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Revista Científica do Centro Universitário Claretiano

Batatais - SP

v. 2, n.2, p. 1-250, jul./dez. 2012

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 1-250, jul./dez. 2012   1


CLARETIANO REDE DE EDUCAÇÃO
Rua Dom Bosco, 466 - Castelo
14300-000 - Batatais - SP
E-mail: revlinguagem@claretiano.edul.br

Ficha Catalográfica

Centro Universitário Claretiano


Linguagem acadêmica : revista científica / Centro Universitário
Claretiano. Batatais: Editora Claretiano, v. 2, n. 2 (jul./dez. 2012-).

ISSN 2237-2318

Semestral

1. Pesquisa. 2. Periódico Científico. 3. Educação a distância. I.


Centro Universitário Claretiano.

Elaborada pela Biblioteca Universitária Claretiano

  2 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 1-250, jul./dez. 2012


REITORIA

Reitor
Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva

Pró-Reitor Administrativo
Pe. Luiz Claudemir Botteon

Pró-Reitor Acadêmico
Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida

Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária


Ms. Pe. José Paulo Gatti

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Revista Científica do Centro Universitário Claretiano

Comissão Editorial
Angelo Piva Biagini - Coordenador Geral de Pesquisa e Iniciação Científica
Barcelos Fernandes - Coordenador de Revistas / Editor

Conselho Editorial
Adriana Lúcia Carolo (CLARETIANO-SP)
Alexandre Pavanati (UNISUL-SC)
Aline Sommerhalder (UFSCAR-SP)
Antônio Donizetti Gonçalves de Souza (UNIFAL-MG)
Aparecida Dinalli (CLARETIANO-SP)
Carmen Aparecida Malagutti de Barros (CLARETIANO-SP)
Célia Luiza Reily Rocha (CLARETIANO-SP)
Christian José Quintana Pinedo (UFT)
Ednilson Turozi de Oliveira (CLARETIANO, FAVI, FASBAM-PR)
Elvisney Aparecido de Oliveira (CLARETIANO-SP)
Fabiana Marques (CLARETIANO-SP)
Fatima Chechetto (UNESP)
Fernando Donizete Alves (UFSCAR-SP)
Fernando Figueiredo Balieiro (UFSCAR-SP)
Jaime Sánchez Bosch (Studium Theologicum-PR)
Jussara Bittencourt de Sa (UNISUL-SC)
Juscelino Pernambuco (UNESP)
Karina Marcela Capato (UNAERP-SP)
Karyn Siebert Pinedo (UFT)
Licia Frezza Pisa (CLARETIANO-SP)
Luiz Fernando Tavares Meireles (CLARETIANO-SP)
Marialba R. Maretti (CLARETIANO-SP)
Nilton César Lima (CLARETIANO-SP)
Pedro Guilherme Fernandes da Silva (IFAL)
Renato Luis Tâme Parreira (CLARETIANO-SP)
Ricardo Boone Wotckoski (CLARETIANO-SP)
Rodrigo Ferreira Daverni (CLARETIANO-SP)
Ronaldo Mazula (CLARETIANO-SP)
Silvia Beatriz Adoue (UNESP)
Semíramis Corsi Silva (CLARETIANO-SP)
Stefan Vasilev Krastanov (UFMS)

Projeto gráfico, diagramação e capa


Barcelos Fernandes

Foto da capa
Felipe Sasso
Título: conexões

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LINGUAGEM ACADÊMICA

Sumário / Contents

Editorial 9

ARTIGOS / ARTICLES

A morte em Alphonsus de Guimaraens: abordagem filosófico-literária /


Death Alphonsus de Guimaraens: philosophical literary consideration 11
Danilo Augusto Camargo Nogueira
Edson Renato Nardi

Apontamentos sobre os poderes jurídico, estratégico e disciplinar na


constituição do sujeito em Foucault / Notes on the legal, strategic and
discipline powers in the subjects constitution in Foucault 33
Lícia Frezza Pisa

O Ser em São Tomás de Aquino / St. Thomas Aquinas Being 51


Luiz Fernando dos Santos
Daniel Lipparelli Fernandez

A importância da geografia em sala de aula: o desafio de um ensino


capaz de formar o cidadão / The importance of geography in
classroom: the challenge of a teaching capable to form the citzen 65
Evelyn Monari Belo
Gustavo Henrique Cepolini Ferreira

Resíduos das estações de tratamento de água (ETA) / Wastes from


water treatment plants 83
Múccio Wellington Paiva
Renato Luis Tame Parreira

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LINGUAGEM ACADÊMICA

Formando leitores: propostas e desafios / Forming reades:


proposals and challenges 97
Rosecler Aparecida Breda Perre
Patrícia da Silva Pereira

Educação inclusiva e o apoio à família / Inclusive


education and family support 113
Gabriela Julio Galvão de França
Renata Andrea Fernandes Fantacini

Contribuições da arte na formação e prática pedagógica


do professor de educação infantil / Contribuitions to the
pedagogical degree and pratice of the “educação infantil”
(kindergarten) teacher 131
Nilcemara Tanasovici Nardy
Nanci de Almeida Rezende.

Homem e espaço - intereações dentro da comunidade


paraisópolis / Interactions inside the community of paraisópolis 149
Veronica Menezes Amorim
Izildo Carlos Alves da Silva

A ética e a educação ambiental no visual publicitário do Distrito


Federal: convergências e divergências / The ethics and
environmental education in visual advertising in the DF :
convergence and divergence 169
Antônio Itamar da Silva
Pedro Guilherme Fernandes da Silva

O papel do professor de informática educacional / The role of


computer science teacher educacion 195
Humberto Campos Caixeta
Renata Andrea Fernandes Fantacini
LINGUAGEM ACADÊMICA

RELATO DE CASO / CASE REPORT

O uso dos mini vídeos-aulas como ferramenta de aprendizagem


da interação do conhecimento básico com o clínico na disciplina
de anatomia humana do Centro Universitário Claretiano
de Batatais/ The use of mini lesson-videos as learning toll of
interaction with the basic knowledge int the discipline
of clinical anatomy of the human Claretiano 209
Letícia Fernandes Moraes
Evandro Marionetti Fioco
Gabriel Pádua da Silva
Bruno Ferreira
Edson Donizetti Verri

ENSAIO CIENTÍFICO / SCIENTIFIC ESSAY

Fernando Pessoa: Fascínio em forma de versos/ Fernando


Pessoa: fascination in form of verses 217
Jane Magaly de Almeida
Maria Alice de Souza

RESUMO ESTENDIDO / EXTENDED ABSTRACT

A religião nos primórdios da Psicanálise / Religion in


the early days of psychoanalysis 235
Marcel Henrique Rodrigues
Luís Antonio Groppo

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LINGUAGEM ACADÊMICA

Editorial

Neste momento especial, em que apresentamos a segunda edição da Revista


Linguagem Acadêmica, 2012, queremos agradecer a colaboração de todos que têm se
empenhado para divulgar e estimular a produção científica do Centro Universitário
Claretiano. Chegamos a quatro edições da Linguagem Acadêmica (semestral), onde
iniciamos com a construção do projeto que também integra as Revistas Educação, Saúde e
Educação a Distância. Nesta fase de consolidação desses periódicos e também motivados
pela missão do Claretiano Rede de Educação, que é a investigação da verdade, ensino,
difusão da cultura, inspiração nos valores éticos e cristãos e no Carisma Claretiano,
apresentamos os artigos da Revista Linguagem Acadêmica, que integram e expressam a
interdisciplinaridade de diversos saberes e do verdadeiro sentido da Educação, um espaço
de reflexão, questionamentos, debates, pesquisas e mudanças para valores cada vez mais
éticos e justos para nossa sociedade e cultura.

Boa leitura!

Barcelos Fernandes
editor

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 9, jul./dez. 2012   9


10 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 9, jul./dez. 2012
A morte em Alphonsus de Guimaraens: abordagem
filosófico-literária

Danilo Augusto Carmargo Nogueira 1

Edson Renato Nardi 2

Resumo: O presente texto tem por aspiração identificar, na poesia de Alphonsus de Gui-
maraens, elementos de caráter filosófico. A inserção do poeta na escola simbolista torna
mais sensível a tentativa de se demonstrar a dificuldade com que este representa a morte.
Sob o ponto de vista da estética, portanto, objetiva-se uma breve descrição de processos
pelos quais o autor imprime ao texto aspectos da reflexão sobre a experiência de cessação
da vida e toda a angústia que tal expectativa gera no eu-lírico. Para a associação entre
filosofia e literatura, utilizam-se referências a Martin Heidegger e Sören Kierkegaard.

Palavras-chave: Alphonsus de Guimaraens, morte, poesia, estética, filosofia.

1
Licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais – SP. E-mail: <camargo.nogueira@
gmail.com>.
2
Orientador. Mestre em Educação e doutorando pela Universidade do Estado de São Paulo – UNESP -
Araraquara. Coordenador da graduação em Filosofia nas modalidades EAD e presencial e do curso de pós-
graduação em ensino de Filosofia no Centro Universitário Claretiano de Batatais – SP. Filósofo e Educador
Físico. E-mail: <filosofia.ead@claretiano.edu.br>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   11


1. DECADÊNCIA MORAL E PESSIMISMO:
FIO CONDUTOR PARA A REFLEXÃO SOBRE A MORTE

Como expressão de fatos, fenômenos, sentimentos e outros distintos


aspectos, intrínsecos e extrínsecos ao indivíduo, que envolvem o universo
humano e sua relação com a sociedade, as obras de arte possuem também
a função de demonstrar posicionamentos individuais ou, por vezes,
partilhados por grupos, diante de situações que atuam na existência e
desenvolvimento do eu-lírico.
Sob essa óptica, é necessário que se admitam as manifestações
literárias como formas de identificação, na maior parte das vezes, da
localização do autor em algum contexto histórico-social, político, ético,
cultural. Fatores esses que, no caso do Simbolismo, revelam-se frutos de
um conjunto de transformações vividas pela sociedade europeia no fim do
século XIX. Perceba-se, com isso, que nessa atividade, principalmente, o
poeta assemelha-se ao filósofo – resguardadas as diferenças entre as duas
formas de procedimento – e dele, inclusive em alguns casos, aprecia fortes
considerações no sentido de apreender da realidade o conhecimento
das condições que movimentam a existência do homem e, de modo
particular, colocar-se num processo de reflexão ou, pelo menos, tentativa
de reprodução sensível do conjunto de ideias realizadas a partir de uma
observação do artista.
Embora não possua o caráter de rigor filosófico, pode-se afirmar
que, nesse caso, a obra literária simbolista é bastante influenciada pela
busca da compreensão mais radical com relação aos componentes
existenciais do homem moderno. Apesar de, conforme o próprio nome
indica, o Simbolismo ser caracterizado como escola literária cujo foco
é a subjetividade na representação, os temas estão bastante distantes
da pura contemplação e descrição de paisagens bucólicas e atividades
pastoris – características do Arcadismo brasileiro – ou da exaltação do
herói indígena – cuja idealização como símbolo nacional marca também
o Romantismo.

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O homem simbolista, de maneira inicial noutros países e,
consequentemente, naqueles aos quais o movimento atingiu, é aquele
intrigado com as questões existenciais: o tédio, a angústia, a solidão, as
frustrações amorosas... Quer em Baudelaire, com cuja obra Les fleurs de
mal inaugura-se o Simbolismo na França durante o século XIX, quer em
Alphonsus de Guimaraens, o qual reflete o crédito recebido na visualização
da decadência que atingira as cidades onde nasceu e assistiu até o fim da
vida, o contexto urbano de degradação certamente merece destaque no
que se refere à produção escrita de tal época.
O ambiente de surgimento do Simbolismo, na Europa, marca-se
pela crise que se abatera sobre a sociedade após a percepção de que todo
o progresso científico e, por conseguinte, a satisfação das necessidades de
conquista, não passava de uma ilusão. Frente à proposta frustrada de que
o homem poderia, por meio quase exclusivamente racional, ter acesso
à engenhosidade do universo, o interesse pelo desenvolvimento logo é
substituído por uma atitude de negação, a qual é consolidada à medida
que se detecta o impacto dos aglomerados urbanos; que o homem passa
a ser identificado como parte de um “maquinário”; que se estabelece uma
cultura destinada às massas para, na verdade, satisfazer aos interesses da
elite; que a ditadura da moda inicia a escravização das pessoas...
O próprio consumismo desenfreado, fruto do desejo material e da
produção em larga escala, começa a proporcionar ao homem a sensação de
transitoriedade das coisas. Exemplificações concretas dessa realidade são a
menor duração dos bens de consumo, bem como a relativização artística e
cultural, que encontra na contemplação provisória a satisfação dos anseios
também temporários.

Refletindo o pessimismo do período, surge nessa época um tipo de


homem que volta as costas à sociedade materialista e que procura cul-
tivar dentro de si as sensações mais refinadas. Esse homem, conhecido
como decadente, fecha-se em sua torre de marfim e só na orgulhosa
solidão é que parece encontrar conforto para o sofrimento proveniente
do desconforto com o mundo grosseiro e hostil (GOMES, 1994, p. 14).

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Com extrema conveniência, Álvaro Gomes descreve o artista
simbolista. E, embora alguns estudiosos façam distinções entre
manifestações simbolistas e decadentistas, utilizam-se os termos para
designar a produção surgida no período identificado acima. Há ainda,
raramente difundida nos estudos literários portugueses e brasileiros, a
denominação de Decadismo ou Nefelibatismo destinada às letras cujas
características retratavam-se como semelhantes e/ou norteadas por temas
e técnicas comuns.
Divergência à parte com relação à nomenclatura, a importância de
todas é que, com categoria, expressam os ideais do movimento. No caso da
decadência, é perfeitamente apropriada para traduzir o repúdio nutrido
contra o comportamento da classe burguesa, a qual chegara a um estágio
nítido de tamanha extirpação moral, que se tornava impossível qualquer
ato senão a abjuração de tudo que guardasse ligações com as aspirações
materialistas.
Associado a essa abstenção do materialismo, os simbolistas iniciam
uma procura constante pela elevação da alma, por meio da escrita, a
realidades místico-transcendentais. A espiritualidade passa a ser exaltada.
E, com referência a esse envolvimento do autor simbolista, vale aludir a
Alphonsus, em cuja obra se exprimira profunda recorrência aos temas
religiosos. Quer ao descrever as celebrações litúrgicas, ao venerar a
Virgem Maria, ou ao remontar às imagens arquitetônicas como sinos
e catedrais, Guimaraens demonstra, a todo instante, a inclinação a tal
espiritualidade.
A fim de que, portanto, possa-se entender a inserção de Alphonsus
no estilo simbolista, enumeram-se como características dessa escola,
inicialmente, a negação às produções do Realismo e Naturalismo.
Notadamente, o Simbolismo nega o cientificismo, o racionalismo, a
objetividade, a descrições fiéis das coisas... Caracteriza-se pelo interesse na
realidade subjetiva, na profundidade do eu, na sugestão, no inconsciente
e subconsciente.
Exatamente pela corrupção do mundo exterior, o escritor simbolista,
em geral, volta-se às realidades internas. Nasce daí a linguagem sugestiva

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e metafórica, simbólica, que lança o indivíduo às suas reflexões mais
íntimas, metafísicas, religiosas, procedimento oposto à observação externa,
influenciada pela propensão à cega confiança na razão.
Com notável precisão, Massaud Moisés, infere sobre as circunstâncias
de criação simbolista:

E o argumento era que “dissimular o estado de decadência a que


chegamos será o cúmulo da insensatez. Religião, costumes, justiça,
tudo decai... A sociedade se desagrega sob a ação corrosiva duma
civilização deliquescente. O homem moderno é um entediado.
Refinamento de apetites, sensações, gostos, luxo, e prazeres, nev-
rose, histeria, hipnotismo, morfinomania, charlatanismo cientí-
fico, schopenhauerismo levado ao extremo, tais os pródromos da
evolução social”. Para exprimir a volúpia pela anarquia, o satan-
ismo, as perversões, as morbidezas, o pessimismo, o horror da re-
alidade banal, etc., não têm mãos a medir na criação de neologis-
mos e adoção de vocábulos preciosos (MOISÉS, 1984, p. 08).

Evidenciadas as características gerais do movimento simbolista e


sua consequente assimilação por parte de Alphonsus de Guimaraens, é
possível partir à identificação dos recursos utilizados pelo poeta mineiro,
o qual fora motivado, entre outros, pelas próprias reflexões sentimentais,
pela falência das cidades onde se domiciliara e que fortemente haviam
contribuído com a economia através da exploração mineral e pela morte
da noiva e prima, Constança, filha do escritor Bernardo Guimarães.

2. A ESTÉTICA DA MORTE EM GUIMARAENS:


FORMAS DE REPRESENTAÇÃO

Conforme já se mencionara, a filiação de Alphonsus à escola


simbolista torna-se clara devido à constante exploração de temas, formas e
procedimentos freqüentes em tais manifestações, bem como à recorrência
aos autores que, fortemente, influenciaram-no. Cita-se, por exemplo,
Rimbaud, em cuja obra Vogais, inclusive, Alphonsus inspira-se para a

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construção de AEIOU, título esse que demonstra a preferência do autor
por sugerir em lugar de explicitar. Outro poeta que merece destaque com
relação ao trabalho de Alphonsus no que, principalmente, tange à morte, é
Baudelaire, do qual se registra uma seleção intitulada “A Morte”, composta
por “A Morte dos Amantes”, “A Morte dos Pobres”, “A Morte dos Artistas”,
“O Fim da Jornada”, “O Sonho de um Curioso” e “A Viagem”.
Embora se perceba uma dedicação grande a temas como a tristeza,
melancolia e angústia, como também, não raramente, ao próprio desespero,
e sob a análise dos maiores críticos literários da estética simbolista, tenha
cabido a Alphonsus – atente-se para auto-denominação – o título de poeta
da morte, não há poucas alusões a essa abordagem, a qual se manifesta por
distintas formas no fazer poético do Simbolismo. Rimbaud refere-se a ela
como o sono de um soldado, que, sobre o verde da relva, é atingido pelos
raios do sol, em “Le dormeur du val”. De maneira bastante divergente da
serenidade de Rimbaud, Baudelaire apresenta a morte, em “Uma carniça”
– também traduzida por “Uma Carcaça” – conforme o próprio nome
denota, por meio da descrição fiel do apodrecimento patente do corpo,
dessacralizado e, portanto, sujeito à crueldade de larvas, moscas e mau
cheiro, termos e ideias presentes no texto.
Partamos, pois, sem o esquecimento das influências, à representação
estética da morte por Alphonsus, que utiliza instrumentos de tamanha
riqueza lingüística para oferecer à apreensão uma ideia um tanto quanto
complexa de ser exposta, que acaba por mergulhar o leitor na própria
realidade funesta, apesar de com a marca profunda da subjetividade. O
desejo de, pelas mais variadas formas, demonstrar a preocupação com a
morte, própria ou alheia, ou ainda a morte em si, faz com que Alphonsus
se nomeie poeta da morte, de quem Paulo Mendes Campos afirma ser
possuidor da capacidade de, com maior dor, sofrer a “insolubilidade da
morte”(MARQUES, 1998, p. 27).
Mesmo que, por muitos interessados no estudo da temática, a presença
da morte nos textos de Guimaraens seja ora associada ao falecimento
de Constança, noiva do poeta, aos quinze anos enquanto ele contava
dezoito; ora ao aspecto das “cidades mortas”, em que nascera e residira,

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importante se faz saber que a reflexão do poeta aproxima-se, na maior
parte da produção, de uma análise sobre a própria morte, não manifestada
no fato em si, mas na angústia da tendência para ela, ou seja, no fato de
contemplar o desespero, de vivenciar a inquietude da “preparação” para o
fim.
Nesse sentido, retoma-se a dificuldade do poeta para dar forma
literária à morte. Fato esse que não diferencia a literatura das demais artes
quando se trata de uma materialização, quer na pintura, na escultura,
música ou dança, isto é, na busca artística pela representação da ideia. Para
compreender tal situação, cita-se Aldrich:

Temos, a seguir, o fenômeno da curiosa maneira pela qual uma obra


de arte é igual a alguma coisa ou a ela se assemelha. Esta particular
espécie de semelhança pode ser apreciada e confirmada sem que
se olhe primeiro para a obra de arte e, depois, para o que ela repre-
senta, em comparação. Deve-se, de uma maneira ou de outra, ver a
coisa representada como localizada na obra artística, se a represen-
tação possuir alguma categoria estética (ALDRICH, 1976, p. 14).

Vista sob a afirmação da obra de arte como a tentativa de


representação da coisa (objeto, fato, fenômeno ou pessoa), é oportuno
salientar que tal obra deva ser entendida não como uma realidade isolada
de contexto, mas inserida em determinada situação, a qual, muitas vezes,
liga-se a correntes, ou seja, manifestações artísticas situadas em domínios
espaço-temporais, o que permite classificá-las ou não como pertinentes a
escolas: Renascimento, Romantismo, Expressionismo e Impressionismo,
por exemplo. Nesse caso, na total coerência com as definições, Alphonsus
pode ser descrito como poeta que, em nada fugiu à estética simbolista;
ao contrário, manteve-se fiel principalmente aos temas: religiosidade,
misticismo, angústia, busca pela transcendência.
E, exatamente, a fim de demonstrar como os recursos poéticos de
Alphonsus consolidam-se na Filosofia, torna-se conveniente aprender de
Hans Pfeil a colocação sobre estética:

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   17


[...] Ao desejo da verdade une-se o desejo do belo; ao empenho de
conhecer os princípios de modo autônomo e original se associa o
desejo do belo, o esforço para exprimir de modo original e artístico os
resultados obtidos. Este empenho já se manifesta no uso de imagens e
comparações, que geralmente têm um caráter ainda mais pessoal, uma
nota ainda mais subjetiva do que as exposições abstratas. Quantas vez-
es e com quanta satisfação os filósofos se servem delas para explicar e
tornar mais acessíveis altas abstrações e para sintetizar e abreviar lon-
gas argumentações! Onde mais se tornam necessárias é no princípio e
nos pontos culminantes das suas reflexões; lembremo-nos da compa-
ração da caverna e da comparação do cocheiro e dos cavalos, nos mo-
mentos de maior elevação da Filosofia de Platão. (PFEIL, 1981, p. 25)

Merecem destaque as formas pelas quais o filósofo, muitas vezes,


exprime, de modo mais conexo ao leitor, suas teorias e discussões, ou
parte delas. Fator de notável semelhança com a filosofia, é a utilização, por
Guimaraens, desses tais recursos estilísticos para imprimir à escrita uma
melhor visualização artística daquela experiência, como já se explicitara,
da qual se torna praticamente impossível abstrair a essência, quanto menos
poder revelá-la a outrem.
Reside, pois, na caça por ferramentas como metáforas, comparações,
metonímias, alegorias, a oportunidade encontrada pelo poeta para
transcrever, ou melhor, simbolizar um fato que, segundo o rigor científico,
tornar-se-ia impossível de ser capturado. E não somente à objetividade
da ciência relaciona-se a difícil tarefa de discorrer sobre a morte: eis aí
um grande problema filosófico, que se arrasta de Platão à atualidade, sem
providenciar qualquer explicação estática e/ou definitiva.
Sobre a efetivação dessas práticas poéticas, Marques afirma:

A linguagem poética sempre foi, conforme a expressão de Jorge


Guillén, uma linguagem dentro da língua comum, que se desenvolveu
a partir da “expressão indireta”, ou seja, a partir dos artifícios que nos
permitem dizer uma coisa por meio da outra. No território dessa
nova linguagem em perpétuo processo de reinvenção, a metáfora,

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comparação elíptica, e a metonímia, deslocamento para um existente
contíguo, gozam de prestígio inigualável (MARQUES, 1998, p. 79).

Não se restringe, todavia, a esses exercícios artísticos, a atividade


pela qual Alphonsus objetiva representar a morte. Embora nos processos
metafóricos, o autor apresente a crucial realidade, na maior parte das
vezes, como um local escuro, sombrio, vago, um descanso para a alma, seu
trabalho percorre caminhos avançados. Por meio das sinestesias, conduz-
nos aos encadeamentos de metonímias geralmente ligadas à experiência
sensorial, as quais, na obra, não se concentram na manifestação do objeto
da análise propriamente identificado, ou seja, no signo; porém recorre ao
todo envolvente desse signo.
Com referência às metonímias, dessa forma, entendemo-las como
uma indicação ao objeto. E, mais uma vez, faça-se a anamnese de que
na própria estética simbolista é preferível sugerir a explorar a clareza.
Entenda-se que, distintamente da metáfora, a abordagem é realizada por
uma relação de contigüidade, isto é, no caso de Guimaraens, o apelo às
metonímias não oferta termos simílimos ou equivalentes semânticos,
mas vocábulos ou ideias que tendam para a visualização do objeto em
questão.
Como exemplos, apresentam-se “caixão de defunto”; “eremitério,
cruz, cova”; “ciprestes, sete palmos, sepulturas”; “esqueleto, cousa,
espectros”; “enterro, flores”; “sudários, mortalha, sinos, coveiro”; “campo
santo dos defuntos”; “múmias de cal”; “esquife”; “cinzas dos meus ossos,
lodo e poeira, caveira”; “covas e valos”; “delírio, martírio”; “alguma cousa
de além vida”; “luz de quatro velas”; “velha agoureira, casa do coveiro,
defunta”; “véus de viúvas, flores roxas, prantos roxos, horas mortas, fatais
caveiras”(MARQUES, 1998, pp. 88-89)... Extensa por demais seria a
enumeração de palavras ou expressões, todas, que remetem à morte.
Interessante é tomar a colocação que Marques realiza:

[...] Todos apontam para a morte: seja indicando o corpo mor-


to, o local onde se colocam os despojos do defunto, a capela

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   19


onde se realizam os ritos funerários, enfim, todos pertencem
ao mesmo campo semântico. Tais elementos são, portanto, me-
tonímias que, por sua vez, têm o poder de apontar para algo,
sempre a mesma coisa: a morte (MARQUES, 1998, p. 89).

