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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,


Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264

Revista Querubim 2008 Ano 04 Nº 07– 194 p. vol. 1 (jul - dez/ 2008)
Rio de Janeiro: Querubim, 2008
1.Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais - Periódicos.
I. Título: Revista Querubim Digital.

CONSELHO EDITORIAL
Presidente: Aroldo Magno de Oliveira (UFF- RJ)
Secretário: Roberto Carlos Rodrigues

CONSULTORES

Alice Akemi Yamasaki (UFF – RJ)


Elanir França Carvalho (USP – SP)
Geralda Therezinha Ramos (UNIBH – MG)
Guilherme Wyllie (UFMT / ILTC / IBFCRL – MT)
Janaína Alexandra Capistrano da Costa (UFT – TO)
Janete Silva dos Santos (UFT – TO)
João Carlos de Carvalho (UFAC – AC)
José Carlos de Freitas (UNIRG – TO)
Jussara Bittencourt de Sá (UNISUL –SC)
Luiza Helena Oliveira da Silva (UFT – TO)
Mônica Cairrão Rodrigues (UNI-SÃO LUÍS – SP)
Ruth Luz dos Santos Silva (UNIBEU – RJ)
Vanderlei Mendes de Oliveira (UFT – TO)
Venício da Cunha Fernandes (C. PEDRO II – RJ)

EDITOR
Aroldo Magno Oliveira
DIAGRAMAÇÃO E REVISÃO TÉCNICA
Aroldo Magno de Oliveira
PROJETO GERAL
Aroldo Magno Oliveira
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Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264

SUMÁRIO

01 Processos de referenciação e produção de sentido em atividade de leitura:construção de objetos de discurso e 03


representações sociais - Adilson Ribeiro de Oliveira, Célia Alves Lemos e Miriam de Oliveira Lemos
02 A importância das histórias em quadrinhos para a formação do leitor – Adriana Ribeiro de 11
Brito e Silva e Estela Natalina Mantovani Bertoletti
03 Saberes em arte: vozes de educandos do ensino médio sobre elementos estéticos e apreciativos em dança - 23
Alba Pedreira Vieira, Kátia Vitalino Marcos, Estela Vale Villegas e Alexa C. Alexandre
04 A desorientação que é orientada pela indústria cultural: reflexões acerca da condição humana 31
contemporânea no âmbito da educação escolar - Alessandro Eleutério de Oliveira
05 O uso das novas tecnologias e ensino: mudanças de atitudes, mudanças de comportamento? - 39
Alexandra Maria Lima de Melo
06 O Punk e sua linguagem contemporânea – Ana Paula de Sant’Ana 45
07 A Fonte: representação da história em O Continente I – Angelise Fagundes da Silva 54
08 Religião e cura: uma interpretação – Antônio de Medeiros Pereira Filho e Alcides Leão Santos Júnior 59
09 Incentivo à leitura de obras literárias nas escolas através do método recepcional – Aparecida de 68
Castro Pordeus e Cláudio José de Almeida Mello
10 “Só se aprende inglês nos cursinhos”: uma visão discente sobre algumas causas da ineficiência no ensino 75
de língua inglesa no estado de minas gerais – Aurelia Emilia de Paula Fernandes e Tatiana Diello
Borges
11 O verbo da língua inglesa get e seus vários sentidos – Cândida Salete Rodrigues Melo 83
11 Cenas de uma educação cristã: abrem-se as cortinas – a dialética das linguagens em um percurso 89
encantador – Charles Dutra de Freitas
12 Conhecimentos prévios e práticas leitoras de alunos da 5ª série do ensino fundamental - 97
Cristiane Malinoski Pianaro Angelo e Valter Sávio Roesler
13 Leitura de enunciado de exercícios de língua portuguesa: limites no ensino – Édina Maria Pires da Silva 107
14 A prática docente e a perpetuação de estereótipos entre meninos e meninas: uma leitura a partir das teorias 112
de gênero – Eliseu Riscarolli, Regis Glauciane Santos de Souza e Priscila de Lutiane de Jesus Aguiar
15 Ricardo III, de Shakespeare: a gênese da vilania sedutora via linguagem – Enéias Farias Tavares 125
16 Ricardo II, de Shakespeare: entre a máscara política e o espelho da reflexão psicológica – Enéias Farias Tavares 142
17 Do filme perfume: Jean Baptiste e Herodes Agripa I – um diálogo discursivo – Francisco Neto Pereira Pinto 157
18 A seleção do nome-núcleo dos rótulos – Gabrieli Pereira Bezerra 163
19 El diccionario español monolíngüe como herramienta en la enseñanza y aprendizaje de los estudiantes 171
brasileños – Glauber Lima Moreira
20 Contribuições e limitações dos métodos de alfabetização de crianças – Greici Quéli Machado 178
e Rosângela Gabriel
21 Tarefas como insumo para desenvolvimento da competência comunicativa – Ilza Léia Ramos Arouche 185
e Maria da Guia Taveiro Silva
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PROCESSOS DE REFERENCIAÇÃO E PRODUÇÃO DE SENTIDO EM


ATIVIDADE DE LEITURA: CONSTRUÇÃO DE OBJETOS DE DISCURSO
E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Adilson Ribeiro de Oliveira


Professor de Língua Portuguesa e Literatura CEFET-Ouro Preto – MG
Mestre em Pedagogia Profissional (ISPETP-CUBA)
Mestrando em Letras (PUC-MG)
Célia Alves Lemos
Aluna do Programa de Pós-graduação em Letras (PUC-MG)
Miriam de Oliveira Lemos
Doutoranda em Letras (PUC-MG)

Resumo: Neste trabalho, investigamos processos de referenciação na produção de sentido


durante a leitura, entendendo a construção de objetos de discurso como resultado de
constante instabilidade (Mondada e Dubois, 2003). Buscamos, nesse intento, em estudos
sobre representações sociais (Moscovici, 2003), algumas orientações as quais possibilitam
uma análise que valoriza o sujeito como um ser que, negociadamente, instaura e diz o
mundo na sua ação, histórica e socialmente contextualizada. Para tanto, analisamos alguns
desses processos em uma experiência que permitiu levantar hipóteses sobre como os
leitores inferem para dar sentido ao que lêem e quais os caminhos percorridos nesse
propósito.
Palavras-chave: Leitura; Referenciação; Representações Sociais.

Abstract: In this paper we aim to explore the referenciation process in the sense
production during the reading, understanding the construction of speech objects as result
of a constant instability (Mondada and Dubois, 2003). Our purpose here will be to
formulate, in accordance with studies on social representations (Moscovici, 2003), some
directions for an analysis that values the subject as a being who actively sets up and
conceives by itself the world in his historically and socially action. In this purpose we
examined some of these approaches which ones helped us to assume different assumptions
about the processes how the readers built the sense, and in which ways they have chosen
during the process.
Key-words: Reading; Referenciation; Social Representations.

1. Sobre leitura e referenciação: objetos de discurso em movimento

Apesar de a atividade de leitura (o ato de ler) ser, por natureza, uma tarefa
individual, uma vez que é o indivíduo, como sujeito único, que propõe sentidos em um
contexto que se configura mediante a interação autor e leitor, adotamos uma concepção de
leitura como atividade sociocognitiva, que envolve crenças, valores e conhecimentos, tanto
aqueles envolvidos diretamente no processo, na produção de sentido, quanto outros que
acabam por caracterizar estratégias ou operações regulares de abordagem do texto. Em
outras palavras, assim como proposto por Koch e Elias (2006, p. 13), na produção de
sentido, entram em cena as experiências e os conhecimentos do leitor, que mobiliza, para
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isso, tanto os saberes construídos socialmente, quanto estratégias cognitivas, como a seleção,
a antecipação, a inferência e a verificação.
Sob esse enfoque, percebemos a leitura como um processo de interação,
considerando o ato de ler uma atividade de construção/produção de sentido. Dessa forma,
o texto deve ser entendido como o material por meio do qual se estabelece a possibilidade
dessa interação, em que se desenvolve uma manipulação de recursos (lingüísticos, textuais,
cognitivos, sociais, etc.), em determinadas condições, visando à constituição de um
discurso.
A interação, nessa perspectiva, deve ser concebida como componente do processo
de comunicação, de construção de sentido, tratando-se de um fenômeno sociocultural que
abarca características lingüísticas e discursivas e que permite, em uma análise sistemática, a
investigação de relações intersubjetivas, que dá lugar a um jogo de representações em que
se constroem sentidos. Dito de outra forma, ao sujeito leitor não deve ser atribuída uma
competência que se limitaria apenas à dimensão lingüística, no sentido de que domina os
signos e as possibilidades previstas pelo sistema verbal, mas também a competência
comunicativa e textual.
É nesse sentido que os estudiosos do discurso, ao ressaltar o papel dos sujeitos
(locutor e interlocutor) no processo de (re)produção da linguagem, concebem a língua
como o resultado da existência de uma relação em que locutor, texto e interlocutor formam
um triângulo, dentro do qual acontece a produção de significados. É aí que o texto passa a
ter sentido, que se realiza a comunicação propriamente dita, ou seja, (...) toda palavra comporta
duas faces., nos dizeres de Bakhtin (1986, p. 08), Ela é determinada tanto pelo fato de que procede
de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. (Grifos do autor)
Van Dijk (2000), além disso, lembra que não existe um processo de compreensão único, mas
processos de compreensão que variam de acordo com diferentes situações, de diferentes usuários da língua, de
diferentes tipos de discursos.
Vê-se, com isso, que existe, no mínimo, uma intrincada rede de ações diversas que
envolvem a produção de sentido na leitura, e que, pode-se deduzir, a compreensão, a
produção de sentido, restringindo-se aqui à atividade de leitura, não se reduz à ativação e ao
uso de informações internas e cognitivas, mas inclui, também, processamento e
interpretação de informações exteriores.
É sob essa perspectiva que pretendemos investigar, de um ponto de vista
interacional, como eixo deste estudo (e porque as consideramos fundamentais no
processamento de sentido na leitura) as estratégias de referenciação de que o leitor lança
mão nessa atividade e suas conseqüências na atribuição de sentidos para um dado texto.
Tema clássico da Filosofia da Linguagem e da Lingüística, a questão da referência
situa-se entre duas grandes tendências teóricas: a que concebe o referente como objeto do
mundo extralingüístico e a que o vê como objeto do discurso. Na primeira, os referentes
são objetos do mundo, logo a questão da correspondência com esse mundo e a exclusão do
sujeito estão em pauta, de tal maneira que a validade das palavras do discurso é avaliada em
termos de um quadro vericondicional. Na segunda, os referentes são objetos do discurso e
a realidade não é vista como pronta e acabada, à espera de uma etiqueta; ao contrário, ela é
construída, constantemente, pelos atores sociais nas práticas discursivas de que participam,
portanto, no curso das interações entre locutores, intersubjetivamente (Mondada, 2005, p. 11).
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Segundo Ducrot (1984) – para quem a palavra tem de conter, como seu elemento
constitutivo, uma alusão a uma exterioridade – o referente possui um estatuto de ambigüidade, já
que, ao mesmo tempo em que se apresenta como externo ao discurso, nele está inscrito; o
referente de um discurso não é, assim, como por vezes se diz, a realidade, mas sim a sua realidade, isto é, o
que o discurso escolhe ou institui como realidade (Ducrot, 1984, p. 419).
Nessa perspectiva, apoiamo-nos em Mondada e Dubois (2003), as quais afirmam
que os referentes (objetos do discurso) são constructos culturais, representações
constantemente alimentadas pelas atividades lingüísticas. Essas pesquisadoras, às quais
filiamos nossa abordagem, assumem uma concepção de língua na qual os sujeitos constroem,
através de práticas discursivas e cognitivas, social e culturalmente situadas, versões públicas do mundo
(2003, p. 17).
A referenciação é, dessa perspectiva, um processo dinâmico, interativo, que ocorre
em diferentes contextos cujas “negociações” para constituição de sentidos atuam sobre
objetos de discurso. Nas palavras de Marcuschi (2001, p. 04), o ato de referir é um ato criativo
no contexto de ações lingüísticas sócio-historicamente situadas.
Essa posição nos é cara porque orienta a proposta de análise que será apresentada
neste estudo, a qual pressupõe:

a produção de sentido baseada na utilização do conhecimento de mundo dos


interlocutores e de suas habilidades cognitivas, a partir dos recursos lingüísticos disponíveis,
dentre eles, a busca de imagens construídas a partir do título, por exemplo;
a produção de sentido como um processamento estratégico, tanto de ordem
lingüística quanto cognitivo-discursiva (Koch e Elias, 2006): levantamento de hipóteses,
validação ou não das hipóteses levantadas, preenchimento de lacunas.
a categorização e a recategorização constituindo-se, como propõe Marcuschi
(2005, p. 65), no processo intersubjetivo de pelo menos duas mentes convergindo sobre a melhor forma de
construir uma dada proposição diante do mundo, e conforme as pistas que se apresentam no texto;
a leitura e a interpretação permeadas pelas crenças e valores dos interlocutores.

Considerando tais pressupostos, é possível afirmar que a leitura precisa de


ancoragem, ou seja, de associações e/ou inferenciações a partir de elementos presentes no
co-texto ou no contexto sociocognitivo (Koch, 2003), e que o referente não é uma fórmula
dada, mas construída, daí a importância de se atentar para a interação, a cultura, a
experiência, os aspectos situacionais, as representações, os quais interferem na
determinação referencial.
Assim, consideramos importante trazer, para a investigação que estamos propondo,
contribuições teóricas advindas da Teoria das Representações Sociais – da qual tratamos na
próxima seção –, como necessárias à análise proposta, tendo por justificativa para essa
escolha que a compreensão de como as pessoas interagem e, conseqüentemente, negociam
a produção de sentidos é problema de interesse dessa teoria apontado por Moscovici
(2003).
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2. Sobre representações sociais

Moscovici, (2003, p. 216) argumenta que:

Representações sociais são somente complexas e necessariamente inscritas dentro de um


“referencial de um pensamento preexistente”, sempre dependentes, por conseguinte, de sistemas de
crença ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência. Elas são, sobretudo, o
objeto de um permanente trabalho social, no e através do discurso, de tal modo que cada novo
fenômeno pode sempre ser reincorporado dentro de modelos explicativos e justificativos que são
familiares e, conseqüentemente, aceitáveis.

De acordo com o autor, pode-se lembrar que esse sistema de crenças e valores
possui uma dupla função: estabelece uma ordem que permite aos membros de uma
comunidade orientar-se em seu mundo material e social a fim de controlá-lo; possibilita que
a comunicação seja possível entre os membros dessa comunidade, através de aspectos de
seu mundo e sua história individual e social.
Investigando os estudos da referenciação da maneira como está sendo tratada aqui,
ainda há que se concordar com Moscovici (2003, p. 219), quando este lembra que

Não há representações sociais sem linguagem, do mesmo modo que sem elas não há
sociedade. O lugar do lingüístico na análise das representações sociais não pode, por conseguinte,
ser evitado: as palavras não são a tradução direta das idéias, do mesmo modo que os discursos não
são nunca as reflexões imediatas das posições sociais.

Outra contribuição importante nos estudos acerca das representações sociais e que
corrobora com o projeto de análise proposta neste trabalho está no entendimento de que a
ancoragem desempenha um papel fundamental nessas relações que possibilitam a produção
de sentido e conseqüente construção do conhecimento. Segundo Franco (2004), ela constitui
parte operacional do núcleo central e em sua concretização, mediante apropriação individual e personalizada
por parte de diferentes pessoas constituintes de grupos sociais diferenciados, e consiste no processo de
integração cognitiva do objeto representado para um sistema de pensamento social
preexistente e para as transformações, históricas e culturalmente situadas, implícitas em tal
processo.

Por isso, então, entendemos que, no processo de atribuição de sentidos na atividade


de leitura, o sujeito envolve-se em uma espécie de jogo de uso da linguagem como ação e
não como produto, instaurando e dizendo o mundo na sua ação social. Dessa maneira, a
discursivização ou textualização do mundo por meio da linguagem ocorre a partir de um
processo de interação em que se privilegia a forma como, sociocognitivamente, os sujeitos
interagem com o mundo e não apenas pela forma como o nomeiam.
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3. Análise de uma experiência de leitura: movimentos do leitor

3.1 Contextualização

A experiência de leitura que nos propomos analisar neste artigo envolveu 34 alunas
do 1º período do curso de Pedagogia de uma universidade privada, que se prontificaram a
participar do experimento como leitoras de um texto previamente selecionado para esse
fim. Suas idades variam de 17 a 49 anos, concentrando-se entre 22 e 28. A maioria não está
trabalhando como professora atualmente e as quatro que estão atuam na educação infantil
ou no ensino fundamental de 1ª a 4ª séries.
A atividade durou aproximadamente uma hora e meia, desde a leitura silenciosa do
texto até a resolução, por escrito, de questões que lhes foram propostas. Nesse percurso, as
alunas-leitoras foram orientadas a não se comunicarem e a não se identificarem nas folhas
de respostas e orientações, com o objetivo de garantir que o processamento fosse
individual e que se permitisse uma análise conjunta e imparcial dos dados obtidos.
O texto escolhido para leitura foi Pais e filhos, de Fernando Bonassi, publicado na
Folha de São Paulo, em 1º de outubro de 1997. Tal escolha se deveu ao fato de que alguns
referentes não estão explicitamente designados no texto, o que possibilita uma margem
razoável para inferências no processo de ativação desses referentes, fato que nos
interessava bastante, tendo em vista os propósitos desta investigação. Ei-lo:

Pais e filhos
– Mãe... Por que tem tanto mosquito?
– Tira a mão daí.
– Se eu tirar, vem mosquito, mãe.
– Tira a mão daí já!
– A senhora tá brava comigo?
– Não, não tem nada com você.
– A senhora ainda tá brava com ele?
– Acho que não.
– Então por que a gente não tira ele daqui?
– Não sei...
– A gente podia pôr ele no quarto.
– Não quero mais ele lá.
– Mãe... o papai não vai acordar?
– Não, acho que não.

3.2 – Investigando os processos de referenciação

O título do texto (Pais e filhos) é formado por dois substantivos no plural e sem
artigo definido, numa seqüência, o que aponta para o campo do genérico: uma âncora
posta pelo autor do texto e que pode ser alçada pelo leitor. Remete-nos a um determinado
sistema de enquadre: o contexto familiar.
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Além disso, no texto, considerando as imagens que o diálogo travado pelas


personagens pode sugerir, é possível fazer emergir duas cenas: uma explícita – a do diálogo
entre mãe e filho1; e uma implícita, que constitui, a nosso ver, o espaço lacunar que o leitor
faz esforço para preencher no intuito de responder às questões propostas, ou, mais
especificamente, de identificar o referente “ele”.
Observamos que as falas da mãe, por um lado, são muito curtas, não explícitas,
meio opacas. Apesar disso, ela assume, claramente, um lugar de autoridade (Tira a mão daí
já!, linha 4). Por outro lado, temos um filho que reconhece essa autoridade, o que pode ser
notado na modalização do verbo “poder” (podia) e uma relação de cumplicidade com a mãe
(a gente, linha 11). Tal contexto até agora apresentado nos remete às representações sociais
pontuadas anteriormente: mãe é um conceito que está alocado na situação de poder,
enquanto filho está no espaço daquele que obedece e do qual se espera assentimento às
ações de autoridade.
Assim, o leitor utiliza não só seus conhecimentos lexicais e lingüísticos, mas
também outros tipos de conhecimentos e representações que lhe permitem construir um
espaço de referenciação e, conseqüentemente, de identificação e constituição de referentes.
Nessa perspectiva, o sujeito-leitor desempenha um papel central, por se tratar de um
sujeito-agente, já que está engajado em uma ação lingüística e social.
Nesse caso, em se tratando do leitor-sujeito de nossa investigação, destacamos um
dado que nos parece relevante para os resultados da análise desenvolvida, qual seja: o perfil
das informantes, uma vez que nossa perspectiva pauta-se na concepção da produção de
sentido envolta no aspecto sócio-histórico-cultural.
Como já se explicitou anteriormente, após a leitura individual, silenciosa, foram
lançadas algumas perguntas, que foram respondidas, também individualmente e por escrito,
e cujas respostas tornaram-se objeto de análise: (a) Quem é “ele”? e (b) Que
pistas/estratégias levaram você à resposta dada na questão “a”?
Para a questão (a), das 34 participantes da experiência, 28 responderam que “ele” é
o “pai”; 02 atestaram ser um bebê; 01 disse ser uma jovem e 03, um cachorro.
Uma primeira hipótese que pode ser levantada aqui, considerando a quantidade de
respostas, remete-nos imediatamente ao contexto anunciado ao início desta investigação: se
se trata de um ambiente familiar, em que se trava um diálogo entre mãe e filho, o ator que
falta a esse cenário só pode ser o pai. Apesar disso, não nos ateremos a essa hipótese, já
que, como se observará, houve uma multiplicidade de respostas para justificar tal escolha
pelos leitores. Além do mais, interessa-nos, principalmente, investigar as ações mobilizadas
por eles, como processos inferenciais de referenciação2, na tentativa de produzir sentido na
leitura que foi proposta. É o que passamos a investigar a partir de agora, principalmente
porque acreditamos que é nessa heterogeneidade de caminhos percorridos pelos leitores
que podemos atestar a referenciação como um processo que determina a atividade de
1
Como não é possível identificar o gênero, para efeito de análise, referir-nos-emos ao filho ou filha de forma
genérica: simplesmente filho.
2
Considerando os objetivos mais específicos deste trabalho, estamos adotando o conceito de inferência em
seu formato mais geral, portanto entendendo-a como um processo em que o leitor adiciona à sua
interpretação informações não explícitas no texto, incluindo desde fenômenos mais simples como a conexão
entre partes do texto até outros mais complexos como o acréscimo de conceitos novos a ele, conforme
pontua Machado (2005).
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linguagem como ação.


Das 28 leitoras que identificaram “ele” como “o pai”, 23 recorreram a trechos do
texto como pistas/estratégias para identificar esse referente, sendo que a maioria centrou-se
nas seguintes falas do filho: A gente podia pôr ele no quarto ou Mãe... o papai não vai mais acordar?.
Além disso, mesmo não fazendo referência direta a um trecho escolhido no texto, outras
duas informantes mencionam a palavra quarto em suas respostas.
Há, aí, um dado interessante e que merece nossa atenção, tendo em vista a
abordagem teórica adotada na análise. Nas respostas, os informantes demonstram ter
realizado processos inferenciais com base em determinadas pistas do texto que são
significadas por meio de representações (crenças, valores, saberes, idéias) construídas, a
nosso ver, ao longo de suas vidas, histórica e socialmente situadas. Uma dessas
representações diz respeito, em nossa cultura, às relações conjugais: quando os casais
brigam, é comum haver, normalmente por parte da mulher, a “interdição” da cama
(representada pelo quarto) ao marido, como uma espécie de punição ao outro.
Seguindo raciocínio parecido, as outras quatro informantes que identificaram o
referente “ele” como sendo o “pai”, justificaram suas respostas considerando o estado da
mãe (ela estava brava) ou hipotetizando uma possível briga entre o casal.
Vê-se, portanto, que há uma tendência do leitor em relacionar, no processo de
referenciação e conseqüente produção de sentido, constructos sociais a possibilidades de
categorização que permitem interpretar dados implícitos que lhes são lançados.
Atribuir, então, ao quarto, ao fato de a mãe estar brava e à possibilidade de uma briga
entre o casal, no texto em análise, o mote para a identificação do referente “ele” como sendo
o “pai”, é indício de que as leitoras estão engajadas em uma produção que vai muito além
do que é dado. Para tanto, elas mobilizam ações que lhes permitem atuar sobre o objeto e
propor sentidos que são construídos no curso dessas ações.
Desconsiderando totalmente essas relações que foram construídas pela maioria das
leitoras, as demais informantes identificaram como referente para “ele” “um bebê”, “um
cachorro” e, em uma notação no mínimo curiosa, “uma jovem”.
Das duas informantes que identificaram “ele” como sendo “um bebê”, uma
justificou com o trecho do texto A gente podia pôr ele no quarto e outra afirmando que ele estava
incomodando muito. Curiosamente, as duas trabalham na educação infantil, o que nos permite
afirmar que estabeleceram parâmetros de referenciação relativamente às suas atividades
diárias como profissionais e aos papéis sociais que desempenham cotidianamente,
focalizando suas interpretações no âmbito dessas representações. Temos aí,
necessariamente, representações sociais baseadas no conhecimento prévio de cada ser
humano, idéias comuns culturalmente ancoradas pela sociedade e pela história de vida
social e pessoal.
Outras três informantes afirmaram que “ele” é “um cachorro”. Trocadilhos à parte,
duas delas utilizaram, para tanto, o fato de haver muito mosquito como pista/estratégia
para chegar a essa conclusão e a outra esclarecendo que esse cachorro pode ter mordido a criança,
causando uma ferida. O que podemos inferir, nessa situação, é que as leitoras assentaram
relações do tipo “onde há fumaça há fogo”, melhor dizendo, “onde há cachorro/ferida há
mosquito”.
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Independentemente de qualquer assunção avaliativa, o que podemos afirmar, com


certeza, é que as relações produzidas pelas leitoras em sua ação referencial resultam de um
intrigante jogo que revela posturas, na produção de sentido, muitas vezes não previstas ou,
pelo menos, inesperadas, nesse processo complexo que é a construção do conhecimento.

4. Considerações finais

Acreditamos que a construção da referência é um processo complexo, que só pode


ser investigado à luz das representações sociais “instituídas” no e pelo sujeito, na interação
com o outro e com o mundo.
Essa crença nos leva a afirmar que a ação comunicativa resulta em um permanente
agir discursivo, a que se atrela a referenciação, e não à simples identificação de realidades
estáveis.
Considerando-se o importante papel que a leitura ocupa na sociedade e, mais
especificamente, sua função na apropriação de conhecimentos de naturezas diversas, pode-
se afirmar, com toda certeza, que é fundamental entender como se dá o processo de
referenciação nessa atividade, para que possamos entender, também, os processos de
produção de sentido em atividade de leitura.

5. Referências bibliográficas

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van DIJK, Teun A. O caminho de um modelo estratégico de processamento do discurso. In: Cognição, discurso e
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DUCROT, O. Referente. In: Enciclopédia Einaudi: linguagem e enunciação. V.2. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1984, p. 418-438.
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Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
ISSN 1809-3264

A IMPORTÂNCIA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS


PARA A FORMAÇÃO DO LEITOR3

Adriana Ribeiro de Brito e Silva (PG-UEMS) 4


Estela Natalina Mantovani Bertoletti (UEMS) 5

RESUMO
A presente pesquisa busca investigar a importância das histórias em quadrinhos para a
formação do leitor. Este trabalho que foi motivado pela minha observação durante a
graduação, no período do estágio, quando constatei as imensas dificuldades dos discentes
na leitura. Então, para que a leitura fosse algo prazeroso, por que não adotar as histórias em
quadrinhos como alternativa lúdica para a aprendizagem? A pesquisa tem o intuito de
descobrir qual a influência das HQ nos discentes. Desse modo, pretende-se com minha
pesquisa, colaborar com os educadores e futuros profissionais, para que os mesmos
possam incrementar suas aulas, tornando-as lúdicas e especiais, oferecendo aos discentes
aulas entusiasmadas, por meio da inserção das histórias em quadrinhos como uma forma
leve de aprendizagem.
Palavras – chave: histórias em quadrinhos, leitura e aprendizagem.

ABSTRACT
This research seeks to investigate the importance of stories in comics for the formation of
the reader. This work has been motivated by my observation during the graduation during
the stage, where many see the difficulties of students in reading. So that was something
pleasurable to read, why not take the stories in comics as an alternative to the teaching
Playful? The research has the aim of discovering the influence of HQ in students. Thus, it
is with my research, collaborate with the educators and future employees so that they can
enhance their lessons by making them play and special, offering classes enthusiastic
learners, through the insertion of the stories in comics as a mild form of learning.
Words – key: comic stories, reading and learning

3
Refere-se à parte da Monografia, cujo título é “As histórias em quadrinhos nos livros didáticos de Língua
Portuguesa das séries iniciais do Ensino Fundamental”, orientada pela profª Dra. Estela Natalina Mantovani
Bertoletti, na unidade da UEMS de Paranaíba.
4
Acadêmica do curso de Especialização em Educação – UEMS de Paranaíba
5
Orientadora e docente do curso de Pedagogia e de Especialização em Educação – UEMS de Paranaíba
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INTRODUÇÃO

Conforme Vergueiro (2004), desde o surgimento da espécie humana, a escrita e os


desenhos destacam-se como elo de comunicação entre os seres, seja por meio de um
recado desenhado nas paredes das cavernas, nas quais viviam os seres primitivos, seja pelo
desenho de uma experiência daquelas pessoas em seu cotidiano. Tais situações de escrita e
de desenhos compõem a forma de comunicação, permeada de imagens gráficas, as quais
somente após muitos estudos foram consideradas como tentativas de se falar, comentar os
acontecimentos ocorridos durante o dia das pessoas. Estabelece-se nessa época primitiva a
comunicação visual, um canal de informações próprio para o desenvolvimento da interação
entre os seres humanos.

[...] as histórias em quadrinhos vão ao encontro das necessidades do ser


humano, na medida em que utilizam fartamente um elemento de
comunicação que esteve presente [...]: a imagem gráfica. O homem
primitivo [...] transformou a parede das cavernas em um grande mural,
em que registrava elementos da comunicação para seus contemporâneos:
o relato de uma caçada bem sucedida [...] O advento do alfabeto fonético
fez com que a imagem passasse a ter menor importância como elo de
comunicação entre os homens [...] (VERGUEIRO, 2004, p. 8 e 9)

Neste presente artigo, propus-me ao estudo da importância das Histórias em


Quadrinhos (HQ) para a formação do leitor. Tenho o objetivo de contribuir, por meio da
pesquisa e análise documental, para estudos futuros dos profissionais da educação,
despertando o interesse pelos estudos da importância das HQ para a formação de leitores e
também para que educadores possam utilizar-se das HQ, como recurso alternativo na
aprendizagem.
Para cumprir meu objetivo, utilizei-me do método bibliográfico, pesquisando
diversos livros. No artigo, mencionei a importância das HQ para a formação do leitor,
apenas discorrendo e em minha monografia aprofundo-me sobre o tema e estudo as
Histórias em Quadrinhos nos livros didáticos de Língua Portuguesa das séries iniciais do
Ensino Fundamental, analisando 08 (oito) livros didáticos.
O aumento do número de leitores das histórias em quadrinhos (HQ), proporcionou
um canal de comunicação viável para as histórias em quadrinhos, além de altamente
lucrativo para os empresários do ramo. (VERGUEIRO, 2004).
Os Estados Unidos foram o local apropriado para o desenvolvimento das HQ,
devido a todas as vantagens, sejam as tecnológicas, sejam as de amparo econômico e social
para a consagração total que existe em torno das histórias em quadrinhos.

A evolução da indústria tipográfica e o surgimento de grandes cadeias


jornalísticas, fundamentados em uma sólida tradição iconográfica,
criaram as condições necessárias para o aparecimento das histórias em
quadrinhos como meio de comunicação de massa. [...] seu florescimento
localizou-se nos Estados Unidos do final do século XIX, quando todos
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os elementos tecnológicos e sociais encontravam-se devidamente


consolidados [...] (VERGUEIRO, 2004, p. 10)

De início, as publicações das histórias em quadrinhos surgiram voltadas para o


estilo cômico, abordando a sátira e a caricatura, destinada a um público-alvo: os migrantes.
Eram veiculadas preferentemente aos domingos nos jornais norte-americanos. Com o
passar do tempo, a publicação que era em apenas de uma vez por semana, passou a ser
diária. As tiras eram uma maneira diferente e divertida de se lerem as histórias em
quadrinhos. (VERGUEIRO, 2004)
De um tema cômico, houve uma variação nos temas. É importante mencionar que
todas as HQ tinham um conteúdo repleto de mensagens americanizadas, nas quais se
notava a veemente glorificação norte-americana e a valorização dos costumes e cultura
daquela nação. Observa-se a questão da ideologia, fortemente arraigada nas HQ e vendida
pelo mundo afora numa forma de se mostrar o poderio do país mais rico do planeta.
Conforme Vergueiro (2004):

Despontando inicialmente nas páginas dominicais dos jornais norte-


americanos e voltados para as populações de migrantes, os quadrinhos
eram predominantemente cômicos, com desenhos satíricos e
personagens caricaturais. Alguns anos depois, passaram a ter publicação
diária nos jornais - as célebres tiras-, e a diversificar suas temáticas [...]
essas histórias disseminaram a visão de mundo norte-americana,
colaborando, juntamente com o cinema, para a globalização dos valores
e cultura daquele país. (VERGUEIRO, 2004, p. 10)

Da eclosão das tiras de quadrinhos, apareceram as histórias de aventuras e depois


os comics books, surgidos nos Estados Unidos, em1920, marcando uma nova fase das
histórias em quadrinhos e inaugurando uma nova visão das HQ. Lançando uma febre
mundial, tal o significado e a importância, as HQ conquistaram milhões de fãs, eis então os
super-heróis, os quais se tornaram a “coqueluche” da juventude. A Segunda Guerra
Mundial contribuiu para a disseminação das HQ e inclusive nas vendagens estratosféricas
das histórias em quadrinhos.
Segundo Vergueiro (2004):

[...] o aparecimento de um novo veículo de disseminação dos


quadrinhos, as publicações periódicas conhecidas como comic books
– no Brasil, gibis - , nos quais logo despontaram os super-heróis,
de extrema penetração junto aos leitores mais jovens, ampliou
consideravelmente o consumo dos quadrinhos, tornando-os cada
vez mais populares. A Segunda Guerra Mundial ajudou a
multiplicar essa popularidade [...] As revistas de histórias em
quadrinhos tiveram suas tiragens continuamente ampliadas,
atingindo cifras astronômicas naqueles anos. (VERGUEIRO,
2004, p. 11)
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1. AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Há cem anos foi publicado o primeiro número da revista O Tico- Tico


pela Sociedade O Malho, do Rio de Janeiro. Tratava-se de uma
publicação afinada com seu tempo, com uma proposta séria de colaborar
para o entretenimento e formação da criança brasileira. (VERGUEIRO,
2005)

Como se pode perceber na citação acima as Histórias em Quadrinhos tipicamente


brasileiras apareceram no país com o lançamento de O Tico–Tico, em 1905, que por ter um
linguajar de fácil compreensão, transmitia histórias cômicas, de fundo moral e também
fantasiosas, fazendo muito sucesso entre os leitores, por mais de anos. Os leitores de HQ,
os mais ardorosos, formavam e formam coleções, unindo-se pelo gosto dos HQ, ou como
são conhecidos, os gibis. Antes de explorar a histórias das HQ no Brasil, no entanto é
preciso que se explique o panorama editorial antes do surgimento das HQ no Brasil,
retrocedendo até os anos 20, quando existiam no país, poucos lançamentos de livros
brasileiros para crianças, em contrapartida era grande a entrada de produções literárias
provenientes do exterior, traduzidas. De acordo com Zilberman e Lajolo (1986):

A literatura infantil brasileira nasce no final do século XIX. [...] a


circulação de livros infantis era precária e irregular, representada
principalmente por edições portuguesas. Só aos poucos é que estas
passaram a coexistir com as tentativas pioneiras e esporádicas de
traduções nacionais, como as de Carlos Jansen (v. “Carlos Jansen:
Contos seletos das Mil e uma noites”) [...] (ZILBERMAN E LAJOLO,
1986, p. 15)

De acordo com Coelho (1991), a literatura infantil veio a ter um destaque maior
com os livros de Monteiro Lobato, a partir dos anos de 1920. O idealizador da boneca
Emília foi um grande representante da literatura infantil. Os livros, as publicações e os
demais escritos da época versavam sobre temas adultos e com a chegada de Lobato, um
nacionalista convicto, deu-se ênfase ao tema infantil, com histórias voltadas às crianças,
transformando a literatura de uma vez por todas numa autêntica alternativa para as crianças
e principalmente para os adultos, por meio de uma linguagem popular e criativa,
conquistando leitores e leitoras assíduos, certamente sedentos de saber, como pode ser
notado em Coelho (1991):

Foi em pleno período de confronto entre o Tradicional (= formas já


desgastadas do Romantismo/Realismo) e o Moderno (=representado
pelo Modernismo de 22) que Monteiro Lobato inicia a invenção literária
que cria o verdadeiro espaço da Literatura Infantil Brasileira. (COELHO,
1991, p.239)

Se em 1920 emergiu Monteiro Lobato, a partir de 1930, no campo político houve


turbulência, tanto no Brasil com a “Era Vargas” e a Ditadura, quanto no exterior (Quebra
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da Bolsa de Valores de Nova York) culminando com o aumento de escritos baseados em


histórias infantis. Segundo Coelho (1991):

Tal esforço foi provocado, de início pelo caos econômico que se instaura
no mundo com o crack da bolsa de Nova York (1929)[...] coincidindo,
entre nós, com o Estado Novo(ditadura implantada por Getúlio Vargas)
[...] prosseguia a fermentação das novas idéias pedagógicas e se debatiam
as propostas para o novo planejamento da Educação nacional.
(COELHO, 1991, p. 240)

Para Coelho (1991) a preocupação dos escritores era a de atingir as crianças com
histórias engraçadas, proporcionando lazer a quem não possuía outro tipo de informação.
Assim, as histórias em quadrinhos tornaram-se necessárias, pois tinham uma forma de
comunicação fácil, dispostas em quadrinhos, assim contribuindo para o aumento do
número dos leitores.
Nos anos 50, assumia o governo o presidente Juscelino Kubitschek, proferindo em
seu discurso o lema “50 anos em 5”, no qual ficavam compreendidos todos os setores na
rápida resolução de todos os problemas brasileiros, isto é, em apenas um mandato seriam
solucionadas todas as mazelas sociais, inclusive as educacionais, o que ficou, infelizmente,
na teoria. Em contrapartida, as produções em quadrinhos americanas adentram o país
(Walt Disney) demonstrando que os popularmente conhecidos gibis, caíram no gosto do
povo, fazendo-os “devorar” as publicações de HQ, como pode ser visto em Coelho (1991):

Acompanhando a expansão da imagem, começam a aparecer as Páginas


Infantis nos jornais de grande circulação. Em 1950, a revista-em-
quadrinhos Pato Donald é introduzida no Brasil [...] A partir daí abre-se o
nosso mercado às produções de Walt Disney. (COELHO, 1991, p.250)

Além disso, as HQ trouxeram para si inúmeros leitores, crianças que buscavam essa
forma de diversão. É importante mencionar as vantagens financeiras para autores e o
sucesso cada vez mais estrondoso dos gibis, os quais atraiam a atenção de vários
investidores. Conforme Coelho (1991):

Fenômeno extremamente complexo e dependendo de uma complicada


política econômica para poder se realizar como produto de sucesso, a
literatura-em-quadrinhos afeta inúmeras áreas: desde a propriamente
literária até a ética. (COELHO, 1991, p.251)

As HQ, lentamente, conseguiam ocupar posição de destaque na esquecida e


desapoiada literatura brasileira, transformando-se numa opção diferente à literatura adulta,
influenciada pelos quadrinhos americanos, cuja temática era amplamente seguida, seja no
modo de se falar (gíria), de se vestir e até mesmo ideologicamente. Segundo Coelho:

[...] a literatura-em-quadrinhos, a partir dos anos 50, cresce em


importância como produto dos mais lucrativos na área da imprensa. As
editoras especializadas vão-se organizando cada vez mais com eficiência
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[...] para atender ao crescente público em todo o Brasil (ou pelo menos
nos centros urbanos mais importantes). (COELHO, 1991, p. 252)

A década de 60 espelhava o advento da tecnologia, a chegada da televisão e de todo


o magnetismo exercido pela mesma. A imagem gerada pela televisão ofuscava pelo
marketing despejado nas casas das pessoas e influenciava o desvairado consumo de roupas,
souvenirs, perfumes, automóveis, ou seja, realizando os sonhos de consumo de todo o
mundo.

Expande-se pelo mundo ocidental a nova maneira-de- conhecer, trazida


pela Televisão. Os audiovisuais (TV, rádio, publicidade, outdoors, posters,
arte pop, projetores, slides...) alteram definitivamente o relacionamento
do homem com o mundo e com seus semelhantes. (COELHO, 1991,
p.254)

Naquele tempo, o que se via, era o descaso em relação às crianças, relegadas a uma
literatura adulta e imprópria para sua idade. Após o esclarecimento inicial, é conveniente
retomar a história do nascimento da revista O Tico-Tico, uma vez que foi a precursora do
gênero infantil no Brasil, revolucionando, por ser a primeira revista de quadrinhos do
Brasil, lançada em 11 de outubro de 1905, a qual veio a ser uma fonte de alegria para todas
as pessoas, principalmente para a faixa etária infanto-juvenil e também se tornou um
modelo a ser copiado e reproduzido, devido a sua proposta inovadora. Naquele tempo, o
que se via, era o descaso em relação às crianças, relegadas a uma literatura adulta e
imprópria para sua idade, conforme Coelho (2005):

O grande interesse para as crianças da época (além das estórias


tradicionais e as de Lobato que continuavam sendo lidas e ouvidas com
encanto...) é o jornalzinho O Tico Tico, que continua sendo publicado. [...]
Acompanhando o sucesso feito pelo O Tico Tico, surgem novas
revistinhas infantis que, embora de curta duração, já prenunciam a nova
era que se anuncia: a era da imagem, que, em nossos dias, está competindo
com a forma tradicional de literatura – a expressa pela palavra.
(COELHO, 2005, p. 242)

O Tico- Tico nasceu da necessidade de se ter uma publicação totalmente brasileira e


apareceu pelas mãos de Luís Bartolomeu de Sousa e Silva, jornalista mineiro, o “pai” da
primeira revista em quadrinhos do país.
Conforme já informado, os Estados Unidos e a Europa já publicavam quadrinhos e
os mesmos circulavam por todo o planeta, inclusive pelas terras brasileiras, estampando
histórias estrangeiras, as quais fascinavam os leitores. Essa paixão pelas HQ estimulou o
jornalista brasileiro, à criação de um espaço, no qual seriam fornecidas a diversão e a
informação por meio de uma revista em quadrinhos, algo totalmente inovador para a
sociedade da época. Segundo Arroyo:

Mas é fora de dúvida que a idéia de publicar uma revista nos moldes com que foi
publicado O Tico-Tico nasceu do conhecimento de algumas publicações mais ou
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menos semelhantes, então existentes não só nos Estados Unidos, como na


França, na Itália, na Inglaterra e na Espanha. (ARROYO, 1988, p; 152)

2. HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E SEU PODER

Por meio de leituras em quadrinhos, conceitos e valores podem ser


discutidos com o leitor iniciante, o que possibilitará uma melhor
interpretação da realidade que o cerca. (MARTINS, 2004, p. 102)

Como toda inovação, as HQ na época foram vistas com desconfiança por parte dos
educadores, talvez pelo medo do poder inserido nas histórias, muitas vezes aparentemente
ingênuas, que consistiam em perigosos influenciadores, sobretudo no modo de ser e de agir
das pessoas.
Assim as HQ estrangeiras deixavam os governantes preocupados com a
implantação de idéias revolucionárias nas mentes dos jovens, os quais poderiam ser
desvirtuados de seu nacionalismo.

Dentro da reação nacionalizante contra as estórias-em-quadrinhos


importadas (que poderiam descaracterizar a criança brasileira) em 1956, a
Secretaria da Educação e Cultura do Município de São Paulo designou
uma Comissão para estudar quais publicações infanto-juvenis que podia
ter ingresso nos Parques e Bibliotecas Infantis da Prefeitura paulista.
(COELHO, 1991, p. 251)

No entanto, as HQ, apesar de provocarem muitas divergências, obtiveram êxito em


sua caminhada rumo a um tipo de linguagem reconhecidamente popular, pois o número de
leitores crescia vertiginosamente, juntamente com as críticas, desfavoráveis às revistas em
quadrinhos e todo o seu sucesso, o que ocasionava incoerentemente, em imensa
quantidade de exemplares vendidos. Para Vergueiro (2004):

[...] os quadrinhos representam hoje, no mundo inteiro, um meio de


comunicação de massa de grande penetração popular. Nos quatro cantos
do planeta, as publicações do gênero circulam com uma enorme
variedade de títulos e tiragens de milhares ou às vezes, até mesmo
milhões de exemplares, avidamente adquiridos e consumidos por um
público fiel, sempre ansioso por novidades. (VERGUEIRO, 2004, p. 7)

Gradualmente as HQ superariam os obstáculos do preconceito de serem


desaconselháveis como material de estudo, de servirem apenas como forma de
divertimento, isto é, como uma ludicidade para os jovens e crianças. Os críticos,
impiedosos, viam os quadrinhos como prejudiciais para a juventude, podendo levar as
crianças a se desinteressarem pelos estudos, o que não aconteceu, devido aos conteúdos
educativo e moralista encontrados nas revistas.
Amelia Hamze (2008) afirma que
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Apesar das histórias em quadrinhos terem sofrido acirradas críticas,


acabou suplantando a visão de alguns educadores e provando (sendo
bem escolhida) que têm grande importância e eficácia nos trabalhos
escolares. [...] As histórias em quadrinhos possuem potencialidade
pedagógica especial e podem dar suporte a novas modalidades
educativas, podendo ser aproveitadas nas aulas de Língua Portuguesa,
História, Geografia, Matemática, Ciências, Arte, de maneira
interdisciplinar, fazendo com que o aprendizado se torne ao mesmo
tempo, mais reflexivo e prazeroso em nossas salas de aula. (HAMZE,
2008)

É de conhecimento público a relevância das HQ em todo o mundo e do sucesso


inerente às histórias, o que demonstra ser um meio de comunicação poderoso e influente.
Apesar do advento da internet, de outros meios de comunicação, as HQ não param de
conquistar fãs e nem de se sair do topo de vendagens de revistas. A questão de ser popular
e da fácil acessibilidade são provas da enorme lucratividade das HQS. A industrialização
das revistas foi com o passar dos anos, sendo realizada de forma profissional, gerando um
sistema organizado e culminando num processo globalizado e capitalista.

Tamanha popularidade das histórias em quadrinhos, as HQS, não se deu


por acaso. A produção, divulgação e comercialização, organizada em
uma escala industrial, permitiu a profissionalização das várias etapas de
sua elaboração, possibilitando-lhes atingir tiragens astronômicas.
(VERGUEIRO, 2004, p. 7)

A durabilidade do sucesso das HQ só reforça o quanto as mesmas interferem na


vida das pessoas, seja incutindo cultura, ideologia ou pensamentos. As revistas em
quadrinhos auxiliam no processo de aprendizagem, pela abordagem lúdica de seus textos,
contrariando boa parte de críticos, cuja “angústia” parte do fato de que as revistas em
quadrinhos nada contribuem na formação escolar do aluno. Para Vergueiro (2004):

Assim, as histórias em quadrinhos, além de serem um dos primeiros


veículos a caminhar para a padronização de conteúdos, também
incorporavam a globalização econômica em seus processos de produção,
garantindo, dessa forma, a sobrevivência em um mercado cada vez mais
competitivo. (VERGUEIRO , 2004, p. 7)

É verdade que as HQ geraram certo desconforto para muitos profissionais,


inclusive da educação e para os pais dos alunos. Talvez seja pelo tremendo sucesso das
revistas e do fascínio que exerciam (e exercem um carisma até hoje). É preciso explicar que
as revistas em quadrinhos traziam uma bagagem lúdica, altamente explorada pela mídia e
por ter essa característica de diversão sofreu um sério preconceito. (VERGUEIRO, 2004)
O esclarecimento também se deve ao seguinte fato: as HQ são um veículo
comercial muito rentável, o que contribuiu para ser considerada uma vilã em potencial, a
qual poderia ser prejudicial aos jovens leitores. Os críticos eram muito desfavoráveis aos
quadrinhos, tanto pelo seu apelo popular, tanto pelo grande consumo das revistas pelas
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crianças e pelos jovens. A contrariedade dos professores em relação aos quadrinhos


somou-se a dos pais das crianças. (VERGUEIRO, 2004)

Os professores abominavam este veículo de comunicação porque achavam que os


HQS não possuíam conteúdo educativo para as crianças, ou seja, não contribuiriam em
nada com a educação dos discentes. Segundo Vergueiro (2004):

Essa inegável popularidade dos quadrinhos, no entanto, talvez tenha sido


também responsável por uma espécie de “desconfiança” quanto aos
efeitos que elas poderiam provocar em seus leitores. [...] os adultos
tinham dificuldade para acreditar que, por possuírem objetivos
essencialmente comerciais, os quadrinhos pudessem também contribuir
para o aprimoramento cultural e moral de seus jovens leitores. [...] Pais e
mestres desconfiavam das aventuras fantasiosas das páginas
multicoloridas das HQS, supondo que elas poderiam afastar crianças e
jovens das leituras “mais profundas” (VERGUEIRO, 2004, p. 8)

As HQ tiveram que enfrentar muita resistência para sobressair e conseguir uma


posição de destaque para o educador. Se, no início, inúmeros professores deram as costas à
entrada dos quadrinhos nas salas de aula, com o passar do tempo e após muita luta, as
revistas em quadrinhos e suas histórias foram incluídas no planejamento dos educadores.
Os livros didáticos também contam com atividades repletas de tiras de histórias em
quadrinhos, até com textos inteiros, refletindo a tendência mundial da inclusão das HQ nas
escolas, nas salas de aula. (VERGUEIRO, 2004)
Em virtude desta inserção das HQ como ferramenta de apoio à aprendizagem,
decidi fazer minha monografia da especialização baseada nas histórias em quadrinhos,
analisando livros didáticos e propondo-me a investigar como os livros didáticos utilizavam
as HQ em suas unidades.
Apenas cair no gosto popular não significava necessariamente agradar aos críticos,
pois eles não achavam que as HQ possuíam cunho educativo, sendo meramente um veículo
desinformativo e totalmente anti-intelectual. (VERGUEIRO, 2004)
Os críticos julgavam de maneira impiedosa o conteúdo dos gibis e o acesso fácil
pelo qual os admiradores adquirem as HQ. A crítica sustentava que as HQ não levariam
conhecimento, por meio de textos didáticos e sim contribuíam negativamente para a
deformação do intelecto das pessoas, principalmente das crianças – as mais ardorosas fãs
deste gênero infantil.
Conforme Vergueiro, 2004:

Apesar de sua imensa popularidade junto ao público leitor [...] e das


altíssimas tiragens das revistas, a leitura de histórias em quadrinhos
passou a ser estigmatizada pelas camadas ditas “pensantes” da sociedade.
Tinha-se como certo que sua leitura afastava as crianças de “objetivos
mais nobres” – como o conhecimento do “mundo dos livros” e o estudo
de “assuntos sérios”-, que causava prejuízos ao rendimento escolar [...].
(VERGUEIRO, 2004, p. 16)
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3. A ESPECIFICIDADE DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Dentre os diversos gêneros textuais para se iniciar a formação do leitor,


um gênero textual que tem se destacado são as HQ por ser um texto
com muita ação, diálogo, numa linguagem simples mais adequada ao
mundo sócio-cultural do aluno, com muitas ilustrações, cores e
expressões fisionômicas. (MARTINS, 2004, p. 93)

As HQ são histórias narradas com desenhos em seqüência, geralmente no sentido


horizontal, dispostos em tiras, apresentando diálogos dispostos em balões. A disposição
dos balões dá uma idéia de rapidez e agilidade para as histórias e suas narrativas.
De acordo com Martins (2004):

Quadrinhos ou histórias em quadrinhos são narrativas feitas com


desenhos seqüenciais, em geral no sentido horizontal, e normalmente
acompanhados de textos curtos, de diálogo e algumas descrições da
situação, convencionalmente, apresentados no interior de figuras
chamadas balões. [...] É importante salientar que a HQ faz parte das
narrativas, são tecidas numa certa seqüência, para que haja entre os
leitores, o entendimento da história. (MARTINS, 2004, p. 2353)

As HQ constituem-se numa fonte de diversão constante e barata para crianças e


adolescentes, as quais contribuem para a construção dos futuros leitores, porque muitas
vezes as crianças iniciam-se no mundo da leitura, por meio do conhecimento e leitura dos
gibis. (MARTINS, 2004)
Por terem esta dinâmica e esta fácil acessibilidade, as HQ são consideradas um
gênero textual, cuja relevância foi conquistada duramente e sofrendo inúmeras críticas,
conforme explicitado anteriormente. As HQ, porém firmaram-se e solidificaram seu sucesso,
conseguindo para si fãs por todos os países. (MARTINS, 2004)
As histórias em quadrinhos influenciam pela comunicabilidade, por serem dispostas
em tiras, transformando-se num meio rápido de informações, num mundo globalizado e
exigente de notícias e entretenimento.
Martins (2004) afirma:

Um gênero textual que tem atraído muito a atenção do jovem e do


adolescente são as histórias em quadrinhos (HQ) e, por isso, tem sido
ponto de partida para a formação de muitos leitores. (MARTINS, 2004,
p. 93)

As histórias em quadrinhos são elaboradas de forma a entreter, têm figuras, são


alegres e coloridas, com isso distraem os leitores, cuja sensação de divertimento pode ser
percebida pela leitura das tiras, as quais de curta durabilidade e com histórias simples e com
uma linguagem, verbal ou não. Por isso é muito importante a veiculação dos personagens,
de seus vestuários, de seu linguajar, procurando agradar o leitor. (MARTINS, 2004)
Este mesmo leitor cria expectativas sobre os personagens, sobre as histórias, sobre
a conduta deles, durante as situações criadas, o que ocasiona na adoração do fã/leitor de
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histórias em quadrinhos.
Martins (2004) explica:

Como esse gênero textual é rico em figuras e cores, ao realizarmos nossa


análise, pretendemos focalizar não apenas a linguagem verbal
apresentada nessas histórias, como também a linguagem não verbal: as
cores, as expressões fisionômicas, os gestos das personagens, as
características textuais desse gênero, uma vez que tudo isso influencia na
construção do significado e nas expectativas do leitor. (MARTINS, 2004,
p. 93)

Realmente as HQ atraem os leitores, principalmente os que estão adentrando pela


primeira vez no mundo da leitura. As HQ contribuem muito para a formação inicial deste
leitor, por serem estimulantes visualmente e por conterem histórias simples e que
provocam a curiosidade e a imaginação da criança ou do adulto. Tanto influem (as HQ) no
contexto lingüístico quanto no contexto social, propagando uma ideologia, a do autor.

Sabemos que as histórias em quadrinhos (HQ) têm atraído a atenção do


leitor principiante e, por isso, tem sido ponto de partida para a formação
de muitos leitores. [...] é um material de leitura bastante circulado
socialmente, sobretudo, pelas crianças e adolescentes. (MARTINS, 2004,
p. 2349)

As HQ ajudam no processo de alfabetização, na diferenciação das linguagens


regionais, evidenciando o linguajar culto do coloquial, auxiliam no processo cognitivo da
criança, em suas habilidades, transformando-o num ser crítico, capaz de agir e criar
histórias.
Segundo Assis (2003):

Os gibis são usados para a alfabetização, ensinar diferenças regionais,


que é o caso do personagem “Chico Bento”, o uso da linguagem
coloquial e culta e sua aplicação, leitura oral e escrita, desenvolver
aspecto cognitivo no aluno, criar habilidades, [...] pode levá-lo a ampliar
seu poder de decisão ao mudar o final da história, tornar o leitor crítico
de sua realidade, pois muitos gibis trazem os problemas existentes na
sociedade. (ASSIS, 2003, p. 22)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Propus-me neste artigo a estudar a importância das HQ na formação do leitor,


revendo o contexto histórico das HQ até a atualidade, para que houvesse a compreensão
de todos do desenvolvimento deste gênero.
Não pude me aprofundar neste artigo, contudo em minha monografia inserirei
outros tópicos relativos aos estudos das histórias em quadrinhos, uma vez que as HQ são
relevantes na formação dos leitores, pois as histórias contam fatos cotidianos e cômicos. As
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pessoas têm acesso fácil às HQ, uma vez que são um investimento barato e os textos
curtos atraem muitos leitores.
As HQ são atraentes e, por isso, conquistam leitores que poderão ingressar em
outros gêneros também, assim, formam-se leitores permanentes e incentiva-se o hábito da
leitura, um hábito saudável e necessário. As HQ contribuem muito para a formação inicial
deste leitor, por serem estimulantes visualmente e por conterem histórias simples e que
provocam a curiosidade e a imaginação da criança ou do adulto.
Este tema é muito instigante pela relevância das HQ como formador de futuros
leitores, quando na perspectiva atual, o brasileiro não gosta de ler, o que é uma pena, uma
vez que o mundo da leitura emana cultura e saber.

Durante minha pesquisa percebi que as HQ têm um papel fundamental como


ferramenta de apoio na iniciação do futuro leitor.

REFERÊNCIAS

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ASSIS, Maria José. Maurício de Sousa: Uma análise ideológica de suas histórias.
2003. Monografia(Graduação) – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
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São Paulo: Ática, 1991.
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São Paulo. Disponível em:
<http://pedagogia.brasilescola.com/trabalho-docente/historia-quadirnhos.htm> Acesso
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iniciação do leitor. In: I SIMPÓSIO CIENTÍFICO-CULTURAL, 2004. Anais. Paranaíba:
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quadrinhos na sala de aula.São Paulo: Contexto, 2004.
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SABERES EM ARTE: VOZES DE EDUCANDOS DO ENSINO MÉDIO SOBRE


ELEMENTOS ESTÉTICOS E APRECIATIVOS EM DANÇA6

Alba Pedreira Vieira²


Doutora em Dança – Temple University, Filadélfia, EUA, 2007
– Professora Adjunto I do Departamento de Artes e
Humanidades, Universidade Federal de Viçosa – MG
Kátia Vitalino Marcos ²
Membro do “Grupo de Pesquisa Transdiciplinar em Dança” da
Universidade Federal de Viçosa, cadastrado no CNPq.
Graduanda em Dança na UFV (6° período) e bolsista de
iniciação científica da FAPEMIG – Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais
Estela Vale Villegas²
Membro do “Grupo de Pesquisa Transdiciplinar em Dança” da
Universidade Federal de Viçosa, cadastrado no CNPq –
Graduanda em Dança na UFV (6° período) e bolsista de
iniciação científica da FAPEMIG – Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais
Alexa C. Alexandre²
Membro do “Grupo de Pesquisa Transdiciplinar em Dança” da
Universidade Federal de Viçosa, cadastrado no CNPq -
Graduanda em Dança na UFV (6° período) e bolsista de
iniciação científica da FAPEMIG – Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais

Resumo
O objetivo geral é compreender os saberes estéticos e apreciativos em dança de educandos
do ensino médio de Viçosa, MG. A Fenomenologia-Hermenêutica orienta a coleta e análise
de dados. Resultados reveralam que a maioria dos participantes: (1) gostaria de assistir
apresentações de dança na escola; (2) assistiu apresentação de dança, ao vivo, pelo menos
uma vez; (3) sente “algo” no corpo ao assistir a uma apresentação de dança; (4) julga uma
apresentação de dança ‘boa’ ou ‘ruim’ baseando-se na performance dos bailarinos; (5)
atenta, em uma apresentação de dança, ao jeito de dançar, a sincronia e os movimentos dos
bailarinos.
Palavras-chave: dança, estética, apreciação, escola, ensino médio

6
Este artigo apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa com financiamento da FAPEMIG –
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – e CNPQ - Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico: “Educação para as Artes: Análise do impacto de projetos de
interface entre pesquisa e extensão que focam na sensibilização estética ou no apreciar da dança pelo público
mineiro” (2008-2010).
² Membros do “Grupo de Pesquisa Transdiciplinar em Dança” da Universidade Federal de Viçosa,
cadastrado no CNPq. A primeira autora é Ph.D em Dança, e Professora Adjunto I da UFV. As demais
autoras são graduandas em Dança na UFV e bolsistas de iniciação científica da FAPEMIG.
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Abstract
The main objective is to understand the aesthetic and appreciative knowledge in dance of
high school students from Viçosa, MG. Phenomenology-Hermeneutics orients the data
gathering and analysis. The results revealed that the majority of participants: (1) would like
to watch dance showings at school; (2) watched live dance performances at least once; (3)
feel “something” at their bodies when they watch a dance presentation; (4) judge a dance
piece as “good” or “bad” based on the dancers’ performance; (5) pay attention in a dance
piece at the dancers’ way of dancing, synchrony and movements.
Keywords: dance, aesthetics, assessment, school, high school

Introdução

Hoje em dia assistimos a uma crescente valorização dos bens culturais


materiais e imateriais. Desenvolveram-se Leis de Incentivo à Cultura, Editais de premiação
e outros que visam a difusão cultural pelo país. Assim, busca-se maior acessibilidade à
cultura, à arte de modo geral. Mas como analisar a realização desta difusão cultural, desta
mostra de diversidade cultural que traz o interior para o centro e, vice-versa, se o público
ao qual se deseja ampliar o acesso ainda está acostumado às obras massificadas pelos meios
de comunicação e ao imediatismo dos tempos atuais? É preciso, urgentemente, a nosso ver,
possibilitar e ampliar o acesso ao conhecimento sensível, imagético e criativo da população
propiciando uma educação, não somente para um novo olhar, mas para os diversos olhares
que a arte difunde. Acreditamos que é preciso a educação e a formação da sensibilidade
estética do público. Um processo que possibilite uma maior inserção deste público nas
mais diversas discussões sobre a cultura enquanto parte do contexto histórico de cada ser
humano, enquanto momento de lazer e também de reflexão sobre as individualidades e
coletividades, sobre os mais diversos temas.
Ao refletirmos mais especificamente a dança, nossa área de atuação, percebemos
que ela é uma arte considerada efêmera e transitória. Pode-se entender o que o Balé quer
dizer, o significado de um Congado no interior, mas quando se busca um novo olhar sobre
a dança, sobre o que esta arte pode promover além de diversão e beleza de corpos esbeltos
e da técnica apurada, parte da população fica temerosa e/ou não compreende o que é tido
como novo. A fim de intervir nesta situação, uma pesquisa-ação de educação estética em
dança está sendo desenvolvida em Minas Gerais: “Educação para as Artes: Análise do
impacto de projetos de interface entre pesquisa e extensão que focam na sensibilização
estética ou no apreciar da dança pelo público mineiro”.
Delimitando o foco deste projeto de interface entre pesquisa, ensino e extensão,
pensamos no papel da universidade em avaliar o desenvolvimento de educação para as
artes, especificamente para a dança, através de projetos de pesquisa-ação que ampliam a
sensibilidade estética do público. Acredita-se que as pontes entre universidade e sociedade
possam ser qualificadas se tais projetos se desenvolverem como práticas de intervenção e
de pesquisa que analisem todo o processo.
Apresentamos neste artigo um recorte desta pesquisa de investigadores da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Viçosa/MG, que abriga os cursos de
graduação, Licenciatura e Bacharelado, em Dança (iniciaram-se as aulas em 2002) – são os
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primeiros cursos universitários dessa natureza no estado. Discutiremos os primeiros passos


realizados no desenvolvimento da investigação - cuja duração total é de dois anos e se
iniciou em janeiro de 2008 - e o que eles nos revelam em termos de limitações, desafios e
avanços para o seu desenvolvimento futuro.
O objetivo geral desta pesquisa em andamento é a educação para as artes,
especialmente a fruição ou apreciação da dança. Através das interfaces entre pesquisa e
extensão, analisamos o impacto causado pela fruição artística de apresentações de dança
(incluindo aquelas de projetos de extensão do Curso de Dança da UFV) aliada a discussões
reflexivas e oficinas práticas. A abordagem metodológica é qualitativa e utiliza princípios da
pesquisa-ação crítico-colaborativa (PIMENTA, 2005), a pesquisa etnográfica (ANDRÉ,
2002), e a abordagem pós-positivista interpretativa, desconstrutivista e emancipatória
(GREEN & STINSON, 1999). Em um primeiro momento da pesquisa, coletamos dados
sobre o saber estético e apreciativo dos participantes através de questionários escritos
aplicados em alunos de ensino médio de duas escolas públicas de Viçosa. Algumas das
respostas analisadas são apresentadas a seguir.

