóricos, assemelhando-se aos pronomes.
Essa característica é utilizada como critério para a identificação de rótulos, logo,
segundo Francis (1994:98), será rótulo qualquer nome não específico que solicite, para sua
especificação, uma lexicalização no co-texto, antes ou depois da sua utilização, isto é, o
rótulo deve apresentar-se como equivalente a uma seqüência discursiva, e não como
repetição ou sinônimo de um elemento antecedente, pois sua característica básica é o fato
de eles serem inerentemente inespecíficos.
Os rótulos apresentam algumas funções importantes na organização textual. O
primeiro ponto a se observado é a capacidade de o rótulo funcionar tanto anaforicamente,
quanto cataforicamente, podendo ser retrospectivos ou prospectivos. Ao ser utilizado
cataforicamente, a motivação para seu uso ainda não foi identificada, pois seu sentido será
atribuído somente nas orações subseqüentes.
165
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Determinante + Nome
Determinante + Modificador + Nome+ Modificador
porções do co-texto para ter seu sentido explicitado. Observemos o exemplo (1):
(1) Com uma base destas, não é de admirar que a cooperação entre os dois países não tenha
ficado restrita ao âmbito econômico. A França e a Alemanha são reciprocamente os
principais parceiros comerciais, constituindo o maior mercado de trabalho na Europa. Em
2001, 14% das exportações da França, foram dirigidos para a Alemanha, que por sua vez
exportou 11 % de seu comércio para a França. Este intenso intercâmbio comercial implica
um notável investimento em ambos os países. No ano de 2000, o investimento direto
alemão na França chegou a 23 bilhões de euros; por outro lado, a França investiu 29
bilhões de euros na Alemanha. Esta situação foi ainda impulsionada por numerosas fusões
de empresas franco-alemãs de alta tecnologia, tais como Rhône-Poulenc e Hoechst, que
formaram a Aventis.
O rótulo esta situação tem seu sentido explicitado nas orações anteriores, isto é,
remetem a uma porção anterior do texto para que possa ser compreendido. Devido a essa
característica do rótulo, ele pode funcionar como anáfora ou catáfora. Ao exercer o papel
de anáfora, será um rótulo retrospectivo, pois o rótulo segue a sua lexicalização; e ao ser
catáfora será um rótulo prospectivo, já que o rótulo precede a sua lexicalização.
A questão do direcionamento dos rótulos é apenas um ângulo desse assunto rico e
complexo, pois o emprego de rótulos retrospectivos e/ou prospectivos envolve mais
questões do que a mera oposição catáfora e anáfora. Um ponto a ser abordado é a relação
entre o direcionamento e a veiculação de informações novas/velhas. Enquanto o rótulo
prospectivo introduz informações novas, o rótulo retrospectivo, que retoma informações
velhas, poderia parecer um mero resumitivo, no entanto Conte(2003) sinaliza que, apesar
de retomar informações velhas, este apresenta um novo referente textual. Há, ainda, a
questão da seleção nuclear, que abordaremos a seguir.
Francis(1994) agrupa em uma classe, que ela denomina de nomes gerais, os nomes
nucleares de rótulos que não apresentam um valor metalingüístico, tais como: área, aspecto,
caso, assunto, situação, problema e coisa.
Nessa categoria estão inclusos os nomes-núcleos que denotam um valor mais
genérico, sendo o exemplar mais comum e característico o nome-núcleo coisa, que Francis
(1994:22) diz ser o “mais geral e adaptável”. No entanto, apesar do caráter impreciso que
esses nomes-núcleos apresentam, a escolha de um rótulo é única, pois são palavras
altamente dependentes do contexto.
(2) Agora, enquanto Lula diz em Genebra a única coisa que pode ser dita no momento - que os
juros estão altos mas que não se promovem reduções nas taxas a poder de bravatas -, José
Alencar volta a perder a noção do cargo que ocupa e, não satisfeito em usar indevidamente
a cadeira presidencial para discordar, ainda o faz em termos absolutamente impróprios.