O uso de construções metafóricas e metonímicas, descreve a


autora, são formas, respectivamente, de comparar e aproximar a forma
poética, ou seja, a designação do objeto de discussão. Cabe ressaltar que
Alphonsus evoca, por vezes, as alegorias, como forma de simbolizar a
morte. O método, entende-se, mostra-se uma forma de, senão a própria
personificação gráfica, uma tentativa de efetivá-la. O puro fato de redigir
o termo com letra maiúscula é indício da atribuição de características dos
seres viventes a realidades como a morte, a tentação, a desgraça.
No caso do mais funéreo episódio, as evidências de monstros, vultos,
espectros, fantasmas, não revelam propriamente a alegoria. Para que se
perceba tal manifestação escrita, os seres que a representam devem ser
matérias, ou melhor, concretos, palpáveis: ora como o esqueleto humano
com uma foice – imagem tão conhecida da mitologia – ora como rainha
que estende o braço ao eu-lírico, ora, ainda, como mãe ou como noiva,
repleta de serenidade.
Apresentadas algumas referências estéticas na poesia de Alphonsus,
prossiga-se a discussão para um campo mais específico: os questionamentos
com similaridade filosófica, aspecto notadamente característico do
“solitário de Mariana”. Isso não significa, é claro, que se deva compreender
tal produção sob um prisma limitadamente intrínseco à filosofia. O
que se pretende é, ao menos, explicitar como a poesia citada conduz a
uma reflexão sobre a própria existência, ou melhor, sobre parte dela, um
componente cuja significação incita a pesquisadores de todas as áreas do
conhecimento, fator que, observa-se, não seria ignorado na arte da palavra
escrita.
Toma-se como suporte para a melhor localização dessa atividade
criadora, que transmite (ou aspira a transmitir) a realidade existencial do
eu-lírico, a inferência de Aldrich:

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Ligado a esse fenômeno (o artístico) está o paradoxo da ambígua rela-
ção do artista com a vida quotidiana e os valores dela. Por uma lado, o
artista apresenta-se como distanciado da vida, preso na auto-suficiên-
cia de sua obra artística e sem saber, realmente, como viver; por outro
lado, entretanto, ele parece estar em relação mais íntima com a vida do
que os não-artistas, de modo a poder revelar os segredos dela (e o velho
adágio diz que ele pode salvar os outros sem, porém, poder salvar-se a
si mesmo). Essa relação distância-proximidade do artista com o mun-
do é bastante insólita e parece ser este enigmático tipo de relação com
sua obra de arte o que as outras pessoas devem obter, se é que desejam
experimentá-la pelo que vale como arte. (ALDRICH, 1976, p. 15)

No tratamento da relação artista-mundo-obra, pode-se diligenciar


que ocorre, sob o ponto de vista dos objetivos daquele que cria, senão fazer
com que as pessoas contemplem o fator existencial expresso na criação,
pelo menos aproximem-se dele. É por meio dessa exposição, pois, que não
se localiza a obra de Alphonsus pura e simplesmente no campo da arte:
ele busca manifestar não somente a morte em si – aquela que atinge todos
os homens; sua intenção parece ser refletir sobre a própria aflição diante
dessa experiência. Não a de sentir o fato consolidado no corpo, mas a
experiência de se angustiar por estar sujeito a ela e desta não poder fugir.

3. TENDÊNCIA PARA A MORTE:


MANIFESTAÇÃO LITERÁRIA E REFLEXÃO FILOSÓFICA

Descritos, ainda que de modo breve, os procedimentos estéticos


por que Alphonsus apresenta ao receptor o fundamento de toda a sua
escrita, recorramos, em primeira explanação, à dificuldade filosófica da
problemática da morte. Como qualquer outro foco de discussão, reflexão,
crítica e argumentação – características do fazer filosófico – a morte
desperta interesse não somente pela experiência (pessoal ou afim), como
também por outros temas que a circundam. Sob este ângulo, inclusive na
poesia de Alphonsus, a morte é associada muitas vezes à vida. Processos

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   21


que, ao menos quando se consideram relações de antonímia ou sinonímia,
parecem antitéticos ou paradoxais; pelo poeta, contudo, são abordados,
não raramente, como paralelos ou contíguos. Ou seja, na própria vivência
já se concretiza a morte.
Conforme Marques pondera, a morte em Alphonsus assume
os vários sentidos: em terceira, segunda e primeira pessoas, tratadas,
respectivamente, como a morte “abstrata e anônima”; a morte daqueles
com os quais o indivíduo guarda considerável relação de afetividade,
aqueles que lhe são queridos; e a reflexão sobre o próprio fim. “Não importa
se o que aparece é a morte pura e simples, a morte do ‘outro’, da amada,
ou a ‘própria morte’, a do ‘eu’; o que interessa é a forma final assumida na
representação por essa presença: a da morte ‘ela mesma’.”(MARQUES,
1998, p. 59).
De uma maneira ou de outra, uníssono faz-se o discurso de que
Guimaraens proclamou-a ligada sempre a si; mesmo que meditando as
dores de Nossa Senhora, ou a “partida” da noiva, ele encontra formas de
tornar a realidade ocasião de pensar acerca da peculiar finitude.
Tamanha é a dificuldade de se discorrer sobre o tema, principalmente
na filosofia, que se compreende perfeitamente o modo com que Alphonsus
utiliza, na literatura, a subjetividade, sem deixar de exprimir o constante
questionamento existencial.
Com Julián Mariás, propõe-se, mais claramente, a questão da
complexidade de inferir a respeito da morte:

Trata-se de realidades latentes, que “estão ocultas”, com as quais con-


tamos, mas que não temos, não nos são dadas. [...], o modo de “não es-
tar aí” peculiar dessas realidades conduz a um estranho trato com elas,
visto que “cercam” ou “orlam” minha vida, limitam-na, e assim obri-
gam uma consideração integral da mesma. De certa maneira, essas re-
alidades se dão em minha vida, nelas se radicam – caso contrário, não
teria sentido denominá-las realidades – mas seu modo de aparecer e não
estarem aí, mas sim estarem ocultas, além da vida, num modo de estar
não estando que chamamos transcendência (MARIÁS, 1985, p. 344).

22 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012


Eis, portanto, um obstáculo que se tornara fundamental na produção
do poeta mineiro: capciosa se efetivava a tarefa de descrever a morte, que
o eu-lírico jamais poderia – observadas, é claro, as características da escola
simbolista, a que pertencia – levar à demonstração objetiva o fato que a
todo homem é próprio, mas que só lhe é acessível quando não mais se
pode, com relação a si, concretizar uma discussão, seja artística, científica
ou filosófica.
Retomando Mariás, concretiza-se uma reminiscência das três
concepções que se estabelecem com relação à morte: aquela de alguém
com o qual tenho proximidade; a morte “in genere”, que acomete a todos;
a minha própria morte. Sobre a primeira, não é difícil que a identifiquemos
em Alphonsus: está presente no Cristo, cuja mãe sofre as dores; na noiva,
que o deixara desconsolado.
Com referência à segunda modalidade, a proposta reveste-se de
evidências, como por exemplo, quando Alphonsus utiliza, para nomear
o primeiro poema de Pulvis, um trecho de passagem ritualística católica:
“Memento homo quia...”. Homem, portanto, é tomado na acepção geral
do termo. A humanidade deve recordar-se de que é pó e retornará a ele.
“Memento, homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris.”
Chega-se, assim, à morte particular, fator de angustiante experiência
ao autor, por não se tratar somente do outro, do próximo. Embora
reconhecer a finitude do outro seja ocasião de pensar a própria, tudo se
torna precário e insuficiente quando o eu se depara com tal proposição,
instância donde não se pode fugir. Percebemos, por isso, a constância
da morte em toda a vida do escritor: “mas a minh’alma que está toda em
morte [...]” ou em “sempre vivi com a morte dentro da alma, / sempre
tacteei nas trevas de um jazigo”. (GUIMARAENS apud MARQUES,
1998, p. 81).
Nesse ponto, outra significação importante recebe o vocábulo alma.
Se essa realidade conflituosa de inquirir sobre a morte se faz presente em
toda a manifestação do eu-lírico, é necessário salientar que, para a alma, a
morte é descanso, repouso. Isso exprime que a morte não é tomada como
fim último. Há ainda a permanência da alma, por que, nesse processo de

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   23


separação do corpo, o existencial atinge sua plenitude. Pode-se, portanto,
compreender que Alphonsus já interiorizara, durante toda vida, a
realidade mortal, mas não lhe bastava tal fenômeno. Nesse caso, a morte
representava como que uma liberação ao ânimo. Platão já argumentava
sobre a tal teoria de a alma prender-se ao corpo, seja por expiação de culpa
ou necessidade natural, e alcançar sua liberdade no momento da extinção
de vida corpórea.
Espera-se que a todo homem seja peculiar um projeto de vida,
dentro do qual, obviamente, insira-se a morte, independentemente da
dimensão que lhe é atribuída ou dos conceitos com os quais é codificada.
No momento, porém, em que o relacionamento com esse fato perde sua
espontaneidade, ou seja, estabelece-se ao episódio um caráter um tanto
quanto maior do que realmente possui, funda-se uma espécie de processo
aflitivo. Sem sombra de dúvida, essa situação se consolida na vida, e, por
conseguinte, na obra de Alphonsus.
Tal preocupação pode ser conferida a dois aspectos correlatos à
expectativa da morte: o primeiro liga-se ao tempo, cronológico, ou seja,
não se sabe o momento exato da morte. Ao contrário, o que se observa
é a freqüente inquietação nos extremos da vida: a juventude e a velhice.
Não há como negar a presença desses pólos contraditórios, que também
orientam a escrita de Guimaraens. Se, por um lado, o poeta encontra-se
no auge da juventude; por outro, a ele mesmo, convém a caracterização
de velho. Tal é a angústia de prefigurar, bem como antecipar a morte na
própria vida, que o eu-lírico mescla as fases da vida no suplício que se lhe
efetiva em constante processo de morrer, como se o metabolismo estivesse
condicionado a esse sacrifício.
O outro aspecto que conduz, pois, a esse turbilhão de desespero de
se pôr frente à experiência lúgubre, é o próprio fato, de que, como já se
inferira, o sujeito não pode captar a essência, a qual não se relaciona, nesse
sentido, com o processo puramente biológico de interrupção total das
atividades orgânicas; é algo mais, um fenômeno que ocorre com o eu, que
só a ele e nele pode ser revelado.
Mesmo que o fator empírico se concretizasse no organismo, não seria

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consentida uma discussão científica acerca da morte. Não, ao menos, uma
discussão realizada pelo próprio indivíduo que passara pela experiência:
caberia a outros discorrerem sobre o fato. Vista dessa forma, a morte já
não admitiria uma descrição epistemológica, quanto menos, então, far-se-
ia filosoficamente.
Cabe-nos, com isso, a interpretação da questão com uma referência
filosófica: a compreensão da realidade insólita, abstrata, é tratada, aqui,
sob o âmbito artístico e, nesse ponto, torna-se absolutamente oportuna
a multiplicidade que Alphonsus utiliza. A agonia de estar predestinado a
algo desconhecido pelo sensível faz com que essa demonstração estética
assuma abundantes aspectos. A escolha das palavras, a organização do
texto, o estilo, tudo concorre para que, a todo instante, a morte seja o
referencial que explicita o desespero do eu-lírico, sofrimento de ter a vida
radicada na transição, na espera.
Pode-se afirmar, assim, que o próprio significado da morte adquire,
nessa análise, um caráter teórico. Alphonsus não se refere absolutamente
à desintegração física, antes e de modo preferencial, tenta retratar a tensão
que se solidifica no se pôr a meditar sobre tal acontecimento. Assimile-
se, desse modo, que o assunto não se restringe à morte em si, embora
constantes sejam os símbolos referentes, mas à morte como extinção do ser,
como aniquilamento do indivíduo, distante de se limitar ao encerramento
dos processos metabólicos.
Sobre essa tensão, a qual orientou a produção de Alphonsus, apela-se
ao posicionamento de Kierkegaard, ao definir o desespero como doença
mortal:

Mas em outro sentido, mais categoricamente ainda, ele é a “doen-


ça mortal”. Porque bem longe de dele se morrer, ou de que esse
mal acabe com a morte física, a sua tortura, pelo contrário, está
em não se poder morrer, como se debate na agonia o mori-
bundo sem poder acabar. (KIERKEGAARD, 1979, p. 199).

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   25


Com tamanha exatidão de detalhes, Kierkegaard apresenta, na
filosofia, o que Alphonsus nos ofertou na poesia, o que transmite ser
perfeitamente cabível não só continuar a chamar-lhe poeta, como
também, utilizando o sentido pitagórico do termo, atribuir a Alphonsus
a designação de filósofo da morte: autor que, durante toda a vida, além
de buscar a compreensão, o significado, aspirou a registrar a terceiros suas
“meditações” poéticas sobre a sabedoria da morte. E mais, fê-lo com amor
pelo tema.
A fixação pelo fenômeno e o constante lamentar, o sofrimento, aponta-
nos, novamente ao discurso do filósofo dinamarquês, contemporâneo de
Alphonsus:

Nessa última acepção, o desespero é, portanto, a doença mor-


tal, esse suplício contraditório, essa enfermidade do eu: eterna-
mente morrer, morrer sem todavia morrer, morrer a morte. Porque
morrer significa que tudo está acabado, mas morrer a morte sig-
nifica viver a morte; e vivê-la um só instante, é vivê-la eterna-
mente. Para que se morresse de desespero como duma doença,
o que há de eterno em nós, no eu, deveria poder morrer, como
o corpo morrer de doença (KIERKEGAARD, 1979, p. 344).

Retrato fidelíssimo proporciona-nos Kierkegaard, do sentimento


de Alphonsus, para quem, nos próprios escritos, a morte seria o repouso,
o descanso. Morrer, para ele, diferentemente do que a muitos parece
objeto de fuga ou terror, significa esperança cujo oposto era o próprio
viver, estar condicionado à brevidade e à fugacidade dos dias. A proposta
de Alphonsus, por isso, diverge da concepção de Sartre, filósofo que
identifica a morte como simples parte da factualidade, isto é, de forma
alguma a existência condicionar-se-ia ao tal fato: principalmente porque
a factualidade está fora do campo de exercício de nossa liberdade. Sartre
infere que ao homem não se admite assumir qualquer posicionamento
diante da morte.
Com essa análise, percebe-se, claramente, a diferença de pontos
de vista entre Sartre e o filósofo alemão Martin Heidegger, dos quais

26 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012


outras proposições aparecem, ambas, por comparação, interiorizadas e
descritas na poesia de Alphonsus. Para Heidegger, a morte concretiza-
se como possibilidade mais próxima e verdadeira, ao passo que, a Sartre,
é inútil esperar por ela visto que esta representa a anulação de qualquer
possibilidade.
Sob o aspecto literário, é claro, percebemos uma maior tendência de
Guimaraens a representar a inquestionabilidade da morte. A simbologia,
contudo, utilizada pelo poeta, provoca uma associação à proposta de
Sartre, segundo a qual o que ocorre é a impossibilidade de se conhecer a
morte e afirmar quaisquer coisas sobre ela. Exemplos disso são as inúmeras
e distintas formas a que Alphonsus recorre na tentativa de descrever a
morte, sem, todavia, chegar a uma figura definitiva: ora é isto, ora é aquilo,
e sempre de modo subjetivo.
Vale citar o discurso de Heidegger com relação à morte:

A morte é uma possibilidade ontológica que a própria presença


sempre tem de assumir. Com a morte, a própria presença é impen-
dente em seu poder-ser mais próprio. Nessa possibilidade, o que está
em jogo para a presença é pura e simplesmente seu ser-no-mundo.
Sua morte é a possibilidade de poder não mais estar presente[...]
Sendo impendente para si, nela se desfazem todas as remissões
para outra presença.[...] Enquanto poder-ser, a presença não é ca-
paz de superar a possibilidade da morte. A morte é, em última in-
stância, a possibilidade da impossibilidade absoluta de presença.
Desse modo, a morte desentranha-se como a possibilidade mais
própria, irremissível e insuperável (HEIDEGGER, 1989, p. 32).

Mais uma vez, explicita-se o cunho filosófico da poesia de Alphonsus


de Guimaraens. Tal é a confiança na morte, que o poeta acaba por fazê-
la referencial não somente literário. Compreenda-se que, a palavra, no
sentido artístico, é trabalhada para a expressão do eu, para a manifestação
da presença. Por isso, com alusão a Suzanne Langer - que define “a forma
de uma obra de arte” como a expressão sentimental ou emocional e que
a própria forma artística é a forma dos sentimentos - apreendemos de

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   27


Alphonsus não só uma situação momentânea, uma inspiração provisória.
O processo de viver a morte é fio condutor de toda obra, é exercício
norteador da vida, que se exteriorizou na escrita.
Tomada, assim, como um desejo do eu-lírico, uma aspiração das mais
apaixonantes, pode-se relembrar, aqui, a proposta de Nietzsche, filósofo
para o qual, a morte é tida como expressão máxima da liberdade humana.
Apreenda-se, todavia, que não é a todo homem que, dessa maneira, tal
acontecimento se oferece. A morte só se reveste de um significado opcional
quando o indivíduo escolhe o momento e a forma pela qual chega a esse
estágio. Reserva-se ao homem, pois, determinar o modo sublime com
que atinge a morte. Isso não significa, porém, que ele possua o domínio
sobre o momento exato. Essa decisão encontra-se no campo da aceitação,
no sentido de se sentir livre para a vivência desse momento, de não viver
resignado ou tomado pela angústia diante da perspectiva.
Divergências à parte, quanto à forma de concepção da morte, retoma-
se o discurso de Kierkegaard, que pode ser mais oportunamente associado
a Alphonsus, no que se refere à tensão ante à morte:

Ilusão! No desespero, o morrer continuamente se transforma em


viver. Quem desespera não pode morrer; assim como um pun-
hal não serve para matar pensamentos, assim também o desespero,
verme imortal, fogo inextinguível, não devora a eternidade do eu,
que é o seu próprio sustentáculo (KIERKEGAARD, 1979, p. 199).

Ao realizar a reminiscência do posicionamento de Kierkegaard,


associamos a escrita de Alphonsus a esse desespero, a esse suplício, o qual
atingiria seu fim com a consumação da morte. Nos poemas do Solitário
de Mariana, a morte é pretendida, como já se mencionara em favor da
libertação do corpo. Os versos abaixo demonstram, com fidelidade, o
objetivo do autor: “Que chegue em breve o passo derradeiro:/ Oh” Dá-
me para o corpo os Sete Palmos, / para a Alma, que não morre, o céu
inteiro.”(ALPHONSUS apud MARQUES, 1998, p.83)
Distante de resolver por completo ou, ao menos, parcialmente
solucionar a problemática da exposição literária da morte em Alphonsus,

28 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012


o que se pode elucidar é que, verdadeiramente, o apelo à morte configura-
se com a própria agonia vivida em função dela; seja visualizada na morte
da noiva, seja na tentativa de depreender como se dá o próprio fim, seja
como expectativa de superar todos os obstáculos da vida turbulenta e
desgraçada.
E, embora não raros sejam os pensadores que tratam dessa experiência
de sofrimento, o mais apropriado, talvez, para essa abordagem, seja
novamente Kierkegaard:

Assim é o desespero, essa enfermidade do eu, “a doença mortal”. O


desesperado é um doente de morte. Mais do que em nenhuma outra
enfermidade, é o mais nobre do eu que nele é atacado pelo mal; mas
o homem não pode morrer dela. A morte não é neste caso o termo
da enfermidade: é um termo interminável. Salvar-nos dessa doença,
nem a morte o pode, pois aqui a doença, com o seu sofrimento e...
a morte, é não poder morrer (KIERKEGAARD, 1979, p. 199).

Para muito além da explicação biológica que caracteriza,


antiteticamente, o encerramento da vida, seja na literatura ou na filosofia,
o anseio de se explicar a morte implica na formulação de inúmeras teorias,
as quais, por vezes, complementam-se ou, não raramente, refutam-se.
Conveniente é saber que, relativamente à produção simbolista,
ninguém alcançou tanto prestígio no tratamento da morte como o
fez Alphonsus de Guimaraens. Poeta cuja respiração parecia exprimir
sentimentos de morte, dedicou-se com tal intensidade ao tema, sem,
contudo, deste poder afirmar qualquer coisa que não fosse a própria devoção
que por ele nutria e a esperança de que ela lhe chegasse, fosse como mãe
carinhosa que afaga, como futura esposa, como fantasmas que cercam ou
corvos que prefiguram o fim. Resta-nos, portanto, associar o fazer poético,
em Alphonsus, ao profundo amor à sabedoria da morte. Neste caso, uma
sabedoria distinta do rigor da pesquisa científica ou das investigações
puramente pertinentes ao dogmatismo religioso, a qual, ao mesmo tempo,
conduz, impele o leitor para um interesse mais radical acerca da existência
do eu-lírico demonstrado na arte: sua finitude corpórea, e mais que isso, a

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   29


efemeridade da vida, bem como o constante defrontar-se com a meditação
sobre o estágio derradeiro.

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Curso de Pós-graduação em Letras – Estudos Literários da Faculdade de Letras
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Campinas.

TERRA, Ernani & DE NICOLA, José. Gramática e Literatura. São Paulo:


Scipione, 2000.

Title: Death in Alphonsus de Guimaraens: Philosophical literary consideration


Authors: Danilo Augusto Carmargo; NogueiraEdson Renato Nardi.

ABSTRACT: The present paper proposes to identify philosophical elements


in the poetry of Alphonsus de Guimaraens. The insertion of the poet into the
Symbolist school becomes more sensitive to an attempt to demonstrate the
difficulty that this represents death. From an aesthetical point of view, therefore,
the objective is a brief description of the processes by which the author prints
to the text aspects of reflection on the experience of termination of life and all
the anguish that such expectations generates the self-lyrical. For the relationship
between philosophy and literature, references to Martin Heidegger and Sören
Kierkegaard have been used.

Keywords: Alphonsus de Guimaraens. Death. Poetry. Aesthetics. Philosophy.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   31


32 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012
Apontamentos sobre os poderes jurídico,
estratégico e disciplinar na constituição do
sujeito em Foucault
Lícia Frezza Pisa 1

Resumo: Este trabalho tem como fundamentação teórica as noções de poder


desenvolvidas e esmiuçadas por Michel Foucault para o estudo e compreensão da
constituição do indivíduo em sujeito em que o poder é contínuo e opera em ambientes
onde há liberdade. Abordaremos as faces do poder jurídico, estratégico e disciplinar
propostas nos trabalhos genealógicos do autor em que o sujeito passa a ser constituído
por mecanismos discursivos e não-discursivos e como cada poder atua diferentemente
nesta constituição, sendo o discurso o meio pelo qual o poder circula e atravessa os
indivíduos promovendo um certo controle social.

Palavras-chave: sujeito, poder, Foucault.

1
Mestre em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Especialista em Design de
Multimídia pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Graduada em Comunicação Social pelo Centro
Universitário de Franca (UNI-FACEF). Coordenadora do setor de Vídeoaulas e Tutora do Centro
Universitário Claretiano de Batatais (SP). E-mail: <liciafrezza@hotmail.com>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 33-50, jul./dez. 2012   33


1. Introdução

Os estudos de Michel Foucault são caracterizados pela diversidade


de investigações que trazem à tona questões sobre saberes, loucura, poder,
delinquência, sexualidade e sujeito, esse último sendo o foco principal
de suas pesquisas e sua maior inquietação. Para Foucault o poder não é
tratado como uma teoria, visto que o poder não é apreendido como objeto
a ser estudado, nem mesmo é definido com características universais e,
tampouco, passível de generalização e reduplicação. O poder é uma
prática social, emerge das/nas relações entre os indivíduos, não pertence
a alguém ou é exercido por alguém, sendo microfísico. Para visualizarmos
de maneira resumida, o pensamento de Foucault passou por três fases:
a) Arqueologia do saber (1961-1969): privilegiou a investigação
sobre as ciências humanas, como se dava o cruzamento dos saberes com
as estruturas sociais, como os discursos passaram a ter status de verdade,
como o sujeito se tornava objeto das ciências humanas e, desse modo, como
certos discursos o tornavam objeto de saber. Os discursos estariam tomados
pelas relações de poder e a sua validação como verdade estaria implicada
em certos jogos de verdade: onde está inserido e quem pronuncia certos
discursos. A maneira pela qual os discursos se tornam mecanismos para
os dispositivos do poder é o foco da segunda fase de Foucault, a qual trata
da genealogia do poder, que a partir daí, passa a ir além dos mecanismos
discursivos, passa a olhar também para os mecanismos não-discursivos;
b) Genealogia do poder (1970-1979): o poder começa a ser encarado
sem rei, pois deixa de ser entendido como apenas hierárquico, linear, estatal
ou como pertencendo a alguém, para ser visto no seu funcionamento
microfísico e disperso. Nessa fase, o sujeito é aquele que é constituído
pelos mecanismos de poder, seja de ordem discursiva (discursos e saberes)
ou não-discursiva (instituições). Com o entendimento dos mecanismos
de poder na produção de certos modos de subjetivação, Foucault passa
para a terceira fase, em que se propõe a pensar os sujeitos em relação à ética
e ao exercício da liberdade;

  34 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 33-50, jul./dez. 2012


c) Ética e o cuidado de si (1980-1984): o sujeito seria livre e capaz
de cuidar de si mesmo, segundo uma dada prática refletida de liberdade,
não se colocando externamente ao poder, mas resistindo internamente à
sua dinâmica.
Assim, abordaremos algumas faces do poder propostas nos
trabalhos genealógicos de Foucault em que focaliza as relações de poder
e o funcionamento dos discursos: (i) o poder jurídico ou poder-lei, em
que o poder ganha status de negação, interdição, censura; (ii) o poder
estratégico ou poder-prazer, em que o poder não nega ou proíbe, mas
incita; não interdita, mas deixa falar, circular e, com isso, vincula-se à
formação de saberes, como é o caso da confissão, que visa levar o sujeito
a falar indefinidamente e exaustivamente de si para um dado interlocutor
legitimado a ocupar esta posição; (iii) e o poder disciplinar, cujo objetivo
é normatizar as condutas, os corpos, os comportamentos e os discursos,
constituindo corpos “dóceis e úteis” (FOUCAULT, 1975), gerindo e
registrando informações, criando estatísticas, entre outros.
Cabe ressaltar que poder, discurso e sujeito estão implicados
mutuamente: os indivíduos ao reconhecerem certos discursos e saberes
como legítimos e verdadeiros, se apropriam deles, constituindo-se em
sujeitos, sendo os discursos atravessados pelo poder e controlados em toda
a sociedade (FOUCAULT, 1970), seja pela incitação, seja pela exclusão,
seja pelo interdito.