Resultados e Discussão

Apresentamos os resultados da análise de dados coletados no questionário inicial


aplicado a alunos de três escolas públicas de ensino médio na cidade de Viçosa, MG.
Somente após a aplicação deste questionário é que o trabalho de campo se iniciou. 7 Os
estudantes responderam questões relativas ao seu conhecimento inicial sobre apreciação ou
fruição em dança.
Grande parte dos alunos das escolas de ensino médio afirmou que: (1) gostaria de
assistir apresentações de dança na escola, tanto de artistas quanto de alunos da própria
escola; (2) já usufruíram danças da chamada cultura de massa, sendo as mais citadas: funk,
axé, forró e hip hop. Tais danças são divulgadas pela mídia em geral com toda a sua carga
de mensagens subliminares como a forte temática sexista.
Ao responder a pergunta “O que é dança para você?”, a metade dos alunos aponta
a dança como arte. Acreditamos que eles são influenciados pela disciplina de Arte da escola
em que, apesar de aprenderem basicamente sobre artes visuais, eles tomam conhecimento –
ainda que superficialmente - das outras três linguagens – dança, música e teatro. Um
número alto das respostas revela a dança como diversão. Outras respostas ainda relacionam
a dança como forma de expressão, como cultura, como ritmo e como ritmo musical. Numa
visão utilitarista da dança (STRAZZACAPPA, 2006, p. 77), alguns afirmam que dança é
“esquecer os problemas”. Há alunos que parecem não encontrar palavras, pois afirmam
“não sei descrever” o que é dança. Mas outros alunos são claros em relacionar a dança com
a alegria e com “requebrar as cadeiras".
A relação da dança com diversão, alegria e expressão é considerada por Alba Vieira
e Maristela Lima (no prelo) como “o elemento diferencial da dança em relação às outras
linguagens artísticas, além da sensação de êxtase corporal, de profundo arrebatamento que

7
O trabalho de campo se constituiu em uma intervenção através de oficinas e discussões semanais nas
escolas; observações de apresentações de dança ao vivo – na própria escola e em teatro - e em vídeos;
observações de aulas práticas do Curso de Graduação em Dança da UFV.
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pode ser vivenciada pela pessoa que se movimenta e se permite essa abertura de
expressão”. Vieira e Lima, pesquisadoras e educadoras brasileiras em dança, citam as
pesquisas de mais de dez anos das educadoras norte-americanas Bond e Stinson (2000/01),
que descrevem e interpretam os significados das experiências de crianças e adolescentes na
educação em e através da dança. Bond e Stinson obtiveram dados de aproximadamente 600
pessoas, jovens e crianças com idade entre três e 18 anos, com diversidade de gênero, raça,
etnia, experiência e nacionalidade. A análise de desenhos, observações e questionários
mostra experiências “superordinárias” que deslocam os participantes das atividades
cotidianas.
Os participantes usaram metáforas tais como “[sinto-me ao dançar como se]
estivesse voando livre,” e “[vivencio] um mundo totalmente novo” para descrever para
onde a dança os permite “viajar”. Há paralelos entre os resultados dos estudos de Bond e
Stinson e de outros pesquisadores (como os resultados do psiquiatra Edward Hallowell
[2002], os resultados da ‘psicologia positiva’ de Martin Seligman [2002] que é autor do livro
‘Felicidade Autêntica’, e da ‘teoria do fluxo’ de Mihaly Csikszentmihalyi [1996, 2006]) que
sugerem que a arte pode auxiliar no desenvolvimento da capacidade humana para atingir a
felicidade.
Nesse sentido, Stinson (2004) e Metller (1980) afirmam que as experiências estéticas
vivenciadas em dança são significativas porque proporcionam satisfação imediata. O uso
prazeroso do movimento sobrepõe a sua função utilitária de promoção da saúde física e da
aprendizagem de outras disciplinas através da dança – embora esses aspectos sejam
importantes.
Em relação à fruição, perguntamos “Já assistiu a apresentações de dança?” a
maioria dos participantes disse sim. Esses resultados mostram que a divulgação da dança
em Viçosa através de apresentações em locais acessíveis ao público em geral – como ruas,
na escola e praças e não somente em teatros – têm permitido que a maioria dos
participantes tenha fruído a dança, ao vivo, pelo menos uma vez. Nesse sentido, Lima,
Vieira e Ávila (2008) ressaltam que:

o Curso de Dança da UFV desenvolve um número significativo de eventos


extra-classe, com apresentações públicas e produções de danças brasileiras,
teatrais, contemporâneas, corais, estudos de jogos e brincadeiras com dança,
ginásticas terapêuticas chinesas, oficinas de fruição e usufruição com pais,
professores e estudantes de escolas de ensino básico e creches e outros. Estes
ocorrem na sede do curso ou em espaços alternativos, dentro e fora de campus
universitário, em escolas e em comunidades da periferia de Viçosa, com o intuito
de dar visibilidade à função social, educacional e estética da dança. Durante e no
final do semestre letivo são realizados eventos que divulgam as pesquisas,
estudos e os trabalhos de criação e extensão dos alunos com produçöes
definitivas e ou processos criativos eventuais, tais como: Festival de Dança
Teatral, Festival de Dança Coral, Sarau da Dança, Baile Bão, Atelier
Coreográfico, Montagens de Matrizes em Danças Brasileiras, Sarau Imagem e
Movimento (envolvendo estudos de vídeo dança), Encontro Moringa (encontro
que une alunos interessados em danças populares brasileiras e os líderes que as
desenvolvem no seio de suas comunidades) e TCI (Trabalho de Conclusão
Integrado). (s/p)
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Ao responder a pergunta “Você sente ‘algo’ no corpo ao assistir uma apresentação


de dança? Se sim, o que?”, grande número de participantes apresenta uma resposta
afirmativa e desejo de estar dançando também, como exemplificado abaixo nas próprias
palavras dos mesmos:

“Vontade de dançar também”.


“Muita vontade de dançar com a apresentação de dança”.
“Eu fico com uma vontade enorme de dançar também”.

Acreditamos que os alunos não sentem apenas vontade de dançar, mas de estar
dançando naquele momento em um palco, ou seja, de estar se apresentando e sendo
apreciados pelo público. Nesse sentido, Strazzacappa (2006) afirma que preparar os alunos
para se apresentarem “é parte fundamental na formação do artista, ele deve ser levado a
sério, idealizado com zelo e estruturado com atenção” (p. 83). A autora justifica essa
afirmação: “Nas aulas de dança não há algo palpável para se ‘levar para casa’. O resultado
do trabalho técnico de dança é cênico. Apresenta-se na forma de uma coreografia ou de um
espetáculo que acontece num dado intervalo de tempo, num espaço específico para esse
fim” (p. 82). Além de ser importante trabalhar a mostra artística que prepara o próprio
educando para subir no palco e se apresentar, a autora lembra:

Não podemos nos esquecer também de que a educação estética dos pais
se faz nas apresentações dos filhos. Muitas vezes, a apresentação de final
de ano do filho se resume na primeira e única experiência estética dos
pais. Professores e diretores, cientes de tal situação, não podem permitir
que essa oportunidade seja desperdiçada. (p. 83)

Os resultados desta pesquisa, ao mostrar que os participantes sentem vontade de


dançar e se apresentar, reforçam a percepção de Strazzacappa (2006) de que este é um
importante elemento artístico a ser desenvolvido nas escolas.
Nas respostas da pergunta “O que lhe chama atenção quando você assiste a uma
apresentação de dança?” a maioria dos participantes revela valorizar o jeito de dançar, a
sincronia e os movimentos como exemplificado pelas seguintes falas:

“É bom apreciar o jeito que eles dançam”.


“Os movimentos têm que ser ao mesmo tempo”.
“Os movimentos apresentados”.

A preocupação com uma apresentação de dança apurada em termos de


movimentos indica o papel avaliativo destes alunos enquanto expectadores. Mesmo que a
maioria não tenha uma formação institucionalizada em dança, na escola ou em academias,
eles parecem estar sinalizando que não se contentam em assistir ‘qualquer coisa’. Esse
resultado reforça a necessidade de se promover apresentações de dança que são bem
estruturadas e preparadas com zelo e cuidado, principalmente em relação ao aspecto
técnico dos movimentos. Por outro lado, ao constatarmos que a maioria das respostas se
baseou na performance, no jeito de dançar dos bailarinos, podemos ainda pensar que essa
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interpretação seja a visão primeira que as pessoas geralmente tem ao assistirem uma dança:
o interesse pelo virtuosismo. Talvez os participantes não mencionem outros elementos que
compõe o produto artístico – como a disposição espacial e a mensagem a ser comunicada –
porque não os compreendem muito bem. Assim, podem achar que esses não são
importantes. Acreditamos que, com as aulas de apreciação durante a pesquisa, os alunos
ampliarão seu olhar e saberão prestar atenção aos diversos aspectos constituintes de uma
dança. Porém, houve nuance em uma das respostas:

“Pra mim é tudo [importante], de estilo de música até o figurino”.

Este aluno revela uma atenção aos detalhes e ao todo da obra. Sem termos
maior conhecimento da sua formação prévia em dança, fica difícil arriscarmos
interpretações sobre essa fala. O que nos ocorre, porém, é que a voz desse aluno é um
exemplo da complexidade do fenômeno de fruição em dança. Ou seja, são vários os
elementos que podem ser alvo da atenção do expectador e, quanto maior seu
conhecimento do contexto cênico em dança (iluminação, maquiagem, cenografia, roteiro,
trilha sonora e outros), maior é a possibilidade de compreensão.
Ao responder a pergunta “O que faz você achar uma apresentação de dança
boa?” muitos alunos responderam “sincronia”. Percebemos o quanto os alunos apreciam
uma dança em que todos os dançarinos fazem os mesmos movimentos, ao mesmo tempo e
“igualzinhos”. Como grande parte dos alunos já havia afirmado não conhecer dança
contemporânea ou a confunde com outras modalidades – dados obtidos em outras
perguntas não apresentadas neste artigo – permanece a dúvida: Será que eles apreciariam a
Dança Contemporânea? Como sabemos, os movimentos nesse vocabulário nem sempre
são iguais e isso é o que eles afirmaram valorizar ao apreciar. E quanto ao Balé? Será que
apreciariam o corpo de baile em que os movimentos são sincronizados, bem ensaiados e os
bailarinos dançam em uníssono? Essas questões, esperamos, serão discutidas ao longo da
nossa convivência com esses alunos.
Ao responder a pergunta “O que faz você achar uma apresentação de dança
ruim?” obtivemos, novamente, respostas relacionadas a performance dos bailarinos.
Algumas são apresentadas:

“Quando a pessoa erra ou o passo fica repetitivo”.


“A pessoa não saber dançar, estar lá no palco”.
“Erros na hora de trocar de lugar”.
“Ruim quando eles erram muito”.
“Quando a pessoa não sabe dançar”.

Um dos alunos fala sobre a questão da organização quando comenta o erro na


hora de trocar de lugar. Outro aluno comenta que a obra se torna “ruim” quando há vários
erros em uma coreografia. Este aluno parece considerar a possibilidade ou ‘que é
permitido’ um ou outro bailarino errar. Como outras respostas não são tão específicas
como essa, perguntamo-nos se o que eles idealizam como uma obra artística de qualidade/
boa é aquela em que não há erro algum. Essa é uma questão que, geralmente, os próprios
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bailarinos profissionais se preocupam muito na hora de se apresentar - por isso há


geralmente ensaios exaustivos antes de serem apreciados. Mesmo assim, erros parecem ser
inevitáveis. Tais respostas dos participantes nos sugerem que esse é um aspecto que deve
ser discutido com atenção quando se trabalha apreciação em dança.

Últimas Considerações

A reflexão dos resultados nos fornece subsídios para conhecer melhor o contexto e
o saber artístico desses alunos. Ela nos possibilita construir uma proposta para a educação
apreciativa da dança que privilegia a criatividade e a valorização tanto do processo quanto
do produto. Outro aspecto fundamental é o respeito pela a diversidade artística, cultural e
corporal. Nossa preocupação em construir uma proposta de qualidade para esses alunos, se
dá pelo potencial da dança e da arte em influenciar o processo educacional dos alunos de
forma pontual e geral, como nos lembra Ana Mae Barbosa (2005):

a arte leva os indivíduos a estabelecer um comportamento mental que os


levam a comparar coisas, a passar do estado das idéias para o estado da
comunicação, a formular conceitos e a descobrir como se comunicam
esses conceitos. Todo esse processo faz com que o aluno seja capaz de
ler e analisar o mundo em que vive, e dar respostas mais inventivas. (s/p)

Concordamos ainda com Bannon e Sanderson (2002) que, ao pensarmos as


experiências estéticas no ensino da dança, podemos adotar como elemento de suma
importância o desenvolvimento do sujeito através de uma maior consciência estética. Nesse
processo, podemos oportunizar possibilidades para a ampliação do processo de raciocínio
juntamente com aumento na cadeia percepcional, corporal, sensível e conceitual em um
ambiente propício à exploração (p. 9).
Esperamos que esta pesquisa em andamento possa revelar pontos fortes e fracos do
usufruir e fruir artístico, de acordo com os contextos educacionais e comunitários em que
ele é desenvolvido. Mais do que respostas, buscaremos levantar questões e reflexões sobre
a estética, tema complexo e denso, motivo este que o distancia de muitos professores que
se propõe a trabalhar com arte, incluindo a dança. Ao desenvolver coletivamente a
pedagogia estética com os alunos envolvidos neste estudo, esperamos compreender melhor
a relação dos sujeitos com os objetos - o que muitos chamam de sensibilidade estética – na
contemporaneidade.
O evidente interesse no apreciar, saber e fazer artístico nos leva a considerar que
esta pesquisa atende a desejos inerentes da maioria da população participante. O trabalho
de campo, próximo passo a ser desenvolvido, pode fortalecer nos alunos seus anseios,
ampliá-los, lapidá-los e dialogá-los com outras linguagens artísticas, contribuindo para uma
melhor educação estética e artística através da usufruição de elementos básicos de vários
gêneros de dança e da fruição de apresentações de dança variadas e de qualidade. Nesse
sentido, afirma Barbosa (2005): “O bom ensino de arte precisa associar o ‘ver’ com o
‘fazer’, além de contextualizar tanto a leitura quanto a prática” (s/p). Ao final da
investigação, nossa meta é refletir, discutir e propor elementos que possam subsidiar a
construção de políticas culturais que contemplem a educação para a dança do público.
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Referências Bibliográficas

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VIEIRA, A. P., LIMA, M. M. S. Danca e Educação: poéticas que se encontram em suas
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A DESORIENTAÇÃO QUE É ORIENTADA PELA INDÚSTRIA


CULTURAL: REFLEXÕES ACERCA DA CONDIÇÃO HUMANA
CONTEMPORÂNEA NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Alessandro Eleutério de Oliveira


Bacharel e licenciado em Ciências Sociais UNESP – Araraquara
Mestre em Educação Escolar – UNESP – Araraquara
Professor no ensino fundamental de Geografia
Escola e Comunidade Católica Querigma /São Carlos-SP;
Membro do GEPICE
Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Indústria Cultural e Educação)
Universidade Federal de São Carlos-SP.

Resumo
Objetivamos investigar as características de manifestações orais de alunos observadas em
salas de aula de uma escola pública de ensinos fundamental regular e médio supletivo do
interior paulista. Utilizamos o referencial teórico de Adorno e Walter Benjamin
correlacionado com uma metodologia de abordagem qualitativa. Assim, usamos os
conceitos de Erfahrung - experiência tradicional que era transmitida por meio das narrativas
orais no mundo pré-capitalista - e o de Erlebnis - experiência moldada pelo modo de
produção capitalista com o amparo da Indústria Cultural). Verificamos que os elementos
formadores das manifestações orais eram engendrados por confluências e contradições
entre tradição e modernidade.
Palavras-chave: Narrativa.; Experiência; Educação

Abstract
Our work aims at investigating characteristics of students’ oral expressions observed in
classrooms of a public school - that offers ordinary Elementary School and Adult High
School – in São Paulo state’s countryside.We utilezed Adorno and Walter Benjamin’s ideas
as a theoretical frame of reference, correlated with a methodology of qualitative nature.
Thus, we used the concepts of Erfahrung – which refers to the traditional experience iartisan
societies and passed on through oral narratives – and Erlebnis,which is the experience
shaped by Capitalist mode of production with Cultural Industry’s help. We perceived that
the forming elements of those oral expressions were engendered by confluences and
contradictions between tradition and modernity.
Key-Words: Narrative; Experience; Education.
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Vislumbres primordiais do tema de pesquisa oriundos de experiências professorais

O trabalho de investigação aqui relatado surgiu a partir de constatações decorrentes


de nossa participação em dois projetos distintos de extensão universitária da Faculdade de
Ciências e Letras (UNESP) na cidade paulista de Araraquara. O primeiro projeto,
designado “Voltas e Reviravoltas da Reflexão Filosófica: Café Philo a serviço da construção
e do entendimento da cidadania”, ocorreu em parceria com uma escola pública financiado
pela Pró-Reitoria de Extensão Universitária (PROEX). Objetivou repensar os modos de se
fazer os estágios nas licenciaturas por meio de aulas de Filosofia lecionadas por uma equipe
de graduandos do curso de Ciências Sociais no segundo semestre letivo do ano 2000 em
uma classe do segundo ano do Ensino Médio. Buscava-se criar um espaço de reflexão
filosófica a partir de temas geradores como revolta, amor, felicidade, memória e razão, os
quais foram abordados por meio de aulas expositivas, debates, oficinas de teatro e de canto,
seminários e recursos audiovisuais (filmes de longa e curta metragem e músicas). Os alunos
dessa classe eram provenientes de bairros urbanos periféricos, a maioria estava inserida nos
mercados de trabalho formal e informal. No decorrer da efetivação do projeto, na medida
em que se estimulava os mesmos a participarem mais ativamente das atividades orais, uma
resistência cada vez maior se fez presente. Os alunos possuíam fortes inibições em fazerem
uso da oralidade no processo de aprendizagem. O diálogo, como meio de transmissão de
suas experiências cotidianas em sala de aula com o objetivo de se estabelecer conexões com
os temas geradores, era algo estranho e até mesmo incômodo.
O segundo projeto denomina-se Programa de Educação de Jovens e Adultos
(PEJA), existente em sete campi da Unesp desde 2001. Também financiado pela PROEX,
visa alfabetizar jovens e adultos que não concluíram os primeiros anos do ensino
fundamental. Nesse caso, os educandos tinham idades entre 16 e 70 anos. As classes eram
heterogêneas. Parcela considerável dessas pessoas era proveniente de zonas rurais, tanto de
Araraquara como de outras partes do Estado e do país (sobretudo da região Nordeste).
Entre esses, a comunicação oral fluía mais naturalmente, e a despeito de ter suscitado
também certa resistência na participação de discussões que recorrentemente sucediam nas
aulas, notava-se a sua necessidade de narrarem as suas experiências, trazendo à tona seu
passado, as suas memórias e as suas raízes.
Diversos fatores devem ser considerados, como as diferenças de faixa etária (mais
homogênea no primeiro caso e mais heterogênea no segundo), determinante também no
acúmulo maior de experiências vividas nas turmas de Educação de Jovens e Adultos. Outro
fator importante se refere à procedência geográfica daqueles grupos. No primeiro caso os
alunos eram majoritariamente provenientes da zona urbana. No segundo caso, notava-se o
predomínio de oriundos da zona rural. Outrossim, deve-se ressaltar que os adolescentes do
primeiro grupo eram todos solteiros, o que mudava radicalmente no grupo de EJA.De
qualquer maneira, as diferenças entre esses grupos em terem maior ou menor facilidade na
transmissão oral de suas experiências na sala de aula trouxe à tona vislumbres de uma
problemática que deveria ser investigada com maior profundidade.
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Do surgimento do presente estudo: elucubrações guiadas por Adorno e Benjamin

O contato com os comportamentos descritos levou-nos aos escritos de Walter


Benjamin (1994,1996), que foram bastante elucidativos para uma possível compreensão do
constrangimento que acometia os alunos, sobretudo os do projeto de filosofia, sempre que
a eles era pedido que narrassem alguma experiência vivenciada pelos mesmos em sala de
aula.
Deve-se aqui entender experiência (Erfahrung em alemão) como uma “matéria de
tradição tanto na vida privada quanto na coletiva” (BENJAMIN, 1994, p. 105, grifo nosso),
inserida numa temporalidade compartilhada por várias gerações no decorrer do processo
histórico. Nas comunidades artesanais, tal recurso garantia a transmissão das memórias,
palavras e dos costumes, o que por sua vez construía ao longo dos anos um sentido de
coletividade que era apreendido por cada pessoa inserida nas comunidades.
Nessa direção, a estudiosa de Benjamin, Gagnebin (1999) discorre sobre a
importância das narrativas orais para a constituição do sujeito, tratando-as como
integrantes do processo de rememoração, ou seja, a “retomada salvadora de um passado
que, sem isso, desapareceria no silêncio e no esquecimento” (GAGNEBIN, 1999, p. 3).
Assim, Benjamin contextualizou o florescimento da narrativa num meio onde o trabalho
era artesanal. Nesse mundo pré-capitalista, o tempo fluía assentado na eternidade. Ou seja,
as noções de tempo e de espaço não estavam atreladas à lógica frenética da dinâmica das
forças produtivas capitalistas, e sim à noção de eternidade. Benjamin (1996) afirma que
nessas sociedades, a produção material se dava em meio a um ritmo de trabalho manual
que permitia tanto ao narrador quanto ao ouvinte alcançarem um ponto de distensão
psíquica comparável à distensão física proporcionada pelo sono. Esse ponto de distensão
psíquica seria o tédio. O tédio seria fundamental para a transmissão das experiências por
meio das narrativas orais, se constituindo como “o pássaro de sonho que choca os ovos da
experiência” (BENJAMIN, 1996, p. 204). Os ninhos desse pássaro seriam as antigas
formas de trabalho manual, que estariam teriam se extinguido na cidade e estariam em vias
de extinção no campo. Dessa forma, as narrativas podiam ser passadas calmamente pelo
narrador, cujas experiências estavam firmemente enraizadas no povo, para o ouvinte. Na
medida em que as histórias eram contadas, a rememoração oral assegurava a transmissão da
experiência tradicional.
Todavia, o advento do Capitalismo deslocou e interseccionou a própria noção de
tempo, que foi abstraído de seu aspecto de eternidade e subordinado à lógica imediatista da
maximização do lucro. Isso resultou na fragmentação dos produtos da atividade humana
tanto no aspecto mental quanto material, passando os mesmos a serem constituídos “como
‘novidades’ sempre prestes a serem transformadas em sucata”. Além disso, as referências
coletivas foram substituídas no plano psíquico pelos valores individuais e privados. Como
resultado, a Erfahrung cedeu lugar nas sociedades capitalistas à Erlebnis, que seria a vivência
do indivíduo particular, desorientado e fragmentado tanto em sua inefável preciosidade
quanto em sua solidão (GAGNEBIN, 1999, p. 59).
Nesse contexto, é salutar trazer à baila o conceito de Indústria Cultural, a qual
reforça a Erlebnis ao incentivar o individualismo consumista na sociedade capitalista, e tem
papel fundamental para a deterioração da Erfahrung. Engendrado por Theodor Adorno e
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Max Horkheimer na obra “A Dialética do Esclarecimento”, diz respeito à produção em série, à


homogeneização e, em decorrência, à degradação dos valores e padrões sócio-culturais. O
monopólio comercial dos denominados bens culturais corrobora a dominação técnica
infligida pela estrutura econômica, gerando passividade entre os sujeitos. Dessa maneira, a
cultura, com a intervenção técnica e os meios de reprodução em massa, perde sua "aura" 8 e
é transformada em mercadoria, o que por sua vez culmina em sua descaracterização
enquanto manifestação artística. (SANTOS, 1998).
A Indústria Cultural substitui a formação da historicidade do sujeito que se dava
(também)9 por meio das narrativas orais tradicionais e que levava à verdadeira formação
cultural ou - Bildung - pela padronização das representações coletivas, a qual, por sua vez,
danifica a experiência formativa que é convertida em semiformação ou Halbbildung (ZUIN;
PUCCI; RAMOS-DE-OLIVEIRA, 2001). Isso é obtido na difusão massificada de
discursos ideológicos que acenam para a felicidade assentada no consumo material,
apelando para comportamentos de auto-ajuda para se lidar com a angústia decorrente da
atomização e do desenraizamento dos sujeitos.
Nesse sentido, a Indústria Cultural oferece às pessoas referências sócio-culturais
que surgem da correlação de esferas de produção e de reprodução material e simbólica da
existência humana, oferecendo válvulas de escape para a desorientação causada pela perda
do ideário comunitário que dava historicidade ao sujeito. Por essa razão, os intervalos
comerciais de televisão veiculam os “frutos” oriundos da produção capitalista associados à
felicidade e ao gozo plenos do consumismo. Dessa forma, a casa dos sonhos oferece a
segurança e o conforto em um mundo marcado pelo desemprego estrutural. A cerveja
gelada que é degustada em uma praia paradisíaca - abarrotada de jovens fisicamente
atraentes e sorridentes - acena para a embriaguez facilitadora do sexo casual. Bonecas com
feições rosadas, cabelos brilhantes e trajes inspirados nas últimas tendências da moda
mundial e na anatomia de topmodels anoréxicas propõem às meninas padrões de beleza e de
comportamento adolescente que recorrentemente as levarão à frustração e à decepção
alguns anos depois, quando tentarem inutilmente alcançá-los10. Posto isso, podemos
8
O conceito de aura diz respeito à tentativa de Benjamin de nomear a unicidade do objeto artístico e da
experiência estética. A primeira referência ao termo, e, por conseguinte a sua definição mais célebre, aparece
no ensaio “Pequena História da Fotografia”, de1931. Segundo as palavras do filósofo frankfurtiniano, trata-se
de “uma trama peculiar de espaço e tempo: aparência única de uma distância, por muito perto que se possa
estar”. (BENJAMIN, 1996, p.101). Já no ensaio “A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica”,
publicado em 1935, Benjamin diagnostica uma profunda mudança no objeto artístico, que perde o seu
envoltório aurático devido às transformações técnico-científicas.
9
Por suposto, as narrativas orais tradicionais não constituíam o único elo de mediação entre o indivíduo e a
totalidade social. A família, a religião, o Estado e o mundo do trabalho asseguravam nas sociedades artesanais
a transmissão da tradição e da historicidade do sujeito. As antigas narrativas transpassavam todos esses
aspectos da existência humana, de modo que não possuíam uma natureza apartada e transcendental. Ao
contrário, eram instrumentos de manutenção do patrimônio cultural humano.
10
Segundo Freud (1980), o plano psíquico é formado por três partes: Id, Superego e Ego (ou o “eu”). O Id é
constituído por desejos, instintos e impulsos biológicos. O Superego corresponde às repressões sócio-culturais
que domam as poderosas energias libidinais do Id. O Ego, a única parte consciente, deve mediar as demandas
do Id e do Superego. Por meio da sublimação, as demandas inconscientes são canalizadas e realizadas através da
arte, da religião, do esporte etc. Contudo, Adorno e Horkheimer (1985) afirmam na Dialética do Esclarecimento
que a Indústria Cultural propõe coercitivamente à sociedade falsas maneiras de realização dos desejos
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afirmar que a desorientação dos sujeitos é - de certa forma - orientada pela Indústria
Cultural.
Portanto, esses imperativos culturais difundidos por meios de comunicação que se
valem de recursos tecnológicos cada vez mais avançados empobrecem a Erfahrung
realizadora da constituição dos sujeitos enquanto seres dotados de certa autonomia e
historicidade. É interessante relembrar, como o fez Costa (2002), que os meios de
comunicação de massa surgiram no Iluminismo, que desvendava a realidade por meio da
racionalidade e da experimentação, retirando da mesma seus aspectos míticos, mas
tornaram-se – ironicamente – agentes de propagação de novas formas de opressão e de
encantamento.
Nessa conjuntura sócio-cultural, inferimos – por exemplo - que talvez o fato de os
alunos de procedência urbana do projeto de filosofia serem mais resistentes em narrarem
suas experiências em sala de aula - em relação aos alfabetizandos do projeto PEJA -,
pudesse se dever à dinâmica imposta pelas relações sociais geradas pelo atual sistema de
encadeamento das forças produtivas. Dinâmica que impõe, sobretudo nas zonas urbanas –
que são mais rapidamente influenciadas pelas constantes mudanças culturais, econômicas e
tecnológicas – a substituição da narração pela informação midiática, da tradição pela
novidade. O declínio da experiência comunicável nos centros urbanos torna-se ainda mais
visível, sendo o esvaziamento do sujeito muito mais nítido.

Procedimentos metodológicos

Com base nessas ponderações, realizamos um estudo de mestrado que perscrutou


as questões oriundas de nossa experiência nos dois projetos de extensão universitária,
buscando entender se na escola de fato há a possibilidade de as experiências serem
intercambiáveis oralmente e que características elas preservavam em seu cerne de acordo
com a inspiração teórica oferecida principalmente por Adorno e Benjamin.
Pelo fato de ter almejado apreender os elementos constituintes de manifestações
orais narrativas de alunos no mundo contemporâneo, tratou-se de uma pesquisa qualitativa
de mestrado configurada pelos limites de um estudo de caso. Nessa direção, optamos pela
observação participante em sala de aula registrada em notas de campo. Essa etapa da
investigação foi iniciada no último bimestre de 2003 e prosseguiu em intervalos
cronológicos irregulares nos anos letivos de 2004 e 2005.
A observação foi realizada com duas docentes da disciplina de língua portuguesa
em salas de aula do segundo ciclo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio Supletivo de
uma escola pública de Araraquara. A escolha da referida disciplina justifica-se por esta ser a
que carrega em seu âmago não só os rudimentos formais do nosso idioma – o que a torna
uma “cabeça-ponte” para o ensino em todas as outras disciplinas – como também pelo fato
de ser, no domínio das humanidades, a que possui mais horas-aulas no currículo escolar, o
que permite maior tempo de convivência com a professora e com seus alunos. Outrossim,
foram observadas aulas de um docente da disciplina de História do Ensino Médio
Supletivo dessa escola. Essa escolha foi feita pela suposição de que o ensino de História
teria o potencial de despertar nos educandos a revisão de suas trajetórias de vida, de modo

pulsionais por meio do consumismo desenfreado – e nunca saciado – que acarreta a castração da sublimação.
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que o passado transformado em experiência pessoal pudesse surgir (ou não) em sala de aula
com maior facilidade, o que iria ao encontro com a possibilidade de identificação de
narrativas orais de experiências de acordo com os preceitos teóricos apresentados.
Na busca pela captação dos elementos constituintes de manifestações orais
contemporâneas de alunos foram obtidas seis manifestações orais narrativas de alunos que
constituíram amostras de experiências contadas em sala de aula. Nesse artigo apresentamos
três exemplos a partir dos quais obtivemos pistas para o entendimento das formas de
experiências compartilhadas oralmente em salas de aula contemporâneas:
Amostra A: a manifestação oral sobre uma personagem do folclore brasileiro de
uma aluna do Ensino Fundamental – lenda do Saci Pererê – na qual ficaram patentes as
relações paradoxais entre os produtos do aparato midiático da Indústria Cultural e a
tradição oral decadente e, desse modo, entre a Erfahrung e a Erlebnis. Isso se evidenciou pelo
fato de a jovem crer que o ser fantástico era – em sua gênese - oriundo do programa de
televisão Sítio do Pica-Pau Amarelo e não uma lenda secular assentada na tradição oral.
Amostra B: manifestação oral de uma educanda do Ensino Fundamental na qual foi
percebido que o assunto em questão - os sonhos premonitórios - sempre tem despertado a
curiosidade humana, motivo pelo qual a classe, habitualmente bem comportada, se tornou
agitada e falante. No relato da jovem, foi possível verificar que o sucinto esboço narrativo
continha elementos que dizem respeito a aspectos fantasiosos do imaginário humano. Ou
seja, se referem ao que há de extraordinário, misterioso, e até mesmo “miraculoso”
(BENJAMIN, 1996, p. 203) nas representações que as pessoas criam sobre fatos e
situações não explicáveis facilmente pela ciência.
Amostra C: A partir de uma pesquisa feita na Internet sobre uma espécie de lagarto
típico do sertão nordestino brasileiro, um estudante do Ensino Fundamental resgatou um
fragmento da trajetória da vida de seu avô, migrante que viveu a experiência da seca e teve
de se alimentar do referido animal. O interesse do aluno na escolha desse animal para a
pesquisa escolar se deu sob a inspiração de um parente próximo que lhe transmitiu a
experiência vivida por meio da palavra falada. Aqui podemos perceber a importância dada
pelo adolescente ao seu antepassado – uma figura no qual o educando reconhecia a
“autoridade da velhice” no sentido empregado por Benjamin (1996 p.114). Nesse caso,
foram percebidos vislumbres da experiência tradicional - Erfahrung - transmitida oralmente
de um avô para o seu neto. Ironicamente, um típico representante do aparato midiático – a
Internet – que auxilia a permanência da Erlebnis auxiliou o compartilhamento dessa
experiência em sala de aula.

Considerações finais

As amostras de manifestações orais narrativas supracitadas demonstraram que


aspectos relacionados ao mundo pré-capitalista ainda sobrevivem nas narrativas dos
sujeitos, mesmo que de modo obscuro e descontextualizado. Isso pôde ser percebido nas
três amostras que contém elementos ligados à tradição oral. Ou seja, há elementos
fantásticos como o Saci e os sonhos premonitórios, além da importância da figura de
autoridade e experiência encarnada pelo avô de origem rural de um aluno. Elementos esses
que compuseram as manifestações orais narrativas de experiências dos educandos,
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juntamente com as informações despejadas pela Indústria Cultural no mundo


contemporâneo. Há a coexistência da tradição e da modernidade (ou pós-modernidade
como querem alguns estudiosos), ou ainda, da Erfahrung e da Erlebnis, mesmo que de modo
oblíquo e estranhamente amalgamado, nas experiências narradas por alunos urbanos que
são filhos de uma época em que os sujeitos são atomizados e moldados pela Indústria
Cultural.
As amostras de manifestações orais narrativas contribuíram também para se pensar
a escola como um espaço de trabalho intelectual no qual as possibilidades de
aprofundamento das reflexões sobre as relações entre o ato de experienciar e narrar o
mundo e a ação da Indústria Cultural no processo de (semi) formação dos sujeitos são
bastante prometedoras. Ora, a escola é uma das guardiãs das Artes, das Ciências e da
Literatura. Pensamos que investigar a natureza da experiência oralmente compartilhada em
sala de aula - a partir do referencial teórico mencionado – poderá contribuir para a pesquisa
em educação basicamente por duas razões. No que diz respeito ao sucesso do processo de
ensino-aprendizagem, isso possibilitaria ao educador trabalhar os conteúdos – do ponto de
vista metodológico -, levando em conta o tipo de lógica com a qual o aluno se norteia
quando se manifesta sobre a realidade. Além disso, o aprofundamento das discussões que
têm sido realizadas desde a nossa participação nos dois projetos de extensão universitária
poderá ampliar o panorama meditativo acerca dos fundamentos filosóficos, antropológicos
e sociológicos das ciências da educação, já que isso propiciará a obtenção de um “mapa”
das representações não só das experiências de vida narradas pelos estudantes, mas também
das próprias noções do que é a própria existência social, assim como a apreensão sobre a
partir de que tipo de informação tais representações são organizadas (sejam elas oriundas
da Indústria Cultural, da família, da religião, etc).
Para que essa contribuição suceda, pensemos na necessidade de nós, educadores,
reaprendermos a escutar a experiência contada pelas pessoas e vermos de modo lúcido os
contextos social, histórico, econômico e cultural no qual a experiência narrada pela palavra
falada se efetiva. Esse esforço deve ser feito mesmo que o barulho dos motores e das
buzinas dos automóveis nos impeça a contemplação de um fugaz e “único” farfalhar de
folhas ao vento de uma árvore em alguma praça de uma cidade qualquer na hora do rush, e
mesmo que a televisão e a Internet nos atordoem os sentidos e o intelecto com uma
avalanche de informações que mal podemos conjeturar.
Não importa que tal esforço pareça descomedido e até mesmo pareça demandar
uma percepção transcendental – ou ainda metafísica -, porque somos filhos de nosso
tempo e herdeiros da perda da orientação coletiva, da memória e da narração congregadora.
Desse modo, poderemos encontrar os subsídios que indiquem a direção para a realização
de semelhante e longa empreitada no que é dito pelos nossos alunos no coruscante
ambiente escolar.
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Referências Bibliográficas

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BENJAMIN, W. Obras Escolhidas, v(1). São Paulo: Brasiliense, 1996.
_____________. Obras Escolhidas,v(3). São Paulo: Brasiliense, 1994.
COSTA, B.C.G. Estética da violência. Jornalismo e produção de sentidos. Campinas –
SP: Autores Associados; Piracicaba – SP: Editora Unimep, 2002.
FREUD, S. A dissecção da personalidade psíquica. ESB, Rio de Janeiro: Imago, 1980.
v. XXII.
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ZUIN, A.S.;PUCCI,B.;RAMOS-DE-OLIVEIRA, N. Adorno: o poder educativo do
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O USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS E ENSINO:


MUDANÇAS DE ATITUDES, MUDANÇAS DE COMPORTAMENTO?

Alexandra Maria Lima de Melo


Mestranda em Lingüística Aplicada – CMLA
Universidade Estadual do Ceará - UECE

Resumo
Esse artigo apresenta as novas tecnologias como parte integrante de qualquer sala de aula
nos dias de hoje. Com isso, há uma mudança de atitude e de comportamento de
professores e alunos que passam a coexistir com os novos meios de ensinar e aprender.
Essa nova realidade pedagógica cria novos conceitos como os de autonomia na
aprendizagem e de aprendizagem colaborativa.
Palavras-chave: aprendizagem – autonomia - colaboração

Resumen
Este artículo presenta las nuevas tecnologías como una parte integral de cada aula el día de
hoy. Con esto, hay un cambio de actitud y el comportamiento de los profesores y los
estudiantes que vienen a coexistir con las nuevas formas de enseñanza y aprendizaje. Esta
nueva realidad crea nuevos conceptos educativos, como la autonomía en el aprendizaje y el
aprendizaje colaborativo.
Palabras clave: aprendizaje - autonomía - la colaboración

Introdução

A sociedade moderna faz do computador uma ferramenta de grande utilidade em


todos os âmbitos das nossas vidas. A tecnologia está presente desde simples funções do dia
a dia até a complexa ciência. Com a educação não poderia ser diferente, o computador
chegou à sala de aula. Professores e alunos utilizam-se da máquina buscando e trocando
informações. Assim como toda sala de aula, a sala de aula de Línguas Estrangeiras (LE)
utiliza o computador no seu cotidiano acreditando na adaptabilidade dele à sua função
pedagógica.
A sala de aula virtual não é mais um conceito distante para alunos e professores. É
possível observar que os computadores estão cada vez mais capazes de agregar alunos e
professores por um maior espaço de tempo e realizando um número cada vez mais
diversificado de atividades. Existem diversas possibilidades de atividades que podem ser
realizadas através do computador, como o uso de softwares para realização de tarefas e da
Internet como fonte de pesquisa.
Com o advento da Internet, os computadores passaram a proporcionar ambientes
de interação entre alunos e entre aluno e máquina (SALES, 2002). Novas atividades
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interativas surgiram transformando e adaptando o ambiente virtual em ambiente


comunicativo. Dentro desse ambiente o professor pode perceber que a fim de promover
aprendizagem colaborativa utilizando o computador como um meio de comunicação entre
os aprendizes, é necessário que ele explore a possibilidade de comunicação em rede que a
ferramenta Internet garante.
De acordo com Crystal (2005, p.75), embora a Internet como tecnologia tenha
estado presente desde a década de sessenta, para e-mails e bate-papo, as pessoas só
começaram a explorá-la trinta anos mais tarde. A rede mundial só passou a existir
propriamente em 1991. Mas, em um tempo extraordinariamente curto, as pessoas
adotaram e dominaram a tecnologia e, enquanto o faziam, conheceram, adaptaram e
expandiram sua linguagem tão diferente. A chegada da Internet foi um acontecimento
revolucionário não só em termos lingüísticos como também em seus aspectos tecnológicos
e sociais.
Ainda em Crystal (2005), sabe-se que o criador da rede mundial de computadores, a
web, o técnico de computadores Tim Berners-Lee, definiu-a como: “um universo de
informação acessível por rede, um conjunto do conhecimento humano”. Esse universo da
Internet é extremamente fluido, e trazendo-a para o universo da educação, podemos dizer
que no mundo da Internet os professores e alunos podem explorar suas possibilidades de
expressão, introduzir combinações novas de elementos e reagir aos desenvolvimentos
tecnológicos.

Papel do Professor

E o professor? O papel do professor será afetado pelo computador? O


computador substituirá o professor? Essa foi uma pergunta prontamente respondida por
Philips (1984), que afirma que o professor jamais será substituído, pois quanto maior for o
avanço das novas tecnologias mais será necessário um maior conhecimento e habilidade do
professor. É importante, porém, que o professor controle a influência dessa nova
tecnologia na sua profissão, para que ela não o domine. O poder de decisão em sala de aula
continua sendo do professor.
De acordo com Levy (1997), o professor tem a grande responsabilidade de se
preparar para o uso da máquina como instrumento de ensino-aprendizagem. Levy sugere
que o professor de línguas deve seguir esses passos na hora de trabalhar com novas
tecnologias em sala de aula. O professor deve:

1) Escolher o software ou site apropriado;


2) Ensinar o aluno a usar as novas ferramentas;
3) Treinar os alunos;
4) Organizar o acesso aos computadores;
5) Preparar os materiais instrucionais;
6) Organizar ajuda para os alunos iniciantes;
7) Preparar tarefas apropriadas baseadas em projetos de aprendizagem;
8) Montar o processo e guiar os alunos de forma regular.
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Desde o início dos anos sessenta os professores de línguas têm testemunhado


mudanças dramáticas na forma de como as línguas são ensinadas. Foram mudanças
metodológicas que partiram do ensino de estruturas gramaticais à ênfase na habilidade
comunicativa. Professores têm agora uma preocupação em negociar sentido em um
contexto culturalmente inserido, e não mais em ensinar práticas de repetições.
Nos dias de hoje, os laboratórios de língua estão sendo substituídos
gradualmente por laboratórios multimídia, onde os alunos têm acesso a CD-ROM e
Internet. Através desse último, os alunos podem se comunicar com os colegas, professores
e nativos da língua que está sendo ensinada usando o correio eletrônico (e-mail) e fazendo
parte das salas de bate-papo que estão conectadas ao mundo todo.
O papel do computador na sala de aula traz mudanças para alunos e professores.
Os professores se tornam guias nesse processo enquanto que os alunos buscam um
aprendizado mais autônomo. Para isso, professores e alunos têm que estar preparados para
lidar com a característica autônoma da aprendizagem.

Autonomia na aprendizagem de línguas

A autonomia na aprendizagem de línguas pode ser desenvolvida em diferentes


graus e de variadas formas. Ela pode se dar naturalmente, dependendo de fatores como,
por exemplo: oportunidades a que o aprendiz é exposto, até na sala de aula, com facilitação
por parte do seu professor.
No seu artigo “Inglês no contexto de Hong Kong: um olhar de fora em relação
ao aprendizado autônomo de línguas”, Nicolaides (2003) sugere como efetivamente
autônomo aquele aprendiz que está apto a:

“Saber definir suas metas;


Entender seu papel de aprendiz como responsável pelo processo de busca e
aquisição do conhecimento;
Definir as formas de buscar seu conhecimento desenvolvendo habilidades e
técnicas para trabalhar de forma independente e em outros contextos diferentes do
acadêmico;
Detectar suas dificuldades e procurar soluções para serem implementadas, tendo
maior controle sobre sua aprendizagem;
Avaliar-se não só ao final, mas durante o processo de aprendizagem;
Desenvolver a capacidade para exercer autonomia nas oportunidades oferecidas
pelo contexto de forma responsável e, assim, tomar consciência de seu papel modificador
do meio social no qual está inserido”.

Ainda de acordo com Nicolaides (2003), em termos práticos, aqueles que tentam
desenvolver autonomia, professores e aprendizes, encontram-se, muitas vezes, constritos
pelo sistema educacional que, frequentemente, pouco favorece o desenvolvimento do
aprendiz. Também há o fator econômico que dificulta a atualização da tecnologia, em
países como o Brasil, com parcos recursos financeiros para a educação. Isso faz com que
todo o processo para desenvolver a autonomia dos alunos seja ainda mais difícil – desde a
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aquisição de software e hardware especializado até investimento em pessoal, para que novos
caminhos possam ser planejados.

Aprendizagem colaborativa

Nas salas de aula onde o ensino é mediado pelo computador a aprendizagem


colaborativa foi inserida através do uso da máquina por um grupo de alunos resolvendo
problemas, onde o computador era apenas uma ferramenta para minimizar os esforços
colaborativos. A interação acontecia ao redor do computador, onde os alunos discutiam as
soluções para a realização da tarefa em grupos.
Uma outra forma de inserir a aprendizagem colaborativa, porém não mais ao
redor do computador, e sim, através dele, seria via chat. O chat viabilizado pela Internet já
produziu ganhos lingüísticos para os alunos e ofereceu a esses mesmos alunos experiências
satisfatórias no aprendizado de uma língua, como afirma Freiermuth (2002). A Internet age
como um meio natural para qualquer um que esteja conectado, permitindo que pessoas
troquem mensagens através dos seus endereços eletrônicos e, até, que conversem
simultaneamente, como um conversa normal.
De acordo com Freiermuth (2002) os chats proporcionam uma melhor
interação entre os alunos, e, consequentemente uma aprendizagem mais efetiva do que em
fóruns de discussões via Internet, pois esses últimos são assíncronos, quer dizer, não
acontecem em tempo real. Os chats por sua característica de conversação em tempo real,
proporcionam uma melhor discussão, pois estão mais próximos da conversação, as
respostas são imediatas e direcionadas a um tópico. São formados grupos de interesses
diferentes que se conectam através de canais distintos.
O professor de línguas pode formar grupos em sala que poderão se conectar a
grupos para discutir o assunto que mais se adequar às necessidades da aula e do grupo.
Com as recentes inovações na Internet, o professor pode até manter afastado do grupo de
discussão os visitantes indesejados e até desconectar qualquer um que esteja interrompendo
a realização da atividade.
Sessões de chats bem preparadas podem garantir uma boa participação dos
alunos e o professor pode planejá-las de acordo com o nível deles. A aprendizagem
colaborativa on-line, quer dizer, através da Internet, proporciona uma zona de comunicação
confortável para os mais tímidos, e as desvantagens tecnológicas entre os alunos não é
observada devido à natureza da tarefa, que passa a ter no computador o seu meio de
comunicação, não apenas o meio em que se pesquisa ou se elabora gráficos ou outra
apresentação destinada à sala de aula comum.
As conferências mediadas por computador também são meios de comunicação
onde existe aprendizagem colaborativa. Essas conferências podem ser síncronas
(acontecendo em tempo real) ou assíncronas (não acontecendo em tempo real). Elas
acontecem via e-mail, listas de discussão ou sistemas de conferências.
De acordo com Collins e Berge (1996), as conferências mediadas por
computador podem ser usadas para suplementar a instrução face-a-face, trazer o mundo
para dentro da sala de aula, abrir a sala de aula para o mundo ou substituir a aula presencial
totalmente. É muito importante, porém, que o conteúdo da conferência esteja bem
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relacionado à proposta do curso.


É necessário, então, que o professor esteja preparado para usar essa tecnologia
na hora de mediar o processo de comunicação eficientemente. O papel mais importante do
professor é modelar um ensino eficiente e aceitar a responsabilidade de rastrear discussões,
contribuir com conhecimento e idéias especiais, tecer várias discussões e componentes do
curso, motivar a participação dos alunos e manter a harmonia do grupo.

Considerações finais

Já passamos da fase “uau” da Internet, isso quer dizer que, já estamos além do
período de deslumbramento com esse meio. Não podemos mais pensar sobre o uso ou não
uso das novas tecnologias em sala de aula. Precisamos admitir de vez que o computador
entrou na sala de aula, assim como o livro já havia entrado no passado. Ele é agora parte
integrante do processo de ensino-aprendizagem. O que precisamos agora é assumir e
encarar os novos desafios trazidos por essa nova tecnologia.
O primeiro desafio é treinar e preparar os professores para que eles possam saber
tirar o melhor proveito possível dessa ferramenta educacional, utilizando o computador
com uma função pedagógica. Ao mesmo tempo é necessário preparar os alunos para
trabalhar com a autonomia e a colaboração necessária que o meio exige.
Na nossa sociedade paternalista, o aluno ainda vê o professor como o detentor do
saber e o único responsável pela sua aprendizagem, então, é preciso uma mudança de
atitude por parte de professores e alunos. O professor tem que saber estimular o aluno a
querer buscar e construir seu próprio conhecimento, guiando o aluno na jornada, e o aluno,
tem, que saber, também, que o professor vai guiá-lo, mas que ele tem que andar com suas
próprias pernas.
O outro desafio é a criação de materiais disponíveis para uso no meio
computacional. Os instrutores / elaboradores de materiais para cursos / aulas on-line têm
que se conscientizar que os cursos ofertados via Internet não podem ser transpostos do
papel para a tela, pois não é apenas uma mudança de meio. Os cursos presenciais quando
passam a ser virtuais eles mudam todas as características, é uma nova abordagem, uma
mudança de atitude e de comportamento que tem que ser considerada por professores,
elaboradores de materiais e usuários.

Referências Bibliográficas

BROWN, H. Douglas. Teaching by Principles – An interactive Approach to


Language Pedagogy. New Jersey: Prentice Hall Regents, 1994.
COLLINS, Mauri; BERGE, Zane. Facilitating interaction in computer mediated
online courses. Florida: [s.n.], 1996.
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Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
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TESOL Journal, (S.L.), v. 11, n. 3, p. 36-40, 2002.
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aprendizado autônomo de línguas. In: FREIRE, M., ABRAHÃO, M. H. V., e
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ALAB; Campinas, SP: Pontes Editores, 2005.
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CANDLIN, N. Christopher. Computers in English Language Teaching and
Research. New York: Longman, 1986.
SALES, L. João Tobias. Estratégias de Aprendizes em um Ambiente de
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Lingüística Aplicada. UECE, 2002.
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O PUNK E SUA LINGUAGEM CONTEMPORÂNEA

Ana Paula de Sant’Ana


Mestranda – UFMT - CAPES

Resumo: O artigo pretende focalizar o Movimento Punk na cidade de Cuiabá, no período


dos anos finais da ditadura militar, na década de 1980 até os dias atuais. Para isso a
bibliografia básica é contemporânea, com ênfase na escritura de Derrida. A linguagem
dessa tribo urbana é estudada partindo de sua associação com a sociedade, chamada por
Derrida de rastros e por Deleuze de contágio. Leitura de seu universo simbólico, como os
fanzines, as músicas e suas letras, o visual utilizado e, sobretudo o universo espacial que o
transforma: a cidade, as ruas, as noites.

Resumen: Este artículo pretende enfocar sobre el Movimiento Punk en la ciudad de


Cuiabá, en el período de tiempo de los años finales da la ditacdura militar, en la década de
1980 hasta los dias actuales. Para eso la bibliografia esencial es estudiada a partir de su
associación con la sociedad, llamada por Derrida de huellas e por Deleuze de contagio.
Lectura de sua universo simbólico, com los escritos alternativos, las musicas ysus letras, el
visual utilizado y, fundamentalmente el universo espacial que lo cambia: la ciudad, las calles,
las noches.

PALAVRAS-CHAVES: Linguagem – Punk – Sociedade.

Os livros escritos especificamente sobre o Movimento Punk são linguagens geradas


pela memória e recolhimentos pessoais, língua escrita é eco de impressões diferenciadas, a
verdade sendo emitida - e quando eu mesma escrevo sobre o punk estou utilizando uma
linguagem de narração própria, minha. O eu, no entanto, que é rastro. De Corvo. Do
Batman, que eu não entrevistei, mas que de colhi impressões próprias pelo contato, pelas
conversas. De Esqueleto que sempre me veio com um algo a mais, vendo o corpo como
puro desejo de liberação. De Rodolfo, sempre preocupado com a arte, com o pulsar punk
de maneira natural. De Carol Punk que gosta de conversar e diz que já nasceu filósofa. A
linguagem entre os punks de Cuiabá e Várzea Grande que não se uniram apesar de serem
divididos apenas por uma ponte. O Rio Cuiabá, o porto e o centro, onde tudo desse lado
de cá começou.
A linguagem que se sobrepõem e forma os tecidos do corpo, dos gestos, dos
signos. Do punk sua linguagem proferiu-se em um conjunto ímpar, como os aprecia Caiafa,
elegantes, duma sobriedade crua, como a beleza dos filmes em preto e branco, porém justo
numa exatidão um pouco esgarnida, de rua mesmo, de cabelos sem banhos, roupas que
sofreram o desgaste do tempo, do cimento, das costuras que o recriam para ser único.
Zigue-zague de sensações entre som, palavras, beijos, tretas. Espinhos e pele em
contato orgânico também com a rua que o hospeda, que lhe lança olhares enviesados e a
ele é lançado olhos oblíquos, pretos, desconfiado ou desafiador. Mas em riste: um chamar
pra briga, isso é às vezes verdade, outras pura pose. Um chamar pra briga por não se render
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em sua essência, por ser mais velho que o tempo que lhe foi cotado, pautado no modismo.
Sistema funcionando como organismo independente. Reorganizando-se.
A linguagem do punk é ampla, da roupa, ao som, da atitude à palavra escrita. Corvo
contou-me sobre a influência de Rodolfo na arte, na organização do Movimento Punk em
Cuiabá, em se falando com essa troca de materiais e da troca interpessoal, aquela do
contágio deleuziano.
A primeira língua a ser falada ou não é calada, ou seja, o visual, a identificação e o
reconhecimento de uma similitude que se expande e se deixa ser apreciada ao olhar.
Quando pergunto ao Rodolfo sobre como é ser punk, ser artista, produzir zines e distribuí-
los ele responde-me que

o indivíduo, o artista, no sangue. A mente é que busca a verdade e a justiça, que se


identificam com o visual punk e com a consciência punk. Eu me identifiquei primeiro com
o visual, depois com as idéias, pois eu estava evoluindo para a consciência política,
socialista... para depois me decepcionar com isso, pensar mais, filosofar mais, e ver a
desgraça humana mesmo, e ver cada vez mais o oceano subindo, pingüins mortos na
praia... que romântico.

Um ar de ironia, de decepção que ri de si mesma. Se numa fase de adolescência, da


juventude, que é quando muitos conhecem o punk, o Movimento, há um desgaste
exacerbado dos sentimentos, um tempo depois eles são acalmados, e recompostos numa
outra maneira de encarar o mundo em volta.
Essa resposta de Rodolfo acredito ilustrar bem a conexão que Derrida faz entre a
escrita e a fala, a perda da simbiose que transmuta o pensamento em fala, o lógos, o “dir-se-
ia, por anacronia, que o “sujeito falante” é o pai de sua fala” (Derrida, 1991, p. 22),
indivíduo de corpo e sangue e de sua verdade proferida, ou como ele descreve mais adiante
o ato da fala como uma necessidade que “deveria ser análoga à necessidade biológica ou
antes zoológica. Sem o que está claro não tem pé nem cabeça”.
Como se a linguagem, de maneira vital, seguisse uma cronologia de dentro para
fora, da alma, do sangue mencionado por Rodolfo, que veste a pele para, só depois, ser
incorporada na fala, podendo ser seqüencialmente na escrita.
Quando Rodolfo confirma isso, torna lógico todo o sistema de significados do
punk.
O visual como primeira linguagem e a escrita como percepção do interior do
indivíduo, são por vezes contrastantes. Até mesmo para os punks. Eis o relato de Corvo
sobre a apresentação entre ele, Batman e Rodolfo, que tiveram o primeiro contato através
da escrita, as cartas, como era costume entre os punks das primeiras décadas de
Movimento:

Quando a gente conheceu Rodolfo foi através de carta, a gente morava em Cuiabá
e ele lá, né? Era um dos caras mais conhecidos no Brasil, no meio punk, sabe? Todo
mundo falava de Rodolfo... os caras de São Paulo: conhecem Rodolfo; no Rio de Janeiro:
Rodolfo; Nordeste: Rodolfo. Aí quando a gente foi pra Curitiba, a gente já pensou, vamos
corresponder com ele... ele fazia esse zine Ovelhas Negras do Brasil, era um dos zines mais
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famosos que tinha no Brasil, era se falar de zine era Ovelhas Negras. A gente conheceu ele
por cartas, tal... A gente foi lá e conheceu o cara, não tinha nada a ver, tipo assim... Eu
achei que não tinha nada a ver com o que eu pensava, era totalmente diferente do cara que
escreveu... Apesar do Rodolfo ter aquele visual punk assim, eu acho ele um cara padrão
assim, tá entendendo? Não tinha nada a ver com punk. Ele era muito educado, a gente não
tinha onde comer, ele levou a gente numa cantina, todo arrumadinho Rodolfo foi, com
jaco, mas o jaco dele era... bonito... cabelo penteado, era moicano, mas penteado de lado,
parecia um cara normal, levou a gente lá... Um cara normal, eu pensava: esse aí que é o
Rodolfo... Punk... Ele que escreve aquelas coisas lá, né? Nem parece... Fomos conhecendo
o cara e ele pegou uma amizade muito forte com a gente.
O primeiro contato foi feito pelas escrituras: pelas cartas e trocas de zines. E no
universo punk a escritura tem o valor do que ali vigora, não é a sua materialidade que lhe dá
valor, é sim sua própria intimidade com o criador, o deus, o rei. Inicialmente, como vem a
ser o caso dos punks Rodolfo e Corvo, a palavra escrita foi determinante na admiração, na
formação, nos conhecimentos compartilhados, mas não de forma estanque, pois a
elaboração foi realizada de modo que um zine ultrapassa o signo de ser um meio de
comunicação para ser um relato da existência e desejos daqueles que o escrevem ou o
interpretam. É como Corvo afirma “no zine você vai ver coisas que não vai ver em livro
nenhum”, é a escritura mesma da pele de quem o redige.
Ao ser secundária por si só como o é, a escritura descarrega nas letras a veracidade
mesma que o ato da fala e da potência pela intimidade entre o criador e a escrita.

Da pele das letras

Indecidível é aquele que não se é nem se deixa de ser, é o transeunte à deriva dos
contornos da cidade, da contradição que impugna no peito, no punk e sua roupa é que
prosa do asfalto, das noites que guiam entre suas surpresas enquanto ele se deixa levar.
Pensamento hesitante que lhe fornece as marcas, os signos corporais. Uma beleza meio
indecifrável, um não sei o quê de frágil, áspero, romântico e violento. É um não apanhar,
sendo a todo tempo requisitado, com sua inexatidão pontual poética bailando entre a vida,
o consumo dela mesma, um entranhamento do outro em si, efervescendo em
multiplicidade, em agenciamento. Briga da perda de identidade ao ser coletivo com um ser
Um que se apaixona e se perde em si mesmo sem saber o que é ser: o eu mesmo e o eu
todos.
Os punks possuem subdivisões definidas por detalhes que acreditam diferenciá-los,
particularidade especial entre punks metropolitanos11 enquanto em Cuiabá essa
transparência não é tão legível, talvez porque não haja, a não ser em se tratando da
segregação entre punks e anarcopunks como aconteceu claramente entre punks do início
de 2000. Punks da banda Atrito, Aranha, Hyngrid, Edzar não tocavam nos locais em que
outros punks realizavam eventos e nenhum outro que estivessem sendo realizados por
outros. Tocavam apenas em bairros e eventos armados por eles.
Outra diferenciação evidente era entre os punks e metaleiros. Mesmo que o contato
dos dois grupos seja nos primórdios do surgimento da cena underground cuiabana, sempre

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foram envolvidos num desejo de certo distanciamento como se dele dependesse a defesa
da identidade e da territorialidade.
O pharmakon é ao mesmo tempo veneno e remédio, é a contradição do punk que o
move. A constante inconstância em se perder de vista com o rumo bem ali na frente que é
a sua não-contradição.
Posso citar exemplos disso quando é projetada a visão da mídia sobre eles, que em
Cuiabá personifica punks, metaleiros, gays, roqueiros, todos os agenciamentos em um
mesmo caldeirão, do diferente. A inflamabilidade é recoberta com uma amabilidade de ser
notícia, num apoio midiático que divulga as festas e os recobre de atenção.

Patú Antunes12 enuncia uma matéria sobre o Abalo Sísmico da seguinte maneira:

É animador. De uma só vez, 14 bandas de rock do cenário alternativo estarão se


apresentando hoje em Cuiabá, a partir das 19h, no festival Abalo Sísmico. Sem dúvida, uma
boa escapada às inóspitas noites de sábado, quando muito regadas com um cineminha ou
boate, dos sons mais sem graça. Para os tímidos, um aviso encorajador: o movimento
underground quer, exige, demanda a sua presença!

Na mesma página de jornal em que estão noticiadas uma festa de drag queens que se
inicia com uma chamada simplesmente direta, utilizando, inclusive, termos que lhe dizem
respeito e são subtendidos pelos iniciados.
Em oposição ao retratar busco os fanzines. O zine é criado por um ou pelo
agenciamento de uns, permanecendo sua identidade pessoal, pois são assinados, reflete o
meio de comunicação criado por punks e assimilados por outros grupos posteriormente.
Percebo o zine não é só um meio de comunicação de política, poesia, quadrinhos,
divulgação de bandas ou de cenários distantes onde o punk se espalha, e sim dotado de
força criadora, artística e sociológica, como é empregado por Canclini: duma arte que não
só expressa os sentimentos em relação à vida social de quem o produz, que é, todavia,
construído de forma artesanal e por de custo baixo e acessível, e que pode ser entregue
corpo-a-corpo em locais estrategicamente definidos.
A propriedade do ato da escrita seja ela de cunho político ou artístico é coerente
com todo o arsenal que é derivado das manifestações punks. O conflito, contudo, é a
eterna quebra e restauração do punk e de seu Movimento. Paralelo aos debates internos da
sensação da identidade e do agir coletivo frente a subjetividade de cada um há o bando, o
agenciamento, que luta contra a assimilação ao seu estilo contra o mercado. Uma corda de
pontas contra o enrijecimento do grupo na correlação entre seus indivíduos quando
pregam não a igualdade, mas mais que isso, a possibilidade de ser o que se é e de outro
lado, a apreensão dos signos que lhe são mais caros transformados em títulos vendidos aos
jovens que querem a rebeldia como se ela pudesse ser comprada.
A desconstrução que propõem Derrida é a fuga da verdade, o se deixar levar pelos
rastros que nos formam, pois só a não-verdade pode, segundo o autor, nos proporcionar a
significação. Apenas a não-verdade se converte em verdade. Isso ocorre não de uma forma
dialética, acontece sim na desconstrução onde não existe uma bilateralidade, mas infinitas
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Jornalista.
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possibilidades que podem ser recombinadas em plano infinito, pois tudo o que existe e o
que não existe tem a possibilidade de existência, estar no terreno do impossível é ter porta
aberta à invasão do outro, porque se não é possível barrá-lo, não é possível cercar-se contra
os afetos, contra os códigos, contaminamo-nos em aceitação ou não, o segundo sim, é
aceitação, é o acolhida que a fragilidade das cercas não conseguiu resguardar.
A invasão do outro se reflete marcadamente entre os símbolos punks. A suástica
nos patches, por exemplo, barram entre dentes a assimilação midiática, por ser esta
condenada entre a moral e a ética geral, ainda que possa realçar o caráter negativista que a
mídia serve de canal para divulgar. Seu intuito é massificar uma aparência violenta e
irracional do jovem despossuído de equilíbrio mental normalmente provindo de família
desestruturada.
Sua leitura foi seguindo os mesmos moldes do punk brasileiro, em se dizendo sobre
o anarquismo como posição política entre muitos punks; na importância, num primeiro
momento, do visual, e num segundo, o momento contemporâneo que opta por adotar
roupas mais ligadas ao street13; na influência nas experiências musicais no punk rock que
originaram o Hard Core, e as fusões do metal como o grind core, o crossover.
O correio iniciou o transporte de comunicação entre os punks. O sarcasmo como
atitude do punk aparece numa ação para driblar os gastos com selos, de acordo com o
relato de Corvo:

O lance era o seguinte: eu ia corresponder com um cara lá de Manaus, ele mandava


o selo, passava uma cola aqui encima do selo, aí o correio carimba encima: o selo não vale
mais. O cara recebia lá, lavava aquela cola, e aí mandava a carta de volta pra você com o
mesmo selo que você mandou. Rolava muito isso aí, era ume esquema paralelo.

Simultaneamente a ações que burlam uma rede sistemática de leis do direito e da


ética agem com normas internas que petrificam uma possível fluidez, uma máquina de
guerra no sentido de Bey dá a essa denominação de Deleuze. É a identidade, o jogo de
pertencer contrário à expulsão do grupo em direção a si mesmo. São os signos, criados a
partir de uma produção simbólica conjunta, que os une enquanto grupo, como identidade
coletiva. Nesse sentido, de acordo com Derrida o deslocamento, a desterritorialização não
é um aspecto que se prende a identidade, pelo contrário foge, isso sim, da estruturação
rígida que, num próximo passo, deve determinar o como agir, e mais ainda, como se
comportar, ou seja, o que se deve ser.
A uma confluência, uma série de intuitos conceituais que interligam a linguagem
dos autores à tentativa de fazer com que o homem escape das teias das regras,
normalizações e normatizações em que o alvo é a desterritorialização de Deleuze e
Guatarri, do deslocamento e da desconstrução de Derrida. É, sem dúvida como Hakim Bey
define um ataque ao sistema e as normas, sem se deixar ser pego, “a luta que não pode
cessar mesmo com o fracasso final da revolução política ou social, porque nada, exceto o
fim do mundo, pode trazer um fim para a vida cotidiana”.
13
Street é um conjunto de roupas que tem praticidade e simplicidade, de característica jovem, como
camisetas, calça jeans e tênis, abandonando o predomínio do preto, dos moicanos, do exagero de acessórios
punks, como bóttons, patches, coturnos, maquiagens escura que demarcam bem os olhos, nas perfurações no
rosto com brincos e alfinetes.
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A categoria dos símbolos seria um apego ao social e dependente do jogo proposto


por ele: de reconhecimento, uma subscritura da alma, como se ela pudesse, enfim, ser
mimeografada através dos aspectos simbólicos, dependente, inclusive para demarcar e
legitimar a história.