167
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
O nome-núcleo coisa exemplifica a classe dos nomes gerais. Esse referente textual a
única coisa que pode ser dita no momento aponta para o que ainda será dito – exercendo o papel
de catáfora. Além disso, nesse exemplo, o nome-núcleo coisa é modificado por uma oração
relativa - que pode ser dita no momento – que fornece algumas informações a cerca do nome-
núcleo, mas não esclarece o significado do nome-núcleo coisa.
Na classe dos nomes gerais, incluem-se os nomes-núcleos com um valor semântico
mais genérico, entretanto há entre eles nomes que denotam uma carga avaliativa como
observamos no exemplo (3) em que o nome-núcleo problema já apresenta uma avaliação
acerca do que será dito a seguir.
(4) De todos os críticos à política de juros altos, o que exibe desempenho mais inadequado
é, de longe, o vice-presidente da República, José Alencar. Coerente, pois diz agora
exatamente o que dizia no governo anterior, Alencar parece não se ter dado conta de que
de lá para cá houve uma mudança crucial na situação: ele agora é governo, com todos os ônus
e os bônus resultantes dessa condição.
(5) Finalmente, as cotas para os negros. O caso está no Supremo e inúmeros juristas
asseguram que a medida é inconstitucional. Resta saber como as cotas foram consideradas
constitucionais nos Estados Unidos. Lá, a Corte Suprema seguiu o voto de um juiz con-
servador e sulista, em cujo escritório de advocacia, em Atlanta, nunca trabalhara com um
negro. Até agora, o debate carrega alguns constrangimentos inúteis. Um é a demonstração
de que estudantes não-negros deixam de entrar na faculdade porque os negros, com notas
menores, são beneficiados pelas cotas.
Apresenta-se como anomalia a própria idéia. É exatamente isso que se pretende. É
168
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Observando-se melhor este tratado, pode-se notar que ele não só influenciou a
relação entre a França e a Alemanha como também a integração da Europa. Quem sabe
como teria sido esse processo se os considerados "motores" não tivessem tido a preocupação
de uma reconciliação?
Os exemplos (5) e (6) acima ilustram nomes-núcleos de processo mental – idéia e
processo. Enquanto no exemplo (5) o nome-núcleo idéia conduz o leitor o retomar as
informações anteriores que esse referente nomeia como sendo idéia; no exemplo (6) o
nome-núcleo processo aparece acompanhado pelo demonstrativo – esse- que como
aponta Conte (2003:183) apresenta um caráter dêitico, que torna saliente o rótulo –esse
processo – no trecho em que está inserido.
(7) Se os sábios de Brasília tivessem dado mais atenção à dra. Zilda Arns, o programa
Fome Zero não teria virado a encrenca que virou. No programa de Lula há três outras
propostas originais na área social: a legalização dos lotes ocupados pelo andar de baixo nas
grandes cidades, o primeiro emprego para os jovens e as cotas para negros nas
universidades públicas.
(8)Os temores veiculados por Regina têm a virtude de expressar o ânimo de uma parcela
ponderável da população. Dados cruzados de pesquisas da Vox Populi imediatamente
anterior a 6 de outubro autorizam essa conclusão.
Nesse exemplo (8), o rótulo essa conclusão também ilustra um nome ilocucionário,
porque, diferente do exemplo (11), não se refere a uma parte do texto como estrutura
formal, e sim ao aspecto semântico.
reconciliação entre os dois países vizinhos, colocando um ponto final na era das guerras
sangrentas e na "hostilidade mútua".
Observando-se melhor este tratado, pode-se notar que ele não só influenciou a
relação entre a França e a Alemanha como também a integração da Europa. Quem sabe
como teria sido esse processo se os considerados "motores" não tivessem tido a preocu-
pação de uma reconciliação? Vale constatar que o nível da integração de hoje, que chegou
ao ponto em que os países europeus trabalham juntos para elaborar uma só constituição,
certamente não teria sido o mesmo se França e Alemanha não tivessem colocado um ponto
final nessa história.
O referente textual – história – ilustra o uso de nomes de atividades linguageiras.
Nesse caso, o nome-núcleo mesmo retomando informações velhas, é um item lexical novo,
já que não ocorreu anteriormente no texto.