2. Noções de poder: jurídico e estratégico

O poder para Foucault não é apenas institucional, não opera apenas


pela forma da lei jurídica ou pela lógica da dominação, da relação autoritária
e da regra. O poder é heterogêneo e existe como uma multiplicidade de
forças dentro de um mesmo domínio. Esse é o seu ordenamento; o poder
tem várias faces e várias instâncias. Na fala de Foucault (1988, p.103), “o
poder não é uma instituição e nem uma estrutura, não é uma certa potência
de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica
complexa numa sociedade determinada”.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 33-50, jul./dez. 2012   35


Podemos entender que o poder não opera apenas censurando,
reprimindo, pois “o que faz com que o poder se mantenha e que seja
aceito é simplesmente que ele não pesa só como a força que diz não, mas
que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber,
produz discurso” (FOUCAULT, 1999, p. 8). Com seus estudos sobre a
produção da sexualidade no Ocidente, Foucault ratificou sua tese de que
o poder ou as relações de poder não operam apenas hierarquicamente e
de forma negativa, mas, de forma difusa e produtiva, atravessam todos os
domínios, sejam eles oficiais ou cotidianos. Assim, há duas dinâmicas de
poder descritas (em torno do sexo) por Foucault: o poder jurídico, que
opera pela repressão e pela censura; e o poder estratégico, que opera pela
incitação, pelo prazer e pela intensificação (FOUCAULT, 1988).
O poder jurídico ou poder-lei opera de forma negativa, rejeitando,
excluindo, recusando, dizendo o que é lícito ou ilícito, interditando,
proibindo o tocar, o falar, o consumir. Esse poder apresenta cinco
características:
- a relação negativa em que o poder opera rejeitando, excluindo,
recusando ou também ocultando e mascarando;
- a instância da regra em que o poder seria o criador das leis, a instância
da ordem que permite o que é lícito ou ilícito por meio das regras: “a
forma pura do poder se encontra na função do legislador; e seu modo
de ação com respeito ao sexo seria o jurídico-discursivo” (FOUCAULT,
1988, p. 94);
- o ciclo da interdição em que a proibição toma a forma mais aparente,
não permitindo se aproximar, não deixando falar, não podendo aparecer,
não podendo consumir, não podendo ter prazer. Essa proibição opera pelo
castigo e tem dupla inexistência, seja por aquilo que se anule (proibição)
ou se apague (castigo);
- a lógica da censura em que a interdição apresenta três formas interligadas
de modo a silenciar o discurso: mostrar o que é proibido, não permitir que se
diga o que é proibido e negar que exista esse algo proibido; e
- a unidade do dispositivo em que o poder tido como direito, lei,
jurídico, permeia todas as camadas da população, instituições, instâncias,

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está em todos os níveis de forma uniforme e agiria de acordo com a
interdição e com a censura e, desse modo, as relações de submissão estariam
presentes, estando então o sujeito numa condição de assujeitamento a esse
poder-lei.
Diferentemente, o poder estratégico, ou poder-prazer, opera de
maneira criativa e sutil, tendo como características circular e não ter
ninguém que o domine ou o compartilhe; não ser hierárquico e nem
impositivo; ser constitutivo das relações; não operar de maneira binária;
não ser fruto de uma intenção subjetiva; e não ter um ponto de resistência
exterior, mas resistências múltiplas inscritas na sua própria dinâmica,
móveis e transitórias.
Desse modo, pensar o funcionamento político das relações
valorizando certas práticas, certas verdades, certos discursos, implica
pensar como essas práticas e verdades estão inseridas numa rede de
produção e circulação que valoriza certos discursos e não outros e produz
certas verdades e não outras.

Trata-se, portanto, de levar a sério esses dispositivos e de inverter


a direção da análise: ao invés de partir de uma repressão geral-
mente aceita e de uma ignorância avaliada de acordo com o que
supomos saber, é necessário considerar esses mecanismos posi-
tivos, produtores de saber, multiplicadores de discursos, indu-
tores de prazer e geradores de poder (FOUCAULT, 1988, p. 83).

Assim, podemos pensar na maneira como o poder atua, tomando


como base certas “regras metodológicas” propostas por Foucault (1988):
- regra de imanência: a relação saber-poder gera certo conhecimento
de estatuto verdadeiro produzido por procedimentos de poder. Tais
procedimentos incluem a observação, a confissão, a transcrição, a gravação,
o registro, etc., existentes e legitimadas por certos tipos de relação, como
“por exemplo, as relações que se estabelecem entre penitente e confessor,
ou fiel e diretor de consciência” (FOUCAULT, 1988, p. 109);
- regra das variações contínuas: a relação poder-saber não é estática,

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mas dinâmica, pois as relações de força vão operando modificações: “as
relações de poder-saber não são formas dadas de repartição, são matrizes
de transformações” (FOUCAULT, 1988, p. 110);
- regra do duplo condicionamento: as relações de poder não são
unilaterais, impositivas ou homogêneas, “ao contrário, deve-se pensar
em duplo condicionamento, de uma estratégia, através da especificidade
de táticas possíveis e, das táticas pelo invólucro estratégico que as faz
funcionar” (idem, p. 110); e
- regra da polivalência tática dos discursos: a relação poder-saber se
articula de forma a produzir vários discursos de diversas ordens falando
sobre o mesmo tema.
Fica evidente a capacidade do discurso em produzir e veicular poder
e, desta forma, também resistir, mediante reação, aprovação, legitimidade,
contestação, porém, sempre inseridos na mesma estratégia:

[...] não existe um discurso do poder de um lado e, em face dele,


um outro contraposto. Os discursos são elementos ou blocos
táticos no campo das correlações de força; podem existir dis-
cursos diferentes e mesmo contraditórios dentro de uma mesma
estratégia; podem, ao contrário, circular sem mudar de forma
entre estratégias opostas (FOUCAULT, 1988, p. 112-113).

A resistência é necessária aos mecanismos de poder, pois é capaz


de lhe dar novas formas, trazer à tona novos discursos, fazer ver outras
possibilidades, o que só é possível em espaços de liberdade, ou seja, o
poder circula apenas onde é possível fazer escolhas.
Conforme visto, o poder-estratégico opera produzindo saber: toda
produção de um discurso de verdade se apoia em relações de poder. Com
isso, em seus trabalhos sobre poder-saber, Foucault questiona: como
o poder atua sobre determinados “fatos” produzindo certos discursos
verdadeiros? Por exemplo, em torno da loucura são produzidos discursos
sobre a psiquiatria, sobre as clínicas, sobre a instituição asilar, sobre o
isolamento e a repressão; do mesmo modo, a sexualidade serviu de mote
para a produção de discursos sobre o sujeito, o como agir e desejar, como

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se comportar, sobre a pedagogia infantil, sobre a histeria das mulheres,
sobre as campanhas anti-masturbatórias, sobre o ideal de casal, sobre a
forma de administração do prazer, etc.
Dada a relação posta por Foucault em História da Sexualidade vol.
01 (1988), entre o poder e a produção discursiva em torno da sexualidade,
não interessa ao filósofo fazer um estudo histórico sobre as proibições
(poder jurídico), mas entender outros tipos de poderes e suas atuações,
no sentido de destrinchar uma história política das produções de verdade
no Ocidente, sendo que a produção do discurso científico no Ocidente
se deu pela vontade de saber (1988), mediante procedimentos políticos,
como o interrogatório, o exame, a confissão, a formação de arquivos, etc.
O que o autor queria não era pesquisar e encontrar verdades ocultas,
mas dar visibilidade ao que já era visível, ou seja, “fazer aparecer o que
está tão perto, o que é tão imediato, o que está tão intimamente ligado
a nós mesmos que exatamente por isso não o percebemos [...] fazer ver
o que vemos” (Foucault apud ARTIÈRES, 2004, p. 15) e, sendo assim,
cabe questionar de que maneira as relações de poder atuam produzindo
discursos, verdades, comportamentos, etc. Nas palavras de Foucault isso
se dá, de forma geral, pelo domínio científico.
Neste mesmo estudo (1988), Foucault propõe que a partir do
século XVI – muito longe de um silenciamento em torno do sexo –
houve uma proliferação de discursos sobre o sexo, que passaram a circular
intensamente nos meios institucionais como a escola, a Igreja e a família,
além de se tornarem objeto de interesse de saberes advindos da medicina
e da pedagogia, por exemplo. Podemos dizer que essa publicação
foi revolucionária, pois rompeu com o conceito de poder até então
entendido como soberano, trazendo novas concepções de efeitos, modo
de funcionamento e principalmente sobre a própria natureza do poder,
pois se propôs a pensar o poder sem rei e sem lei.
O que ocorreu foi que, ao invés de reprimir e silenciar as práticas
sexuais, o poder operou pela fala, a inclusão, a incitação, e, assim, quanto
mais informações sobre o sexo, mais seria possível controlá-lo. A lógica
do poder, então, passou da imposição hierárquica, em que atuava

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censurando, para a microfísica do poder, entendido como um poder que
não se pode possuir, que não existe em si mesmo, pois está inserido em
todas as relações, que se exerce, se pratica. O poder circula, por isso não é
hierárquico e não pertence a alguém ou a alguma classe e, sendo circulante,
ele retorna, dinamiza, produz novos efeitos, se reconfigura: “[...] o poder
é precisamente o elemento informal que passa entre as formas do saber,
ou por baixo delas. Por isso ele é dito microfísico” (DELEUZE, 1992, p.
122).
Decorre desta inversão, a proliferação das formas de discurso sobre o
sexo (como se fala, onde se fala) ao invés da sua repressão, potencializando
os efeitos cotidianos de controle, sendo que o importante não é “determinar
se essas produções discursivas e esses efeitos de poder levam a formular
a verdade do sexo ou, ao contrário, mentiras destinadas a ocultá-lo, mas
revelar a “vontade de saber” (FOUCAULT, 1988, p. 18). Com isso, a
discursivização do sexo se filia a uma vontade de saber que procura, a partir
do século XVIII, constituir uma verdade com estatuto de conhecimento
e não mais com estatuto de ritual. Essa diferença se dá da seguinte forma:
com a prova/ritual havia uma verdade que era suscitada por meio de
rituais; possuía um teor místico, pois envolvia regras de comportamento,
prescrições, procedimentos, etc., que agiam em torno da verdade construída
como segredo. Já a verdade-conhecimento/acontecimento se dá quando
a verdade passa a assumir a forma de conhecimento, com suas normas e
regras de produção, diferente da verdade/ritual. Essa passagem do ritual
ao conhecimento se deu no Ocidente no final da idade Média por causa
das transformações nas sociedades, como a emergência de um poder do
Estado, as relações comerciais que se expandiram e as novas técnicas de
produção econômica (FOUCAULT, 1999). A verdade, então, passou a
ser legitimada pelo domínio científico segundo certos procedimentos de
poder.
A proliferação de discursos em torno do sexo tem, no Ocidente,
uma ligação com a procura da verdade, a verdade do sujeito humano,
como por exemplo, o sexo deixa de estar ligado apenas à reprodução
de novos indivíduos e à constituição e manutenção das famílias; a

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sexualidade passa a ser entendida como constitutiva do sujeito, em
diferentes níveis e aplicações. Desse modo, “o sexo foi o núcleo onde
se aloja, juntamente com o devir de nossa espécie, nossa “verdade” de
sujeito humano” (FOUCAULT, 1999, p. 127), isso desde a Antiguidade
até a Contemporaneidade. Contudo, não se trata do mesmo estatuto de
verdade em diferentes épocas. Modernamente, a vontade de saber se apoia
nos discursos e práticas científicas.
Um breve histórico sobre a vontade de saber sobre o sexo
(FOUCAULT, 1988) mostra que a igreja cristã, detentora de poderes
sobre os fiéis, passa a ser também detentora da verdade dos sujeitos, por
meio do conhecimento da vida sexual dos mesmos e fazia esse controle
através das confissões, que possibilitavam a produção de um certo tipo de
conhecimento sobre a sexualidade. Tal conhecimento englobava as ideias
e práticas de pecado, penitência, proibição, desejos e salvação, de forma
que para se ter uma existência “digna” era preciso seguir exatamente o
que a Igreja dizia e, certamente, a iluminação divina não estava ligada aos
prazeres sexuais.

A confissão, o exame de consciência, toda uma insistência sobre os


segredos e a importância da carne não foram somente um meio de
proibir o sexo ou afastá-lo o mais possível da consciência; foi uma
forma de colocar a sexualidade no centro da existência e de ligar a
salvação ao domínio de seus movimentos obscuros. O sexo foi aq-
uilo que, nas sociedades cristãs, era preciso examinar, vigiar, con-
fessar, transformar em discurso (FOUCAULT, 1999, p. 127).

Desse modo, havia uma certa polícia, uma fiscalização religiosa


dos enunciados em torno do sexo, em que havia regras de decência, de
vocabulário permitido, de locais onde era permitido falar sobre o sexo e de
pessoas com quem falar sobre o assunto. Assim, era de extrema importância
para a Igreja (na Contra-Reforma) a questão da penitência, ligada à forma
de fazer dos desejos um discurso.
Contudo, o procedimento da confissão não ficou restrito ao domínio
religioso. Segundo Foucault (1988), a partir do século XVIII, esse

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procedimento se transportou das instâncias religiosas para outras, como a
científica. O filósofo apresenta algumas justificativas para que a confissão
sexual pudesse ser incorporada pelas instâncias científicas (p. 75-76):
a) através de uma codificação clínica do “fazer falar”: atrelar a confissão
ao exame, ou seja, a um conjunto de sintomas que fazem parte de um
campo de análises aceitas cientificamente e que devem ser verbalizados;
b) através do postulado de uma causalidade geral e difusa: o sexo,
ao ser posto como a causa das doenças, passa a ser discursivamente
extorquido;
c) através do princípio de uma latência intrínseca à sexualidade: o sexo,
tendo uma natureza esquiva, precisaria ser arrancado por procedimentos
de poder que fossem cada vez mais sutis e plurais: “O princípio essencial
de uma latência essencial à sexualidade permite articular a coerção de uma
confissão difícil a uma prática científica” (FOUCAULT, 1988, p. 76);
d) através do método de interpretação: a verdade não está no
confessante, mas em quem ouve e interpreta a confissão e a transforma em
discurso de verdade;
e) através da medicalização dos efeitos da confissão: a confissão é
sobreposta a procedimentos terapêuticos: “a verdade cura quando dita a
tempo, quando é dita a quem é devido e por quem é, ao mesmo tempo, seu
detentor e responsável” (FOUCAULT, 1988, p. 77).
Assim, a verdade sobre o sexo por volta do século XVIII passa
a ser incitada de forma política, econômica e técnica, passando a ser
contabilizada, classificada, pesquisada e regulada por meio de discursos
públicos (não pela proibição), pois passou a ser encarada como um saber
necessário para a gestão não só dos indivíduos, mas também da população
em termos de controle da natalidade, fecundidade, práticas contraceptivas,
morbidade, esperança de vida, doenças, alimentação, habitação, frequência
das relações sexuais, etc.

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2.1 Noções de poder: disciplinar

Em seus trabalhos sobre a história da violência nas prisões (1975),


Foucault analisou a dinâmica do poder pelo viés das disciplinas, pois
percebeu que a partir do séc. XVII e XVIII o poder passou a operar segundo
a lógica da vigilância, e não mais segundo o modelo soberano e hierárquico,
passando a atuar normatizando as condutas, os comportamentos, os
corpos, os discursos, etc. Para Foucault (1999), o poder disciplinar foi
uma das invenções da burguesia, pois serviu para condicionar os homens
e, consequentemente, para constituir o capitalismo industrial, porém, a
emergência desse poder não implicou o apagamento do poder jurídico-
soberano, que continuou existindo tanto “como uma ideologia do direito
como também organizando os códigos jurídicos” (FOUCAULT, 1999,
p. 105).
Duas características definem o poder disciplinar. A primeira diz
respeito a um certo modo terminal de maneira a penetrar os corpos, os
gestos, os comportamentos, as palavras, os discursos: “em outras palavras,
creio que o poder disciplinar é certa modalidade, bem específica da
nossa sociedade, do que poderíamos chamar de contato sináptico corpo-
poder” (Foucault, 1973, p. 51). A segunda diz respeito à emergência
histórica desse poder: antes ainda da Reforma Protestante, esse poder
foi se configurando nas comunidades religiosas, passando, em seguida, às
comunidades laicas. O poder disciplinar herdou certas técnicas da vida no
convento, como exercícios religiosos para serem aplicados, continuamente
e repetidamente, à vida cotidiana dos indivíduos. Essas técnicas foram se
difundindo, sobretudo nos séculos XVII e XVIII.

Este novo mecanismo de poder apoia-se mais nos corpos e seus atos
do que na terra e seus produtos. É um mecanismo que permite extrair
dos corpos tempo e trabalho mais do que bens e riqueza. É um tipo de
poder que se exerce continuamente através da vigilância e não descon-
tinuamente por meio de sistemas de taxas e obrigações distribuídas no
tempo; que supõe mais um sistema minucioso de coerções materiais do
que a existência física de um soberano (FOUCAULT, 1999, p. 105).

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O poder disciplinar sucedeu, sem, contudo, aniquilar, o poder de
soberania, que criava uma relação assimétrica entre soberano e súdito
em que o soberano recolhia tudo em seu favor: armas, colheitas, força de
trabalho, tempo e produtos, sendo que o súdito ainda ficava em débito
com o seu senhor, o que, como resistência, poderia resultar em guerras,
saques, revoltas, depredações, etc. Outro ponto importante para se pensar
o poder de soberania é o fato desse poder se legitimar por meio de rituais
que invocassem e reforçassem a relação do soberano com o divino, como
uma vitória ou uma conquista: é como se o soberano fosse agraciado e
legitimado pelas leis divinas e, com isso, pudesse ter seus direitos passados
para os parentes de mesmo sangue. O poder de soberania tinha como
atributo o direito de vida e de morte sobre seus súditos, ou seja, deixar
viver ou fazer morrer a partir do momento que o soberano tinha o “direito
de espada” (FOUCAULT, 1976, p. 287) e poderia matar.
Em meados do século XVII o modelo de poder disciplinar
começou a aparecer no sistema militar, nos exércitos, que até então eram
formados por pessoas recrutadas apenas quando havia a necessidade, sem
qualquer regularidade ou treinamento contínuo prévio. Esse modelo se
potencializou no quartel, onde os soldados ficavam o tempo todo ocupados,
sujeitos a um controle dos seus corpos, a um regime de treinamento, a
uma disciplina contínua e regular. Nasce, no exército, o adestramento,
pela repetição de marchas, dos movimentos, do treino das resistências, do
condicionamento, etc. Trata-se de um trabalho progressivo, repetitivo e
gradual sobre o corpo e os gestos dos soldados.
O nascimento da disciplinarização das instituições não significa que
outros processos disciplinares não existissem, por exemplo, nas escolas
e nos conventos. Mas, o que fez com que esse poder disciplinar tenha
tido tanta importância no século XVIII? Basicamente, por se tornar
modelo de dominação, pois diferente da escravidão, da domesticidade,
da vassalagem e de disciplinas monásticas, o poder disciplinar aplica uma
política de coerções, trata o corpo humano como máquina, aumenta a sua
força utilitária e econômica, suas aptidões e torna mais evidente uma certa
dominação. Pensando na produção de corpos “dóceis e úteis” temos que

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“a disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”
(FOUCAULT, 1975, p. 119).
Foucault simboliza o marco do poder disciplinar na invenção
do panóptico, por Bentham2 (1791) - assim como a sua eclosão social
enquanto disciplina social generalizada -, que funcionava com uma torre
central rodeada de celas vazadas dos dois lados (dentro e fora da construção)
por janelas, de modo que quem ocupasse a cela pudesse ser vigiado
constantemente: “devido ao efeito de contraluz, pode-se perceber da torre,
recortando-se na luminosidade, as pequenas silhuetas prisioneiras nas celas
da periferia” (FOUCAULT, 1999, p. 115). O panóptico, assim, agiria como
efeito duplo de normatização, pois de forma contínua a normatização das
condutas age até chegar ao ponto do próprio sujeito ser o vigilante de si
mesmo, e também na observação individualizante, produzindo saberes por
meio da classificação, do exame, do registro contínuo, dos relatórios, etc., e
isso sem a utilização de armas, violência, imposições ou coações.

Apenas um olhar. Um olhar que vigia e que cada um, sentindo-o


pesar sobre si, acabará por interiorizar, a ponto de observar a si
mesmo; sendo assim, cada um exercerá esta vigilância sobre e con-
tra si mesmo. Fórmula maravilhosa: um poder contínuo e de
custo afinal de contas irrisório (FOUCAULT, 1999, p. 120).

No sistema panóptico, a desconfiança é total e não está estabelecida


em um ponto apenas, ela circula de modo que todos são vigiados por
todos: “a perfeição da vigilância é uma soma de malevolências” (idem,
p. 122). Assim, no final das contas, o que potencializa a funcionalidade
do panóptico não é, por exemplo, o ato criminoso, ilícito, mas quem
pratica esse ato saber que será recriminado e, com isso, temos o controle
da alma, da mente e dos corpos. O poder disciplinar age em direção ao
futuro, quando a vigilância passa a ser virtual, ou seja, quando o próprio
sujeito se vigia a ponto de evitar comportamentos e ações que poderiam
ser condenadas ou punidas.
2
Jeremy Bentham, filósofo e jurista inglês, pensou o Panóptico como modelo prisional.

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A disciplina atua nos espaços distribuindo os indivíduos com as cercas
(encarceramento; divisão do espaço como nas escolas), com a clausura,
com as localizações funcionais (lugares determinados para potencializar a
vigilância), com a posição que ocupa (individualiza pelo lugar que ocupa
em determinada divisão: classifica o indivíduo).
Para a disciplina funcionar de modo eficaz adestrando os indivíduos,
há três grandes instrumentos em operação: “o olhar hierárquico, a sanção
normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico:
o exame” (FOUCAULT, 1975, p. 143). O olhar hierárquico atua de modo
a ver, a registrar, a controlar, a observar não apenas de forma exterior, mas
também controlar no interior as ações. Um exemplo desse instrumento
é o acampamento militar, em que a visibilidade deveria ser geral, todos
vigiando todos e isso se dá pela organização, como a distribuição das
tendas e o local ideal da entrada, a localização das filas, etc. O olhar
define a geografia dos espaços, no hospital, nas casas das famílias, nas
escolas, etc. A sanção normalizadora é o instrumento que qualifica certos
comportamentos e se permite punir com castigos os que não seguem a
sua norma. Esses castigos são corretivos e tem a função de evitar e reduzir
certos desvios da norma, colocando em funcionamento algumas operações,
como “relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares
a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de
diferenciação e princípio de uma regra a seguir” (FOUCAULT, 1975,
p. 152). Por fim, o exame une técnicas do olhar hierárquico e da sanção
normalizadora, sendo um controle que visa qualificar, classificar e punir,
por meio do exame ritualizado. No hospital, por exemplo, se apresenta pelo
exame médico, feito por meio da visita aos leitos, o registro dos sintomas.
A escola também apresenta o exame para sancionar o aprendizado com
provas mensais, relatórios, etc.
Podemos entender o exame segundo Fonseca (2003) da seguinte
forma:
da combinação dos processos de vigilância com os de sanção nor-
malizadora surge o instrumento do exame. Pela reunião de rela-
ções de poder de que estão investidos os mecanismos que o con-

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stituem e pela produção de um campo de saber que efetuam, o
exame aparece na economia da disciplina como o meio de real-
ização de suas funções enquanto estratégia política. É pelo ex-
ame, pretendido pelas disciplinas, que se torna possível o inves-
timento político sobre os indivíduos e as instituições (p. 60).

Além disso, enquanto a manutenção do poder de soberania se dava


pelo estigma, o poder disciplinar se mantém pela tecnologia (política) da
escrita, ou seja, pelo fato de registrar continuamente e detalhadamente as
condutas, como o que se faz, o que acontece, o que se diz, como se circula,
tudo o que pode ser observado na escola, nas oficinas, na polícia. Assim,
pela escrita como tecnologia de poder é possível descrever

a constituição do indivíduo como objeto descritível, analisável, não


contudo para reduzi-lo a traços “específicos”, como fazem os natu-
ralistas a respeito dos seres vivos; mas para mantê-lo em seus traços
singulares, em sua evolução particular, em suas aptidões ou capaci-
dades próprias, sob o controle de um saber permanente; e por outro
lado a constituição de um sistema comparativo que permite a me-
dida de fenômenos globais, a descrição de grupos, a caracterização
de fatos coletivos, a estimativa dos desvios dos indivíduos entre si,
sua distribuição numa “população”(FOUCAULT, 1975, p. 158).

Assim, o poder disciplinar pode ser entendido como um sistema


de controle contínuo, de visibilidade total e isotópico, ou seja, não é
classificável, não é ordenado e não é linear.

3. Considerações

Feita esta exposição sobre o funcionamento do poder, é possível


observar como o poder jurídico, o poder estratégico e o poder disciplinar
operam produzindo efeitos na constituição dos sujeitos, como: certas
práticas de falar de si, de apagamento de certos discursos, de circular, de

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se relacionar, de construção de um dado modo de ser, de uma identidade,
de como as relações de poder podem mudar e enfatizar certos termos,
enfraquecer outros e gerar resistências.
Observa-se, que pelo poder disciplinar, pela observação do detalhe,
é que surge o sujeito como realidade histórica, sendo fruto das forças
produtivas e políticas e sendo um corpo assujeitado, visto que é colocado
em sistemas de normatização. Desse modo, podemos entender como a
sexualidade foi importante estrategicamente para o funcionamento do
poder, pois, por ser corporal, dependia de um controle sobre o corpo.
Controle que era tanto individual, porque a vigilância recaía sobre as
condutas e os comportamentos dos indivíduos, como geral, porque
visava uma regulamentação da procriação e dos processos biológicos
(natalidade, mortalidade) da população: “a sexualidade está exatamente
na encruzilhada do corpo e da população. Portanto, ela depende da
disciplina, mas depende também da regulamentação” (FOUCAULT,
1976, p. 300). Observa-se também que a incitação a falar sobre o sexo,
por meio do poder estratégico, foi capaz de produzir uma verdade sobre o
sujeito humano, deixando de ser visto apenas ligado à reprodução e quanto
mais informações se tinha sobre o sexo, mais seria possível controlá-lo.
Desse modo, podemos compreender o sujeito histórico constituído
em relação à dinâmica do poder em diferentes épocas, como por exemplo:
na idade média a subjetividade estava ligada ao fato de se participar da
vida espiritual (religiosa) em vista de uma salvação perante Deus; no
século XIX, a subjetividade poderia ser entendida como luta contra a
exploração, força de produção, lutas de classe, etc.; na contemporaneidade,
a subjetivação não está mais ligada aos céus e nem ao limite do próprio
corpo, o homem se constitui virtualmente, através de fios de informação
que conectam lugares longínquos.
Temos, então, que o poder não é estático, ele vai se reciclando,
se renovando, pois de tempos em tempos os poderes vão mudando,
configurando novos regimes de fazer, de falar de si, de agir, etc. O poder
não é algo que se domine ou compartilhe, ele circula e é também efeito
dessa circulação, funcionando em rede. Ele não se localiza nos indivíduos,

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ele atravessa os indivíduos, fazendo com que o indivíduo se torne sujeito
enquanto inscrito em certos regimes de subjetivação, havendo sempre a
possibilidade de resistência, pois para haver poder é preciso ter espaço
de liberdade: os indivíduos precisam ter a possibilidade de reagir de
alguma maneira ao poder que lhe é colocado e “para resistir, é preciso que
a resistência seja como o poder. Tão inventiva, tão móvel, tão produtiva
quanto ele. Que, como ele, venha de ‘baixo’ e se distribua estrategicamente”
(FOUCAULT, 1999, p. 136), pois os poderes operam de maneira criativa
e não de maneira repressora, oferecendo a possibilidade de mudança num
espaço em que há a sensação de não haver um poder hierárquico regulando
as condutas, os dizeres.
Ressaltamos o quão relevante se apresenta as noções de poder para
se analisar como os saberes sobre os sujeitos são produzidos na sociedade
contemporânea e destacamos que uma das possibilidades de se apreender
certos discursos com a tecnologia da web 2.0 está em mecanismos que
colocam o indivíduo a falar sobre si, como nos blogs, em sites de busca e
em redes sociais, em que para se cadastrar é necessário o preenchimento
de várias informações (o perfil), o que podemos compreender como
um novo mecanismo de confissão, incitado pelo poder estratégico de
circulação, visibilidade e audiência e, também, por um poder disciplinar
que armazena essas informações em banco de dados, analisa, produz
estatísticas, controle e saberes.