Pra mim é algo muito importante, é o registro das idéias das pessoas daquele
momento, naquela década, registra os fatos, bandas, protestos, idéias... e depois que passa 5
anos e aqueles punks já são da antiga daí eles vão entender a importância... pois aquilo é a
única coisa registrada do que aconteceu... e é o Movimento na palavra escrita, o registro, o
poder da palavra escrita.

O zine toma outra proporção em relação ao seu início e como parte de um acervo.
A mentalidade de Rodolfo circunscreve sobre a importância dessas associações que em
muito se assemelham a grupos que em potencialidade podem vir a acarretar uma revolução
molecular, por imbuírem-se na produção simbólica original. Lembrando que a captura dos
punks dos elementos conhecidos socialmente são re-significações do signo, podendo ou
não ser entendida por pessoas de fora, e não poucas vezes, mal interpretada. É pelas
referências simbólicas que há um engendramento que permite atuar com liberdade dentro
da esfera macro que possui seu sistema, da mesma forma, pleno de aspectos simbólicos.
Os zines funcionam dentro do grupo como fator de comunicação, mas sobretudo,
propagando os signos, a escritura, a cartografia da pele, questiona por sua própria
valorização, a entrada de outros meios de comunicação, e demonstra a audácia de pertencer
a uma sociedade consumista sob o lema do “faça você mesmo” transposto da mesma
forma no visual. A música é, de forma semelhante, incluída no espaço de signos, pois esta,
o punk rock não é assimilável mesmo aos grandes mercados, sua energia advinda da
rapidez da sua batida e das letras de cunho ou político ou fortemente contestatórias que
expurgam uma vivência insatisfeita certamente não agrada um público diferenciado, pois a
mesma insatisfação e miséria de contatos nas cidades repercutem em todos e evidencia um
fracasso geral, pouco apreciável ao sistema mercadológico, ainda que exista público
consumidor.
Há uma freqüência grande na interpretação desviada para um caráter negativo, mas
que é propositalmente programada. Quer-se determinar o caráter duvidoso e frágil no
punk, mas ele passível de cometer tantos deslizes sociais porém que não deve ser
qualificada a partir da identidade fixa também que é maciçamente colocada sobre eles de
maneira que os reduz a essa identidade forjada.

Eu sou capaz de respeitar um nazista, sim, eu acho isso a coisa mais anarquista que
poderia ter, anarquista a ponto de não respeitar? Que libertário é? Porque hoje eu já penso
assim, o ser humano é livre pra fazer o que ele bem entender, ele vai arcar com as merdas
que ele fizer, não vai? O punk está na diferença do respeitar e do aceitar, o punk está no
respeitar. Não quer dizer que eu aceito o nazismo, acho a coisa mais estúpida, nacionalismo,
pô, quer coisa mais estúpida que nacionalista, entendeu? Pô, essa dificuldade toda que você
tem com passaporte, pra conhecer uma outra cultura, esse negócio de território, né? Isso é
ridículo, mas e aí? Eu não gosto de pagode, eu vou sair matando todo pagodista?
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Tem-se aí um testemunho de Carol Punk que afirma ter sofrido represália de alguns
punks. De acordo com ela a violência que sofreu teve como início o fato de usar em seu
visual suspensório, e este é tido como próprio da roupa dos skinheads. Parece ser totalmente
incongruente, e é.
A esse respeito, do código visual que se mutabiliza, agregando cada vez menos o
visual pesado em todas as cidades Rodolfo dá seu testemunho de que em Curitiba se usa o
moicano, mas que lá “virou moda moicano baixo, muita gente usa, os punks mais novos
andam com aquele visual, mas aqui está totalmente dispersado, é como se tivesse muitos
indivíduos punks pela cidade e nenhum Movimento Punk”. Novamente percebe-se a
ligação que extrapola os muros territoriais das cidades e une os punks numa mesma
veracidade histórica, seja em São Paulo, Cuiabá e em outros lugares.

Ser punk

No reconhecimento do signo que pode resvalar a fronteira do tempo graças a


memória, tem na escritura, a linguagem no sentido amplo, que se deixa codificar pela fala,
pela aparência, pela decisão em como se mostrar ao mundo e pelas entrelinhas que
escapam, são solidificadas nas imagens, sejam fotos ou desenhos do universo punk.
A atitude concentra em si o universo semiótico, a repetição engendra pelos
caminhos do inconsciente e do racional, da emoção e do agrupamento identitário. O que é
ser punk está respondido na sua linguagem. Se de um lado Rato provoca que ser punk não
é tocar em banda de punk rock, Rino acredita que as pessoas “se tornam punks em época
de instabilidade e de formação de personalidade”, mas soma com Aranha a certeza de que
essas influências ele carregará para o resto da vida. As contradições que a vida impõem,
como o caso de Rino que trabalha para o Estado depois de execrá-lo, e as contradições da
absorção de novos punks no Movimento que, ao entrar, ainda não reconhecem a cartilha
do que é que se deve ser para ser punk, como se pudesse, então, postular e construí-lo, não
só o Movimento, mas quem o integra.
De fora para dentro, quem é o punk? Confundido com marginal, com punk de
boutique, com rebelde sem causa, com filho da geração de famílias desestruturadas. Rino
contou-me que, nos idos de 80 um garoto comentou com outro, ao analisá-lo que ele era
um cowboy que monta em touros. Aranha vê similaridade entre os punks e os carecas em
relação ao acessório e até a ideologia, Esqueleto lembra, rapidamente, que o punk prega a
igualdade e a liberdade, diferentemente dos skinheads.
Se por um lado os punks agem em prol da conscientização, eles, entre si, entram em
conflito dentro do grupo ou individualmente. Se se pretende desmistificar o Movimento,
levá-lo a um reconhecimento social, desprezam as articulações midiáticas que são feitas em
torno do grupo.
Dentro dessa linguagem a repetição do código funciona, segundo os punks, para
informar não só quem está dentro do grupo, mas é também entregue em shows e locais de
passagem da cidade com o propósito de ter alcance além do Movimento.
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O corpo e o pogo, a música é o punk rock

No meio de um oceano em que a massa de água são ondas sonoras, como ondas
ficam num movimento incessante de ir e vir. Um mar bravio de ondas que vibram até seu
corpo, local que não serve com caixa para se depositar, pois é dele emitido o mesmo
vaivém das ondas.
O corpo no meio do oceano é transfigurado pelas ondas bruscas. E se pensa em
encontrar-se cai em si para saber que não existe ali noção alguma de tempo e espaço. Não
pode acessar seu sentido da visão, pois tudo é escuro. O corpo parece sozinho dentro do
perigo que lhe chega pela audição. Mas o novo é que por ela todos os outros sentidos se
tornam acionados. Como um gato, um morcego ou um rato se torna atento para a próxima
bomba sonora que lhe alcançará. Nessa profusão seu corpo único, próprio e conhecido foi
esquecido sem que pudesse lhe acarretar saudade ou dor porque é como a morte que chega
e não se tem mais tempo pra pensar sobre ela.
Inicia-se se assim o ritual da transfiguração. Ao corpo lhe é acometido a desrazão, o
eteno, o esquecimento. E só a morte apressa o equilíbrio. Quando abre os sentidos na
escuridão e os medos se esvaíram o corpo percebe que não está só. As ondas multiplicam-
se agora pelo impulsionar dos outros corpos que se agitam rapidamente, com movimentos
rápidos e perigosos.
Se de longe parece uma guerra, de dentro é a guerra em uma dança da destruição.
Esse corpo vibrátil perde sua identidade para se tornar um corpo só. O equilíbrio. Agora
sim está formado o corpo, em unicidadade. É na presença da guerra e do equilíbrio que o
corpo uno se mostra e é pura máquina de guerra, destruidora e destrutível. Impassível, mas
ao mesmo tempo tensa à realidade, aos mundo lá fora, ao próprio corpo que merece ser
poupado porém não o é. Porque para ele o que importa é entrar em harmonia com as
ondas e os outros corpos.
Somente um olhar de fora que possa congelar a cena pode descrevê-la, coturnos,
calças apertadas, camisetas, talvez alguma jaqueta. Mas percebe os rebites afinadíssimos
com pregos, cortantes até a alma. Coleiras e rostos com olhos firmes, algumas vezes
pintados de preto.
Se algum movimento dentro da dança da guerra sair de uma perfeita velocidade
sincrônica é possível que o corpo seja arremetido. Sangue. Como o movimento pode ser
tão harmônico dentro de algo que não tem métrica, não tem fórmula, não tem certo ou
errado só pode ser explicado como algo da natureza que se contra balanceia na disfunção
permanentemente operante. Como a fúria da natureza que não poupa, pois é amoral.
Corpos de homens e mulheres são todos corpos de guerra.
As ondas sonoras vinda dos três, quatro, poucas vezes cinco acordes é o punk rock,
o hardcore. Os poucos acordes e o rápido tempo da música são responsáveis pelos golpes
sonoros ecoados nas paredes nuas que revidam da mesma forma que os corpos em transe o
som que lhes chega. Os corpos se movimentam habilmente ao serem penetrados pelo punk
rock ou pelo hardcore. Tão rápido quanto, tão violento quanto. Os homens no palco são
pura força masculina, vozes firmes, olhos firmes, corpo impassível que se lhe tirassem o
som de nada faltaria para se perceber que se trata de uma denúncia.
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Bibliografia
BEY, Hakim. TAZ: Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad Editora, 2001;
CAIAFA, Janice. Movimento Punk na cidade: a invasão dos bandos sub. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1989;
DELEUZE, Gilles e PERNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora Escuta, 1998;
DERRIDA, J. (1997) A Farmácia de Platão. São Paulo: Iluminuras. Fédida, P.(1998);
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A FONTE: REPRESENTAÇÃO DA HISTÓRIA EM O CONTINENTE I

Angelise Fagundes da Silva14


Mestranda em Estudos Literários – UFSM – RS

A esperança de todos nós, ao pegarmos num livro, é


encontrar um homem da nossa afeição, viver tragédias
e alegrias que nós próprios não temos coragem de
provocar, sonhar sonhos que tornem a vida mais
apaixonante, talvez também descobrir uma filosofia
da existência que nos torne capazes de afrontar os
problemas e as provações que nos assaltam. 15

Resumo
Este trabalho aborda a representação da história no capítulo A Fonte, de O continente I,
de Érico Veríssimo. Esta obra, publicada em 1949, abarca no segundo capítulo a matriz
platina como gênese da formação do Rio Grande do Sul, ao eleger as missões como espaço
onde circulam figuras significativas como o jesuíta Alonzo, Sepé Tiaraju e Pedro
Missioneiro, numa mistura entre ficção e História. Este estudo discute, também, como
Érico Veríssimo, através de sua obra, articula interesses do presente da escritura com o
passado histórico do Rio Grande do Sul, na medida em que traz para o campo literário as
bases de uma civilização niveladora, através de uma representação verossímil da História.
Palavras-chave: literatura; história; Érico Veríssimo

Abstract:
This work analyses the representation of History in the chapter A fonte” (The fountain)
from the novel O continente, (The Continent) by Erico Verissimo, published in 1949.
This chapter approaches the Hispanic version to the foundation origin of Rio Grande do
Sul, by choosing the Jesuitical Missions as space, as well as characters like the Jesuit priest
Alonso, Sepe Tiaraju and Pedro Missioneiro, blending fiction and History. This work also
discusses how Erico Verissimo articulates interests the present of writing with the historical
past of Rio Grande do Sul, as he brings to Literature the founding bases of a standardizing
civilization, through a verisimilar representation of History.
Keywords : Literature – History – Erico Verissimo

14
Mestranda em Estudos Literários na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), orientanda do Prof. Dr.
Pedro Brum Santos.
15
Paul-André Lesort (apud BOURNEUF, R.; QUELLET, R.,1976, p.25)
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Segundo Guilhermino César (1994: 164), Erico Veríssimo elaborou no primeiro


volume de O tempo e o Vento uma espécie de negativo fotográfico acerca do período
colonial da história gaúcha. A representação desta história dá-se de maneira expressiva no
segundo capítulo de O continente I, denominado A Fonte.
Isto ocorre porque ao ser publicado no ano de 1949, o primeiro livro de O Tempo
e o Vento abarca as discussões da época acerca da fundação do Rio Grande do Sul. De um
lado, a corrente lusitana, do outro, a platina. O surgimento desta discussão, na década de
30, permitiu um novo olhar sobre a história do estado. A matriz lusitana, difundida por
Emílio Fernandes de Souza Docca, por Moises Velhinho, dentre outros, excluía o período
missioneiro da formação do RS, enquanto a matriz defendida por Alfredo Varela, por
Manoelito de Ornellas, defendia a influência do Prata e a formação do estado sob o esteio
dos Sete Povos.
Ao eleger as missões como pano de fundo para o capítulo A Fonte, bem como
Pedro Missioneiro como o sujeito que alimenta o ventre de Ana Terra, Erico Veríssimo
inclui na representação da origem histórica do Rio Grande do Sul a vertente platina. O
autor aceita esta vertente, mas a coloca ao lado da luso-brasileira, pois Ana, personagem
configurada no quarto capítulo, traz em suas veias a descendência dos bandeirantes
paulistas, que povoaram o espaço do pampa, após o Tratado de Madri, de 1750.

A representação da história em A Fonte

O capítulo A Fonte, que está dividido em nove subcapítulos, traz representada a


história das reduções jesuíticas, em especial a de São Miguel Arcanjo. Na primeira parte, há
a descrição temporal: “Naquela madrugada de abril de 1745”, que localiza o leitor
historicamente. Na seqüência da narrativa, o narrador apresenta padre Alonzo. O cura da
Companhia de Jesus descreve a atmosfera que circunda a redução na madrugada de abril:
“Havia na redução um silêncio leve e úmido, um certo ar de expectativa, como se toda a
terra se estivesse preparando para o mistério do amanhecer” (p.44).
Esse ar de expectativa, esta preparação terrena para o novo dia é revelada com o
nascimento de um índio miscigenado, chamado Pedro Missioneiro. A personagem Pedro
representa o homem do Rio Grande do Sul, que traz no seu sangue um cruzamento inter-
racial.

Aproximaram-se dum berço tosco onde, no meio de panos de algodão, o


recém-nascido dormia. Tinha a pele muito mais clara que a da mãe.
Alonzo ergueu os olhos para o cura, que sacudiu lentamente a cabeça,
adivinhando os pensamentos do companheiro e dando a entender que
participava também de suas suspeitas. Aqueles malditos Vicentistas! –
pensou Alonzo. Não se contentam com prear índios e levá-los como
escravos para sua capitania: tomavam-lhes também as mulheres, serviam-
se vilmente delas e depois abandonavam-nas no meio do caminho.
(VERISSIMO, 2004: 61)

Apresentada a rivalidade entre Portugal e Espanha por terra e poder, o narrador


alça mão de um dado significativo para a gênese do RS: a criação da comanda militar, com
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a fundação do presídio militar Jesus-Maria-José, em 1737, origem da cidade e do Estado do


Rio Grande (César, 1980: 110). A data remete à história, estabelecendo um dado que
legitima o histórico: até 1737, a província de São Pedro era uma Terra-de-ninguém
(César, 1980: 72). Este dado está presente no texto de Érico, na medida em que seu
narrador aponta a construção do presídio como marco inicial para a povoação do território.

O governo português resolvera então povoar o Rio Grande de São


Pedro, a fim de facilitar as comunicações entre Laguna e Sacramento,
bem como para garantir a posse deste último estabelecimento. (...) E
naqueles vinte últimos anos muitos lagunistas e vicentistas se haviam
ficado em vários pontos do Continente, estabelecendo invernadas e
currais que mais tarde se transformariam em estâncias. Contava-se até
que quase todos eles já tinham conseguido cartas de sesmaria. E o fato
de os portugueses haverem fundado em 1737 um presídio militar no Rio
Grande indicava que estavam decididos a tomar posse definitiva do Rio
Grande de São Pedro. (VERISSIMO, 2004: 45)

Outra referência histórica presente no romance é a do Tratado de Madri, de 1750.


Este tratado, que modificou a história das reduções jesuíticas, declara que as Missões
Orientais do Uruguai passariam ao domínio português, assim como a Colônia de
Sacramento passaria ao de Espanha. Este documento histórico é transcrito parcialmente
no segundo capítulo de O continente I, através de um de seus artigos.

Das povoações ou Aldeias que cede Sua Majestade Católica na margem


oriental do Uruguai, sairão os Missionários com todos os móveis, e
efeitos, levando consigo os Índios para aldear em outras terras de
Espanha; e os referidos Índios poderão levar também todos os seus
móveis e semoventes, e as Armas, Pólvora e Munições que tiverem; em
cuja forma se entregarão as Povoações à Coroa de Portugal, com todas
suas Casa, Igrejas, e Edifícios e a propriedade e posse do terreno [...]
(VERISSIMO, 2004: 77)

Este trecho do Tratado de Madri auxilia o narrador a criar a atmosfera que pairava
sobre os Sete Povos por volta de 1750. Permite, também, o reconhecimento da situação
vivenciada pelos jesuítas que deveriam carregar “trinta mil índios para o outro lado do
rio Uruguai sem causar-lhes danos irreparáveis” (p 77), com todos os seus pertences,
com “setenta mil cabeças de gado” (p 77).
Dessa forma, o conflito histórico desencadeado a partir deste tratado é
representado em A Fonte sob o prisma dos jesuítas. Padre Alonzo via o acordo entre
Espanha e Portugal como algo malévolo, como uma peste medonha.

E esses pensamentos não só lhe vinham de velhos sonhos e cogitações,


como também haviam sido despertados especialmente pelas notícias que
acabavam de chegar à redução com um caráter de praga, de peste, de
catástrofe. Portugal e Espanha, para pôr termo às rixas em que viviam
empenhados, tinham assinado um tratado iníquo, segundo o qual os
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portugueses cediam a seus velhos inimigos a Colônia do Sacramento, e


os espanhóis, em troca, lhes entregavam os Sete Povos das Missões.
(VERISSIMO, 2004: 66)

Decorrente do acordo de 1750, a Guerra Guaranítica é mencionada na obra


respeitando fidedignamente a história. Além da guerra, o narrador apresenta as principais
personagens que a chefiaram: do lado indígena, Sepé Tiarajú e Nicolau Languiru (p. 81), do
lado português, Gomes Freire (p. 80). O tempo fictício da história do capítulo A Fonte
desenvolve-se até “princípios de fevereiro de 1756” (p 86), mês e ano em que Sepé Tiaraju
foi morto pelo exército português. Eis, então, outro dado em que o texto literário
corresponde à história.

Em princípios de fevereiro daquele terrível ano de 1756, Alonzo dirigia-


se uma noite para a cela, quando, ao se aproximar dela, ouviu rumor de
vozes lá dentro. Parou um instante, aguçou o ouvido. Quem podia estar
no quarto a conversar aquela hora? Acercou-se da porta na ponta dos pés
e abriu-a sem ruído e olhou. O vulto de Pedro delineava-se contra o céu
noturno que a janela enquadrava. (...) José Tiaraju morreu, padre.
(VERISSIMO, 2004: 86)

O percurso temporal escolhido pelo narrador de O continente I denota a


importância do índio Tiaraju para a história do Rio Grande do Sul. Esta importância é
percebida, também, devido aos dois últimos subcapítulos serem dedicados quase que
integralmente a esta figura. Estes fatos narrados acerca de Sepé, da guerra dos Sete Povos,
bem como da invasão das Missões pelos portugueses apontam para um narrador que
incorpora a precisão cronológica de um historiador, tendo em vista a preocupação histórica
dos relatos.
Ao contemplar em sua narrativa o índio Sepé Tiaraju, o narrador de A Fonte opta
pela vertente platina, contemplando, no universo diegético, não apenas o espaço das
missões, mas também a sua gente. A eleição do índio missioneiro coloca em pauta outra
discussão ocorrida em meados da década de 50, advinda das correntes lusitana e platina.
Discutia-se, na época, a heroicidade e a brasilidade, ou não, do índio Sepé. Próximo ao ano
de 1956, bicentenário de morte do herói, o major João Carlos da Veiga solicitou ao então
governo estadual a construção de um monumento em homenagem ao chefe indígena
(GUTFREIND, 1992: 85). Com isso, as discussões pró e anti-sepé se intensificaram.
A matriz lusitana argumentava que Sepé Tiaraju era espanhol, que não merecia um
monumento. Defendia esse direito a outro personagem da história gaúcha, Rafael Pinto
Bandeira (GUTFREIND, 1992: 86). Por outro lado, os defensores da corrente platina
apresentavam

o passado de lutas, glórias e sacrifícios do índio, negavam que tivesse


sido espanhol, e sim o primeiro herói do Rio Grande do Sul, muito mais
gaúcho e brasileiro no sentido etnográfico e racial do que os velhos rio-
grandenses. (GUTFREIND, 1992: 90).
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Considerações Finais

À moda dos romances de família, de acordo com Zilberman (1992: 104), essa
trilogia consiste na grande saga do Rio Grande. Erico retrocede às origens míticas do
Estado ao dar a Pedro Missioneiro certa designação patriarcal, na medida em que o coloca
como formador de uma genealogia que dá origem ao Continente de São Pedro.
Pedro é a origem ficcional do clã Terra Cambará, isto é, o índio miscigenado
constitui A Fonte racial do Rio Grande do Sul. Dessa forma, ao germinar o ventre de Ana
Terra, descendente de bandeirantes paulistas, configura a gênese do povo rio-grandense.
A origem do Estado está denominada também no substantivo que dá nome ao
capítulo. Fonte, do latim fonte, fontis, designa ao segundo capítulo de O Continente I a
tarefa de fundar. Este nome que significa nascente de água, no seu sentido figurado
significa aquilo que origina ou produz, a origem16. O artigo definido “a” determina a
fundação: não é qualquer uma, mas a que lança as bases de uma terra. A Fonte permite,
assim, através do universo diegético, que a origem fundacional missioneira do Continente
de São Pedro saia do mito e entre para a história.
Ao eleger, pois, as missões como espaço de A Fonte, bem como Pedro
Missioneiro, índio miscigenado, como personagem deste capítulo, Erico Veríssimo aceita a
matriz platina como gênese da formação do RS. No entanto, esta corrente é posta ao lado
da lusitana, com a personagem Ana Terra. Pedro Missioneiro e Ana Terra, matriz platina
e lusitana, respectivamente, configuram a fonte do extremo meridional brasileiro. Erico
articula, assim, em A Fonte, com o passado histórico do Rio Grande do Sul e com a
história do seu próprio tempo, pois traz para o campo literário as bases fundadoras do
estado, através de uma representação verossímil da histórica.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BOURNEUF, R.; QUELLET, R. O Universo do Romance. Coimbra: Livraria


Almedina,1976.
CESAR, Guilhermino. História do Rio Grande do Sul: Período Colonial. Porto
Alegre: Globo, 1980.
_______. Notícia do Rio Grande: Literatura. Porto Alegre: UFRGS, 1994.

GUTFREIND, Ieda. Historiografia rio-grandense. Porto Alegre: UFRGS, 1992.


VERISSIMO, Érico. O Tempo e o Vento, parte I: O cotinente1. 3ª ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
ZILBERMAN, Regina. A Literatura no Rio Grande do Sul. 3ª ed. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1992.

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RELIGIÃO E CURA: UMA INTERPRETAÇÃO

Antônio de Medeiros Pereira Filho


Discente curso de Enfermagem, Campus Avançado do Seridó (CAS)
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
Alcides Leão Santos Júnior
Mestre em Ciências Sociais
Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

RESUMO
Interpreta-se à luz da Antropologia Social e da Saúde Coletiva o significado das
representações e os simbolismos presentes no processo saúde-doença. Tomando como
referencia três correntes religiosas, o pentecostalismo, o espiritismo e o candomblé;
questiona-se: como a religião exerce influência no processo de cura? A prática religiosa
envolve o sujeito em seus rituais que possuem um significado especifico para o adoecer.
Procurando compreender como se ocorre a cura através da religião fez-se uso da
observação participante e de entrevistas (estruturada e semi-estruturada) em um centro
espírita e numa Igreja pentecostal (Igreja Universal do Reino de Deus), na cidade de Caicó/
RN e em um Terreiro de candomblé, na cidade de Parelhas/RN. Consideramos o que foi
observado e através do aporte teórico que as três doutrinas religiosas exercem efeitos sobre
a saúde dos sujeitos auxiliando-os e dando significados para que estes obtenham a cura,
dentro da ideologia de cada uma das religiões estudadas. Dessa forma, imaginamos que
discutir as práticas alternativas de saúde constitui-se num momento propício para
(re)pensar a atual hegemonia que permeia a prática e o desenvolvimento da saúde nos
serviços prestados aos sujeitos que buscam e necessitam dos serviços de saúde.
Palavras - chave: Religião e cura. Sociedade e saúde. Saúde coletiva.

RESUMEN
Es interpretado a la luz de Antropología Social de Salud Pública y el significado de los
símbolos y representaciones en el proceso salud-enfermedad. Tomando como referencia
tres corrientes religiosas, el pentecostalismo, el espíritu y el candomblé, la pregunta es:
¿cómo la religión influye en el proceso de curación? La práctica religiosa implica el tema en
sus rituales que tienen un significado concreto a la enfermedad. Tratando de entender
cómo ocurre la curación a través de la religión se ha hecho uso de la observación
participante y entrevistas (estructuradas y semi-estructurada) en un centro espiritual y de
una Iglesia Pentecostal (Iglesia Universal del Reino de Dios) en la ciudad de Caicó / RN y
un Terreiro de Candomblé, en la ciudad par / RN. Consideramos que lo que se ha
observado y contribución teórica de las tres doctrinas religiosas ejercer efectos sobre la
salud de las personas y ayudarles a dar significado para ellos obtener una cura, en el marco
de la ideología de cada una de las religiones estudiadas. Por lo tanto, imaginar que la
práctica de discutir alternativas de salud se encuentra en un momento propicio para (re)
pensar la actual hegemonía que impregna la práctica y el desarrollo en los servicios de salud
prestados a personas que buscan y necesitan de los servicios de salud.
Palabras clave: la religión y la curación. La sociedad y la salud. Salud colectiva.
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Introdução

[...] não há razão para duvidar da eficácia de certas


práticas mágicas, pois a eficácia da magia implica a
crença na magia; crença por parte de quem a pratica
(feiticeiro/pastor), por parte do doente (fiel) e por parte
do consenso (igreja, comunidade ou grupo cultural).
(Lévi-Strauss).

O presente trabalho surge quando cursávamos a disciplina Antropologia e Saúde,


no curso de Enfermagem, do Campus do Seridó, da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN), no segundo semestre do ano de 2007, e tivemos a
oportunidade de “interpretar à luz da Antropologia Social o significado das representações
e simbolismos presentes no processo saúde-doença”. A fim de alcançar esse objetivo
tivemos contato com um Centro Espírita e uma Igreja pentecostal, a Igreja Universal do
Reino de Deus (IURD), na cidade de Caicó/RN e com uma curandeira, cujas práticas se
relacionam com a religião africana, na cidade de Parelhas/RN.
Nessa reflexão buscamos demonstrar como a religião exerce influência no processo
de cura baseando nas três doutrinas religiosas acima citadas. Apesar de termos a
consciência de que a religião católica, também, exerce poder sobre seus fies no processo de
cura não a traremos aqui, pois segundo Rabelo (1993, p. 321) o “[...] pentecostalismo,
espiritismo e candomblé são religiões voltadas para a satisfação de demandas pessoais
(diferenciam-se, neste sentido, do catolicismo das CEBs que privilegia as demandas
coletivas)”, ou seja, estas doutrinas religiosas têm uma atenção individual no tratamento
fazendo com que haja desse modo, uma atenção privilegiada ao doente no processo de
restauração da cura, tendo em vista a ideologia desenvolvida por cada uma delas.
Imaginamos que discutir as práticas alternativas no âmbito dos cursos da área de
saúde toma hoje forma e contexto, sendo este um momento propício de se discutir a atual
hegemonia que permeia a prática e o desenvolvimento da saúde nos serviços prestados aos
sujeitos que buscam e necessitam dos serviços.
É imprescindível deixarmos claro que, o modelo hegemônico de saúde que se
desenvolve ainda hoje é um modelo por excelência que enfatiza a biologia do sujeito e
porque não dizer a biologia da doença, se pensarmos esse modelo com base no que é
exposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que idealiza o ser humano e sua saúde
numa visão biopsicosocial, esse privilégio e ênfase dado ao lado biológico faz com que este
pensamento fique fragmentado e hiperespecializado, além disso, nos dias atuais alguns
autores já analisam e repensam essa definição proposta pela OMS, e estes já concluem que
esta definição não contempla o homem em sua totalidade, pois a visão de homem vai mais
além do que um ser biopsicosocial. Essa ênfase no modelo biológico pode ser justificada
tendo em vista que o modelo de saúde prevalecente é o modelo curativo; e um tanto
deixado em segundo plano o modelo preventivo, onde na nossa compreensão está
fortemente ligado ao social.
É sabido que no desenvolvimento das práticas biológicas se fazem necessário cada
vez mais avanços tecnológicos para o processo de cura. Benefícios incontestáveis para a
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saúde. A tecnologia é uma ferramenta desenvolvida pelo homem para auxiliá-lo. Assim, se
faz necessário lembrar que o contato e a comunicação entre o sujeito e o profissional de
saúde são de fundamental importância, pois permite uma aproximação e uma troca de
símbolos entre ambos fazendo com que o sujeito sinta-se, também, responsável e
promotor na reabilitação de sua própria saúde.
Dentro deste contexto Oliveira (2002, p. 64) relata que se formou “[...] um quadro
paradoxal: grandes e incontestáveis avanços tecnológicos em benefício do ser humano, por
um lado, e, por outro, uma sensação de crise permanente, com atendimento inadequado,
insuficiente e, pior, oferecido sem eqüidade.” Percebemos que no atendimento à saúde é
necessário que seja firmado uma relação de confiança tendo em vista que o sujeito não
poderá ser um objeto que é levado em uma linha de produção passando por diversos
setores para resultar em um produto final, nesse caso seria a restauração da sua saúde.
Conforme Cerqueira-Santos; Koller; Pereira (2004, p. 90):

Na medicina oficial, o doente é tratado como um objeto, submetido a


técnicas que excluem qualquer manifestação afetiva ou humana, ou
como uma doença, muitas vezes, nociva à sociedade. Já nas igrejas, o fiel
é acolhido como um “irmão em Deus”, num ambiente onde os
sentimentos de compaixão e ajuda predominam, e onde, ao invés de ser
excluído de um grupo, o sujeito é amparado num novo grupo.

Como na maioria das vezes o sujeito deixa de ser o centro, assim, a doença e a
tecnologia tomam este lugar. Há a ausência da troca de símbolos e da formação de
significados acerca da doença por parte do sujeito (o que é algo inerente do ser humano
buscar a compreensão do que o afeta não só na saúde mais de modo geral), faz com que
haja uma evasão dos sujeitos nos serviços de saúde onde estes muitas vezes passam a ser
última hipótese na busca da restauração de sua saúde, quando deveria ser a primeira.
Kleinma e Knauth (apud OLIVEIRA, 2002, p. 64) em seus estudos informam que:

[...] ainda hoje, para perplexidade de alguns, nem sempre todos os


problemas de saúde são vistos dentro do sistema formal de cuidado à
saúde. Pelo contrário: calcula-se que 70 a 90% dos episódios de doença
são manejados fora desse sistema, por autocuidado ou busca de formas
alternativas de cura.

Dentro das formas alternativas de cura a religião é uma forte corrente que envolve
o sujeito e dá significado para a sua doença em um contexto e com símbolos bem
compreensíveis para o mesmo e além de tudo este permanece sendo ator principal no
processo de cura, sendo envolvido em rituais - que tem suas especificidades em cada
religião.
No desenvolvimento do processo de restauração da cura Rabelo (1993, p. 318)
informa que os “[...] terapeutas religiosos colocam-se em uma posição bastante
conveniente: não apenas afirmam dividir responsabilidade com a medicina moderna, mas
julgam intervir onde esta revela-se incapaz.” Com isso estes garantem espaço e mostram-se
necessários tanto quanto os profissionais que fazem parte dos serviços de saúde.
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No contato entre o sujeito e os modelos de cura religiosa este basicamente passa


pelo que se observa, por três fases nos modelos religiosos estudados, sendo elas a iniciação
(que seria a chegada do indivíduo ao sistema religioso, ou seja, o seu primeiro contato), o
ritual (desenvolvido durante o transcorrer do processo religioso) e a crença (estando ligada
intimamente com as outras duas fases, onde a crença possibilita o poder para a construção
dos resultados, bem como a permanência do indivíduo no rito).
Segundo, Diniz (apud LOBO; SANTOS, DOURADO; LUCIA, sd, p. 6), “[...] uma
crença se origina a partir de uma sintonia entre o sujeito e o meio em que está inserido [...]
As crenças orientam toda ação individual e coletiva, e vale salientar que nelas está envolvida
a relação com a verdade (dimensão epistêmica) e o aspecto ‘volitivo’ ”. Desse modo, pelo
observado a crença constitui parte fundamental para o processo de cura através da religião,
sendo observada nas três doutrinas religiosas estudadas a sua importância.

O Pentecosstalismo, o Espiritismo e o Candomblé

O pentecosstalismo é uma doutrina que se baseia na crença do poder do Espírito


Santo e encontra-se disseminada por todo o mundo, tendo uma corrente de adeptos muito
forte e numerosa. No Brasil, chegou em 1910 com a Congregação Cristã do Brasil, aqui
também é representada pela Igreja da Assembléia de Deus, Igreja do Evangelho
Quadrangular, Igreja Pentecostal Deus é Amor, Igreja Internacional da Graça de Deus,
Igreja Renascer em Cristo dentre outras. Para efeito de discussão tomaremos como ponto
de partida a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) esta tem como líder fundador o
bispo Edir Macêdo, que numa perspectiva weberiana pode ser visto como um líder
carismático. Na cidade de Caicó/RN o templo da IURD situa-se na Avenida Coronel
Martiniano, no centro da respectiva cidade.
O espiritismo, representado aqui pelo kardecismo, tem como fundador, o francês
Allan Kardec (1804 – 1869) tem sua expansão no Brasil por volta de 1980, tendo em vista
que, nessa época acontece, segundo Campos (1999, p. 358) a “[...] explosão de novos
movimentos religiosos não cristãos (anos 1980)”. O Centro Espírita visitado na cidade de
Caicó/RN, também estava situado na mesma avenida que a IURD.

Warren e Greenfield (apud RABELO, 1993, p. 319), relatam que:

A ideologia de caridade que é central ao espiritismo permeia, tanto sua


proposta específica de prática social (voltada para programas
assistenciais, de educação e distribuição de alimentos aos pobres, por
exemplo), como sua proposta de cura via educação ou persuasão das
entidades causadoras do mal.

O candomblé é uma religião de descendência africana que chegou ao nosso país no


período da escravidão. Este é composto no seu ritual pelos Orixás, que são deuses
supremos, e pelos Caboclos, entidades que os participantes dos cultos associam
genericamente aos índios e que vêem como espíritos selvagens, poderosos e matreiros,
manifestar-se no Terreiro (nome dado ao seu templo). Como a cidade de Caicó/RN não
tem um Terreiro nossa pesquisa centrou-se na cidade de Parelhas/RN, no Bairro de São
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Sebastião. Diferente da IURD e do Centro Espírita o Terreiro de Candomblé situa-se num


bairro suburbano, vindo a confirmar o que é exposto por Santos (1998, p. 128) quando
ressalta que os “[...] primeiros candomblés a se organizarem na Bahia na primeira metade
do século XIX [...] situavam-se em áreas periféricas em relação ao núcleo urbano”.

Para Rezende Júnior (2004, p. 27):

Terreiros de umbanda e candomblé são os locais de culto das religiões de


matriz africana. São, portanto, tão sagrados quanto qualquer outro
templo, de qualquer religião. E, no entanto esses terreiros têm sofrido
constantes ataques, em diversos pontos do Brasil. Objetos de culto são
destruídos, seguidores de umbanda e candomblé chamados de
"adoradores do diabo" e suas celebrações e festas religiosas
interrompidas, de forma desrespeitosas, por pessoas de outras religiões.

Dentre as doutrinas religiosas pesquisadas o candomblé tem uma fortíssima ligação


com a construção da identidade dos brasileiros. Por suas raízes históricas foi e talvez
continue a ser marginalizado no nosso país, seus terreiros sofreram perseguições e punições
desumanas. Mas, sobreviveu ao tempo e continua a ser uma das fortes correntes religiosas
do nosso país, sendo na nossa concepção um acervo da cultura africana em nosso país.

O Pentecotalismo, o Espiritismo e o Candomblé: o ritual de cura.

A identidade da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), segundo Campos


(1999, p. 357) é “[...] construída por meio das referências aos concorrentes (católicos, afro-
brasileiros e kardecistas), com os quais ela se envolve em renhidas lutas simbólicas”. Nessa
doutrina religiosa a doença é re-significada em um modelo que opõe radicalmente bem e
mal, a doença é provocada por forças do mal que devem ser expulsas do corpo, a cura é
encenada como uma batalha acirrada entre o bem e o mal numa atmosfera tensa onde o
pastor é o meio pelo qual Deus chega ao doente para curá-lo, assim o salvando. O ritual é
realizado com imposição de mãos, sacolejos, ordens para que o mal se retire do corpo do
doente. O sucesso do tratamento se dá com choro, gritos entre outras manifestações
demonstrando deste modo à expulsão do mal e a cura do sujeito doente.
A IURD envolve segundo Rabelo (1993) o sujeito em um sub-universo de ordem
que se contrapõe ao meio circulante, leva-o a uma reorientação de suas práticas e de seu
comportamento através de padrões morais determinados. Com isso é possível observar que
estes padrões morais também influenciam sobre a saúde do sujeito, por exemplo, no ato de
não consumo de bebidas alcoólicas, entre outros eventos que fazem parte da disciplina e da
moral pentecostal. Para Campos (1999, p. 364):

A teologia da IURD se articula ao redor de quatro pontos fundamentais:


centralidade do corpo, pois ela prega a recuperação do corpo e não o seu
desprezo platônico; exorcismo de maus espíritos e libertação de suas
influências negativas; cura como sinônimo de salvação e prosperidade na
vida; e sucesso material como comprovação da presença de Deus na vida
do crente.
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O exorcismo de maus espíritos e a libertação das influências negativas na IURD


estão ligados com símbolos de outras crenças religiosas, particularmente as afro-brasileiras
(candomblé, umbanda) e ao espiritismo Kardecista, onde de acordo com a ideologia
iurdiana quem freqüenta e pratica estas formas de religião estão possuídos pelo mal, dessa
forma os Orixás e Caboclos que fazem parte do Candomblé e os espíritos que fazem parte
da doutrina espírita, a IURDUniversal do Reino de Deus -ade de Parelhas seriam quem
causa os efeitos maléficos na visão iurdiana (CERQUEIRA-SANTOS; KOLLER;
PEREIRA, 2004). Dessa forma, a IURD não só dá significados para as aflições e doenças
que acometem os sujeitos, mas também garante para si um sobre salto, tendo em vista, que
marginaliza as práticas de outras religiões e isso é feito também com outras não só com as
citadas anteriormente.
A cura é vista como uma benção de Deus e como uma demonstração de que o
sujeito é uma pessoa boa, onde a doença é resultado de práticas incorretas do sujeito, ou
seja, um castigo divino, ou também, se o sujeito ainda não for batizado como tentação de
demônios, pois este permanece com o corpo aberto.
O sucesso material também é mais uma prova do comportamento exemplar do
indivíduo, pois segundo o pensamento iurdiano: Deus é um pai bom e generoso que não
deixaria seus filhos passarem por necessidades, mais para que os bens e o dinheiro do
indivíduo continuem abençoados este deve demonstrar sua gratidão a Deus doando parte
de sua fortuna a igreja, por exemplo, através do dizimo (CERQUEIRA-SANTOS;
KOLLER; PEREIRA, 2004), este pensamento vai de encontro ao princípio da dádiva
descrito por MAUSS (2003), onde o indivíduo mantém uma forma de acordo e dever de
retribuição pelo que lhe é presenteado.
No Espiritismo Kardecista a cura se dá pela intensa orientação pedagógica que é
dada aos espíritos que se apossam do doente, estes são seres menos desenvolvidos e
precisam de orientação para evoluir e deixarem de cometer malefícios ao sujeito que estão
obsediando. No dizer de Rabelo (1993, p. 320):

O ensinamento no espiritismo se dá em dois níveis principais. No


primeiro, doentes e familiares se reúnem para ouvir as pregações do
presidente do centro: livretos contendo os principais ensinamentos do
culto são também distribuídos. No segundo nível, a ação é dirigida aos
espíritos mesmos responsáveis pela doença.

No Espiritismo o sujeito torna-se espectador do diálogo que é desenvolvido entre o


médium e o espírito, pois este se manifesta no corpo do médium. No começo o espírito
mostra-se arredio ao diálogo, mais depois de decorridas seções o comportamento pode aos
poucos evoluir o espírito obcessor, assim o sucesso do ritual paira sobre essa mudança de
comportamento do espírito e através dessa orientação é esperado que ocorra, também, à
mudança no comportamento do sujeito e de sua rede social. Desse modo, temos uma
reorientação das práticas dos indivíduos, tanto do sujeito doente quanto do seu grupo
social, ocorrendo à cura.
No espiritismo o ritual é constituído em uma atmosfera calma e de ensinamento
constante; na qual se desenvolve o ritual de forma mais tranqüila em comparação ao
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candomblé e ao pentecostalismo, o que pode trazer benefícios mais imediatos à situação


emocional do sujeito, tendo em vista que o seu estado emocional não é levado ao ápice,
diferentemente do Pentecostalismo e do Candomblé nos quais o ritual se dá de forma
vigorosa e com a emoção levada ao limite extremo, para que se obtenha a cura.
No Candomblé a interpretação é dimensão central do rito, o ritual inicia-se com a
incorporação por parte da mãe ou pai de santo do Orixá ou Caboclo que se encontra
apoderado do/no corpo do sujeito, como conseqüência o pai ou mãe de santo elabora uma
narrativa que reconstitui a cadeia de eventos que levou o sujeito à doença, elaborando uma
interpretação que apontará para a direção do tratamento e da cura.
Diferentemente do Kardecismo, no qual o sujeito e sua família assistem o diálogo
entre o médium e o espírito, no Candomblé o sujeito é parte constante na interpretação e
no transcorrer do diálogo entre: o pai ou mãe de santo – o Orixá ou Caboclo – e o próprio
sujeito. Desse modo, a doença vai tomando significados para o sujeito e sua rede social,
aonde a cura vai tomando forma no ritual.
Através da interpretação dada pelo pai ou mãe de santo o sujeito passa a formar
significados e a apontar para o que levou e desencadeou a sua doença. No processo de cura
são utilizadas medidas de limpeza do corpo como banhos, defumações entre outras coisas,
também se realiza negociações com os Orixás ou Caboclos para a restauração da saúde do
sujeito. Segundo Rabelo (1994, p. 50):

Os doentes [...] são colocados no interior de um circulo de pólvora [...].


Vestidos de branco, já foram banhados nos fundos da casa em banhos
de ervas. O trabalho se inicia com cantos a exu, para que conceda sua
licença à atividade de cura e comprometa-se a guardar as encruzilhadas,
porteiras e cancelas que conduzem até ao terreiro. [...] oferendas são
feitas a Exu [...]. O tema da expulsão de agentes causadores da doença
ganha expressão durante a performance que se segue: o curador introduz
uma série de cânticos em que nomeia distintos poderes responsáveis pela
doença (exus, sombras de morto), chamando-os a deixar o corpo do
doente. [...] Ao final do trabalho, o circulo de pólvora é queimado e os
restos são varridos para fora da casa. (itálico do autor)

Pelo exposto temos a compreensão de que no Candomblé dependendo do poder


do Orixá ou Caboclo que está apoderado do corpo do sujeito o ritual se estenderá por um
tempo mais longo ou não, ou, por outros encontros posteriores, até que se tenha a
obtenção da cura. Desse modo, tem-se a expulsão das forças maléficas que causaram a
doença, e dá-se a cura do sujeito.
Durante o ritual é formado alianças entre o sujeito e as entidades para que estas
mantenham seu corpo fechado e saudável protegendo-o contra outros males, as alianças
são obtidas pela negociação com os Orixás e/ou Caboclos.
A doença no contexto do candomblé é causada tanto pelo homem bem como por
entidades sobrenaturais, onde o mundo é fluxo contínuo de trocas em que o sujeito deve
manter um equilíbrio entre os favores recebidos e retribuídos (RABELO, 1993); o
princípio da dádiva enunciado por Mauss (2003) e citado anteriormente pode ser
evidenciado também aqui.
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É importante salientar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu


Art. XVIII postula que toda “[...] pessoa tem o direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença, pelo
ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletiva, em público ou em
particular" condição, essa reforçada pela Constituição Brasileira, que no Art. 5º, inciso VI:
enfatiza que é "[...] inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantido, na forma da lei, a proteção aos locais de
culto e suas liturgias". E por último citamos a Proposta 113, do Programa Nacional de
Direitos Humanos que incentiva o "[...] diálogo entre movimentos religiosos sob o prisma
da construção de uma sociedade pluralista, com base no reconhecimento e no respeito às
diferenças de crença e culto". O que é exposto por estas legislações é fundamental para o
exercício da ética e um respeito entre as religiões e doutrinas e seitas religiosas, propostas
estas que devem ser incentivadas e postas em prática, principalmente em um país como o
Brasil que tem uma diversidade cultural e religiosa.

Considerações

Como foi possível observar e constatar as religiões traz o sujeito para o centro de
suas atividades, tanto a IURD, o Espiritismo e o Candomblé, inserem o sujeito em um
contexto que busca estabelecer significados para a doença ou o mal que acomete o sujeito
doente. É importante ressaltar as peculiaridades de cada uma dessas correntes religiosas nos
seus rituais, os quais foram expostos anteriormente.
A busca pela colocação do sujeito no centro das atenções por parte das religiões
estudadas é algo pelo que podemos observar como, positivo e imprescindível, para uma
aproximação entre o sujeito doente e o outro que o auxilia na cura. Isso foi de certa forma,
sendo no decorre da evolução histórica dos serviços de saúde, menosprezado, e precisa
urgentemente ser recuperado, desde, a formação dos profissionais na academia, até que seja
consolidado e mantido na prática cotidiana do serviço-saúde, o que possibilitará uma
humanização nos serviços, e o mais imprescindível a formação e compreensão de certos
significados por parte do sujeito que procura o serviço de saúde, numa interação, que deve
ser constante, entre o profissional e o sujeito no transcorrer da assistência, ocorrendo à
formação de uma confiança, a consolidação real de uma relação de trabalho profissional-
sujeito, não uma imposição por parte de quem é detentor do conhecimento sistemático-
científico, e talvez um melhor desenrolar na reabilitação do sujeito, tendo em vista que este
será ator, e assim o deve ser, na restauração de sua saúde, pois este compreendendo,
interpretando e assimilando para o seu contexto cognitivo o que lhe é passado tornar-se-á
muito mais acessível e interativo no processo saúde-doença.
A hiperespecialização que se dá no desenvolvimento da saúde hoje; a tecnologia
sendo centrada muitas vezes entre o sujeito e o profissional de saúde impede uma melhor
interação entre ambos, tornando de certo modo o serviço saúde meramente mecanicista,
apesar de que é importante deixarmos, explícito, que não negamos à importância da mesma
no processo saúde-doença, mais que esta não vai além de uma ferramenta e desse modo
não pode tomar ares maiores que sua finalidade para a qual é proposta.
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É imprescindível deixarmos claro que, o modelo hegemônico de saúde que enfatiza


a biologia do sujeito; e porque não dizer a biologia da doença, se pensarmos esse modelo
com base no que é exposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que idealiza, como
dito anteriormente, o ser humano e sua saúde numa visão biopsicosocial, faz com que o
modelo de saúde prevalecente seja apenas curativo. Ao procurar a cura na/pela religião os
indivíduos buscam o estabelecimento da confiança e o contato mais próximo que os
serviços de saúde abortaram. Em suma, as doutrinas religiosas que apresentamos exercem
efeitos curativos, cada uma com suas particularidades, além de promoverem mudanças no
comportamento do sujeito sobre a sua concepção de mundo e o que o rodeia.

Referências

CAMPOS, L. S. A Igreja Universal do Reino de Deus, um empreendimento religioso


atual e seus modos de expansão (Brasil, África e Europa). SC: Lusotopie, 1999, p.
355-367.
CERQUEIRA-SANTOS, E.; KOLLER, S. H.; PEREIRA, M. T. L. B. Religião, Saúde e
Cura: um estudo entre neopentecostais. SC: Psicologia Ciência e Profissão, 2004, 24 (3), p.
82-91.
LOBO, R. C. M. M.; SANTOS, N. O.; DOURADO, G.; LUCIA, M. C. S. Crenças
relacionadas ao processo de adoecimento e cura em mulheres mastectomizadas: um
estudo psicanalítico. SC: SE, SA.
OLIVEIRA, F. A. Antropologia nos serviços de saúde: integralidade, cultura e
comunicação. SC: Interface – Comunicação, Saúde, Educação, v.6, n. 10, p. 63-74, fev.
2002.
MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Trad. Paulo Neves. São Paulo: NAIFY,
2003.
RABELO, M. C. Religião e Cura: algumas reflexões sobre a experiência religiosa das
classes populares urbanas. Rio de Janeiro: cad. Saúde Pública, 9 (3): p. 316-325, jul/set.
1993.
_______. Religião, ritual e cura. In. ALVES, Paulo César; MINAYO, Maria Cecília de
Souza (Org.). Saúde e doença: um olhar antropológico. Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ, 1994. p. 47 - 55.
REZENDE JÚNIOR, J. Diversidade religiosa e direitos humanos. Brasília: Secretaria
Especial dos Direitos Humanos, 2004.
SANTOS, J. L. Religião e Florestas. Campinas: série técnica IPEF, v. 12, n. 32, p.
127-132, 1998.
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INCENTIVO À LEITURA DE OBRAS LITERÁRIAS NAS ESCOLAS


ATRAVÉS DO MÉTODO RECEPCIONAL

Aparecida de Castro Pordeus17


Graduanda em Letras/UNICENTRO - PR
Cláudio José de Almeida Mello
Docente do Dep. de Letras/UNICENTRO - PR

Resumo: Estudando o papel da literatura na vida dos estudantes, nota-se um gradual


desinteresse pelo texto literário. O presente artigo é resultado da intervenção em uma
turma do Ensino Fundamental, por meio da qual concretizamos um projeto sócio-
interacionista, enfatizando a leitura de obras literárias, com base na teoria da Estética da
Recepção de Jauss e do Método Recepcional criado por Bordini e Aguiar (1993). O
objetivo é contribuirmos com um ensino-aprendizagem que auxilie professores e alunos a
uma reflexão sobre a importância da obra literária para a formação do leitor competente e
consciente de sua posição na sociedade.
Palavras-chave: texto literário, Método Recepcional, ensino fundamental.

Abstract: Studying the literature’s role in the student’s life, it is noticed a gradual disinterest
in literary text. The present article is a result of the intervention in a class of Fundamental
Educacion, in wich we achieved a socio interactive project, emphasizing the reading of
literary works, based in Jauss’s Reception Esthetic theory and in the Receptional Method
created by Bordini and Aguiar (1993). The objective is to contribuite for a teach – learning
that helps teachers and students to think carefully about the importance of the literary work
and to make the reader aware of his position in the society.
Keywords: literary text, Reception Esthetic, elementary school.

1. Introdução

Num contexto em que o cidadão comum interessa-se por formas de lazer menos
aprofundadas de interação com as artes e o conhecimento, insere-se a leitura literária, a qual
já teve nos dois últimos séculos um importante papel na formação da cultura geral, e hoje
está praticamente restrita à escola. Estudando o papel da literatura na vida dos educandos,
nota-se um gradual desinteresse pelos livros, de tal modo que estes, chegando ao Ensino
Médio, têm verdadeira apatia pela leitura. Os professores, por sua vez, parecem
despreparados para enfrentar o problema em sala de aula.
Dessa forma, a intervenção nas escolas torna-se imprescindível, a fim de
contribuirmos com um ensino-aprendizagem que auxilie tanto professores como alunos a
uma verdadeira reflexão sobre a importância da obra literária para a formação de um leitor
consciente de sua condição na sociedade. Por isso, buscamos uma turma de Ensino
Fundamental, para elaborar um projeto sócio - interacionista, enfatizando a leitura de obras
literárias, com base na teoria da Estética da Recepção e no Método Recepcional de Ensino
de Literatura, criado por Bordini e Aguiar (1993).
17
Bolsista da Iniciação Científica Voluntária da Universidade Estadual do Centro-Oeste.
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Com a aplicação dessa metodologia, buscou-se a interação entre as crianças,


inicialmente numa leitura coletiva, prevendo-se que, no futuro, tal atividade recairá em uma
leitura individual, onde cada criança refletirá criticamente sobre a escolha de textos que
contribuam para o seu enriquecimento cultural e buscará sua posição de sujeito constituinte
da história.
Antes, porém, de apresentarmos a experiência desenvolvida nesta pesquisa,
apresentaremos sucintamente a teoria da Estética da Recepção e do Método Recepcional, a
fim de que se reconheça sua importância para a formação de leitores competentes.

2. Formação do leitor

Ao pensar num leitor competente, a base em uma teoria e em um método de leitura


é fundamental. Por isso, para a formação do leitor de obras literárias nos valemos dos
estudos de Zilberman (1989) sobre a teoria da Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss.
Com base nesse estudioso, Bordini e Aguiar (1993) organizaram o Método Recepcional, o
qual vem apresentando resultados satisfatórios quando desenvolvido em sala de aula, uma
vez que promove o senso crítico dos educandos e os leva a interessarem-se pela leitura.

A Estética da Recepção, surgindo nos anos sessenta na Escola de Constança –


centro universitário alemão -, dá ênfase ao leitor, o qual recebe a obra, analisa-a e a faz viva.
Assim,

a teoria da estética da recepção desenvolve seus estudos em torno da


reflexão sobre as relações entre narrador-texto-leitor. Vê a obra como
um objeto verbal esquemático a ser preenchido pela atividade de leitura,
que se realiza sempre a partir de um horizonte de expectativas
(BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 31).

Partindo do pressuposto de que o Método Recepcional prioriza o leitor,


concebemos que as possíveis leituras de um texto literário encaminham-se para o
preenchimento e transformação do trabalho artístico em objeto estético pela recepção do
mesmo:

A atitude receptiva se inicia com uma aproximação entre texto e leitor,


em que toda a historicidade de ambos vem à tona. As possibilidades de
diálogo com a obra dependem, então, do grau de identificação ou de
distanciamento do leitor em relação a ela, no que tange às convenções
sociais e culturais a que está vinculado e à consciência que delas possui
(BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 84).

A interação entre texto e leitor se dá com a fusão dos quadros de referência em que
estão inseridos. A esses quadros Jauss denominou “horizontes de expectativas, os quais
incluem todas as convenções estético-ideológicas que possibilitam a produção/recepção de
um texto” (BORDINI; AGUIAR, 1993, p.83).
Portanto, em termos educacionais o Método Recepcional concretiza-se com a
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participação do aluno em contato com diferentes textos. O professor provoca situações


que propiciem o questionamento do horizonte de expectativas do educando, e a recepção
do texto manifesta a participação ativa e criativa deste, uma vez que ele

revisa criticamente seu próprio comportamento, redundando na ruptura


do horizonte de expectativas e seu conseqüente alargamento. Com o
ajustamento a essa nova situação, o passo seguinte é a oferta pelo
professor de diferentes leituras que, por se oporem às experiências
anteriores, problematizam o aluno, incitando-o a refletir e instaurando a
mudança através de um processo contínuo. Como o sujeito é entendido
como um ser social, sua transformação implica a alteração do
comportamento de todo o grupo, atingindo a escola e a comunidade.
(BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 85).

Para desenvolver o Método Recepcional de Bordini e Aguiar (1993, p. 89-91), o


professor parte da realidade vivida pelos alunos. O método possui cinco etapas:

Determinação do horizonte de expectativas, a fim de prever estratégias de ruptura e


transformação do mesmo. Esse horizonte de expectativas conterá os valores prezados
pelos alunos, em termos de crenças, modismos, estilos de vida, preferências quanto a
trabalho e lazer, preconceitos de ordem moral ou social e interesses específicos da área de
leitura;
Atendimento do horizonte de expectativas, proporcionando à classe experiências com
os textos literários que satisfaçam suas necessidades em dois sentidos. Primeiro, quanto ao
objeto, uma vez que os textos escolhidos para o trabalho em sala de aula serão aqueles que
correspondem ao esperado. Segundo, quanto às estratégias de ensino, que deverão ser
organizadas a partir de procedimentos conhecidos dos alunos e de seu agrado;
Ruptura do horizonte de expectativas: introdução de textos e atividades de leitura que
abalem as certezas e costumes dos alunos seja em termos de literatura ou de vivência
cultural;
Questionamento do horizonte de expectativa: comparação entre as duas questões
anteriores. Sobre o material literário já trabalhado, a classe exerce sua análise, decidindo
quais textos, através de seus temas e construção, exigiram um nível mais alto de reflexão e,
diante da descoberta de seus sentidos possíveis, trouxeram um grau maior de satisfação;
Ampliação do horizonte de expectativas: os alunos percebem que as leituras feitas
dizem respeito não só a uma tarefa escolar, mas ao modo como vêem seu mundo e tomam
consciência das alterações e aquisições, obtidas através da experiência com a literatura.
Comparando seu horizonte inicial de expectativas com os interesses atuais, verificam que
suas exigências tornaram-se maiores, bem como
sua capacidade de decifrar o que não é conhecido foi aumentada.
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3. Aplicando o método

O projeto de leitura foi desenvolvido em uma turma de 7ª série, do Ensino


Fundamental, do Colégio Estadual “Cristo Rei” - Ensino Fundamental e Médio –
Guarapuava – PR. Para tanto, utilizamos a teoria da Estética da Recepção e o Método
Recepcional.
A experiência foi realizada durante os meses de abril e maio de 2008, focando, num
primeiro ciclo, o tema do egoísmo. As leituras propostas foram especificamente contos:
Negrinha, de Monteiro Lobato; Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector; A Nova Califórnia,
de Lima Barreto18.
Para determinar o horizonte de expectativas, oferecemos artigos de jornais sobre temas
diversos, juntamente com o filme Lucas, um intruso no formigueiro (2006). Esse filme aborda
várias questões da realidade social que nos cerca, como: a exclusão do idoso, a
solidariedade, a vingança, a trapaça, o amor, entre outros. A discussão maior recaiu sobre o
individualismo e/ou egoísmo do menino Lucas. Portanto, essa foi a temática escolhida
pelos alunos e foi desenvolvida na primeira parte da pesquisa.
Assim, para atender o horizonte de expectativas, trabalhamos com a música O Lobo,
da Pitty e Gilmarley Song do grupo Kid Abelha. Nesta, os alunos imediatamente perceberam
a referência à guerra, chegando à conclusão de que ela representa um modo egoísta de
proceder, sem dar importância ao sofrimento que causa nas pessoas.
Igualmente, a música O Lobo dá mostras dos perigos por que passa o ser
humano. Ao relacionarem o homem ao lobo, considerado animal perigoso e ardiloso, as
crianças concluíram que o ser humano torna-se um animal ao agir inescrupulosamente a
fim de subjugar o mais fraco.
Após estudarmos as letras das músicas, pedimos para que os alunos fizessem um
texto comparativo entre as duas, ressaltando pontos de maior relevância.
Rompendo com o horizonte de expectativas, levamos para os alunos o conto Negrinha, de
Monteiro Lobato. Essa narrativa remete-nos a uma época posterior à libertação dos
escravos e à história de uma menina negra e órfã, criada pela sua senhora, porém
marginalizada. Numa aparência de boa cristã, a personagem dona Inácia,
contraditoriamente à imagem que passa, porta-se de modo egoísta, o que foi bem
observado pela classe; além da observância de outros temas contidos no mesmo texto,
como: preconceito racial, maldade humana, exclusão da criança.
Juntamente com o conto de Lobato, levamos uma segunda narrativa: Felicidade
Clandestina, de Clarice Lispector, em que foi observado o egoísmo de uma menina, não
dotada da beleza imposta pela sociedade, com relação à outra colega com melhores
atributos. Apesar de considerarem o egoísmo da filha do dono da livraria, por não querer
emprestar o livro para a colega, outra leitura foi ressaltada pelos alunos: a menina
humilhada, no final, passa a se vingar, demonstrando não ter pressa de entregar o objeto à
legítima dona. Portanto, em Lispector também foram verificados outros temas: vingança,
beleza, fingimento, persistência, inveja.
Dos dois contos apresentados, a preferência dos alunos recaiu sobre Felicidade
Clandestina, por ser mais “fácil” e por ser mais próximo da realidade vivida por eles, uma
18
Todas as obras, músicas e filme encontram-se referenciadas na página específica.
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vez que rivalidades ocorrem no universo escolar.


Em seguida, conforme solicitação da turma, realizamos uma atividade referente ao
significado de palavras desconhecidas nos dois textos, com a ajuda de dicionário;
principalmente no texto de Lobato.
Na fase do questionamento do horizonte de expectativas, foi feita uma análise comparando
os dois contos, em que as crianças observaram que a maldade presente nos textos ocorreu
no passado e ocorre no nosso cotidiano e, para a superação deste sentimento, somente o
amor ao próximo poderá levar a um desfecho diferente.
Após essa fase, passamos para a ampliação do horizonte de expectativas, com a leitura do
conto A Nova Califórnia, de Lima Barreto. A narrativa foi bem recebida pelos alunos e a
discussão acerca dela foi produtiva. Houve, por parte deles, a verificação de que o egoísmo
envolve tanto pessoas de posses, que procuram aumentar o patrimônio que já têm, quanto
pessoas pobres, à procura de suprir suas necessidades. A ambição de todas as personagens,
com exceção do bêbado Belmiro, é exposta, pois elas não medem esforços para alcançar
seus objetivos. Houve, assim, a reflexão de que no nosso cotidiano não é diferente...
Em vista das discussões sobre A Nova Califórnia, os alunos fizeram referência à
mídia, mais precisamente sobre acontecimentos recentes do assassinato de filha pelos pais e
abusos sexuais dentro da própria família.
Como o método evolui em espiral, desta última etapa, reinicia-se o processo.
Portando, com o interesse sobre assuntos referentes à maldade humana que leva à morte,
iniciamos o segundo período de nossa pesquisa e, para determinar o horizonte de expectativas,
levamos para a turma atividades de recortes de revistas sobre fatos semelhantes. Assim, eles
se interessaram por um novo tema: morte, cujo interesse já havíamos observado em aulas
anteriores.
Nesse ciclo, separamos os contos Uma Vela para Dario, de Dalton Trevisan, Passeio
Noturno I e Passeio Noturno II, de Ruben Fonseca e a narrativa infanto-juvenil O Sofá
Estampado, de Lygia Bojunga Nunes.
Para o atendimento do horizonte de expectativas usamos o conto Uma vela para Dario. Ao
debatermos sobre a morte da personagem, os alunos enfatizaram que a falta de
solidariedade entre os seres humanos leva à fatalidades, fatos que podem ser evitados se as
pessoas não forem sobrepujadas pela maldade.
Para romper com o horizonte de expectativas, levamos os contos Passeio Noturno I e Passeio
Noturno II. Abrimos para debate: no primeiro conto as crianças puderam observar como as
famílias estão desestruturadas. No convívio familiar, a individualidade impera... É cada um
por si. Quando lemos o segundo, houve verificação de como os indivíduos são levados a
envolvimentos passageiros com pessoas desconhecidas, não medindo as conseqüências.
Passando para o questionamento do horizonte de expectativa, fizemos um estudo
comparativo entre os textos estudados anteriormente, em que os alunos perceberam que,
enquanto no primeiro conto a mulher assassinada era desconhecida, no segundo texto há
aproximação entre as personagens. A conclusão maior a que chegaram é que não se pode
confiar cegamente nas pessoas, porque não sabemos até onde a mente humana é capaz de
chegar.
Na ampliação do horizonte de expectativas escolhemos uma narrativa mais extensa: O
Sofá Estampado, de Lygia Bojunga Nunes. Sua leitura foi iniciada em sala de aula e extra-
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classe, durante a aplicação do projeto.


Nessa narrativa, as crianças observaram, com a morte da avó de Vítor, que há
obstáculos à frente de quem procura fazer o bem. Porém, essa personagem dá uma lição ao
neto e também ao leitor: precisamos ter objetivos na vida. Enquanto o interesse de algumas
pessoas as faz passar por cima da ética e da moral, outras pessoas possuem um ideal de
vida.
Com essa narrativa, encerramos o segundo ciclo do Método Recepcional. Própria
como texto infanto-juvenil, ela poderá dar continuidade a um novo ciclo, uma vez que
apresenta várias temáticas, interessantes para os alunos, pois envolvem ambição, amor,
indecisões e outras.
Todo o processo com o Método Recepcional valeu-se de debates, em pequenos e
grandes grupos, e atividades relacionadas aos textos literários, resultando em
produções/reflexões textuais pelos alunos. Com isso, buscou-se a interação entre as
crianças, inicialmente numa leitura coletiva, prevendo-se que, no futuro, tal atividade
recairá em leitura individual, permitindo que cada criança reflita criticamente sobre a
escolha de textos que contribuam para o seu enriquecimento cultural.

4. Considerações finais

A pesquisa se desdobrou em duas frentes: uma bibliográfica e outra empírica.