(10) Conclusão, creio que a medida desorganizaria um setor do governo que funciona bem e
privaria um órgão respeitado e comprometido apenas com o Estado brasileiro de funções
que exerce há 50 anos, e para as quais se prepara continuamente. O Itamaraty é um
patrimônio do Estado brasileiro; não é do interesse nacional depreciá-lo.
4 – Considerações Finais
Este trabalho analisou uma das estratégias de referenciação, que Francis (1994)
chamou de rotulação. Segundo Koch (1999ª) e Francis(1994) os nomes-núcleos dos rótulos
podem ser classificados semanticamente como nomes gerais, abstratos de ação e
metalingüísticos.
Dentro da classe dos nomes gerais, temos os nomes-núcleos de uma semântica
mais imprecisa, mais própria de uma linguagem do dia-a-dia (fala ou escrita informal),
sendo o exemplar mais característico “coisa”. Isso ocorre porque na fala, os enunciados são
processados simultaneamente a sua produção, tendo os falantes, então, um tempo limitado
para planejar e revisar seus textos. Apesar disso, muitos nomes gerais possuem um valor
axiológico(positivo ou negativo) o que revela o valor persuasivo dos rótulos, que direciona
o leitor do texto a uma conclusão.
Por outro lado, os termos metalingüísticos, segundo Jubran (2003:97), “... são
claramente entidades do discurso, no sentido que focalizam a atividade enunciativa...”
Outro aspecto relevante é que os rótulos metalingüísticos requerem do leitor do texto um
maior esforço cognitivo, já que além de interpretar um referente textual novo, deve
também buscar informações.
Koch(1999ª) assinala que os rótulos não são utilizados com o simples propósito de
170
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
referir, eles são importantes para a construção dos sentidos dentro do texto, portanto a
escolha lexical do nome-núcleo do rótulo é fundamental para a orientação argumentativa.
5. Bibliografia
Consideraciones iniciales
1. La enseñanza del léxico con el apoyo del diccionario: lo qué piensan los autores
enseñanza de una lengua específica y en una adecuada utilización del material pedagógico
contribuirá, evidentemente, a una mayor eficacia por su parte (…). La elaboración de
actividades con diccionario en clase de ELE supone una eliminación en relación a la
tensión del grupo. El personal docente concentrado en lograr información a partir de
fuentes lexicográficas permite una mayor capacidad y dedicación individual al profesor,
cuyos provechos repercuten en los alumnos.
De acuerdo con Leffa (2000, p.40 apud WELKER 2006, p.271), el énfasis en el
léxico es la manera eficiente de aprender una lengua porque todos los otros aspectos – de la
fonología a la pragmática – resultan naturalmente de componentes que están dentro de la
palabra.27
Lo que podemos percibir del expuesto es que el uso del diccionario en la clase tiene
gran importancia en el proceso de la enseñanza/aprendizaje del léxico de una lengua
extranjera. Creemos que el desuso del diccionario en la clase de español, el caso de nuestra
investigación, en cursos de licenciaturas para formación de profesores de español como
lengua extranjera (ELE), revela el desconocimiento por parte de los profesores de las
posibilidades de hacerse de él una herramienta importante e imprescindible en lo que se
refiere al desenvolvimiento de la enseñanza de ELE de ese aprendiz en la clase y fuera de
ella.
Por tanto, es preciso resaltar que el acompañamiento y la preparación de los
profesores de esas licenciaturas, como afirma Baston (apud ARAGÃO, 2000, p.281) “…a
todos - docentes y discentes – nos conviene tomar consciencia, con la máxima crudeza y
urgencia, que hay que relanzar el prestigio de la Universidad, fomento de verdad y sin
demagogia el interés por el estudio y la investigación”.
Esa actitud pedagógica por parte del profesor hace con que el discente tenga más
confianza en su propio esfuerzo en aplicar un constante estudio y desmitifica la idea del
profesor como el único medio y el punto más relevante en el desarrollo de la
enseñanza/aprendizaje de ese idioma. Como afirma Coracini (1995), el profesor que cree
tener total control sobre su propio decir tiene la ilusión de que puede tornar sus palabras
claras, de modo a ser comprendidas por todos los estudiantes de la misma manera,
independiente del grupo.28
Así, el conocimiento en utilizar el léxico no se adquiere por si solo, es decir, es
preciso que el profesor esté preparado para la utilización de esta obra en clase de ELE para
que él pueda preparar a sus alumnos (futuros consulentes) en usar adecuadamente esa
herramienta de ayuda para el desarrollo de la comunicación en la lengua meta.