Referências

ARTIÈRES, Philippe. Dizer a atualidade: o trabalho de diagnóstico em Michel


Foucault. In: GROS, Frédéric (org.). Foucault: a coragem da verdade. Tradução
de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2004.

DELEUZE, Gilles. Conversações (1972-1990). Trad.: Peter Pál Pelbart. São


Paulo: Editora 34, 1992.

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FONSECA, Márcio Alves. Michel Foucault e a constituição do sujeito. São
Paulo: Educ, 2003.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso (1970). Disponível em: <http://


www.scribd.com/doc/2520353/Michel-Foucault-A-Ordem-do-Discurso>
Acesso em 20 dez. 2010.

______. Vigiar e Punir. 30. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1975.

______. História da Sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,


1988.
______. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Rabinow. Michel Foucault, uma
trajetória filosófica. Tradução Vera Porto Carreiro. Rio de Janeiro: Forense,
1995.
______. Microfísica do Poder. 14.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999.

______. Aula de 17 de Março de 1976. In: ______. Em defesa da sociedade.


São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 285-315.

Title: Notes on the legal, strategic and discipline powers in the subjects
constitution in Foucault.
Author: Lícia Frezza Pisa.

ABSTRACT: This work has the theoretical the notions of power developed by
Michel Foucault and teased for the study and understanding of the constitution
of the individual in subject in which power is continuous and operates in
environments where there is freedom. We will cover the faces of juridical power,
discipline and strategic proposals in genealogical work of the author on the
subject shall be constituted by discursive mechanisms and non-discursive and
how each operates differently in this constitution, being the speech the medium
through which power circulates and crosses the individuals promoting a certain
social control.
Keywords: Subject. Power. Foucault.

  50 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 33-50, jul./dez. 2012


O Ser em São Tomas de Aquino

Luiz Fernando dos Santos 1

Daniel Lipparelli Fernandez 2

Resumo: O presente artigo denominado “O Ser em São Tomás de Aquino” tem por
objetivo levar-nos a compreender todo o processo filosófico e teológico que Tomás de
Aquino percorreu para suprir e responder aos questionamentos que eram feitos no período
em que vivia. Este encontra na filosofia grega, especialmente em Aristóteles, o sustento e
apoio necessário para desenvolver todo seu pensamento. Aristóteles é cristianizado, ganha
uma nova roupagem diante da nova visão que Tomás de Aquino estabelece na filosofia.
É evidente que ele não toma para si todo o pensamento filosófico de Aristóteles para
construir o seu, visto que entre o Deus de Aristóteles e o Deus de são Tomás de Aquino
há grande diferença, como por exemplo, o fato de em Aristóteles, Deus não conhecer as
coisas, já em Tomás ele não só conhece como cuida das criaturas. Ao escrever sua obra
juvenil “Ente e Essência” Tomás de Aquino vai usufruir não só do pensamento aristotélico,
mas também do aviceniano. Desse ultimo, ele vai tomar a contribuição que o mesmo dá
tendo como base o pensamento de Aristóteles. Diz Avicena: “Deus não só é causa motora
dos seres, mas causa criadora”. Em suma, Tomás de Aquino vai demonstrar em sua obra
“Ente e Essência” que existe uma hierarquia entre os seres. Define o significado do que
é Essência, Ente, Existência, e vai classificar hierarquicamente a posição da substância
simples, substância simples criada e substância composta.

Palavras chave: Aristóteles. Filosofia. Avicena. São Tomás de Aquino.

1
Formado em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano no ano de 2011. Professor de Filosofia nas escolas
EE Estevam Ferri e EE Dorival Monteiro na cidade de São José dos Campos - SP. E-mail: <nandosantoscatolic@
hotmail.com>.
2
Orientador. Mestre em História pela Pontíficia Universidade Católica de São Paulo – PUC. Professor do
Centro Universitário Claretiano de Batatais e Professor do Instituto São José. E-mail: <danielfernandez@
claretiano.edu.br>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012   51


1. LIVRO XII DA METAFÍSICA DE ARISTÓTELES

Aristóteles (1969) inicia seu livro XII da Metafísica dizendo que:
“A substância é o objeto de nossa pesquisa”. Ela vem em primeiro lugar e é
partindo dela que se chega até as outras coisas. Sendo assim, nenhuma das
categorias, fora a substância, pode existir separadamente.
Existem três espécies de substância. Duas são sensíveis, sendo uma
eterna e uma perecível. Esta última é reconhecida por todos e inclui, por
exemplo, as plantas e os animais. A terceira é a substância imóvel, que
certos filósofos afirmam ser capaz de existir independentemente, ou seja,
ela vem antes dos seres e dá movimento a eles. A planta e o homem são
substâncias perecíveis, ou seja, morrem. A substância eterna é a alma e a
terceira substância é o primeiro motor.
A substância sensível é sujeita à mudança, pelo fato de estar em
constante transformação, não está em ato, mas em potência.
Existem quatro tipos de mudanças, a saber: no tocante à essência,
à qualidade, à quantidade ou ao lugar. A mudança quanto à essência é
simples geração de destruição. Quanto à qualidade é a alteração e quanto
ao lugar, o movimento. Portanto, a mudança se dá de um estado para
o estado contrário sob estes vários aspectos. Logo, a matéria que muda
deve comportar ambos os estados. E como uma coisa pode ser em dois
sentidos, devemos dizer que tudo muda do que é potência para o que é ato.
Deste modo podemos dizer que as coisas mudam, ou seja, estão sempre a
caminho de uma estabilidade.
Todas as coisas que mudam têm matéria. Esse processo de mudança
se dá porque a matéria é perecível, e esta mesmo em ato, continua a ter a
potência, pois está em constante transformação.
Tudo que muda é alguma coisa, e a mudança tem alguma coisa, e ela
tem uma causa e um fim. A causa é o motor imediato, o sujeito é a matéria
e o fim a forma. Deste modo, nada é acaso, tudo tem uma finalidade.
Segundo Aristóteles (1969), é por meio das causas motrizes
que temos seres e elementos posteriores. No livro XII da Metafísica
encontramos os dizeres do Estagirita: “As causas motrizes existem como

  52 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012


coisas que precedem os efeitos”. Elas são as causas eficientes que fazem as
substâncias eternas e perecíveis se moverem. De sorte que todos os seres
têm as mesmas causas, uma vez que, sem substâncias que são as primeiras
coisas que se concebem, não há modificações nem movimentos.
Ora nada se move ao acaso, mas é preciso que sempre haja uma causa
motriz; uma coisa se move numa direção por sua própria natureza, e em
outra pela força, pela influência da razão ou de algo mais. As substâncias
eternas e perecíveis não podem se mover por si mesmas, precisam de algo
que as mova, e este algo, é a causa motriz.
Aristóteles (1969) demonstra no livro XII da Metafísica que “há um
ser que move sem ser movido e que existe em ato, esse ser não pode ser
diferente do que é”. Ele é o primeiro motor (Deus) que move as coisas sem
se deixar mover por elas, visto que o mesmo não conhece as coisas.
O primeiro motor existe necessariamente; e na medida em que existe
por necessidade, o seu modo de ser é bom, e neste é ele um primeiro principio.
Com efeito, o necessário tem todos esses sentidos: o forçosamente necessário,
porque contraria o impulso natural, aquilo que é condição imprescindível
do bem, e o que absolutamente é de tal maneira e não pode ser de outra.
Sendo assim, sem o primeiro motor as outras coisas não existiriam.
Dizemos que Deus é um ser vivo, eterno, supremamente bom, de
sorte que a Ele pertence a vida e a duração contínua e eterna. Todas as
coisas lhe pertencem, pois, é o autor de todas elas.
O ato de pensar não pode ser o que há de mais excelente. Logo, é a si
mesmo que o pensamento divino pensa, já que é ele a mais excelente das
coisas, e o seu pensar é o pensamento do pensamento.

2. A SUBSTÂNCIA MATERIAL E OS SEUS


PRINCÍPIOS CONSTITUTIVOS

A explicação da realidade não pode ser procurada fora dela, como
fizera Platão, atribuindo ao mundo supra-sensível (ideias) a perfeição,
e dizendo que no mundo sensível encontramos as cópias e as coisas

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012   53


imperfeitas. Para Aristóteles a realidade, na qual encontramos as respostas
e a explicação das coisas, é constituída de substância e acidentes.
Entre todos os seres, a substância é a primeira, tanto no que se
refere ao conceito como no que se refere ao conhecimento e ao tempo.
Quanto ao conceito: ela é anterior, porque o conceito de substância está
implicado no conceito das outras categorias (que são todas acidentes).
Quanto ao conhecimento: julgamos que conhecendo uma coisa, por
exemplo, do homem ou do fogo, o que ela é, conhecemo-la melhor do que
se conhecêssemos dela somente a qualidade, ou a quantidade ou o lugar.
Isto é tão verdadeiro que também essas determinações nós chegamos a
conhecê-las somente quando afirmamos o sujeito (isto é, a substância)
que as possui.
Quanto ao tempo: Tanto no passado como agora o problema em
torno do qual se pesquisa trabalhosamente é o ser. Não significa, por
acaso, que coisa é a substância?
Quanto ao ser, enfim, porque o ser dos acidentes depende do ser da
substância.
Estabelecido assim a importância do estudo da substância,
Aristóteles enumera seus tipos fundamentais que são três: substâncias
materiais corruptíveis, substâncias materiais incorruptíveis e substâncias
imateriais.
No livro Z, ele faz aguda análise dos elementos constitutivos da
substância material corruptível: Matéria e Forma. É claro que a substância
corruptível não é simples, porque, se o fosse, não se compreenderia
como poderia estar sujeita à corrupção, uma vez que a corrupção implica
desagregação.
A substância material é corruptível porque é síntese (sínolo) de dois
elementos separáveis: a matéria e a forma.

“Em todas as mudanças que se efetuam entre dois termos opostos


deve haver um sujeito que permaneça ele mesmo através da mudança,
como, por exemplo, nas mudanças de lugar, alguma coisa que seja

  54 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012


primeiro aqui e depois ali; e nas mudanças quantitativas, alguma coisa
que seja de certa grandeza e depois de grandeza maior ou menor; nas
mudanças qualitativas, alguma coisa que seja, por exemplo, agora sã
e depois doente. Também nas mudanças substanciais é necessário ad-
mitir uma coisa que esteja presente tanto no processo de geração como
no de corrupção” (METAFÍSICA apud MONDINI, 2005, p. 97).
“De modo que se pode afirmar que o vir-a-ser não é possível se da-
quilo que vem a ser não preexiste nada: isto é, é evidente que al-
guma coisa daquilo que vem a ser já existia antes, e esta alguma
coisa é a matéria, que, enquanto parte do que vem a ser, é o sujeito
da mudança” (METAFÍSICA apud MONDINI, 2005, p. 98).

A matéria e a forma não existem, nem podem existir separadas uma
da outra, mas somente juntas. A isto Aristóteles chama “sínolo”.
Na constituição do sínolo ou substância particular, a forma confere
os caracteres específicos. Por exemplo: Cálias pertence à espécie humana,
isto é, homem, por causa da forma. Por isso se diz que a forma é o princípio
da especificação.
A matéria por seu lado é fonte de características individuais. Assim,
que Cálias seja baixo, corcunda e moreno deve-se a matéria. Por isso se diz
que a matéria é principio de individuação.

“Já que em uma coisa existe, de um lado, a forma, o conceito, e de


outro, a matéria, podemos dizer que as qualidades que dizem re-
speito à forma em si, ao conceito, constituem diferença de es-
pécie; e que as que dizem respeito ao sínolo da matéria com a
forma, a coisa concreta, não constituem diferenças de espécie”
(ARISTÓTELES, 1973, apud MONDINI, 2006, p. 99).

Propriamente falando, a matéria e a forma não são geradas nem se
corrompem. O que é gerado e se corrompe é a substância, o sínolo.
Quanto à matéria, é fácil ver que não pode ser gerada: sendo ela
aquilo de que as coisas são feitas, deve preexistir a elas.
Quanto à forma propriamente dita, ela também não é produzida,
mas tirada da matéria na qual preexiste não em ato, mas em potência.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012   55


Portanto, só o sínolo é produzido e gerado. “Produzir alguma coisa
consiste em fazê-la de um substrato indeterminado. Por exemplo, produzir
uma esfera de bronze não é produzir a rotundidade ou esfericidade, mas
algo diferente e precisamente determinar certa forma em outra coisa. Quem
faz alguma coisa deve tirá-la de alguma outra coisa que é pressuposta. No
caso da esfera de bronze; disto, que é bronze, faz-se aquilo que é esfera de
brônzea”.

3. EXISTÊNCIA E NATUREZA DE DEUS

A Metafísica encerra-se, logicamente com o tratado sobre Deus. No


universo aristotélico é Ele que mantém de pé todo o edifício. Para isso o
Estagirita enfrenta o estudo do Motor imóvel, Deus.
Em outra obra, na Física, Aristóteles já tratara amplamente da
existência de Deus. Na metafísica retoma, de modo sintético, as teses da
obra precedente. Os elementos fundamentais da prova são os seguintes:
o fato do devir (a experiência mostra-nos que as coisas estão sujeitas a
incessantes mudanças) e os dois princípios: a) tudo que se move é movido
por outro (ou por si mesmo enquanto outro); b) na série dos que movem
(isto é, dos motores) não se pode retroceder infinitamente.
Admitindo-se o fato e os dois princípios, segue-se a conclusão: existe
um motor imóvel. Esta é a célebre prova aristotélica da existência de Deus
pela existência do movimento (mudança). Não é a única prova que usa;
nas obras juvenis encontramos as provas baseadas nos graus de perfeição
e na ordem das coisas.
Para Aristóteles, o primeiro motor é imóvel, deste modo é ato puro,
único, inextenso, eterno, inteligente etc. Ele move o mundo somente
como objeto conhecido e desejado, não como causa agente.
Deus move o mundo como primeiro inteligível e como primeiro
apetecível, em outras palavras, move o mundo como causa final e não
como causa eficiente.
A operação própria de Deus é o pensamento, pensamento sempre

  56 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012


em ato (de outro modo Deus seria alguém que estivesse dormindo), que
tem por objeto a si mesmo (de outro modo dependeria do objeto externo
e assim seria inferior a ele).
O pensamento divino é ato simplicíssimo e único, dado que toda
composição implica mutabilidade e mudança. Por isso Deus não conhece
o mundo nem as coisas que existem no mundo.
O Deus de Aristóteles não cria o mundo, não cuida e não o conhece.
É espírito puríssimo, que não pode ter nenhum contato com a matéria.
Deus não se importa com o mundo. Mas o mundo sente o fascínio de
Deus e, em estado de grande arrebatamento, se move na direção dele
como para sua meta final.

4. TOMÁS DE AQUINO E A FILOSOFIA DO SER

Os pontos nos quais se funda toda a metafísica de Tomás de Aquino


são os seguintes: a perfeição máxima é o ser; os seres originam-se do ser
por criação; a criação é participação da perfeição do ser aos outros seres;
a limitação da perfeição do ser nos seres é devida a uma potência, isto é, à
essência. Há nos seres distinção real entre ser e essência; entre os seres, e
entre os seres e o ser existe analogia ou semelhança, porque todos eles são
aparentados pela mesma perfeição.
A perfeição máxima é o ser: não a ideia de ser, mas o ato de ser. Esta é
a grande e genial intuição de Tomás de Aquino, intuição que lhe permite
construir novo sistema filosófico, diverso dos de Platão e Aristóteles;
sistema totalmente novo, mesmo nos elementos que Tomás aceita de
Platão e Aristóteles, porque ele os batiza nas águas lustrais de sua noção
de ser.
Um dos maiores problemas resolve com esse novo sistema. A essência
de Deus constitui-se exatamente pelo ser, sendo o ser a suprema perfeição
e, por isso, a que mais convém a Deus.
Aplicado às coisas, o novo conceito de ser explica a origem delas, a sua
finitude, a sua semelhança e o seu agir (e vir-a-ser): as coisas originam-se

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012   57


por participação na perfeição do ser. São finitas porque a sua participação
é limitada: são semelhantes porque todas são aparentadas pela mesma
perfeição; estão em condições de agir porque o agir é a irradiação do ser
que possuem. Com o novo conceito de ser, Tomás pode explicar as relações
entre substância e acidentes, entre alma e corpo: o acidente recebe o ser
da substância; o corpo, da alma. Tendo a alma o ser por si mesma, a sua
imortalidade é facilmente garantida.
Para o doutor angélico, o ser é a atualidade de todos os atos e, por
isso, a perfeição de todas as perfeições. Aliás, a excelência de uma coisa
depende do seu ser.
As razões desse primado do ser segundo Tomás de Aquino são várias.
Ao ser não se pode acrescentar nada que lhe seja estranho porque nada
lhe é estranho, com exceção do não ser, que não pode ser nem forma nem
matéria. Aqui temos uma grande diferença em relação a Aristóteles, visto
que o Deus de Tomás conhece todas as coisas.
Os seres procedem do ser por criação. A perfeição do ser como tal é
única e identifica-se com Deus. Como explicar que, além do Ser, existam
seres? Segundo Santo Tomás, isto se deve à ação criadora do Ser. “O Ser
subsistente não pode ser mais de um. Logo, todos os seres diversificados
necessariamente devem ser causados por um ser primeiro perfeitíssimo.”
A comunicação do Ser aos seres não se dá por emanação, como
ensinaram os neoplatônicos, mas por criação, produção, a partir do nada,
de alguma coisa que participa da perfeição do Ser.
A criação é participação dos seres, por semelhança, na perfeição do
Ser. A palavra “participação” é empregada tanto para descrever o ato pelo
qual o Ser comunica a sua perfeição aos seres como para indicar a operação
pela qual os seres participam da perfeição do Ser. A primeira chama-se
participação comunicativa e a segunda participação receptiva.
Tomás de Aquino distingue dois modos de participação receptiva:
a participação predicamental (ou material ou por composição) e a
participação transcendental (ou por semelhança). As criaturas são
participações do Ser no segundo sentido.
Diz o doutor angélico: Há dois modos de participar de alguma

  58 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012


coisa. No primeiro modo participa-se da substância do participante,
como quando o gênero é participado pela espécie (o gênero faz parte da
substância da espécie). Mas não é deste modo que o Ser é participado
pela criatura. Logo, o Ser é participado sem se tornar parte da essência da
coisa”. Em outras palavras, os seres não participam do Ser como as fatias
participam de um bolo. Se fosse assim, o Ser e os seres teriam a mesma
natureza. Mas os seres participam do Ser como uma cópia participa do seu
modelo. É participação por semelhança, não por essência.
A limitação da perfeição do ser nas criaturas é devida à potência, isto
é, à essência. De fato, é necessário que alguma coisa limite a perfeição do
Ser, por si infinita, aos graus finitos que ela tem nos seres. Esta função
compete à potência, ou seja, à essência. “O Ser considerado de modo
absoluto”, diz Tomás, “é infinito. Por isso, se ele se torna finito, é necessário
que seja limitado por alguma coisa, que tenha a capacidade de recebê-lo,
isto é, pela essência”, a qual é diferente de ser para ser. Distingue dois grupos
principais de essências: as essências puras (como os anjos) e as essências
mistas, isto é, compostas de matéria e forma. Da concepção de essência
como potência limitativa do ser, ele deriva a doutrina importantíssima da
distinção real entre essência e existência.
Tomás retoma a doutrina aviceniana da distinção real, mas a modifica
radicalmente: ele não considera mais a essência e existência segundo
a relação de substância e acidente, mas segundo a relação de potência
substancial e ato substancial: “O Ser de uma coisa, embora não sendo a
sua essência, não deve ser considerado como algo acrescentado, como os
acidentes, mas deve ser posto no nível dos princípios da essência”. Essa
distinção real entre essência e existência explica a finitude dos seres. Não
é necessário, por isso, pôr a matéria nos anjos a fim de justificar-se a sua
finitude.
Entre os diversos seres e entre eles e o Ser há analogia ou semelhança.
É claro de fato, que os seres, procedendo todos da mesma fonte, têm
alguma coisa em comum que os torna semelhantes. Esta semelhança é
mais ou menos profunda conforme pertençam à mesma espécie ou não.
Se os seres pertencem à mesma espécie, a semelhança é específica; se

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012   59


pertencem ao mesmo gênero, genérica. Se não pertencem nem ao mesmo
gênero, nem à mesma espécie, a semelhança é designada com o termo
analogia, o qual originariamente significava simplesmente “semelhança”.
Também entre os seres e o Ser há semelhança de analogia: “Entre
Deus e as criaturas pode haver semelhança de analogia, uma vez que as
coisas criadas são feitas à semelhança da natureza divina”. Também a
analogia entre os seres e Deus nasce da participação deles na perfeição do
Ser.

5. ENTE E ESSÊNCIA

No capítulo I de sua obra, Tomás de Aquino inicia seu livro expondo


que é necessário partir da coisa composta para a simples, ou seja, das
posteriores para as primeiras.
O ente em si comporta duas acepções: Na primeira acepção, o ente se
divide nas dez categorias, já na segunda, o ente constitui tudo aquilo acerca
de que se pode construir uma preposição afirmativa. Na primeira acepção,
só é ente aquilo que acrescenta algo a coisa, deste modo, a cegueira não é
ente, visto que ela é a não visão.
A essência tomada na segunda acepção não deriva do ente (privações
e negações). Na primeira ela deriva de ente (Deus) e designa a verdade das
proposições.
No capítulo II, explica que o termo essência significa algo de comum
a todas as naturezas através das quais os diversos entes são englobados nos
diversos gêneros. O que se traduz pela quididade, forma ou natureza. O
ente se predica primeiro das substâncias e secundariamente dos acidentes.
É nas substâncias que reside propriamente a essência, nas simples em
sentido mais verdadeiro e constituem causa das compostas.
O termo essência significa nas substâncias compostas o que é
composto de matéria e forma. Pois o ser da substância composta não
é apenas o ser da forma, nem somente da matéria, mas o do próprio
composto.

  60 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012


A matéria signada é principio de individuação, não o é a matéria
enquanto tal, assim a primeira integra a definição de Sócrates e a segunda
a de homem.
No capítulo III, estabelece que Sócrates e homem se diferenciam
pelo signado e não signado. Na definição de homem estão implícitas as três
dimensões do corpo, a vida e a alma. Assim corpo será gênero de animal.
Gênero significa indeterminadamente tudo aquilo que se encontra na
espécie, não apenas a matéria. Designa o todo, determina aquilo que é
material sem determinação da própria forma. A definição ou espécie,
porém compreende ambos os elementos, isto é, a matéria determinada,
que designa pelo gênero, e a forma determinada que designa pelo termo
diferença. Evidencia-se a razão pela qual o gênero espécie e a diferença se
relacionam de modo proporcional à matéria, à forma e ao composto da
natureza embora não se identifiquem com eles. De duas coisas se constitui
uma terceira (ser humano).
A essência da espécie é significada pelo termo homem, que se predica
de Sócrates. Se a natureza da espécie é expressa com abstração da matéria
signada, será considerada como parte, significando o termo humanidade,
visto significar aquilo em virtude do que o homem é homem e não outra
coisa. Significa a parte formal. Homem significa a essência como todo e
humanidade significa como parte, prescindindo de qualquer designação
da matéria, não se predicando dos indivíduos.
O capítulo IV deixa claro a nós que os conceitos de gênero, espécie e
diferença convêm à essência enquanto esta significa a matéria de um todo.
Nesta acepção pode ser considerada de maneira absoluta: só se afirma o
que se lhe aplica enquanto tal, ou segundo é enquanto tem o ser nisto ou
naquilo: pode se lhe aplicar coisa que lhe é acidental.
O conceito de universal implica o de unidade e comunidade, por
isso não convém à natureza, no sentido absoluto, pois esta não contém
comunidade. Também o conceito de gênero não é própria à natureza
segundo aquele ser que tem nos indivíduos, pois não contêm sua unidade
tal qual exigiria o conceito universal (Humanidade- forma)
Com efeito, a predicação consiste em algo efetuado pelo intelecto,

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012   61


que tem fundamento na própria coisa, que é a unidade daqueles elementos,
dos quais um se predica acerca do outro.
A essência se relaciona com o conceito de espécie: e esta se refere aos
acidentes que a seguem, segundo o ser que têm no intelecto.
No capítulo V, relata que nas substâncias separadas existe a
composição de forma e ser. As formas próximas do primeiro princípio
subsistem em si mesmas. Por conseguinte, a essência da substância simples
consta exclusivamente de forma.
Daí a essência da substância simples só pode ser tomada como todo.
Nas substâncias simples não pode existir multiplicidade. Assim quantos
forem os indivíduos tanto serão as espécies.
Toda quididade pode ser entendida sem que se compreenda qualquer
coisa acerca do seu ser ou existência, por conseguinte a existência difere
da essência.
É necessário que toda coisa cujo ser difere da sua natureza tenha sua
existência de outra. É necessário que exista uma determinada coisa que
seja a causa do ser para todas as outras, pelo fato de ela ser puro ser; ao
contrário iríamos até o infinito. Este ser é a causa primeira, isto é Deus.
Existe distinção de uma inteligência para outra, segundo o grau de
potência e de ato, as superiores têm mais ato que potência, a alma humana
ocupa o último lugar.
O capítulo VI, expõe que a essência pode encontrar-se nas
substâncias. Em Deus substância simples, a essência é o seu próprio ser
ou existência. Nas substâncias criadas intelectuais, a existência se difere de
essência. Embora esta última, exista nelas sem matéria. Seu ser é limitado
pela natureza recipiente, embora a quididade seja absoluta e carente de
matéria. Por fim, nas substâncias compostas de matéria e forma, o ser e a
natureza recebidos na matéria signada, são finitos.
Encerrando o livro “Ente e Essência” Tomás de Aquino declara que os
acidentes têm uma definição incompleta, que exige o sujeito ao qual inerem.
Assim o ser acidental se constitui de acidente e sujeito. Aquilo a que sobrevêm
o acidente já é um ente completo em si mesmo. O acidente não é causa deste
ser, causa na coisa preexistente, apenas um ser segundo ou secundário.