Na primeira, verificamos que na realidade as escolas brasileiras enfrentam um
grande problema relacionado à leitura literária, seja na forma dos estudantes, mostrando
ojeriza pela leitura; na indisponibilidade de livros nas bibliotecas, as quais estão
abandonadas, sem que ocorra um posicionamento para melhorar sua estrutura; e
finalmente, no interesse em uma melhor formação dos profissionais de educação, os quais
saem das Universidades deficientes em seu repertório prático. Isso tudo mostra a
necessidade metodológica, que passe, portanto, pela formação docente. O Curso de Letras
prioriza aos acadêmicos embasamentos teóricos em detrimento de um maior espaço
voltado à prática.
Na segunda, em sintonia com as leituras que apontaram as necessidades da
formação docente bem elaborada, do ponto de vista teórico e também metodológico,
aplicamos o Método Recepcional. Constatamos assim, que, realmente, a utilização de uma
teoria e de um método apresenta resultados positivos quando levados para sala de aula.
Precisamos pensar num engajamento coletivo, para que toda a sociedade brasileira, pais,
alunos, professores, autoridades se voltem para apoiar pesquisas que promovam a melhoria
da educação, possibilitando, assim, o surgimento de indivíduos que promovam o
crescimento da nação brasileira, num quebrar de armadilhas que possibilitem a interação
entre os homens.
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“SÓ SE APRENDE INGLÊS NOS CURSINHOS”: UMA VISÃO


DISCENTE SOBRE ALGUMAS CAUSAS DA INEFICIÊNCIA NO ENSINO DE
LÍNGUA INGLESA NO ESTADO DE MINAS GERAIS

Aurelia Emilia de Paula Fernandes


Especialista em Língua Inglesa
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Patrocínio (FAFI)
Professora nos cursos de Administração, Comércio Exterior,
Gestão de Negócios e Sistemas de Informação
Faculdade de Viçosa (FDV)

Tatiana Diello Borges


Mestre em Lingüística Aplicada – UFMG
Professora de Língua Inglesa – UFG – Jataí

Resumo: Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa conduzida com 153 alunos
da 1ª série do Ensino Médio na qual objetivou-se investigar a visão desses participantes
sobre o ensino da língua inglesa recebido no Ensino Fundamental. O referencial teórico
apoiou-se em estudos sobre formação de professores no campo da Lingüística Aplicada.
Os instrumentos empregados foram entrevista e questionário. Os resultados apontam que
o ensino de inglês recebido pelos participantes foi ineficiente. Segundo os alunos, as causas
dessa ineficiência foram, dentre outras, as práticas pedagógicas de seus professores e o mito
de que “só se aprende inglês nos cursinhos”.
Palavras-chave: Ensino/aprendizagem de língua inglesa; ensino fundamental; formação
de professor.

Abstract: This paper reports the results of a research conducted with 153 students from 1 st
grade High School in which we aimed at analyzing theirs view concerning the English
language teaching received at elementary schools. As the fundament for this research, we
used studies regarding teaching formation in the field of Applied Linguistics. Interview and
questionnaire were employed. Results show that the English Language teaching received by
the sample was inefficient. According to the students, the factors which caused this
inefficiency were, among others, teachers’ pedagogical practices and the myth that “it´s only
possible to learn English at language courses”.
Keywords: English language teaching/learning; elementary school; teacher formation.

Introdução

O exercício do direito à educação Fundamental supõe também todo o exposto no


artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no qual os princípios
da igualdade, liberdade, do reconhecimento, da convivência entre instituições públicas e
privadas estão consagrados. Ainda, de acordo com este artigo, as bases para que estes
princípios se realizem estão estabelecidas nas proposições de valorização dos professores e
da gestão democrática do ensino público, com a garantia de padrão de qualidade. E ao
valorizar a vinculação entre educação escolar, o trabalho e as práticas sociais, a LDB é
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conseqüente com os artigos 205 e 206 da Constituição Federal, que baseiam o fim maior da
educação no pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Na base das habilidades mínimas necessárias ao cidadão deste século estão a leitura,
a escrita e o domínio de línguas, o qual é uma das habilidades que possibilitam a melhoria
do nível social, político e cultural.
Considerando que os participantes desta pesquisa foram aprovados no processo
seletivo do Colégio de Aplicação (CAP/COLUNI) da Universidade Federal de Viçosa
(UFV), que constava de quinze candidatos por vaga, e no devido processo a língua inglesa
não estava incluída, surgiu o interesse de ouvir seus depoimentos e experiências em relação
à disciplina língua inglesa.
Organizamos este artigo em quatro partes. Na primeira seção, tratamos do
referencial teórico, o qual se apoiou em parte da literatura existente em Lingüística Aplicada
sobre o tema formação de professores. Na segunda parte, trazemos a metodologia
escolhida para a realização do estudo, detalhando sua natureza, o contexto investigado, os
participantes, os instrumentos empregados na coleta de dados e a análise dos resultados.
Na terceira seção, analisamos e discutimos os resultados obtidos. Por fim, trazemos as
considerações finais do estudo.

Referencial teórico

Conforme mencionado, este trabalho teve como embasamento teórico o tema


formação de professores no campo da Lingüística Aplicada. A escolha por este referencial
teórico explica-se devido ao fato do tema formação de professores, ou melhor, a
precariedade desta formação, segundo os participantes, ter se apresentado de modo muito
evidente nos resultados deste estudo.
Ao realizarmos uma revisão teórica sobre formação de professor, percebe-se
claramente que os estudos, em sua grande maioria, focalizam a formação do docente
reflexivo.
De acordo com Zeichner e Liston (1996), o professor reflexivo é aquele que
examina, estrutura e tenta resolver os dilemas da prática da sala de aula; está atento ao
contexto institucional e cultural em que leciona; participa do desenvolvimento do currículo;
se envolve nas tentativas de mudança na instituição de ensino na qual atua e se
responsabiliza pelo seu desenvolvimento profissional.
Perrenoud (1999), por sua vez, em consonância com a formação do docente
reflexivo, enfatiza que convém reforçar a preparação desses profissionais para uma prática
reflexiva, a inovação e a cooperação. Em suas palavras: “prática reflexiva e participação
crítica [devem ser] entendida como orientações prioritárias da formação de professores”
(Perrenoud, 1999, p. 5).
Autoras como Celani (2001) e Mateus (2002) corroboram o argumento de
Perrenoud (1999) de que a prática reflexiva e a participação crítica devem ser entendidas
como orientações prioritárias da formação de professores.
Conforme Celani (2001), a educação reflexiva, o ensino reflexivo são
emancipatórios. Têm por objetivo aprimorar a prática, estimular a racionalidade e a
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autonomia dos professores e daquilo que é ensinado.


Mateus (2002, p. 8) também entende que o conceito de prática reflexiva, assim
como o de participação crítica, configura-se como “um caminho factível para o
desenvolvimento de professores capazes de lidar com o desafio de aprender a aprender”.
Dois aspectos relacionados ao tema formação de professores na área de Lingüística
Aplicada podem ser facilmente constatados ao término desta seção. Primeiramente, como
vimos, os estudos sobre o assunto, em sua ampla maioria, têm focalizado a formação do
professor reflexivo, pois, de acordo com diversos pesquisadores da área, a prática reflexiva
e crítica, dentre outras questões, pode colaborar para a autonomia e emancipação dos
professores, assim como de seus alunos (Perrenoud, 1999; Celani, 2001; Mateus, 2002). Em
segundo lugar, as pesquisas sobre formação de professores também demonstram a
relevância de, cada vez mais, refletirmos criticamente a respeito da formação que tem sido
oferecida nos cursos de Letras, já que, como veremos nos resultados obtidos nesta
pesquisa, parece que essa formação, em geral, não tem sido pautada nos conceitos de
prática reflexiva e participação crítica.

Metodologia

Este trabalho configura-se como uma pesquisa híbrida, na qual se utilizou tanto o
paradigma qualitativo quanto o quantitativo. Como Scaramucci (1995) observa muito bem,
a tendência de se optar por apenas um paradigma, ignorando totalmente o outro, pode vir a
causar certa dificuldade em relação ao esclarecimento de variáveis relevantes no estudo. Daí
a opção pela realização de um trabalho híbrido.
Este estudo, conforme mencionado, foi realizado com 153 estudantes de ambos os
sexos de quatro turmas (A, B, C e D) da 1ª série do Ensino Médio do Colégio de Aplicação
(CAP/COLUNI) da Universidade Federal de Viçosa (UFV) no ano de 2004. Dos 153
alunos, 54 (35%) cursaram o Ensino Fundamental em escolas públicas e 99 (65%) em
privadas. Ainda sobre os participantes, é preciso mencionar que 150 (98%) estudaram em
escolas de Minas Gerais e apenas 3 (2%) em escolas de outros estados brasileiros. Por fim,
faz-se extremamente importante ressaltar que, conforme convivência da primeira autora
deste artigo, os alunos participantes desta pesquisa possuíam não só um enorme senso
crítico, mas também um imenso senso ético.
No que se refere ao contexto em que a pesquisa foi conduzida, o Colégio de
Aplicação (CAP/COLUNI), órgão da Universidade Federal de Viçosa (UFV), destina-se à
formação do aluno, ministrando o Ensino Médio. No transcorrer de seus quarenta e dois
anos de existência, o COLUNI tornou-se referência de um ensino de qualidade e mantém a
tradição de ser o melhor colégio de Minas Gerais, sendo considerado um paradigma para as
escolas do sistema oficial e particular da região; com professores habilitados, trabalhando
em regime de dedicação exclusiva, o que permite maior atendimento às dificuldades
individuais dos alunos. As atividades de ensino do colégio desenvolvem-se em modernas
instalações no campus da UFV que, além de salas de aula, dispõe de salas de projeção,
laboratórios de Química, Física, Biologia e Humanidades, bem como de Informática, que
possibilita acesso a uma rede de computadores conectada à internet. Os alunos utilizam
ainda a Biblioteca Central, a Praça de Esportes, o Restaurante Universitário e a Divisão de
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Saúde da UFV.
Em relação aos instrumentos de coleta de dados, utilizamos entrevista semi-
estruturada e questionário informativo.
A opção pelo uso de entrevista semi-estruturada deveu-se, segundo Nunan (1992),
porque nesta o pesquisador tem uma idéia geral de onde quer chegar, mas não entra na
entrevista com uma lista de questões predeterminadas. Vale destacar que todos os alunos
foram entrevistados por dois minutos e os depoimentos foram devidamente gravados, com
a permissão dos participantes.

As perguntas subjacentes em todas as instâncias dos depoimentos foram as


seguintes:

•Você poderia relatar qual a leitura que você faz do ensino da língua inglesa lhe foi
oferecido no Ensino Fundamental?
•Há algum fato ou experiência que você gostaria de destacar?
Quanto ao questionário utilizado, tínhamos como objetivo identificar em que
cidade e estado19 onde o aluno cursou o Ensino Fundamental e se a escola era publica ou
privada.

No que se refere à análise dos dados, dois procedimentos foram adotados.


Primeiramente, procedemos a uma leitura detalhada das respostas dadas na entrevista pelos
participantes, realizando, assim, uma análise interpretativista dos dados. Em segundo lugar,
efetuamos uma análise estatística dos resultados.

Análise e discussão dos dados

Por meio da análise dos dados foi possível identificar cinco itens apontados pelos
alunos participantes como causadores de ineficiência no ensino de língua inglesa no Ensino
Fundamental: (1) Práticas Pedagógicas, (2) Mito - só se aprende inglês nos cursinhos -, (3) Perfil e
formação dos docentes, (4) Comunidade escolar e (5) Ausência de hábito de estudo. Vale
ressaltar também que foi possível observar uma considerável semelhança nos depoimentos
dos alunos da escola privada e nos da pública. Esta similaridade pôde ser facilmente
percebida por meio dos itens mencionados pelos participantes como responsáveis pela não
eficiência do ensino de inglês recebido no Ensino Fundamental.

Práticas pedagógicas

Dos itens mencionados, as práticas pedagógicas adotadas pelos professores dos


alunos no Ensino Fundamental predominaram: 28,64% dos participantes as citaram como
um dos fatores responsáveis pela ineficiência no ensino de inglês neste nível. Item, aliás,
que já havia sido identificado por Neves (2005). Observou-se que as práticas pedagógicas
adotadas são anteriores ao século XX e os métodos que deveríamos chamar de abordagens
19
Foi perguntado o estado em que os alunos cursaram o Ensino Fundamental para confirmar se todos eram
realmente do estado de Minas Gerais, e os resultados apontaram que apenas 2% eram de outros estados.
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são inadequados. De acordo com os participantes, eles encontram-se submetidos a uma


visão ainda tradicional do ensino de línguas. E é no contexto do trecho do rap “Estudo
Errado” de Gabriel O Pensador que afirmam isso: “Decorei, copiei, memorizei, mas não
entendi. Decoreba: esse é o método de ensino. Eles me tratam como ameba e assim eu
nem raciocínio. Não aprendo as causas e conseqüências, só decoro os fatos. Desse jeito até
história fica chato. Mas os velhos...”.

Segundo Maza (1997):

Hoje, mais do que nunca, o processo de ensino deve primar pela busca
do eficiente, do significativo, do criativo. Essas são exigências com as
quais nos defrontamos e que partem do aluno, que se prepara para atuar
numa sociedade que vive sob o signo da competitividade, onde a
excelência é o objetivo almejado.

O programa de disciplina que norteia uma atividade proficiente e segura por parte
dos professores de língua inglesa, e que perpassa pela prática pedagógica, foi apontado
pelos participantes como um agravante da pouca eficiência registrada no ensino desta
língua nas escolas de Minas Gerais, pois os alunos identificaram uma quase total ausência
de objetivos nesse programa. O mesmo agravante também foi observado por Coelho
(2005) em sua dissertação de mestrado. Segundo a autora, a carência de um programa
pedagógico estruturado é um dos principais fatores causadores de deficiência no ensino de
inglês nas escolas públicas brasileiras.
Os participantes mencionaram que os conteúdos foram simplesmente repetidos nas
quatro séries do Ensino Fundamental. Porém, notou-se que parece ser cômodo para os
alunos estudarem as estruturas básicas, em conseqüência, demonstram certa dificuldade em
conteúdos como “verbo to be”, manipulando o professor e vice-versa. Ainda segundo os
participantes, pouca ou nenhuma atenção foi dada à prática oral e vocabulário e a utilização
do áudio (atividade de listening) foi feita apenas como atividade rotineira e mecânica. Como
Rutherford (1987) enfatiza muito bem, o ensino de gramática tem sido considerado
sinônimo de ensino de língua estrangeira há 2.500 anos. E vinte e um anos depois vemos
que essa visão continua.

Mito: “Só se aprende inglês nos cursinhos”

No que se refere ao mito “só se aprende inglês nos cursinhos”, 24,55% dos participantes o
apontaram como uma das causas da não eficiência no ensino de inglês no Ensino
Fundamental. Segundo os alunos, este mito é propagado pela mídia e, hoje, está inserido
nas escolas, permeando todo o processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa neste
contexto. Autoras como Paiva (1997), Barcelos (1995), Silva (2001) e Coelho (2005)
também encontraram esse mesmo resultado em suas pesquisas.
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Perfil e formação dos docentes

Em relação ao perfil e formação dos docentes, 19,09% dos alunos acreditam que este
item seja um dos fatores responsáveis pela ineficiência no ensino de inglês no Ensino
Fundamental. Os participantes comentaram que os professores muitas vezes enfrentam
dificuldades na sua própria formação. São poucos anos de estudo da língua estrangeira de
uma forma mais densa. Ou se, por outro lado, os professores dominam a língua foi porque
buscaram essa formação fora das Universidades; por conseguinte, falta-lhes o
conhecimento teórico e até mesmo prático. Os alunos perceberam também, ao longo dos
estudos no Ensino Fundamental, uma incidência de professores sem a titulação mínima
exigida (graduação). Segundo Leffa (2001), isso deriva de um desequilíbrio, onde a procura
por docentes é maior do que a oferta de profissionais competentes.
E é de nosso conhecimento que a formação de professores é o alicerce
fundamental para melhoria da qualidade do ensino. Segundo os PCNs a formação de
professores de 5ª a 8ª série precisa ser revista, feita em nível superior nos cursos de
licenciatura. Entretanto, reconhecemos que a legislação sozinha não é capaz de garantir um
ensino de qualidade. Temos visto formarem-se especialistas em áreas do conhecimento,
sem reflexões e informações que dêem sustentação à sua prática pedagógica (Perrenoud,
1999; Mateus, 2002). Professores que são treinados e não formados, pois profissionais que
receberam formação reconhecem a necessidade da educação contínua apontada por Silva
(2000).
Conforme mencionado no referencial teórico deste trabalho, vários autores têm
mencionado a reflexão como principal instrumento para o desenvolvimento do professor
de língua estrangeira (Zeichner e Liston, 1996, Perrenoud, 1999). Como sugere Maza
(1997), o professor de hoje deve ser um profissional participativo, reflexivo, observador de
sua própria prática e da prática de seus colegas, ou seja, pesquisador. Ele não é mais um
modelo de detenção do saber, ele não apenas treina seus alunos. Ele precisa tornar-se o
facilitador da aprendizagem e sua principal função, em sala de aula, é dar significação ao
processo pedagógico.

Nas palavras de Palmer (1998):

Quando eu não conheço a mim mesmo, eu não posso saber quem são os
meus alunos. Eu os verei através de um vidro escurecido, nas sombras da
minha vida não examinada - e quando eu não puder vê-los claramente,
eu não poderei ensiná-los bem20.

Comunidade escolar

Por comunidade escolar entendemos que seja aquela que engloba diretores,
coordenadores, supervisores e professores de outras áreas. Para 15% dos participantes
desta pesquisa, esta comunidade se configura como um dos fatores causadores de
ineficiência no ensino de inglês durante o Ensino Fundamental. Segundo os alunos, a
comunidade escolar é uma das responsáveis por esta ineficiência porque menospreza a
20
Tradução feita pelas autoras deste artigo.
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disciplina língua inglesa e, por conseguinte, é responsável pelo que nos aponta Moita Lopes
(2002, p. 75): “mesmo quando não explicitadas para o aluno, estas mensagens tácitas
chegam a eles”.
Somos conscientes de que em nossos dias faz-se necessário que a maioria dos
cidadãos adquira o domínio de línguas estrangeiras como instrumento de vida. Porém,
paradoxal e infelizmente, observou-se, neste estudo, que esta consciência parece não ter
ainda despertado a comunidade escolar que, de acordo com os participantes, deixa aparente
a necessidade de uma maior ética interdisciplinar.

Ausência de hábito de estudo

Por fim, no tocante ao hábito de estudo, 12,73% dos alunos indicaram este item como
um dos responsáveis pela não eficiência no ensino de língua inglesa no Ensino
Fundamental. De acordo com os participantes, quase nenhum tempo é reservado em casa
para estudo. Segundo os PCNs se a aprendizagem não for uma experiência bem-sucedida,
o aluno construirá uma representação de si mesmo como alguém incapaz de aprender e o
aprendizado tenderá a se transformar em ameaça, então, a ousadia necessária se
transformará em medo, para o qual a defesa possível é a manifestação do desinteresse.
A tabela abaixo resume os fatores causadores da ineficiência no ensino de
inglês no Ensino Fundamental em Minas Gerais.

Tabela 1. Fatores causadores da ineficiência no ensino de inglês no Ensino


Fundamental na visão dos participantes em Minas Gerais: Itens mencionados,
turmas, número de respostas e correspondentes percentagens:
Itens mencionados como causa de Turmas
ineficiência A B C D total %
Práticas pedagógicas 23 16 9 15 63 28,64
Mito - só se aprende inglês nos cursinhos 3 12 19 20 54 24,55
Perfil e formação do docente 6 8 16 12 42 19,09
Comunidade escolar 7 12 7 7 33 15,00
Ausência de hábito de estudo 6 8 6 8 28 12,73
TOTAL
45 56 57 62 220 100

Considerações finais

Embora o conhecimento de línguas seja altamente prestigiado na sociedade, foi


possível concluir neste estudo que, para esta amostra, a língua inglesa, como disciplina, se
encontra deslocada da escola. A proliferação de cursos de idiomas é evidência clara para tal
afirmação. O ensino de línguas, como o de outras disciplinas, é a função da escola, mas os
resultados demonstraram que para os participantes desta pesquisa o ensino de inglês, tanto
na rede pública quanto na privada, foi ineficiente. Segundo Maza (1997), somos nós
professores de língua estrangeira co-responsáveis no processo que prepara o aluno para
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interagir com competência, segurança e criatividade no mundo globalizado e plugado pela


internet, onde a linguagem, atualmente, mais que a cultura, é o recurso mais relevante para
inserção do indivíduo como cidadão.
Esperamos que os resultados obtidos nesta pesquisa possam, de alguma forma,
contribuir para uma reflexão acerca da urgência de melhorias no ensino de língua inglesa,
tanto no âmbito público quanto no particular, não só no estado de Minas Gerais, mas nas
escolas brasileiras em geral.

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O VERBO DA LÍNGUA INGLESA GET E SEUS VÁRIOS SENTIDOS

Cândida Salete Rodrigues Melo


Mestre em Lingüística Aplicada -UECE – Universidade Estadual do Ceará

Resumo: Este trabalho tem por objetivo catalogar os vários sentidos do get em gramáticas
e dicionários de língua inglesa, analisá-los morfossintaticamente e observar como tais livros
trazem a palavra. A investigação tem como base a proposta de Selinker e Kuteva (1992) 21,
que levantam os vários sentidos da palavra, mostrando como os mesmos são relacionados.
Os resultados mostram que o material pesquisado traz os sentidos da palavra separados e,
muitas vezes, dispostos dos mais literais aos mais metafóricos. Algumas estruturas, no
entanto, não têm correspondentes em língua portuguesa, o que pode causar estranheza a
brasileiros, estudantes de inglês como língua estrangeira.
Palavras-chave: ensino – metáfora conceitual – get.

Abstract: This work has the aim to catalog the various meanings of get in English
grammars and dictionaries, analyze them in a morphologic and syntactic way and observe
how these books exhibit the word. The investigation has as basis Selinker & Kuteva
(1992)’s proposal in which they raise the various meanings of the verb, showing how the
relations among them happen. The results show that the investigated books bring the
meanings of the word separated and in some cases disposed from the most literal to the
most metaphoric one. Some structures, however, don’t have correspondents in Portuguese
language. This fact can cause strangeness to Brazilian students of English as a second
language.
Palavras-chave: teaching – conceptual metaphor – get.

Introdução

No presente artigo, faremos uma análise morfossintática do verbo da língua inglesa


get, baseada em informações retiradas de algumas gramáticas (português e inglês). Além
disso, observaremos alguns dicionários de língua inglesa, com o objetivo de ver se esse tipo
de banco de dados traz os vários sentidos da palavra investigada. O propósito da análise de
todos esses dados é obter informações sobre o uso do verbo estudado, apoiado na
investigação de Selinker & Kuteva (ibid) e tendo como base os princípios da metáfora
conceitual.

Estrutura morfossintática do get

A análise de algumas gramáticas de língua inglesa (Murphy, 1993; Mc. Carthy &
O’Dell, 1998; Redman, 1997; Swan, 1990; Eastwood, 1999; Hewing, 1999) nos mostrou
que apenas os livros especializados sobre o “uso” da língua trazem o verbo get como um
21
Selinker &Kuteva (1992) destacam, sob a ótica da Linguistica Cognitiva, as ligações e inter-relações
entre os vários sentidos da palavra polissêmica get , procurando dessa forma facilitar a aprendizagem
desse termo.
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ponto a ser estudado de maneira específica. Swan (1990) afirma que get é um dos verbos
mais comuns no inglês falado, embora sua freqüência na língua escrita se dê em menos
ocasiões. Para o autor, professores e estudiosos da língua acham que usar get na língua
escrita não é um bom estilo. Redman (1997) também menciona o uso deste como uma
estrutura mais comum na linguagem falada do que na escrita. Já Mc. Carthy & O’Dell
(1998), no capítulo de seu trabalho destinado ao get, põem o verbo como uma palavra
muito usada em língua falada, sem, porém, mencionar o uso na língua escrita. Outros livros
abordam a palavra estudada apenas mencionando definições e exemplos de usos.
Lingüistas aplicados (e.g. Lima e Araújo, 2005), de modo geral, hipotetizam que um
dos fatores que podem trazer problemas de uso da LE é a diferença existente entre sentido
e estrutura da língua estudada e a primeira língua do aprendiz. No caso particular do verbo
get, tal fato pode explicar a dificuldade dos brasileiros de produzirem enunciados com
verbos alternativos para cada situação em contexto que falantes nativos usariam o get.
Sentidos e estruturas morfossintáticas parecem estreitamente relacionadas, como defende a
Lingüística Cognitiva (Croft & Cruise, 2004; Givón, 2001).
Pesquisas recentes de Lima (2005) têm mostrado claramente que estruturas como
hunger for em inglês, ou “ter fome de”, em português, só aparecem em contextos
metafóricos, expressando desejo. Nesse sentido, nossa investigação passa pela análise dos
sentidos do get, conforme traçados por Selinker e Kuteva (1992), mas associada à estrutura
morfossintática coocorrente. Associar esses dois fatores pode contribuir de forma efetiva
para a produção de enunciados com get por aprendizes brasileiros, uma vez que
observações das diferenças e semelhanças de um e de outro com a língua portuguesa pode
indicar uma estratégia pedagógica mais direcionada a cada caso.
Além disso, verificar a freqüência de uso de cada sentido/estrutura na LI pode
auxiliar na escolha dos itens mais relevantes para fins instrucionais. Com o objetivo de
verificar essas questões, levantamos a estrutura morfossintática do verbo da língua inglesa
get em gramáticas e dicionários.
Para Swan (1990), a palavra tem quatro sentidos principais, o que corrobora o
mapeamento proposto por Selinker e Kuteva (1992), que traz a mesma quantidade de
sentidos mais literais e a partir dos quais derivariam aqueles mais metafóricos. Segundo o
autor, o primeiro sentido da palavra é o de “receber”, “obter”. Com esse sentido, o verbo é
usado com um objeto direto [e.g. I got a letter from Lucy this morning (Recebi uma carta de
Lucy essa manhã)]. Para Swan (ibid), o sentido exato da palavra em uma sentença (receber
ou obter), depende do contexto. Em português, os verbos “receber” e “obter”, assim como
na LI, são verbos também usados com objeto direto (Ferreira, 1988). Além disso, Houaiss
(2001) menciona a possibilidade de esses verbos serem também bitransitivos (e.g. Obteve-
lhe um emprego; Tocantins recebe do Araguaia suas águas na divisa do Pará), ou ainda, no
caso de obter, o verbo ser também pronominal (e.g. Os dois receber-se-ão no sábado).
O segundo sentido do get [e.g. aquele encontrado em get away from me (sair)], ainda de
acordo com Swan (ibid), seria aquele que sugere algum tipo de mudança ou movimento.
Aqui, a palavra pode ser usada com adjetivo [e. g She got dressed (Ela se vestiu)], infinitivo
[e.g. How did you get to be a driver, Jed? (Como você conseguiu ser um motorista, Jed?)],
particípio [e.g.How did the window get broken?( Como a janela se quebrou?)], preposição [e.g.
My waist size had suddenly increased and I could not get into my trousers any more. ( O tamanho da
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minha cintura aumentou inesperadamente e não pude mais entrar nas minhas calças
compridas)] ou partícula adverbial [e.g. Get away (Dê o fora)]
Para uma compreensão mais detalhada de cada estrutura do inglês, Swan (ibid)
mostra algumas diferenças que ocorrem no segundo sentido acima (mudança ou
movimento). Assim, quando a palavra vem acompanhada de uma partícula de movimento,
ou de uma preposição, o tipo de mudança referida é quase sempre um movimento [e.g.
Let's get back to Florence (Vamos voltar para Florença)]. Se get for seguido por um particípio
passado [e.g. broken (quebrado)], o sentido é muito similar ao da voz passiva e a palavra
age como um verbo auxiliar [e.g. that picture got damaged when we were moving (aquele quadro foi
danificado quando estávamos nos mudando)]. Em língua portuguesa, a voz passiva,
conforme Faraco & Moura (1995) mostram, é feita com a ajuda do verbo ser, que não
constitui sentido de get.
A respeito da passiva com o get, em língua inglesa, Eastwood (1999) também
menciona que o uso da palavra com essa estrutura emprega o verbo to be (ser/estar) [e.g.
lots of postmen were bitten by dogs (muitos carteiros foram mordidos por cachorros)]. O autor
cita que o uso do get com passiva se faz em situações informais e geralmente quando se
refere a algo que acontece por acaso ou inesperadamente. Murphy (1993) concorda com
Eastwood (ibid) com respeito a este uso de get, quando se trata de ação não planejada.
Hewings (1999), no entanto, afirma que o uso do get + passiva ocorre mais em discurso
informais em imperativos [e.g. Don’t get up about it (Não se incomode com isso)], e em
algumas frases tais como get married (case-se) [e.g. Where did you live before you got married?
( onde você morava antes de casar?)].
O terceiro uso do get, de acordo com Swan (1990), é aquele em que a palavra é
seguida por um objeto direto que, por sua vez, requer o uso de um adjetivo [e.g. I can’t get
my hands warm (Não consigo esquentar minhas mãos)], um infinitivo [e.g.Let’s get her to buy us
lunch (Vamos pedi-la para comprar almoço para nós)], um particípio [e.g. I must get my hair
cut (Devo cortar meu cabelo)] ou uma preposição ou partícula adverbial [e.g Please get you
elbow out of my stomach ( por favor tire seu cotovelo do meu estômago)]. O sentido da
palavra, com tais usos, envolve mudar. Segundo Hewings (1999), a utilização da estrutura
get + particípio passado ocorre quando queremos que alguém faça algo para nós [e.g.We got
the car delivered to the airport (Tivemos o carro entregue no aeroporto)]. Get, nesse padrão, é
normalmente usado apenas em conversação e escrita informal.
Quanto ao terceiro uso da palavra, nossa investigação nas gramáticas citadas, não
encontra exemplos de estrutura em língua portuguesa com tal emprego. Podemos, dessa
forma, inferir que tal prática cause estranheza e dificuldade de uso pelo grupo de
aprendizes mencionados.
O quarto e último sentido principal de get, sugerido por Swan (1990), refere-se ao
uso da forma de particípio passado da palavra (got). Com essa estrutura, got é usado em
algumas formas do verbo to have (ter), e refere-se a “posse”, “relacionamento” [e. g I’ve got a
cousin who lives in Athens (Tenho um primo que mora em Atenas)] ou, obrigação [e. g Have
you really got to go? (Você tem mesmo que ir?)]. Ainda, segundo o autor, a estrutura have + got
é usada também no inglês americano, mas em outra estrutura. Na língua falada por
americanos, o particípio passado de get é gotten [e.g.She’s finally gotten her brakes fixed (Ela
finalmente teve seus freios consertados)].
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Hewing (1999) menciona que alguns verbos são raramente ou nunca usados com
um pronome reflexivo em inglês, embora verbos correspondentes em outras línguas o
sejam. Dentre as palavras que o autor mostra, o get aparece em get up (levantar), get hot
(esquentar) e get tired (cansar). [e. g She got up late (Ela levantou cedo), It’s getting hot (Está
esquentando), He got tired, yesterday ( Ele ficou cansado ontem)]. Em língua portuguesa, de
acordo com Houaiss (2001), alguns verbos podem ser usados na estrutura pronominal, que
equivalem ao uso reflexivo mencionado por Hewing (ib) (e.g. No verão, o sol se levanta bem
cedo; venha e esquente-se perto da lareira; e pessoas asmáticas cansam-se demais).
Ainda, no que se refere ao get, o verbo conta com outros usos, como mencionado
por Murphy (1993). Um deles é a estrutura get + used to, que tem o sentido de algo que não
é estranho para alguém, ou seja, a pessoa está acostumada com algo. [e.g. Our new apartment
is on a very busy street. I suppose we’ll get used to the noise. (Nosso novo apartamento é em uma rua
muito barulhenta. Suponho que iremos nos acostumar com o barulho).
O autor salienta ainda que a palavra to da estrutura seja uma preposição e não parte
do infinitivo como em I want to play tennis (Quero jogar tênis). Em língua portuguesa, de
acordo com Houaiss (2001), o verbo acostumar-se (que é usado onde em inglês se utiliza
get used to) é um verbo que pode ser transitivo direto, indireto, bitransitivo e pronominal
(e.g. O luxo e a riqueza acostumaram-no; desde cedo acostumou os filhos ao trabalho; e não
tardou a acostumar-se com o ambiente).
Outros usos dizem respeito aos verbos frasais (verbo + partícula), dentre os quais o
get pode ser usado com on [e. g The bus was full. We couldn’t get on ( O ônibus estava tão cheio
que não conseguimos entrar)] ou up [e.g. I was so tired this morning that I couldn’t get up (Estava
tão cansado essa manhã que não conseguia levantar)]. Nesses exemplos, as palavras on e up
dão um sentido especial ao verbo. No caso do up, para cima e on, para dentro. Nossa
investigação em gramáticas encontrou verbos, em português, cujos complementos são
encabeçados por objetos indiretos, isto é, necessitam de uma preposição antes de seu
complemento (e.g. Escrever aos pais). A falta dessa preposição pode prejudicar o sentido ou
a correção do contexto, como o verbo assistir a seguir: assistir o paciente (sem preposição,
seguido por um objeto direto, como sentido de socorrer); ou assistir ao filme (com
preposição, significando presenciar), (Bechara, 1978).
Dicionários, como, por exemplo, Merriam – Webster Online Dictionary, trazem,
além dos muitos sentidos de get, a etimologia da palavra. O termo, que surgiu na idade
média, é originário do Old Norse geta, que se transformou em get ou beget e é também similar
ao inglês antigo que parte de bigietan a beget. No latim, a palavra tem origem em prehendere
com o sentido de seize (pegar) e grasp (agarrar). Já no grego, o termo é proveniente de
chandanein, com o sentido de hold (segurar), contain (conter). Uma observação da etimologia
da palavra estudada nos fez perceber que a mesma era utilizada com os sentidos mais
literais (segurar, pegar, agarrar).
Além da etimologia, observamos também como os dicionários (e.g. Oxford
Advanced Learner’s) trazem a palavra pesquisada. Tagnin(1977), em um estudo sobre os
sentidos de get, menciona a falta de preocupação de autores, na abordagem tradicional, em
agrupar os vários sentidos das palavras em dicionários. Mas, dicionários modernos como
MacMillan English Dictionary for Advanced Learners traz palavras polissêmicas como get
separadas em entradas. Os sentidos aparecem com ordem que vem dos mais literais aos
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mais metafóricos.
Na observação de alguns dicionários, concluímos que os mesmos trazem os
sentidos da palavra, geralmente seguindo a seguinte ordem: o primeiro sentido que surge é
o de, receive (receber) ou obtain (obter); depois, aparece reach or bring to a particular state or
condition (alcançar ou trazer a um estado ou condição particular); em seguida, get aparece
significando make something happen (fazer algo acontecer); além dos sentidos já mencionados,
temos os de reach to the point where one does something (chegar ao ponto onde alguém faz algo),
move or cause to move (mover ou causar movimento).
Os dicionários apresentam ainda outros sentidos da forma verbal, mostrando
que a maioria das variações se dá quando o verbo vem acompanhado de uma partícula
modificadora de sentido, os chamados phrasal verbs (verbos frasais). Essa variedade de
combinações ocorre entre verbos e preposições ou advérbios, ou ambos, para formar um
novo verbo, com um significado que é diferente daquele da palavra simples. Um exemplo
de uma construção desse tipo está em get over (recuperar de uma enfermidade) em que get
une-se a uma preposição over para ter seu sentido modificado. Tal modificação, entretanto,
não parece ser arbitrária como estabelecido pela visão tradicional, mas motivada por
metáforas subjacentes, como mostra trabalhos como os de Lindstromberg (1996) e
Hodgson (2004), entre outros.

Considerações Finais

A investigação do verbo da língua inglesa get em gramáticas e dicionários nos


mostrou, dentre outros aspectos, que a palavra se dá com mais freqüência em linguagem
falada. Observamos também que alguns usos não trazem correspondentes em língua
portuguesa o que pode causar dificuldade de uso por brasileiros, aprendizes de inglês como
língua estrangeira. Com relação a dicionários, percebemos que os mais modernos trazem os
sentidos separados em entradas que são organizadas dos mais literais aos mais metafóricos.

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CENAS DE UMA EDUCAÇÃO CRISTÃ: ABREM-SE AS CORTINAS – A


DIALÉTICA DAS LINGUAGENS EM UM PERCURSO ENCANTADOR.

Charles Dutra de Freitas


Graduado em Normal Superior Anos Iniciais
Pós-Graduado em Aquisição da Linguagem Escrita – Alfabetização
Instituto Superior de Educação CERES - São José do Rio Preto-SP
Professor do Ensino Fundamental – séries iniciais – Colégio Objetivo de Icém –SP

Resumo

Por meio desse trabalho, buscou-se apresentar os aspectos teóricos e práticos de uma
práxis pedagógica cristã mediada pela educação visual e estética. Inicialmente,
descreveremos a importância da educação cristã nos movimentos da Reforma Protestante e
Contra-Reforma, na seqüência as definições de educação estética, educação visual e o
processo de desleitura de textos. Para tanto, fundamentou-se em diversas pesquisas de
vários autores como Lessa, Bloom, Dondis entre outros. A partir dessas conceituações,
buscou-se, por meio de uma prática consciente utilizar recursos estéticos como um meio
para proporcionar uma aprendizagem mais significativa, no qual levarão os aprendizes a
expressarem seus talentos, imaginação e a aquisição do conhecimento por uma práxis
diferenciada. O foco central do nosso trabalho foi observar como as diferentes linguagens
(teatro, música, literatura, pintura, entre outros) podendo enfim possibilitar uma mediação
entre o sujeito e o ensino/aprendizagem cristão, portanto, proporcionando cenas de uma
educação cristã com maior eficácia na ação didática.
Palavras chaves: cristianismo; dialética; linguagens;

Abstract
Through this work, trying to provide theoretical and practical aspects of a
pedagogical practice Christian mediated by the visual and aesthetic education. Initially,
describe the importance of education in Christian movements Protestant Reformation and
Counter-Reformation, in the sequence the definitions of aesthetic education, visual
education and the process of reading of texts. For both, was based on several searches of
several authors such as Read, Vygotsky, Lessa, Bloom, Dondis, Luzuriaga among others.
From these conceptualizations, trying to, through a practice conscious aesthetic use
resources as a means to provide a more meaningful learning, which will lead the
apprentices to express their talent, imagination and the acquisition of knowledge by a
different practice. The central focus of our work was to observe how the different
languages (theatre, music, literature, painting, among others) may finally allow a mediation
between the subject and teaching / learning Christian, therefore, providing scenes of a
Christian education more effectively in didactic action.
Index Terms: christianity; dialectic; languages;
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Introdução

Para maiores esclarecimentos e que possamos conduzir o fio do conhecimento do


nosso trabalho, achamos pertinente e relevante deixar claro que nossa intenção não é
levantar nenhuma hipótese teológica e afirmação de fé. No entanto, queremos esclarecer a
importância da educação cristã em nossa pesquisa. Bloom leva-nos a um convite de
fazermos uma desleitura das obras, para ele, em síntese, o educador que passa a olhar
diferente em outros horizontes poderá adquirir novos conhecimentos.
Essa constatação atina para a necessidade de agirmos de maneira mais efetiva diante
dessa dicotomia, que representa, por um lado o papel dos pressupostos na Educação Cristã
(chamamos de pressupostos da Educação Cristã o conjunto de crenças, premissas e pré-
convicções que criam avenidas pelas qual o entendimento, o conhecimento e o
aprendizado se processam) e do outro a possibilidade de melhorar o currículo da educação
cristã fazendo o dueto entre as linguagens.
Para Dondis, a experiência visual humana é fundamental no aprendizado para que
possamos compreender o meio ambiente e reagir a ele; a informação visual é o mais antigo
registro da história humana. As pinturas das cavernas representam o relato mais antigo que
se preservou sobre o mundo tal como ele podia ser visto há cerca de trinta mil anos.
Ambos os fatos demonstram a necessidade de um novo enfoque da função não somente
no processo, como também daquele que visualiza a sociedade.
A necessidade desse trabalho fora a preocupação do autor, sendo professor de
educação cristã numa instituição religiosa, visou a mudar suas práticas pedagógicas e olhar
o currículo com novos olhares.

1. Atrás das coxias sagradas – a educação cristã em cena.

Neste princípio será exposta à importância da educação cristã nas instituições


religiosas e seu percurso diante da história, percursos esses que ocorreram nos movimentos
da Reforma Protestante e Contra-Reforma. Para tanto, é de suma importância enfatizar
que, ao longo da história, expoentes da teologia reformada têm enfatizado a importância da
mesma.
Desde o seu precursor, Agostinho, que escreveu ‘De Doctrina Christiana’, que foi
um trabalho que focalizou a importância e os métodos de educação dos reformadores
propriamente ditos. Entretanto, nosso foco principal será extrair com base nas teorias da
Reforma Protestante e Contra-Reforma princípios válidos para a educação cristã em nossa
sociedade religiosa.
Na seqüência, será exposta a importância da educação estética mediando à práxis
pedagógica envolvendo o estudo da linguagem visual e o estudo da desleitura dos textos,
proporcionados por Dondis e Bloom.
Lutero começou a criticar pontos vitais da doutrina católica, no ano de 1517, ele
censurou a venda de indulgências e outras práticas da igreja na obra ‘As 95 Teses’. Esta
escrita em alemão ganhou popularidade e chegou ao conhecimento dos clérigos católicos,
estava então iniciando o Movimento da Reforma Protestante.
Esse movimento resultou na divisão da Igreja do Ocidente, isto é, entre os católicos
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romanos de um lado e os reformados ou protestantes de outro. João Calvino fundou em


Genebra a ‘Academia Cristã’, uma instituição de ensino superior, demonstrando, mais uma
vez, a importância da educação e o seu papel chave na libertação do homem sobre a
opressão do pecado e de seu intelecto, como já diziam alguns escritores.
Proposto tal afirmação Lessa destaca que “a reforma do Século XVI foi, antes de
tudo, um verdadeiro despertamento religioso, que repercutiu até no seio da Igreja Romana,
promovendo a Contra-Reforma e melhorando a condição moral do Papado, fato esse por
todos reconhecido. Lutero e Melanchton na Alemanha, Zwinglio e Calvino na Suíça e João
Knox na Escócia são tidos como principais reformadores. Eram vultos de cultura,
humanistas e teólogos, homens de coragem, de ação e de fé, que arriscaram suas vidas pelo
ideal de uma igreja firmada nos sãos princípios do Cristianismo; homens piedosos e de
moral austera, a despeito do zelo de adversários, que tentam atrair sobre eles o ódio
universal” (LESSA, n/d, p. 9).
A apologia de Lutero caracteriza bem a importância da história pessoal de cada um
para a causa reformadora, ele não era nenhum fundador de um império, ele era um monge
em busca da sua salvação. Cotrin revela que se “iniciou uma longa discussão entre Lutero e
o Vaticano, que culminou com o Papa excomungando-o em 1520. Apesar da excomunhão
papal, Lutero fez com que suas idéias repercutissem rapidamente. Estava iniciado o
movimento protestante” (1988 p. 178).
A reforma religiosa é parte do grande movimento Humanista da Renascença (é a
sua aplicação à vida religiosa). Vale ressaltar que Humanismo22 e a Reforma coincidem,
assim em muitos pontos e divergem noutros. O Humanismo tem caráter antes intelectual e
estético, enquanto na reforma predomina o aspecto ético e religioso.
O primeiro busca inspiração nos clássicos gregos e latinos, enquanto a última o faz,
sobretudo na bíblia, conforme Cotrin atesta que “a igreja sem dúvida, foi a grande
instituição da Idade Media, não estava preparada para dominar aquele estado de coisas, e,
por conseguinte, não foi capaz de reestruturar a sua filosofia religiosa, adequando-a as
novas exigências da época. Isto gerou um inconformismo religioso, que provocou, em
certos casos, o aparecimento de outras seitas cristãs. “Segundo eles, a igreja havia se
distanciado da doutrina de Cristo, esquecendo-se de sua finalidade religiosa, para tornar-se
uma instituição estatal com o objetivo inteiramente político e econômico” (COTRIN,
1988, p. 178).
Enfim, com todas essas inovações e a libertação da consciência e da linguagem
humana para o estudo direto das escrituras, a educação passa a ter um valor religioso
especial para os reformadores, pois ela passa a ser considerada o meio, por excelência, para
a divulgação do evangelho e da expansão das idéias reformadas.
Porém, a igreja Católica Apostólica Romana preocupada com as idéias protestantes
pelo continente europeu vê-se obrigada a rever as suas próprias instituições para enfrentar
as mudanças que estavam ocorrendo na sociedade. Tal afirmação pode ser comprovada por
Cotrim ressaltando que “para estabelecer o movimento da Contra-Reforma, o Papa Paulo
III convocou um Concílio que se reuniu na cidade de Trento, na Itália. O Concílio de
22
A partir dos séculos XIV e XV, a Renascença foi um período de inúmeras descobertas e provocou um tipo
diferente de educação chamada Humanista, cujo ideal era formação da personalidade humana, em
contraposição à vida monástica. No campo da plástica e das artes, o período renascentista chamou-se
Renascença e, no campo pedagógico, filosófico e literário, chamou-se Humanismo.
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Trento condenou a doutrina protestante e reafirmou, totalmente, a doutrina da igreja.


Elaborou uma lista de livros proibidos a todos os católicos e estimulou as atividades do
Tribunal da Inquisição, que perseguia e condenavam todos aqueles que se opunham à
autoridade religiosa da igreja. No campo educacional, o Concilio recomendou a criação de
seminários para a formação de sacerdotes. Surgiram varias ordens religiosas com a
finalidade de combater as idéias protestantes e divulgar as determinações do Concilio”
(COTRIM, 1988, p. 180).
A difusão da Reforma Protestante na Europa obrigou a Igreja Católica a sair-lhe ao
caminho, para isso, contavam com duas opções: uma a luta direta ou outra, a reforma
interna da própria igreja. Assim surgiu a Contra-Reforma que durou uns dois séculos, um
dos seus órgãos de ação foi a Companhia de Jesus (em latim, Societas Iesu, abreviadamente
S. J.), cujos membros são conhecidos como jesuíta, é uma ordem religiosa fundada em
1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados pelo basco Ínigo
López de Loyola (Santo Inácio de Loyola). É hoje conhecida principalmente por seu
trabalho missionário e educacional.
Todavia, com o advento do conhecimento científico no período do Renascimento,
aproximadamente entre os séculos XV e XVI (anos 1400 e 1500) que, segundo alguns
historiadores, os seres humanos retomaram o prazer de pensar e produzir o conhecimento
através das idéias.
Aparece enfim, a vida, os enlaces do conhecimento, o homem em sua essência é
aquilo que lê, defendemos, juntamente com Bloom23 que a leitura é uma desapropriação,
contudo “todo ato de leitura é um exercício de tardividade; todavia, esse mesmo ato é
também defensivo, e como defesa, ele faz da interpretação uma necessária desapropriação”
(1991, p.106).
No contexto dessa teoria da influência, toda leitura é uma desleitura que desloca a
obra anterior pela nova, e o poeta precisa ser suficientemente forte para poder desler o
passado de modo a criar a ilusão de que ele mesmo é o “precursor de seus precursores”,
uma paradoxal inversão que, segundo Bloom, ocorre no derradeiro momento da dialética
da influência.
Há uma necessidade de sairmos do nosso processo de comodismo que por muitas
vezes somos escravos da nossa própria ignorância, da heresia, isto é, uma leitura forte não
diz: “isto pode significar aquilo, ou então aquilo pode significar isto, não existe isto ou
aquilo para ela” (BLOOM, 1991, pg. 135).
Entre os elementos acima mencionados, Bloom cita em sua obra ‘Cabala e Critica’
(1991) a autoridade de São João, este que levado para Ilha de Patmos preso por declarar sua
fé tem a grande revelação do misterioso livro bíblico o ‘Apocalipse’. Tanto São João,
Malaquias e João Batista vão predizer o futuro em seus textos usando da autoridade
literária bíblica, portanto, “a representação proléptica é o recurso retórico inevitável de
todo discurso canonizante, o que significa que todo estabelecimento de cânon deve ser
feito à custa da presença do momento presente” (BLOOM, 1991, p. 109).
23
Harold Bloom (Nova Iorque, 11 de julho de 1930) é um professor e crítico literário estadunidense. O
professor ficou conhecido como um humanista porque sempre defendeu os poetas românticos do século
XIX, mesmo num tempo em que suas reputações eram muito baixas. Bloom é autor de diversas teorias
controversas sobre a influência da literatura além de um defensor ferrenho da literatura formalista (a arte pela
arte), em oposição a visões marxistas, historicistas, pós-modernas, entre outras.
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Dialogando com a autoridade e a canonização do texto, isto é, deslendo os


mesmos, significa mais do que a interpretação de um texto, porém, consiste em
desapropriá-lo do autor, salvo se, “a tese de que a canonização é a forma final ou
transuntiva do revisionismo literário e, assim, sou compelido a recapitular parte do que
disse a propósito dos processos revisionários” (BLOOM, 1999, p. 110), ou seja, os leitores
esquartejam os textos, fazendo uma leitura periférica dos mesmos,
A percepção é uma das primeiras atividades que tomam parte do processo leitor e a
forma mais especifica da percepção visual, ou seja, aprendemos a ler com o poder do olhar,
além disso, podemos apropriar-se das idéias de Dondis: “a experiência visual humana é
fundamental no aprendizado para que possamos compreender o meio ambiente e reagir a
ele; a informação visual é o mais antigo registro da historia humana. As pinturas das
cavernas representam o relato mais antigo que se preservou sobre o mundo tal como ele
podia ser visto há cerca de trinta mil anos. Ambos os fatos demonstram a necessidade de
um novo enfoque da função não somente no processo, como também daquele que
visualiza a sociedade (DONDIS, 1996, p. 7).
O alfabetismo visual é o estudo das partes com vistas à compreensão da forma
inteira, portanto, concedendo uma autonomia para leitura e expressão, uma ampliação da
visão, um olhar arregalado. Visto que, imagem (do latim imago) significa representação
visual de um objeto. Em grego antigo corresponde ao termo ‘eidos’, raiz etimológica do
termo Idea ou Eidea, cujo conceito foi desenvolvido por Platão. A teoria de Platão, o
idealismo, considerava a Idea (ou idéia) da coisa, a sua imagem, como sendo uma projeção
da mente. Aristóteles, pelo contrário, considerava a imagem como sendo uma aquisição
pelos sentidos, a representação mental de um objeto / objeto real, fundando a teoria do
realismo.

2. O Coro – apresentação da dialética: da teoria a práxis, da pesquisa a ação...

Conceituamos práxis, do grego πράξις, é o processo pelo qual uma teoria, lição ou
habilidade é executada ou praticada, convertendo-se em parte da experiência vivida. Na
Sociologia, pode ser resumida como as atividades materiais e intelectuais exercidas pelo
homem que contribuem à transformação da realidade social.
Teoria não possui uma única definição, do grego θεωρία ,o substantivo grego
‘theoría’ significa ação de contemplar, olhar, examinar, especular e, também, vista,
espetáculo. Também pode ser entendido como forma de pensar e entender algum
fenômeno a partir da observação.
Enquanto que, no ensino, uma lição é apenas absorvida a nível intelectual no
decurso de uma aula, as idéias são postas à prova e experimentadas no mundo real,
seguidas de uma contemplação reflexiva. Desta maneira, os conceitos abstratos ligam-se à
realidade vivida, conforme Pimenta comenta que “o objeto da atividade prática é a
natureza, a sociedade ou os homens reais. A finalidade dessa atividade é a transformação
real, objetiva, do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana.
E o resultado é uma nova realidade, que subsiste independentemente do sujeito ou dos
sujeitos concretos que a engendram com sua atividade subjetiva, mas que, sem dúvida, só
existe pelo homem e para o homem como ser social”. (2001, p. 90).
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A práxis é usada por educadores para descrever um panorama recorrente através de


um processo cíclico de aprendizagem experimental, como no ciclo descrito e popularizado
por Vásquez e Pimenta. Para os autores a atividade docente é sistemática e científica, na
medida em que toma objetivamente (conhecer) o seu objeto (ensinar e aprender) é
intencional, não-casuística (PIMENTA, 2001, p. 83).
Enfim, a atividade docente é práxis, isto é, a atividade (prática) do professor, é
quando o educador consegue garantir que o conhecimento se realiza em conseqüência da
atividade de ensinar, vamos tomar a conceituação de Adolfo S. Vásquez e Álvaro Vieira
Pinto, citado por Pimenta, cita que para Marx a práxis “é a atitude (teórica-prática) humana
de transformação da natureza e da sociedade. Não basta conhecer e interpretar o mundo
(teórico), é preciso transformá-lo (práxis). Conforme Vásquez, a relação teoria e práxis é
para Marx teoria e prática; prática na medida em que a teoria, como guia da ação, molda a
atividade do homem, particularmente a atividade revolucionária; teoria, na medida em que
essa relação é consciente” (2001, p. 86).
O educador necessita pensar que o ensino-aprendizagem dele tem que ser
compreendido pelos seus aprendizes, que a atividade docente é sistemática e científica, isto
é, ensinar e aprender. Necessita responder à seguinte questão, o que vou possibilitar aos
meus alunos para eles aprenderem o meu conteúdo? Nestes aspectos, entram em cena os
protagonistas dessa peça: a didática e o currículo.
O conceito de dialética, porém, é utilizado por diferentes doutrinas filosóficas e, de
acordo com cada uma, assume um significado distinto. Para Platão, a dialética é sinônimo
de filosofia, o método mais eficaz de aproximação entre as idéias particulares e as idéias
universais ou puras. É a técnica de perguntar, responder e refutar que ele teria aprendido
com Sócrates (470-399).
Na pedagogia dialética, a unidade entre teoria e prática é fundamental, na qual a
pedagogia é a atividade teórica (conhecer e estabelecer finalidades) e a educação é a
atividade prática (práxis). Assim, nesse arcabouço teórico podemos, citar Pimenta, que
pensa: “trata-se de um pensamento que questiona a partir do horizonte de atuação do
educador e sempre o considera como um dos momentos fundadores da situação educativa.
Portanto, não se dirige de fora à pratica educacional, nem atribui ao educador a
casualidade e irracionalidade de suas decisões, mas lhe faculta um entendimento da
responsabilidade contida em sua atuação, tornando-o apto a decidir na medida em que está
consciente da respectiva situação educacional” (2001, p.100).
Quanto à pesquisa-ação como qualquer outra necessita de fases ou ciclos como:
planejar, planejar-se o que planejar, começa-se a planejar, monitorar-se o progresso do
plano e avalia-se o plano antes de ir adiante para implementá-lo. Primeiro, em termos de
desenvolvimento profissional e organizacional, a pesquisa-ação é mais eficiente quando ela
se expande como uma rede (vertical e horizontalmente) por toda a organização, embora
minha experiência indique que isso poucas vezes se consegue (Tripp, 2005, p. 455).
A nossa pesquisa-ação surgiu da necessidade de ensinar os alunos de uma
instituição religiosa por meio de estratégias didáticas que lhes despertasse maior interesse,
atenção e lhes possibilitasse uma melhor interpretação dos textos que, antes, eram
apresentados de maneira tradicional.
É importante oferecer para o educando a possibilidade de trabalhar a pluralidade,
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utilizando todos os recursos que dispomos, já que não vemos com facilidade essas
atividades sendo realizadas no meio da educação cristã.
Partindo desse princípio, desenvolvemos e realizamos um projeto em uma
Instituição Religiosa, denominada ‘Igreja Morada do Altíssimo’, para alunos do Grupo
Missionário de Crianças, com idade entre sete e nove anos.
Para a elaboração do nosso plano de ensino, utilizamos às leituras de Read (2001),
Buoro (2001), Bloom (1991), Dondis (1996), Gardner (1999), Vigotski (1998-2003) Freitas
(2006) e Braga (2006), pois necessitávamos de autores que viessem ao nosso encontro
embasando nossas leituras. Queríamos uma pesquisa diferente usando a educação cristã
juntando a educação estética que pouco se vê em igrejas que utilizam a estética para ensinar
seus dogmas e sofismas.
A estruturação do plano de ensino foi embasada na proposta de Dondis, que define
“A experiência visual humana é fundamental no aprendizado para que possamos
compreender o meio ambiente e reagir a ele; a informação visual é o mais antigo registro da
história humana”. (DONDIS, 1996, p. 7).
A partir disso, começou-se a pensar nas estratégias para que tal educação pudesse
concretizar com êxito, estabelecendo os objetivos de forma clara: fazer o dueto entre as
linguagens (textos religiosos, textos literários, arte, música, teatro e linguagem visual).

Observações finais

A proposta de realizar a pesquisa-ação em uma área teológica envolvendo diversos


tipos de linguagens superou a expectativa do resultado. Tudo era desfavorável ao nosso
alcance: uma turma pequena, uma igreja pequena, sem recursos, mas pelo amor a arte;
conseguimos superar nossas adversidades e provar que realmente podemos usar vários
estilos de linguagem dialogando com teorias teológicas.
Depois de finalizado todas as etapas da nossa pesquisa, foram-lhe perguntados: ‘O
que melhorou nas aulas depois que começamos a fazer o projeto?’, respostas positivas
obtiveram como os desenhos, colagem, as próprias atividades, isto é, a práxis, a prática
docente melhorou em muito para os alunos.
O intuito maior de nosso trabalho era essa dificuldade em que estávamos passando
em sala de aula. Queríamos algo inovador, que fizéssemos à diferença na escola bíblica. O
desejo de colocarmos os alunos em situações de reflexões e não só um bombardeio
teológico.
Saímos da caverna de Platão, quando o mesmo cita homens prisioneiros na caverna
relembramo-nos a condição em que está a educação cristã perante o saber, isto é, saberes
fechados, restritos a poucas pessoas que almejam alçar vôo com seus alunos.
Neste percurso percebemos que o objetivo geral da educação cristã é desenvolver o
individuo e que o ser humano sendo diferente de todas as espécies, possui sua
singularidade e o papel principal da educação estética é esse o de desenvolver a
singularidade, proporcionando o crescimento do que é singular no ser humano em
harmonia com o social.
Almejamos que este percurso investigativo que fizemos, possa oferecer-se e
contribuir a todos educadores em educação cristã possam estar dispostos a olhar: o
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processo educativo, os aprendizes, os planos de aula e de ensino, as salas de aulas com


outros olhares, um olhar além do real, do inusitado, da verdade...
O olhar do educador tem que está disposto a oferecer aos educandos um ensino
que promova o dueto entre as linguagens existentes na arte e em sala de aula, a criar e
recriar e tecer teias do saber e da autonomia.

Referências

BLOOM, H. Cabala e Crítica. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda, 1991.


COTRIM, G.; PARISI, M. Fundamentos da Educação. São Paulo: Saraiva, 1988.
DONDIS, A. D. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
LESSA, V. T.Calvino (1509-1564) Sua vida, Sua obra. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana São Paulo: n/d.
PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores. São Paulo: Editora Cortez, 2001.
TRIPP, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. São Paulo: Educação e Pesquisa,
V.31, nº3, p. 443-466, set/dez 2005.
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CONHECIMENTOS PRÉVIOS E PRÁTICAS LEITORAS


DE ALUNOS DA 5ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL

Cristiane Malinoski Pianaro Angelo


Docente do Dep. de Letras/ UNICENTRO- PR
Valter Sávio Roesler
Docente do Colégio Estadual Ambrósio Bini, Almirante Tamandaré, PR

Resumo: Este trabalho constitui-se a partir da verificação de leitura de dois textos, feita
por alunos do Ensino Fundamental (5ª série) em duas escolas localizadas no município de
Prudentópolis-Paraná, uma na área central da cidade e outra na área rural. A pesquisa
objetiva diagnosticar a competência leitora desses alunos. Também, tem a intenção de
verificar o papel dos conhecimentos prévios na construção dos sentidos na leitura.
Palavras-chave: leitura; concepção interacionista; conhecimentos prévios.

Abstract: This article reports the reading of two texts made by students of an primary
education (fifth level) in two schools in the municipality of Prudentópolis-Paraná- Brazil,
one in downtown Prudentópolis and other in the rural area. The investigation has as
purpose to diagnose the reading competence of these students. It also has the objective to
investigate the paper of previous knowledge in the building of the senses in the reading.
Key-words: reading; interactive conception; previous knowledge.

1 – Concepções de leitura

A leitura tem sido estudada e descrita a partir de diferentes teorias, o que gera uma
diversidade de concepções. A leitura pode ser concebida como “captação” do significado
do texto. Nessa concepção, o texto é o elemento primordial da leitura, pois nele está toda a
essência do conhecimento e as informações necessárias para que haja a compreensão do
escrito. Assim, o leitor não é concebido como sujeito ativo, cabendo a ele somente extrair
as informações já prontas e acabadas.
O ato de ler também pode ser entendido como forma de atribuição de significado
às palavras escritas (Goodman, 1987; Smith, 1999). Ao contrário da primeira concepção, a
atribuição de sentido coloca o leitor como a fonte do conhecimento. A qualidade do texto
é considerada menos importante que o repertório de conhecimentos que o leitor adquire
em sua trajetória de vida e traz para a leitura.
Essas duas concepções têm sido alvo de muitas críticas, visto que, ao privilegiarem
ora o papel do texto ora o papel do leitor, acabam por oferecer uma visão muito limitada
acerca da leitura. Dessa forma, diversos autores vêm abordando a leitura como um
processo interativo (Kleiman, 1989; 1996; Kato, 1990; Leffa, 1996). Nessa concepção, o ato
de ler passa a ser visto como um processo que integra tanto as informações da página
impressa – um processo perceptivo – quanto as informações que o leitor traz para o texto
– um processo cognitivo. Isso implica reconhecer que o significado não está nem no texto
nem na mente do leitor; o significado torna-se acessível mediante o processo de interação
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entre leitor e texto, não mais um produto de leitura que se centra num só dos participantes:
o texto ou o leitor.
Para que a interação leitor e texto seja o mais produtiva possível, é preciso que o
leitor desenvolva uma série de estratégias, “que envolvem a presença de objetivos a serem
realizados, o planejamento das ações que se desencadeiam para atingi-los, assim como sua
avaliação e possível mudança” (Solé, 1998, p.70). Nesse sentido, se o leitor processa o
texto é porque tem alguma meta a ser alcançada e é a partir desta que faz previsões sobre o
conteúdo do texto, seleciona as informações mais relevantes, inferencia – baseando-se nas
informações proporcionadas pelo texto e nos seus conhecimentos prévios – confirma ou
refuta as previsões e inferências antes mencionadas, retrocede na leitura a fim de resolver
possíveis dúvidas. É o que nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998) denomina-
se de estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação.
Autores como Dell’Isola (1996) e Moita Lopes (1996) adicionam o componente
social na atividade de interação. Para eles, a leitura é numa prática social, porque leitor e
autor revelam na leitura marcas da individualidade e do lugar social de onde provêm.
Dell’Isola (1996) aponta a leitura como ato de co-produção do texto. Isso porque o texto
nunca está acabado, pois apresenta espaços lacunares que serão preenchidos de acordo
com as condições sociais, ideológicas, culturais, históricas e afetivas do leitor. Moita Lopes
(1996) chama a atenção para o fato de que há relações de poder implícitas no uso da
linguagem. Assim, ao interagir com o texto, o sujeito leitor deve adquirir uma postura
crítica para questionar determinadas “verdades” veiculadas no texto e, consequentemente,
certos aspectos da realidade.
Portanto, a leitura, enquanto interação, envolve elementos diversos, incluindo não
apenas o texto (forma e conteúdo), mas também as características do sujeito leitor (seus
conhecimentos prévios, seus objetivos, suas estratégias, suas opiniões, suas crenças) e o
contexto social que envolve o leitor, o texto e o momento de produção da leitura.