caminos para una discusión más profundizada acerca de la utilización del diccionario como
un medio complementario para los alumnos brasileños en la lectura. Al paso que el
consulente desarrolla sus habilidades con el uso adecuado de tal material, en el aprendizaje
del léxico tendrá un aumento considerable. Ese conocimiento adquirido en clase de ELE
servirá como una fuente imprescindible no sólo para la comprensión lectora, sino también
para la producción textual.
El estudiante de una lengua extranjera (LE) o de una segunda lengua (L2) como,
también, de la lengua materna puede disponer de la ayuda indispensable de las obras
lexicográficas elaboradas especialmente para tales consulentes. En ese sentido, nos parece
importante que los usuarios de la lengua aprendan a manejar adecuadamente los
diccionarios, pues se trata de un manual que tiene una forma propia y peculiar.
Laufer (1997, p.31) apud Welker (2006, p.226) afirma decisivamente que la mayor
dificultad a la buena actividad lectora es el número insuficiente de las palabras en el léxico
del aprendiz. El vocabulario fue indicado como elemento que permite la mejor previsión
del éxito en la lectura, mejor que la sintaxis o la habilidad general de lectura. Sea el efecto
de estrategias de lectura, él es interrumpido caso el vocabulario esté abajo del límite
necesario.
Coura Sobrinho (1988 apud WELKER 2006), en su disertación de maestría
concluye lo siguiente acerca del uso del diccionario monolingüe en la comprensión de
lectura en lengua francesa:
Por lo tanto, la utilización del diccionario, en este sentido, coopera para lograr un
mejoramiento en la enseñanza del léxico en ELE y que las instituciones de educación
valoren la obra dicionarística y busquen, primeramente, un perfeccionamiento para sus
docentes y, por consiguiente, los mismos puedan poner en práctica las actividades de uso
del diccionario en sus clases a través de una metodología coherente y eficaz.
29
Os informantes procuraram antes de usar o dicionário compreender o texto de uma maneira global; a
consulta ao dicionário auxiliou na compreensão do texto, verificada através da tradução; os informantes que
apresentaram melhor desempenho nas leituras sem dicionário foram também mais bem sucedidos nas
consultas.
175
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
4. Metodología y procedimientos
b) la segunda era una cuestión abierta sobre los efectos del método Mozart.
Obtuvimos:
● grupo experimental: los 3 informantes fueron claros en sus respuestas explicando con
detalles del método.
● grupo de control: sólo 1 alumno explicó claramente el método y los demás fueron muy
sucintos en sus respuestas.
También en esa cuestión el resultado fue favorable al grupo que pudo usar el
diccionario monolingüe.
c) la tercera actividad era para marcar verdadero o falso y para justificar las falsas. Veamos
el resultado:
● grupo experimental: dos estudiantes acertaron 3 alternativas y un alumno acertó todas
las alternativas (un total de 11 aciertos)
● grupo de control: 1 alumno acertó todas y los dos acertaron 4 alternativas (total de 14
aciertos)
Podemos concluir que en esa actividad el grupo que no utilizó el diccionario
176
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
(control) tuvo un rendimiento mejor. Estamos seguros que los sujetos estuvieron más
atentos en el momento de la actividad, por lo tanto, consiguieron un mejor desempeño.
d) la cuarta actividad era para identificar la palabra a partir de las definiciones. El grupo
experimental acertó una (1) cuestión más que el grupo de control. Esa diferencia no fue
considerada significativamente alta.
● grupo experimental: 16 aciertos para los tres informantes
● grupo de control: 15 aciertos para los tres informantes.
e) la quinta cuestión era para ordenar las palabras sacadas del propio texto en análisis. En
esa actividad todos los alumnos de los dos grupos (control y experimental) obtuvieron un
resultado excelente, acertando todas las alternativas. Ese resultado tal vez haya ocurrido
debido al grado de facilidad de la cuestión.
f) la sexta y última actividad era para los informantes hacer un resumen del texto. También
en esa tarea todos los 6 sujetos de la investigación fueron bien en las respuestas.