  62 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aristóteles no livro XII da Metafísica diz que: “A substância é o
objeto de nossa pesquisa”. Ela vem em primeiro lugar e é partindo dela que
se chega até as outras coisas. Deste modo, nenhuma das categorias, fora a
substância, pode existir separadamente.
Santo Tomás de Aquino encontra na filosofia de Aristóteles a matéria
prima para construir sua grande obra filosófica.
Os pontos nos quais se funda toda a metafísica de Tomás de Aquino
são os seguintes: a perfeição máxima é o ser; os seres originam-se do ser
por criação; a criação é participação da perfeição do ser aos outros seres;
a limitação da perfeição do ser nos seres é devida a uma potência, isto
é, à essência. Há, portanto, nos seres distinção real entre ser e essência;
entre os seres, e entre os seres e o ser existe analogia ou semelhança, porque
todos eles são aparentados pela mesma perfeição.
A perfeição máxima é o ser: não a ideia de ser, mas o ato de ser. Esta é
a grande e genial intuição de Tomás de Aquino, intuição que lhe permite
construir novo sistema filosófico, diverso dos de Platão e Aristóteles;
sistema totalmente novo, mesmo nos elementos que Tomás aceita de Platão
e Aristóteles, porque ele os batiza nas águas lustrais de sua noção de ser.
Na obra “Ente e Essência” Tomás de Aquino vai estabelecer uma
hierarquia entre os seres. A substância simples dá o ser tanto à substância
simples criada, quanto a substância composta. A substância simples basta
a si mesmo, é causa criadora e sua essência é o mesmo que sua existência,
visto que ela não pode receber algo de fora, pois é perfeita. Já a substância
simples criada está abaixo de Deus e possui forma e ser. Nas substâncias
compostas temos matéria e forma, e a essência limita seu ser, sendo assim,
criadas por Deus também são causas de outros seres, mas são finitos.
Em suma, o doutor angélico diz que, os acidentes têm uma definição
incompleta, que exige o sujeito ao qual inerem. Assim o ser acidental se
constitui de acidente e sujeito. Aquilo a que sobrevém o acidente já é um
ente completo em si mesmo.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012   63


REFERÊNCIAS

AQUINO, Tomás de. O Ente e a Essência, in: Os pensadores. Abril Cultural:


São Paulo, 1973.

ARISTÓTELES. Metafísica, Livro XII. Porto alegre: Editora Globo, 1969.

MONDIN, Batista. Curso de Filosofia, Vol. 1, São Paulo: Editora Paulus, 13ª
ed., 2005.

Title: St. Thomas Aquinas Being.


Authors: Luiz Fernando dos Santos; Daniel Lipparelli Fernandez.

ABSTRACT: This article called “St. Thomas Aquinas Being aims to make
us understand the whole theological and philosophical process that Thomas
Aquino covered to fulfill and answer to questionings that were made in the
period which he lived. St. Thomas Aquinas finds out on Greek Philosophy,
especially in Aristotle the sustenance and support needed to develop all their
thought. Aristotle is Christianized, wins a new garment toward a new view that
Thomas Aquinas establishes on philosophy. It is obvious that Thomas Aquinas
doesn’t take to himself all Aristotle philosophical thought to build yours, seeing
there is a big difference between Aristotle and St. Thomas Aquinas´s God, for
example, the fact of in Aristotle God doesn’t know the things since Thomas
Aquinas knows how to take care of the creatures. When writing his youth work
“On being and Essence”, Thomas Aquinas will usufruct not only Aristotelian
thought but also Avicennian. The latter one, he will do the contribution that he
does that basing on Aristotle’s thought. Avicenna says: “God is not just being’s
motor cause but creator cause. On the whole Thomas Aquinas will demonstrate
in his work “Entity and Essence” there is a hierarchy among the beings. Define
the meaning of Essence, Entity, and Existence and classify hierarchically the
position of sample, created and complex substance.
Keywords: Aristotle, Philosophy, Avicenna, Thomas Aquinas

  64 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 51-64, jul./dez. 2012


A importância da geografia em sala de aula: o
desafio de um ensino capaz de formar o cidadão

Evelyn Monari Belo 1

Gustavo Henrique Cepolini Ferreira 2

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar ao leitor uma breve discussão sobre
a importância da disciplina Geografia como elemento presente na formação do cidadão,
demonstrando de que maneira o trabalho pedagógico pode contribuir e ampliar o
universo humano e a atuação do indivíduo na sociedade. Trata-se de uma discussão
teórica, não sendo, portanto, apresentados dados oriundos de pesquisa realizada em
campo empírico. O texto traz em sua abordagem a importância da compreensão de
conceitos geográficos como o espaço geográfico bem como a necessidade de formação
do cidadão. Neste sentido, buscamos referenciais atuais que nos permitem o trânsito
entre a Geografia enquanto disciplina numa perspectiva crítica e a sua implicação no
trabalho desenvolvido em sala de aula.

Palavras-chave: Geografia. Ensino. Formação do cidadão.

1
Professora Doutora Adjunta nas Faculdades Integradas Claretianas, Rio Claro – SP. Professora Doutora na
Rede Pública Municipal de Rio Claro – SP. Licenciada em Geografia pelo Centro Educacional Claretiano,
pólo Campinas – SP. E-mail: <evelyn_monari@terra.com.br>.
2
Orientador. Mestrando em Geografia Humana pela USP. Geógrafo. Especialista em Gestão e Manejo
Ambiental. Docência no Ensino Superior nas Modalidades Presencial e EAD. E-mail: <gustavocepolini@
gmail.com>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012   65


1. INTRODUÇÃO

O trabalho pedagógico é, indiscutivelmente, necessário e importante


à formação do cidadão. A Geografia, então, é uma disciplina que contribui
com esta formação, pois traz em sua grande abrangência em relação às
diferentes áreas do conhecimento o respaldo necessário à compreensão do
homem enquanto sujeito ativo em um mundo extremamente dinâmico.
Este artigo tem como principal objetivo discorrer sobre possibilidades
de intervenção pedagógica pautada nesta disciplina, de acordo com os
ideais expressos em uma sociedade cada vez mais complexa.
Utilizamos como materiais e métodos a pesquisa de caráter
bibliográfico, transitando entre ideias de autores específicos da área
como Straforini (2008) retratando a globalização e aproximando-se,
portanto, das reflexões de Santos (2004), ao apontar-nos como são
os acontecimentos mundiais. Pontuschka, Paganelli e Cacete (2007)
são referenciais que podem ser unidos a Trindade e Chiapetti (2007) e
Kimura (2011) para verificarmos a importância da prática docente e da
concepção do que acontece nas instituições de ensino, evidenciando o
que nos diz Oliveira Jr (2010) sobre a prática que realizamos em sala de
aula e permitindo uma leitura das entrelinhas baseada nos objetivos dos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia, Ensino Fundamental
(BRASIL, 1997). Vesentini (2010) nos permite verificar a concepção e
a importância da Geografia crítica, nos permitindo associá-la com idéias
pertinentes ao ensino da disciplina Geografia em sala de aula e, Corrêa
(2010) nos oferece concepções sobre o espaço geográfico nesta mesma
perspectiva, oferecendo condições de discutir a prática pedagógica no
contexto da formação do cidadão.
Temos neste artigo a possibilidade de buscar a compreensão da
importância expressa no desenvolvimento da disciplina Geografia em sala
de aula requer que voltemos nossos olhares a novas possibilidades de (re)
interpretação da realidade, fato que configura novas visões do mundo.
Assim, é apresentada, sequencialmente, uma breve discussão que

  66 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012


convida a todos a refletirem sobre sua prática e sua ação, tanto na escola
quanto na sociedade, pois:

[...] num mundo universalizado, os acontecimentos são comandados


direta ou indiretamente por forças mundiais. É a unidade dos acon-
tecimentos e a cumplicidade das formas que perfazem a unidade do
espaço. Pode-se dizer que o espaço é global (SANTOS, 2004, p. 25).

Em outras palavras, a discussão proposta implica em nossa


compreensão sobre a escola como uma instituição que representa fielmente
este espaço global, tornando a Geografia uma das disciplinas de maior
importância e abrangência em contexto educativo formal.

2. POR QUE PENSAR EM GEOGRAFIA?

Para iniciar esta discussão, é interessante refletirmos sobre a seguinte


afirmação: geograficamente, a compreensão sobre o mundo nos traz uma
verdadeira “luta” ideológica na busca pela compreensão de conceitos
que procuram determinar uma definição de caráter único, capaz de
impulsionar novos questionamentos e reflexões sobre o homem e o
mundo, incansavelmente. Assim:

Na empreitada de se buscar as possibilidades para um ensino de Geo-


grafia considerado bem-sucedido, entende-se que encontrará condi-
ções mais favoráveis se acontecer com a resolução daqueles aspectos
gerais da escola e da educação. Ou seja, trabalha-se, como sempre,
com a relação entre o particular e o geral (KIMURA, 2011, p. 19).

Esta tentativa redimensiona nossas concepções, constituídas ao longo


do desenvolvimento de relações que estabelecemos conforme vivemos e
“experienciamos” novas situações. Nesta perspectiva, podemos associar
tais afirmações com as idéias expressas por Oliveira (2010) retratando
a grande maioria dos professores da rede de ensino compreendendo

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012   67


que o ensino atual da Geografia não satisfaz o aluno e nem o professor.
Em poucas palavras, compete-nos observar que um ensino pautado da
experiência a na vivência de novas situações não se realiza.
Neste sentido, tomar como fundamentação para a compreensão
do mundo conceitos geográficos é algo imprescindível, que tem como
base um currículo oficial, pautado na lógica positivista e, portanto,
“engessado”. Entre as escolas pedagógicas, temos a abordagem humanista
que se aproxima do que denominamos Geografia crítica, contrariando o
“engessamento” que apontamos como empecilho para a realização de uma
prática pedagógica significativa. De acordo com Vesentini apud Oliveira
(2010, p. 37, grifos do autor):

[...] o conhecimento a ser alcançado no ensino, na perspecti-


va de uma Geografia crítica, não se localiza no professor ou
na ciência a ser “ensinada” ou vulgarizada, e sim no real, no
meio onde aluno e professor estão situados e é fruto da prá-
xis coletiva dos grupos sociais. Integrar o educando no meio sig-
nifica deixá-lo descobrir que pode tornar-se sujeito na história.

Se considerarmos uma abordagem de ensino tradicional, teremos


na prática pedagógica uma relação vertical entre professor e aluno,
capaz de confirmar relações que estabelecem numa estrutura hierárquica
já consolidada cultural e historicamente. Esta abordagem retrata
adequadamente a fragmentação de conteúdos e assegura currículos
inflexíveis. Na perspectiva de uma Geografia crítica, não cabe esta
concepção. O dinamismo que caracteriza a prática pedagógica é inerente à
importância da Geografia em sala de aula. Portanto, pensar em Geografia
como disciplina que integra os currículos escolares é o mesmo que pensar
na possibilidade de formação do cidadão.
Quando pensamos, refletimos sobre algo e, indiscutivelmente,
elaboramos imagens que passam a constituir conceitos que construímos
na medida em que adquirimos conhecimento. Esta aquisição acontece,
principalmente, no cotidiano escolar.

  68 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012


Em contato com livros e textos diversos, o aluno produz suas
“próprias” imagens, desafiando a lógica preestabelecida pelos conteúdos
que constituem o currículo oficial.

Pensar em alterações no ensino da Geografia significa, num pri-


meiro momento, caminhar no sentido de eliminar a feição de
uma disciplina enfadonha e decorativa, características que têm
marcado este campo do saber e, simultaneamente, rever os con-
ceitos e categorias analíticas, numa dinâmica que acabe por desco-
brir e convencer professores e educandos do importante papel que
esta ciência tem no processo de formação do cidadão conscien-
te e crítico de sua realidade. Cidadãos que não se deixam enga-
nar, sejam capazes de reivindicar, lutar por seus direitos e cumprir
com os seus deveres (OLIVEIRA; TRINDADE, 2007, p. 65).

As imagens que o leitor de livros, textos didáticos e, portanto, do


mundo produz sob tais condições correspondem a um processo que retrata
o homem como incapaz, apesar de ser o principal ator que transforma o
espaço geográfico3.
Sua incapacidade se manifesta na impossibilidade que possui para
promover a transformação necessária à obtenção de uma sociedade mais
justa, pois “não se trata de levantar fatos mas levantar questões, ou seja,
negar o discurso competente” (VESENTINI, 2010, p. 37).
Por tal condição, elabora imagens que são capazes de conduzi-lo ao
sonho sem despertá-lo do pesadelo. O sonho é expresso na possibilidade de
conquistar uma melhor condição socioeconômica, por exemplo, assegurando-
lhe a participação em um contexto que, além de geográfico, é histórico.

3
Na abordagem deste artigo, consideramos o espaço concebido na abordagem da Geografia crítica,
sendo o espaço concebido como “lócus da reprodução das relações sociais de produção, isto é, repro-
dução da sociedade.” (CORRÊA apud CASTRO, GOMES, CORRÊA, 2010, p. 26). Esta concepção
coincide em alguns momentos com as propostas dos PCN’s mas nem sempre se tornam concretas em
sala de aula pelo fato de ser o ensino da Geografia associado a práticas de uma Geografia tradicional,
que desconsidera as relações aqui consideradas.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012   69


Portanto:

Hoje, com a globalização, muitos currículos oficiais, principalmen-


te dos denominados países emergentes do mundo ocidental, apre-
sentam concepções curriculares com traços e perspectivas comuns.
No caso específico da Geografia, observam-se propostas curricula-
res diferenciadas: desde currículos que não incluem essa disciplina
no ensino básico até aqueles de países em que ela está presente em
todos os níveis da educação básica, passando por algumas propos-
tas curriculares que a incluem apenas em algumas séries (PON-
TUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007, p. 113-114).

A “variedade” apresentada nas reflexões anteriores nos permitem


verificar de que maneira a Geografia é compreendida enquanto disciplina que
constitui – ou não – a grade curricular das instituições oficiais de ensino.
Porém:

[...] ainda que timidamente, já se percebe um movimento na dire-


ção de novas práticas pedagógicas baseadas numa outra relação
com o conhecimento, em novas formas de relacionamento com
os alunos e em maneiras mais democráticas de avaliação, pos-
to que mais abertas ao diálogo (TRINDADE, 2007, p. 115).

Esta afirmação nos permite, em contrapartida, a realização de


apostas numa Geografia que, indiscutivelmente, venha a contribuir com
a formação do cidadão. A extrema relação com o conhecimento tem sua
origem na compreensão da realidade, que as imagens citadas anteriormente
se encarregam de definir e até mesmo explicar.
Entretanto, é necessário considerarmos que uma Geografia capaz de
contribuir com a formação do cidadão não se distancia de uma ideologia
forte e marcante, que delimita verdadeiras “regiões” no campo do saber,
pois “a própria ideologia é objetiva, dissimulando o real e tentando impor-
lhe a sua significação no momento crucial da objetividade da totalidade”
(SANTOS, 2004, p. 37).

  70 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012


Prosseguindo com a reflexão teórica proposta, é cabível a seguinte
questão: qual a relação da Geografia em sala de aula e a formação do
cidadão?

3. Formação do cidadão e
cidadão de formação:
duas faces de uma mesma moeda?

O processo de formação do cidadão é, realmente, importante e


necessário a toda e qualquer transformação social.
Assim, um primeiro critério nos permite identificar aspectos
pertinentes à condição de “ser cidadão”.
Quando utilizamos a expressão “formar o cidadão”, o que realmente
pretendemos?
Formar, em sentido amplo, se traduz na possibilidade de contribuir
com a construção da identidade do indivíduo. Determina nossa
compreensão sobre as peculiaridades que constituem o ser humano e,
portanto, sua individualidade.
No longo e complexo processo de formação do cidadão, o ensino
da Geografia é capaz de oferecer ao indivíduo uma formação abrangente.
Muitas vezes, esta condição é interpretada como necessidade presente em
um mundo globalizado.
O processo de globalização, assim, pode ser observado como
presente nas discussões que são referentes ao currículo oficial conforme
demonstrado anteriormente. É utilizado, com frequência, para justificar
as condições observadas numa sociedade consolidada em imagens que
interferem em toda e qualquer realidade:

[...] a globalização no atual período histórico é uma realidade para


todo o mundo. A globalização é entendida como um todo sistêmico,
desigual e combinado. Pela primeira vez na história da humanidade te-
mos os fenômenos sociais, políticos e econômicos unificados planeta-

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012   71


riamente graças aos imperativos técnicos, científicos e informacionais,
que são as características do período (STRAFORINI, 2008, p. 30).

A condição “todo sistêmico, desigual e combinado” expressa,


significativamente, a Geografia enquanto ciência que acumulou, ao longo
dos anos, características pertinentes ao desenvolvimento de um mundo
complexo e surpreendente.
O processo de globalização é, por vezes, associado à lógica
capitalista, determinada pelas condições de poder e consumo. Então, se
nos submetemos a um consumo exagerado, nossa atitude é decorrência
do mundo globalizado. Consumir é uma atitude atual e “natural”.
Praticar o consumismo é integrar-se, conectar-se à lógica de um sistema
já estabelecido.
Neste sentido, formamos pessoas habilitadas ao consumismo e à
manutenção de uma ordem social já estabelecida:

Reconhecemos que o tempo presente é complexo porque é mar-


cado pelos avanços do meio técnico-científico-informacional, da
globalização e de uma política econômica neoliberal, o que está a
exigir uma verdadeira reengenharia do processo educativo, rumo
a uma efetiva, sólida e pertinente formação geográfica dos sujei-
tos. A Geografia é um saber estratégico e se desenvolve junto com
a compreensão do que é o mundo. Essas transformações, derivadas
das recentes lógicas do capitalismo, exigem que a ciência geográ-
fica passe por uma recontextualização, isto se quiser dar conta das
explicações que a ela cabe realizar. [...] A Geografia está atrelada à
história da humanidade, às suas ideologias, à organização territo-
rial, à conquista e luta pelo poder. A Geografia a ser aprendida e
ensinada passa a ser aquela que [...] conduza os indivíduos a com-
preenderem a espacialidade das práticas sociais, para nela intervir
segundo as suas convicções e a um nível do humano genérico, aci-
ma das ações particulares (OLIVEIRA; TRINDADE, 2007, p. 64).

Esta condição da disciplina Geografia pode ser compreendida como


adequada à formação do cidadão que necessitamos: capaz de contribuir com

  72 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012


verdadeiras transformações sociais e, portanto, incapaz de corresponder a
uma lógica que resulte no controle e manutenção da sociedade.

Entretanto, podemos observar também que:

Como é sempre o professor o mediador do conhecimento a ser de-


senvolvido nas escolas, cabe-lhes trabalhar com desafios como: o que
e de que maneira ensinar? Que dizer, estando no cerne do ato edu-
cacional o fazer-pensar do professor e do aluno, o ensinar-aprender
adquire uma importância fundamental (KIMURA, 2011, p. 81).

Retomando a questão do primeiro tópico da Geografia, “por que


pensar a Geografia?”, é possível compreendermos que “a lógica do mundo
precisa ser apreendida por todos” (OLIVEIRA; TRINDADE, 2007, p.
65).
Neste sentido, o maior desafio expresso no trabalho a ser desenvolvido
com a disciplina Geografia se resume nesta formação do cidadão. De
acordo com Oliveira Jr (2010, p. 358):

Nossas aulas são discursos e práticas sociais nos quais elabo-


ramos uma dada realidade espacial com nossos alunos; por-
tanto, posso pensar que nossas aulas de Geografia são narrati-
vas acerca do espaço geográfico, seu aspecto e seus processos.

Se elaboramos uma realidade nestes moldes, não contribuímos com


a formação do cidadão. Desconsideramos, simplesmente, que a educação
ultrapassa limites e fronteiras físicas. Que formar o cidadão implica,
obrigatoriamente, um investimento nos processos reflexivos voltados à
prática docente. Entretanto, não é possível desconsiderar também que
há algumas manifestações que nos indicam que “o professor nunca irá
conscientizar ninguém, mas no máximo, contribuir para que determinadas
potencialidades do educando (a criticidade, a logicidade, a criatividade) se
desenvolvam” (VESENTINI apud OLIVEIRA, 2010, p.114).
Uma educação fundamentada em princípios voltados à formação do

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012   73


cidadão é, simplesmente, formar homens atuantes em nossa realidade. E,
assim, tais princípios podem ser identificados em alguns dos objetivos
expressos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia, Ensino
Fundamental, Ciclo I:

• conhecer a organização do espaço geográfico e o funcio-


namento da natureza em suas múltiplas relações, a fim
de compreender o papel das sociedades em sua constru-
ção e na produção do território, da paisagem e do lugar;

• identificar e avaliar as ações dos homens em sociedade e


suas conseqüências em diferentes espaços e tempos, para
construir referenciais que possibilitem uma participação
propositiva e reativa nas questões socioambientais locais;

• compreender que as melhorias das condições de vida, os


direitos políticos, os avanços técnicos e tecnológicos e as
transformações socioculturais são conquistas decorren-
tes de conflitos e acordos, as quais ainda não são usufruídas
por todos os seres humanos. E, dentro das possibilidades,
empenhar-se em democratizá-las; (BRASIL, 1997, P. 61)

Por tantos motivos aqui apresentados, se torna fácil a compreensão


desta realidade e da necessidade de formação do cidadão. Porém, uma nova
questão emerge na busca pela compreensão de nosso desafio, enquanto
educadores, frente a realização de um ensino significativo: a formação de
professores.

4. Formação do cidadão
versus formação do professor

Iniciando este tópico, podemos questionar o que deve ser compreendido


como prioridade: formar o cidadão ou formar professores?

  74 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012


Temos uma questão que pode ser analisada de acordo com a seguinte
perspectiva: para contribuirmos com a verdadeira formação do cidadão,
precisamos, primeiramente, formar professores.
Desvincular a Geografia de um ensino caracteristicamente
enfadonho, realizado a partir de práticas “cansativas”, que esgotam toda
e qualquer possibilidade de reflexão e transformação social nos conduz
ao pressuposto do abandono de velhas formas de compreensão e (re)
interpretação da realidade.
Assim, podemos verificar que:

O ensino da Geografia pode atuar em todas as capacidades e


competências a serem exploradas e consolidadas através da edu-
cação. Pode favorecer ao aluno a tomada de consciência de si
mesmo e do mundo que o rodeia, e crítica suficiente para ir cons-
truindo e desenvolvendo o conhecimento, de modo a adquirir
autonomia de pensamento, para um desenvolvimento comple-
to de sua cidadania (SOUZA; CHIAPETTI, 2007, p. 228).

Tais afirmações nos permitem verificar que caminhamos rumo


a uma nova forma de organização dos conteúdos, proporcionando,
consequentemente, novas formas de construção do conhecimento.
Neste sentido, a necessidade de articular o conhecimento geográfico
com as demais áreas do conhecimento:

A preocupação com a interdisciplinaridade deve trazer uma nova


visão didático-pedagógica do ensino de Geografia à forma-ação
do ser humano. Como interdisciplinar, o ensino de Geografia tor-
na-se um espaço de interação, integração e compartilhamento de
competências e saberes (SOUZA; CHIAPETTI, 2007, p. 235).

Temos nesta concepção uma perspectiva de trabalho que associa a


realidade vivida pelos alunos à realidade escolar. Então, a formação dos
professores se torna um elemento fundamental para a consolidação de uma
prática pedagógica que expresse os melhores pressupostos, necessários à

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012   75


possibilidade de oferecimento de um ensino que procure corresponder aos
objetivos expressos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1997) e que, verdadeiramente, permitam ao professor pensar:

[...] como os saberes interagem para produzir outro saber, re-


presentado pelo escolar, que não se confunde com o acadêmico,
mas não prescinde deste na construção do saber a ser ensinado
(PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007, p.114).

A troca de experiências a o que denominados, costumeiramente,


como “bagagem” do aluno constituem o ponto de apoio, o referencial
para o início das modificações que se manifestam, principalmente, na
atuação do professor.
Então, o ensino da Geografia se constitui como um instrumento
capaz de mover o mundo, promovendo novas ações por meio da realização
de novas práticas. Portanto, “na Educação, isso pode ocorrer se o professor,
na relação com os alunos, levar em conta um fenômeno que se encontra
entre aqueles genericamente definidos como oprimidos e dominados”
(STRAFORINI, 2008, p. 54).
A relação estabelecida entre as diferentes classes sociais determina
quais são as oportunidades que verificamos como verdadeiras e possíveis
para cada indivíduo, pois, como é identificada com facilidade, a principal
característica da educação brasileira é, indiscutivelmente, elitista: privilegia
poucos e marginaliza muitos e, “com a mundialização da sociedade,
o espaço, tornado global, é um capital comum a toda a humanidade”
(SANTOS, 2004, p. 32).
Tal condição pode ser compreendida como um fator que define o
perfil do professor atuante no sistema educacional brasileiro: muitas
vezes, sua atuação não é decorrente de uma escolha pessoal, motivada
pela sua busca e pelos seus sonhos. Assim, realiza sua prática desmotivado,
despreocupado em relação ao desempenho de seus alunos. Então, como
podemos esperar que contribua com a formação do cidadão?
É importante salientar que:

  76 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012


[...] não existe desde os anos 1980, uma estratégia coerente e con-
tínua para a educação no Brasil, e muito menos uma ação concre-
ta para revalorizar a atividade docente. Todos nós conhecemos
as reviravoltas das políticas educacionais dos últimos 15 anos,
tanto no âmbito federal quando no estado. Tudo muda cons-
tantemente a cada novo governo (novos guias ou “propostas
curriculares”, novas diretrizes pedagógicas, novas atividades bu-
rocráticas, novas denominações etc.) e, no final das contas, tudo con-
tinua praticamente igual ao que era (VESENTINI, 2010, p. 238).

A formação docente, nesta perspectiva, se apresenta numa situação


indigna de constituir-se como elemento que venha a assegurar uma
prática pedagógica que expresse um ensino de qualidade, verdadeiramente
significativo.
Observando as considerações sobre a prática pedagógica dos
professores de Geografia exposta por Trindade e Chiapetti (2008, p.
144):
[...] os cursos de licenciatura não podem ficar à margem da produ-
ção de conhecimento na área da educação, pois são os profissionais
formados por eles que irão lidar concretamente com questões que
envolvem a educação. O profissional com licenciatura vai traba-
lhar no processo ensino-aprendizagem de um determinado con-
teúdo, que, por sua vez, é parte de algum currículo escolar. A sua
prática não deve ser a de construir coisas, organizar/administrar
problemas, ensinar/treinar técnicas, mas a de educar. Por educar,
entende-se criar as condições e instrumentalizar pessoas para que
tenham acesso concretamente à sua cidadania e ao exercício dela.