2 – O conhecimento prévio na leitura

Em seu significado tradicional, conforme vimos, o ato de ler é interpretado como


uma forma de decifrar os signos gráficos a partir do conhecimento que o indivíduo tem do
sistema de uma língua. Atualmente, compreende-se a leitura como um processo que
abrange também os conhecimentos trazidos pelo leitor. Colomer e Camps (2002)
descrevem e agrupam em dois itens os conhecimentos prévios que o leitor utiliza no
momento da leitura: os conhecimentos sobre o escrito e os conhecimentos sobre o mundo.
Os conhecimentos sobre o escrito envolvem o conhecimento da situação
comunicativa e os conhecimentos sobre o texto escrito. O primeiro está relacionado ao
tipo de interação social proposta pelo autor do texto, isto é, ao conhecimento de quem está
propondo a comunicação, com que objetivo, em que tempo e em que espaço. O
conhecimento da situação comunicativa particular dá ao leitor a possibilidade de confrontar
seu próprio objetivo de leitura com o do autor.
Já os conhecimentos sobre o texto escrito abrangem as noções dos recursos
paralingüísticos (por exemplo, o conhecimento das convenções na separação de palavras,
orações e parágrafos), as relações grafofônicas (ou seja, a capacidade de análise das letras e
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sua relação com os sons), bem como os conhecimentos morfológicos, sintáticos e


semânticos, os quais possibilitam a identificação das categorias lingüísticas, ou seja,
permitem ao leitor distinguir sujeito, predicado, verbo, adjetivo e a significação de palavras
polissêmicas. Segundo Kleiman (1989), o conhecimento lingüístico desempenha um papel
importante para o leitor no entendimento do texto, pois objetiva agrupar as palavras em
unidades maiores, também significativas, chamadas constituintes das frases.
Ainda no nível dos conhecimentos sobre o texto escrito, Colomer e Camps (2002)
citam os conhecimentos textuais, aquilo que o indivíduo conhece dos conceitos sobre o
texto. Esses abrangem o conhecimento das estruturas textuais (narrativa, expositiva e
descritiva), dos fatores de textualidade, como a coerência e a coesão, e das regras de
construção dos textos. A capacidade de identificar as estruturas textuais “permite prefigurar
o desenvolvimento do texto de forma mais previsível e facilita a compreensão das idéias
fundamentais que já se encontram ordenadas no esquema do texto” (Colomer; Camps,
2002, p.52). Então, quando o leitor tem noções sobre a estrutura narrativa, isto é, sabe que
no desenvolvimento dessa tipologia há sucessão temporal de acontecimentos, personagens
inter-relacionados e apresentação de um conflito central que depois será resolvido, é
provável que ele, ao se deparar com os vários gêneros da ordem do narrar (fábula, conto,
crônica, lenda, etc.), avance mais facilmente na leitura, realizando predições, levantando
hipóteses e inferências.
Outro tipo de conhecimento citado por Colomer e Camps (2002) e Kleiman (1989)
corresponde ao conhecimento sobre o mundo ou conhecimento enciclopédico, o qual
pode ser adquirido formal e informalmente através da escola, do convívio familiar, do
convívio com os amigos, através de leituras, rádio, TV, internet. Abrange desde as noções
que um médico tem dentro de sua área até as noções sobre fatos simples do cotidiano
como: “existem vários tipos de pássaros”; “a geladeira serve para conservar os alimentos”;
“o telefone é um meio de comunicação”.
Os conhecimentos sobre o mundo estão organizados na forma de esquemas
(Kleiman, 1989). Os esquemas formam uma “rede de conhecimentos” que são
armazenados de forma extremamente organizada na memória do leitor e que são acionados
quando ele processa o texto. À medida que amplia ou se altera o conhecimento
enciclopédico do leitor, os esquemas automodificam-se. Dessa forma, ao ler um texto o
esquema armazenado na memória do leitor modifica-se, ampliando-se e possibilitando ao
leitor produzir novos significados às leituras que fará a partir do contato com novos textos.
Certamente, os conhecimentos sobre o escrito e sobre o mundo são cruciais para o
desenvolvimento da leitura, no entanto, acreditamos que para a formação de sujeitos
críticos, capazes de se posicionar conscientemente no contexto social, há necessidade de
um outro tipo de conhecimento: o conhecimento das contradições da realidade. Trata-se de um
conhecimento de mundo que permite ao leitor tomar o texto não como um depósito de
verdades, mas como uma fonte de informações e idéias que podem ser questionadas,
contestadas e contrastadas com a realidade. Conhecer as contradições presentes na
sociedade é conhecer as mazelas sociais, como a violência urbana, e saber em que medida
elas estão relacionadas com as condições em que vive a população; é conhecer as razões
que levam uma minoria a deter os benefícios do trabalho produtivo; é conhecer as formas
de opressão e dominação de uma classe sobre a outra; é conhecer os modos de imposição
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dos referenciais de mundo da classe dominante por meio da publicidade; é conhecer as


maneiras que a classe política utiliza para que os atos de corrupção sejam rapidamente
esquecidos pela população.
Esse conhecimento também pode ser construído pelos sujeitos no dia-a-dia, no
convívio social, mas é no coletivo escolar, nos momentos de leituras compartilhadas, na
análise das diferentes interpretações sobre o mesmo tema veiculadas nos diversos textos,
nos debates e cotejos de idéias entre os pares, que ele será aguçado e aperfeiçoado,
permitindo ao leitor confrontá-lo com os fatos e idéias que circulam através dos novos
materiais escritos que serão lidos.

3 – Cenário da pesquisa

Fizeram parte da pesquisa dois grupos de alunos da 5ª série do ensino fundamental.


O primeiro grupo, que será chamado nessa pesquisa de grupo A, é formado por trinta
alunos, sendo vinte do sexo masculino e dez do sexo feminino. Tais alunos são de classe
baixa, utilizam o transporte municipal para se dirigir à escola e a maioria de seus pais são
agricultores. A instituição escolar que freqüentam é de rede pública e está localizada no
meio rural. Já o segundo grupo, ou grupo B, é formado por dezessete alunos, oito do sexo
masculino e nove do sexo feminino. São de classe média, moram no centro da cidade ou
em suas proximidades, todos dispõem de transporte próprio para se dirigir à escola. São
filhos de bancários, professores e comerciantes. A escola na qual estudam é de rede
particular e está situada no centro da cidade de Prudentópolis-Paraná.
Para a coleta de informações, foram utilizados dois textos, seguidos de uma
pergunta aberta. Primeiramente, foi apresentado o texto “Carroça vazia”, retirado da
internet (Disponível em: http://sotaodaines.chrome.pt/Sotao/histor93.html), o qual
proporciona ao leitor uma comparação entre o barulho de uma carroça vazia e as pessoas
grosseiras e inoportunas. Num segundo momento, foi exposto aos alunos o texto “Relato
de ocorrência em que qualquer semelhança não é mera coincidência”, de Rubem Alves, que
narra um acidente numa rodovia, envolvendo um ônibus, que atropela uma vaca, que
morre logo em seguida. Os moradores das redondezas, ao verem o acidente, correm na
direção do ocorrido para aproveitar a carne da vaca morta e deixam as vítimas à mercê da
sorte.
Após a entrega de cada texto, em dias distintos, solicitou-se aos alunos que
realizassem a leitura silenciosa e, em seguida, respondessem à seguinte questão: O que você
entendeu do texto? Optou-se por essa pergunta por acreditarmos que essa seria uma
oportunidade para que o aluno expusesse com as próprias palavras a sua compreensão do
texto e evidenciasse sua visão de mundo e sua criticidade.
De acordo com o propósito de uma pesquisa de campo, em que o pesquisador tem
a necessidade de conhecer o ambiente escolar no qual a pesquisa foi efetuada, propusemo-
nos a comparecer nas duas escolas nos respectivos dias agendados para assim desenvolver
as atividades e obter conhecimento sobre a prática leitora dos alunos.
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4 – Análise dos dados

Nesta seção, são analisadas as informações apresentadas pelos sujeitos da escola


“A” e, posteriormente, pelos sujeitos da escola “B”. Por questões éticas, os alunos são
assim identificados: A1, A2... B1, B2... Saliente-se, também, que as respostas dos alunos
utilizadas nas análises não sofreram alterações, permanecendo, portanto, com alguns
desvios da norma culta.

4.1 – Escola “A”

Na leitura do texto “Carroça vazia”, os dados revelam que a grande maioria dos
alunos da escola A, 91%, copia partes do texto, demonstrando que não constrói a
compreensão, apenas extrai algumas informações. No exemplo A6, constata-se que o aluno
inicia sua resposta buscando demonstrar que se trata de uma construção pessoal (“eu
entendi”), contudo, no restante da resposta, limita-se a copiar as primeiras linhas do texto:

A6: “Eu entendi que serta manhã meu pai munto sábio, convidou-me a dar um passeio no bosque
e eu aceitei com muito praser. Ele se deteve numa clareira e depois de um pequeno silêncio me perguntou: -
Além do cantar dos pássaros. Você está ouvindo mais alguma coisa? Apurei os ouvidos alguns segundos e
respondi: - Um barulho de carroça”.

Dessa forma, não se evidencia uma prática de interação entre o aluno-leitor e o


texto. Tal ocorrência pode ser explicada como resultado da tarefa escolar que orienta para a
localização e cópia de trechos do texto como a resposta “certa”. Já na resposta do aluno
A14, pode-se perceber que há uma diferenciação na leitura:

A14: “Eu entendi que no texto tinha um menino que foi dar um passeio com seu pai e ele deu
alguns exemplos, que quando a carroça está vasia ela faz mais barulho e quando nós entramos na carroça
faz pouco barulho e eu entendi com isso que tem pessoas que ficam gritando querendo ser o maior que
sempre tem mais, as pessoas tem se respeitar”.

O aluno A14 elabora a resposta resumindo a história e estabelecendo conexão


entre suas experiências e o texto, na medida em que compara os ruídos de uma carroça
vazia e a conduta de algumas pessoas que querem sobressair-se em relação às demais,
“querendo ser o maior que sempre tem mais”. Verifica-se, também, que ao se referir à carroça,
utiliza a primeira pessoa do plural (nós), demonstrando uma marca de seu lugar social. É
importante salientar que a carroça faz parte de sua realidade, pois todos os alunos da escola
A residem na área rural, onde a carroça é um dos meios de transporte. Quando A14
menciona “as pessoas tem se respeitar”, verifica-se um valor social que é adquirido e
perpetuado pelo aluno em suas práticas de interação. Pode-se afirmar, então, que o aluno
estabelece diálogo com o texto, pois leva em conta os conhecimentos que ele traz consigo
para construir sentidos. Tal atitude foi observada em 9% das respostas referentes ao texto
“Carroça vazia”.
No que se refere ao texto “Relato de ocorrência em que qualquer semelhança não é
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mera coincidência” percebe-se, também, que a grande maioria, 87%, se restringe a


reproduzir as palavras do texto. O aluno A10, por exemplo, assim responde:

A10: “Quem primeiro se retira é Elias com a mulher as despojos da vaca estão estendidos numa
poça de sangue. João chana com uim assobio seus dois auxiliares”.

O aluno “escolhe” algumas linhas do texto e as reproduz, não demonstrando a


compreensão do texto. Trata-se de, simplesmente, cumprir a tarefa que lhe foi
determinada.
Poucos alunos, 13%, mostram algum distanciamento do escrito para responder à
pergunta. Um exemplo é o aluno A21, que inicia a resposta com informações presentes no
texto (vaca e o acidente do ônibus), entretanto adota uma atitude valorativa frente ao
conteúdo quando se refere à vaca:

A21: “Que eles bateram numa vaca e pegaram toda a carne da vaquinha, coitadinha. que uma
vaca queria ir para o Rio de Janeiro mas o motorista bateu nela e ela morreu”

Embora não tenha apresentado reflexões sobre os motivos que levaram as pessoas
a disputar a carne do animal, o aluno consegue reconstruir com as suas palavras o enredo,
manifestando conhecimento da estrutura narrativa. Nota-se, ainda, que o aluno usa o
substantivo vaca no diminutivo para expressar algum sentimento de piedade para com o
animal. Tal ocorrência pode ser explicada pelo fato de ele morar no interior e de que o
animal faz parte de seu cotidiano, podendo assim lhe representar algum valor. Conforme
Dell’Isola (1996), os espaços lacunares presentes em todo texto são preenchidos também
com as condições afetivas do leitor.
Analisemos outros dois exemplos:

A8: “Eu entendi que a gente não pode canhar as coisas”.


A13: “Eu entendi que não pode ser cainho, não pode querer só para gente. Porque se alguma vez
a gente precisar de alguma coisa eles vão emprestar”.

Observa-se que os alunos A8 e A13 enfatizam suas respostas nas ações das
personagens, as quais não compartilham os instrumentos para abaterem a vaca. Isso
evidencia que mesmo não apresentando reflexões sobre os motivos que levaram os
moradores a ignorarem as pessoas mortas, os alunos conseguem tecer comentários
relevantes sobre a falta de solidariedade. Outro aspecto que pode ser notado na escola A é
com relação ao vocabulário utilizado pelos alunos, pois alguns usam algumas palavras da
variedade não padrão da língua portuguesa, por exemplo, “canhar”, “cainho”. Geralmente
essas palavras, que revelam a procedência dos alunos – marcas de seu lugar social – são
ignoradas pela escola, por se tratar de palavras que não condizem com a variedade padrão
da nossa língua, porém se trata de um repertório de conhecimentos adquirido pelo aluno
no convívio social.
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4.2 – Escola “B”

Na leitura do texto “Carroça vazia”, os alunos da escola B tiveram uma menor


porcentagem de cópias. Assim, pode-se afirmar que tais alunos estão melhor preparados
para o exercício da leitura, pois uma grande parte deles, 67%, ativa seus conhecimentos e
interage com o texto. Isso se evidencia na resposta do aluno B10:

B10: “Que tem gente que quer ser mais rico e glamuroso que os outros e isso é tipo a carroça que
faz barulho e irrita os outros e não podemos ser assim”.

Observa-se que o aluno relaciona a carroça com o comportamento de algumas


pessoas. Assim, ele ativa seus conhecimentos prévios, conciliando-os com o texto. Pode-se
dizer que ele participa de forma ativa na leitura e apresenta uma percepção reflexiva,
demonstrando que na convivência social as pessoas não devem ter o comportamento
semelhante ao de uma carroça vazia.
Na leitura do segundo texto, verificam-se, por parte do grupo B, melhores
resultados em comparação com o grupo A. Entretanto, percebe-se um número elevado de
alunos, 60%, que retira as palavras do texto para responder à questão proposta:

B5: “Que aconteceu um acidente em cima de uma ponte, com um ônibus que ia do Rio de Janeiro
para São Paulo e uma vaca que ia de São Paulo para o Rio de Janeiro”.
B3: “Que nenhuma semelhança tem coincidência”.

Conforme a concepção interacionista, a compreensão de um texto não depende


apenas da decodificação de signos lingüísticos. Na realidade, o ato de ler consiste num
conjunto que envolve também o conhecimento que o leitor tem sobre a língua, seu
conhecimento de mundo, suas crenças e sua experiência de vida. Dessa forma, se a maioria
dos alunos da escola B se restringe ao conteúdo textual, pode-se dizer que na leitura do
segundo texto não houve um processo de interação entre leitor e texto.
Constata-se que o mesmo grupo de alunos apresentou desempenho diferenciado na
leitura dos dois textos narrativos. Compreende-se que a extensão do texto causou essa
diferenciação. A narrativa “Relato de ocorrência em que qualquer semelhança não é mera
coincidência” é mais extensa que “Carroça vazia”, fator esse que pode ter gerado um
desinteresse pela leitura e reflexão. Supõe-se, assim, que a escola pode estar acostumando
os alunos à leitura de textos curtos e simplificados, prejudicando a formação plena do
leitor.
Analisam-se na seqüência algumas respostas dadas por aqueles alunos que
procuraram não repetir o conteúdo textual:

B11: “Que aconteceu um acidente numa ponte um ônibus bateu na vaca e os passageiros
morreram mas os vizinhos da ponte queriam só a carne da vaca e nem se preocuparam com as pessoas do
acidente que estavam mortas”.

No início da argumentação, o aluno apresenta insegurança em responder com suas


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próprias palavras, pois resume parte da história com as palavras do autor. Todavia, quando
diz “os vizinhos queriam só a carne e nem se preocuparam com as pessoas do acidente”, o aluno B11
revela uma preocupação com o fato ocorrido. Assim, ele participa de forma mais ativa na
leitura, pois dá sentido às ações das personagens e expressa sua opinião na resposta. Já o
aluno B1 enfoca sua resposta em outro ponto, o qual corresponde à velocidade do
motorista:

B1: “Que o motorista atropelou uma vaca na ponte, pois está muito rápido”.

Mesmo não compreendendo a problemática da narração, pode-se dizer que o aluno


cumpriu seu papel de leitor, pois sua argumentação trouxe um sentido a mais para o texto.
Subentende-se que a resposta do aluno, enfatizando a velocidade, está de acordo com sua
realidade, pois o mesmo reside no centro da cidade e seu convívio com carros e outros
automóveis é freqüente, sendo assim, o aluno possui consciência sobre o trânsito,
conhecimento esse que ele adquiriu em sua vivência. Outro exemplo demonstra construção
semelhante à do aluno B1:

B4: “Eu entendi que se a gente for andar de carro tem que cuidar os animais e a estrada”.

Pode-se afirmar que, ao dizer “Eu entendi que se a gente for andar de carro...”, o aluno já
teve ou tem experiência com automóveis. Seu conhecimento de mundo foi ativado no ato
da leitura quando se inclui no texto, e ao continuar “... tem que cuidar os animais e a estrada”, o
aluno B4 deixa seu ponto de vista e tenta explicar a preocupação que se deve ter com a
direção e com os animais. Trata-se de conhecimentos baseados na experiência vivencial.

5 – Discussão dos resultados

A atividade proposta revelou que os alunos da escola A, em sua maioria, destacam-


se pela atitude de reproduzir o conteúdo, retirando os fatos e informações presentes no
material escrito. Os alunos da escola B tiveram um melhor desempenho do que os da
escola, entretanto, em textos mais extensos também apresentam tendência a copiar o que
está explícito na superfície textual. Esse ciclo vicioso de apego exagerado ao texto – que
reflete uma concepção de leitura como extração de significados – é de certa forma uma
realidade rotineira na vida dos alunos, rotina que contribui para a formação de leitores
acríticos, condicionados a apenas identificar elementos explícitos na superfície textual, sem
atitude ativa e questionadora diante da palavra escrita. De acordo com estudiosos como
Menegassi e Angelo (2005) e Araújo (2001), o leitor acredita estar a par do conhecimento
que o texto lhe proporciona, porém, copiar ou parafrasear o que o autor escreve pode, num
futuro próximo, acarretar dificuldades para o leitor, na interação com diferentes textos e,
conseqüentemente, afetar a capacidade crítica do aluno.
Um pequeno número de alunos procurou ativar seus conhecimentos e estabelecer
diálogo com o texto. Esses conhecimentos demonstrados por esse grupo foram adquiridos
no cotidiano e revelaram-se na leitura por meio da variedade lingüística utilizada (“canhar”,
“cainho”, “glamuroso”) e do uso da 1ª pessoa (“eu entendi”, “nós”, “a gente”), por meio da
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perpetuação de valores afetivos e sociais (“coitadinha”, “as pessoas tem se respeitar”, “não querer
só pra gente”), por meio do enfoque dado às ações das personagens (por exemplo, na ênfase
à velocidade do motorista e aos cuidados no trânsito). Ao manifestarem esses
conhecimentos, os alunos conseguiram distanciar-se das palavras do autor e produzir um
sentido a mais para o texto, mesmo que a resposta não seja aquela que o professor poderia
determinar como certa.
Nota-se que faltou aos alunos das escolas pesquisadas o conhecimento das
contradições da realidade, o qual poderia favorecer o desenvolvimento de argumentos e o
posicionamento crítico. Por exemplo, na leitura do texto “Relato de ocorrência em que
qualquer semelhança não é mera coincidência”, não se evidenciou nenhum comentário
acerca do porquê as pessoas demonstrarem preocupação apenas em apanhar a carne da
vaca, ignorando as vítimas do acidente. De acordo com Silva (1991, p.80),

Leitura sem compreensão e sem análise dos referenciais indiciados pelo


texto, à luz das experiências de um leitor situado; leitura sem o embate e
confronto do contexto do escritor com o contexto do leitor; enfim,
leitura sem cotejo qualitativo, gerador de mais significados para o leitor a
partir de uma ou mais incursões num determinado texto, constitui-se em
tarefa bancária ou mecânica e, por isso mesmo, “desastrosa” na área de
aprendizagem da leitura.

Por isso, é urgente que a prática de leitura nas escolas seja redimensionada,
deixando de ser o cumprimento de uma formalidade para se tornar uma atividade de
questionamento, confronto e construção de sentidos, um momento em que o aluno pode
ouvir o que o outro tem a dizer e oferecer-lhe uma contra-palavra.

6 – Considerações finais

Retomando o primeiro objetivo dessa pesquisa – diagnosticar a competência


leitora dos alunos da 5ª série do Ensino Fundamental – pode-se afirmar que os alunos, de
modo geral, não apresentam desempenho satisfatório na leitura, visto que a maioria ainda
encontra-se inserida no modelo escolar caracterizado pela tentativa de localizar e copiar as
informações contidas no texto e denominá-las como a resposta “correta”.
O segundo objetivo era verificar que conhecimentos prévios são ativados pelos
alunos durante a leitura. Aqueles que privilegiam o procedimento de extração, renunciando
as palavras próprias, não revelam na leitura conhecimentos sobre o mundo e sobre as
contradições da realidade, os quais poderiam favorecer a interação e o exercício da leitura
crítica. Já aqueles que não se prendem ao conteúdo textual e interagem com o texto,
manifestam em suas respostas conhecimentos que têm a ver com a sua realidade vivencial e
que atuam também como marcas do lugar social, embora ainda não revelem atitudes
questionadoras, de confronto e contestação.
Ao finalizar este artigo, destaca-se a idéia de que a formação de leitores ativos e
críticos só será concretizada se a escola romper com as práticas tradicionais de ensino de
leitura que perpetuam os procedimentos reprodutivistas e passar a propiciar o diálogo
contínuo entre textos e leitores e entre leitores, estimulando, assim, a discussão, a reflexão,
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o confronto, a formulação de argumentos e a tomada de decisão.

7 – Referências bibliográficas

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(Org.). Leitura e ensino (Formação de professores em EAD 19). Maringá-PR: EDUEM,
2005, v. 1, p. 15-45.
ARAÚJO, E. G. A construção de sentido na leitura por crianças de meio de letramento diferenciados.
Campinas, SP, 2001. Dissertação de mestrado.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e
quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/ SEF, 1998.
COLOMER, T.; CAMPS, A. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Trad. Fátima Murad. Porto
Alegre: Artmed, 2002.
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escrita: novas perspectivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987, p.11-22.
KATO, M. A. O aprendizado da leitura. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas, SP: Pontes, 1989.
______. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas, SP: Pontes, 1996.
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MOITA LOPES, L. P. Oficina de lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996.
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SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Trad. Claudia Schilling. 6. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
1998.
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LEITURA DE ENUNCIADO DE EXERCÍCIOS DE LÍNGUA


PORTUGUESA: LIMITES NO ENSINO

Édina Maria Pires da Silva


Mestranda em Letras – Língua Portuguesa – PUC – SP

RESUMO: Apresenta os resultados de um estudo sobre a representação da subjetividade


no Jornal do Aluno São Paulo faz Escola - Edição Especial da Proposta Curricular fev/2008
Ensino Médio. O referencial teórico utilizado é a teoria da enunciação de Benveniste,
especificamente, a noção de subjetividade na linguagem e os estudos da Lingüística Textual
sobre a concepção de texto. Foi feita a análise da enunciação em uma atividade escrita do
referido jornal.
Palavras-chave: enunciação; jornal do aluno, subjetividade.

ABSTRACT: This article presents the results of studies about representation of


subjectivity in the material used by High School students of São Paulo State – Special
Edition of Feb/2008. The theory used is the Benveniste’s theory of enunciation,
specifically, the notion of subjectivity in the language and the studies of Textual Linguistics
about text conception. It was made an analysis of the enunciation in one of the activities
from the mentioned material.
Key-words: enunciation, student’s material, subjectivity.

Considerações iniciais

Os resultados dos exames de averiguação da qualidade de ensino das escolas


públicas brasileiras fizeram com que a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
organizasse um período de recuperação em todas as escolas da rede pública estadual nas
seis primeiras semanas do ano letivo de 2008.
A recuperação privilegiou as competências escritora e leitora dos alunos e um fato
que nos chamou a atenção foi a organização dos enunciados de exercício, pois os mesmos
apresentam uma linguagem pretensamente interativa com o aluno, no sentido de
estabelecer uma interlocução entre os professores que prepararam os exercícios e o aluno.
Foi esse material que suscitou a investigação de como se configura a subjetividade em
enunciados de exercício de Língua Portuguesa.
Assim, decidimos fazer uma análise específica de um enunciado de exercício do
jornal São Paulo faz Escola, focando a teoria da subjetividade à luz dos estudos realizados por
Benveniste (1958), Kerbrat-Orecchioni (1980) e Koch (2002) e analisar a estrutura do
enunciado propriamente dita.
Partindo do pressuposto de que uma das estratégias de aprendizagem é a interação
pela linguagem por meio da interlocução entre o aluno e o locutor do texto, temos por
objetivo averiguar marcas de subjetividade em uma proposta de atividade de Língua
Portuguesa, evidenciando sua importância em texto curto com seqüência instrucional.
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Observa-se que na busca por literatura específica sobre enunciados de exercícios


nada foi encontrado, e, no nosso entender, é importante que o aluno compreenda o que é
dado e o que é pedido em um enunciado de exercício. Além disso, a leitura e a
compreensão de enunciados de exercícios possibilitam ao aluno autonomia, de sorte que,
sozinho compreende e resolve a atividade proposta.
O caráter investigativo da pesquisa levou-nos a selecionar o exercício de número
quatro para análise. Em sala de aula, lemos e discutimos, oralmente, o texto Comunicação é
vida de Paulo Marcelo Vieira Pais, resolvemos os exercícios antecedentes ao selecionado
para análise, que pediam aos alunos que emitissem a opinião deles sobre a adequação do
título do texto, Comunicação é vida e que sublinhassem os trechos do texto que estavam
diretamente relacionados ao título. Na seqüência, resolvemos o exercício de número
quatro, objeto de nossa análise, no qual os alunos deveriam relacionar frases-sínteses com
os parágrafos do texto citado.
Transcrevemos, a seguir, o enunciado da atividade em análise, na sua íntegra.
“Para cada parágrafo do texto, elaboramos uma frase que o resume ou sintetiza. Faça a relação
entre o parágrafo e a frase-síntese. Você observará que irá sobrar uma frase que não se encaixa no texto:”
Jornal do aluno 1ª série – ensino médio, p.3.

A subjetividade e o texto

A subjetividade é imanente a todo e qualquer texto, uma vez que, por mais objetivo
que o indivíduo pretenda ser, ao produzir um texto, sempre deixará marcas de sua opinião,
em menor ou maior grau, daí podermos afirmar que é impossível a objetividade total. Nas
palavras de Koch (2003, p.65), “(...) não há texto neutro, objetivo, imparcial: os índices de
subjetividade se introjetam no discurso (...)”.
A enunciação é o lugar privilegiado para a manifestação da subjetividade.
Benveniste (1970, p. 82) conceitua o que, para ele, seria a enunciação: “é este colocar em
funcionamento a língua por um ato individual de utilização”, ou seja, enunciar é usar a
língua. Esta serve de instrumento para o locutor no momento de produzir o enunciado.
Desse modo, a enunciação é o agente transformador da língua em discurso e é feita
entre um locutor, que se utiliza de elementos do aparelho formal, e um alocutário, isto é,
entre um eu e um tu, em um aqui-agora que lhes são particulares. Ao realizar o ato de
produção dos enunciados, o locutor mobiliza a língua, dando-lhe sentido, por meio das
formas que utilizou no discurso, determinando o ser da própria enunciação.
No que se refere à subjetividade, podemos entendê-la como um locutor sendo
capaz de se propor como sujeito. Essa proposição tem como condição a linguagem, “é na
linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito” (Benveniste, 1958,
p.288). A subjetividade também é percebida materialmente em um enunciado por meio de
algumas formas (dêixis) que a língua empresta ao indivíduo que quer enunciar; e, quando o
faz, transforma-se em sujeito.
Dentre as marcas lingüísticas que têm poder de expressar a subjetividade,
encontramos os pronomes e os verbos, integrando essas duas classes de palavras na
categoria de pessoa.
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As pessoas eu-tu se caracterizam como categorias de discurso que só ganham


plenitude quando assumidas por um falante, na instância discursiva.
Cabe ainda ressaltar que Kerbrat-Orecchioni (1980, p.48) amplia os estudos sobre a
subjetividade ao acrescentar que a mesma pode manifestar-se em várias combinações,
como por exemplo, na relação eu e vós, nós e vós, entre outras possibilidades. Além disso,
discute também marcas lingüísticas (dêixis) de tempo e espaço na enunciação.
A pesquisadora define dêiticos como unidades lingüísticas cujo funcionamento
semântico-referencial (seleção na codificação, interpretação na decodificação) implica
considerar alguns elementos constitutivos da situação de comunicação, a saber: o papel que
desempenham os atuantes do enunciado no processo de enunciação; a situação espaço-
temporal do locutor e, eventualmente, do alocutário.
Nesse sentido, o texto não se define por ser uma mera justaposição de elementos
lingüísticos; ao contrário, define-se no próprio uso da linguagem.
Por essas considerações, nota-se que, para tratar da questão textual, é impossível
dissociar o texto dos interlocutores. Os sentidos não estão prontos no texto, mas são
construídos por meio da participação ativa dos interlocutores. Koch (2002: p.19) chama os
interlocutores de estrategistas, já que “ao realizarem o jogo da linguagem mobilizam uma série
de estratégias – de ordem sociocognitiva, interacional e textual – com vistas à produção dos
sentidos”. Têm-se, então, três pólos igualmente fundamentais: o produtor, o leitor e o
texto. O produtor é aquele que, a partir de determinadas condições, tem o que dizer; tem
uma finalidade para dizer; tem para quem dizer – procede à elaboração do seu “projeto de
dizer” (KOCH, 2002: p.19). O leitor, a partir do seu repertório extratextual e das
sinalizações que o texto lhe oferece, refaz o percurso do autor e se constitui como um co-
autor. É um sujeito do processo e não um recipiente de informações. O texto, portanto, é
uma ponte entre o contexto do autor e o contexto do leitor.
Esses pressupostos remetem a uma visão do texto para além da superficialidade
material e linear. É esta visão de texto, a ideal para o âmbito escolar.

Análise

Destacamos que o texto, objeto de nossa investigação, foi estruturado em um


parágrafo com três períodos. No primeiro período, “Para cada parágrafo do texto, elaboramos
uma frase que o resume ou sintetiza.” a ordem da oração está inversa e há o emprego do
pronome oblíquo “o” que de forma anafórica retoma a palavra “parágrafo”. Além disso, foi
empregado um sinônimo para a palavra resume “sintetiza”. O segundo período, “Faça a
relação entre o parágrafo e a frase-síntese.”, inicia-se com o verbo no imperativo e há um pedido
para que se relacione o parágrafo com a frase, que passa a ter uma nova denominação
“frase-síntese”. No último período, “Você observará que irá sobrar uma frase que não se encaixa no
texto:”, inicia-se com o pronome de tratamento “você”, normalmente usado na língua falada,
e a afirmação, ao aluno, de que sobrará uma frase, que neste último período é denominada
como no primeiro “frase”.
Analisando o texto da proposta de exercício supra-citada, podemos observar as
marcas de subjetividade em quatro momentos do texto.
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. uso da primeira pessoa do plural (verbo):


“(...), elaboramos uma frase que o resume ou sintetiza (...)”.
. uso do verbo no imperativo:
“(...) Faça a relação correta entre o parágrafo e a frase-síntese.”
. uso do pronome de tratamento que marca a presença do interlocutor (você):
“(...) Você observará que irá sobrar uma frase que não se encaixa no texto:”.
. uso de verbos no futuro do presente do indicativo:
“(...) Você observará que irá sobrar uma frase que não se encaixa no texto:”.
Observamos que na proposta em análise há a simulação de um diálogo entre o
professor que elaborou a questão e o aluno que vai resolvê-la - ao empregar o verbo
elaborar na primeira pessoa do plural “elaboramos”, o locutor assim se expressa para
modalizar sua fala com vistas ao envolvimento do aluno na resolução da questão.
Notamos, também, que por tratar de uma solicitação, há o uso do verbo no
imperativo, e a presença do interlocutor pelo pronome de tratamento “você”, próprio da
língua falada, o que sugere a preocupação do locutor em estabelecer uma interlocução com
o aluno. Além disso, com o emprego de dois verbos no futuro do presente do indicativo
“observará” e “irá”, o locutor propõe ao interlocutor que, ao participar da atividade, há um
resultado garantido para a questão – a sobra de uma frase que não se encaixa no texto.
Podemos verificar, dessa forma, marcas de subjetividade na linguagem, enunciando-
se de forma explícita por meio do verbo na primeira pessoa do plural, o verbo no
imperativo, os verbos no futuro do presente do indicativo e o emprego do pronome de
tratamento “você”.

Considerações finais
Ressaltamos que, embora as marcas de subjetividade acima assinaladas possam
constituir-se como elementos facilitadores por estabelecerem interlocução entre o docente
que elaborou o enunciado do exercício (locutor) e o discente (alocutário), o enunciado de
exercício analisado apresenta-se um tanto quanto mecânico, pois o texto base, a que ele se
refere, tem três parágrafos e são dadas quatro frases-sínteses para relacioná-las aos três
parágrafos do texto, o que denota ser óbvio a sobra de uma. Contudo, como esse não é o
nosso objetivo de pesquisa não nos deteremos nele.
É possível concluir que aspectos referentes à subjetividade na linguagem, presentes
no enunciado de exercício analisado, podem facilitar as estratégias de interação do aluno
com o texto, na medida em que buscam o envolvimento do aluno para a resolução do
exercício, num registro de língua que mescla o uso oral com o uso formal da língua.
Finalizamos dizendo que, dependendo da mediação do professor, a transposição
dos estudos teóricos sobre a linguagem para a sala de aula traz benefícios tanto para o
discente quanto para o docente. Àquele porque pode apropriar-se da linguagem de forma
autônoma na resolução das atividades propostas em sala de aula e a este porque pode
analisar e utilizar o material didático com discernimento e de maneira adequada.
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Referências Bibliográficas

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Lingüística Geral II. São Paulo: Pontes, 1989 [1970]. cap. 5, p. 81-92.
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Paulo: Pontes, 1989 [1969]. cap. 3, p. 43-67.
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3. ed. São Paulo: Pontes, 1991 [1958]. cap. 21, p. 284-293.
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KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. L'énonciation. Paris:Armand Colin, 1980,1997
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A PRÁTICA DOCENTE E A PERPETUAÇÃO DE ESTEREÓTIPOS


ENTRE MENINOS E MENINAS:
UMA LEITURA A PARTIR DAS TEORIAS DE GÊNERO.

Eliseu Riscarolli
Docente/Pesquisador da UFT – Universidade Federal do Tocantins - Tocantinópolis
Regis Glauciane Santos de Souza
Graduanda – Pedagogia – UFT - Tocantinópolis
Priscila de Lutiane de Jesus Aguiar
Graduanda – Pedagogia – UFT - Tocantinópolis

RESUMO
Com o presente estudo, buscou-se compreender como a escola se constitui num espaço de
transformação ou perpetuação de relações de identidade e alteridade. Mediante observações e
pesquisa, diagnosticamos que a turma a qual desenvolvemos nossos trabalhos na escola campo,
possuía tendências preconceituosas e discriminatórias por parte dos alunos/as e professoras e que
não havia nenhuma discussão e reflexão referente à temática em estudo. Simultaneamente,
percebemos também, que a maioria dos/as professores/as tem dificuldades em diferenciar
conceitos de sexo, gênero e sexualidade, e que, a educação familiar repressora por eles/elas
vivenciadas, assim como, as lacunas de sua formação, pode dificultar o processo de abordagem de
temas que envolvem a sexualidade e questões de gênero. De acordo com os diálogos, consulta ao
Projeto Político Pedagógico da escola e da vivência que tivemos, tínhamos a hipótese de que a falta
de reflexão ocorre devido a ausência de proposta de trabalho sobre a temática por nós identificada
no currículo da escola, que enfatiza apenas as questões relacionadas a reprodução humana, mas não
aborda as discussões sobre os papéis sociais construídos/definidos para homens e mulheres, sendo
este fato, o arcabouço das nossas reflexões.
Palavras chave: gênero, esteriótipos, prática docente.

ABSTRACT
In this study, we tried to understand how the school is built in an space of transformation or
perpetuation of relations of identity and otherness. Through observations and research, which
diagnosed the class which developed our work in the school field, had prejudiced and
discriminatory tendencies on the part of students / and the teachers and that there was no
discussion and reflection on the subject under investigation. Simultaneously, we also found that the
majority of / the teacher / have difficulty in differentiating the concepts of sex, gender and
sexuality, and that the repressive family education for them / they experienced, as well as the
shortcomings of their training, may impede the process of dealing with issues that involve matters
of sexuality and gender. According to the dialogues, consultation with the school's Educational
Policy Project and the experience we had, we had the hypothesis that the lack of reflection occurs
due to lack of proposal for work on the subject that we identified in the school curriculum, which
emphasizes only issues relating to human reproduction, but does not address the discussions on the
social roles constructed / defined for men and women, and this fact, the framework of our
thinking.
Key words: gender, stereotypes, teaching practice.
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"O gênero não se relaciona simplesmente às


idéias, mas também às instituições, às estruturas,
as práticas cotidianas como os rituais e tudo o que
constitui as relações sociais" (SCOTT. 1995.)

INTRODUÇÃO

A discussão sobre gênero e sexualidade nas escolas tem sido ainda muito tímida
Silva (2003, p. 295), pois ainda educamos as meninas para a submissão e os meninos para
serem líderes. De toda forma, essa temática requer mais atenção de professores/as,
estudiosos, e dos agentes públicos na promoção da uma educação de qualidade sem
estereotipar opções de credo, sexualidade ou qualquer forma de discriminação entre
homens e mulheres.
O presente trabalho iniciou-se com o intuito de desenvolvermos um projeto de
pesquisa, mas antes de qualquer ação e estudo, realizamos a pesquisa preliminar
diagnóstica, a que teve a finalidade de fazer um levantamento de uma possível problemática
na sala de aula e fora dela, posteriormente, a elaboração e desenvolvimento do projeto de
ação, como parte prática do projeto.
Realizamos a pesquisa na Escola Paroquial Cristo Rei, na Cidade de Tocantinópolis
- TO, sob a supervisão da professora Marly Fonseca e orientação do professor Eliseu
Riscarolli, na turma do 4º ano das séries iniciais, matutino, composta por 38 alunos - sendo
21 meninas e 14 meninos - com a faixa etária entre 8 e 9 anos. O primeiro contato com a
turma ocorreu no início de 2007, período em que iniciamos as primeiras observações,
conversas e entrevistas, prosseguindo com atividades de estudos e finalmente as oficinas na
escola no primeiro semestre de 2008. Destaca-se na turma características de participação,
comprometimento, bom relacionamento, atenção, dedicação e raramente faltam às aulas.
Metodologicamente, procuramos identificar a problemática através de visitas à
escola campo, observações em sala de aula e fora dela durante dez dias, com conversas
formais e informais com professores e alunos, planejamento e elaboração de teste para
diagnóstico (atividade de sondagem com texto reflexivo, com perguntas abertas e
fechadas), execução do mesmo, análise das atividades desenvolvidas no teste. A
problemática surge então, com a identificação de estereótipos como: “o homem deixa de ser
homem se executar o trabalho doméstico”; “o trabalho doméstico é uma tarefa exclusiva da mulher”; “o
menino deixa de ser menino se brincar junto com as meninas”; “há brincadeiras diferenciadas para meninos
e meninas” Esses aspectos foram constatados em 60% da turma (meninos e meninas), nas
manifestações cotidianas da escola. Além disso, algumas manifestações de docentes
endossam o caldo dos preconceitos e esteriótipos, tal como: “Esse menino está muito precoce.
Manifestando a sexualidade nessa idade!” (frase de uma professora no pátio da escola). Há uma
marcante falta de ações pedagógicas para discutir e refletir sobre estes estereótipos, que dê
atenção e estimule as discussões relacionadas a valores construídos socialmente, e uma
abordagem não só de gênero, mas também, de sexualidade, não explorada na sala de aula.
No desenvolvimento do trabalho, constatamos que há uma carência na turma,
assim como em toda a escola, de oficinas, workshops e reflexões sobre conceitos
estabelecidos culturalmente, sobretudo, os relacionados a gênero e sexualidade, visto que
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identificamos tendências preconceituosas, discriminatórias, imaturidades na argumentação,


dificuldade de expressar opiniões a respeito de gênero e sexualidade. Paradoxalmente, os
personagens da cena escolar identificam o preconceito como um “problema social”,
entretanto, não consegue amealhar ferramentas para desconstruir ou vencer os
preconceitos de gênero ou os relacionados à sexualidade.
Após a sondagem inicial e o reconhecimento da problemática, elaboramos um
projeto de ação para ser executado na escola, discutindo a importância de se trabalhar
temáticas deste tipo e estimular a escola em sua totalidade a dar continuidade ao nosso
trabalho, integrando em seus planos de ações propostas seguindo a presente temática. Pois
os P.C.N.s prevêem que cabe a escola desenvolver ação crítica, reflexiva e educativa.
Após informarmos a professora regente da sala em estudo e a coordenação da
escola sobre o que foi constatado entre os alunos e alunas, bem como a falta de ações da
escola é que surge a temática de trabalho, “A prática docente e a perpetuação de
estereótipos entre meninos e meninas: uma leitura a partir das teorias de gênero” ,
Uma vez que a importância de se trabalhar valores, resultantes de uma construção social no
cotidiano de alunos e alunas, que se encontra numa faixa etária entre oito e nove anos, cuja
identidade está em formação, é no sentido de possibilitar a estes/as, ainda crianças e ao
atingirem as suas idades adultas, a capacidade de argumentar e ter concepções sem
tendências preconceituosas. A priore, as hipóteses que tivemos sobre a existência da
problemática, foi a de que a escola prioriza conteúdos básicos apontados nos livros
didáticos; possui uma concepção restrita desta temática; de forma geral, não elabora
propostas sistemáticas de trabalho que apontem essas discussões, por não vê-la como uma
questão fundamental.
Desde o início do trabalho já percebíamos que, mediante um estudo mais de perto
sobre a realidade da escola, sob o ponto de vista pedagógico, teórico e prático, seria
possível haver aquisição de novos conhecimentos para a nossa formação, bem como, a
possibilidade de contribuirmos para a melhoria da qualidade de ensino, e também despertar
em nós a importância do olhar crítico, sobretudo, valorizar e aproveitar bem a experiência,
assim como, externar e causar incentivos para estudos. De fato, foi muito importante para
a estimulação de nossas capacidades de criar, planejar e elaborar ações pedagógicas em
beneficio da educação, sobretudo, nos atentarmos para a responsabilidade e quão deve ser
coerente e consciente a postura e as práticas do/a professor/a.
Enquanto pessoa humana adulta, o professor costuma ser considerado um
exemplo para os alunos. Quase sempre sem ter consciência exata disso, o professor
transmite a seus alunos atitudes positivas ou negativas em relação ao estudo e aos colegas,
transmite seus preconceitos, suas crenças, seus valores, etc. O aluno às vezes aprende
muito mais com o que o professor faz ou deixa de fazer, do que com aquilo que o
professor diz. È importante que o professor tenha consciência de que além de mero
transmissor de conhecimentos, ele é mais um dos exemplos adultos que os alunos em
desenvolvimento poderão vir a imitar. (PILETTI, 1990, p. 21). Negrito do autor.
Acreditamos que este tema é de fundamental importância em todos os momentos
de nossas vidas, mais oportuno, quando nos deparamos com crianças que ainda estão
construindo suas identidades e por considerar que o direito a informação tem que ser
respeitado, assim está previsto em documentos oficiais que norteiam o trabalho pedagógico
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como os P.C.N.s.
A oferta, por parte da escola, de um espaço em que as crianças possam esclarecer
suas dúvidas e continuar formulando novas questões, contribui para o alívio das ansiedades
que muitas vezes interferem no aprendizado dos conteúdos escolares. (PCN, 1997, p. 292)
E, por meio de um trabalho de inteira dedicação pode-se impedir muitos problemas
futuros, como comportamentos preconceituosos, visões estereotipadas em relação à gênero
e sexualidade, que entre os jovens e adultos desconstruir visões como estas, se tornam
muito mais difíceis, devido aos preconceitos adquiridos e imbuídos ao logo de sua
formação. Neste sentido, temos a expectativa, que este trabalho não se encerre com a nossa
intervenção de estagiários e pesquisadoras, mas que, a escola possa dar continuidade a este
e perceber que nossas ações são um princípio de uma trajetória bastante longa, um começo
de uma tarefa que poderá ser feita e construída de forma continua e permanente em prol da
efetivação do seu oficio, que é a melhoria e a oferta do ensino de qualidade. De acordo
com os P.C.N.s (1997), os temas polêmicos, demandam estudo, são fontes de reflexão e
desenvolvimento do pensamento crítico e, portanto, exigem maior preparo dos educadores
e educadoras. È importante, porém, que a escola possa oferecer um espaço dentro da
rotina escolar para essa finalidade.
A escola, sendo capaz de incluir a discussão da sexualidade no seu projeto
pedagógico, estará se habilitando a interagir com os jovens a partir da linguagem e do foco
de interesse que marca essa etapa de suas vidas e que é tão importante para a construção de
sua identidade. A comunicação entre educadores e adolescentes tenderá a se estabelecer
com mais facilidade, colaborando para que todo o trabalho pedagógico flua melhor. (PCN,
1997, p. 297)

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Carvalho (2004), ao realizar sua pesquisa sobre o Fracasso Escolar de Meninos e


Meninas: articulação entre gênero e cor/raça, salienta que poucas análises têm sido
desenvolvidas no âmbito das pesquisas brasileiras sobre as discussões de gênero e raça no
contexto escolar da produção cotidiana do sucesso/fracasso escolar no ensino
fundamental. Apesar de o nosso foco de estudo/trabalho aqui não seja o fracasso escolar e
sim a perpetuação de estereótipos entre meninos e meninas, isso nos interessa partindo do
princípio de que, de acordo com a autora, o espaço escolar ainda carece de discussões
voltadas para a valorização do empenho/desempenho do aluno, que pode estar atrelado à
forma como estão sendo construídas as relações de gênero no interior da escola, levando
muitas vezes ao fracasso e evasão dos alunos.
É importante sabermos qual é a compreensão que os professores/as tem sobre
valores construídos socialmente, como gênero, sexo e sexualidade e em que medida suas
opiniões sobre masculinidade e feminilidade interferem sobre as relações professor
(a)/aluno(a), aluno(a)/aluno(a), aluno(a)/professor(a), se há ou não discriminação e visões
estereotipadas. Se há, o que tem sido feito para mudar? E como? Pois, em educação, é
fundamental que a escola esteja preocupada com o desenvolvimento dos seus participantes,
o rendimento e a permanência escolar dos alunos/as, sobretudo, a formação dos/as
educador/as. Até mesmo para que os julgamentos sejam bem fundamentados, sem
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preconceitos e estereótipos explícitos.


Para garantir essa coerência, ao tratar de tema associado a tão grande multiplicidade
de valores, a escola precisa estar consciente da necessidade de abrir um espaço para
reflexão como parte do processo de formação permanente de todos os envolvidos no
processo educativo. (PCN, 1997, p.299)
O resultado da pesquisa aponta também que, o desempenho escolar entre os sexos
não houve dificuldade em perceber que os meninos apresentam maiores dificuldades de
aprendizagem, advertência e comportamento, e isso foi algo merecedor de reflexão, na
medida em que na escola pesquisada não havia qualquer discussão acumulada a esse
respeito. No nosso caso, propomos esta reflexão, discussão, assim como o preparo do/a
professor/a em estar atento/a a questões como esta.
“No complexo processo que é a relação pedagógica, a racionalidade é apenas
ilusória, sendo inevitável “uma erupção de valores, de subjetividade, afetividade” e um
certo grau de dependência frente a interesse e preconceito”. (PERRENOUD, 1993, p. 23,
apud Carvalho, 2004, p. 275). Aspas do autor.
Neste sentido, enfrentar os preconceitos e procurar mudar os valores e as
predisposições adquiridas no processo de socialização e que estão também presentes na
cultura escolar é uma responsabilidade coletiva, de toda a escola e não somente do
professor/a. Portanto, daqueles e daquelas, que estão se preparando para exercer a
docência, a qual segundo Freire, é uma tarefa extremamente política, onde há perpetuação
de valores.
Creio poder afirmar, na altura destas considerações, que toda prática educativa
demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo,
ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados
e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função de
seu caráter diretivo, objeto, sonhos, utopias, idéias. Daí a sua politicidade, qualidade que
tem a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra. Especificamente humana a
educação é gnosiológica e diretiva, por isso política, é artística e moral, servi-se de meios,
de técnicas, envolve frustrações, medos, desejos. Exige de mim, como professor, uma
competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à minha atividade
docente. (FREIRE, 1998, p.78)
Por conseguinte, é de fundamental importância que nós educadoras/es estejamos
preparados para desenvolvermos na escola a construção de reflexões quando se trata de
formação de indivíduos, de alunos e alunas. Preocupando-se em evitar nesse espaço de
convivência, que a repressão, o preconceito e a falta de informação contribuam para que se
tornem pessoas infelizes.
A importância deste projeto se deu pela continuidade das atividades de estágio
realizadas em setembro de 2007, e de acordo com a temática, o desafio de trabalharmos
valores discriminatórios no cotidiano de alunos e alunas, oportunizando-os/as ainda
crianças, a compreensão de novos caminhos sem tendências preconceituosas;
possibilitando aos/as mesmos/as, a idéia de “liberdade”, percebendo que o preconceito e a
visões estereotipadas de “valores” afetam as relações entre os sexos. De acordo com os
P.C.N.s (1997, p. 307), será por meio do diálogo, da reflexão e da possibilidade de
reconstruir as informações, pautando-se sempre pelo respeito a si próprio e ao outro, que o
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aluno conseguirá transformar, ou reafirmar, concepções e princípios, construindo de


maneira significativa seu próprio código de valores.
Conforme Louro (2003), quando escrevera sobre Gênero e Magistério: identidade,
história, representação no espaço escolar, o que nos interessa abordar não é a diferença
sexual, mas a forma como essa diferença é representada ou valorizada, aquilo que se diz ou
se pensa sobre a diferença. Segundo ela, gênero se refere ao modo como as diferenças
sexuais são compreendidas numa dada sociedade, num determinado grupo, em
determinado contexto, ou, então, “ao modo como elas são trazidas para a prática social e
tornada parte do processo histórico”. (CONNEL, apud Louro, 2003, p.77).
Assim, a autora escreve sobre o conceito de gênero não ligado ao desempenho de
papeis masculino ou feminino, mas sim, ligado à produção de identidades – múltiplas e
plurais – de mulheres e homens no interior de relações e práticas sociais. Louro aponta
ainda, que essas relações e práticas não apenas constituem e instituem os sujeitos (homens
e mulheres), mas também produzem as formas como as instituições sociais são organizadas
e percebidas. Nesse sentido,

A escola, como um espaço social que foi se tornando, historicamente,


nas sociedades urbanas ocidentais, um lócus privilegiado para a formação
de meninos e meninas, homens e mulheres é, ela própria, um espaço
generificado, isto é, um espaço atravessado pelas representações de
gênero. (LOURO, 2003. p.77).

Além disso, a escola sempre foi um espaço ocupado à princípio, pelo sujeito
masculino, de um lado e de outro das carteiras circulavam apenas meninos e homens.
A própria estrutura curricular a partir da Primeira Republica até os anos de 1930,
era diferente entre meninos e meninas, e, portanto, chamada de educação dualista. Os
meninos tinham um currículo mais amplo, além das disciplinas básicas, o direito de estudar
filosofia, pois tinham-se em mente que estes iriam governar o país, já as meninas
estudavam nas escolas de primeiras letras, onde aprendiam a ler, as quatro operações
matemáticas e educação para o lar, as que conseguiam avançar eram no máximo normalista
Haidar, et al, (2002). A forma como mulheres e homens foram educadas/dos e estão sendo
educadas/os para o mundo faz com que se desenvolvam diferentes aspectos dos sistemas
pessoais e isso influencia diretamente seus papéis sociais.
É importante lembrar que a instituição escolar exerceu, desde seus inícios uma ação
distintiva, uma ação diferenciadora, não apenas por tornar os que nela entravam distintos
dos outros (daqueles/as que a ela não tinha acesso), mas também por dividir internamente
os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento,
hierarquização. (LOURO, 2003, p.78)
Assim, buscamos demonstrar como a escola pode constitui-se como espaço
aglutinador, integrando socialmente indivíduos que lá convivem sem desmerecer a
particularidade de cada um, construir relações de respeito e alteridade, ou um espaço onde
se perpetua discriminações, estereótipos, etç. Pois, cabe a esta disseminar dentre outros, a
valorização humana e enquanto local de formação, que possa lançar bons frutos a
sociedade, acima de tudo, formar seres humanos melhores no sentido afetivo, respeito aos
outros e a si mesmos. Educar e orientar para a vida.
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O trabalho sobre relações de gênero tem como propósito combater relações


autoritárias, questionar a rigidez dos padrões de conduta estabelecidos para homens e
mulheres e apontar para sua transformação. Desde muito cedo são transmitidos padrões de
comportamento diferenciados para homens e mulheres. A flexibilização dos padrões visa a
permitir a expressão de potencialidades existentes em cada ser humano e que são
dificultadas pelos estereótipos de gênero. Como exemplo comum, pode-se lembrar a
repressão das expressões de sensibilidade, intuição e meiguice nos meninos ou de
objetividade e agressividade nas meninas. As diferenças não precisam ficar aprisionadas em
padrões preestabelecidos, mas podem e devem ser vividas a partir da singularidade de cada
um. (PCN, 1997, p. 322)
Com este trabalho, nosso objetivo maior foi identificar e combater as discriminações,
estereótipos, preconceito e discutir questões relacionadas a sexualidade e as relações de gênero.
Proporcionando aos alunos e alunas, dentro do convívio escolar, a reflexão sobre as causas
e efeitos dos estereótipos, na relação de gênero, de forma que possam respeitar às
diferenças entre meninas e meninos e contribuir para que estes e estas possam se
desenvolver com criticidade.
Segundo os P.C.N.s (1997), temas como esse, vinculam-se ao exercício da cidadania
na medida em que propõe o desenvolvimento do respeito a si e ao outro e contribui para
garantir direitos básicos a todos, como a saúde, a informação e o conhecimento, elementos
fundamentais para a formação de cidadãos responsáveis e conscientes de suas capacidades.
A escola deve organizar-se contribuir, portanto, efetivamente com ações para que os
alunos/as sejam capazes de absorverem conhecimentos para o seu autoconhecimento,
desmistificando preconceitos, repensando tabus, conhecendo a dimensão da sexualidade
humana, analisando criticamente os estereótipos, que sejam acima de tudo tolerantes e
solidários/as.

AÇÕES METODOLOGICAS

Visto que a turma apresentava tendências preconceituosas e estereótipos, o desafio


era propor a compreensão de novos caminhos, a reflexão sobre o respeito às diferenças
sociais. Para tanto, foi realizado durante dez regências atividades de reflexão como filmes e
produções textuais, afim de compreendermos como se dão as relações e construções
sociais no interior da escola, elaboramos uma exposição de cartazes explicando os
conceitos de sexo, gênero e sexualidade, seguindo de produção textual para que os alunos e
as alunas pudessem expressar de forma escrita suas opiniões.
A fim de percebermos as concepções dos alunos e alunas com relação as
representações de gênero e, ao mesmo tempo proporcionar uma interação e descontração
entre eles e elas, foi realizado momento recreativos com músicas, brincadeiras de roda,
dinamizações e oficinas, construção de cartazes de “imagens” de homens e mulheres, com
enfoque nas “vantagens” e “desvantagens”, “dificuldade” e “facilidade” dos mesmo nas
varias etapas da vida. Através dos cartazes foi trabalhado também atributos e valores que a
sociedade produz para homens e mulheres, debatendo juntamente com os alunos e as
alunas sobre estereótipos e preconceitos, explicando assim as conseqüências dos mesmos
na vida das pessoas.
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Nas produções realizadas durantes as aulas, foi trabalhado sínteses, perguntas orais,
explicações e compartilhamento das aprendizagens. Além disso, Foram desenvolvidas
também na sala de aula, atividades escritas com abordagem de conteúdos, afim de que os
alunos e alunas refletissem e dialogassem entre si sobre a discussão central do nosso
trabalho: combater as discriminações, estereótipos, preconceito e discutir questões
relacionadas a sexualidade e as relações de gênero.
Ao término dos nossos trabalhos, foi realizada uma dramatização a partir de textos
literários, um recital de poesias, baseado nas discussões das representações de gênero ao
longo da história, de forma que os alunos e as alunas expressassem as aprendizagens
desenvolvida durantes às aulas.
A avaliação aconteceu de forma continua através do acompanhamento e análise das
atividades realizadas de acordo com os critérios: participação e envolvimento dos/as
alunos/as; análise das atividades, dos debates, exposições de idéias, produção textual sobre
concepções, entendimento das discussões realizadas; auto-avaliação com a participação da
turma.
O trabalho de Orientação Sexual no espaço específico não comporta avaliação por
meio de notas ou conceitos, como habitualmente se pratica na escola. É fundamental
realizar uma avaliação contínua do processo de trabalho, solicitando comentários dos
alunos sobre as aulas desenvolvidas, o debate dos temas, a postura do educador, os
materiais didáticos utilizados, o relacionamento da turma e o que ficou de mais importante
para cada um, assim como as dúvidas que persistem e os temas que merecem ser
retomados ou desmembrados. Questionários para avaliar tanto as informações quanto as
opiniões dos alunos, sobre os temas gerais da sexualidade, podem ser aplicados no início e
no final de cada programa desenvolvido, para colher dados, o que pode ser muito útil na
avaliação do trabalho de Orientação Sexual. (PCN, 1997, p. 335)
Conforme os P.C.N.s (1997), um dos aspectos a ser considerado, no que tange a
abordagem de temas como a sexualidade é a formação do professor ou profissional da
educação que se responsabiliza por essa tarefa. É importante o aprofundamento teórico
sobre as questões contidas no trabalho de Orientação Sexual. Por tratar-se de temática
multidisciplinar, comportam contribuições de diferentes áreas do conhecimento, como
Educação, História, Sociologia, Antropologia, Psicologia, Psicanálise, Economia e outras.
Também é importante a construção permanente de uma metodologia participativa, que
envolve o lidar com dinâmicas grupais, a aplicação de técnicas de sensibilização e facilitação
dos debates, a utilização de materiais didáticos que problematizem em vez de “fechar” a
questão, possibilitando a discussão dos valores (sociais e particulares) associados a cada
temática da sexualidade. A montagem de um acervo de materiais na escola — como textos
e livros paradidáticos, vídeos, jogos, exercícios e propostas de dramatização —, é
importante para a concretização do trabalho.
Procuramos envolver a escola nas discussões, nas oficinas, e também nos
planejamentos de outras atividades que foram desenvolvidas na sala de aula, para que
pudéssemos perceber como nossa proposta de trabalho, as motivaria, ou criassem nelas um
interesse sobre a temática em questão. Porém o envolvimento direto da escola se deu
apenas pela participação da professora regente da turma que realizamos os trabalhos, a qual
presenciou muitas discussões e atividades, dando suas sugestões e contribuições, pois
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estava sempre presente, ajudando-nos a identificarmos o perfil dos alunos/as, tirando


dúvidas, pronta para auxiliar-nos no que fosse preciso, além de adotar os materiais
metodológicos e didáticos preparados por nós, para trabalhar questões da sexualidade e
similares na turma que ministrava aula no turno oposto. Assim como a professora regente,
a coordenação e direção da escola receberam: uma cópia, do projeto de intervenção, da
proposta para a atividade diagnóstica, do projeto de pesquisa (ação), da proposta para o
desenvolvimento da parte prática do projeto.
Receberam ainda, durante os dias que realizamos as atividades práticas, o plano de
atividade diária que foi desenvolvido, assim como convites para presenciarem e
participarem das discussões. Mas apesar de se colocarem a disposição para contribuírem,
prestando apoio e nos orientado quanto ao uso de espaços (sala de vídeo, por exemplo),
sobretudo, disponibilizando a escola para desenvolvimentos de pesquisas, estágios, etc.
(fato muito positivo e de grande valia), entretanto, não participaram efetivamente das
atividades durantes o desenvolvimento da parte prática do projeto, exceto, no dia do
encerramento, o qual foi norteado por falas sobre o projeto, dinamizações, recital de
poesias, dramatizações, brincadeiras e confraternização, momento em que houve também,
participações dos pais e responsáveis pelos/as alunos/as e visitantes.
Ainda de acordo com os P.C.N.s, é importante que proposta como apresenta esse
trabalho, seja inserida no projeto pedagógico da escola, e que se criem condições de
progressiva qualidade na abordagem dos conteúdos ligados à sexualidade PCN (1997, p.
331). Aponta também, que antes de iniciar o processo junto aos alunos é fundamental que
o corpo de profissionais da escola discuta o assunto com todos os agentes escolares,
explicitando a forma de abordar o tema com os alunos. Não só a direção e os professores
devem ser inteirados da inserção de Orientação Sexual na escola. Também os funcionários
administrativos e de apoio devem participar, de alguma forma, do trabalho a ser realizado.
Dessa forma, justifica-se a importância de um conhecimento mais apropriado e próximo
do trabalho que realizamos.