Creemos que el resultado se debe al hecho de que el uso del diccionario es realizado
de manera ineficiente, es decir, debido a falta de un mayor y mejor conocimiento sobre la
obra. Como se registra en el análisis de los datos, los aprendices que desarrollaron la
investigación con el apoyo del diccionario obtuvieron un mejor desempeño en las tareas de
un modo general, pero la diferencia estadísticamente no fue muy significante y no podemos
generalizar los resultados.
6. Consideraciones finales
Referências
RESUMO
Para que a aprendizagem da leitura e da escrita transcorra de forma eficiente, a análise dos métodos de
alfabetização é de fundamental importância. Para assinalar quais as melhores estratégias a serem usadas na
aprendizagem da leitura e da escrita de crianças, de forma a oferecer as condições para o aprendiz iniciar-se
no mundo letrado, é necessário analisar a alfabetização sob três pontos de vista, conforme descrito por Soares
(2003, 2007). O primeiro diz respeito à questão técnica da língua, ou seja, ao ato de decodificação e
codificação, à relação grafema-fonema / fonema-grafema. O segundo atém-se à questão do significado, da
compreensão leitora. E o terceiro considera a alfabetização um processo social, ou seja, a aprendizagem da
língua escrita possui funções conforme o contexto social em que está inserida. Este estudo foi concebido com
o intuito de discutir os argumentos favoráveis e contrários aos métodos fônico e global. Além da comparação
de argumentos teóricos, foram realizadas entrevistas com professores alfabetizadores acerca da metodologia
usada na alfabetização. Os resultados sugerem que tanto o método fônico quanto o global apresentam
argumentos legítimos no que tange à alfabetização de crianças. Seguindo esse raciocínio, é sensata a busca
pelo equilíbrio no uso dos dois métodos de alfabetização. Respeitar o caminho dos alunos no
desenvolvimento de suas hipóteses sobre a escrita, possibilitar o trabalho com textos, explorar as relações
entre fonemas e grafemas, desenvolver a consciência fonológica, valorizar as descobertas dos aprendizes,
apresentar a leitura como uma atividade ao mesmo tempo prazerosa e significativa na dinâmica social, são
objetivos compatíveis e complementares no processo de alfabetização e letramento de jovens leitores.
PALAVRAS-CHAVE: alfabetização de crianças; método global; método fônico.
ABSTRACT
So that the learning of the reading and of the writing it elapses in an efficient way, the analysis of the literacy
methods is of fundamental importance. To mark which the best strategies to be used in the learning of the
reading and of the children's writing, in way to offer the conditions for the apprentice to begin in the learned
world, it is necessary to analyze the literacy under three point of view, as described by Soares (2003, 2007).
The first concerns the technical subject of the language, in other words, to the decoding action and code, to
the relationship grafema-phoneme / phoneme-grafema. The second to the subject of the meaning, of the
understanding reader. And the third party considers the literacy a social process, in other words, the learning
of the language writing possesses functions according to the social context in that it is inserted. This study
was conceived with the intention of discussing the favorable arguments and contrary to the methods phonics
and whole language. Besides the comparison of theoretical arguments, interviews were accomplished with
teachers teachers concerning the methodology used in the literacy. The results suggest that as much the
method phonics as the whole language they present legitimate arguments with respect to the children's
literacy. Following that reasoning, it is wise the search for the balance in the use of the two literacy methods.
To respect the students' road in the development of their hypotheses on the writing, to make possible the
work with texts, to explore the relationships between phonemes and grafemas, to develop the phonological
conscience, to value the discoveries of the children´s literacy, to present the reading at the same time as an
activity pleased and significant in the social dynamics, they are objective compatible and complemental in the
literacy process and letramento of young readers.
KEY-WORD: reading learning, children´s literacy, whole language approach, phonics approach.
30
Mestre em Letras - Leitura e Cognição - pela Universidade de Santa Cruz do Sul. E-mail
greiciqm@yahoo.com.br
31
Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Letras e do Departamento de Letras da
Universidade de Santa Cruz do Sul. Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. E-mail rgabriel@unisc.br
179
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
INTRODUÇÃO
Alfabetização e letramento em foco
em que está inserida, para assim tornar-se um usuário ativo dessa modalidade da língua
(SOARES, 2003; 2007).