Em outras palavras, temos nestas colocações uma provável resposta


ao título deste tópico, confirmando a necessidade de uma boa formação,
que é denominada “base”, sustentação, para a concretização de uma
prática que contribua com a formação do cidadão: sujeito ativo, crítico,
participativo e “pensante”.
Assim, contrapondo tais colocações e confirmando o que costuma
ocorrer nas salas de aula na grande maioria das vezes:

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012   77


Os professores formados em departamentos, cada um no compartimento
de sua ciência, têm dificuldade de pensar em aulas práticas pedagógicas
que possibilitem a inter-relação de um tema com as demais disciplinas es-
colares (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007, p. 137).

Se tomarmos como exemplo um jogo, uma partida entre times


diferentes, o contexto até aqui discutido poderia apresentar como
interpretação desta análise o seguinte resultado: 0 (zero) para a formação
do cidadão e 0 (zero) para a formação do professor. Por que o empate? A
resposta é simples: o placar demonstrado não negligencia a realidade. Temos
um ensino falho, que se concretiza por meio de uma prática pedagógica
inadequada e, assim, nossos alunos não atendem às necessidades de uma
realidade que caracteriza uma sociedade em constante transformação.
Nossos alunos, infelizmente, não têm sido preparados para vivenciar
novas situações bem como para construírem uma nova realidade.
Enquanto professores, se não somos bem preparados, não
contribuímos com a formação do cidadão. Então, nos resta verificar que:

Ser professor não é fácil! A prática educativa exige de nós, a cada


momento, a reflexão em torno das ações que desenvolvemos junto
com nossos colegas professores e com nossos alunos. Acontece que,
em nenhum momento, atuamos isoladamente, ainda que muitos
professores, por diferentes razões, não exercitem a prática do encon-
tro, do diálogo e da troca de experiências com seus pares. O saber é
sempre fragmentado na nossa prática cotidiana. Para que iniciemos
o trabalho letivo com uma dada turma de alunos, contamos sempre
com um rol de conhecimentos que eles trazem de sua experiência for-
mal e informal anteriormente vivida (TRINDADE, 2007, p. 84)

De acordo com tais considerações, o desafio se encontra na


compreensão da profissão. A práxis educacional expressa a possibilidade de
análise e entendimento de uma atuação consciente, pois exige do docente
constante reflexão sobre sua ação. Neste sentido, a prática pedagógica se
resume como orientação de situações que, consolidadas em sala de aula, se
integram diretamente à formação do cidadão.

  78 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012


5. CONCLUSÃO

O presente artigo nos permitiu analisar elementos que constituem a


prática pedagógica e determinam de que forma a Geografia contribui com
a formação do cidadão.
Enquanto professores, compreendemos que a prática pedagógica
exercida define, fielmente, o cidadão que desejamos. Este cidadão pode ser
interpretado a partir de várias possibilidades de análise que nos conduzem
a refletir: ativo ou passivo? Influente ou influenciável? Pensante ou
“pensado”?
Um cidadão ativo tem em suas atitudes a iniciativa necessária ao
estabelecimento de relações que lhe permitem (re)construir e/ou (re)
interpretar o conhecimento, acumulando novos saberes a partir de
experiências e vivências.
Um cidadão influente é aquele que sendo ativo, anula toda e qualquer
passividade e aceitação, capaz de promover situações em um contexto de
verdadeiras transformações.
Um cidadão pensante integra os perfis anteriormente relatados e
nos permite compreender como pensado o cidadão que não age, não se
relaciona, não experimenta e, portanto, não vive.
Então, podemos concluir que:

A Geografia, no desenvolvimento de seus conceitos e na maneira de


produzir, ensinar e relacionar-se ou não com seus próprios ramos e
com outras ciências ou disciplinas escolares, é um movimento históri-
co que se encontra em constante transformação. O professor necessi-
ta manter o diálogo permanente com o passado, o presente e o futuro
[...] (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007, p. 145).

Em outras palavras, cabe ao docente articular o conhecimento


geográfico na medida em que se mantém como elo entre o conhecimento
e o conhecedor. Na figura do conhecedor, temos tanto o aluno quanto o
próprio docente, pois desta relação resulta toda a fonte de conhecimento
necessária à humanidade.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012   79


Enquanto ciência, a Geografia nos permite o conhecimento do
mundo e, neste sentido, torná-la significativa em sala de aula é princípio
fundamental para a organização do tempo e do espaço, que se constituem
tanto como variáveis elementares desta disciplina quanto como
instrumentos de aquisição do conhecimento e aprofundamento do saber
produzido historicamente.

REFERÊNCIAS

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Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012   81


Title: The imprtance of the geography in classroom: the challenge of a teaching
capable to form the citzen.
Authors: Evelyn Monari Belo; Gustavo Henrique Cepolini Ferreira.

ABSTRACT: This article has as objective presents to the reader an abbreviation


discussion on the importance of the discipline Geography as present element in
the citizen’s formation, demonstrating that it sorts out the pedagogic work can
contribute and to enlarge the human universe and the individual’s performance
in the society. It is a theoretical discussion, not being, therefore, presented data
originating from of research accomplished in empiric field. The text brings us in
her approach the importance of the understanding of geographical concepts as
the geographical space as well as the need of citizen’s formation. In this sense, we
looked for current referential that they allow us the traffic among the Geography
while it disciplines in a critical perspective and her implication in the work
developed at classroom.
Keywords: Geography. Teaching. The Citizen’s Formation.

  82 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 65-82, jul./dez. 2012


Resídeuos das estações de tratamento de água (ETA)

Múccio Wellington Paiva 1

Renato Luis Tame Parreira 2

Resumo: No rol das grandes questões mundiais da atualidade está a sustentabilidade


ambiental. Entre suas principais propostas figura o tratamento e adequada alocação dos
resíduos industriais. Um desafio a enfrentar nesta área refere-se ao lodo oriundo das
estações de tratamento de água (ETAs), comumente lançado nos cursos d’água pelas
empresas de saneamento. O crescimento da consciência ecológica e o surgimento de leis
reguladoras dos descartes de resíduos, constituem oportunidade para implementação
de novas tecnologias de tratamento, desidratação e secagem do lodo das ETAs. O
aumento do consumo de água potável elevou a produção de resíduos, requerendo maior
quantidade de produtos químicos na potabilização da água. O lodo é constituído por
substâncias com potencial poluidor, é de difícil manejo e reaproveitamento. Este artigo
mostrará, à luz da bibliografia, a experiência da Unidade de Tratamento de Resíduos
(UTR) Rio Manso, pertencente à COPASA, no trato do lodo da ETA.

Palavras-chave: Lodo. Desidratação. Resíduo. Ambiental.

1
Pós-graduado em Gestão Ambiental pelo Centro Universitário Claretiano – SP.
E-mail: <muccio.paiva@copasa.com.br>.
2
Doutor em Química pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP). Docente no
Centro Universitário Claretiano de Batatais – SP. E-mail: <rtame77@yahoo.com.br>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012   83


1. INTRODUÇÃO

A sustentabilidade ambiental entrou definitivamente na pauta das


grandes discussões mundiais. Entendida como o conjunto de medidas
e ações capazes de prover sustento para a humanidade e alavancar o
desenvolvimento econômico, levando em consideração a preservação
do ecossistema, tem como premissas a exploração racional dos recursos
naturais, o uso de fontes de energia limpas e renováveis e a redução dos
níveis de poluição ambiental, entre outros.
À medida que se propaga a conscientização de que é necessário
preservar o meio ambiente como forma de assegurar a continuidade de
existência da própria humanidade, cresce também a certeza de que o
rol de ações ideais não é composto apenas por atitudes de grande porte.
Muito pelo contrário, é necessário analisar todos os níveis dos processos
produtivos e de consumo, sob a ótica da sustentabilidade ambiental. A
exploração da matéria-prima, a logística, a produção, a comercialização,
o consumo e os descartes de resíduos em todas estas fases são alvos do
“pensar ambiental” e estão sujeitos a terem seus fluxos alterados ou
interrompidos, seja por força de algum ordenamento jurídico, seja por
pressão da sociedade.
Neste contexto, os efluentes originários das empresas do setor de
saneamento, antes lançados nos corpos hídricos sem qualquer avaliação
quanto ao seu potencial poluidor, passaram a ser objetos de estudos cujo
objetivo é minimizar a possibilidade de ocorrência de impacto ambiental.
Dentre os rejeitos das empresas de saneamento está o lodo oriundos das
ETAs (Estações de Tratamento de Água), um composto capaz de provocar
poluição por conter, principalmente, os elementos químicos usados na
potabilização da água. A literatura propõe que o correto descarte deste
resíduo deve ser precedido de sua desidratação e que quanto maior for sua
secagem melhor será seu processamento e manejo.
O presente artigo buscará mostrar as alternativas testadas pela ETA
Rio Manso, uma unidade da COPASA (Cia. de Saneamento de Minas

  84 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012


Gerais), no tratamento e destinação adequados do lodo que produz.
Apontará as principais dificuldades encontradas e enumerará sugestões
de melhoria.

2. METODOLOGIA

Este é um trabalho formal, exploratório e bibliográfico. Tem por


escopo apresentar, de forma sintética, a metodologia utilizada pela
COPASA (Cia de Saneamento de Minas Gerais), mais especificamente
pela ETA Rio Manso, no trato e destinação final do lodo oriundo do
tratamento de água, além apontar as principais dificuldades encontradas.
A fonte de informações, relativas à COPASA, advém de um trabalho
que coligiu diversos estudos apresentados durante um encontro técnico
realizado pela empresa no mês de abril de 2010. Convém ressaltar que o
presente artigo se restringirá à análise do estudo que abordou, na ocasião
do Encontro Técnico 2010 – COPASA – Compartilhando Conhecimento,
o tratamento dos rejeitos da ETA Rio Manso. O documento contém o
histórico da Unidade de Tratamento de Resíduos da citada ETA.

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A redução da geração de resíduos, seu reaproveitamento e destinação


adequada, constituem um dos maiores desafios a serem enfrentados
pelas indústrias modernas, tendo em vista a propagação da consciência
ecológica e o surgimento de leis que regulam as atividades com potencial
para provocar impactos ambientais. Outro fator a se considerar é a pressão
exercida sobre a produção pelo crescimento do consumo, o que só faz
elevar o volume dos resíduos industriais.
Rodrigues e Cavinatto (1997, p.10) afirmam que “no decorrer deste
século, a população mundial dobrou de tamanho, porém a quantidade
de lixo produzido no mesmo período aumentou numa proporção muito

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012   85


maior”. Esta afirmação engloba o lixo industrial. No âmbito das indústrias
que integram o setor de saneamento a geração de resíduos com potencial
poluidor decorre, com maior intensidade, das atividades de tratamento da
água e de tratamento do esgoto.
Entre os produtos e serviços oferecidos pela indústria de saneamento
está o fornecimento de água potável à população, um processo que envolve,
basicamente, sua captação, tratamento e distribuição. Considerando a
produção de água, seu tratamento é a etapa em que há riscos de ocorrência
de impactos ao meio ambiente, por produzir resíduos com considerável
concentração de produtos químicos, denominados lodo.
A produção de água própria para o consumo humano é realizada em
ambientes conhecidos como ETAs (Estações de Tratamento de Água). A
CASAN, Companhia Catarinense de Águas e Saneamento, dá a seguinte
definição para ETA: constitui a parte do sistema de abastecimento onde
ocorre o tratamento da água captada na natureza visando a potabilização
para posterior distribuição à população.
O detrito advindo desse processo, o lodo, é produzido nos filtros e
decantadores das ETAs. Segundo Grandin:

O lodo de ETA é constituído de resíduos sólidos orgânicos e inor-


gânicos provenientes da água bruta, tais como: algas, bactérias,
vírus, partículas orgânicas em suspensão, colóides, areias, argila,
siltes, cálcio, magnésio, ferro, manganês, etc. SILVA; BIDONE;
MARQUES (2000) complementam a composição dos lodos com
hidróxidos de alumínio, em grande quantidade, proveniente da
adição de produtos químicos e em alguns casos polímeros condi-
cionantes utilizados no processo (GRANDIN; ALEM SOBRI-
NHO; GARCIA JR.,1993, apud PORTELLA at al, 2003, p. 2).

De acordo com informações contidas no site da Companhia de


Saneamento de Minas Gerais - COPASA, o tratamento da água ocorre
em cinco etapas: oxidação/coagulação, floculação, decantação, filtração e
desinfecção/correção de pH/fluoretação. A coagulação é feita, inicialmente,
com a adição de cloro ou um produto similar à água, o que oxidará os

  86 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012


metais presentes na água bruta, normalmente o ferro e manganês. Desta
forma estas substâncias se tornarão insolúveis na água e será possível sua
remoção nas próximas etapas do tratamento. O passo seguinte consiste em
adicionar cal à água para otimizar o processo, mantendo seu pH em nível
adequado. A remoção dos resíduos se inicia no tanque de mistura rápida
com a dosagem de sulfato de alumínio ou cloreto férrico. Estes produtos
são coagulantes e têm a função de aglomerar a sujeira formando flocos.
Na floculação, a água, já contendo substâncias coaguladas, se movimenta
de tal maneira dentro dos tanques, fazendo que os flocos se unam uns aos
outros, ganhando peso, volume e consistência. A decantação é a etapa em
que os flocos formados separam-se da água, sedimentando-se pela força da
gravidade, no fundo dos tanques. Em seguida a água, que ainda contém
impurezas não sedimentadas no processo de decantação, passa por filtros
constituídos por areia ou areia e antracito que retêm entre suas camadas a
sujeira restante. Na desinfecção a água recebe cloro como desinfetante, cal
para correção do pH e flúor, cujo objetivo é reduzir a incidência de cárie
dentária. Todo esse processo acontece nas ETAS.

Andreoli explicita:

Os lodos gerados nos decantadores das ETAs são resultados dos


processos e operação de coagulação/floculação das partículas presentes na
água bruta. Essas partículas sofrem ação de reações químicas e operação
física de formação de flocos que se tornam propícios para a operação de
sedimentação ou flotação. O material removido é retido em tanques por
um certo tempo e disposto, quase sempre, em cursos d’água (ANDREOLI
(Coord.), 2001, p.144).

Barroso e Cordeiro argumentam:

O potencial tóxico dos resíduos de estação de tratamento de água


dependerá de suas características físico-químicas e das condições que este
é disposto. Ainda segundo os mesmos autores a produção de sólidos e

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012   87


metais de uma ETA se dá em função das características da água afluente, da
qualidade, tipo e dosagem de coagulante e de outros produtos químicos,
pH de coagulação e o tipo de tecnologia de tratamento (operações e
processos) da água (BARROSO; CORDEIRO; 2001, p. 1).

Driscoll et al (1987, apud BARROSO e CORDEIRO, 2001, p.3)


cita que em diversas pesquisas, níveis elevados de alumínio tem sido
associados a várias doenças neurológicas, tais como mal de Alzheimers,
demência pré-senil e outros.
Já Lamb e Bailey dizem:

Estudando os efeitos agudos e crônicos dos lodos de sulfato de alumí-


nio em espécies que compõem a camada (significativa na alimentação
de peixes) bentônica, verificam que a taxa de mortalidade das espé-
cies aumenta com o aumento das dosagens de lodo. Como agravante,
as descargas de resíduos em corpos d’água estacionários ou de baixa
velocidade, podem desenvolver condições anaeróbias e promover a
ressolubilização de metais presentes no solo e nos resíduos (LAMB
& BAILEY, 1981, apud BARROSO, CORDEIRO, 2001, p. 3).

Muitas são as possibilidades apresentadas pelos especialistas e


teóricos para a reciclagem do lodo oriundo das ETAs. A desidratação do
lodo sedimentado, resultante de processos e tratamentos, é necessária.
Eles têm alto teor de umidade, o que dificulta sua destinação adequada e
aumenta o risco de ocorrência de impacto ambiental.
Referente à importância do teor de sólidos do lodo Souza relata:

Dentre as operações unitárias constituintes de um sistema de


tratamento de resíduos líquidos e sólidos gerados nas ETA’s, o
adensamento de lodos é de extrema importância, pois o suces-
so da desidratação está diretamente relacionado ao teor de só-
lidos do lodo obtido no adensamento. O lodo adensado deve
apresentar um teor de sólidos igual ou maior do que 2,0%, uma
vez que os equipamentos de desidratação existentes no mercado

  88 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012


exigem este teor mínimo de sólidos para que seu funcionamen-
to ocorra de forma adequada e econômica (SOUZA, 2001, p.1).

4. OS TESTES PARA TRATAMENTO


DO LODO DA ETA RIO MANSO

Algumas das alternativas para desidratação do lodo foram testadas


pela Estação de Tratamento de Água Rio Manso, operada pela COPASA
na região metropolitana de Belo Horizonte.A ETA Rio Mando iniciou
suas atividades em 1991. Hoje é responsável pelo abastecimento e
aproximadamente 30% da região metropolitana de Belo Horizonte com
uma produção média de 3,8 m³/s.
A ETA Rio Manso é do tipo convencional, constituída basicamente
de mistura rápida, floculadores mecanizados, decantadores do tipo piscina
e filtros rápidos, com leito filtrante duplo composto de areia e antracito.
Desde 1997 a ETA Rio Manso possui uma Unidade de Tratamento de
Resíduos (UTR), criada com o objetivo de recuperar e reutilizar as águas
provenientes das descargas e dos decantadores e das lavagens de filtros.
A UTR possui decantadores, chamados de secundários, tipo piscina,
elevatória de lodo decantado, elevatória de água recuperada, adensador,
elevatória de lodo adensado, lagoa de secagem e casa de química. As águas
recuperadas pelos decantadores voltam ao início do processo na ETA.
Conforme menciona Costa (2010) no relatório do ENCONTRO
TÉCNICO COPASA -2010, o lodo da estação é transportado para
a UTR. Depois de sedimentado e acumulado, o lodo é enviado aos
adensadores que também recebem as águas procedentes das descargas
dos decantadores da ETA, nos adensadores o resíduo recebe dosagens de
polímero. As águas recuperadas retornam ao início do tratamento da ETA
e o lodo adensado é direcionado para as lagoas de secagem.
Os primeiros problemas enfrentados no tratamento do resíduo
referem-se à produção de elevado volume de lodo com baixa concentração
de sólidos, o que inviabilizava a secagem e provocava saturação das lagoas.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012   89


A partir desse ponto foram canalizados os esforços no sentido de se
promover a desidratação do lodo, com a implantação de novas técnicas.
Em 1998 foram realizados testes com filtro de prensa, nele a
desidratação é feita sob alta pressão, a água do lodo é forçada. Os resultados
esperados com o uso do filtro prensa são: a pouca turbidez do filtrado, a alta
concentração de sólidos da torta, e alta captura de sólidos. Na UTR Rio
Manso a produção de torta alcançou concentração entre 28,6% e 48,6%,
com um consumo de polímeros variando de 1,25 e 2,10 kg/ton. de sólidos.
Nos anos de 1999 e 2010 ocorreram testes com a centrífuga. Imhoff
apud Chagas explica o seu funcionamento.

As centrífugas separam os sólidos da água por diferença de força cen-


trífuga. Para que se obtenha uma água razoavelmente limpa, é ne-
cessário conservar no lodo uma porcentagem relativamente elevada
de água, obrigando a uma secagem posterior por outro processo O
lodo molhado é introduzido axialmente e sob a influência da força
centrífuga, os sólidos em suspensão se depositam na parede interna
do tambor. Daí são empurrados pela rosca, que gira a uma velocidade
um pouco maior, para a extremidade de menor diâmetro, onde saem
da camada líquida, sendo então descarregados. O líquido intersticial
sai do tambor pelo lado do diâmetro maior através de um vertedor
em forma de disco (IMHOFF, 1986 apud CHAGAS, 2000, p. 43).

O resultado obtido foi uma torta com concentração de sólido


variando de 18% a 24% e consumo de polímeros de 1,5 a 3,5 kg/ton. de
sólidos.
Em julho de 2009 a COPASA implantou, para testes na UTR Rio
Manso, a prensa tipo parafuso, modelo Contipress. Esta prensa promove
a desidratação mecânica, a descarga da torta é realizada por gravidade
e transporte horizontal automático através de roscas até caçambas
estacionárias externas. O ideal é que torta possua teor mínimo de sólidos
em torno de 20%, podendo chegar no máximo de 25%. A concentração
de sólidos da torta, nestes testes, variou de 15% a 22% e o consumo de
polímero entre 2,0 e 4,0 kg/Ton. de sólidos.

  90 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012


Ainda em 2009 foram feitos testes utilizando as bacias de contenção
com manta. O processo resultou na produção de torta com concentração
de sólidos variando de 18% a 20%, com consumo de polímero oscilando
de 1,0 a 2,0 kg/ton. de sólidos.
No ano de 2000 UTR Rio Manso também realizou testes com o
objetivo de recuperar o coagulante presente no lodo adensado. Foi possível
recuperar até 95% do coagulante utilizado no processo de potabilização
da água, com um consumo de aproximadamente 0,7 litros de clorídrico
para recuperação de 1,0 litro de coagulante.
Saron e Leite citando Ferreira Filho dizem:

O aumento do intervalo de tempo entre as descargas de uma mes-


ma bomba, é possível aumentar de forma significativa o teor de só-
lidos no lodo descartado. Isto significa que, teoricamente, é possível
trabalhar com períodos de descargas mais curtos, e com um maior
intervalo de tempo entre elas, e desta forma, produzir um menor
volume de lodo ao longo do tempo, com maior teor de sólidos
(FERREIRA FILHO, 1991; apud SARON e LEITE, 2001, p. 4).

A redução do volume do lodo na ETA foi da ordem de 50% em média,


isto ocorreu a partir da realização de estudos que consideram a turbidez
da água bruta e a quantidade de produtos químicos utilizados. Esta análise
reduziu significativamente o número de descargas, consequentemente a
concentração dos sólidos aumentou, já que o intervalo entre as descargas
cresceu.
Outro fator determinante da melhoria de produtividade da UTR
foi uma adaptação no conjunto de motores do adensador. Eles foram
equipados com inversores de frequência que permitiram reduzir a vazão
do lodo e minimizar a formação de fluxo preferencial para a saída de água
clarificada, assim o lodo removido tornou-se mais concentrado.
Dentre todos os métodos e equipamentos testados para a secagem
mecânica do lodo, o filtro de prensa apresentou a melhor concentração de
sólidos. A substituição do cloreto férrico pelo sulfato de alumínio tornou
a recuperação do coagulante economicamente inviável.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012   91


A tabela abaixo apresenta o desempenho operacional da UTR Rio
Manso entre os anos de 2001 e 2009, em função percentual de sólidos
totais (S. T.) do lodo adensado.

Fonte: RELATÓRIO ENCONTRO TÉCNICO COPASA - 2010.

Os dados apresentados nos permitem verificar a melhoria de


desempenho da UTR Rio Manso, sobretudo em relação ao volume de
resíduos oriundos da descarga do decantador da ETA e percentual de
sólidos totais (S. T.) do lodo adensado.
Os resultados confirmam o que propõe a literatura, o controle da
qualidade da água bruta é fundamental para a redução do volume da
produção de lodo, além de permitir a diminuição da quantidade produtos
químicos utilizados para a potabilização da água.
A forma de desidratação do lodo é um processo que deve ser definido
levando-se em consideração as especificidades da ETA. Ou seja, devem
ser considerados os fatores que determinam o intervalo entre descargas, o
grau de concentração do lodo e o volume e as características dos produtos
químicos utilizados.
As adequações ocorridas no decantador propiciaram aumento da
concentração de sólidos para percentuais muito acima do nível, apontado

  92 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012


pelos diversos autores, como mínimo aceitável. Isto facilitou o manejo e
secagem do lodo.
Como é requerido pela legislação e endossado pelos diversos autores,
a água retirada do lodo no processo de desidratação retorna para o início
do processo de tratamento da ETA.
O relatório do ENCONTRO TÉCNICO COPASA – 2010
aponta a modificação do fluxograma da UTR como fator capaz de elevar
de 6% para 9% a concentração dos sólidos. O que se propõe é a inserção
de um novo ponto para aplicação de polímero. Estudos de viabilidade
econômica estão sendo realizados.

5. CONCLUSÃO

A adoção de medidas que estejam em harmonia com a sustentabilidade


ambiental não pode se restringir ao mero cumprimento dos ordenamentos
legais. O exemplo do tratamento de resíduos, praticado pelas empresas de
saneamento, e para fins deste estudo, mais especificamente pela COPASA,
mostra que é necessária a constante busca por melhores resultados.
A conscientização acerca do potencial poluidor dos resíduos das
ETAs conduziu a COPASA à montagem da unidade de Tratamento
de Resíduos Rio Manso, onde foram experimentados diversos modelos
de procedimentos para desidratação do lodo advindo da ETA, além da
elaboração de estudos e realização de adaptações que lhe permitiram
melhorar seu desempenho.
A redução da produção de lodo, o aumento de sua concentração, a
reutilização da água da lavagem dos filtros, o melhor aproveitamento das
lagoas de secagem, a não contaminação dos cursos d’água e a destinação
adequada do lodo são alguns dos benefícios alcançados com o tratamento
deste resíduo, que cooperam com a preservação do meio ambiente.
O próximo passo a ser dado refere-se ao aproveitamento do lodo,
como já acontece em alguns países onde o material é usado na produção de
cimento, na fabricação de tijolos, na compostagem, no cultivo comercial

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012   93


de grama, entre outros. Por isso este estudo não encerra as pesquisas sobre
o tema, antes propõe outras pesquisas sejam realizadas, por exemplo:
acerca da viabilidade econômica da reciclagem do lodo.

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em:<http://www.bvsde.paho.org/bvsaidis/caliagua/brasil/i-090.pdf> Acesso
em: 24 out. 2011.

Title: Wastes from water treatment plants.


Authors: Múccio Wellington Paiva; Renato Luis Tame Parreira.

ABSTRACT: In the list of major global issues of today’s environmental


sustainability. Among its main proposals include the allocation of adequate
treatment and industrial waste. One challenge facing this area refers to the
sludge arising from water treatment plants (WTP), commonly released into
water courses for water utilities. The growth of ecological awareness and
the emergence of laws regulating the disposal of waste, provide opportunity
for implementation of new treatment technologies, dewatering and drying
sludge from water treatment plants. Increased consumption of drinking water

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012   95


increased the production of waste, requiring greater amounts of chemicals in
water purifiers. The sludge is composed of substances with potential polluter, it
is difficult to manage and reuse. This article will show, in light of the literature,
the experience of Waste Treatment Unit Manso River, belonging to COPASA,
in the treatment of sludge from ETA.
Keywords: Sludge dewatering. Waste. Environmental.