O PROJETO POLÍTICO DA ESCOLA E AS QUESTÕES TRANSVERSAIS

O Projeto Político Pedagógico da escola (2007) é fundamentado nos pressupostos


das concepções de Dermeval Saviani, John Dewey, Lev S. Vygotski, LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação) e a Revista Isto É. De acordo com as nossas observações,
o projeto não apresenta em sua composição, traços de estereótipos e preconceitos,
entretanto, os estereótipos e preconceitos podem estar ocultos, pois não há menção,
discussões acerca de temas como sexualidade, gênero, etc., onde poderíamos constatar ou
não, os preconceitos e estereótipos. Ausência de discussões nos temas relativos a
sexualidade na escola, e mais especificamente na sala de aula, gera como conseqüência, falta
de informações tanto para os professores/as quanto para os alunos/as, que não se dão
conta de que a não abordagens desta temática implica em lidar com seus próprios
preconceitos e fantasia. (ADOLPH, s/d).
Orientar e discutir de forma a atender as especificidades e curiosidades
apresentadas pelos/as alunos/as de forma “segura” evita causar “bloqueios e a propagação
de preconceitos e estereótipos, dentre outros”. Entretanto, se a falta de conhecimentos,
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despreparo e dificuldades para abordar e trabalhar a orientação sexual toma o espaço


escolar, não só os bloqueios vão acontecer, por não haver espaços e incentivos para
manifestações, do mesmo modo, equívocos nas orientações estão sujeitos a acontecer,
pressupondo a formações e concepções também fragilizadas e equivocadas.
Também parece-nos equivocado, uma escola fundamentar seu Projeto Político
Pedagógico (PPP) em teorias contraditórias como a de Saviani, Vygotski e Dewey, além do
mais, a escola adotou e implantou, por “imposição” da SEDUC o projeto “Se Liga” e
“Acelera” do Instituto Ayrton Cena.
Desse modo, percebemos que a falta de temas pode caracterizar como um entrave
para que se discuta algo de extrema importância. Pois, além de não haver discussões de
como se dá os trabalhos nesse sentido, não apresenta nenhuma proposta. Assim como não
adota também, os P.C.N.s (Parâmetros Curriculares Nacionais) como um norte para as
ações pedagógicas, inclusive no que se refere às discussões sobre a sexualidade e gênero.
De acordo com os P.C.N.s,
Atualmente, reivindica-se a inclusão da categoria de gênero, assim como etnia, na
análise dos fenômenos sociais, com o objetivo de retirar da invisibilidade as diferenças
existentes entre os seres humanos que, por vezes, encobrem discriminações. Por exemplo,
um dado estatístico, como “nível de escolaridade médio atingido pelo alunado brasileiro”,
não expõe as diferenças entre o nível de escolaridade de meninos e de meninas, assim
como a diferença da escolaridade atingida por crianças brancas e crianças negras.
Entretanto, incluindo-se essas variáveis, o mesmo dado estatístico revelará diferenças que
podem ser analisadas como discriminações. Trata-se, portanto, de desvendar e explicitar as
discriminações e preconceitos associados ao gênero, no sentido de garantir a eqüidade
como princípio para o exercício da cidadania. (PCN, 1997, p. 322)
Isso porque, ainda de acordo com o referido P.C.N., experiências bem-sucedidas
com orientação sexual em escolas que realizam esse trabalho apontam para alguns
resultados importantes: aumento do rendimento escolar (devido ao alívio de tensão e
preocupação com questões da sexualidade) e aumento da solidariedade e do respeito entre
os alunos. Quanto às crianças menores, os professores relatam que informações corretas
ajudam a diminuir a angústia e a agitação em sala de aula. No caso dos adolescentes, as
manifestações da sexualidade tendem a deixar de ser fonte de agressão, provocação, medo
e angústia, para tornar-se assunto de reflexão.
Enfatizando um pouco mais, Adolph (s/d), adverte que, grande parte das
observações contidas nos P.C.N.s. estão na preocupação do Estado acerca do trabalho de
prevenção das D.S.T.s., a partir da constatação das transformações ligadas à sexualidade
ocorridas no interior de nossa sociedade nestes últimos anos. Daí a importância de levar
esse tema para as escolas. A Idéia central contida neste documento (os P.C.N.s) tem a ver
com a saúde sexual reprodutiva e os cuidados necessários para promovê-la.
Apesar de considerarmos a importância das contribuições dos P.C.N.s. e o papel do
Estado, as abordagens e direcionamentos pela escola, acerca da sexualidade, devem
abranger um campo muito maior para se trabalhar, pois o espaço escolar é movimentado
por relações e nele se constitui, identidades e sujeitos. Por isso é que estamos apontados de
maneira abrangente as questões que envolvem a sexualidade e suas dimensões; a
construção de relações e sua ligação com o ensino.
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Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 04 Nº 07 – 2008
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Reconhecendo o fenômeno educacional como intrinsecamente articulado à vida


humana associativa, é necessário considerar que a sexualidade na sua dimensão educativa
remete à esfera política, econômica, social e ética da vida dos alunos. (CARVALHO, 2005)
Além disso, a sexualidade como fenômeno educativo, implica não apenas um
esforço de mudanças pedagógicas, mas um esforço de mudança cultural. E essa mudança
nem o professor/a, nem a sua formação dão conta dela exclusivamente, pois envolve um
processo social e cultural em nível societário, em nível organizacional. CARVALHO (2005)
No que se refere ao currículo, analisado no Projeto Político Pedagógico - PPP, sob
a ótica da nossa discussão, observamos que do 1º ao 5º ano, os conteúdos seguem as
mesmas temáticas, como: “Corpo Humano”, “Características Físicas”, “Higiene e Saúde”,
“Movimentos do Corpo Humano”, “Como é o Nosso Corpo”, “Como São os Seres Humanos”, Fases da
Vida, Conhecimento do Corpo, Reprodução (ciências); “Identidade” (história). Sendo que no
desenvolver das séries, vai ampliando as abordagens. Os professores/as em suas aulas
utilizam diversos materiais e exploram os momentos de atividades conjuntas como: filmes,
livros didáticos, cartazes, dinamizações, músicas, pesquisas, visitas a locais diferentes (fora
da escola), realizam momentos para leituras, dentre outros.
Conforme o PCN,

Outro ponto que merece atenção é o material didático escolhido para o


trabalho em sala de aula, que muitas vezes apresenta estereótipos ligados
ao gênero, como a mulher predominantemente na esfera doméstica e
realizando trabalho não remunerado, enquanto o homem é associado ao
desempenho de atividades sempre na esfera pública. A atenção, o
questionamento e a crítica dos educadores no trato dessas questões é
parte do seu exercício profissional, que contribui para o acesso à plena
cidadania de meninos e meninas. (P.C.N., 1997, p. 325)

Para que tivéssemos uma compreensão mais aprofundada sobre os conteúdos


trabalhados, recorremos aos livros didáticos da série em estudo (4º ano), na busca de
abordagens, mesmo que não fosse proposta e sistematizada nos conteúdos curricular
contido no PPP (projeto Político Pedagógico). Nos quais constatamos, que embora não
estivessem programados no PPP, temas de extrema relevância são abordados na sala de
aula, que possivelmente e com um olhar mais atento, podem servir como subsídios nas
discussões em relação às questões de gênero, sexualidade diferenças sociais, etc., tais como:

“Valores” (direitos constitucionais – da criança, do adolescente e do idoso, respeitos às diferenças,


o papel do homem e da mulher – passado e presente, trabalho e família, brincadeiras de ontem e de hoje);
“Pluralidade Cultural” (povos indígenas, povos afro-descendentes, africanos, particularidade do ser, diversas
culturas); “As Escola do Século Passado” (educação dualista, superlotação), “As Escolas Atuais”
(inclusão de raças e gênero, conteúdos variados); “A Primeira Escola Fundada no Brasil – Salvador”
(educação jesuíta – sem carteiras, sem matérias didáticos, sem espaço físico definido e com a catequização);
“Trabalhadores da Indústria do Século Passado” (com divisão de trabalhos entre mulheres, homens e
crianças); “Trabalhadores da Indústria Moderna” (com as múltiplas funções para homens e mulheres).
(PPP da escola, 2007)
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Assim, pode-se comprovar que os livros didáticos podem dá suporte nas


abordagens, porém, cabe aos professores e as professoras adquirir conhecimentos mais
aprofundados quanto às questões não previstas no PPP e que são de suma importância.
Considerando que os livros didáticos não apresentam sinais de estereótipos. Exemplo disso
é a representação em gravura de homens em outras esferas do trabalho, doméstica.
A escola, ao definir o trabalho com Orientação Sexual como uma de suas
competências, o incluirá no seu projeto educativo. Isso implica uma definição clara dos
princípios que deverão nortear o trabalho de Orientação Sexual e sua clara explicitação para
toda a comunidade escolar envolvida no processo educativo dos alunos. Esses princípios
determinarão desde a postura diante das questões relacionadas à sexualidade e suas
manifestações na escola, até a escolha de conteúdos a serem trabalhados junto aos alunos.
A coerência entre os princípios adotados e a prática cotidiana da escola deverá pautar todo
o trabalho. (P.C.N., - 1997, p. 299)
Nesse sentido, com o desenvolvimento deste estudo, esperamos contribuir com a
escola nas discussões e propostas para o desenvolvimento de ações voltadas para a temática
que está sendo estudada. Para tanto, iremos estimular a direção, a coordenação, professores
e professoras a terem acesso as nossas discussões de forma que possam de fato pensar
numa proposta de trabalho sistemática para a escola. De que forma:
•Discutindo sobre as análises apontadas pela pesquisa referente ao desempenho
pedagógico da escola (PPP, livros didáticos, conteúdos, currículo, etc);
•Promovendo momentos de reflexões, para entendermos como se constroem as
relações de gênero entre os sujeitos, bem como a postura política da docência;
•Realizando oficinas para estudarmos sobre documentos oficiais que norteiam as
práticas pedagógicas – P.C.N., referências bibliográficas, para esclarecer os conceitos
estudados durantes o período da pesquisa;
Com efeito, destacamos as experiências e os conhecimentos compartilhados e
produzidos durante a realização dos trabalhos, desde a primeira visita a escola ao término
das atividades. Destacamos, sobretudo, que lidar com questões relativas à prática docente,
mas especificamente as questões que envolvem a formação de sujeitos, a construção de
identidades, a formação da sexualidade e entender como se constrói as relações de gênero,
tratando-as de maneira a romper com os preconceitos e os estereótipos, as práticas
discriminatórias historicamente impregnadas nas relações sociais, é antes de tudo, lidar com
questões complexas, que exige postura política, sensibilidade, conhecimentos e abdicar de
formas repressoras que permeiam fortemente o ato educativo (familiar, escolar) além das
vivências cotidianas. Por conseguinte, enfatizamos a importância e a valorização desta
oportunidade, a qual extraímos de maneira prazerosa a importância do olhar crítico e a
tarefa de realizarmos uma pesquisa que nos possibilitou apontar caminhos para a
problemática diagnosticada, mediante aos constantes contatos com a teoria e a prática.
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RICARDO III, DE SHAKESPEARE: A GÊNESE DA


VILANIA SEDUTORA VIA LINGUAGEM

Enéias Farias Tavares[1]


Professor de Literatura Greco-Latina (UFSM)

Resumo: Nas primeiras peças históricas de Shakespeare, reis são carrascos ou vítimas. Ricardo III,
especialmente, pode ser caracterizado como pertencendo ao primeiro grupo. Entretanto, definir
Ricardo com uma superficial denominação de carrasco ou caráter destrutivo significa, por outro
lado, ignorar o que faz dessa peça, talvez a histórica mais popular de Shakespeare, um modelo de
estruturação dramática e representação psicológica. Enquanto os dois outros reis, Henrique VI e
Eduardo IV, passam despercebidos pelas três partes de Henrique VI, o disforme Ricardo clama pela
atenção do público como nenhum outro personagem havia feito antes. Talvez aqui, Shakespeare
tenha aprendido a despertar a curiosidade de sua audiência ao representar a interioridade de sua
protagonista. O objetivo desse estudo é fazer um comentário sobre os recursos retórico-
argumentativos usados por Ricardo na elaboração e na realização de seus planos.
Palavras-Chave: Critica Literária - Shakespeare – Ricardo III

Abstract: In the first Shakespeare’s historical plays, kings are torturers or victims. Richard III,
especially, is in the first group. Meanwhile, defines Richard with a superficial description of
hangman or as a destructive character means, on the other hand, to ignore what makes this play,
perhaps the most popular of Shakespeare’s historical plays, a model of dramatic structure and
psychological representation. While the other two kings before, Henry VI and Edward IV, pass
unnoticed by the three parts of Henry VI, the misshapen Richard calls for the public's attention like
no other character had done before. Perhaps here, Shakespeare has learned to arouse the curiosity
of his audience when represents the interiority of his protagonist. The aim of this study is to
present a commentary on the rhetorical and argumentative resources used by Richard III in the
drafting and implementation of his plans.
Key-Words:Literary Criticism – Shakespeare – Richard III

1 – História política e espetáculo cênico em Ricardo III

Ricardo III, composta entre 1592 e 1593, é a peça histórica mais longa de
Shakespeare, tendo mais de 3700 versos. Foi um sucesso estrondoso, talvez o primeiro do
autor ao lado de Titus Andronicus, tendo-se relato de suas apresentações até 1633, quase
vinte anos depois da morte do dramaturgo. Encerrando a tetralogia que dramatiza a Guerra
das Rosas, após as três partes de Henrique VI, Ricardo III finaliza com o casamento entre
Henrique Lancaster e Elizabeth York, união que encerra o conflito civil e dá início ao
prospero e popular período Tudor. A se ressaltar que o drama em questão tem uma dupla
qualidade: funciona como peça histórico-política na descrição dos jogos e intrigas do
poder, como também representa um êxito artístico-cênico de Shakespeare ao criar, pela
primeira vez, um vilão capaz de ganhar a simpatia de seu público mesmo em seus
momentos mais pérfidos.
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É um drama que já evidencia o interesse de Shakespeare pelo efeito cênico de sua


obra. Enquanto em outras peças contemporâneas apresentam uma longa introdução
dramática[2], Ricardo III já mergulha na ação, recurso que mais tarde Shakespeare usaria em
peças da fase madura como Hamlet ou Otelo. Nessa peça, não se tem tempo de pensar ou
refletir sobre as tramas de Ricardo, já abrindo com o complô contra a vida do próprio
irmão, Clarence, e a conquista amorosa de Lady Anne, uma de suas vítimas. Também é
notável a concisão temporal que Shakespeare busca no seu drama, se comparada com a
cronologia histórica. Sabe-se que, segundo os principais historiadores lidos pelo
dramaturgo, Raphael Holinshed e Edward Hall, Ricardo se casa com Lady Anne em 1471 e
que seu irmão é morto na torre em 1478. Entretanto, o que na história se passa em quase
uma década, em Shakespeare se passa em pouco mais de duas semanas.[3] Entre o
assassinato de Henrique VI e a morte de Eduardo IV, algo deve ter modificado essa
personagem, que passa de vilão medíocre no fim de Henrique VI para abismo niilista, que
só veremos igual no Iago de dez anos depois. A protagonista do drama, conde de Glocester
e depois Ricardo III, é inspirada nos vilões de Christopher Marlowe, como Barrabás,
porém investido de qualidades discursivas que fazem com que o público, expectador ou
leitor, esqueça de seus reais propósitos destrutivos.
A peça abre com Glocester despedindo-se do irmão Clarence, que foi enviado à
prisão pelo rei Eduardo devido à intriga do primeiro. Após isso, Glocester consegue
seduzir Lady Anne e convencê-la a casar-se com ele, mesmo tendo sido o responsável pela
morte do esposo e do sogro dela. No palácio, a rainha Elizabeth teme por sua vida e pela
vida dos filhos se Eduardo vir a falecer. Glocester recebe as maldições da rainha, de sua
mãe e da antiga rainha, Margarida. No drama, as três mulheres mais próximas de Ricardo, a
mãe York, a cunhada Elizabeth e a rainha anterior Margareth funcionam como Hécate ou
como Coro que enunciam a real natureza do futuro rei. O primeiro ato fecha com o
assassinato de Clarence na torre, morto por dois homens enviados por Ricardo. No
segundo ato, o rei Eduardo acaba com a desavença entre Hastings e Rivers. Poucos dias
depois do rei saber da morte de Clarence, vem ele também a falecer. Nesse ponto, Ricardo
passa a articular seu plano de chegar ao trono. Inicia-o prendendo os protetores do novo
herdeiro, Lorde Rivers e Lorde Grey. Com a ajuda de Buckinham, prende os dois filhos de
Eduardo na torre, para o desespero de Elizabeth. Após prender Hastings, falsamente
acusado de traição, Ricardo ordena a decapitação de Rivers e Grey. Após a morte de
Hastings, acusa os filhos de Eduardo de bastardia, novamente24

24
Detalhes cronológico-temporais pouco importavam a Shakespeare, mas sempre receberam a atenção da
crítica. No caso de Ricardo III, as ilustrações de John Gilbert são interessantes como corpus de análise por
representarem Glocester ainda na juventude, ao fim de 3 Henrique VI, e como rei em Ricardo III, bem
mais velho. Mesmo detalhe foi percebido pelo artista na composição das ilustrações para Hamlet, na qual o
príncipe do quinto ato aparece mais maduro que o do quarto. Abaixo três variações da imagem da
personagem Ricardo III em ilustrações de Gilbert.
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Figura 1. John Gilbert. Ilustração para Henrique VI, V.iv. Ricardo mata Henrique VI.
Figura 2. John Gilbert. Ilustração para Ricardo III, I.iii. Ricardo corteja Lady Anne.
Figura 3. John Gilbert. Ilustração para Ricardo III, III.i. Ricardo ao lado dos bispos segura a bíblia.

usando Buckinham, a quem prometeu o condado de Hereford. Este convence os clérigos,


o prefeito londrino e os vereadores da religiosidade exemplar de Ricardo, requisito para ser
indicado ao trono. Seguros da honra do candidato, esses o designam rei, recebendo o título
de Ricardo III. No quarto ato, o rei ordena a morte dos filhos de Eduardo. Despreza
Buckinham e não cumpre o prometido ao nobre. Após a morte dos herdeiros e de Anne,
Ricardo continua a articular seus planos para permanecer no poder. Há um clima de
descontentamento entre a população, que passa a dedicar a Richmond, herdeiro Tudor, a
preferência ao trono. Ricardo convence Elizabeth a lhe dar a filha em casamento,
anteriormente prometida a Richmond, para fortalecer ainda mais sua permanência no
poder. Após isso, recebe notícias de que seus inimigos, apoiando Richmond, organizaram
um grande exército para lhe tirar do poder. No quinto ato da peça, vemos Buckinham
arrependo-se de ter ajudado Ricardo e Richmond, futuro Henrique VII, discursando sobre
a necessidade de destruírem o monstro que ocupa o trono. Temos uma visão das tropas de
Ricardo, mergulhadas em medo, e das tropas de Richmond, inspiradas pela confiança do
nobre. Ricardo sonha com os fantasmas de suas vítimas. No campo de batalha, Ricardo,
abandonado pelos poucos soldados que tinha, morre nas mãos de Richmond, que é
aclamado novo rei. Como no fim das outras históricas, tem-se a irônica sensação de que a
história se repete, por mais que o atual rei seja diferente dos anteriores.
Em Shakespeare a realização dramática desses reinos tem uma forma cíclica, no
qual todos os dramas, atos e assassinatos resultam num reinado não muito diferente do
anterior. “Esses círculos repetidos, imutáveis, que a história descreve são os reinado
sucessivos. Cada uma dessas grandes tragédias começa pela luta para conquistar ou
fortalecer o trono, e termina com a morte do monarca e uma nova coroação”[4]. Como
bem aponta Jan Kott, tais círculos monárquicos são maravilhosamente traçados nessa
primeira tetralogia em que um rei fraco (Henrique VI) dá lugar a um rei egotista (Eduardo
IV) que, por sua vez, dá lugar a um rei destrutivo (Ricardo III). Nessas peças, todos os
monarcas são carrascos ou vítimas, direta ou indiretamente. Poderíamos pensar que
Henrique V poderia significar uma exceção mas até ele é obrigado a abandonar seu velho
amigo-professor-pai Falstaff e a condenar um velho companheiro à morte quando a lei
estatal assim o exige. No caso de Ricardo III, a denominação de carrasco lhe cai como uma
luva, especialmente por tratar-se aqui de um carrasco que aprecia sua tarefa.
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No entanto, resumir Ricardo a uma superficial denominação de carrasco ou


destrutivo significa, por outro lado, ignorar o que faz dessa peça, talvez a histórica mais
popular de Shakespeare, um modelo de estruturação dramática e representação psicológica.
Enquanto os dois outros reis passam batidos pelas três partes de Henrique VI, o disforme
Ricardo clama pela atenção do público, como nenhum outro personagem havia feito antes.
Talvez aqui, Shakespeare tenha aprendido a prender a atenção de seu público pelo viés da
própria curiosidade dessa audiência no que diz respeito à interioridade de suas personagens.
O objetivo desse estudo é apresentar um comentário sobre os recursos retórico-
argumentativos usados por Ricardo visando concretizar seus planos.

2 – Um mundo para brincar e destroçar: a mentalidade destrutiva de Ricardo III

Ainda sobre a influência de Marlowe, Shakespeare, nas suas primeiras peças,


exagera nos tons, sejam eles de violência visual ou descrição vilanesca, sobretudo na
composição da personagem Aarão de Titus Andronicus. Tanto na trama que leva ao estupro
e posterior degradação física de Lavignia, quanto no envio das cabeças dos filhos a Titus,
ou ainda em sua descrição arrependida de não ter praticado mais horrores, Aarão carece
dessa capacidade lingüística extremamente elaborada que encontramos em Ricardo. A
constituição desse primeiro grande vilão shakespeariano, um vilão mouro, nos lembra
muito a do Judeu de Malta, de Marlowe, em que Barrabás convida um grupo de sacerdotes
cristãos para um banquete no qual planeja os jogar em óleo fervente por estes terem
apreendido seus bens. Futuramente, Shakespeare iria reescrever essas tipificações em O
Mercador de Veneza e em Otelo, ao criar um judeu e um mouro bem mais complexos. Mas
apenas com cinco anos de experiência dramatúrgicas, Shakespeare já dá um salto
qualitativo com o seu Ricardo III. Sobre essa influência inicial da obra de Marlowe, Honan
escreve:

Shakespeare aprendeu muito com um poeta que apontou o caminho de novas


técnicas psicológicas para a dramaturgia. Isolando um Guise, um Fausto ou um
Barrabás e deixando-os “falar à revelelia” de seus interlocutores, Marlowe
mostrou a outros poetas como levar ao palco uma psique aberrante e
fascinante, expor seus sofrimentos e fazê-la imprimir o seu tom a um drama.
Shakespeare parece valer-se desses métodos ao compor Tito, Henrique VI e
Ricardo de Glocester e desenvolvê-los mais tarde em personagens egocêntricos
como Hamlet, Coriolano e Timão.[5]

Embora seja inegável essa influência, o que facilmente se percebe é um constante


interesse de Shakespeare com a experimentação cênica. Ricardo não é apenas um mestre da
falsidade e da maquinação política e criminosa, mas também é um hábil artífice da conversa
verborrágica e do convencimento por meio da linguagem. Entretanto, o próprio
Shakespeare parece olhar com relativa desconfiança essa habilidade. A verborragia de
Ricardo, assim como a articulação lingüística de Iago em Otelo, pode indicar que, para
Shakespeare, certas personalidades de grande flexibilidade argumentativa podem não passar
de um “tambor oco”. Sobre isso, Honan argumenta que “a habilidade de Ricardo como
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poseus provém de seu terrível isolamento e inadequação – e ele tem êxito como showman em
parte porque sua vida interna é parca e moralmente frouxa. Sua criativa capacidade
destrutiva é brilhante, mas tem vida curta”[6]. Essa mesma vida curta fica evidente na
configuração do alferes de Otelo, em que poucos minutos a mais poderiam rapidamente
destruir os ardis do vilão. Se Ricardo é esse mesmo vilão discursivamente exuberante,
também são exuberantes as imagens que Shakespeare usa para reforçar seu caráter pérfido.
Nesse caso, são animais baixos, ferozes e famintos, sempre associados a Ricardo. Sobre o
bestiário usado pelo dramaturgo nessa peça, Caroline Spurgeon escreve:

Em Ricardo III existe um simbolismo animal muito simples, porém


bastante contínuo e insistente, sempre centrado em Ricardo, ressaltando
as qualidades de impiedosa crueldade de seu caráter tal como este afeta
os que entram em contato com ele. Pelas mulheres suas parentes, que o
odeiam e temem, Ricardo é comparado a tudo o que há de mais
repugnante no mundo animal; sua mãe o chama “cão do inferno”, “cão
que morde com presas envenenadas”, “aranha engarrafada”, “sapo
corcunda e venenoso”, “um aborto de porco a fuçar, marcado por
demônios”; a rainha Elizabeth, mais tarde, ecoando a mãe dele, o chama
de “sapo” e “aranha”, chorando suas pobres ovelhinhas atiradas nas
entranhas do lobo; e Anne, em sua primeira e memorável entrevista
com ele, exclama: “Jamais pousou o veneno em sapo mais repulsivo” e
deixa implícito que ele é pior que um animal selvagem, pois “não há fera
tão feroz que não tenha um toque de piedade”. Outros – Hastings,
Richmond, Derby – falam dele como “javali sumamente sanguinário” e
“suíno imundo”.[7]

Tais imagens, sempre poderosas, relacionadas a Ricardo põem em evidência a


discussão proposta por Shakespeare entre aparência e realidade. A peça indica que há sinais
de que algo está errado, de que algo está fora dos eixos. Primeiramente esse desacordo
entre as leis naturais e os assuntos naturais está presente na conversa entre dois
cidadãos[8]. Nesse diálogo, há um imaginário natural que remete à aparência das coisas,
aparência que deve e precisa condizer com a essência das coisas. No entanto, uma cena
mais tarde, Ricardo esclarece ao sobrinho e também ao público que nem sempre aparência
e essência estão em acordo.

Sweet prince, the untainted virtue of your years


Hath not yet dived into the world's deceit
Nor more can you distinguish of a man
Than of his outward show; which, God he knows,
Seldom or never jumpeth with the heart.
Those uncles which you want were dangerous;
Your grace attended to their sugar'd words,
But look'd not on the poison of their hearts :
God keep you from them, and from such false friends![9] (III.i)
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Desde o início da peça, sabemos que Ricardo é esse amigo falso. Dizendo e
pensando uma coisa, mas sempre fazendo outra. Assim como outros vilões, após Aarão e
antes de Iago, Ricardo adora a elucidação didática dos seus planejamentos futuros. Se
observarmos a personagem ainda em 3 Henrique VI, há um grande salto entre o monstro
assassino da peça anterior e o disforme regente que nos convida a desfrutar da maquinação
e realização de sua conquista do trono. “Logo após a morte do pai, essa tortuosa figura,
física e mentalmente deformada, mesmo que ainda não totalmente amadurecida, por assim
dizer põe as cartas na mesa a respeito da própria personalidade. É só na peça seguinte, que
leva seu nome, que Ricardo se completa e se realiza inteiramente.”[10], escreve Barbara
Heliodora. Segundo ela, é a diferença entre o “tosco, óbvio, tão primário em seus sonhos e
ambições” da terceira parte de Henrique VI e a personificação do “desejo do poder tão
despido de complexidades e reflexões maiores” que encontramos em Ricardo III. O drama
abre, com essa personagem, solitariamente encarando a audiência, já anunciando ao público
o que acontecerá a seguir:

Now is the winter of our discontent


Made glorious summer by this sun of York;
And all the clouds that lour'd upon our house
In the deep bosom of the ocean buried.
Now are our brows bound with victorious wreaths;
Our bruised arms hung up for monuments;
Our stern alarums changed to merry meetings,
Our dreadful marches to delightful measures.
Grim-visaged war hath smooth'd his wrinkled front;
And now, instead of mounting barded steeds
To fright the souls of fearful adversaries,
He capers nimbly in a lady's chamber
To the lascivious pleasing of a lute.
But I, that am not shaped for sportive tricks,
Nor made to court an amorous looking-glass;
I, that am rudely stamp'd, and want love's majesty
To strut before a wanton ambling nymph;
I, that am curtail'd of this fair proportion,
Cheated of feature by dissembling nature,
Deformed, unfinish'd, sent before my time
Into this breathing world, scarce half made up,
And that so lamely and unfashionable
That dogs bark at me as I halt by them;
Why, I, in this weak piping time of peace,
Have no delight to pass away the time,
Unless to spy my shadow in the sun
And descant on mine own deformity:
And therefore, since I cannot prove a lover,
To entertain these fair well-spoken days,
I am determined to prove a villain
And hate the idle pleasures of these days.[11] (I.i)
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Marcado, deformado, mal-formado, vindo ao mundo apressadamente, já com


dentes, motivo de risos e de latidos, o corcunda Ricardo deixa claro que não é amigável,
nem amante, nem elegante, muito menos gentil. Sendo carente dessas formas que fazem
os homens se entreterem com seus iguais, Ricardo está decidido a ser o vilão de sua
própria vida. Um vilão que pode matar e sorrir, mentir e chorar, trair e jurar. Sua
hipocrisia, talvez a hipocrisia mais irônica de toda a dramaturgia shakespeariana, envia
o irmão para morte fazendo gracejo com o ato: “Go, tread the path that thou shalt ne'er
return. / Simple, plain Clarence! I do love thee so, / That I will shortly send thy soul to
heaven, / If heaven will take the present at our hands”(I.i)[12]. Para Ricardo, seu
objetivo é o próprio mundo. Mas não um mundo que possa lhe servir ou lhe agradar e
sim um mundo que ele consiga bagunçar, brincar e destruir. “Which done, God take
King Edward to his mercy, / And leave the world for me to bustle in!”[13](I.i). Como
fica evidente, não há propósitos para as conquistas de Ricardo. Seu único objetivo é a
destruição, pois só ela corresponde a sua fúria contra um mundo que o fez existir,
disforme física e mentalmente como é.
Entretanto, enquanto nos apartes se evidencia essa ironia destrutiva de Ricardo,
a peça brinca com a capacidade da personagem de fingir exatamente o oposto. Quando
acusado de estar maquinando para chegar ao trono, Ricardo pragueja contra a cunhada
Elizabeth, atual rainha, por ela o estar acusando falsamente. Ao se apresentar como um
homem sincero, não amante dos gracejos e adulações próprias da corte, Ricardo se
apresenta como um injustiçado.

They do me wrong, and I will not endure it:


Who are they that complain unto the king,
That I, forsooth, am stern, and love them not?
By holy Paul, they love his grace but lightly
That fill his ears with such dissentious rumours.
Because I cannot flatter and speak fair,
Smile in men's faces, smooth, deceive and cog,
Duck with French nods and apish courtesy,
I must be held a rancorous enemy.
Cannot a plain man live and think no harm,
But thus his simple truth must be abused
By silken, sly, insinuating Jacks?[14] (I.iii)

Vemos a constituição dessa capacidade de disfarçar o que realmente é na própria


regularidade com que Ricardo cita o relato bíblico. De longe, a personagem shakespeariana
que mais cita o texto religioso, o faz para seus próprios propósitos. “and, with a piece of
scripture, / Tell them that God bids us do good for evil: / And thus I clothe my naked
villany / With old odd ends stolen out of holy writ; / And seem a saint, when most I play
the devil[15] (I.iii). Crescentemente na peça, Ricardo, profundo conhecedor das escrituras
sacras, passa a brincar com essa imagem de humildade fingida que ao fim lhe dará o trono.
No entanto, antes de obter o trono da Inglaterra, a personagem deseja provar e trabalhar o
seu poder de persuasão. Fará isso conquistando a viúva do homem que matou.
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3. O poder de persuasão de Ricardo: um estudo sobre o diálogo de Ricardo e Ana

Park Honan, em sua biografia sobre Shakespeare, faz uma interessante comparação
entre o dramaturgo e sua personagem. Segundo ele, “Ricardo é agraciado com alguns dos
atributos do próprio autor, tais como o talento para a linguagem engenhosa, o gosto pelas
tiradas secas e inteligentes e a crença nos poderes inesgotáveis da representação e do faz de
conta. (...) Nunca se vira no palco elisabetano um assassino mais envolvente e
fascinante”[16]. Essa “linguagem engenhosa” fica ainda mais evidente quando estudamos
o modo como a própria peça se estrutura. Leslie Dunton-Downer e Alan Riding afirmam
que nessa peça, talvez a única em Shakespeare em que isso de fato acontece, toda a trama é
calcada no desenvolvimento da própria protagonista.

In this history play, Shakespeare for the first time creates a character who is
larger than the narrative. The play is fairly easy to follow because the plot is
controlled throughout by Richard, who, as the Duke of Gloucester, anticipates
each step of his climb to power. The chief weapon of his ambition, however, is
not violence, but language, language fed by his intelligence, cynicism, and total
amorality.[17]

Na cena escolhida como exemplificação dessa linguagem conectada a inteligência,


cinismo e amoralidade da protagonista, percebe-se a capacidade interminável de Ricardo de
improvisar com os artifícios lingüísticos que estão a sua disposição. No diálogo entre
Ricardo e Lady Anne, o que podemos nos perguntar é como Shakespeare expressa essa
mudança surpreendente entre a dama que assolava seu inimigo político com falas como
essa: “Foul devil, for God's sake, hence, and trouble us not; / For thou hast made the
happy earth thy hell, / Fill'd it with cursing cries and deep exclaims.”[18] (I.ii) e que pouco
depois, despede-se dele do seguinte modo:

LADY ANNE: With all my heart; and much it joys me too,


To see you are become so penitent.
Tressel and Berkeley, go along with me.
GLOUCESTER: Bid me farewell.
LADY ANNE: 'Tis more than you deserve;
But since you teach me how to flatter you,
Imagine I have said farewell already.[19] (I.ii)

Em menos de uma cena, Ricardo consegue reverter completamente o ódio


justificado de Anne em um estranho afeto que numa primeira leitura chega até a
comprometer a própria verossimilhança da cena. No início dessa, Anne acompanha o
esquife do esposo e do sogro, ambos mortos por Ricardo. Ao fim, Anne aceita o
compromisso de casamento proposto por seu inimigo. Refletindo sobre essa capacidade de
alterar completamente o caráter emotivo das pessoas perto de si, Honan ainda acrescenta
que “Ricardo lisonjeia sua dama indignada pedindo-lhe para ‘abrandar o passo’, imita o
ritmo das palavras de Anne, põe um ‘anjo’ onde ela tinha um ‘demônio’, diminui ou acelera
cadências em seus versos brancos e, na verdade, conquista Anne por pura agilidade
verbal”[20]. Mas como exatamente se caracteriza essa agilidade verbal de Ricardo?
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Primeiramente, o que a personagem faz é simplesmente transformar o ódio repleto de


maldições lançadas contra ele por Anne em blasfêmias. Isso fica bem evidente no diálogo
abaixo:

LADY ANNE: What, do you tremble? are you all afraid?


Alas, I blame you not; for you are mortal,
And mortal eyes cannot endure the devil.
Avaunt, thou dreadful minister of hell!
Thou hadst but power over his mortal body,
His soul thou canst not have; therefore be gone.
GLOUCESTER: Sweet saint, for charity, be not so curst.[21] (i.ii)

Com essa primeira artimanha, Anne já diminui o ritmo das palavras lançadas contra
ele. Após adentrar nas proteções de Anne, fazendo-a diminuir seu repertório de injúrias,
Ricardo inicia a segunda etapa de sua batalha lingüística. Nessa, ele dedica-se a proferir uma
sucessão de negações, antíteses, paradoxos que por fim rendem a vontade e o próprio ódio
de Anne. Para Ricardo, assassinato pode ser transformado em ajuda caridosa, céu em
inferno, prisão em alcova. Discutir com ele é como discutir com um espelho inteligente que
retorna as nossas palavras não meramente copiadas, mas devidamente alteradas para
reforçar sua intenção, usando como base nosso próprio argumento. Tal jogo interminável,
no qual o oponente não dá ao outro nem mesmo tempo para respirar seria usado por
Shakespeare mais tarde em várias de suas comédias, como em A Megera Domada, Muito
Barulho por Nada e Como Gostais. Aqui, uma conversa que começou com a menção a um
homem morto é em poucos versos transportada para a menção da cama da própria Anne.

LADY ANNE: Dost grant me, hedgehog? then, God grant me too
Thou mayst be damned for that wicked deed!
O, he was gentle, mild, and virtuous!
GLOUCESTER: The fitter for the King of heaven, that hath him.
LADY ANNE: He is in heaven, where thou shalt never come.
GLOUCESTER: Let him thank me, that holp to send him thither;
For he was fitter for that place than earth.
LADY ANNE: And thou unfit for any place but hell.
GLOUCESTER: Yes, one place else, if you will hear me name it.
LADY ANNE: Some dungeon.
GLOUCESTER: Your bed-chamber.
LADY ANNE: I'll rest betide the chamber where thou liest!
GLOUCESTER: So will it, madam till I lie with you.
LADY ANNE: I hope so.[22] (I.ii)

Passada essa segunda fase da gradativa conquista de Ricardo, agora é o momento da


personagem transformar Anne em cúmplice de seus atos. Como ele faz isso? Por afirmar
que o assassinato dos familiares da dama não se deu por ódio político ou por ira em meio a
guerra, mas pelo amor que o assassino dedicava a ela. Não suportando vê-la casada,
Ricardo afirma, assassina seu esposo por ciúme. Como expectadores, sabemos que Ricardo
possui esse toque de anti-midas, transformando tudo o que poderia ser honroso e leal em
lixo, passando a fazer o mesmo com a própria Anne.
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LADY ANNE: Thou art the cause, and most accursed effect.
GLOUCESTER: Your beauty was the cause of that effect;
Your beauty: which did haunt me in my sleep
To undertake the death of all the world,
So I might live one hour in your sweet bosom.[23] (I.ii)

Ao fim, como última fase de seu plano, Ricardo projeta sobre Anne seus próprios
argumentos enviesados e escorregadios. É sua sempre a última palavra nessa discussão.
Com isso, ele assume primeiramente um ar de conselheiro leal e amigo preocupado para
depois lhe propor o que a princípio ninguém poderia propor numa situação semelhante a
essa: o casamento com a própria Anne. Para nossa surpresa, Anne aceita, fragilizada,
temerosa e sensível como está. Ao fim da cena, Anne já está tão enredada nos argumentos
extremamente elaborados de Ricardo que já aceita passiva e atenciosamente os argumentos
de seu antigo inimigo.

GLOUCESTER: Teach not thy lips such scorn, for they were made
For kissing, lady, not for such contempt.
If thy revengeful heart cannot forgive,
Lo, here I lend thee this sharp-pointed sword;
Which if thou please to hide in this true bosom.
And let the soul forth that adoreth thee,
I lay it naked to the deadly stroke,
And humbly beg the death upon my knee.
He lays his breast open: she offers at it with his sword
Nay, do not pause; for I did kill King Henry,
But 'twas thy beauty that provoked me.
Nay, now dispatch; 'twas I that stabb'd young Edward,
But 'twas thy heavenly face that set me on.
Here she lets fall the sword
Take up the sword again, or take up me.
LADY ANNE: Arise, dissembler: though I wish thy death,
I will not be the executioner.
GLOUCESTER: Then bid me kill myself, and I will do it.
LADY ANNE: I have already.
GLOUCESTER: Tush, that was in thy rage:
Speak it again, and, even with the word,
That hand, which, for thy love, did kill thy love,
Shall, for thy love, kill a far truer love;
To both their deaths thou shalt be accessary.
LADY ANNE: I would I knew thy heart.
GLOUCESTER: 'Tis figured in my tongue.
LADY ANNE: I fear me both are false.
GLOUCESTER: Then never man was true.[24] (I.ii)

Como o próprio Ricardo proclamará mais tarde, “teria algum dia alguma mulher
sido cortejada assim”? Nos próximos atos, saberemos que Ricardo desposa Anne, mas não
por muito tempo. Como Harold Bloom afirma, irônica e jocosamente, “A sexualidade
sadomasoquista do personagem é, com certeza, um elemento crucial: imaginar o comportamento conjugal de
Ricardo com a pobre Anne é dar asas às fantasias mais imundas”[25]. Como o próprio crítico
afirmará logo depois, há uma energia infinita, destruidora, ilimitada e brincalhona que ao
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mesmo tempo no fascina e nos aterroriza. Seja condenando o irmão à morte, seja
conquistando Anne ou desprezando antigos amigos, Ricardo nos fascina em seu vazio de
motivos ou razões. Ele não deseja o trono, o trono é apenas um meio. Deseja o trono pois
é o trono que lhe dará poder ilimitado para incendiar o mundo. Conseguindo-o, Ricardo
passa a afastar-se de todos, buscando apenas a certeza de que não será deposto. Entretanto,
um poder desmedido usado com desfaçatez não poderia durar muito. E já na parte final da
peça, entra em cena Richmond, futuro Henrique VII, avô da Rainha Elizabeth.

4. A destruição de Ricardo em consonância com a ascensão do Tutor Henrique VII

Do ponto de vista da crítica, regularmente Ricardo III é estudado sobre a ótica da


caracterização de sua protagonista. Nesse sentido, no que concerne a essa caracterização,
há um interessante comentário sobre o caráter dessa personagem na introdução da peça
feita pelo tradutor Carlos Alberto Nunes. Nela, Nunes define esse caráter de energia
ilimitada que caracteriza Ricardo e que pode ser a explicação da sua infinita fascinação
junto ao público.

Feio, ou antes, repulsivo, corcunda, com a consciência de que nascera como


logro da natureza e para escárnio dos homens, tendo vindo ao mundo provido
de dentes, “prova de que rosnaria, morderia e em tudo se comportaria como
um cão” – para empregarmos suas próprias palavras – era Glocester dotado de
uma vontade de ferro e de um intelecto penetrante, que o fazia ir direto à meta
colimada. Tendo determinado alcançar o trono em que se assentara há pouco
seu irmão mais velho, o voluptuoso Eduardo, não recua diante de nenhum
obstáculo, não se impressiona com a hediondez de nenhum meio, nem se
preocupa com as vidas que precise tirar, para alcançar o poder.[26]

Por outro lado, apesar da insistência de Bloom e também de Nunes nesse caráter de
energia discursiva interminável, não devemos investir Ricardo de qualidades que ele não
possui. Se de um lado há essa ampla gama de energia, destrutiva em sua gênese, por outro o
que temos é a sua limitada visão do mundo. Se Ricardo não tem ilusões também não possui
desejos construtivos, sendo em seu âmago completamente vazio. Novamente, como Iago
que inveja não apenas um posto militar mas e toda e qualquer ilusão de outrem, Ricardo
está só e só deseja continuar. Talvez seu mundo ideal fosse um mundo em que só ele
existisse. É por isso que, Shakespeare construindo sua caracterização caricatural de forma
tão exultante, ficamos sem entender o arroubo de consciência e discussão psicológica de
Ricardo no final da peça após o sonho com os fantasmas de suas vítimas. Diante do
iminente ataque de Richmond e tendo a consciência de que perderá o trono e a vida,
Ricardo sonha:

Give me another horse: bind up my wounds.


Have mercy, Jesu!--Soft! I did but dream.
O coward conscience, how dost thou afflict me!
The lights burn blue. It is now dead midnight.
Cold fearful drops stand on my trembling flesh.
What do I fear? myself? there's none else by:
Richard loves Richard; that is, I am I.
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Is there a murderer here? No. Yes, I am:


Then fly. What, from myself? Great reason why:
Lest I revenge. What, myself upon myself?
Alack. I love myself. Wherefore? for any good
That I myself have done unto myself?
O, no! alas, I rather hate myself
For hateful deeds committed by myself!
I am a villain: yet I lie. I am not.
Fool, of thyself speak well: fool, do not flatter.
My conscience hath a thousand several tongues,
And every tongue brings in a several tale,
And every tale condemns me for a villain.
Perjury, perjury, in the high'st degree
Murder, stem murder, in the direst degree;
All several sins, all used in each degree,
Throng to the bar, crying all, Guilty! guilty!
I shall despair. There is no creature loves me;
And if I die, no soul shall pity me:
Nay, wherefore should they, since that I myself
Find in myself no pity to myself?
Methought the souls of all that I had murder'd
Came to my tent; and every one did threat
To-morrow's vengeance on the head of Richard.[27] (V.iii)

Apesar dos evidentes esforços de Shakespeare te tornar Ricardo mais humano, a


fala não nos convence. Desde o final de Henrique VI, temos um Ricardo tão monstruoso e
gélido, que perdemos completamente o interesse pela personagem quando essa começa a
demonstrar saltos de humanismo que simplesmente não possui. Shakespeare, percebendo
isso, futuramente em Otelo faz com que Iago simplesmente cale-se ao fim do drama,
deixando o resto da tragédia para mouro numa peça quase sustentada pelo arlequino vilão.
Como Bloom bem anotou, “esse Ricardo não possui qualquer dimensão interna, e quando
Shakespeare tenta imbuí-lo de uma ansiedade interior, à véspera da batalha fatal, o
resultado é bathos poético e fracasso dramático”(101). Por nossa parte, seja assistindo
Ricardo na interpretação de McKellan, Olivier ou Pacino, ou ainda em nossa leitura
particular, nos desgostamos com esse arroubo de consciência em Ricardo. Preferimos o
silêncio de Iago ou o arrependimento maligno de Aarão, de não ter cometido mais crimes.
Se a história, pelo menos nessas peças de Shakespeare, não passa de um grande
mecanismo, nas palavras de Kott, Ricardo III é uma engrenagem mal colocado que ao
invés de fazer a máquina estatal funcionar, despedaça todas as outras engrenagens. O
Ricardo que trocaria seu reino por um cavalo é uma engrenagem trabalhando sozinha no
meio de um campo vazio, a espera dos inimigos que chegam. Ninguém escuta sua voz.
Ninguém escuta o ranger de sua ferrugem, de sua desarticulação. A engrenagem, está
prestes a ruir, dando lugar a outra, mais harmoniosa, mais disposta a trabalhar em uníssono.
Se Ricardo está morto, longa vida ao rei Henrique, que finaliza a peça anunciando a
prosperidade do reinado Tudor.
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5. A variação da representação de Ricardo III em três interpretações


cinematográficas

Para um ator, interpretar Ricardo III permite uma série de técnicas e brincadeiras
dramáticas que resulta sempre em variações imagéticas interessantes. Scott Colley escreveu
um livro, Richard's Himself Again: A Stage History of Richard III, analisando todas as
encenações conhecidas da peça. Seu estudo destaca a capacidade camaleônica não apenas
da personagem mas da própria peça de se adaptar a diferentes contextos. Sobre a lista de
atores que já interpretaram Ricardo, Colley escreve:

Other well-known and important Richards make up a pantheon of theatrical


immortals: Richard Burbage, John Philip Kemble, Charles Kean, Samuel
Phelps, Edwin Forrest, Barry Sullivan, Henry Irving, Frank Benson, and
Donald Wolfit. Some of the Richards have been more popularly known as film
or television actors: Alan Bates, Jose Ferrer, Stacy Keach, Michael Moriarty, Al
Pacino, Christopher Plummer, George C. Scott, Rip Torn, and Denzel
Washington. Some popular Richards are hardly remembered today. The
traveling actor Thomas Keene is said to have presented Richard III 2,500 times
in Canada and the United States in a career that lasted from 1880 to 1898
( Woods [ 1982] 34). (…) Richard III was the earliest of Shakespeare’s great
plays, and Richard the first of his characters to come to life and take on an
identity that goes beyond the play which contains him. One of a handful of
great, popular Shakespearean roles, the part of Gloucester has maintained its
importance from the beginning of the eighteenth century until now. The part
has been perceived as problematical, however, throughout its modern stage
history. As inviting a role as it is, few actors have wished to perform the part as
Shakespeare wrote it.[28]

Como as palavras de Colley confirmam, Ricardo III, uma das peças mais encenadas
de Shakespeare, tem por séculos fascinado dramaturgos, diretores e atores por sua
capacidade de apresentar uma personagem monstruosa que rouba a atenção de seu público,
estranhamente ganhando sua simpatia. Nas fotos abaixo, temos as três versões
cinematográficas mais conhecidas da peça. Primeiramente, a versão de 1955, dirigida e
estrelada por Laurence Olivier. Como era apropriado à época, Olivier exagera na
maquiagem e na deformidade de Ricardo. Quatro décadas mais tarde, duas outras versões
reapresentaram a peça ao público contemporâneo. A primeira, de 1996, dirigida por
Richard Loncraine, e encenada por Ian McKellanor Richard (Ricardo III - Um . Nessa
versão, a obra foi adaptada para o contexto da segunda guerra mundial aludindo
obviamente o vilão à propaganda nazista. Por fim, no mesmo ano tivemos o filme Looking
for Richard, dirigido e interpretado por Al Pacino, filme que mescla a adaptação do texto e
um documentário sobre a peça, sobre Shakespeare, sobre o verso elisabetano, o desafio dos
atores americanos ao encenar o escritor inglês, etc. Nesse ultimo caso, o filme de Pacino
também funciona como uma bela introdução à obra de Shakespeare visto que discute a
validade da obra do dramaturgo na atualidade.
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Figura 04 - Um Ricardo III (Laurence Olivier) assustador e caricato no filme de 1965.


Figura 05 - Ricardo III (Ian McKellan) como sátira ao nazismo, na película de 1996.
Figura 06. Um Ricardo (Pacino) pós-moderno em Ricardo III – Um Ensaio, de 1996.

Assim, após essas três, de inúmeras outras, interpretações de Ricardo, o que


podemos buscar numa leitura atual da peça? O que realmente Shakespeare busca com o seu
Ricardo III? Um sucesso teatral? Uma reflexão sobre o jogo político? O início de um
aprofundamento das capacidades variáveis da linguagem? Finalizo com Kott, que ao
questionar o tipo de representação presente na peça, talvez tenha chegado a uma possível
conclusão. O que Shakespeare representa em Ricardo III?

A luta pura e simples pelo poder, que sempre assume as mesmas


formas, se observarmos com olhos isentos de toda ilusão e de toda fé?
Ou o compasso impetuoso do coração humano, que a inteligência não
pode acelerar nem frear, mas que uma lâmina de aço interrompe de uma
vez por todas? A noite negra e impenetrável da história, de onde não se
avista a aurora? Ou as trevas que invadiram a alma humana?[29]

Shakespeare, como sempre, deixa que achemos a resposta que mais nos agrade.
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6. Bibliografia

BLOOM, Harold. Shakespeare: A Invenção do Humano. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.


BURNS, E.M.,LERNER,R.E., MEACHAM, S., História da Civilização Ocidental, Globo, 28a
ed. RJ, 1986.
COLLEY, Scott. Richard’s Himself Again: A Stage History of Richar III. New York:
Greenwood Press, 1992.
DUNTON-DOWNER, Leslie. RIDING, Alan. Essencial Shakespeare Handbook. New York:
DK, 2004.
HELIODORA, Barbara. A Expressão Dramática do Homem Político em Shakespeare. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978.
HELIODORA, Barbara. Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 2004.
HONAN, Park. Shakespeare – Uma Vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
KERMODE, Frank. A Linguagem de Shakespeare. São Paulo: Record, 2006.
KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
NUNES, Carlos Alberto. Introdução a Ricardo III. SHAKESPEARE, William. Obras
Completas de Shakespeare: Ricardo III. Traduzido por Carlos Alberto Nunes. São Paulo:
Melhoramentos, sem data.
SHAKESPEARE, William. Arden Shakespeare – Complete Works. London: Thomson, 2007.
SHAKESPEARE, William. Obras Completas de Shakespeare: Ricardo III. Traduzido por Carlos
Alberto Nunes. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, sem data.
SPURGEON, Caroline. A Imagística de Shakespeare. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
WELLS, Stanley. Oxford Dictionary of Shakespeare. New York, Oxford University Press, 1998.

[1] Tradutor e Crítico Literário. Possui Graduação e Mestrado em Letras pela Universidade Federal de Santa
Maria. É professor de Literatura Greco-Latina na mesma instituição e membro do Centro de Estudos
Shakespearianos (CESh).
[2] Vide como exemplos as primeiras cenas de Titus Andronicus ou Dois Jovens Cavaleiros de Verona.
[3] Detalhes cronológico-temporais pouco importavam a Shakespeare, mas sempre receberam a atenção da
crítica. No caso de Ricardo III, as ilustrações de John Gilbert são interessantes como corpus de análise por
representarem Glocester ainda na juventude, ao fim de 3 Henrique VI, e como rei em Ricardo III, bem mais
velho. Mesmo detalhe foi percebido pelo artista na composição das ilustrações para Hamlet, na qual o príncipe
do quinto ato aparece mais maduro que o do quarto. Abaixo três variações da imagem da personagem
Ricardo III em ilustrações de Gilbert.
[4] KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 28.
[5] HONAN, Park. Shakespeare – Uma Vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 167.
[6] Ibidem, p. 186.
[7] SPURGEON, Caroline. A Imagística de Shakespeare. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 218-219.
[8] Third Citizen - When clouds appear, wise men put on their cloaks; / When great leaves fall, the winter
is at hand; / When the sun sets, who doth not look for night? / Untimely storms make men expect a
dearth. / All may be well; but, if God sort it so, / 'Tis more than we deserve, or I expect. / Second Citizen -
Truly, the souls of men are full of dread: / Ye cannot reason almost with a man / That looks not heavily and
full of fear. Tradução: Primeiro Cidadão: Quando as nuvens se adensam, as pessoas sensatas põem capa;
quando as folhas começam de cair, o inverno é próximo; que não espera pela noite, quando se deita o sol no
ocaso? Tempestades fora de tempo são sinal de ruína, de colheita estragada. É bem possível que tudo venha a
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acabar bemo deita o sol no ocaso? em pos sediços da Escritura. por qualquer Joao ; mas caso Deus assim
determine, é mais, sem dúvida, do que nós merecemos e eu espero. / Segundo Cidadão: De fato. O coração
dos homens se acha cheio de inquietações. Não é possível conversar com ninguém sem que possamos ler-lhe
nos olhos o que na alma sente. (II.iii) Todas as traduções de Ricardo III citadas neste texto são de autoria de
Carlos Alberto Nunes.
[9] Ricardo: Meu doce príncipe, a virtude pura dos vossos anos não sondou ainda toda a maldade deste
baixo mundo. Só distinguis os homens pelas formas exteriores, que muito raramente, Deus o sabe, ou jamais,
estão acordes com o coração. Os tios que acabastes de reclamar vos eram perigosos. Vossa Graça escrutava
os seus dizeres açucarados, mas não atendia ao veneno que no intimo eles trazem. Deus vos proteja dos
amigos falsos. (II.v)
[10] HELIODORA, Barbara. Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 59.
[11] RICARDO (Duque de Gloucester) — O inverno do nosso descontentamento foi convertido agora em
glorioso verão por este sol de York, e todas as nuvens que ameaçavam a nossa casa estão enterradas no mais
interno fundo do oceano. Agora as nossas frontes estão coroadas de palmas gloriosas. As nossas armas
rompidas suspensas como troféus, os nossos feros alarmes mudaram-se em encontros aprazíveis, as nossas
hórridas marchas em compassos deleitosos, a guerra de rosto sombrio amaciou a sua fronte enrugada. E
agora, em vez de montar cavalos armados para amedrontar as almas dos temíveis adversários, pula como um
potro nos aposentos de uma dama ao som lascivo e ameno do alaúde. Mas eu, que não fui moldado para
jogas nem brincos amorosos, nem feito para cortejar um espelho enamorado. Eu, que rudemente sou
marcado, e que não tenho a majestade do amor para me pavonear diante de uma musa furtiva e viciosa, eu,
que privado sou da harmoniosa proporção, erro de formação, obra da natureza enganadora, disforme,
inacabado, lançado antes de tempo para este mundo que respira, quando muito meio feito e de tal modo
imperfeito e tão fora de estação que os cães me ladram quando passo, coxeando, perto deles. Pois eu, neste
ocioso e mole tempo de paz, não tenho outro deleite para passar o tempo afora a espiar a minha sombra ao
sol e cantar a minha própria deformidade. E assim, já que não posso ser amante que goze estes dias de
práticas suaves, estou decidido a ser ruim vilão e odiar os prazeres vazios destes dias. (I.i)
[12] RICARDO (Duque de Gloucester) — Vai, percorre esse caminho que não terás regresso. Simples, incauto
Clarence, hei por ti tamanho amor que em breve enviarei para o céu a tua alma, se o céu aceitar o dom feito
assim por nossas mãos. (I.i)
[13] RICARDO. – Feito isso, Deus receba o rei Eduardo na sua graça e me conceda o mundo para nele
agitar-me. (I.i)
[14] RICARDO (Duque de Gloucester) — Ofendem-me; não posso suportá-lo. Quem são os que se queixam
junto ao rei de que eu – vejam só isto! – sou severo, que amor não lhes dedico? Por são Paulo, é preciso amar
pouco a Sua Graça, para as ouças lhe encherem com rumores. Porque não sei dar lisonja nem ter aspecto
afável, sorrir perante os homens, afagar, enganar e fingir, curvar-me como os franceses e arremedar cortesias,
tenho de ser considerado um rancoroso inimigo? Viver não pode alguém de gênio simples, alheio a qualquer
mal, sem que lhe sejam torcidos os intentos generosos por qualquer João meloso, astuto e hipócrita? (I.iii)
[15] Ricardo – Nessa altura lhes cito a Bíblia, suspirando fundo, que o mal com o bem retribuir nos manda:
é a palavra de Deus. Dessa maneira, visto a minha despida vilania com farrapos sediços da Escritura. Pareço
um santo, quando sou o diabo. (I.iii)
[16] HONAN, Park. Shakespeare – Uma Vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.185.
[17] DUNTON-DOWNER, Leslie. RIDING, Alan. Essencial Shakespeare Handbook. New York: DK,
2004, p. 85.
[18] ANA — Demônio imundo, vai-te por amor de Deus, e não nos atormentes; que da terra feliz fizeste o
teu inferno, encheste-a com gritos de maldição e com profundos clamores. Se te deleitas em contemplar teus
feitos odiosos, põe os olhos neste exemplo de tua carnificina. (I.ii)
[19] ANA — De todo o coração. Muito me alegra também ver-vos tão arrependido. Tressel e Berkeley,
vinde comigo.
RICARDO (Duque de Gloucester) — Dizei-me adeus. / ANA — É mais do que mereceis, mas já que me
ensinastes a adular-vos, pensai que já vos tenha dito adeus. (I.ii)
[20] HONAN, Park. Shakespeare – Uma Vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.186.
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[21] ANA — O quê? Tremeis? Haveis medo? Pobre de mim, não vos posso censurar, que sois mortais, e os
olhos dos mortais não podem sofrer o maligno. Vai-te de ante mim, temeroso ministro dos infernos! Tão só
sobre seu corpo mortal tinhas poder; a alma, essa, não a podes ter; por isso, vai-te. / RICARDO (Duque de
Gloucester) — Doce santa, por caridade, não blasfemeis assim.
[22] ANA — Concedes-me, porco-espinho! Pois me conceda Deus também uma maldição sobre ti por esse
feito perverso. Oh, como ele era amável, doce e virtuoso. / RICARDO — Melhor para o Rei dos céus que o
tem agora. / ANA — Está no céu, onde tu nunca entrarás. / RICARDO — Deixai que ele me agradeça para
lá tê-lo enviado, pois era o seu lugar, mais esse que na terra. / ANA — E o teu lugar não é senão o inferno. /
RICARDO — Sim, outro lugar ainda, se quiserdes que o nomeie. / ANA — Uma masmorra? / RICARDO
— A vossa alcova. / ANA — Que se abata a inquietude sobre a alcova onde te deitas. RICARDO — Assim
acontece, senhora, até que me deite convosco. / ANA — Assim o espero! (I.ii)
[23] ANA — Tu foste a causa e o seu mais vil efeito. / RICARDO — A vossa formosura foi causa de tal
efeito,a vossa formosura que me perseguia em sonhos a fim de me dar cargo da morte do mundo inteiro para
que pudesse uma hora só viver sobre o vosso suave peito. (I.ii)
[24] RICARDO - Não ensines a teus lábios escárnio tal, porque foram feitos, senhora, para beijar, e não
para tal desdém. Se teu coração, prenhe de vingança, não pode perdoar, aqui está, entrego-te esta espada de
ponta afiada, para que a enterres, se te apraz, neste peito leal, e deixa partir a alma que te adora, exponho-o nu
ao golpe mortal e de joelhos, humilde, te imploro a morte. (Ajoelha-se descobre o peito, oferece-o ao mesmo tempo que
a espada) Não, não hesites, porque eu matei o Rei Henrique, mas foi a tua formosura que a tal me conduziu.
Vá, depressa, fui eu que apunhalei o jovem Eduardo, mas foi o teu rosto celestial que a isso me forçou. (Ela
deixa cair a espada) Levanta a espada, ou levanta-me a mim. / ANA — Ergue-te, homem enganador. Embora
eu deseje a tua morte. (Ele levanta-se) Não serei eu o teu carrasco. / RICARDO — Ordena então que eu me
mate, e fá-lo-ei. / ANA — Já ordenei. / RICARDO — Isso foi em tua cólera. Repete agora, profere a
palavra. Esta mão, que por teu amor matou o teu amor, matará, por teu amor, um amor bem mais leal.
Cúmplice te tornarás em ambas essas mortes. / ANA — Quisera conhecer teu coração. / RICARDO (Duque
de Gloucester) — Está espelhado na minha língua. / ANA — Temo que ambos sejam falsos. / RICARDO
(Duque de Gloucester) — Então nunca existiu um homem verdadeiro.
[25] BLOOM, Harold. Shakespeare: A Invenção do Humano. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 103.
[26] NUNES, Carlos Alberto. Introdução a Ricardo III. SHAKESPEARE, William. Obras Completas de
Shakespeare: Ricardo III. Traduzido por Carlos Alberto Nunes. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, sem data, p.
12.
[27] RICARDO III (Rei) — Dai-me outro cavalo! Ligai minhas feridas! Tende piedade, Jesus! Chiu, tão-só
sonhava. Ó covarde consciência, como me atormentas! As luzes ardem azuis, é a meia noite dos mortos.
Gotas frias de terror são no meu corpo tremente. De que me receio? De mim próprio? Não é mais ninguém
aqui. Ricardo ama Ricardo, ou seja, eu e eu. E aqui um assassino? Não! Sim, sou eu! Então fuge. Quê, de mim
próprio? Boa razão há, não me vá eu vingar! Quê, eu próprio contra mim próprio? Coitado de mim, eu amo-
me a mim próprio. Porquê? Pelos bens que eu próprio a mim próprio ofereci? Oh, não, pobre coitado, antes
a mim próprio tenho ódio por feitos odiosos que eu próprio cometi. Sou ruim vilão... mas minto, eu o não
sou! Sandeu, diz bem de ti próprio! Sandeu, não uses de lisonja! Minha consciência tem milhares de línguas
diferentes e cada língua me diz um conto diferente, e cada conto me condena como ruim vilão: perjúrio,
perjúrio, no mais subido grau; assassínio, assassínio horrendo, no mais horrífico grau. Todos os pecados
diferentes, todos cometidos em cada grau, se ajuntam diante o juiz todos bradando: “Culpado, culpado!” Em
desespero cairei. Não há criatura que me ame, e se eu morrer, ninguém me lamentará... E porque o fariam, se
eu próprio em mim próprio por mim próprio não encontro dó? Cuido que as almas de todos os que
assassinei vieram a minha tenda, e cada qual me ameaçou que amanhã a vingança tombaria sobre a cabeça de
Ricardo. V.iii.
[28] COLLEY, Scott. Richard’s Himself Again: A Stage History of Richar III. New York: Greenwood Press,
1992, p. 2.
[29] KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 47.
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RICARDO II, DE SHAKESPEARE: ENTRE A MÁSCARA POLÍTICA


E O ESPELHO DA REFLEXÃO PSICOLÓGICA

Enéias Farias Tavares[1]


Professor de Literatura Greco-Latina – UFSM – RS

Resumo:
Num período de prosperidade econômica e cultural como o elisabetano, Shakespeare
apresenta Ricardo II um rei repleto de caracteres psicológicos interessantes, porém de uma
fragilidade tocante. No decorrer de toda a peça, o que assistimos é a derrocada desse
monarca diante do poder de um usurpador popular, Bolingbroke. Ironicamente,
Shakespeare faz com que Ricardo, ao cair no desgosto de seus súditos dentro da peça,
ascenda no interesse dos expectadores. Nesse artigo, estudo a forma como Shakespeare
apresenta a queda social, física e psicológica desse rei enquanto o eleva a um nível superior
de autoconsciência.
Palavras-Chave:
Crítica Literária – Shakespeare – Ricardo II

Abstract:
In a period of economic and cultural prosperity as the Elizabethan period, Shakespeare’s
Richard II presents a king with interesting psychological characteristics, but with a kind of
sensitive fragility. During the whole play, the public watches the collapse of this monarch
in face the power of a popular usurper, Bolingbroke. Ironically, Shakespeare makes
Richard, while falls in his vassals’ disgust, amounts in the public’s interest. In this paper, I
study how Shakespeare presents the social, physical and psychological fall of this king while
the character amounts to another level of self-consciousness.
Key-Words:
Literary Criticism – Shakespeare – Richard II

1 – Ricardo II, de Shakespeare: uma peça sobre a encenação política

A peça Ricardo II foi primeiramente apresentada em Londres no ano de 1595. Seis


anos depois de sua primeira apresentação, o drama foi usado por conspiradores,
comandados pelo Lorde de Essex, antigo amante da própria Elizabeth, como panfleto
político contra a monarca.[2] O resultado foi que em 18 de Fevereiro do mesmo ano, a
trupe de Shakespeare foi levada a um tribunal para responder judicialmente por essa
apresentação. O grupo foi inocentado, embora a resolução do julgamento não tenha
deixado de surpreende-los pelo efeito social delicado do texto dramático.[3] Mas que efeito
é esse? Num período de vitórias e conquistas inglesas, sob o poder de uma monarca
extremamente forte, Ricardo II mostra um rei frágil, reticente e inapto enquanto governante.
No decorrer de toda a peça, nos seus mais de 2800 versos, o que assistimos é a derrocada
desse monarca diante do poder de um usurpador popular, enquanto a própria personagem
demonstra um interessante crescimento intelectivo.
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Em sua estrutura, Ricardo II mostra a gradativa destruição desse monarca. O


primeiro ato abre com Ricardo julgando uma desavença entre o primo Bolingbroke, filho
de João de Gaunt, e o Conde de Mowbray, que é acusado de traição pelo primeiro. Ao fim,
persistindo a desavença, o rei finaliza o duelo com o exílio dos dois oponentes.
Bolingbroke expressa seu descontentamento despedindo-se do pai e do solo inglês. Até
esse momento, o monarca parece transparecer soberania e pujança, apesar dessas estarem
carregadas de uma relativa ambigüidade. Na última cena desse primeiro ato, conhecemos o
real motivo do banimento: Ricardo, invejoso da popularidade de Bolingbroke junto da
plebe, teme que ele almeje o trono. Também aqui, a eminente guerra contra a revoltosa
Irlanda anuncia a apreensão dos bens de Gaunt para financiar a campanha bélica. No
segundo ato, após a morte de Gaunt, Ricardo, ignorando o conselho do outro tio, duque de
York, apreende os bens do primeiro e anuncia sua partida para Irlanda. Entre o clero e os
súditos, o descontentamento é unânime no que diz respeito aos altos impostos do rei e a
sua péssima administração. Enquanto o rei guerreia na Irlanda, Bolingbroke abandona o
exílio e retorna a Inglaterra, jurando vingança após saber da morte de seu pai e do confisco
dos bens que lhe pertencem. Os antigos amigos aduladores de Ricardo, Green, Bushy e
Bagot, ao saberem do crescente poder do filho de Gaunt, fogem. O terceiro ato inicia com
Green e Bushy feitos prisioneiros no acampamento de Bolingbroke, que já reuniu um
exército para enfrentar Ricardo. O filho de Gaunt condena os amigos do rei à morte sob a
acusação de terem envenenado o monarca. No país de Gales, ao receber sucessivas notícias
do aumento dos exércitos de Bolingbroke e da evasão de antigos partidários, Ricardo
entrega-se ao desespero e foge para o castelo de Flint. Bolingbroke, capturando o rei, exige
a anulação de seu exílio e a devolução de seus bens. Enquanto isso, a rainha lamenta a sorte
de Ricardo e sua própria, enquanto escuta os jardineiros falando sobre a inevitável
deposição do rei. No quarto ato, Ricardo é obrigado a entregar a coroa ao primo
Bolingbroke. Antes de ser humilhado por Northumberland, que exige que Ricardo
pronuncie publicamente seus crimes, o monarca suplica por um espelho para vislumbrar no
rosto as marcas deixadas por um reinado perdido. No último ato da peça histórica, Ricardo
se despede da rainha, que segue para França, afastando-se do poder do inimigo
Bolingbroke. Na coroação de Bolingbroke, agora Henrique IV, a população festeja
enquanto maldições são dedicadas ao antigo rei. Levado à torre, Ricardo é assassinado por
Lorde Exton, achando que isso agradará Henrique. A peça termina com o novo monarca
censurando a alegria de Exton, ao trazer a cabeça de antigo rei. Quanto aos poucos
partidários de Ricardo, tiveram também o mesmo destino.
Como o próprio resumo já indica, Ricardo II é uma peça que trata dos diferentes
papéis assumidos por cada participante na organização social de um governo. Jan Kott, em
Shakespeare nosso Contemporâneo, ilustra essa relação entre realidade e representação social
como se as históricas de Shakespeare fossem a própria dramatização do grande mecanismo
político. Para o crítico, esse grande mecanismo seria a própria estruturação do estado, que
fazendo uso de diferentes engrenagens – reis, ministros, soldados e súditos – faz com que a
própria estruturação estatal funcione e progrida. No entanto, Shakespeare não está
interessado em representar dramaticamente uma maquinaria funcional. Antes, sua ênfase é
numa estrutura que se auto-mutila, que se autodestrói, razão de um drama, de um conflito
que dá início a qualquer peça. Primeiramente, Shakespeare desenhou um quadro político de
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fragilidade religiosa na figura de Henrique VI (1421-1471) e de amoralidade nociva em


Eduardo IV (1442-1483), ambos retratados nas três partes de Henrique VI. Se na peça
histórica posterior o monarca Ricardo III (1452-1485) era apresentado como o ápice dessa
auto-desestruturação por tratar-se de um rei detestável, em Ricardo II a razão é um rei
irresponsavelmente egocêntrico, que coloca seus próprios interesses antes do bem coletivo.
No entanto, tal organização temática de um ciclo de personagens históricas é bem mais
complexa do que aparenta. Northrop Frye, percebendo essa problematização e refletindo
sobre essas “máscaras” sociais, argumenta:

O que acontece de verdade na história é extremamente difícil de se


dramatizar. Shakespeare está interessado na crônica, nas ações
individuais e na interação das pessoas no topo da ordem social. O centro
do seu interesse está no tipo de performance dramática que se requer
quando se é líder na sociedade, ou, mais especificamente, rei. Todas as
relações sociais são de certo modo teatrais. Assim que aparece alguém
que conhecemos, nos colocamos na situação dramática apropriada ao
conhecimento que temos dele, e então agimos de acordo com isso. Se
estivermos sozinhos, como Hamlet ou como Ricardo na prisão,
monologamos, isto é, dramatizamos para nós mesmos. O que todos nós
fazemos o príncipe também faz, só que o que ele faz vira história, ou
crônica.[4]

Essa ação de um rei que virá crônica, peça e conto é também percebida e
aprofundada por Shakespeare em seu texto dramático. Quando Ricardo II é deposto do
poder diante do direito usurpado por Bolingbroke, o duque de York reflete sobre a
configuração dessas personagens. São reis? São políticos? Sim, mas também exercem o
papel de atores, de personagens num drama cuja audiência ora aprecia, ora aplaude e ora
vitupera. No palco de um velho teatro londrino, o público assiste aos súditos dentro da
peça que interagem com o próprio drama estatal.