Vinculado ao conceito de alfabetização, o letramento é considerado como “o
resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e a escrever, bem como o resultado da
ação de usar essas habilidades em práticas sociais” (BATISTA et al., 2007), isto é, o
processo de inserção e participação na cultura escrita. Pesquisadores envolvidos com a
educação, como Soares (2000, 2002), Marcuschi e Xavier (2005), Kleiman (2002), entre
outros, comprometidos em definir e discutir o termo, explicam que letramento é o uso da
leitura e da escrita como práticas sociais, articulando-as conforme as situações, como fios
condutores para a apropriação da linguagem e do conhecimento.
Este artigo32 tenta contribuir com os estudos acerca da aprendizagem da leitura e da
escrita através da comparação entre os argumentos e contra-argumentos fornecidos pelos
métodos de alfabetização fônico e global. Através do levantamento e discussão dos
argumentos apresentados pelos defensores de ambos os métodos, tentamos responder à
questão: qual a metodologia mais eficiente na alfabetização de crianças?
ser pautada pelos conhecimentos científicos disponíveis nas áreas da lingüística, psicologia,
educação, etc. Na seqüência, buscaremos confrontar os argumentos trazidos pelos métodos
fônico e global à luz de nossos conhecimentos atuais.
O CONFRONTO
método fônico versus método global
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A combinação possível
Aprender a ler, o professor alfabetizador precisa combinar, na sua sala de aula, o domínio da
decodificação com o trabalho da construção do significado, isto é, combinar as
características favoráveis do método fônico com as do método global. Para que isso
aconteça, é necessário que a criança descubra o princípio alfabético e compreenda como
funciona o código alfabético para dominar a decodificação e ser exposta a textos reais, ricos
e com significado cultural, para tomar consciência da diversidade de textos na construção
do significado.
Seguindo esse raciocínio, é sensata a busca pelo equilíbrio no uso dos dois métodos
de alfabetização: fônico e global. Respeitar o caminho dos alunos no desenvolvimento de
suas hipóteses sobre a escrita, possibilitar o trabalho com textos, resgatar o trabalho com o
alfabeto, explorando as relações entre sons e letras e a consciência fonológica, respeitar os
momentos de descoberta dos alfabetizandos, focalizando sempre o objeto da aprendizagem
da leitura e da escrita, associar leitura e escrita ao seus aspectos lúdicos e funcionais
parecem ser atividades desejáveis e compatíveis. Portanto, após todas essas considerações,
parece-nos que o método mais adequado para a alfabetização de crianças é aquele que
compatibilize diferentes estratégias de aquisição e construção do conhecimento. Como
afirmam Rayner e colaboradores (2001, 2002), a combinação de métodos baseados na
significação (palavra, contexto) e nos aspectos fônicos (relação grafema - fonema) é mais
poderosa do que qualquer método usado sozinho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abstract. The present work is about the communicative approach aiming the tasks as
input for the developing the communicative competence in the light of learning theory of
theorics like Prabhu (1987) and William Littlewood (1998), which mainly deals the
communicative activities that support the real and interactive use of the language. It also
makes a report of the diagnosis accomplished with four teachers and eighty students of
elementary teaching in a public school in Imperatriz city in Maranhão. It also presents the
analysis and discussion of the colected datas aiming verify the methodology used by the
teachers whether it is been supplying the students' necessities.
Key- words: Communicative approach, tasks, English language.
1. Introdução
O ensino de línguas a partir dos anos 60 sofreu alterações metodológicas, pois os
enfoques já existentes não atendiam aos anseios dos lingüistas britânicos que começaram a
questionar a eficiência dos mesmos. Começaram então a defender que somente o
conhecimento estrutural da língua não efetivava o seu ensino, era necessário que estivesse
direcionado à competência comunicativa, ou seja, a língua deveria ser utilizada de maneira
significativa.