  96 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012


Formando leitores: propostas e desafios

Rosecler Aparecida Breda Perre 1

Patrícia da Silva Pereira 2

Resumo: Este artigo tem como tema a leitura no processo de alfabetização e a sua
relação com a formação de um aluno leitor competente. O objetivo deste estudo é
refletir sobre a interação do leitor com o texto, na tentativa de descobrir estratégias que
ofereçam ao aluno oportunidades de aprender a ler significativamente e de maneira
prazerosa. Para tanto, foi utilizada a pesquisa bibliográfica e uma análise qualitativa das
obras selecionadas. Inicialmente foram discutidos o conceito e a natureza de leitura,
direcionando-se, a seguir, o foco da discussão para a formação de alunos leitores,
bem como a importância do professor neste processo dentro da escola. A necessidade
do estudo deste tema justifica-se pela constatação de que a aprendizagem da leitura é
uma experiência importante na vida da criança, por determinar o modo como ela irá
relacionar-se com a escola e com a aprendizagem de modo geral.

Palavras-chave: Leitor. Leitura Significativa. Alfabetização. Prazer. Educação.

1
Especialista em Educação Infantil e Alfabetização. Centro Universitário Claretiano. E-mail: <rosebreda@
yahoo.com.br>.
2
Orientadora. Mestre em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Professora de rede
pública de ensino do munícipio de Araraquara e de Metodologia da Pesquisa Científica do Centro Universário
Claretiano. E-mail: <sppatricia@yahoo.com.br>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012   97


1. INTRODUÇÃO

[...] quando lemos o mundo organizado se desorganiza, o mundo


caótico ganha sentido, o fantástico é experimentado, a história ga-
nha condições de maravilhoso e o maravilhoso de verdade. Aqui
o mundo se explica (YUNES apud ALMEIDA, 2009, p. 143).

Quando são levados em consideração os diversos tipos de leitura


que permeiam o mundo e não apenas a leitura escrita, percebe-se que
os primeiros estão presentes na vida do ser humano desde muito cedo.
Segundo Demo (2006), a leitura do mundo precede sempre a leitura da
palavra, no entanto a leitura desta implica na continuidade da leitura
daquele.
Em relação à leitura e à escrita, a criança, desde pequena, quando
possui um “modelo”, sabe o que é ler, como isso se faz e como é a atitude de
alguém realizando uma leitura. Vê-se isto claramente quando os pequenos
realizam suas pseudoleituras, de posse de um livro, de um jornal, de revistas.
Eles simulam, com palavras até mesmo bem elaboradas, o ato de ler. De
acordo com Maruny Curto (2000), essas crianças já têm ideias sobre o que
se pode e o que não se pode ler.
O exercício da leitura apresenta-se hoje como fio condutor, norteador
de todo o processo educativo, uma vez que é imprescindível em todas as
disciplinas um veículo de transmissão de conteúdos específicos de cada
área de estudo. Além disso, conforme afirma Lerner (2002), a leitura é
uma responsabilidade inalienável da escola, o que acaba acarretando ao ato
de ler dentro da instituição um sentido de obrigatoriedade, diferente do
que acontece fora dela. Percebe-se, assim, que muitos desafios se impõem
ao ensino da leitura, já que, segundo Demo (2006), ler implica dominar a
sintaxe (gramática), mas confirma-se na semântica (interpretação).
Neste cenário, uma figura importantíssima na motivação do
aluno a ler é o próprio professor. Para que o aluno entenda quais são
os comportamentos típicos de um leitor, é preciso que o professor os

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“encarne” na sala de aula, que permita aos alunos participarem de atos de
leitura que ele mesmo está realizando, que aluno e professor possam ter
uma relação de “leitor para leitor”. Para Lerner (2002), quando o professor
lê materiais que ele mesmo considera interessantes, belos ou úteis, pode
comunicar o valor da leitura às crianças.
Entretanto, apesar de ser condição necessária que o professor opere
como leitor, esta atitude não é suficiente para ensinar a ler. É preciso pensar
em projetos que consigam envolver os alunos, dar-lhes possibilidades de
escolha já que, segundo Demo (2006), não é que os alunos não queiram
ler nada, muitas vezes não leem o que queremos. Talvez suas motivações
sejam outras, que ignoramos.
Dessa forma, esse trabalho buscará provocar uma reflexão acerca
do tema leitura, relevante tanto no âmbito educacional como no social.
Tal relevância se confirma na afirmação de Cagliari (2009, p. 130) que
considera que “a leitura é uma herança maior do que qualquer diploma”.
Neste trabalho a pesquisa bibliográfica foi utilizada como metodologia
para o seu desenvolvimento, bem como para buscar definições e estratégias
para os temas levantados, sendo possível, assim, refletir sobre as interações
do leitor com o texto, na tentativa de descobrir estratégias que ofereçam
ao aluno inúmeras oportunidades de aprender a ler.
No primeiro subtítulo serão discutidos o “Conceito e Natureza de
Leitura”, abordando os aspectos históricos e conceituais do tema. No
segundo subtítulo, “Leitura: a questão da aprendizagem”, serão expostas
as diferentes teorias de alfabetização, seus métodos e contribuições ao
processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Finalmente, no terceiro
subtítulo, “Formando Alunos Leitores”, serão debatidas diferentes
estratégias para a formação de leitores competentes.

2. CONCEITO E NATUREZA DA LEITURA

Entende-se por leitura o ato de percorrer com os olhos o que está


escrito, proferindo ou não. Entretanto, apesar do ato de decifração dos

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012   99


códigos escritos serem essenciais para que se inicie um processo de leitura,
vários autores, tais como Lerner (2002), Demo (2006), Smith (1999),
Cagliari (2009), concordam que o ato de ler não deve se esgotar em
sua forma “mecânica”. A leitura significa muito mais do que um simples
processo pelo qual uma pessoa decifra os sinais ou símbolos, como as
palavras e as letras, e reproduz som. Sabe-se ler quando se compreende
o que lê, quando se retira o significado do que lê, interpretando os sinais
escritos. Para Demo (2006), ler e não compreender é como não ler.
A criança, quando em experiência direta e repetida com leitores
experientes, sabe o que é ler, que tipo de atitude tem um leitor. Segundo
Maruny Curto (2000), quando os pequenos simulam ou imitam o ato de
ler, estão, na verdade, dando um passo de gigante.
De acordo com Smith (1999), para compreender a leitura, os
pesquisadores, os educadores, devem considerar não somente os olhos, mas
também os mecanismos da memória e da atenção, a ansiedade, a capacidade
de correr riscos, a natureza e os usos da linguagem, a compreensão da fala,
as relações interpessoais, as diferenças socioculturais, a aprendizagem em
geral e, também, a aprendizagem das crianças pequenas, em particular.
Lerner (2002) descreve de maneira poética o ato de ler como sendo a
porta de entrada para outros mundos possíveis. A leitura permite indagar
a realidade para compreendê-la melhor, se distanciar do texto e assumir
uma postura crítica frente ao que se diz e ao que se quer dizer.
A leitura é, também, a realização do objetivo da escrita, Já que
quem escreve, escreve algo para ser lido e que ambas se inter-relacionam
permanentemente. Cagliari (2009) afirma, ainda, que o objetivo da escrita
é, muitas vezes, a leitura e, assim como existem diversos tipos de textos,
existem diversos tipos de leitura, de acordo com o propósito buscado pelo
leitor. Às vezes ler é um processo de descoberta, como a busca do saber
científico, outras requer um trabalho paciente, perseverante, desafiador,
semelhante à pesquisa laboratorial. A leitura pode, também, ser superficial,
sem grandes pretensões, como uma atividade lúdica, realizada somente
por prazer. O indivíduo pode ler para posicionar-se, ler para escrever.
Segundo Soares (2001), há que se considerar, ainda, que essa variedade

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de “habilidades” de leitura deve ser aplicada diferenciadamente a diversos
tipos de material de leitura, tais como literatura, livros didáticos, obras
técnicas, dicionários, listas, enciclopédias, jornais, receitas, entre tantos
outros.
Como aponta Demo (2006), lemos para dar conta da realidade e de
todos os desafios que dela recebemos ou a ela impomos. Até mesmo uma
democracia de qualidade dependeria de leitores “eficientes”, que leiam e
questionem o que está escrito, já que a mesma requer uma população que
saiba pensar e saber pensar inclui saber ler e questionar.
Para Lerner (2002) e Cagliari (2009), uma atividade inalienável da
escola na formação dos alunos é a leitura, o que acaba acarretando um
sentido de obrigatoriedade no seu tratamento dentro da instituição.
Começando pela imposição de uma única interpretação possível, todo o
tratamento que a escola faz da leitura acaba sendo fictício. Tal pressuposto
acaba isolando a possibilidade de uma leitura significativa para fora
do âmbito escolar, na qual a mesma se mantém, em geral, alheia ao
obrigatório.
O desafio de dar sentido à leitura tem uma dimensão institucional.
Conforme Lerner (2002), para que a leitura na escola seja transposta de
objetivo de ensino para objetivo de aprendizagem, é necessário que ela
tenha sentido do ponto de vista do aluno e, assim, possa cumprir o objetivo
mais profundo da alfabetização, como coloca Demo (2006), de propiciar
ao aluno oportunidade de, sabendo ler e escrever compreensivamente,
significativamente, tomar conta do seu destino com autonomia.

3. LEITURA: A QUESTÃO DA APRENDIZAGEM

Para ler é preciso, primeiramente, ser alfabetizado. LERNER (2002),


Cagliari (2009) e Magnani (1989) concordam que esta tarefa cabe
historicamente à escola. No entanto, é preciso superar algumas concepções
sobre o aprendizado inicial da leitura. A principal delas é a de que ler é
simplesmente decodificar, converter letras em sons, sendo a compreensão

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012   101


consequência natural dessa ação. Por conta desta concepção equivocada,
a escola pode produzir uma grande quantidade de leitores capazes de
decodificar os mais diversos textos, mas com enorme dificuldade para
compreender o que leu.
Nesta busca pela melhor forma de aprendizagem da leitura, e
também da escrita, ao longo dos anos, no Brasil, muito se discutiu e se
pesquisou nesse sentido, depositando-se nos diferentes métodos de ensino
desenvolvidos tentativas de sanar os déficits apresentados em sala de aula
no que tange à alfabetização.
Segundo Costa (s.d.), os métodos de alfabetização dividem-se em dois
grandes grupos: o dos métodos sintéticos e o dos métodos analíticos.
Os métodos sintéticos se firmam em uma época em que a escola começa
a se organizar de forma sistemática no Brasil, ao final do primeiro império.
Carente de várias condições para um bom funcionamento, a instituição
escolar se utiliza, nesse momento, dos métodos alfabético, fônico e silábico,
respectivamente, − todos sintéticos − bem como “do empenho de professor
e alunos para subsistir” (Mortatti, 2006, p. 5).
O método alfabético, ou de soletração, primeiro a ser utilizado, tem
como centro de ensino a letra e trabalha com uma ordem crescente de
dificuldade: primeiramente decora-se o nome das letras, realizando-
se − e decorando-se −, posteriormente, todas as combinações silábicas
possíveis.
O método fônico, por sua vez, utiliza o fonema como unidade principal,
acreditando ser necessário instruir sobre as relações entre sons e letras,
com o objetivo de estabelecer relação entre o escrito e o falado. Por este
método, ensina-se do mais simples para o mais complexo, iniciando-se
pelas vogais, partindo-se para as consoantes e suas relações com as mesmas
vogais.
Finalmente, o método silábico tem como foco as sílabas que
compõem as palavras. Apesar de propor uma boa “analogia” entre a escrita
e os fragmentos da fala e, segundo Costa (s.d.), ser utilizado até hoje, o
método silábico se baseia em textos absolutamente artificiais, havendo
muito treino, repetição e a utilização da leitura de uma forma mecânica,

  102 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012


privilegiando a decodificação do código escrito. Esta é, inclusive, a maior
crítica feita aos métodos sintéticos de forma geral: o carecimento de
sentido.
De acordo com o método analítico

[...] o ensino da leitura deveria ser iniciado pelo “todo”, para depois
se proceder à análise de suas partes constitutivas. No entanto, dife-
rentes se foram tornando os métodos de processuação do método,
dependendo do que seus defensores consideravam o “todo”: a pa-
lavra, ou a sentença, ou a “historieta”. (MORTATTI, 2006, p. 7)

Considerando-se a “historieta” (pequenos contos, ou frases


relacionadas entre si) como unidade central, parte-se da análise do
texto, previamente trabalhado e lido muitas vezes com as crianças,
decompondo-o em sentenças, posteriormente em palavras e finalmente em
sílabas. Partindo-se da sentença, tem-se a sua decomposição em palavras e
em seguida em sílabas. Tendo como ponto de partida as palavras, estas são
decompostas em sílabas, sendo que é bastante trabalhada a relação “grafia/
imagem” das mesmas. Em todos os casos, entretanto, havia uma busca por
sentido no trabalho que estava sendo desenvolvido. Assim, antes de iniciar
os diferentes processos de decomposição, o professor realizava um extenso
trabalho com o texto (“historieta”, sentença ou palavra) em questão.
No princípio dos anos 80, mais uma vez, tentando-se buscar soluções
para o enfrentamento das dificuldades da escola no ensino da leitura
e da escrita aos seus alunos, tem-se uma mudança de foco dos métodos
para como ocorre o processo de aprendizagem das crianças, segundo o
construtivismo na alfabetização, “(...) resultante das pesquisas sobre a
psicogênese da língua escrita desenvolvidas pela pesquisadora argentina
Emília Ferreiro e colaboradores.” (Mortatti, 2006, p. 10).
De acordo com essa teoria, que não se constitui em um método,
nem tampouco se utiliza de cartilhas para trabalhar com a alfabetização
das crianças, há que se fazer, primeiramente, um diagnóstico prévio dos
alunos verificando, através de seus “erros” quais são suas hipóteses para
como a escrita se constitui. Rego (1992, p. 107) afirma que “[...] as crianças

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012   103


desenvolvem hipóteses sobre a língua escrita mesmo antes de aprender a
ler”.
É defendida uma alfabetização contextualizada, onde as crianças
devem ser expostas a situações-problema que a levem a refletir e criar
hipóteses sobre a escrita. O ensino da leitura e da escrita ocorreria por
meio da imersão dos alunos em práticas sociais de leitura e escrita, já
que os pequenos, segundo esta proposta, não iniciam seu aprendizado
acerca da linguagem escrita apenas quando entram na escola, o mesmo
já acontece em seu meio social. Segundo Smith (1999), iniciamos a
aprendizagem da leitura na primeira “pseudoleitura” sobre uma ideia de
escrita e continuamos aprendendo a cada vez que realizamos o ato de ler.
Há que se tomar cuidado, entretanto, com a visão, errônea, de que a
criança aprende sozinha. São necessárias intervenções do professor a fim
de fazê-la pensar sobre o processo de construção da linguagem escrita. A
ausência de uma didática construtivista (Mortatti, 2006, p. 12), entretanto,
vem abrindo espaço para tentativas de se resgatar antigos métodos e
apresentá-los como novidade metodológica em alfabetização.
Neste trabalho, a ideia de formação de leitores remete ao conceito
de letramento exposto por Soares (2001), segundo o qual um indivíduo
é capaz de responder acertadamente aos diversos usos sociais da leitura
e da escrita. Dessa maneira, o objetivo da escola e, como conseqüência,
dos educadores não é apenas ensinar a ler e a escrever, mas também, e
principalmente, levar os alunos a fazer uso da leitura e da escrita, levá-los
a envolver-se em práticas sociais de leitura e escrita.
Smith (1999) coloca que se torna complicado o uso de métodos para
se ensinar a ler, já que nenhum método tem sucesso com todos os alunos.
REGO chega a afirmar que

Se ler fosse apenas um exercício mecânico de traduzir grafia em som, prin-


cipal ênfase de muitos métodos de ensinar a ler, que subtraem da criança
a possibilidade de perceber o caráter funcional da escrita, um bom leitor
se resumiria apenas a um bom decodificador. (REGO, 1992, p. 126)

  104 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012


Os requisitos básicos para a aprendizagem da leitura seriam a vontade
do indivíduo em aprender, a disponibilidade de material interessante e com
sentido para o aluno, bem como a orientação de um leitor mais experiente
e compreensivo, como um guia. No caso da escola, o professor.

4. FORMAÇÃO DE ALUNOS LEITORES

O meio para a formação de alunos leitores seria a prática da leitura


(SMITH, 1999). Não a leitura de palavras desconectadas ou textos
sem sentido, mas sim de materiais contextualizados, significativos para
os alunos, já que aprender a ler é, ou deveria ser, uma atividade que dá
prazer.
O que mais estimula os novos leitores na aprendizagem da leitura
não é uma promessa de satisfação no futuro, ou recompensas externas
como elogios, boas notas, um tratamento especial ou a tentativa de evitar
alguma punição, mas o fato de ser capaz de ler e, como Demo (2006)
aponta, todos podem aprender porque possuem “equipamento” adequado
para tanto: o cérebro, em especial.
A leitura de um mesmo texto, em uma mesma língua, pode gerar
diferentes interpretações, baseadas nas estruturas de conhecimento de cada
um, conforme afirma Cagliari (2009). Uma criança não lê como um adulto
e sendo de um meio social pobre, com poucos estímulos e experiências de
leitura, não lê da mesma forma que uma criança na situação oposta:

[...] a arte de tirar significado dos livros, que é fundamental na escola,


começa a ser cultivada muito cedo nas famílias de classe média, efe-
tuando-se assim uma continuidade entre o lar e a escola que facilita
o êxito escolar das crianças provenientes daquelas famílias (HEATH
apud REGO, 1992, p. 106).

Da mesma maneira, nenhum dos alunos lerá da mesma maneira


que o professor. Neste contexto não se deve concluir que uma criança lê

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012   105


bem e a outra lê mal, causando desmotivações. Todas lêem de maneiras
diferentes. Smith (1999) afirma que não devemos esperar que todas as
crianças aprendam a ler ao mesmo tempo ou no mesmo ritmo, ou com os
mesmos materiais, pelas simples razão de que as crianças são indivíduos.
Como descrito anteriormente, um dos principais objetivos da
educação é desenvolver a capacidade de leitura nos alunos, transformando-
os efetivamente em leitores. Esse trabalho de formação do leitor é um
processo que demanda tempo, dedicação, planejamento e envolve todo
o corpo docente da escola. Como aponta Cagliari (2009) nenhum aluno
que lê mal poderá sair-se bem em História, Ciências ou outra matéria
qualquer, o que significa que o ensino da leitura interfere em todo o
processo educacional.
Neste âmbito, “o professor leitor” pode ser um facilitador e mediador
da leitura. Antes de desempenhar o seu papel mais importante, o de
orientador no processo de formar leitores competentes, que gostem de
ler, o professor deve ser leitor, ter paixão pela leitura. É muito difícil para
um “não-leitor” formar bons leitores, pois não é fácil convencer alguém
daquilo que não estamos convencidos. Como afirma Magnani (1989),
precisamos nos formar como leitores para interferir criticamente na
formação qualitativa do gosto de outros leitores. Em contrapartida, SILVA
(1995) afirma que algumas reflexões recentes apontam para o fato de que
os professores, na sua maioria, lêem muito menos do que os alunos.
Nem todos os alunos que chegam à sala de aula tiveram uma leitura
prévia em seus lares, no meio social em que estão inseridos. Portanto,
segundo Lerner (2002) é fundamental ao professor, entre outras coisas,
comunicar às crianças um “comportamento leitor”, isto é, aqueles
procedimentos típicos de um verdadeiro leitor, como comentar com as
pessoas o que se leu ou está lendo, expressar o que pensou ou sentiu ao
ler, comparar o tratamento da informação em diferentes fontes, comentar
as prováveis intenções do autor, relacionar os conteúdos dos textos à
realidade vivida e aos outros textos, recomendar leituras, interessar-se
pelos autores, comparar textos, autores, abordagens.
Ainda conforme Lerner (2002), para comunicar aos alunos os

  106 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012


comportamentos que são típicos do leitor é necessário que o professor
os “encarne” em sala de aula, que ofereça aos mesmos a oportunidade de
participar em atos de leitura que está realizando, estabelecendo com as
crianças uma relação de “leitor para leitor”.
Demo (2006) e Smith (1999) concordam que o compromisso
do professor com a leitura é ainda maior porque na prática é ele quem
seleciona o que o aluno vai ler. Daí a necessidade do professor ter formação
suficiente para gerar alternativas, propor leituras significativas ao mesmo
tempo em que se preocupa em formar leitores críticos, autônomos.
Entretanto, como aponta Lerner (2002), operar como leitor é uma
condição necessária, mas não suficiente para ensinar a ler. Acredita-se
que o professor deva deixar de ser um simples transmissor de conteúdos
e técnicas e assuma um papel de orientador, de facilitador e mediador
da aprendizagem. Para isso, ele necessita, de um lado, aprofundar-se
no conteúdo referente às questões de leitura e, de outro, ter um bom
conhecimento das crianças que lhe são confiadas, uma atitude positiva e
atenta frente aos alunos, uma sensibilidade pelos interesses e possibilidades
de cada um, além de conhecer sua realidade social. Além disso, as
preferências das crianças também devem ser respeitadas.
Segundo Magnani (1989), cabe ainda ao professor romper com
o estabelecido, propor a busca e apontar o avanço. Ser alguém que lê,
estuda, expõe sua leitura e seu gosto, tendo para com o texto a mesma
sensibilidade e atitude crítica que espera de seus alunos. Neste contexto,
como afirma Silva (1995), a formação do professor deve ser contínua,
incessante e permanente.
Cagliari (2009) aponta uma série de atividades que podem ser
realizadas pelo professor na tentativa de formar esse leitor competente,
como ler para eles, já que, segundo o autor, a leitura começa quando se
ouve histórias; ler coletivamente textos que todos sabem de cor; oferecer
material de leitura; realizar leituras contextualizadas; deixar que as crianças
treinem sua leitura, antes de lerem em voz alta; alternar discussões com
os pequenos sobre os textos lidos, ora pedindo que recontem a história
lida, ora não. Além disso, é necessário, como ressalta o mesmo autor,

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012   107


que as escolas abram suas bibliotecas oferecendo livros de consulta e de
livre circulação, cientes de que esse material terá vida curta e necessitará
ser reposto. Podem-se elaborar livros com os alunos, com suas próprias
escritas e ilustrações, sem esquecer-se de que “os alunos devem entrar
em contato com bons autores desde as primeiras leituras” (CAGLIARI,
2009, p.155).
Um leitor competente só pode constituir-se mediante uma prática
constante de leituras de textos de fato e a partir de um trabalho que deve
se organizar em torno da diversidade de textos que circulam socialmente.
Não basta pedir ao aluno que leia ou passe a gostar de ler. É preciso
mostrar-lhe que ler é uma atividade enriquecedora e uma das mais
importantes “armas” que ele terá durante toda a sua vida para conhecer
o mundo. Para isso, a escola deve dedicar-se a conquistar o aluno para a
cultura, despertando nele a curiosidade intelectual.
Segundo Pennac (1993), o verbo ler não “suporta o imperativo”.
Há que se conceder ao aluno alguns direitos que, como concorda Smith
(1999), são característicos de leitores fluentes e experientes, tais como o
direito de pular páginas, de não terminar um livro, de reler, de não ler,
de ler qualquer coisa, o direito ao “bovarismo” – uma satisfação imediata
e exclusiva das sensações - , de ler em qualquer lugar, de ler uma frase
aqui e outra ali, o direito de ler em voz alta e, também, o direito de calar
(PENNAC, 1993).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das considerações apresentadas, conclui-se que o ato de ler está


presente na vida do ser humano desde muito cedo, quando realiza a leitura do
mundo, passando às pseudoleituras, de acordo com os modelos que tem. O
objetivo da instituição escolar e dos educadores, com relação a este tema, seria
o de proporcionar a evolução das crianças neste sentido, para que atinjam um
nível de alunos alfabetizados ou, mais importante, de alunos letrados capazes
de ler, interpretar e agir criticamente frente a um texto escrito.

  108 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012


Cabe, assim, à escola e aos professores gerarem alternativas na
tentativa de valorizar a prática de leitura com a finalidade de formar um
leitor competente. Um leitor competente por iniciativa própria, capaz de
selecionar os textos que atendam aos seus interesses, que consiga utilizar
estratégias de leitura adequadas para abordá-los de forma a atender a essa
necessidade. Formar um leitor competente que compreenda o que lê, possa
aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos
implícitos. Que estabeleça relações entre o texto que lê e outros já lidos,
que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto. Que
consiga justificar e avaliar a sua leitura a partir da localização de elementos
discursivos. Enfim, formar um leitor com empatia com aquilo que lê.
Vale ressaltar que tudo isso se faz necessário porque uma democracia
de qualidade só é possível com uma população que saiba pensar e saber
pensar inclui, entre outras coisas, saber ler.

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  110 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012


Title: Forming Readers: proposals and challenges.
Author: Rosecler Aparecida Breda Perre; Patrícia da Silva Pereira.

ABSTRACT: This article has as a theme the reading in the literacy process and
its link to the formation of an efficient reader student. The aim of this study is
to consider on the interaction of the reader with the text, attempting to discover
strategies that offer to the student many opportunities of learning how to read
significantly and in a pleasant way. For that, was used the literature research and
a qualitative analysis of selected works. Initially, was discussed the conception
and nature of reading, directing, then, to the focus of the discussion which is the
formation of readers students, and the value of the teacher in this process within
the school. The need to study this issue is justified by the finding of learning how
to read as an important experience in the life of the child, determining how it
will relate to the school and with learning in general.
Keywords: Reader. Significant Reading. Literacy. Pleasure. Education.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012   111


  112 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 83-96, jul./dez. 2012
Educação inclusiva e o apoio à família

Gabriela Julio Galvão de França 1

Renata Andrea Fernandes Fantacini 2

Resumo: A elaboração deste artigo decorre da oportunidade de colaborar com a discussão


e reflexão sobre a importância de se organizar um serviço eficiente de atendimento e
orientação às famílias cujos filhos apresentem necessidades educacionais especiais. A
partir da revisão bibliográfica, levantaram-se estudos de pesquisadores e documentos
oficiais que propõem como discussão a importância da conscientização e do apoio à
família dentro do movimento de educação inclusiva. Buscou-se mostrar a preocupação
com as famílias que não estão preparadas para ter um filho especial. Refletiu-se, nesse
artigo, sobre a necessidade de reconhecer toda a legislação que ampara a família e
oferecer a esta uma oportunidade de aconselhamento sobre como proceder diante das
dificuldades frente ao filho com necessidades educacionais especiais. O texto apresenta,
ainda, a gestão sob a ótica do papel desempenhado pela família, decorrente de uma visão
filosófica que define uma concepção de Educação Especial partindo do pressuposto dos
Direitos Humanos.

Palavras-chave: Família. Necessidades Educacionais Especiais. Aconselhamento.