As in a theatre, the eyes of men,After a well-graced actor leaves the stage,


Are idly bent on him that enters next,
Thinking his prattle to be tedious;
Even so, or with much more contempt, men's eyes
Did scowl on gentle Richard. [5] (V.i.)

Aqui, segundo as palavras de York, a plebe londrina, que assiste à deposição de um


rei e ao coroamento do outro, reage como reagiria se assistisse a uma peça. Ricardo é uma
protagonista que não mais agrada. O público, os mesmos súditos que anteriormente o
aplaudiram, perdeu seu interesse nele. Agora, seus olhos objetivam outra personagem, uma
coadjuvante, que roubou para si a cena que pertencia ao rei anterior. Ironicamente,
Shakespeare faz com que Ricardo, ao cair no desgosto de seus súditos dentro da peça,
curiosamente ascenda no interesse dos expectadores do drama. O objetivo desse texto é
refletir sobre as diferenças entre o usurpador Bolingbroke e o monarca Ricardo II,
percebendo nesse último a alteração de seus traços psicológicos na medida em que perde o
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poder monárquico.
2 – A máscara do estado e a inaptidão de Ricardo em usá-la
A peça Ricardo II pode ser lida como uma discussão entre direito divino e direito adquirido.
Ou ainda, como Frye[6] afirma e Bloom[7] parodia, como uma metáfora do rei ungido
como semelhante aos antigos reis de Israel ou com a própria figura de Cristo. Tal leitura é
válida, pois o próprio Ricardo II constantemente se auto-refere como o cordeiro pascoal.
[8] No entanto, ler Ricardo II “apenas” sob a ótica da oposição entre direito divino e
direito adquirido é deixar de lado toda a discussão sobre a própria representação psíquica
dessa protagonista.
Ao pensar sobre as diferenças entre o rei “ungido”, Ricardo II, inábil e incoerente, e o
usurpador Bolingbroke, sempre preocupado com o cumprimento da lei do estado, percebe-
se como Shakespeare brinca com as noções de bom e o mau governante. Em Ricardo II a
questão proposta, de forma simples e objetiva, gira em torno da escolha entre um “mau rei
hereditário e um bom rei usurpador”.[9] Ao pensar no contraste entre as duas
personagens, entre o egocêntrico Ricardo e severo Bolingbroke, Barbara Heliodora, no
livro Falando de Shakespeare, menciona que o dramaturgo

Cria uma figura sensível, requintada, atraente, para Ricardo II, que
conclama para este a solidariedade emocional do espectador; mas por
outro lado o austero Henrique é, a todos os momentos, o que atua como
deve um governante, preocupado com a comunidade como um todo:
nós o vemos, de certo modo, ser o instrumento adequado das
reivindicações de um numero grande e representativo de injustiçados,
nobres e povo, enquanto vemos Ricardo abusar, com arbítrios e pesados
impostos, do poder que não fez nada para conquistar. Rei aos nove anos,
conhecendo privilégios muito antes de sequer saber da existência de
responsabilidades, Ricardo é totalmente auto-referente, preocupado com
sua importância e com o que acreditava ser sua imunidade aos
sofrimentos do comum dos mortais. É precipitado, irrefletido, seu clima
emocional, instável; tudo sempre lhe parecera fácil porque jamais deixara
de ter o que queria; mas quando a nobreza se une contra ele, com o
apoio do povo, e as tropas que lhe são leais começam a perder batalhas,
cai na mais profunda depressão e se acha injustiçado.[10]

Essa injustiça relacionada a Ricardo é a própria injustiça digna de um monarca que


se vê agraciado e designado para a coroa, sem, no entanto, fazer nada para que a mereça. A
princípio, temos um monarca preocupado com sua própria posição, com seu próprio nome
– diante de uma Irlanda prestes a desprezar o domínio inglês –, mas que pouco se importa
com o passado de responsabilidade, também associado à figura do monarca. Nesse sentido,
o ponto de contraste entre uma Inglaterra ideal de um passado heróico e uma Inglaterra já
enfraquecida por um governo injusto é expresso pelo ancião Gaunt no qual a personagem
conjectura sobre a decadência de sua nação. Um pouco antes de falecer, no início do
segundo ato, Gaunt reflete a respeito da personalidade inconstante e altamente
influenciável de Ricardo e da precária situação da Inglaterra.
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Methinks I am a prophet new inspiredAnd thus expiring do foretell of him:


His rash fierce blaze of riot cannot last,
For violent fires soon burn out themselves;
Small showers last long, but sudden storms are short;
He tires betimes that spurs too fast betimes;
With eager feeding food doth choke the feeder:
Light vanity, insatiate cormorant,
Consuming means, soon preys upon itself.
This royal throne of kings, this scepter'd isle,
This earth of majesty, this seat of Mars,
This other Eden, demi-paradise,
This fortress built by Nature for herself
Against infection and the hand of war,
This happy breed of men, this little world,
This precious stone set in the silver sea,
Which serves it in the office of a wall,
Or as a moat defensive to a house,
Against the envy of less happier lands,
This blessed plot, this earth, this realm, this England,
This nurse, this teeming womb of royal kings,
Fear'd by their breed and famous by their birth,
Renowned for their deeds as far from home,
For Christian service and true chivalry, (…)
That England, that was wont to conquer others,
Hath made a shameful conquest of itself.[11] (II.i.)

Aqui, Gaunt primeiramente profere uma série de palavras que se ajustam a uma
precária sabedoria perdida, desprezada pelo jovem e atual rei. Esse é um fogo, uma
tempestade, um homem faminto, que cedo ou tarde consumirá a si próprio. Está última
metáfora, de uma potência que cai por sua própria causa, está também associada à própria
Inglaterra. No passado, gloriosa, admirável e louvável, do ponto de vista de Gaunt – fala
que hoje nos toca mais pela sensibilidade da personagem do que por seu espírito patriótico
quase ingênuo –, agora causa ruína a si própria. A razão disso? “Flatterers”, aduladores, que
têm destruído o juízo do rei. Ainda nesse primeiro ato, após a ação desrespeitosa de
Ricardo diante de Gaunt, Northuland diz sobre Ricardo que “The king is not himself, but
basely led by flatterers.[12] (II.i).
Nesse sentido, Ricardo II encontra um interessante correlato com a narrativa
judaica de seus antigos reis. Não apenas pelo caráter profético e proverbial-sapiencial,
presente nas falas de Gaunt, mas pela própria configuração do monarca, disposto a aceitar
os conselhos de seus inexperientes companheiros e desprezando o auxílio dos antigos
conselheiros de seu pai. Tanto no primeiro Livro dos Reis, capítulo doze, quanto no segundo
Livro das Crônicas dos reis de Israel, capítulo treze, temos o relato de como o filho de
Salomão, Roboão, foi aconselhado por Jeroboão a lidar de forma justa e sensível com seus
súditos. Entretanto, o jovem rei, desprezando os conselhos que fizeram de seu pai e de seu
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avô monarcas amados pelo povo, busca ajuda consultando os jovens que cresceram com
ele. O resultado foi que, como o elo mais frágil, Roboão despedaçou um reino
relativamente coeso e unido que havia sido formado pelos reis anteriores. Shakespeare, que
ao que tudo indica possuía um conhecimento razoável do relato bíblico, via leitura da bíblia
católica de Genebra, recria a mesma configuração na representação de seu rei. No entanto,
enquanto o Roboão bíblico é um rei ignorante e nada carismático, Shakespeare constrói um
Ricardo que vai, cena a cena, acendendo psicológica e artisticamente no interesse de seu
público. Continua sendo peça histórica, mas vai além, em direção à representação da
humanidade de um rei de poucas qualidades políticas, porém de grandes insights poéticos e
existenciais.

3 – O reflexo da profundidade psicológica de Ricardo II na queda do monarca

Harold Bloom, em A Invenção do Humano, corrobora a idéia de que há algo de


profundamente humano na caracterização de Ricardo[13]. Um rei que não clama por
simpatia, pelo contrário, que a despreza no início do drama que leva seu nome, mas que a
recupera na medida em que expressa seu pesar deve ser observado com cuidado. Não
sabemos se esse Ricardo lamenta por alguém, por um reino ou por um súdito sequer, ou
pela instituição da monarquia. Inversamente, temos a impressão de Ricardo só observa sua
própria condição e sofre em decorrência dessa observação apurada e realista. Na maioria
dos casos, os seres egoístas não conquistam grande afeto, mas há algo nesses poetas
personagens solitários que nos arrebata. Ricardo, assim como o Hamlet posterior, apenas
está interessado no seu próprio drama íntimo, e por isso nos fascina.
Nesse caso, interessa perceber como a representação desse drama íntimo,
psicológico, se configura. No drama, parece haver uma cisão entre o Ricardo soberano,
egoísta e desonesto, e o Ricardo que sente o nó apertar-lhe o pescoço. Assim como
Macbeth, Ricardo apenas torna-se interessante após perceber que seus dias como rei e
como homem aproximam-se do fim. Quando vislumbra a própria finitude, seja como
monarca, seja como ser, Ricardo passa a cuidadosamente estudar sua própria condição.
Esse estudo perpassa tanto pelo vislumbre material – as coisas que Ricardo perdeu como
rei: coroa, riquezas, posição – chegando até o plano existencial – os aspectos opacos da
glória e da admiração dedicada a um rei. Sobre essa figuração, Frank Kermode menciona
que

A argumentação de Kermode pontua esse “estudar a si mesmo” como a


capacidade de uma personagem, talvez a primeira vez de fato a aparecer
em Shakespeare, de vislumbrar em sua própria mente seus medos,
temores e anseios, e sobretudo a capacidade de responder a si próprio.
Ricardo, perdido numa sala de espelhos que mostra os mais variados
ângulos de sua condição, procura por uma resposta interior ou um por
consolo ficcional quando o mundo exterior não mais está interessado
nele. Por outro lado, Ricardo reflete sobre essa unção divina que nenhum
homem pode cancelar. No entanto, se retomarmos a comparação com o
rei do antigo testamento, Roboão entre outros, algo que o ciclo de
histórias judaicas ensina é que mesmo os reis ungidos, se incompetentes
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ou desobedientes, não duram muito tempo no poder. Embora essa


ênfase dada a Ricardo II como a peça que problematiza o direito divino
dos reis, o que temos em Ricardo não é mais um rei a partir do terceiro
ato, mas simplesmente um homem. Nesse caso, um homem despido de
todo poder, glória e riqueza, apenas um homem em sua condição mortal.
Na citação abaixo, o rei Ricardo, já derrotado e vislumbrando a derrota
eminente diante de Bolingbroke, já prenuncia o homem Ricardo.

Our lands, our lives and all are Bolingbroke's,


And nothing can we call our own but death
And that small model of the barren earth
Which serves as paste and cover to our bones.
For God's sake, let us sit upon the ground
And tell sad stories of the death of kings;
How some have been deposed; some slain in war,
Some haunted by the ghosts they have deposed;
Some poison'd by their wives: some sleeping kill'd;
All murder'd: (..) Cover your heads and mock not flesh and blood
With solemn reverence: throw away respect,
Tradition, form and ceremonious duty,
For you have but mistook me all this while:
I live with bread like you, feel want,
Taste grief, need friends: subjected thus,
How can you say to me, I am a king?[14] (III.ii)

Aludindo aos bens matérias perdidos, Ricardo dá-se conta que é meramente um
homem. Mas de que sorte é essa reflexão? Uma reflexão muito próxima da imagem de
outra figura bíblica, Jó. Apenas depois de perder riqueza, família e saúde, é que homem Jó
se aproxima de sua própria inferioridade. No caso de Ricardo, essa constatação não é nem
um pouco positiva. Não há mais riquezas, mais filhos e mais vida esperando por Ricardo ao
fim de seu drama. Há apenas a morte. Como Jó, Ricardo menciona esse “punhado de
infrutuosa argila que a nossos ossos serve de coberta”, a um corpo já abandonado que
ainda prende sua alma. Além disso, a fala ainda adensa a discussão sobre reis que foram
mortos, traídos, envenenados ou depostos. No fim de seu discurso, Ricardo se auto-
proclama um mendigo, um servo, um escravo, não mais um rei. No entanto, o próprio
personagem questiona se essa mudança se deu apenas em sua interioridade ou se ela se faz
também presente em seu rosto. Na cena mais impactante do drama, Ricardo, diante do
recém empossado Henrique IV, pede um espelho e após estudar a revolução de seus
próprios pensamentos, agora espera encontrar na face as mesmas marcas da mudança. Para
sua surpresa, nem sempre a máscara da face acompanha às mutações do espírito.

They shall be satisfied: I'll read enough,


When I do see the very book indeed
Where all my sins are writ, and that's myself.
Re-enter Attendant, with a glass
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Give me the glass, and therein will I read.


No deeper wrinkles yet? hath sorrow struck
So many blows upon this face of mine,
And made no deeper wounds? O flattering glass,
Like to my followers in prosperity,
Thou dost beguile me! Was this face the face
That every day under his household roof
Did keep ten thousand men? was this the face
That, like the sun, did make beholders wink?
Was this the face that faced so many follies,
And was at last out-faced by Bolingbroke?
A brittle glory shineth in this face:
As brittle as the glory is the face;
Dashes the glass against the ground
For there it is, crack'd in a hundred shivers.
Mark, silent king, the moral of this sport,
How soon my sorrow hath destroy'd my face.[15] (IV.i)

A teatralidade dessa cena é intensificada pela descrição da imagem aduladora e


enganosa do espelho, especialmente num drama em que as personagens interpretam papéis
sociais. Ricardo quebra a imagem do espelho, sabendo que sua própria imagem já foi
destruída bem antes. Segundo Kott, “entre a ordem da ação e a dos valores existe uma
contradição. Essa contradição é a condição humana. Não se pode escapar dela”[16]. Mas
de que ordem é essa contradição, essa antítese entre ação política e valor humano? O
próprio Kott lê Ricardo II como uma tragédia. A tragédia de uma toupeira que sonha que o
universo foi feito para ela. Quando descobre que é apenas uma toupeira, “que continuará a
cavar a terra, e a terra continuará a sepultá-la”[17], torna-se então uma toupeira trágica. O
ápice dessa virada trágica é quando Ricardo descende como monarca e ascende como poeta
existencial de seu próprio drama. Poderíamos afirmar que Ricardo II dramatiza a cortina das
ilusões de um homem que vai, ato após ato, caindo, desvelando-se, para ao fim mostrar que
tudo não passava de encenação. Como isso é composto por Shakespeare? Fazendo com
que um rei que não mais acredita em sua própria glória pessoal, torne-se um deus poético a
criar dentro de sua mente um cosmos que possa abrigá-lo quando deixar esse mundo,
mundo no qual ele não é e/ou não representa mais nada.

I have been studying how I may compare


This prison where I live unto the world:
And for because the world is populous
And here is not a creature but myself,
I cannot do it; yet I'll hammer it out.
My brain I'll prove the female to my soul,
My soul the father; and these two beget
A generation of still-breeding thoughts,
And these same thoughts people this little world,
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In humours like the people of this world,


For no thought is contented. The better sort,
As thoughts of things divine, are intermix'd
With scruples and do set the word itself
Against the word:
As thus, 'Come, little ones,' and then again,
'It is as hard to come as for a camel
To thread the postern of a small needle's eye.'
Thoughts tending to ambition, they do plot
Unlikely wonders; how these vain weak nails
May tear a passage through the flinty ribs
Of this hard world, my ragged prison walls,
And, for they cannot, die in their own pride. (…)
Thus play I in one person many people,
And none contented: sometimes am I king;
Then treasons make me wish myself a beggar,
And so I am: then crushing penury
Persuades me I was better when a king;
Then am I king'd again: and by and by
Think that I am unking'd by Bolingbroke,
And straight am nothing: but whate'er I be,
Nor I nor any man that but man is
With nothing shall be pleased, till he be eased
With being nothing. (…)
I wasted time, and now doth time waste me;
For now hath time made me his numbering clock:
My thoughts are minutes; and with sighs they jar
Their watches on unto mine eyes, the outward watch,
Whereto my finger, like a dial's point,
Is pointing still, in cleansing them from tears.
Now sir, the sound that tells what hour it is
Are clamorous groans, which strike upon my heart,
Which is the bell: so sighs and tears and groans
Show minutes, times, and hours.[18] (V.v)

Segundo Frank Kermode, os pensamentos de Ricardo nessa cena, “tiquetaqueando


constantemente, fazem o trabalho do ponteiro dos minutos, e seu dedo é como o gnomon
de um relógio de sol, sempre tocando seus olhos para limpá-los de lágrimas. (...) O tom é
tranqüilamente meditativo, mas os argumentos são duramente trabalhados.”[19] Tais
pensamentos “tão duramente trabalhados” são os de um criador que deseja criar um
universo ideal para nele povoar de súditos leais. Se o Ricardo do primeiro e segundo ato
nos afastava por seu egocentrismo exagerado e por seu individualismo desleal, esse Ricardo
nos arrebata por sua sinceridade existencial e imaginativa. Máximas bíblicas ou devaneios
filosóficos são como cordas de apoio para ele, um rei que agora é mendigo que deseja ser
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rei para depois desejar ser mendigo.


No filme de David Giles, de 1978, protagonizado pelo ator inglês Derek Jakobi,
vemos a progressão da transformação tanto físico-social da personagem quanto de sua
metamorfose psicológica. Na primeira imagem, temos um rei soberbo, orgulhoso de sua
posição, alegre em sua superioridade estatal. Na segunda, vislumbramos já uma expressão
facial cansada que tenta encontrar no próprio reflexo os efeitos de sua deposição. Já na
última, sua última aparição na peça, Ricardo imagina esse mundo imaginário enquanto
espera a própria morte, vestido com os andrajos de um mendigo.

Cenas do filme BBC Television Shakespeare – 3 Henry VI, de 1983. Dirigido por
Jane Howell.
Figura 01. Ricardo (Derek Jakobi) assiste ao confronto entre Bolingbroke e Mowbray.
(I.iii)
Figura 02. Ricardo, já deposto, vislumbra as marcas de seu rosto. (IV.i)
Figura 03. Ricardo na prisão, imagina um cosmos perfeito para si. (V.v)

O mesmo cuidado foi dedicado à variação dessa representação de Ricardo por parte
do artista John Gilbert em suas ilustrações para o drama. Na primeira ilustração, percebe-se
a mesma pompa de Ricardo enquanto decide pela acusação de Bolingbroke contra
Mowbray. Sua expressão facial de evidente desdém e sua posição elevada reforçam sua
superioridade. Na segunda ilustração, Gilbert expressa o desrespeito de Ricardo contra o
sábio ancião Gaunt. Enquanto todos dedicam a Gaunt respeito e admiração, Ricardo o
despreza, o que fica bem evidente pela posição corporal exaltada e expressão de irritação.
Por fim, na última ilustração, vemos Ricardo, já deposto, com os cabelos em desalinho e
um traje simples, talvez de um servo, vislumbrando a própria face diante do espelho. Com
sua arte, John Gilbert também procurou ressaltar a variação tanto social, quanto psicológica
da personagem.
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Figura 4. John Gilbert. Ilustração para Ricardo II, I.iii. Ricardo julga a acusação de
Bolingbroke.
Figura 5. John Gilbert. Ilustração para Ricardo II, II.i. Ricardo despreza os conselhos de
Gaunt.
Figura 4. John Gilbert. Ilustração para Ricardo II, IV.i. Ricardo observa sua própria queda.

Assim, nota-se no decorrer de toda a peça a degradação de um rei que não


percebendo seus limites, acaba por perder sua posição monárquica. Para nós, expectadores,
isso é uma felicidade, pois é só em sua gradativa destruição, tanto monárquica quanto física,
que o drama se estabelece. Perde-se um rei, e outro já está em seu lugar, mas o que
ganhamos na crescente representação psicológica de Ricardo é uma personagem que será a
gênese do que tanto admiramos em personagens posteriores de Shakespeare, como
Macbeth e Lear: sua infinita capacidade de expressar e estudar a si próprios na medida em
que suas vidas são transformadas.

4 – Henrique IV e a figuração de um monarca respeitável

A estrutura de Ricardo II serve não apenas para demonstrar a variação interior de


um monarca que vai da glória à destruição, como também para introduzir um outro
monarca que conheceremos futuramente nas duas peças que levam seu nome: Henrique IV.
Se o que assistimos em Ricardo II é a gradativa desmistificação de Ricardo, parece haver um
interesse velado de Shakespeare em exaltar o patriotismo e a honra de Bolingbroke, como
já havíamos visto na ênfase que o dramaturgo dedica à lorde Talbot na primeira parte de
Henrique VI.
Estranhamente há um clima de estranha naturalidade na última cena da tragédia.
Embora do ponto de vista geral Ricardo tenha sido em rei inapto, ainda era um rei.
Entretanto, o que Shakespeare apresenta na última cena dessa peça, é um clima de festejo
advindo da execução de Ricardo e de seus poucos apoiadores. Como Kott reforça, uma
tragédia não pode terminar em festejo como se meramente Ricardo tivesse sido um mal
que foi vencido e apagado.
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Nessa cena, o mais assustador é a sua perfeita naturalidade. Como se


nada tivesse acontecido. Um novo reinado começa: seis cabeças são
enviadas ao rei, na capital. Mas Shakespeare não pode terminar sua
tragédia nesse ponto. Ele tem necessidade de um choque. Deve
introduzir na ação do Grande Mecanismo um relâmpago de consciência.
Um único relâmpago, mas genial. O novo soberano espera que lhe
tragam ainda um cabeça, a mais importante. (2006: 35 Kott)

Esse último relâmpago de consciência vem na última fala de Bolinbroke, atual rei e
monarca admirado pela população, especialmente em contraste com a falta de popularidade
do governante anterior. No entanto, Henrique, mesmo reconhecendo a necessidade da
execução de Henrique, parece insatisfeito com o ato. Como o dito comum apregoava, o
antigo rei precisa morrer para o que novo possa reinar em paz. Mas Henrique sabe que
nenhum reinado é de fato pacífico, como veremos nas próximas duas peças que levam seu
nome. Como prenúncio desses males vindouros, Henrique adverte Exton a respeito da
execução de Ricardo.

Enter EXTON, with persons bearing a coffin


EXTON
Great king, within this coffin I present
Thy buried fear: herein all breathless lies
The mightiest of thy greatest enemies,
Richard of Bordeaux, by me hither brought.
HENRY BOLINGBROKE
Exton, I thank thee not; for thou hast wrought
A deed of slander with thy fatal hand
Upon my head and all this famous land.
EXTON
From your own mouth, my lord, did I this deed.
HENRY BOLINGBROKE
They love not poison that do poison need,
Nor do I thee: though I did wish him dead,
I hate the murderer, love him murdered.
The guilt of conscience take thou for thy labour,
But neither my good word nor princely favour:
With Cain go wander through shades of night,
And never show thy head by day nor light.
Lords, I protest, my soul is full of woe,
That blood should sprinkle me to make me grow:
Come, mourn with me for that I do lament,
And put on sullen black incontinent:
I'll make a voyage to the Holy Land,
To wash this blood off from my guilty hand:
March sadly after; grace my mournings here;
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In weeping after this untimely bier.[20] (V.vi)

Se venenos são necessários, isso não significa que se deva festejar o uso de tais
preparos. Enquanto o festejo geral proclama o novo rei, Henrique convida seus súditos ao
luto. Ao lado de Henrique também lamentamos a desastrosa vida de Ricardo. Se há algo a
ser aprendido nessa peça é que não podemos recusar ou desprezar o bem coletivo,
especialmente quando se ocupa uma posição política. Agora, já estamos devidamente
pronto para o que Shakespeare visualizou como um ideal de educação monárquica.
Embora tenhamos duas peças dedicadas a Henrique IV, é à educação de príncipe Hal que o
dramaturgo dedica mais fôlego. Entre um pai relativamente rígido e um companheiro
exuberante em vivacidade, Falstaff, veremos a fundação do monarca mais popular até o
período elisabetano, Henrique V.

5 Bibliografia

FRYE, Northrop. Sobre Shakespeare. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1999.
HOLDEN, Anthony. Shakespeare. São Paulo: Ediouro, 2003.
BLOOM, Harold. Shakespeare: A Invenção do Humano. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
HELIODORA, Barbara. A Expressão Dramática do Homem Político em Shakespeare. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978.
HELIODORA, Barbara. Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 2004.
KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
KERMODE, Frank. A Linguagem de Shakespeare. São Paulo: Record, 2006.
SHAKESPEARE, William. Arden Shakespeare – Complete Works. London: Thomson, 2007.
SHAKESPEARE, William. Obras Completas de Shakespeare: Ricardo II. Traduzido por Carlos
Alberto Nunes. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, sem data.
SPURGEON, Caroline. A Imagística de Shakespeare. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
WELLS, Stanley. Oxford Dictionary of Shakespeare. New York, Oxford University Press, 1998.

[1] Tradutor e Crítico Literário. Possui Graduação e Mestrado em Letras pela Universidade Federal de Santa
Maria. É professor de Literatura Greco-Latina na mesma instituição. É membro do Centro de Estudos
Shakespearianos (CESh).
[2] HOLDEN, Anthony. Shakespeare. São Paulo: Ediouro, 2003, p. 168.
[3] Ibidem, p. 274.
[4] FRYE, Northrop. Sobre Shakespeare. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 80.
[5] YORK — Como os espectadores de uma peça no teatro, após sair o ator querido, indiferentes olham
para o que entra depois dele, julgando insuportável sua tagarelice: desse modo, se não com mais desprezo, os
assistentes zombavam de Ricardo. (Todas as passagens citadas pertencem a tradução de Carlos Alberto
Nunes).
[6] Ibidem, p. 76.
[7] BLOOM, Harold. Shakespeare: A Invenção do Humano. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 322.
[8] Sobre essa possível leitura do drama, é esclarecedor o comentário de Park Honan em Shakespeare – Uma
Vida: “Shakespeare elaborava suas peças de forma a que dessem margem a múltiplas interpretações, e todas
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elas têm problemas inesgotáveis. No entanto, com mais confiança intelectual aqui do que em peças históricas
anteriores, Shakespeare usa o patriotismo como um tema a ser contraposto a idéias profundamente
perturbadoras. Ricardo II mostra como é fácil se livrar de um rei ungido. O que é posto em questão de forma
radical não é o poder de Deus, mas certas suposições acerca da divindade: a peça desmitifica a monarquia
minando a noção de sanção divina e sugere que investir soberanos não faz parte das preocupações do céu. A
idéia de que Deus não mais ‘guarda os justos’ tem um impacto dramático tremendo e contraria dogmas da fé
que sustentam exércitos desde os tempos da dinastia Tudor até os nossos dias. Sendo um obra-chave no
desenvolvimento do autor, Ricardo II também abre um novo caminho para as tragédias shakespearianas. Se a
graça divina não protege nem mesmo o servo ungido, a história pode não passar de um produto da vontade
humana; assim, a ênfase recai sobre a escolha, a responsabilidade e a habilidade como fatores que podem
determinar o destino de um Macbeth ou de um Lear.” (Honan, 276)
[9] HELIODORA, Barbara. Falando de Shakespeare. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 63.
[10] Idem.
[11] Qual profeta inspirado ora eu me sinto. Eis o que, na hora extrema, a seu respeito vou predizer: durar
não pode a sua chama impetuosa de dissipação, porque o fogo violento se consome depressa. As chuvas finas
duram muito, mas são curtas as grandes tempestades. Quem faz imoderado uso da espora, termina por matar
a montaria; quem come com sofreguidão, acaba por se asfixiar com os próprios alimentos. A vaidade falaz,
corvo insaciável, após consumir tudo, se devora. Este real trono, esta ilha coroada, este solo de altiva
majestade, esta sede de Marte, este novo Éden, este meio paraíso, fortaleza que a Natureza para si construiu
contra as doenças e os braços invasores; esta raça feliz, mundo pequeno, esta pedra preciosa, colocada num
mar de prata que lhe faz as vezes de muro intransponível ou de fosso que lhe defende a casa contra a inveja
das terras menos fartas; este solo bendito, este torrão, esta Inglaterra, esta ama, esta matriz, sempre fecunda,
de grandes reis, famosos pela origem, temidos pelo braço, celebrados por seus feitos em prol da cristandade e
da cavalaria (...) esta pátria querida, esta Inglaterra que terras outras conquistava, agora fez a triste conquista
de si mesma.
[12] O rei mudou demais; guiado se acha por vis aduladores.
[13] Bloom escreve: “Ricardo II é mau rei, mas, como poeta metafísico, é interessante, os dois papeis são
antitéticos, de modo que a realeza diminui, à medida que a poesia se desenvolve. No final da ação, Ricardo é
um rei morto, tendo sido forçado a abdicar e, em seguida, assassinado, mas o que permanece em nossos
ouvidos é seu metafísico arremedo de lirismo”. (p. 318).
[14] Nossas vidas, o reino, tudo, agora pertence a Bolingbroke. Nada resta a que chamemos nosso, afora a
morte e esse punhado de infrutuosa argila que a nossos ossos serve de coberta. Pelo alto céu, no chão nos
assentemos para contar histórias pesarosas sobre a morte de reis: como alguns foram depostos, outros
mortos em combate, outros atormentados pelo espectro dos que eles próprios destronado haviam, outros
envenenados pela esposa, outros mortos no sono: assassinados todos! (...) Ponde os chapéus; não zombeis,
com solenes reverências, do que é só carne e sangue. Despojai-vos do respeito, das formas, dos costumes
tradicionais, dos gestos exteriores, que equivocados todos estivestes a meu respeito. Como vós, eu vivo
também de pão, padeço privações, necessito de amigos, sou sensível às dores. Se, a tal ponto, eu sou escravo,
como ousais vir dizer-me que eu sou rei?
[15] Ficará satisfeito; hei de ler tudo, depois de ver o livro em que se encontram escritos meus pecados:
minha própria pessoa. (Volta o criado com um espelho.) Dá-me o espelho. Vou ler nele. Como! Sem rugas, ainda,
mais profundas? Tão grandes bofetadas a tristeza me aplicou, sem deixar marcas mais sérias? Ó espelho
adulador! Como as pessoas que na prosperidade me seguiam, tu me estás enganando. Serão estas as feições de
quem tinha diariamente dez mil pessoas sob seu teto e a todas alimentava? Será esta a face que, à maneira do
sol, deixava cego quem a olhasse de frente? Era esta a face que fez face a loucuras incontáveis para, afinal, ter
de baixar os olhos diante de Bolingbroke? Muito frágil é a glória que irradia desta face; tão frágil quanto a
glória é a própria face. (Joga o espelho ao chão.) Ei-la aí, reduzida a cem pedaços. Não deixes de anotar, rei
silencioso, a moral do meu gesto: como as mágoas em pouco tempo a face me destruíram. Atos IV.i.
[16] KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 36.
[17] Ibidem, p. 53.
[18] Estive a refletir como me seja possível comparar esta angustiosa prisão ao vasto mundo. Sendo o
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mundo tão populoso e aqui não existindo, além de mim, nenhuma outra criatura, não sei como o consiga.
Mas não paro de martelar a idéia: darei provas de que minha alma e o cérebro casaram e que uma geração de
pensamentos, logo após, conceberam. E, são esses pensamentos que o meu pequeno mundo povoaram de
caprichos, da maneira por que vemos no mundo, visto como jamais os pensamentos se acomodam. Os mais
graduados, como os pensamentos relativos a assuntos religiosos, de dúvidas se mesclam, provocando conflito
entre as palavras. Por exemplo: “Deixai que os pequeninos venham a mim”. E após: “É bem mais fácil um
camelo passar pelo buraco de uma agulha do que eles alcançarem o reino de meu pai”. Os pensamentos
ambiciosos cogitam só de absurdos: como estas fracas unhas abrir possam uma passagem através das pétreas
costelas deste mundo, esta minha áspera prisão. E, porque falham, morrem vítima do próprio orgulho. (...)
Desta arte, eu represento ao mesmo tempo muitas pessoas, todas descontentes. Sou rei, por vezes. A traição,
nessa hora, me leva a desejar ser um mendigo, e mendigo me torno. Então o peso da miséria de novo me
persuade que eu estava melhor sendo monarca. Torno a ser rei; mas nesse mesmo instante ponho-me a
imaginar que Bolingbroke me destronou e que eu não sou mais nada. (...) Malgastei todo meu tempo; o
tempo ora me gasta, porque me vejo transformado agora no relógio do tempo. Os pensamentos são minutos,
que com suspiros batem no quadrante dos olhos, onde se acha sempre meu dedo, à guisa de ponteiro para
marcar as horas e limpá-las de lágrimas. Agora, meu querido Ricardo, o som que nos indica as horas são
suspiros profundos que me batem no coração: o sino. Assim, suspiros, lágrimas e gemidos, os minutos, o
tempo e as horas marcam.
[19] KERMODE, Frank. A Linguagem de Shakespeare. São Paulo: Record, 2006, p. 73.
[20] (Entra Exton, com criados que trazem um ataúde.)
EXTON — Grande rei, neste esquife eu te apresento teu medo sepultado. Sem perigo mais para ti, aí jaz teu
inimigo, Ricardo de Bordéus, por mim trazido. BOLINGBROKE — Exton, não te agradeço; o cometido
feito de que te orgulhas me enxovalha, cobrindo a nossa pátria de mortalha. EXTON — Tu mesmo, ó rei,
me insinuaste o feito. BOLINGBROKE — Quem recorre ao veneno, só proveito dele entende tirar; ódio lhe
vota. Não te amo; muito embora eu a derrota de Ricardo almejasse, ora abomino, quanto lhe tenho amor, seu
assassino. Em tua própria consciência, que te esmaga, procura agora a merecida paga, não em palavras de
agradecimento, nem em favores reais e valimento. Como Caim, passa a vagar de noite, sem jamais
encontrares quem te acoite. Senhores, asseguro-vos que da alma confrangida fugiu-me toda a calma, por ver
que necessário se tornasse, para minha subida, este traspasse. Vinde chorar comigo o que eu lamento e ponde
luto desde este momento. À Terra Santa pretendo ir, contrito, para limpar-me deste atroz delito. Solidários
ficai na minha agrura, lastimando esta morte prematura. (Saem.) V.vi.
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DO FILME PERFUME: JEAN BAPTISTE E HERODES AGRIPA I –


UM DIÁLOGO DISCURSIVO

Francisco Neto Pereira Pinto


Pós-graduando em Letras - Leitura e produção escrita – UFT

Resumo: No presente trabalho realiza-se uma leitura do filme Perfume: a história de um


assassino, do diretor Tom Tykwer (2006). Utilizando-se como suporte teórico
metodológico o da Análise de Discurso francesa, Pechêutiana, estabelece-se uma relação
discursiva entre as personagens de Jean Baptiste Grenouille e o rei Herodes Agripa I, num
diálogo intertextual entre o filme e a Bíblia. A partir de tal constatação percebe-se haver
atualizações de sentidos entre as duas personagens, pois, cada uma à sua maneira, por
aclamação pública, da condição humana é elevada à posição de divino para, em seguida, ser
comido por vermes.
Palavras-chaves: Jean Babtiste, Herodes Agripa I; Imagem Enunciativa; Análise de
Discurso.

From the film Perfume: Jean Baptiste and Herodes Agripa I - a discursive dialogue

Abstract: This paper presents a reading about the film Perfume: the history of murderer,
managed by Tone Tykwer (2006). Using itself as methodological and theoretical support,
the French Discourse Analysis, Peaches, that establishes the discursive relation between the
characters Jean Baptiste Grenouille and king Herodes Agripa I, in a dialogue involving the
film and the Bible. It is perceived that there’s a sensible update of between the two
characters, because, each one in his way, by public acclamation is raised to the position of
the holy god and finally eaten by worms.
Key-words: Jean Babtiste, Herodes Agripa I; Enunciative image; Discourse Analysis.

Introdução

As autoridades civis já estão em suas devidas posições. A multidão num empurra,


empurra, eufórica e aos gritos recebem o carrasco que tem a comissão de, com uma cana
de ferro, infligir, ao número de doze, golpes ao condenado que deverá, amarrado numa
cruz de madeira, ser golpeado até ter seus ombros, braços, bacia e pernas quebrados e, num
ritual de tortura, ser conduzido à morte. Em seguida, com atitude de reverência e respeito,
as pessoas abrem caminho para a autoridade religiosa passar. Os sentados à frente
levantam-se quando da chegada do bispo que, postando-se na principal posição dentre os
presentes, confere a todos a cerimonial bênção. O espetáculo não demorará a começar.
O som produzido pelo choque entre as patas dos cavalos e o chão anunciam a
chegada do protagonista do dia. Curiosos e transparecendo perplexidades, todos os olhares
se vão em uma direção, à carruagem que trás o condenado à punição. Entretanto, a
excitação que ora dominava os ânimos da platéia e que se refletia na severidade do rosto
dos dali, à medida que o criminoso, impregnado pela fragrância do perfume perfeito, que
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continha a fórmula do amor, ia se mostrando ao público, ao descer da carruagem, dava


lugar a uma expressão de admiração e devoção, conferindo ao preso um status de divina
aparição. Subindo calmamente as escadarias do cadafalso, o ator principal, por fim, ocupar
o lugar central no teatro da execução.
O carrasco, o executor, inebriado pelo odor que exala do perfumado corpo do
condenado, curvando-se trêmula e religiosamente diante deste, profere repetidas vezes e
em som crescente, ao que é acompanhado aos poucos pela multidão, as palavras que
inverte a condição do criminoso: este homem é inocente! Ele é inocente! De sua nova
posição simbólica, sem muitos gestos faciais, o homem percorre rapidamente com o olhar
a multidão que lhe olha idólatramente.
Andando em movimento circular pelo cadafalso, o novo homem põe-se parado em
direção ao palco aonde se encontram as autoridades principais e, lançando ao ar, naquela
direção, por meio de uma aceno com um lenço, a fragrância do perfume que desenvolvera,
causa, ainda mais, por meio do cheiro que se espalha, nos que por ele é afetado, um estado
de arrebatamento, que mistura espanto e um estar fora de si, que por fim alcança o bispo
que, como que tomado por forças sobrenaturais, ajoelhando-se, numa reação de admiração
e devoção, olhando para o perfumeiro exclama: um anjo. Não é um homem! Ele é um anjo.
Ao som dessas palavras, o rosto do novo ser, agora elevado à condição de divino,
esboça um leve sorriso, enquanto que a multidão, ajoelhando-se, tomada de reverência,
entre choros e gritos eleva suas mãos em sinal de prece ao ente celeste. O cadafalso,
símbolo de suplício, servia, agora, de altar ao majestoso ser que, erguendo os braços,
arrancava da multidão saudações, rogos e lamentos. E, por algum tempo ficou assim, se
prestando a ser adorado pela multidão.
Algum tempo depois, numa outra cidade, num cenário diferente, no mais fétido e
nojento espaço público de Paris, o homem que tinha um poder mais forte do que o do
dinheiro, terror ou morte: o poder invencível de ter o amor da humanidade sob se controle,
se quisesse, ao derramar aquele perfume sobre seu corpo, adquiria, à vista daqueles que lhe
olhava, natureza angélica. Atraídos àquele divino corpo, aqueles moradores de ruas,
derrubando-o ao chão, e porque eram muitos, amontoados uns aos outros, consumiram o
corpo de Jean Baptiste Grenouille, comendo-o ainda vivo, por volta das onze horas da
noite, em 25 de junho de 1766. As cenas acima descritas fazem parte do último capítulo do
filme Perfume: a história de um assassino, do diretor Tom Tykwer, lançado em 2006.
Esboçou-se essa breve descrição com o fim de se preparar terreno para uma análise
de dois momentos discursivos que se pretende compreender melhor seu funcionamento
segundo a perspectiva teórica da Análise de Discurso francesa, doravante AD, linha
pecheutiana, considerando, principalmente, os trabalhos de Eni Orlandi no Brasil.

Algumas Palavras sobre a AD

Sabe-se que pra a AD, o sujeito não inaugura os sentidos, ele se constitui ao mesmo
tempo com os sentidos a que se filia. Isso implica dizer que para significar, o sujeito
precisar se inscrever na ordem da língua e da história, ou seja, retomar sentidos produzidos
antes, independentemente, noutro lugar, para que no seu agora, atualidade, produza este ou
aquele efeito de sentido, dependendo da(s) formação(ões) discursiva(s) pela(s) qual(ais)
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transitar. As FDs, por sua vez, se definem como regiões do dizível que delimitam os
sentidos possíveis de serem enunciados a partir de seu interior, ou seja, o mesmo dizer,
filiado a FDs diferentes, sentidos diferentes.
Se, a depender da formação discursiva, o sentido pode ser outro, então para se
compreender determinado discurso, ou seja, o efeito de sentidos entre locutores, há que se
atentar para sua materialidade histórico-social. Há aí uma determinação. Isso implica dizer
que o político e o imaginário indicam a direção dos sentidos, impedindo que ele seja apenas
um e ao mesmo tempo não permitindo que seja qualquer um.
Os fatos reclamam sentidos. Os sentidos ao se historicizarem, inscrevem-se na
memória, na histórica, que torna legível o legível, possível o dizer. Essa possibilidade do
dizer, que não é disponível a qualquer um, pois apenas determinados sentidos são possíveis
a determinados sujeitos, torna o sentido universal, dando a impressão ao sujeito, no eixo da
formulação, a ilusão de que o sentido nasce ali, com ele. Ilusão de ser a fonte do sentido
que na verdade se filia.
Se, por um lado, o sujeito pensa ser a origem do dizer e que o sentido é
transparente, a-histórico, por outro, o analista de discurso sabe que não é assim. Se, de um
lado, o sujeito se filia a determinado sentido pra depois textualizar o discurso, por outro, o
analista parte do texto, para ter acesso aos mecanismos de funcionamento do discurso. É
este percurso que se percorre aqui; do texto ao discurso.

Entre Jean Babtiste e Agripa I – um diálogo discursivo

Não é um homem! Ele é um anjo... consumiram (as pessoas) o corpo de Jean Baptiste Grenouille,
comendo-o ainda vivo. São esses dois enunciados que se prestam como objeto discursivo.
Levando-se em consideração as circunstâncias em que se irrompe essa produção discursiva,
ou seja, o lócus de sua formulação, pode-se melhor compreender como os sentidos aí se
materializam, verificando como o político aí intervém, decidindo a direção dos sentidos, ou
seja, porque uns e outros não. E é atentando-se à memória que se chega a essa
compreensão.
Grenouille é um assassino em série que está condenado a ser torturado até a morte
e, em 1766, na França, ainda se praticava o “espetáculo punitivo” (FOUCAULT, 1987, p.
12), portanto, o destino de Jean Baptiste, é de se esperar, seja semelhante ao de Damiens,
contemporâneo seu que, em cumprimento de sentença condenatória de morte, depois de
um longo período de tortura, “foi reduzido a cinzas” (idem, p. 10).
Porém, o destino reservava a Grenouille, ao invés de uma morte sofrível, um
momento de glória no cadafalso. Sem dizer nenhuma palavra, pois uma das características
marcantes da personagem é a de ser econômico com as palavras, ao exalar a fragrância de
seu perfume perfeito, reverte o curso dos acontecimentos a seu favor, pois o perfume
continha uma essência capaz de dominar os sentimentos dos humanos, colocando-os
assim, sob um estado de reverência religiosa a Jean Baptiste.
Assim, os presentes, que ali estavam para assistir sua execução, sob efeito do
perfume, lhe atribuem agora filiação divina. Este status de divindade é legitimado quando
enunciado pela maior autoridade religiosa ali presente, o bispo católica que, em encontro
religioso anterior ao evento no cadafalso lhe impôs a excomunhão religiosa, atribuindo-lhe
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filiação satânica. A natureza de Grenouille muda, migra de essência. Não é um homem! Ele é
um anjo, exclama o bispo. De filho do diabo à condição divina.
Sabe-se em AD que os lugares imaginários a partir dos quais enunciam os locutores
são constitutivos dos sentidos possíveis de produzidos. Assim diz Eni Orlandi, “são
relações de força, sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na
“comunicação”” (ORLANDI, 1999, p. 40, aspas no original).
Assim sendo, o lugar a partir de onde o bispo diz ser agora santo aquele que antes
ele mesmo havia excomungado, legitima seu dizer. Afinal, não é a partir de um lugar
comum que fala o religioso, mas da posição-sujeito religiosa que lhe confere tal poder, ou
seja, a FD – que determina o que pode ser dito a partir de determina posição (ORLANDI,
1996a, p. 58) em que se filia o dizer de tal autoridade lhe possibilita declarar alguém como
filho do diabo e/ou de Deus, pois a formação ideológica que orienta tal formação
discursiva é que sustenta a igreja como representante de Deus. (RODRIGUÉZ, 1998, p.
48).
Livre, Jean Baptiste se dirige à Paris, cidade natal, ao local de seu nascimento, o
mercado de peixes, onde, ao derramar, sobre sua cabeça, o perfume que havia produzido,
atrai um bom número de pessoas sobre seu corpo que o consumem em sua totalidade em
poucos instantes. Acaba o filme.
Os eventos expostos até agora em si mesmos parecem contraditórios, ou seja, da
condição de criminoso à natureza divina ao que se segue o extermínio por consumo
humano. Entretanto, tomados como objeto discursivo, esses enunciados não é um homem!
Ele é um anjo... consumiram (as pessoas) o corpo de Jean Baptiste Grenouille, comendo-o ainda vivo, não
se deixam amarrar como apenas uma seqüência enunciativa disposta na ordem linear da
história do filme. Obviamente, como todos os eventos narrados no filme, se tomados em
sua discursividade atualizam sentidos já historizados, bem com apontam para possíveis no
futuro.
Eni Orlandi assevera que “diante de qualquer fato, de qualquer objeto simbólico
somos instados a interpretar” (1999, p. 10) e que, portanto, “o homem não pode evitar a
interpretação, ou ser indiferente a ela” (ORLANDI, 1996b, p. 9). De sorte que o ser
humano está fadado a interpretar.
Diante dos enunciados acima descritos, quando de suas ocorrências,
contextualizados no filme perfume, há uma injunção à interpretação, ou seja, é inevitável as
seguintes indagações: o que isso quer dizer? Qual o sentido disso? Ao analista de discurso,
em adição, interessa ir mais além, ou seja, indagar como estes enunciados significam, pois
interpretar é comprometer-se com os sentidos e analisar implica saber como o discurso
produz determinados efeitos de sentidos.
Sabe-se que, ao trabalhar com discurso, o que conta não são os enunciados
empíricos, como se eles tivessem sentidos atrelados a eles mesmos, mas, como diz Eni
Orlandi, o que importa são “as imagens enunciativas” (1993a, p.12). Isso implica dizer que,
mesmo que o que se diz no aqui, agora, não coincida palavra por palavra com o que foi
enunciado antes, que está lá, na memória discursiva, aquele pode ser um ressoar deste, uma
atualização dos sentidos, pois o que importa é a imagens que fica. No caso dos enunciados
em análise, este ressoar remete à memória discursiva, ao dito antes, por exemplo, na Bíblia.
Por volta de 44 E.C., o rei Herodes Agripa I, na cidade de Cesaréia, que fica ao
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Norte Nordeste de Jerusalém (Estudos Perspicaz, 1991, p. 485), trajando vestes reais, ao
receber uma delegação de Tiro e Sídon, proferiu um discurso público e logo após faleceu.
Por que e como faleceu o Rei? Que relação discursiva há entre o que aconteceu com
Herodes Agripa I e Grenouille?
De acordo com a Bíblia, livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 12 e versículo 20, o
rei Herodes Agripa I tinha uma animosidade para com os habitantes de Sídon e Tiro. Estes,
entretanto, dependiam do rei na questão da alimentação. Por volta da estada do rei em
Cesária, Tiro e Sídon enviaram uma delegação para pedirem um termo de paz ao rei. Por
esta ocasião, relata o escritor bíblico Lucas, “Herodes vestiu-se da roupa real e se assentou
na cadeira de juiz, e começou a fazer-lhes um discurso público” (Atos, 12, ver. 21). Em
resultado do discurso real, a população em uníssono, grita: “a voz de [um] deus e não de
um homem” (ver. 22).
A voz de uma deus e não de um homem, diz relato bíblico em relação ao rei. Não é um
homem! Ele é um anjo, diz o bispo, em relação a Grenouille. Os dois personagens começam a
ganhar configuração identitária, um em relação ao outro. Os dois, cada uma à sua maneira,
por aclamação pública, da condição humana são elevados à posição de divinos.
É bem verdade que isso por si só, não diz muita coisa. Era comum àquela época se
prestar adoração ao Imperador romano e, Tiro e Sídon estavam por ocasião desse
acontecimento sob julgo romano. Ademais, Herodes Agripa I era um rei cujo domínio era
vasto na região, chegando a reinar sobre várias províncias romanas e, não bastasse isso, era
amigo do imperador e tinha forte influência na corte imperial.
Em adição, deve-se levar em consideração o fato de os sistemas religiosos em
Sídon e Tiro não serem monoteístas; portanto, atribuirem natureza divina ao rei, no
mínino, não pode ser considerado como estranho, dado serem eles politeístas e guardarem
proximidade com os sistemas religiosos grego e romano. Entretanto, mesmo assim sendo,
a ligação entre Grenouille e Agripa I, só por estes fatos, não é tão exclusiva assim.
Porém, o que dá consistência aos laços discursivos entre as duas personagens,
tornando-os apontável discursivamente um ao outro é a declaração bíblica a seguir: “e,
comido de vermes, expirou” (Atos, 12, ver. 23). As duas cenas discursivas, serem
aclamados divinos e em seguida extinguirem-se comidos por vermes, particularizam as duas
personagens, colocando-as em diálogos discursivos.
Dizer que dentre todas as cidades da Europa, Paris era a que mais exalava mau
cheiro e que, em Paris, o mercado dos peixes era o lugar em que o mau cheiro mostrava ser
mais profundo e repugnante é preparar o cenário para o surgimento dos “vermes”. E
porquê Grenouille, o anjo, havia de se dirigir exatamente ao mercado dos peixes? Ele havia
de ser punido; os vermes o esperava.
Deve-se notar que enquanto que a multidão, reunida ao redor do cadafalso o
idolatrava, o adorava, embora tivesse ele igualmente o corpo impregnado pela fragrância, a
ação dos no mercado dos peixes foi adversa. Embora o reconhecessem como anjo, o
comeram. E porquê o comeram? O filme não responde, mas o silêncio significa, e uma das
suas características é o de estar ligado à história (ORLANDI, 1993b, p. 12).
Se Jean Baptiste atualiza discursivamente Herodes Agripa I, nos termos em que se
analisou, então o motivo da morte do segundo funciona qual indicativo à razão pela qual o
primeiro morreu. Lucas, escritor do livro de atos, diz em relação à morte do rei: “o anjo de
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Jeová o golpeou instantaneamente, porque não deu glória a Deus” (Atos 12, ver. 23). A
falta de modéstia do rei Agripa I, o levou a aceitar honras imerecidas, segundo as Escrituras
Sagradas, recebendo, em conseqüência, punição divina. Similarmente, Grenouille, logrou-se
está acima da Igreja, por aceitar religiosa reverência do Bispo e da multidão.
Se, por um lado, as autoridades civis nada puderam fazer a Grenouille; por outro, a
Justiça Divina não o deixaria impune. Dentre muitas as alternativa, Jean Baptiste foi
induzido a se dirigir ao mercado dos peixes para que, junto com sua arrogância, seu
percurso terminasse ali e, como que comido pelos vermes, expirou.

Referências Bibliográficas

Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas: com referências. São Paulo, Sociedade Torre de
Vigia de Bíblia e Tratados, 1986.
Estudo Perspicaz das Escrituras. Vol. 2, Sociedade Torre de Vigia de Bíblia e Tratados. São
Paulo, 1991.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: O nascimento da Prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 32ª
ed., Petrópolis, Vozes, 1987.
ORLANDI, E. P. Análise de Discurso, Princípios e Procedimentos. Campinas, SP, Pontes, 1999.
_____________Discurso e Leitura. Campinas, SP, ed. 3ª, Cortez, 1996a.
_____________Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis, Vozes,
1996b.
_____________Vão surgindo os sentidos. In: ORLANDI, E. P. (org.) Discurso fundador: a
formação do país e a construção da identidade nacional. Campinas, Pontes, 1993a. Prefácio.
_____________As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas, Unicamp, 1993b.
ROGRIGUES, C. Sentido, interpretação e história. In: ORLANDI, E. P.(org.) A leitura e os
leitores. Campinas. Pontes, 1998. pp.47-58.
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A SELEÇÃO DO NOME-NÚCLEO DOS RÓTULOS

Gabrieli Pereira Bezerra


Doutoranda em Lingüística – UFRJ

Resumo: Este artigo analisa uma estratégia de referenciação chamada por Francis(1994) de
rotulação. Verificamos a importância da seleção do nome-núcleo dos rótulos para a
orientação argumentativa e, por conseguinte, a construção dos sentidos.
Palavras-chave: rótulos; referenciação; coesão lexical.

Abstract: This article identifies and analyses non-specific nominal groups which are
referred to as labels by Francis (1994). The head of the nominal groups were analysed
taking into consideration the importance of their semantic aspect to the construction of
meaning.
Key words: labels, encapsulation, lexical cohesion

1 – Introdução

Este trabalho pretende identificar e analisar sintagmas nominais não


específicos que para terem seus significados explicitados remetem ao co-texto. Esses SNs25
são chamados por Francis (1994) de rótulos. Interessa-nos analisar a importância da escolha
do nome-núcleo do rótulo para a construção do sentido. Utilizamos para esta análise um
corpus constituído de textos opinativos da mídia impressa pertencentes ao projeto
PEUL/RJ.
2 – Fundamentação Teórica

2.1 – Referência

Em 1976, os funcionalistas Halliday e Hasan abordam a referência, em seu estudo


sobre os mecanismos de coesão da língua inglesa, como um dos fatores da articulação
textual. Para eles, na referência estão inseridos os itens da língua para cuja compreensão
precisa-se remeter a outros elementos, internos ou externos ao texto.
Para os autores, a referência é concebida no sentido tradicional, ou seja, como uma
representação extensional de referentes do mundo extramental, a língua, portanto, nesse
enfoque é vista com um mero instrumento para (de) codificar as coisas do mundo sem que
o falante seja incluído, por assim dizer, as palavras funcionam como etiquetas dos objetos
do mundo.
Essa visão, embora ainda tenha defensores principalmente entre os semanticistas,
tem sido reformulada por aqueles que vêem a língua como uma atividade interacional, quer
dizer, os referentes são construídos na interação. Dessa forma, a relação língua – mundo
não é mais ingênua, pois é condicionada à prática social. Nem direta porque há uma
constante reorganização das etiquetas lexicais, portanto os significados não seriam nem

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A partir de agora, utilizaremos SNs por sintagmas nominais.
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fixos, nem estáveis. Dentro dessa perspectiva, temos a seguinte visão de língua de
Koch(2003:124): “a língua só se realiza enquanto prática social, quer dizer, os seres
humanos nas suas práticas sociais usam a língua e a língua só se configura nessas práticas e
é constituída nessas práticas.”
A fim de sinalizar essa mudança de perspectiva, Koch(2005, 2004, 2003ª,
1999ª,1998) e Marcuschi (1999, 1998) adotam o termo referenciação no lugar de referência
e, por conseqüência, a noção de referente é substituída pela de objeto-de-discurso, já que as
entidades são construídas no processo de interação, ou seja, são dinâmicas. Logo, quando
os objetos-de-discurso são introduzidos, segundo Koch(2003:80), “podem ser modificados,
desativados, reativados, transformados, recategorizados, construindo-se, assim, o sentido
no curso da progressão textual.”
Consideramos, dessa forma, a referenciação uma atividade do discurso, na qual o
sujeito será responsável por selecionar destro de um repertório lingüístico os objetos-de-
discurso que dão sentidos a sua proposta. Nas palavras de Koch(2005:35), isto quer dizer
que

as formas de referenciação, bem como os processos de remissão textual


que se realizam por meio delas constituem escolhas do sujeito em função
de um querer –dizer. É por esta razão que se defende que o
processamento do discurso, visto que realizado por sujeitos sociais
atuantes, é um processamento estratégico.

Com base nesse pressuposto, a referenciação além de organizar as partes do texto,


unindo o que foi dito ao que será dito, o que destaca sua relevância na organização tópica e
na progressão textual, exerce a função de dar ao leitor as orientações argumentativas de
partes do texto ou do texto como um todo, conforme o desejo do seu produtor.

2.2 – Rotulação

O uso de SNs não específicos é uma das estratégias de referenciação destacada por
Francis (1994). Entende-se por rótulo o SN não específico que requer uma realização
lexical no seu co-texto, ou seja, é um elemento nominal que precisa ser especificado no
discurso. Esse traço distintivo do rótulo faz com que funcione como anafóricos e/ou
catafóricos, assemelhando-se aos pronomes.
Essa característica é utilizada como critério para a identificação de rótulos, logo,
segundo Francis (1994:98), será rótulo qualquer nome não específico que solicite, para sua
especificação, uma lexicalização no co-texto, antes ou depois da sua utilização, isto é, o
rótulo deve apresentar-se como equivalente a uma seqüência discursiva, e não como
repetição ou sinônimo de um elemento antecedente, pois sua característica básica é o fato
de eles serem inerentemente inespecíficos.
Os rótulos apresentam algumas funções importantes na organização textual. O
primeiro ponto a se observado é a capacidade de o rótulo funcionar tanto anaforicamente,
quanto cataforicamente, podendo ser retrospectivos ou prospectivos. Ao ser utilizado
cataforicamente, a motivação para seu uso ainda não foi identificada, pois seu sentido será
atribuído somente nas orações subseqüentes.
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Outra função atribuída ao rótulo é a de mudar ou ligar os tópicos e contribuir,


também na preservação da continuidade textual ao introduzir as informações novas dentro
das velhas. Koch(2003) acrescenta que os rótulos desempenham ainda uma função
cognitiva-discursiva relevante, porque ao remeter a informação-suporte, sumarizam-na
apresentando sua função predicativa.
Koch (2005,2004,2003ª,1999ª,1998) trata da questão dos rótulos, como uma das
estratégias de referenciação, quando se empregam expressões nominais definidas. Nesse
grupo, a autora destaca as nominalizações e as rotulações metadiscursivas ou
metalingüísticas. As nominalizações são subdivididas em nomes abstratos de ação e
os nomes genéricos, como coisa, problema, negócio e troço. Na categoria dos nomes
abstratos de ação, inserem-se nomes cognatos de verbos, que indicam resultado de uma
ação, sem serem, entretanto, caracteristicamente metalingüísticos, tais como: modificação,
decisão e movimentação.
Quanto às rotulações metadiscursivas ou metalingüísticas, Koch adota a
classificação semântica proposta por Francis (1994). Dentro dessa categoria, há quatro
subitens: nomes ilocucionários, nomes de atividades linguageiras, nomes de processo
mental e nomes de texto.
Os nomes ilocucionários são nominalizações de processos verbais que costumam
ter verbos ilocucionários cognatos. Essas nominalizações refletem a forma como o autor
interpreta a força ilocucionária. Temos, por exemplo, os seguintes nomes-núcleos:
sugestão, conselho, engano e compromisso. Já os nomes de atividades linguageiras
relacionam-se a algumas atividades linguageiras ou ao resultado de tais atividades: resumo,
conclusão e explicação. Já a categoria dos nomes de processo mental engloba estados e
processos cognitivos, assim como os seus resultados: opinião, experiência, dúvida e idéia.
Por fim, os nomes de texto estão relacionados à estrutura textual do discurso, como: frase,
introdução, resumo e palavra.
Francis (1994) ressalta que a categoria dos nomes metalingüísticos está organizada numa
escala, por isso há a possibilidade de ocorrer sobreposições.
Quanto à configuração dos SNs inespecíficos, segundo Koch (2003ª), podemos ter:

Determinante + Nome
Determinante + Modificador + Nome+ Modificador

A escolha dos determinantes e dos modificadores é importante, porque acrescenta


significado ao nome-núcleo. Podem funcionar como determinantes: artigos, pronomes e
numerais e como modificadores: o adjetivo, o sintagma preposicionado e a oração relativa.
É interessante acrescentar que o uso de rótulos, segundo Francis(1994), é um recurso de
coesão lexical muito comum em textos escritos de natureza argumentativa.

3 – Análise dos rótulos

Francis(1994) estuda a coesão lexical realizada por SNs inespecíficos, chamando-os


de rótulos. A autora destaca, como característica fundamental em um rótulo, a sua
necessidade de ser lexicalizado, ou seja, devido ao seu caráter inespecífico remete a outras
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porções do co-texto para ter seu sentido explicitado. Observemos o exemplo (1):

(1) Com uma base destas, não é de admirar que a cooperação entre os dois países não tenha
ficado restrita ao âmbito econômico. A França e a Alemanha são reciprocamente os
principais parceiros comerciais, constituindo o maior mercado de trabalho na Europa. Em
2001, 14% das exportações da França, foram dirigidos para a Alemanha, que por sua vez
exportou 11 % de seu comércio para a França. Este intenso intercâmbio comercial implica
um notável investimento em ambos os países. No ano de 2000, o investimento direto
alemão na França chegou a 23 bilhões de euros; por outro lado, a França investiu 29
bilhões de euros na Alemanha. Esta situação foi ainda impulsionada por numerosas fusões
de empresas franco-alemãs de alta tecnologia, tais como Rhône-Poulenc e Hoechst, que
formaram a Aventis.

O rótulo esta situação tem seu sentido explicitado nas orações anteriores, isto é,
remetem a uma porção anterior do texto para que possa ser compreendido. Devido a essa
característica do rótulo, ele pode funcionar como anáfora ou catáfora. Ao exercer o papel
de anáfora, será um rótulo retrospectivo, pois o rótulo segue a sua lexicalização; e ao ser
catáfora será um rótulo prospectivo, já que o rótulo precede a sua lexicalização.
A questão do direcionamento dos rótulos é apenas um ângulo desse assunto rico e
complexo, pois o emprego de rótulos retrospectivos e/ou prospectivos envolve mais
questões do que a mera oposição catáfora e anáfora. Um ponto a ser abordado é a relação
entre o direcionamento e a veiculação de informações novas/velhas. Enquanto o rótulo
prospectivo introduz informações novas, o rótulo retrospectivo, que retoma informações
velhas, poderia parecer um mero resumitivo, no entanto Conte(2003) sinaliza que, apesar
de retomar informações velhas, este apresenta um novo referente textual. Há, ainda, a
questão da seleção nuclear, que abordaremos a seguir.

3.1 – O uso de nomes gerais

Francis(1994) agrupa em uma classe, que ela denomina de nomes gerais, os nomes
nucleares de rótulos que não apresentam um valor metalingüístico, tais como: área, aspecto,
caso, assunto, situação, problema e coisa.
Nessa categoria estão inclusos os nomes-núcleos que denotam um valor mais
genérico, sendo o exemplar mais comum e característico o nome-núcleo coisa, que Francis
(1994:22) diz ser o “mais geral e adaptável”. No entanto, apesar do caráter impreciso que
esses nomes-núcleos apresentam, a escolha de um rótulo é única, pois são palavras
altamente dependentes do contexto.