Desta forma um grupo de estudiosos começou a partir de 1971 a propor mudanças
nos programas de ensino de línguas tendo como referencial a função comunicativa ou
funcional da língua fazendo com que a abordagem comunicativa fosse difundida não só
em nível nacional . Como postulam Richards e Rodgers (1998, p.69):
186
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
2. Referencial Teórico
NUNAN (1996, p.10) faz uma interpretação sucinta do que vem a ser uma tarefa
comunicativa. Para ele, tarefa comunicativa é uma das partes do trabalho da sala de aula
que faz com os alunos “compreendam, manipulem, produzam e se comuniquem na língua
187
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
PAPEL DO
Diálogo Situação
Cartas Horários de ônibus
Fotografias Cardápio
Postais Previsão meteorológica
Desenhos Bilhetes a um amigo
Horóscopo Listas de compra
Mapas Tabela de calorias etc.
Atividades
Na abordagem comunicativa há uma variedade de atividades as quais convergem
para cumprir os objetivos comunicativos do currículo, participar na comunicação e
desenvolver os processos comunicativos de intercâmbio de informação, negociação de
significados e interação. As atividades especificam o que o aluno fará com a informação de
entrada.
Atividades pré-comunicativas
As atividades pré-comunicativas possibilitam ao aluno o desenvolvimento de
algumas habilidades necessárias para a comunicação, sem esperar na realidade que o
mesmo realize atos comunicativos. O professor isola elementos concretos do
conhecimento, ou de uma habilidade, que compõe a capacidade comunicativa e
proporciona aos alunos a sua prática, e o tipo de língua produzido pelos alunos deve ser
aceitável (LITTLEWOOD, 1998).
São exemplos destas atividades, os exercícios de repetição e transformação e a
prática oral de perguntas e respostas; que são encontradas na maioria dos livros de texto e
em manuais de metodologia. O objetivo destas atividades é proporcionar aos alunos um
domínio do sistema lingüístico, portanto o objetivo principal dos alunos, nesse nível, é
produzir estruturas lingüísticas apropriadas, mais do que comunicar significados de
189
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
maneira efetiva.
Assim sendo, sempre que se realizam atividades pré-comunicativas é com o intuito
de preparar os alunos para a comunicação posterior. Elas têm a função de solidificar as
bases para a prática das atividades comunicativas.
Atividades comunicativas
Nas atividades comunicativas, o aluno tem de ativar e integrar seu conhecimento
pré-comunicativo e suas habilidades, a fim de utilizá-los para a comunicação de
significados. Littlewood (1998), faz uma distinção entre dois tipos de atividades no ensino
comunicativo da língua : atividades de comunicação funcional e atividades de interação
social.
Nas atividades de interação social os alunos têm de dar atenção tanto aos
significados sociais como aos funcionais que transmitem mediante o uso da língua. Eles se
aproximam mais ao tipo de situação comunicativa encontrada fora da aula, considera-se a
língua não somente como um instrumento funcional, mas também uma forma de
comportamento social.
Desta forma, os alunos ao executarem uma atividade não terão somente que se
comunicar de maneira efetiva do ponto de vista funcional, mas também se adequar às
convenções sociais. Portanto, em uma atividade de interação social na língua alvo os
alunos devem considerar tanto os aspectos sociais como funcionais; como conseqüência,
a linguagem que produzem se valora tanto a aceitação social como a eficácia funcional.
Todas essas atividades estão relacionadas com a simulação, a diferença se faz no
controle do professor e a criatividade do aluno. Quando os alunos representam diálogos, o
controle do professor é máximo e a criatividade dos alunos é mínima. Nos exercícios
centrados em um determinado contexto, o aluno constrói frases que podem ser novas para
ele, mas que foram predeterminadas pelo professor. Nos diálogos com pauta há uma
fronteira entre a simulação pré-comunicação e a comunicativa. O professor tem controle
dos significados que se expressam, mas não sobre a linguagem que se usa para expressá-los.
Nos tipos mais criativos de jogos de papéis, o professor somente tem controle da situação
dos papéis dos alunos, mas deixa que eles criem a interação.
Prabhu( 1987 ) no projeto Bangalore utilizou três tipos de atividades: vazio de
informação, vazio de raciocínio, vazio de opinião que consistem no seguinte:
190
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264
Vazio de informação
Vazio de raciocínio
Vazio de opinião
3 – Metodologia
5 – Conclusão
6. Referências