(2) Agora, enquanto Lula diz em Genebra a única coisa que pode ser dita no momento - que os
juros estão altos mas que não se promovem reduções nas taxas a poder de bravatas -, José
Alencar volta a perder a noção do cargo que ocupa e, não satisfeito em usar indevidamente
a cadeira presidencial para discordar, ainda o faz em termos absolutamente impróprios.
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O nome-núcleo coisa exemplifica a classe dos nomes gerais. Esse referente textual a
única coisa que pode ser dita no momento aponta para o que ainda será dito – exercendo o papel
de catáfora. Além disso, nesse exemplo, o nome-núcleo coisa é modificado por uma oração
relativa - que pode ser dita no momento – que fornece algumas informações a cerca do nome-
núcleo, mas não esclarece o significado do nome-núcleo coisa.
Na classe dos nomes gerais, incluem-se os nomes-núcleos com um valor semântico
mais genérico, entretanto há entre eles nomes que denotam uma carga avaliativa como
observamos no exemplo (3) em que o nome-núcleo problema já apresenta uma avaliação
acerca do que será dito a seguir.

(3) Só há um problema: ele é invencível porque não existe.

Esse nome-núcleo problema sugere ao leitor do texto como deve interpretar as


orações que estão em relação de substituição com o rótulo empregado. Isso nos leva a
considerar que as escolhas lexicais feitas pelos produtores dos textos marcam as suas
intenções.

3.2 – O uso de nomes abstratos de ação

No grupo das nominalizações, Koch (1999ª) destaca que, além do uso de


nomes gerais, podem ser empregados nomes abstratos de ação, como no exemplo (4). Os
nomes abstratos de ação diferenciam-se dos nomes ilocucionários, por não apresentarem
caráter metalingüístico. Eles são cognatos de verbos, que indicam resultados de uma ação.

(4) De todos os críticos à política de juros altos, o que exibe desempenho mais inadequado
é, de longe, o vice-presidente da República, José Alencar. Coerente, pois diz agora
exatamente o que dizia no governo anterior, Alencar parece não se ter dado conta de que
de lá para cá houve uma mudança crucial na situação: ele agora é governo, com todos os ônus
e os bônus resultantes dessa condição.

3.3 – O uso de termos metalingüísticos

O uso de termos metalingüísticos requer um maior domínio da escrita, pois indicam


como o produtor do texto interpreta um segmento textual. Observemos nos exemplos
abaixo:

(5) Finalmente, as cotas para os negros. O caso está no Supremo e inúmeros juristas
asseguram que a medida é inconstitucional. Resta saber como as cotas foram consideradas
constitucionais nos Estados Unidos. Lá, a Corte Suprema seguiu o voto de um juiz con-
servador e sulista, em cujo escritório de advocacia, em Atlanta, nunca trabalhara com um
negro. Até agora, o debate carrega alguns constrangimentos inúteis. Um é a demonstração
de que estudantes não-negros deixam de entrar na faculdade porque os negros, com notas
menores, são beneficiados pelas cotas.
Apresenta-se como anomalia a própria idéia. É exatamente isso que se pretende. É
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inconstitucional? O Supremo é quem sabe.

(6) Em 22 de janeiro de 1963, o presidente da França Charles de Gaulle e o primeiro-


ministro alemão Konrad Adenauer assinaram, no Palácio de Elysée em Paris, o Tratado de
Amizade entre a França e a Alemanha. Este acordo, denominado Tratado de Elysée, está
completando 40 anos em 2003. Representa um passo significativo no processo de
reconciliação entre os dois países vizinhos, colocando um ponto final na era das guerras
sangrentas e na "hostilidade mútua".

Observando-se melhor este tratado, pode-se notar que ele não só influenciou a
relação entre a França e a Alemanha como também a integração da Europa. Quem sabe
como teria sido esse processo se os considerados "motores" não tivessem tido a preocupação
de uma reconciliação?
Os exemplos (5) e (6) acima ilustram nomes-núcleos de processo mental – idéia e
processo. Enquanto no exemplo (5) o nome-núcleo idéia conduz o leitor o retomar as
informações anteriores que esse referente nomeia como sendo idéia; no exemplo (6) o
nome-núcleo processo aparece acompanhado pelo demonstrativo – esse- que como
aponta Conte (2003:183) apresenta um caráter dêitico, que torna saliente o rótulo –esse
processo – no trecho em que está inserido.

(7) Se os sábios de Brasília tivessem dado mais atenção à dra. Zilda Arns, o programa
Fome Zero não teria virado a encrenca que virou. No programa de Lula há três outras
propostas originais na área social: a legalização dos lotes ocupados pelo andar de baixo nas
grandes cidades, o primeiro emprego para os jovens e as cotas para negros nas
universidades públicas.

O emprego de um nome ilocucionário aparece no exemplo (7) acima, no qual o


nome-núcleo propostas é a nominalização do ato ilocucionário de propor. Além disso, o uso
desse nome-núcleo aponta para o leitor como ele deve interpretar as informações a seguir e
cria a expectativa de que mais de uma proposta será apresentada, o que o leitor irá
confirmar com a leitura da informação-suporte.

(8)Os temores veiculados por Regina têm a virtude de expressar o ânimo de uma parcela
ponderável da população. Dados cruzados de pesquisas da Vox Populi imediatamente
anterior a 6 de outubro autorizam essa conclusão.

Nesse exemplo (8), o rótulo essa conclusão também ilustra um nome ilocucionário,
porque, diferente do exemplo (11), não se refere a uma parte do texto como estrutura
formal, e sim ao aspecto semântico.

(9) Em 22 de janeiro de 1963, o presidente da França Charles de Gaulle e o primeiro-


ministro alemão Konrad Adenauer assinaram, no Palácio de Elysée em Paris, o Tratado de
Amizade entre a França e a Alemanha. Este acordo, denominado Tratado de Elysée, está
completando 40 anos em 2003. Representa um passo significativo no processo de
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reconciliação entre os dois países vizinhos, colocando um ponto final na era das guerras
sangrentas e na "hostilidade mútua".

Observando-se melhor este tratado, pode-se notar que ele não só influenciou a
relação entre a França e a Alemanha como também a integração da Europa. Quem sabe
como teria sido esse processo se os considerados "motores" não tivessem tido a preocu-
pação de uma reconciliação? Vale constatar que o nível da integração de hoje, que chegou
ao ponto em que os países europeus trabalham juntos para elaborar uma só constituição,
certamente não teria sido o mesmo se França e Alemanha não tivessem colocado um ponto
final nessa história.
O referente textual – história – ilustra o uso de nomes de atividades linguageiras.
Nesse caso, o nome-núcleo mesmo retomando informações velhas, é um item lexical novo,
já que não ocorreu anteriormente no texto.

(10) Conclusão, creio que a medida desorganizaria um setor do governo que funciona bem e
privaria um órgão respeitado e comprometido apenas com o Estado brasileiro de funções
que exerce há 50 anos, e para as quais se prepara continuamente. O Itamaraty é um
patrimônio do Estado brasileiro; não é do interesse nacional depreciá-lo.

Já os nomes de texto se referem a partes do texto, ou seja, a estrutura formal do


texto, como acontece no exemplo acima.
Jubran (2003:98) assinala que o ponto comum entre as rotulações metalingüísticas
reside na propriedade de serem auto-reflexivas, ou seja, ao mesmo tempo em que remetem
a uma informação, categorizam-na como ato da enunciação.

4 – Considerações Finais

Este trabalho analisou uma das estratégias de referenciação, que Francis (1994)
chamou de rotulação. Segundo Koch (1999ª) e Francis(1994) os nomes-núcleos dos rótulos
podem ser classificados semanticamente como nomes gerais, abstratos de ação e
metalingüísticos.
Dentro da classe dos nomes gerais, temos os nomes-núcleos de uma semântica
mais imprecisa, mais própria de uma linguagem do dia-a-dia (fala ou escrita informal),
sendo o exemplar mais característico “coisa”. Isso ocorre porque na fala, os enunciados são
processados simultaneamente a sua produção, tendo os falantes, então, um tempo limitado
para planejar e revisar seus textos. Apesar disso, muitos nomes gerais possuem um valor
axiológico(positivo ou negativo) o que revela o valor persuasivo dos rótulos, que direciona
o leitor do texto a uma conclusão.
Por outro lado, os termos metalingüísticos, segundo Jubran (2003:97), “... são
claramente entidades do discurso, no sentido que focalizam a atividade enunciativa...”
Outro aspecto relevante é que os rótulos metalingüísticos requerem do leitor do texto um
maior esforço cognitivo, já que além de interpretar um referente textual novo, deve
também buscar informações.
Koch(1999ª) assinala que os rótulos não são utilizados com o simples propósito de
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referir, eles são importantes para a construção dos sentidos dentro do texto, portanto a
escolha lexical do nome-núcleo do rótulo é fundamental para a orientação argumentativa.

5. Bibliografia

CONTE, M. 2003. Encapsulamento anafórico. In: CAVALCANTE, M. , RODRIGUES,


B & CIULLA, A (orgs.).Referenciação. São Paulo: Contexto, pp.177-190.
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JUBRAN, Clélia C.A. 2003. O discurso como objeto-de-discurso em expressões nominais
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KOCH, Ingedore Grunfeld Vilaça, MORATO, Edwiges Maria, BENTES, Anna Christina.
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Texto apresentado durante o Grupo de Estudos Lingüísticos do Nordeste (GELNE).
Fortaleza. (mimeo.)
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Encontro sobre Lingüística da UFJF. Juiz de Fora.
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EL DICCIONARIO ESPAÑOL MONOLÍNGÜE COMO HERRAMIENTA EN


LA ENSEÑANZA Y APRENDIZAJE DE LOS ESTUDIANTES BRASILEÑOS

Glauber Lima Moreira26


Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada
PosLA/UECE

Resumo: O objetivo do presente artigo é investigar questões ligadas à compreensão


leitora, e, mais precisamente, à necessidade do uso do dicionário monolíngüe e à relevância
de desenvolver atividades de leitura nas aulas de Espanhol como Língua Espanhola (ELE)
com o apoio da obra lexicográfica. O levantamento da coleta dos dados deu-se por meio da
aplicação de uma atividade de leitura. Os sujeitos são estudantes universitários de uma
instituição superior de Fortaleza. Os resultados mostram que o dicionário é um
instrumento necessário no ensino de ELE e devemos ter consciência da importância em
utilizar esse manual em nossas aulas.

Palavras-chave: Uso do dicionário; Compreensão leitora; Efeitos do uso do dicionário.

Resumen: El objetivo del trabajo es investigar cuestiones relacionadas al aprendizaje del


léxico desconocido y, más precisamente, la necesidad del uso del diccionario monolingüe y
la relevancia en desarrollar actividades de lectura en clases de Español como Lengua
extranjera (ELE) con el apoyo del diccionario. Los datos fueron recolectados a través de la
aplicación de una actividad de lectura. Los sujetos son estudiantes del curso de filología de
una universidad de Fortaleza. Los resultados muestran que el diccionario es un instrumento
necesario en la enseñanza de ELE y que debemos tener consciencia de la importancia en
utilizarlo en nuestras clases.

Palabras-clave: Comprensión lectora, Estudio de vocabulario, Uso del diccionario.

Consideraciones iniciales

Con el desarrollo de los estudios de la lectura, actualmente las investigaciones en


relación a la utilización del diccionario monolingüe en clase de español como soporte en la
enseñanza de lectura en Lengua Extranjera (LE), están creciendo de manera considerable
debido al uso de tal instrumento didáctico y pedagógico en el desenvolvimiento de la
enseñanza/aprendizaje de LE.
El uso del diccionario es, en nuestra opinión, una estrategia importante, sobre todo,
eficaz y motivadora en lo tocante a la comprensión lectora, pues presupone que el
26
El autor del presente artículo es alumno del Curso ‘Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada –
PosLA, de la Universidad Estadual de Ceará – UECE y becario de FUNCAP
(glauberlimamoreira@hotmail.com).
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vocabulario de la lengua meta está presentado en algunos diccionarios de manera más


comprensible y transparente.
El diccionario será, también, para nuestro estudiante, un manual de investigación
constante y no simplemente un libro de ayuda para comprender el mero significado de una
palabra y, sobre todo, más una herramienta de apoyo para la evolución de la comunicación
de la Lengua Extranjera en estudio.
El autor Fernández (1996, apud GARCÍA 1999) presenta la importancia del
diccionario para los alumnos y profesores:

[...]Como obras de aprendizaje, los diccionarios permiten ampliar el


caudal léxico de un hablante, hecho que adquiere una especial
significación en el aprendizaje de una lengua por parte de hablantes no
nativos...el diccionario es un elemento fundamental, junto con el
profesor y los manuales, en la adquisición de una lengua, sobre todo, a
medida que el estudiante avanza en el aprendizaje.

Dada la importancia de esa obra en el mejoramiento de la comprensión lectora,


presentaremos en este artículo un análisis de la investigación relacionada a la práctica de
lectura en la clase de español de una universidad pública de la ciudad de Fortaleza. El
trabajo tiene como punto principal investigar cuestiones relacionadas con el aprendizaje del
léxico y, más específicamente, a la necesidad del uso frecuente del diccionario monolingüe
y la relevancia en desarrollar actividades con el objetivo de aumentar el vocabulario de los
estudiantes en las clases de Español como Lengua Extranjera (ELE) con el apoyo de la
obra diccionarística.
Vale resaltar que la hipótesis establecida para nuestra investigación es que la
utilización prolongada de diccionarios para facilitar la comprensión de textos, ciertamente
llevará a una ampliación del cumplimiento de esa tarea.
Empezaremos con algunas cuestiones que refieren a la obra lexicográfica en lo
tocante a la enseñanza del léxico y el comentario acerca del estudio de caso. A
continuación, nos fijaremos en la importancia del uso del diccionario en la clase de ELE.
En seguida, haremos un análisis del corpus ordenado y, por último, presentaremos las
consideraciones finales sobre nuestra investigación.

1. La enseñanza del léxico con el apoyo del diccionario: lo qué piensan los autores

Aragonés (2001, p.209) afirma que el diccionario es un complemento


imprescindible para el aprendizaje y el dominio de la lengua, cuyo uso asiduo por parte del
estudiante puede ayudarlo a mejorar su conocimiento del idioma y, especialmente, a
ampliar su vocabulario y a utilizar lo que ya posea con más exactitud.
Según Madueño (2001, p.282), un personal docente formado y preparado en la
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enseñanza de una lengua específica y en una adecuada utilización del material pedagógico
contribuirá, evidentemente, a una mayor eficacia por su parte (…). La elaboración de
actividades con diccionario en clase de ELE supone una eliminación en relación a la
tensión del grupo. El personal docente concentrado en lograr información a partir de
fuentes lexicográficas permite una mayor capacidad y dedicación individual al profesor,
cuyos provechos repercuten en los alumnos.
De acuerdo con Leffa (2000, p.40 apud WELKER 2006, p.271), el énfasis en el
léxico es la manera eficiente de aprender una lengua porque todos los otros aspectos – de la
fonología a la pragmática – resultan naturalmente de componentes que están dentro de la
palabra.27
Lo que podemos percibir del expuesto es que el uso del diccionario en la clase tiene
gran importancia en el proceso de la enseñanza/aprendizaje del léxico de una lengua
extranjera. Creemos que el desuso del diccionario en la clase de español, el caso de nuestra
investigación, en cursos de licenciaturas para formación de profesores de español como
lengua extranjera (ELE), revela el desconocimiento por parte de los profesores de las
posibilidades de hacerse de él una herramienta importante e imprescindible en lo que se
refiere al desenvolvimiento de la enseñanza de ELE de ese aprendiz en la clase y fuera de
ella.
Por tanto, es preciso resaltar que el acompañamiento y la preparación de los
profesores de esas licenciaturas, como afirma Baston (apud ARAGÃO, 2000, p.281) “…a
todos - docentes y discentes – nos conviene tomar consciencia, con la máxima crudeza y
urgencia, que hay que relanzar el prestigio de la Universidad, fomento de verdad y sin
demagogia el interés por el estudio y la investigación”.
Esa actitud pedagógica por parte del profesor hace con que el discente tenga más
confianza en su propio esfuerzo en aplicar un constante estudio y desmitifica la idea del
profesor como el único medio y el punto más relevante en el desarrollo de la
enseñanza/aprendizaje de ese idioma. Como afirma Coracini (1995), el profesor que cree
tener total control sobre su propio decir tiene la ilusión de que puede tornar sus palabras
claras, de modo a ser comprendidas por todos los estudiantes de la misma manera,
independiente del grupo.28
Así, el conocimiento en utilizar el léxico no se adquiere por si solo, es decir, es
preciso que el profesor esté preparado para la utilización de esta obra en clase de ELE para
que él pueda preparar a sus alumnos (futuros consulentes) en usar adecuadamente esa
herramienta de ayuda para el desarrollo de la comunicación en la lengua meta.

2. El diccionario en la enseñanza de vocabulario: el estudio de caso

Aunque se conoce el estudio de caso no se puede generalizar sus resultados,


creemos que la presente pesquisa es relevante y apropiada y, por supuesto, abre nuevos
27
(...) a ênfase no léxico é a maneira mais eficiente de se aprender uma língua porque todos os outros
aspectos – da filologia à pragmática – decorrem naturalmente de componentes que estão dentro da palavra.
28
(...) o professor que acredita ter total controle sobre o seu próprio dizer tem a ilusão de que pode tornar
suas palavras claras, de modo a serem compreendidas por todos os alunos da mesma maneira,
independentemente da turma.
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caminos para una discusión más profundizada acerca de la utilización del diccionario como
un medio complementario para los alumnos brasileños en la lectura. Al paso que el
consulente desarrolla sus habilidades con el uso adecuado de tal material, en el aprendizaje
del léxico tendrá un aumento considerable. Ese conocimiento adquirido en clase de ELE
servirá como una fuente imprescindible no sólo para la comprensión lectora, sino también
para la producción textual.

3. La utilización del diccionario en clase de ELE – actividades motivadoras para la


adquisición del léxico

El estudiante de una lengua extranjera (LE) o de una segunda lengua (L2) como,
también, de la lengua materna puede disponer de la ayuda indispensable de las obras
lexicográficas elaboradas especialmente para tales consulentes. En ese sentido, nos parece
importante que los usuarios de la lengua aprendan a manejar adecuadamente los
diccionarios, pues se trata de un manual que tiene una forma propia y peculiar.
Laufer (1997, p.31) apud Welker (2006, p.226) afirma decisivamente que la mayor
dificultad a la buena actividad lectora es el número insuficiente de las palabras en el léxico
del aprendiz. El vocabulario fue indicado como elemento que permite la mejor previsión
del éxito en la lectura, mejor que la sintaxis o la habilidad general de lectura. Sea el efecto
de estrategias de lectura, él es interrumpido caso el vocabulario esté abajo del límite
necesario.
Coura Sobrinho (1988 apud WELKER 2006), en su disertación de maestría
concluye lo siguiente acerca del uso del diccionario monolingüe en la comprensión de
lectura en lengua francesa:

Los informantes buscan antes de usar el diccionario comprender el texto


de una manera general; la consulta al diccionario colabora en la
comprensión del texto, verificada a través de la traducción; los
informantes que presentan mejor desempeño en las lecturas sin
diccionario fueron también más bien sucedidos en las consultas.29

Por lo tanto, la utilización del diccionario, en este sentido, coopera para lograr un
mejoramiento en la enseñanza del léxico en ELE y que las instituciones de educación
valoren la obra dicionarística y busquen, primeramente, un perfeccionamiento para sus
docentes y, por consiguiente, los mismos puedan poner en práctica las actividades de uso
del diccionario en sus clases a través de una metodología coherente y eficaz.

29
Os informantes procuraram antes de usar o dicionário compreender o texto de uma maneira global; a
consulta ao dicionário auxiliou na compreensão do texto, verificada através da tradução; os informantes que
apresentaram melhor desempenho nas leituras sem dicionário foram também mais bem sucedidos nas
consultas.
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4. Metodología y procedimientos

4.1. Contexto de la investigación

La investigación fue realizada en un grupo de la graduación en el Curso de Filología


– Portugués/Español de una universidad pública en la ciudad de Fortaleza.
Los seis sujetos, seleccionados por el criterio de disponibilidad, tienen un nivel
intermediario en lectura en ELE y tienen entre 18 y 21 años. Los informantes de la
investigación contestaron a una actividad comprendiendo seis cuestiones acerca de la
comprensión lectora. Los mismos alumnos fueron divididos en dos grupos: experimental y
control. En el primero los informantes contestaron a las preguntas con el apoyo del
diccionario monolíngüe. Ya los alumnos del control hicieron la misma actividad sin la
ayuda de la obra diccionarística.

5. Análisis del corpus

Presentaremos, a continuación, el análisis de los datos recolectados a partir de las


informaciones fornecidas por los seis alumnos que contestaron a la actividad:

a) la primera cuestión era con tres alternativas relacionadas al texto. El resultado


fue lo siguiente:
● grupo experimental: dos alumnos acertaron todas las alternativas y sólo 1 alumno acertó
2 (totalizando 8 aciertos).
● grupo de control: sólo 1 alumno acertó todas las alternativas; 1 alumno acertó 2 y el otro
erró toda la cuestión (totalizando 5 aciertos)
Según ese resultado, la media obtenida por el grupo que utilizó el diccionario
(experimental) fue superior al que no lo usó (control).

b) la segunda era una cuestión abierta sobre los efectos del método Mozart.
Obtuvimos:
● grupo experimental: los 3 informantes fueron claros en sus respuestas explicando con
detalles del método.
● grupo de control: sólo 1 alumno explicó claramente el método y los demás fueron muy
sucintos en sus respuestas.
También en esa cuestión el resultado fue favorable al grupo que pudo usar el
diccionario monolingüe.

c) la tercera actividad era para marcar verdadero o falso y para justificar las falsas. Veamos
el resultado:
● grupo experimental: dos estudiantes acertaron 3 alternativas y un alumno acertó todas
las alternativas (un total de 11 aciertos)
● grupo de control: 1 alumno acertó todas y los dos acertaron 4 alternativas (total de 14
aciertos)
Podemos concluir que en esa actividad el grupo que no utilizó el diccionario
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(control) tuvo un rendimiento mejor. Estamos seguros que los sujetos estuvieron más
atentos en el momento de la actividad, por lo tanto, consiguieron un mejor desempeño.

d) la cuarta actividad era para identificar la palabra a partir de las definiciones. El grupo
experimental acertó una (1) cuestión más que el grupo de control. Esa diferencia no fue
considerada significativamente alta.
● grupo experimental: 16 aciertos para los tres informantes
● grupo de control: 15 aciertos para los tres informantes.

e) la quinta cuestión era para ordenar las palabras sacadas del propio texto en análisis. En
esa actividad todos los alumnos de los dos grupos (control y experimental) obtuvieron un
resultado excelente, acertando todas las alternativas. Ese resultado tal vez haya ocurrido
debido al grado de facilidad de la cuestión.

f) la sexta y última actividad era para los informantes hacer un resumen del texto. También
en esa tarea todos los 6 sujetos de la investigación fueron bien en las respuestas.

Creemos que el resultado se debe al hecho de que el uso del diccionario es realizado
de manera ineficiente, es decir, debido a falta de un mayor y mejor conocimiento sobre la
obra. Como se registra en el análisis de los datos, los aprendices que desarrollaron la
investigación con el apoyo del diccionario obtuvieron un mejor desempeño en las tareas de
un modo general, pero la diferencia estadísticamente no fue muy significante y no podemos
generalizar los resultados.

6. Consideraciones finales

Delante de esas consideraciones presentadas, se puede concluir que el diccionario,


aunque la media de los escores del grupo que lo utilizó el diccionario no fue
estadísticamente superior al grupo que no lo utilizó, es un instrumento necesario en la
enseñanza de ELE, tanto para la lectura como para la adquisición y retención de un nuevo
vocabulario.
Como profesores e investigadores, debemos tener consciencia de la importancia en
utilizar ese manual no sólo en nuestras clases de español como también en las clases de
lengua materna. El proceso deberá ser llevado a cabo mediante una metodología adecuada,
o sea, la clase de Español como Lengua Extranjera debe ser desarrollada de manera más
interactiva, motivadora y creativa. Como resultado tendremos una ampliación del léxico de
nuestro discente de forma tanto cuantitativa como, principalmente, en el ámbito de
calidad.
Al concluir el análisis de los datos recolectados, presentamos los resultados a los
alumnos que participaron de la presente investigación para que vieran el diccionario en la
clase como más una herramienta de apoyo didáctico y pedagógico y para que gozaran de
todas sus potencialidades.
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Referências

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españoles e hispanoamericanos: estudio de la diversidad cultural y lingüística y
utilización del diccionario en el aula. In: XI Congreso Internacional de ASELE,
Universidad de Zaragoza, Zaragoza, 2000, 281-286.
ARAGONÉS, Josefina Prado. El diccionario como recurso para la enseñanza del
léxico: estrategias y actividad para su aprovechamiento. In: Diccionarios y enseñanza.
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Disponível em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/. Acessado em 10/05/07.
GARCÍA, Josefa Martín. El diccionario en la enseñanza del español. In: Cuadernos de
didácticas del español/LE, Madrid, 1999.
MADUEÑO, Mª Dolores Fernández de la Torre. Uso de los diccionarios y
posibilidades pedagógicas en la enseñanza de segundas lenguas. El caso de
filología inglesa. In: Diccionario y enseñanza. Universidad de Alcalá de Henares, 2001.p,
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WELKER, Herbert Andréas. O Uso de dicionários: Panorama geral das pesquisas
empíricas. Brasília : Thesaurus, 2006.
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CONTRIBUIÇÕES E LIMITAÇÕES DOS MÉTODOS DE


ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS

Greici Quéli Machado (UNISC)30


Rosângela Gabriel (UNISC)31

RESUMO
Para que a aprendizagem da leitura e da escrita transcorra de forma eficiente, a análise dos métodos de
alfabetização é de fundamental importância. Para assinalar quais as melhores estratégias a serem usadas na
aprendizagem da leitura e da escrita de crianças, de forma a oferecer as condições para o aprendiz iniciar-se
no mundo letrado, é necessário analisar a alfabetização sob três pontos de vista, conforme descrito por Soares
(2003, 2007). O primeiro diz respeito à questão técnica da língua, ou seja, ao ato de decodificação e
codificação, à relação grafema-fonema / fonema-grafema. O segundo atém-se à questão do significado, da
compreensão leitora. E o terceiro considera a alfabetização um processo social, ou seja, a aprendizagem da
língua escrita possui funções conforme o contexto social em que está inserida. Este estudo foi concebido com
o intuito de discutir os argumentos favoráveis e contrários aos métodos fônico e global. Além da comparação
de argumentos teóricos, foram realizadas entrevistas com professores alfabetizadores acerca da metodologia
usada na alfabetização. Os resultados sugerem que tanto o método fônico quanto o global apresentam
argumentos legítimos no que tange à alfabetização de crianças. Seguindo esse raciocínio, é sensata a busca
pelo equilíbrio no uso dos dois métodos de alfabetização. Respeitar o caminho dos alunos no
desenvolvimento de suas hipóteses sobre a escrita, possibilitar o trabalho com textos, explorar as relações
entre fonemas e grafemas, desenvolver a consciência fonológica, valorizar as descobertas dos aprendizes,
apresentar a leitura como uma atividade ao mesmo tempo prazerosa e significativa na dinâmica social, são
objetivos compatíveis e complementares no processo de alfabetização e letramento de jovens leitores.
PALAVRAS-CHAVE: alfabetização de crianças; método global; método fônico.

ABSTRACT
So that the learning of the reading and of the writing it elapses in an efficient way, the analysis of the literacy
methods is of fundamental importance. To mark which the best strategies to be used in the learning of the
reading and of the children's writing, in way to offer the conditions for the apprentice to begin in the learned
world, it is necessary to analyze the literacy under three point of view, as described by Soares (2003, 2007).
The first concerns the technical subject of the language, in other words, to the decoding action and code, to
the relationship grafema-phoneme / phoneme-grafema. The second to the subject of the meaning, of the
understanding reader. And the third party considers the literacy a social process, in other words, the learning
of the language writing possesses functions according to the social context in that it is inserted. This study
was conceived with the intention of discussing the favorable arguments and contrary to the methods phonics
and whole language. Besides the comparison of theoretical arguments, interviews were accomplished with
teachers teachers concerning the methodology used in the literacy. The results suggest that as much the
method phonics as the whole language they present legitimate arguments with respect to the children's
literacy. Following that reasoning, it is wise the search for the balance in the use of the two literacy methods.
To respect the students' road in the development of their hypotheses on the writing, to make possible the
work with texts, to explore the relationships between phonemes and grafemas, to develop the phonological
conscience, to value the discoveries of the children´s literacy, to present the reading at the same time as an
activity pleased and significant in the social dynamics, they are objective compatible and complemental in the
literacy process and letramento of young readers.
KEY-WORD: reading learning, children´s literacy, whole language approach, phonics approach.

30
Mestre em Letras - Leitura e Cognição - pela Universidade de Santa Cruz do Sul. E-mail
greiciqm@yahoo.com.br
31
Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Letras e do Departamento de Letras da
Universidade de Santa Cruz do Sul. Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. E-mail rgabriel@unisc.br
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INTRODUÇÃO
Alfabetização e letramento em foco

A leitura representa uma ferramenta primordial para a formação do sujeito, no


aspecto social e cognitivo, visto que é através dela que se chega a uma fatia substancial do
conhecimento construído pela espécie. A partir dos avanços das Ciências Cognitivas, a
leitura passou a ocupar um espaço privilegiado nas pesquisas científicas e muitos
pesquisadores dedicam-se a desvendar os seus mistérios.
Conforme informações fornecidas pelos órgãos que avaliam a educação, vê-se que
o Brasil atravessa uma fase difícil, com resultados alarmantes. Dados estatísticos fornecidos
pelo INEP mostram que a percentagem de reprovação na primeira série do Ensino
Fundamental aumentou de 15.1% no ano de 2000 para 16.1% em 2005 evidenciando,
assim, que o sistema educacional vigente não está gerando bons resultados. De acordo com
a avaliação do PISA, de 2006, o Brasil é um dos piores países na avaliação de proficiência
em leitura, classificando-se em 49º lugar dentre os cinqüenta e seis países participantes. No
Brasil apenas 1,1% dos estudantes atingiram o nível mais alto de proficiência em leitura, e
44,5% alcançaram apenas o nível 2 em leitura, o que significa que “enfrentam dificuldades
quando precisam de material de leitura para alcançar objetivos de aprendizado em qualquer
área” (INEP). Os dados do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), de 2005,
mostram que nos últimos dez anos a educação no Brasil piorou, ou seja, em todos os dados
comparativos, o desempenho dos alunos na avaliação de 2005 é inferior ao de 1995. Os
alunos de 4ª série do Ensino Fundamental em 1995 receberam a média em proficiência em
Língua Portuguesa de 188 pontos e, em 2005, essa média caiu para 172 pontos. Evidencia-
se, através desses dados, que grande parte dos alunos brasileiros chega à 4ª série do ensino
fundamental sem ter desenvolvido as competências em leitura exigidas para esse nível.
Nesse sentido, para que a aprendizagem da leitura transcorra de forma eficiente, a
análise dos métodos de ensino é de fundamental importância, pois, através da comparação
entre os processos cognitivos e os métodos de alfabetização, será possível assinalar quais
são melhores estratégias a serem usadas na aprendizagem da leitura e da escrita de crianças,
de forma a oferecer as condições necessárias para o aprendiz iniciar-se no mundo letrado.
Soares (2007, p. 24) salienta que, “a questão dos métodos, que tanto tem polarizado as
reflexões sobre alfabetização, será insolúvel enquanto não se aprofundar a caracterização de
diversas facetas do processo e não se buscar uma articulação dessas diversas facetas nos
métodos e procedimentos de ensinar a ler e a escrever”.
A alfabetização precisa ser observada sob três pontos de vista, os quais são tomados
como referência neste artigo. Os dois primeiros consideram a alfabetização como um
processo individual: o primeiro diz respeito à questão técnica da língua, ou seja, o ato de
decodificação e codificação, a representação grafema-fonema / fonema-grafema. Aprender
a ler e a escrever envolve relacionar sons com letras para codificar ou para decodificar;
envolve, também, aprender a segurar um lápis, que se escreve de cima para baixo e da
esquerda para a direita, enfim, envolve uma série de aspectos técnicos indispensáveis. O
segundo ponto de vista atém-se à questão do significado, da compreensão leitora. Já o
terceiro considera a alfabetização como um processo social, ou seja, o aprendiz precisa
tomar conhecimento das funções e fins que a escrita assume conforme o contexto social
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em que está inserida, para assim tornar-se um usuário ativo dessa modalidade da língua
(SOARES, 2003; 2007).
Vinculado ao conceito de alfabetização, o letramento é considerado como “o
resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e a escrever, bem como o resultado da
ação de usar essas habilidades em práticas sociais” (BATISTA et al., 2007), isto é, o
processo de inserção e participação na cultura escrita. Pesquisadores envolvidos com a
educação, como Soares (2000, 2002), Marcuschi e Xavier (2005), Kleiman (2002), entre
outros, comprometidos em definir e discutir o termo, explicam que letramento é o uso da
leitura e da escrita como práticas sociais, articulando-as conforme as situações, como fios
condutores para a apropriação da linguagem e do conhecimento.
Este artigo32 tenta contribuir com os estudos acerca da aprendizagem da leitura e da
escrita através da comparação entre os argumentos e contra-argumentos fornecidos pelos
métodos de alfabetização fônico e global. Através do levantamento e discussão dos
argumentos apresentados pelos defensores de ambos os métodos, tentamos responder à
questão: qual a metodologia mais eficiente na alfabetização de crianças?

MÉTODOS DE ENSINO DA LEITURA


Pertinência da questão

A busca por um método eficaz para o ensino da leitura é uma questão


extremamente pertinente, pois, como afirma Scliar-Cabral (2003, p.20), “é nos primeiros
anos de escola que se decide fundamentalmente quem será um bom leitor ou redator”.
Adams et al. (2003) sugerem que os métodos de alfabetização devem basear-se em
conhecimentos científicos acerca da escolha das unidades de ensino (grafema / fonema,
sílabas, palavras, sentenças, textos), bem como aqueles relativos às regras elementares para
auxiliar o aluno a decifrar o código alfabético, as estruturas lingüísticas e as regras mais
complexas com as quais ele terá de lidar ao ler, ou ao ouvir textos lidos em classe pelo
professor, além de entender como se desenvolvem os padrões ortográficos e como a
decodificação contribui para o desenvolvimento desses padrões.
Grossi (1995, p. 113) ressalta que “uma nova abordagem do aprendizado deveria
estabelecer uma correspondência entre as descobertas no campo da psicologia cognitiva,
no que tange à alfabetização, e o desempenho do professor em sala de aula”. Ou seja, um
método de alfabetização deve sempre atualizar-se quanto às novas descobertas da
psicologia cognitiva e, ao mesmo tempo, ambientar os professores alfabetizadores a fim de
que possam usufruir dessas novas descobertas.
Kato (1995, p. 6) complementa essa questão afirmando que “qualquer método para
ser eficaz deve ter a ele subjacentes hipóteses claras sobre a natureza da aprendizagem
desse objeto”.
Cumpre observar que os autores citados nos parágrafos anteriores, apesar de
defenderem métodos de alfabetização distintos, concordam que a escolha do método deva
32
Este artigo é fruto das pesquisas desenvolvidas pela primeira autora ao longo de seu curso de Mestrado na
Universidade de Santa Cruz do Sul - RS, sob a orientação da segunda autora. O conteúdo deste texto foi
apresentado inicialmente como comunicação oral durante o “I Congresso Internacional de Leitura e
Literatura Infantil e Juvenil”, promovido pela PUCRS, em junho de 2008.
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ser pautada pelos conhecimentos científicos disponíveis nas áreas da lingüística, psicologia,
educação, etc. Na seqüência, buscaremos confrontar os argumentos trazidos pelos métodos
fônico e global à luz de nossos conhecimentos atuais.

O CONFRONTO
método fônico versus método global

Conforme Morais (1996, p. 262), o método fônico nasceu na Alemanha no século


XVI com o propósito de ensinar as correspondências entre sons e letras. Esse método
“nasceu de uma constatação: a criança sente dificuldades em passar da associação entre o
nome das letras para a fusão dos ‘sons’ das letras a fim de obter a pronúncia das palavras”.
As pesquisas sobre o método fônico investigam a importância do domínio do sistema
alfabético através de uma metodologia voltada para a consciência fonológica, a fim de que,
durante a aquisição da linguagem escrita, a criança internalize padrões regulares entre som e
letra.
O método fônico pretende desenvolver a consciência fonológica e está voltado
para a capacidade da criança em refletir sobre as unidades sonoras constitutivas das
palavras (correspondência grafema / fonema). Durante a aquisição da linguagem escrita,
predomina a intenção de que a criança internalize padrões regulares entre som e letra (MC
GUINNESS, 2006).
De acordo com esse pensamento, a compreensão da leitura só será atingida depois
que a criança dominar a correspondência grafema / fonema, porque, nessa visão, a escrita
serve para representar graficamente a fala. Assim, esse método atribui grande importância à
decodificação, pois, segundo ele, a aprendizagem da leitura e da escrita se constrói
introduzindo os elementos de forma gradual, primeiro unidades mais simples – letras e
sílabas – para depois as mais complexas – palavras, frases e textos.
Já os defensores do método global propõem uma alfabetização contextualizada
através da transposição das práticas sociais de leitura para a sala de aula em situações-
problema. Grossi (1989, p. 31-32) afirma que “o conhecimento se dá através da interação
dos estímulos do meio ambiente com o sujeito que aprende [...] o centro do processo de
aprendizagem é o próprio aluno, como sujeito que aprende e que constrói o seu saber”.
O método global prioriza as atividades comunicativas através do uso da linguagem.
Nessa abordagem, a aprendizagem é tomada de forma ampla e engloba diversos fatores
como a interdisciplinaridade, o desenvolvimento corporal e as dimensões sociais e afetivas.
Para o método global, a leitura é um processo de identificação global das palavras, em que
os elementos são introduzidos a partir de estruturas complexas, deslocando-se em seguida
para as simples – textos, frases, palavras, sílabas e letras. Dessa forma, a aprendizagem da
leitura e da escrita requer a memorização de palavras inteiras para, posteriormente, o leitor
descobrir as unidades lingüísticas mínimas (MORAIS, 1996).
Nessa perspectiva, ressaltam-se os estudos de Emília Ferreiro, baseados nos
trabalhos de Jean Piaget. O objetivo fundamental desses estudos, segundo Ferreiro (1995,
p. 23), é o “entendimento da evolução dos sistemas de idéias construídos pelas crianças
sobre a natureza do objeto social que o sistema de escrita é”. Ferreiro e Teberosky (1985)
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investigam a natureza da relação entre o real e sua representação e, em resposta, afirmam


que as crianças reinventam a escrita, construindo hipóteses sobre ela. Seguindo a evolução
das hipóteses infantis, as autoras dividem o processo da aprendizagem da leitura e da
escrita em níveis distintos: pré-silábico I e II, silábico, silábico-alfabético, alfabético e
ortográfico.
O método global é fortemente associado à ludicidade, ao prazer, à investigação do
significado das palavras, ao trabalho direcionado ao contexto em que o aluno está inserido
e, principalmente, aos níveis psicogenéticos da escrita, que funcionam como um
termômetro e permitem aos professores identificar a evolução da aprendizagem dos seus
alunos e, a partir daí, re-elaborar a sua prática.
Defensores do método fônico, Morais e colaboradores (2004) afirmam que os
programas que exercitam a consciência fonológica permitem progressos mais significativos
em leitura e escrita do que aqueles que não o enfatizam. Segundo Capovilla e Capovilla e
Morais, a questão das dificuldades de aprendizagem é abordada somente pelos estudiosos
do método fônico, que asseguram que os princípios dessa metodologia de ensino
favorecem àqueles alunos com dificuldades, devido à ênfase dada à consciência fonológica,
ao estudo das unidades mínimas das palavras – fonema / grafema, e à aprendizagem da
leitura de forma progressiva (letra, sílaba, palavra, frase e, por fim, texto).
Entretanto, ao lado desses argumentos positivos, vêm as críticas que consideram o
método fônico mecanicista e repetitivo, desprovido de motivação, ao passo que o método
global seria omissivo em relação à consciência fonológica, à relação grafema - fonema, ao
princípio alfabético, elementos indissociáveis à alfabetização eficaz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A combinação possível

Então, qual é a saída para um ensino de qualidade? Que contribuições os métodos


fônico e global podem oferecer para a alfabetização de crianças? Qual é a proposta que
proporciona maior sucesso? Essas são algumas questões que devem ser respondidas no
intuito de descobrir a melhor forma de proporcionar às crianças a acesso real ao prazer e à
aprendizagem através da leitura.
Como afirma Cagliari (1996) e Ferreiro e Teberosky (1985), nenhum método
garante bons resultados sempre e em qualquer lugar. O método pode facilitar ou dificultar,
mas não criar aprendizagens, isso só se obtém através do bom senso, da dedicação, da
competência do professor em conjunto com o esforço e a motivação para aprender do
aluno.
Conforme cita a Unesco, a alfabetização contribui para a liberdade e para a
igualdade, sendo parte integrante de um projeto social que tem como objetivo uma
sociedade mais justa e mais eqüitativa. Nenhuma sociedade pode funcionar no mundo de
hoje sem a dimensão escrita da comunicação – texto sobre papel, na tela do computador,
na televisão, acoplado a imagens e ícones de toda a espécie. Portanto, a alfabetização é uma
etapa inevitável e desejável da vida no mundo atual.
Capovilla e Capovilla (2004, p. 36) afirmam que, conforme o relatório francês
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Aprender a ler, o professor alfabetizador precisa combinar, na sua sala de aula, o domínio da
decodificação com o trabalho da construção do significado, isto é, combinar as
características favoráveis do método fônico com as do método global. Para que isso
aconteça, é necessário que a criança descubra o princípio alfabético e compreenda como
funciona o código alfabético para dominar a decodificação e ser exposta a textos reais, ricos
e com significado cultural, para tomar consciência da diversidade de textos na construção
do significado.
Seguindo esse raciocínio, é sensata a busca pelo equilíbrio no uso dos dois métodos
de alfabetização: fônico e global. Respeitar o caminho dos alunos no desenvolvimento de
suas hipóteses sobre a escrita, possibilitar o trabalho com textos, resgatar o trabalho com o
alfabeto, explorando as relações entre sons e letras e a consciência fonológica, respeitar os
momentos de descoberta dos alfabetizandos, focalizando sempre o objeto da aprendizagem
da leitura e da escrita, associar leitura e escrita ao seus aspectos lúdicos e funcionais
parecem ser atividades desejáveis e compatíveis. Portanto, após todas essas considerações,
parece-nos que o método mais adequado para a alfabetização de crianças é aquele que
compatibilize diferentes estratégias de aquisição e construção do conhecimento. Como
afirmam Rayner e colaboradores (2001, 2002), a combinação de métodos baseados na
significação (palavra, contexto) e nos aspectos fônicos (relação grafema - fonema) é mais
poderosa do que qualquer método usado sozinho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TAREFAS COMO INSUMO PARA DESENVOLVIMENTO DA


COMPETÊNCIA COMUNICATIVA

Ilza Léia Ramos Arouche


Mestre em Educação –UEPA
Maria da Guia Taveiro Silva
Doutoranda em Lingüística- UNB

Resumo. O presente trabalho trata da abordagem comunicativa focando as tarefas como


insumo para o desenvolvimento da competência comunicativa à luz da teoria de
aprendizagem de teóricos como Prabhu (1987) e William Littlewood (1998), que tem
como base principal as atividades comunicativas que favorecem o uso real e interativo da
língua. Também se faz um relato do diagnóstico realizado com quatro professores e
oitenta alunos de língua inglesa do ensino fundamental em uma escola da rede pública
estadual da cidade de Imperatriz no Maranhão. Apresenta-se também a análise e discussão
dos dados coletados objetivando verificar a metodologia utilizada pelos professores e se a
mesma está atendendo as necessidades dos alunos
Palavras-chave: abordagem comunicativa, tarefas, língua inglesa.

Abstract. The present work is about the communicative approach aiming the tasks as
input for the developing the communicative competence in the light of learning theory of
theorics like Prabhu (1987) and William Littlewood (1998), which mainly deals the
communicative activities that support the real and interactive use of the language. It also
makes a report of the diagnosis accomplished with four teachers and eighty students of
elementary teaching in a public school in Imperatriz city in Maranhão. It also presents the
analysis and discussion of the colected datas aiming verify the methodology used by the
teachers whether it is been supplying the students' necessities.
Key- words: Communicative approach, tasks, English language.

1. Introdução
O ensino de línguas a partir dos anos 60 sofreu alterações metodológicas, pois os
enfoques já existentes não atendiam aos anseios dos lingüistas britânicos que começaram a
questionar a eficiência dos mesmos. Começaram então a defender que somente o
conhecimento estrutural da língua não efetivava o seu ensino, era necessário que estivesse
direcionado à competência comunicativa, ou seja, a língua deveria ser utilizada de maneira
significativa.
Desta forma um grupo de estudiosos começou a partir de 1971 a propor mudanças
nos programas de ensino de línguas tendo como referencial a função comunicativa ou
funcional da língua fazendo com que a abordagem comunicativa fosse difundida não só
em nível nacional . Como postulam Richards e Rodgers (1998, p.69):
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Os defensores tanto americano como britânicos o veêm como uma


abordagem ( e não método) que pretende fazer da competência
comunicativa a meta final do ensino de línguas e desenvolver
procedimentos para o ensino das quatro habilidades lingüísticas, a partir
da interdependência da língua e da comunicação.

Nesse contexto surgiram várias interpretações da abordagem comunicativa de


acordo com a ótica de diferentes seguidores :Wilkins (1976), Widdowson (1978), Johnson
(1982), Almeida Filho (1986,2005), Todos esses teóricos contribuíram para efetivação
dessa abordagem. Eles partem da premissa de que a língua é comunicação. O objetivo do
ensino de línguas é desenvolver a competência comunicativa tanto oral quanto escrita.
As inovações na concepção de ensinar e aprender línguas provocaram mudanças
no fazer metodológico do docente repercutindo em experiências significativas na sala de
aula fazendo com que novas práticas fossem adotadas tendo como foco a competência
comunicativa.
Portanto este estudo apresenta os pressupostos teóricos que norteiam essa questão
tendo como foco as tarefas comunicativas. Em seguida apresenta-se a análise e discussão
dos dados coletados em uma escola do ensino fundamental da rede pública estadual.

2. Referencial Teórico

Percebe-se uma diversidade de modelos de programas comunicativos. Atualmente


tem surgido interesse em elaborar programas do tipo: interativo, centrado nas tarefas e
gerado pelo aluno. Também têm sido consideradas a especificação e a organização das
tarefas como critérios adequados para o desenho de programas comunicativos. Tomaremos
as tarefas como meio para desenvolver a abordagem comunicativa.
Há também vários conceitos de tarefa referentes ao ensino de segunda língua.
Tomaremos a definição de Breen apud Nunan (1996, p.6):

[…] qualquer ação estruturada para aprendizagem de uma língua que


possua um objetivo específico, um conteúdo apropriado, um
procedimento de trabalho e específico e uma ampla série de
possibilidades resultantes para os que realizam uma tarefa. Se considera
pois que “tarefa” se refere a uma série de planos de trabalho cujo
objetivo geral é facilitar a aprendizagem de línguas, a partir de pequenos
exercícios simples a atividades maiores e complexas como podem ser a
resolução de problemas em grupo, as simulações ou tomadas de
decisões.

NUNAN (1996, p.10) faz uma interpretação sucinta do que vem a ser uma tarefa
comunicativa. Para ele, tarefa comunicativa é uma das partes do trabalho da sala de aula
que faz com os alunos “compreendam, manipulem, produzam e se comuniquem na língua
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alvo centrando sua atenção mais no significado do que na forma”.


Nesse contexto, verifica-se que as tarefas são essenciais para promover a aquisição
de habilidades comunicativas desenvolvendo assim a competência comunicativa.

2.1 – Os componentes de uma tarefa de aprendizagem

Conforme Nunan (1996), as tarefas de aprendizagem constam de três


componentes básicos: objetivos, informações de entrada e atividades, que por sua vez
desencadeiam os papéis do professor e do aluno :

PAPEL DO

• Objetivos PAPEL DO ALUNO

Os objetivos são os elementos que norteiam o processo de Ensino-Aprendizagem


e respondem a uma pergunta : para que ensinar? Eles podem também ser instrutivos e
educativos.
Objetivos instrutivos – quando induzem o aluno à aquisição de conhecimentos,
hábitos e habilidades da língua estrangeira.
Objetivos Educativos – quando formam valores, condutas e sentimentos
mediante o estudo do idioma.
Os objetivos podem relacionar-se com resultados gerais (comunicativos, afetivos ou
cognitivos) ou podem descrever o comportamento do professor ou do aluno.
Informação de entrada
A informação de entrada é o material utilizado pelo professor como referencial para
direcionar os alunos à aquisição de conhecimentos e habilidades na língua estrangeira. São
os dados que servem como ponto de partida para a realização da tarefa.
Hover (1986) apresenta uma diversidade de fontes das quais pode-se extrair a
informação de entrada para as tarefas comunicativas. Vejamos as seguintes:
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Diálogo Situação
Cartas Horários de ônibus
Fotografias Cardápio
Postais Previsão meteorológica
Desenhos Bilhetes a um amigo
Horóscopo Listas de compra
Mapas Tabela de calorias etc.

O professor ao selecionar o material para as aulas deve priorizar a utilização


daquele que faça parte do cotidiano do aluno; isso o levará a usar a língua de maneira real e
significativa, que atenda as suas necessidades e interesses e que corresponda ao seu nível
lingüístico e faixa etária.

Atividades
Na abordagem comunicativa há uma variedade de atividades as quais convergem
para cumprir os objetivos comunicativos do currículo, participar na comunicação e
desenvolver os processos comunicativos de intercâmbio de informação, negociação de
significados e interação. As atividades especificam o que o aluno fará com a informação de
entrada.

2.2 – Tipos de atividades de aprendizagem

Littlewood (1998) mostra a relação metodológica entre diferentes tipos de


atividades. Ele as denominam como atividades pré-comunicativas e atividades
comunicativas.

Atividades pré-comunicativas
As atividades pré-comunicativas possibilitam ao aluno o desenvolvimento de
algumas habilidades necessárias para a comunicação, sem esperar na realidade que o
mesmo realize atos comunicativos. O professor isola elementos concretos do
conhecimento, ou de uma habilidade, que compõe a capacidade comunicativa e
proporciona aos alunos a sua prática, e o tipo de língua produzido pelos alunos deve ser
aceitável (LITTLEWOOD, 1998).
São exemplos destas atividades, os exercícios de repetição e transformação e a
prática oral de perguntas e respostas; que são encontradas na maioria dos livros de texto e
em manuais de metodologia. O objetivo destas atividades é proporcionar aos alunos um
domínio do sistema lingüístico, portanto o objetivo principal dos alunos, nesse nível, é
produzir estruturas lingüísticas apropriadas, mais do que comunicar significados de
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maneira efetiva.
Assim sendo, sempre que se realizam atividades pré-comunicativas é com o intuito
de preparar os alunos para a comunicação posterior. Elas têm a função de solidificar as
bases para a prática das atividades comunicativas.

Atividades comunicativas
Nas atividades comunicativas, o aluno tem de ativar e integrar seu conhecimento
pré-comunicativo e suas habilidades, a fim de utilizá-los para a comunicação de
significados. Littlewood (1998), faz uma distinção entre dois tipos de atividades no ensino
comunicativo da língua : atividades de comunicação funcional e atividades de interação
social.

Atividades de comunicação funcional


Nas atividades de comunicação funcional o professor organiza a situação de modo
que os alunos tenham que salvar um vazio de informação ou resolver um problema. Esta
situação serve tanto para estimular os alunos como para medir o êxito. Os alunos terão que
encontrar uma solução ou tomar uma decisão concreta.

• As atividades de interação social

Nas atividades de interação social os alunos têm de dar atenção tanto aos
significados sociais como aos funcionais que transmitem mediante o uso da língua. Eles se
aproximam mais ao tipo de situação comunicativa encontrada fora da aula, considera-se a
língua não somente como um instrumento funcional, mas também uma forma de
comportamento social.
Desta forma, os alunos ao executarem uma atividade não terão somente que se
comunicar de maneira efetiva do ponto de vista funcional, mas também se adequar às
convenções sociais. Portanto, em uma atividade de interação social na língua alvo os
alunos devem considerar tanto os aspectos sociais como funcionais; como conseqüência,
a linguagem que produzem se valora tanto a aceitação social como a eficácia funcional.
Todas essas atividades estão relacionadas com a simulação, a diferença se faz no
controle do professor e a criatividade do aluno. Quando os alunos representam diálogos, o
controle do professor é máximo e a criatividade dos alunos é mínima. Nos exercícios
centrados em um determinado contexto, o aluno constrói frases que podem ser novas para
ele, mas que foram predeterminadas pelo professor. Nos diálogos com pauta há uma
fronteira entre a simulação pré-comunicação e a comunicativa. O professor tem controle
dos significados que se expressam, mas não sobre a linguagem que se usa para expressá-los.
Nos tipos mais criativos de jogos de papéis, o professor somente tem controle da situação
dos papéis dos alunos, mas deixa que eles criem a interação.
Prabhu( 1987 ) no projeto Bangalore utilizou três tipos de atividades: vazio de
informação, vazio de raciocínio, vazio de opinião que consistem no seguinte:
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Vazio de informação

Constitui-se na transfêrencia de uma determinada informação de uma pessoa a


outra, de uma forma a outra ou de um lugar a outro – que geralmente requer a
decodificação ou codificação da informação na língua ou a partir da língua.

Vazio de raciocínio

Implica na obtenção de nova informação dada através de processos de inferência,


dedução, raciocínio prático ou de uma percepção de relações. Um exemplo seria chegar a
uma melhor solução (a mais eficaz, acessível ou rápida) para um propósito específico e com
determinadas limitações.

Vazio de opinião

Consiste na identificação e articulação de uma preferência pessoal, um sentimento


ou atitude em resposta a uma situação determinada. Exemplo: completar uma história;
participar em uma discussão sobre uma questão social.
As atividades comunicativas se assemelham. É mais uma questão de nomenclatura;
o objetivo final é proporcionar aos alunos a aquisição de conhecimentos e habilidades para
desenvolver-lhes a competência comunicativa.

3 – Metodologia

A finalidade principal deste estudo foi investigar a metodologia utilizada pelos


professores e verificar se a mesma está atendendo as necessidades dos alunos e suprindo
as suas dificuldades. Ademais, detectar as debilidades e deficiências que inviabilizam o
processo de Ensino-aprendizagem da língua Inglesa e não favorecem aos alunos o
desenvolvimento da competência comunicativa na língua-alvo.
A amostra foi constituída por quatro professores da Língua Inglesa do Ensino
Fundamental e por 80 alunos do 6º ao 9º ano do Complexo Educacional de Ensino
Fundamental e Médio Amaral Raposo – CEEFMAR, que representaram 12% do total dos
alunos dos níveis mencionados .
Foi aplicado um questionário para coletar a opinião dos alunos e os professores
foram submetidos a uma entrevista semi-estruturada. Objetivando uma posterior
confrontação de informações. Utilizou-se também uma atividade para verificar o
desempenho lingüístico-comunicativo dos alunos.
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4 – Resultados e Discussão dos Dados

4.1 – Descrição dos dados resultantes da opinião dos professores

Para dar subsídios à pesquisa, buscou-se primeiramente conhecer a experiência


profissional dos professores em relação a língua inglesa.
Constatou-se que os mesmos já exercem a profissão há algum tempo, mas em
relação a língua inglesa a média é de quatro anos de experiência.
Quando questionados sobre a qualificação, todos os professores afirmaram que
não tinham especialização; três deles possuem a graduação e uma professora ainda está se
graduando.
Verificou-se que há uma sobrecarga aos professores repercutindo assim, na
qualidade do processo de Ensino Aprendizagem pois, com tantas turmas o tempo é
insuficiente para o professor planejar as aulas com qualidade e amenizar as dificuldade e
deficiências dos alunos fora da sala de aula, portanto a prática docente deixa a desejar.
Quando perguntados a respeito da metodologia aplicada em sala de aula, os
professores demonstraram que não há uma metodologia definida. Alguns chegam a
confundir metodologia com técnica. Isto evidencia que os professores necessitam reunir-
se com o intuito de discutir a sua metodologia e definir uma linha de trabalho condizente a
sua realidade, vindo assim a unificar o ensino da língua inglesa naquela escola.
Sobre os procedimentos utilizados, eles afirmaram que utilizam trabalhos em
duplas,em grupos, diálogos e alguns usam música e ditado oral.
Pode perceber que várias técnicas são utilizadas, mas estas não capacitam os alunos
a usarem a língua efetivamente dentro de um contexto para comunicar significados
concretos.
Perguntou-se aos professores quais os recursos utilizados em sala de aula. Somente
um professor respondeu que utiliza quadro de giz e o livro didático, os outros disseram
que, além disso, utilizam gravador, cartazes e gravuras.
Apesar dos professores afirmarem que usam outros recursos além do quadro de giz
e o livro didático, não fazem disso uma prática.
Perguntou-se aos professores quais as habilidades em língua inglesa que são mais
trabalhadas: speaking, listening, reading, e writing.
Eles afirmaram que trabalham mais o writing em detrimento as demais.
A oralidade restringe-se mais a prática de orações fragmentadas não
contextualizadas. Os alunos não utilizam a língua de maneira real e significativa.
A leitura que é feita em sala de aula restringe-se a textos que não levam os alunos a
questionar e nem a assumir uma postura crítica.
Estes indicadores revelam-nos que há uma necessidade de se adotar um novo
enfoque para o ensino da Língua Inglesa, que capacite os alunos a adquirir os
conhecimentos e habilidades básicas para desenvolver a competência comunicativa no
idioma.
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Os professores foram questionados sobre as dificuldades que os alunos encontram


para estudar a disciplina e as respostas foram diferenciadas a este respeito.
O professor do 6º e 7º anos afirmou que a dificuldade que os alunos têm é a
carência de vocabulário, já a professora do 8º ano disse que os alunos têm dificuldades em
entender os textos e escrever. As professoras do 9º ano mencionaram que a maior
dificuldade dos alunos é em falar.
Foi constatado que os alunos têm dificuldades nas quatro habilidades (falar, ouvir,
ler e escrever), principalmente no que diz respeito à oralidade. Poucos são capazes de ler
um pequeno texto, ainda assim o nível deixa a desejar, a maioria não consegue responder a
um simples questionamento na língua inglesa.
A deficiência dos alunos na Língua Inglesa demonstra que os professores
necessitam utilizar técnicas que trabalhem não só o aspecto da estrutura da língua, mas
também, o seu lado funcional e social. Portanto, a abordagem comunicativa é o que se
recomenda para desenvolver a competência comunicativa dos alunos na língua estrangeira.
Ao serem perguntados se os alunos demonstram interesses pela disciplina o
professor do 6º e 7º anos afirmou que não, os demais disseram que sim.
Constatou-se que os alunos em geral demonstram interesse pela disciplina, mas a
forma como o professor trabalha em sala de aula é que precisa ser modificada para manter
nos alunos o interesse cognitivo e afetivo para com o idioma.
Outro aspecto importante para fazer com que os alunos tenham interesse para com
a língua inglesa é a relação professor-aluno e aluno-aluno. Na fala de um dos professores
ficou claro que a relação professor- alunos necessita ser modificada quando afirmou: “Só
tenho contato profissional com os alunos (...) lamento a falta de relacionamento.”
Mesmo os outros professores demonstrando que têm um bom relacionamento
com seus alunos verifica-se que este é limitado baseia se mais na transmissão dos
conhecimentos, isso devido ao número excessivo de turmas e a quantidade de alunos por
sala. Chegando até o ponto do professor não saber o nome de todos os seus alunos.

4.2 – Descrição dos dados resultantes da opinião dos alunos

Inicialmente procurou-se conhecer como se processa a relação professor-aluno.


Ao ser questionado se o professor sabe o nome dos alunos, 58% afirmaram que
sim e 42% disseram que não. Os alunos do 7º ano foram os que tiveram o percentual mais
baixo, 30% disseram sim e os alunos do 9º ano obtiveram um percentual mais alto 80% .
Ao perguntar para os alunos se eles conversam com o professor fora da sala de aula
47,5%, disseram que sim e 52,5% responderam que não. Os alunos do 6º ano foram os que
mais demonstram o distanciamento entre o professor no que diz respeito a esse
questionamento, 75% dos alunos responderam que não. E os alunos do 8º ano
demonstram maior aproximação sobre esse mesmo aspecto.
Constatou-se que nos anos iniciais 6º e 7º há menos envolvimento afetivo, nas
outras turmas as professoras são mais abertas permitindo assim um contato maior com
os alunos. Contudo, há uma deficiência na relação professor-aluno.
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Desta forma a relação professor-aluno necessita ser trabalhada. Os professores


preocupam-se somente em cumprir os programas, não buscam conhecer um pouco mais
os alunos, restringindo se somente ao contato de sala de aula. A conversa que têm com os
alunos é em nível superficial.
Em relação ao grau de interesse pela língua inglesa, 90% dos alunos disseram gostar
da mesma e 10% responderam que não gostam . O 7º ano é que apresentou o percentual
mais baixo 75% disseram que sim, e o 6º ano que apresentou o índice mais alto, 100% da
turma responderam afirmativamente.
Pode-se verificar uma contradição entre a opinião do professor do 6º e 7º anos
com as respostas dos alunos, pois o mesmo afirma que não há interesse por parte dos
alunos, já os alunos afirmam que têm interesse.
Indagou-se aos alunos se gostariam que tivessem mais aulas de Inglês durante a
semana 77,5% afirmaram que sim e 22,5% disseram que não. A turma que apresentou um
percentual mais alto, favorável a mais aulas de Inglês durante a semana, foi o 6º ano 50% e
o percentual mais baixo foi no 7º ano com 65%.
Os dados em relação ao interesse pela disciplina foram bastante positivos pois, os
alunos têm interesse pela disciplina língua inglesa. Observamos que ao iniciar os estudos os
alunos gostam e se interessam pela disciplina, porém há um desestímulo no decorrer dos
anos, por exemplo, no 7º ano que era para o aluno estar mais motivado e interessado,
percebe-se que há um desencanto, isso devido à metodologia utilizada pelo professor.
No que diz respeito aos procedimentos utilizados pelos professores, 58,75% dos
alunos afirmam que os professores costumam mudar a forma da aula e 41,25% disseram
que não. O 7º ano s foi a que obteve um percentual mais baixo apenas 30% afirmaram que
sim.
Constatou-se que há deficiência tanto na oralidade como na escrita. Os alunos não
são capazes de ler um texto com uma pronúncia e fluência razoável além de não terem
capacidade para interpretá-lo.
Os professores chegam a desenvolver a prática oral em sala de aula, mas a forma
como essa atividade é desenvolvida não atende as necessidades dos alunos. Comprovamos
esse fato ao aplicarmos um texto oral com os alunos e 80% negaram-se a ler em voz alta;
os poucos que leram mostraram-se deficientes tanto na pronúncia como na fluência.

5 – Conclusão

A abordagem comunicativa parte da premissa de que a língua é comunicação. O


objetivo do ensino de língua é desenvolver a competência comunicativa.
A abordagem comunicativa implica no desenvolvimento harmônico da língua alvo
– inglês – que alude tanto à forma como, princinpalmente, ao uso; daí emerge a
necessidade de combinar os exercícios pré-comunicativos e os comunicativos no processo
de ensino aprendizagem do referido idioma ( LITTLEWOOD, 1998).
De acordo com os resultados constatou-se que os alunos do ensino fundamental
não têm os conhecimentos e habilidades básicas para se comunicarem na língua inglesa, a
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metodologia utilizada pelos professores não favorecem o desenvolvimento da competência


comunicativa.
Pois, foram detectados alguns aspectos que necessitam ser trabalhados para se
efetivar o ensino da língua inglesa, entre eles pontuamos: (a) profesores e alunos necessitam
estreitar os laços afetivos para que os alunos sintam-se mais confiantes em expor suas
difildades na aprendizagem do idioma; (b) apesar do interesse pela disciplina os alunos não
estão motivados a ponto de suas deficiências e (c) mesmo utilizando uma variedade de
técnicas nas aulas, os professores não conseguem desenvolver a competência comunicativa
dos alunos.
Portanto é necessário que no processo de ensino-aprendizagem do inglês se
combinem as distintas técnicas comunicativas como os jogos de papéis, jogos e simulações
entre outras a fim de que os objetivos propostos sejam alcançados.

6. Referências

ALMEIDA FILHO. J. C. P. de. Dimensões comunicativas no ensino de línguas.


Campinas, SP: Pontes Editores, 4 ed. 2005 .
BRUMFIT, C. J.; K. Johnson. The communicative Approach to Language Teaching.
Oxford University Press. 1994.
LITTLEWOOD, Willian. La enseñanza de idiomas. Cambridge University press
Madrid, 1998.
NUNAN, David. El diseño de tareas para la classe comunicativas. Cambridge
University press. 1986.
PRABHU, N. Second Language Pedagogy. Oxford University Press, 1987.
RICHARDS, Jack C. & ROGERS, Theodore S. Enfoques y métodos en la enseñanza
de idiomas. 1998.
HOVER, D. Think Twice: libro del professor. Cambridge: Cambridge University Press,
1986.
WIDDOWSON, H. G. Teaching Language as Communication. Oxford University
Press. 1996.
WIKINS, D.A. Notional syllabuses. London, Oxford University press, 1976.

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