1
Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo Centro Universitário Filadélfia (UNIFIL).
Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atua na área de Psicologia Escolar
e Educacional, pela Prefeitura Municipal da Estância Turística de Batatais (SP). E-mail: <gabi_galvao09@
yahoo.com.br>.
2
Mestranda em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda (CUML). Especialista em Atendimento
Educacional Especializado (UNESP). Especialista em Educação Especial pela Universidade de Franca
(UNIFRAN). Especialista em Docência no Ensino Superior nas Modalidades Presencial e EAD pelo Centro
Universitário Claretiano de Batatais (SP). Docente dos cursos de Graduação e Pós-Graduação (Presencial e
EAD) da mesma Instituição. E-mail: <refantacini@hotmail.com>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012   113


1. INTRODUÇÃO

Desde a vigência da Declaração de Salamanca (1994), documento


internacional que orienta a política nacional brasileira no que diz respeito
ao atendimento educacional especializado aos alunos com necessidades
especiais, estipulou-se que todos os governos deveriam “encorajar e
facilitar” a participação dos pais no planejamento e na tomada de decisões
quanto aos serviços especializados oferecidos, estabelecendo, com eles,
uma verdadeira parceria.
O reconhecimento da importância da família para o processo
de inclusão se explicitou em vários artigos da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), um marco para a educação
brasileira.
Por meio de deliberações do Estado de São Paulo (Resolução de
3/5/2000) especificou-se a necessidade de a educação especial ser garantida
em estreita relação com a família (Art. 3º), inclusive dando subsídios,
juntamente com a equipe de profissionais, para decidir a programação
educacional a ser cumprida e o tipo de atendimento a ser oferecido aos
alunos (Art. 7º) (BRASIL, 2000).
Portanto, o objetivo geral deste artigo é corroborar com a discussão
e reflexão sobre a importância de se organizar um serviço eficiente de
atendimento às famílias que têm filhos com necessidades educacionais
especiais.
A proposta de elaboração deste artigo foi divida em três momentos,
sendo eles:
- levantamento do material teórico que fundamentou a pesquisa,
enfatizando inicialmente os seguintes eixos temáticos:
- família (conceito, histórico, estrutura, papéis sociais, relações
familiares etc.);
- a nova organização da família com a chegada de um filho com
necessidades educacionais especiais (organização, desestruturação e
reorganização);
- legislação vigente (se já é previsto um amparo legal ou até mesmo

  114 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012


orientações / apoio à família sobre como proceder em relação às
necessidades especiais de seus filhos).
No segundo momento, de acordo com o documento do MEC
intitulado Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade - a família
(BRASIL, 2004), torna-se importante entrar em contato, até mesmo
no próprio município, com as Secretarias da Saúde, Assistência Social e
Educação a fim de sondar a existência de indicadores que acompanham
e garantam o desenvolvimento de um sistema de serviços voltados para a
formação de famílias autogestoras. Alguns destes sistemas estão listados
abaixo:
- Sistema organizado e ágil de atenção pré-natal a gestantes e seus
familiares;
- Sistema eficiente de informações sobre os serviços de saúde
disponíveis para gestantes e seus familiares;
- No sistema municipal, se os profissionais da saúde encontram-
se preparados para informar e orientar os pais sobre os procedimentos
necessários para o atendimento de crianças com deficiência;
- Serviços sistemáticos de suporte para a mãe após o parto;
- Atendimento especializado para bebês com necessidades
educacionais especiais;
- Educação Infantil Inclusiva;
- Serviços de avaliação e atendimento de crianças e adolescentes com
necessidades educacionais especiais;
- Serviço de atendimento às famílias que têm filhos com necessidades
especiais permanentes e;
- Promoção de relações interinstitucionais, para favorecer a não
duplicação de serviços e a diversificação de recursos disponíveis na
comunidade.
Neste momento, é preciso procurar apoio em instituições
especializadas que ofereçam um trabalho de Prevenção e/ou Intervenção
junto às famílias de pessoas com necessidades educacionais especiais.
O terceiro e último momento, por sua vez, busca discutir e refletir
sobre o funcionamento das redes de apoio à família, ou seja, se o que é

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012   115


previsto na teoria realmente acontece na prática. Acredita-se, também,
que neste momento poderá ser utilizado o quadro sugerido pelo MEC
em 2004, no qual são observadas a realidade atual e quais as providências
a serem adotadas para o alcance das metas (indicadores de que momento
do processo de transformação o município se encontra e o que ele precisa
alcançar), sugerindo e levando ao conhecimento de muitos a importância
desse estudo para a sociedade.
Acredita-se que tal estudo é relevante, podendo ser levado ao
conhecimento e repensado pelos órgãos responsáveis, considerando-se
sua importância dentro da perspectiva da educação inclusiva e, acima de
tudo, para a formação mais humana de toda a sociedade.

2. METODOLOGIA

Este artigo foi desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica, por


meio de livros impressos, fontes virtuais e em referenciais do MEC.
Utilizou-se como principais referências: NBR 6022, 2003; Paniagua
(2004); Machado (2005) e também buscou-se utilizar documentos que
amparam e norteiam as famílias de crianças com necessidades educacionais
especiais disponíveis nos referências do MEC tais como: Programa
Educação Inclusiva: Direito à Diversidade - a família (BRASIL, 2004) e
Política Nacional na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008).

3. DESENVOLVIMENTO

Segundo Papalia (2006), a família pode ter significado diferente em


épocas e lugares diferentes, já que suas características mudaram muito
durante os últimos 150 anos. A família nuclear, uma unidade doméstica,
econômica e de parentesco entre suas gerações, composta pelos pais e pelos
seus filhos biológicos ou adotivos já foi uma forma dominante, porém,
nos últimos 50 anos, as mudanças aceleraram-se e atualmente esse padrão

  116 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012


vem desaparecendo conforme os países vêm se desenvolvendo.

Por um lado, existe na sociedade atual uma grande variedade de es-


truturas familiares: tradicionais, monoparentais, adotivas, com ou
sem irmãos, com ou sem apoio dos parentes. Por outro lado, famílias
com uma composição similar também são muito diferentes entre si
quanto à ideologia, recursos, envolvimento na educação dos filhos
ou atitudes diante das deficiências. (PANIAGUA, 2004, p. 330).

Estudos e artigos considerados referenciais para o MEC apontam as


famílias como sendo um sistema bastante complexo, visto que:
- Cada família é singular, ou seja, difere em tamanho, elementos que
a compõem, possui valores próprios, costumes etc.
- Toda família passa a ser um sistema interativo, à medida que as
ocorrências com um de seus integrantes podem afetar o grupo como
um todo; por exemplo: desemprego dos pais, problemas com drogas ou
alcoolismo protagonizados por um dos membros, promoção no emprego,
casamento de um filho, separações, o nascimento de um filho com
deficiência, dentre outros.
- Passa por várias fases de desenvolvimento e, assim como o ser
humano, também se forma e à medida que vai passando por estas fases,
precisa enfrentar as mudanças que surgem a fim de se ajustar às novas
situações. Por exemplo, a entrada de cada filho na relação familiar exige
sua reorganização, desde o nascimento deste filho, seu desenvolvimento
até sua entrada na escola, na adolescência, no trabalho, matrimônio, etc.
- A família faz parte de uma unidade social maior, a sociedade na qual
se inclui, e cotidianamente, as transformações que ocorrem na esfera geral
podem ter repercussões em sua estruturação, bem como nas vivências de
seus membros como, por exemplo, uma recessão econômica, uma guerra
etc.
- Cada elemento da família tem um papel a desempenhar de acordo
com as tradições: o marido / pai: de prover; a esposa / mãe: cuidar, educar;
o filho(a), irmão(ã), de respeitar, acatar as ordens e assim por diante.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012   117


Cabe destacar, aqui, que tais papéis sofrem variações nas diferentes e em
determinadas épocas da história.

[...] a organização familiar vem se transformando ao longo do tempo,


mas, em todos os tempos e seja qual for sua formação, a família deve de-
sempenhar funções educativas, transmitir valores culturais, fornecer
modelos de formação para o indivíduo viver socialmente e estabelecer
suas relações. A família é o primeiro grupo de mediação do indivíduo
com o mundo social e é responsável pela sua sobrevivência física e men-
tal. No seio familiar também deve se concretizar o exercício dos direi-
tos da criança e do adolescente, como cuidados essenciais para possi-
bilitar seu crescimento e desenvolvimento [...] (CARVALHO, 2008). 

É por intermédio dessas relações que acontece, normalmente, o


desenvolvimento de cada um dos membros da família. As relações de um
casal vão se firmando e as experiências do dia-a-dia vão decidir se a forma é
adequada ou não, se estas relações serão influenciadas por fatores genéticos
ou ambientais, ou seja, tanto pelas características pessoais de cada um
(ritmo, temperamento, afetividade), quanto pelas de seus descendentes,
com diferentes hábitos, costumes, valores, formas de relacionamento
entre seus membros.
Durante a gestação, por exemplo, os pais idealizam, sonham e fazem
projetos futuros de vida para os filhos de acordo com os seus desejos e
aspirações. Eles acreditam que, com a chegada dos filhos, o sonho por
eles alimentado se tornará realidade, fato que nem sempre se concretiza,
gerando frustração e sofrimento.

Ter um filho é um dos acontecimentos mais vitais para o ser hu-


mano. Os vínculos afetivos entre pais e filhos normalmente são tão
intensos como as emoções que se põem em jogo. Um filho é sem-
pre fonte de ilusões ou medo. A fantasia e as vivências que se pro-
duzem em torno deles são muito profundas e refletem não só a
projeção de si mesmos, como também expectativas idealizadas.
O fato de que ser pai seja algo habitual não significa que seja fá-

  118 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012


cil e, quando o filho tem alguma dificuldade séria, tudo pode tor-
nar-se particularmente difícil (PANIAGUA, 2004, p. 330-331).

Quando esses sonhos e ideais não se concretizam, todos os membros


da família precisam de um tempo para elaborar o luto decorrente da
perda do filho idealizado e, também, para se adaptar a seus novos papéis.
É neste momento que acontecem as rupturas internas (sentimentos dos
pais) e externas (a realidade da situação) que afetam diretamente a família
como um todo, causando muitas vezes a desestruturação e a necessidade
de reorganização da mesma. Nesse momento, a orientação familiar passa
a ser fundamental, para que haja uma melhor compreensão e aceitação
dessa nova situação.
Ainda de acordo com Paniagua (2004, p. 331):

Desde o momento em que os pais ficam sabendo da existência


de uma deficiência, a preocupação com o presente e com o fu-
turo da criança aumenta enormemente. Essa preocupação de
fundo acompanha a família por toda a vida, com maior ou me-
nor intensidade dependendo dos casos, do momento evolu-
tivo da criança, dos recursos pessoais e das condições de vida.

Vale ressaltar que, embora cada família seja única, uma experiência
como o nascimento de um bebê com necessidades especiais traz uma
necessidade de adaptação que se assemelha entre algumas famílias. A
presença de uma criança especial gera uma problemática que afeta diversos
aspectos da vida familiar, de onde, geralmente, se observa o surgimento ou
o agravamento de problemas em âmbitos como o econômico, o social e o
emocional.
A família que vivencia a experiência do nascimento de um filho com
necessidades especiais se percebe, muitas vezes, sozinha para administrar
todas as dificuldades que possam surgir desde o nascimento da criança e
medo do desconhecido, ou seja, uma forma de tensão que compromete a
situação atual, bem como os projetos futuros.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012   119


Diante de todas essas dificuldades, é preciso ressaltar que mui-
tas famílias conseguem altos níveis de adaptação e de satisfação.
São muitos os pais que acompanham o crescimento de seus filhos
com necessidades especiais com verdadeiro entusiasmo, embora
sempre exista um fundo de preocupação. Alguns afirmam que vi-
vem com intensidade os pequenos avanços que, em seus outros fi-
lhos, tinham passados despercebidos (PANIAGUA, 2004, p. 331).

O que se observa é que a maior parte das pessoas de nossa sociedade


tem pouco ou quase nenhum contato significativo com as pessoas com
deficiências e essas só são percebidas como diferentes. Tais percepções
são marcadas pela nítida falta de informações, uma lacuna que só será
preenchida quando houver informações suficientes, conscientes, claras,
positivas e acima de tudo humanas, que ajudarão a minimizar ou até
mesmo a acabar com o desconforto e o preconceito.
Neste contexto, a família desempenha um papel fundamental,
o de promover o afastamento de visões estereotipadas e de concepções
equivocadas que cercam seus filhos. A sociedade precisa de esclarecimentos
conscientes dentro de uma perspectiva humanista, fundamentados
na concepção de direitos humanos e baseados nas potencialidades da
pessoa, demonstrando que a criança com necessidades especiais possui
competências, habilidades, interesse e capacidades. Um questionamento
torna-se imprescindível neste momento: como a família pode oferecer tais
informações se, muitas vezes, ela mesma as desconhece? Nesta situação,
quem poderia oferecer esse apoio à família?
De acordo com o documento elaborado pelo Grupo de Trabalho
nomeado pela Portaria n. 555/2007, prorrogada pela Portaria n. 948/2007,
entregue ao Ministro da Educação e denominado em 07 de janeiro de 2008
como Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, considera-se que:

O movimento mundial pela inclusão é uma ação política, cul-


tural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de
todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando,

  120 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012


sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva cons-
titui um paradigma educacional fundamentado na concepção de
direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como va-
lores indissociáveis, e que avança em relação à idéia de eqüidade
formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produ-
ção da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2008, p. 05).

Percebe-se, no entanto, que a inclusão é um processo extremamente


lento e doloroso, pois, enquanto perante a lei já deveria estar completamente
implementada, observamos que não estamos sequer próximos da conquista
e da utilização dos apoios necessários às famílias e às comunidades para o
ensino inclusivo.
É notório que é muito difícil para os pais e/ou familiares tomarem
decisões totalmente conscientes se os mesmos desconhecem seus direitos
em relação ao processo de educação de seus filhos. E o que se observa é que,
historicamente, a família sempre ocupou uma posição de dependência em
relação aos mais diversos profissionais das diferentes áreas do conhecimento
para receber informações e orientações sobre como proceder em relação
às necessidades de um filho especial.
Nunes et. al (1998), em pesquisas realizadas sobre os estudos feitos
com famílias, descrevem que as famílias de pessoas com necessidades
especiais têm muitas dificuldades na organização familiar, devido à falta
de informações claras e consistentes. Elas, muitas vezes, não compreendem
como auxiliar os indivíduos especiais, pois há uma carência muito grande
de conhecimentos básicos em relação ao cuidado e à educação dos
mesmos.
Segundo dados apresentados sobre a realidade da família brasileira
de pessoas com necessidades educacionais especiais:

É muito comum ver famílias se movimentando, em busca de aten-


dimento ou mesmo frequentando serviços diferentes, sem ter noção
do que é que estão fazendo. Consta-se que a relação entre a família
e profissionais tem sido uma relação de poder do conhecimento nas
decisões do que é melhor para seus filhos (BRASIL, 2004, p. 07).

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012   121


Portanto, o atendimento a pais e as orientações oferecidas aos
mesmos são ponto de discussão constante neste artigo, visto que toda
família que tem um membro especial passa a desenvolver uma dinâmica
bem particular.
Em geral, a problemática se acentua quando a criança começa a
frequentar a escola, os pais chegam receosos e muito ansiosos, pois temem
o preconceito e que, consequentemente, seu filho sofra discriminação dos
colegas, do professor e da escola. No entanto, quando a família se sente
apoiada pela escola, passa a confiar na mesma, passando esse sentimento
para o seu filho também. Cria-se, assim, um ambiente favorável ao
desenvolvimento integral do aluno. É importante ressaltar, aqui, que os
pais também precisam de apoio, precisam se sentir acolhidos, tanto quanto
seus filhos, pois somente assim se estabelecerá um vínculo de confiança,
de parceria, que poderá trazer inúmeros benefícios a todos os envolvidos
neste processo.

A família precisa construir padrões cooperativos e coletivos de en-


frentamento dos sentimentos, de análise das necessidades de cada
membro e do grupo como um todo, de tomada de decisões, de
busca dos recursos e serviços que entendem necessários para seu
bem estar e uma vida de boa qualidade (BRASIL, 2004, p. 07).

Ainda segundo a Secretaria de Educação Especial do Estado de São


Paulo (2004), o necessário seria que as famílias procurassem construir
conhecimentos sobre as reais necessidades especiais de seus filhos, bem
como buscassem desenvolver competências de gerenciamento do conjunto
dessas necessidades e potencialidades. Neste contexto, torna-se necessário
também que profissionais desenvolvessem relações interpessoais saudáveis
e respeitosas, garantindo-se assim maior eficiência no alcance de seus
objetivos.
Por isso, torna-se totalmente importante que os pais sejam instruídos,
não somente sobre seus direitos, mas também sobre as várias opções de
orientação e intervenção, para que garantam o acesso às reais necessidades

  122 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012


de seus filhos, o que eles requerem e merecem no momento adequado. Vale
lembrar que apenas pais bem instruídos podem avaliar de modo constante
e consciente toda e qualquer tipo de informação recebida e recomendada
para seu filho.

As famílias de crianças com necessidades educativas especiais têm de


recorrer a diferentes profissionais, seja para o diagnóstico, a intervenção
ou a busca de suportes. Esses contatos podem constituir uma fonte de
apoio e compreensão, ou representar uma dificuldade a mais, quando
o tratamento recebido não é o adequado (PANIAGUA, 2004, p. 337).

Destaca-se a necessidade de formação de grupos de aconselhamento


familiar, ou seja, da formação de grupos de pessoas capacitadas e/
ou especializadas, que se propõem conscientemente e eticamente a
auxiliar as famílias e a ajudar a preparar essas pessoas para lidarem mais
adequadamente com as “dificuldades” decorrentes das deficiências. Desta
forma, pode-se possibilitar que os indivíduos possam cumprir o seu papel
no processo de educação inclusiva de forma eficiente, contribuindo para
o desenvolvimento integral e para a melhoria da qualidade de vida de seu
filho.
Ressalta-se, aqui, que o aconselhamento à família é fundamental,
devendo considerar, sobretudo, a natureza da informação e a maneira
como a pessoa é informada, com o propósito de orientá-la quanto à
natureza intelectual, emocional e comportamental da criança e/ou
adolescente. Antes de qualquer forma de aconselhamento, faz-se necessário
compreender como ocorre a dinâmica familiar em seus diferentes
aspectos, uma vez que estes podem interferir de modo significativo no
desenvolvimento da criança e/ou do adolescente.
Alguns pontos devem ser levados em consideração, em vista de
sua importância, tais como: ouvir as dúvidas e questionamentos da
família, utilizar termos mais simples e que facilitem a compreensão das
informações disponibilizadas, promover uma maior compreensão e
aceitação das situações vivenciadas pelos indivíduos, aconselhar a todos

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012   123


da família, estimular a consciência social, trabalhar com os sentimentos,
valores, auto-estima, estilos de comportamentos, atitudes e facilitar a
interação social da criança especial, estimulando consequentemente o seu
desenvolvimento integral, por meio de uma educação de qualidade para
todos os alunos. “A resposta a muitas necessidades educativas especiais
supõe um esforço coordenado entre a escola e a família. Nem sempre,
porém, é fácil pôr em prática essa colaboração, já que as relações, muitas
vezes, são de desconfiança e de reprovação” (PANIAGUA, 2004, p.
343).
Enfatiza-se que trabalhos em grupos também favorecem a troca
de experiências e permitem a reflexão sobre atitudes de enfrentamento
e gerenciamento das dificuldades cotidianas, como exemplos de outras
famílias que também possuem crianças com necessidades especiais.
Percebe-se que, na maioria dos casos, há uma necessidade de
aproximação entre os membros. Embora a quantidade de informações
atualmente seja bem maior, pode-se afirmar que as famílias de hoje
vivenciam dificuldades semelhantes às famílias do passado, pois essa
vivência atinge a estrutura pessoal e familiar de forma profunda nas
diversas etapas do ciclo evolutivo (nascimento, crescimento, adolescência,
fase adulta e madura da pessoa com Necessidade Educacional Especial).
Em todas essas etapas, o tipo de comunicação mantido entre os
membros deverá ser observado: quem fala pela família, como são feitas
as interrupções, como são as interações entre o casal, entre pais e filhos
e entre os próprios filhos. O tipo de interação que a família mostra é o
mesmo que mantém sua vida cotidiana; ao detectar aspectos funcionais e
disfuncionais, os profissionais do grupo de aconselhamento familiar estarão
em condições de ajudar a família a utilizar seus próprios mecanismos de
defesas.

A família e a escola educam a criança compartilhando o interesse co-


mum de fazer-lhe bem e de ajudá-la ao máximo, mas para uns trata-se
de seu filho e para outros de um aluno. Isso supõe que suas perspec-
tivas, suas expectativas e seus interesses sejam diferentes. Uma verda-

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deira colaboração em nível de igualdade passa pelo respeito mútuo
e supõe um certo nível de confiança (PANIAGUA, 2004, p. 343).

Portanto, torna-se fundamental reconhecer a importância da


existência de um grupo de aconselhamento familiar capacitado para
favorecer e garantir o desenvolvimento de um sistema de serviços voltados
para a formação de famílias autogestoras, sendo de grande interesse que
essa pesquisa seja divulgada e finalmente colocada em prática.

O estabelecimento de uma autêntica colaboração só é possível por


meio de um processo de permanente negociação. É preciso reconhe-
cer a enorme diversidade existente entre as famílias de crianças com
deficiências; por isso, não se deve impor um modelo único de relação
(PANIAGUA, 2004, p. 344).

Contudo, para que isso, de fato, se efetive alguns passos são


necessários, tais como:
- Reconhecer o conceito de família, dos papéis familiares e seus
aspectos históricos;
- Identificar as estruturas familiares,
- Ressaltar a função social da família;
- Observar as relações familiares;
- Analisar a influência da pessoa com necessidades especiais na
dinâmica familiar;
- Pontuar também alguns aspectos que influenciam a participação
da família na escola e o significado desta participação para a criança com
necessidades educacionais especiais.
Também será necessário refletir e discutir sobre:
- Reconhecer a legislação brasileira e o que é previsto relacionado ao
tema;
- Destacar a importância de um profissional bem preparado,
emocionalmente equilibrado e que também adota uma postura humanista
diante da família.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012   125


- Conhecer, compreender e investigar o funcionamento dos
indicadores (que serão citados a seguir) assegurados pelo poder público,
que visam favorecer e garantir o desenvolvimento de um sistema de
serviços voltados para as famílias autogestoras.
Vale ressaltar que existem profissionais e profissionais, muitos
transmitem as informações sobre a deficiência do filho como se fosse
apenas um conjunto de problemas e não ressaltam as potencialidades que
poderiam ser desenvolvidas, já outros se preocupam em mostrar para os
pais que seu filho tem potencialidades que podem ser desenvolvidas.
No livro Inclusão: Um guia para educadores, Stainback e Stainback
(1999, p. 419-421), ressaltam que muitos autores também questionam
essa maneira de apresentação do conteúdo com consciência, ou
seja, questionam o fato de que a informação, na maioria das vezes, é
apresentada de um modo que reforça os estereótipos negativos de pessoas
com necessidades especiais. Para que isso não aconteça, sugerem algumas
diretrizes, tais como:
- Planejar ações com consentimento e participação da pessoa com
deficiência e sua família;
- Usar informações concentradas nas pessoas;
- Manter a dignidade, a ética e o respeito;
- Usar uma abordagem baseada nas potencialidades;
- Buscar reduzir a ênfase nos rótulos;
- Prescrever em vez de descrever;
- Envolver a pessoa como um participante ativo;
- Estimular perguntas e identificar fontes de apoio de informações.
Os pais podem e devem acreditar que o progresso, embora lento,
está acontecendo e que este pode ser acelerado a partir da tomada de
consciência dos pais, ao perceberem o poder que têm em suas mãos e que
podem sim fazer a diferença na vida seus filhos.
Portanto, este artigo buscou enfatizar o quanto é essencial que se
invista na orientação e no apoio às famílias que tenham um filho especial,
com qualidade, para que estas cumpram o seu papel social com maior
eficiência, buscando a real inclusão de seus filhos.

  126 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012


4. CONCLUSÃO

Ao final deste artigo, fica claro que a presença de uma pessoa com
necessidades especiais em uma família influencia e modifica toda a
dinâmica familiar, sendo muitas as dificuldades enfrentadas pelas mesmas
devido à falta de informação e à dificuldade em aceitar, compreender e
reorganizar essa sua nova realidade.
Sendo assim, observa-se que o número de famílias que recebem
atendimento e acompanhamento ainda é pequeno em relação ao número
de alunos especiais existentes. A importância que se deveria dar às famílias
das pessoas com necessidades especiais ainda é mínima e, muitas vezes
estas são até mesmo esquecidas, já que na realidade prática do processo
de inclusão a preocupação maior está no enfoque dado às pessoas com
necessidades educacionais especiais.
Essa problemática social que essas famílias enfrentam pode ser
decorrente da falta de profissionais capacitados e interessados nessa
questão, o que torna imprescindível levar ao conhecimento do maior
número possível de pessoas essa realidade.
A família tem o dever de buscar e o direito de receber todo o
atendimento e acompanhamento necessários e o mais interessante seria
que, em toda sociedade, houvesse um grupo / equipe de aconselhamento
familiar, dando o suporte necessário às famílias, de modo a favorecer a
ocorrência de uma educação realmente inclusiva.

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Title: Inclusive education and family support.


Authors: Gabriela Julio Galvão de França; Renata Andrea Fernandes Fantacini.

ABSTRACT: The preparation of this article stems from the opportunity to


collaborate with the discussion and reflection on the importance of organizing an
efficient service and guidance to families whose children have special educational
needs. From the literature review, research studies and official documents that
propose to discuss the importance of awareness and family support within the
inclusive education movement. Was sought to show concern for the families
who are not prepared to have a special child. Reflected in this article on the need
to recognize legislation that protects the family and offer this opportunity to
advice on how to proceed in light of the difficulties facing the child with special
educational needs. The text also presents the management from the perspective
of the role played by the family, resulting from a philosophical view that defines
a concept of Special Education on the assumption of Human Rights.
Keywords: Family. Special Education Needs. Counseling.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012   129


  130 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 97-111, jul./dez. 2012
Contribuições da arte na formação e prática
pedagógica do professor de educação infantil

Nilcemara Tanasovici Nardy 1

Nanci de Almeida Rezende 2

Resumo: O presente artigo tem por objetivo, mediante pesquisa bibliográfica,


demonstrar o tema a partir da conceituação da arte, para que se perceba a atuação da
mesma no âmbito da educação e do desenvolvimento infantil. Para a concretização
de nosso objetivo, partimos da análise da legislação relacionada ao ensino infantil
e posteriormente tomamos a história do ensino artístico nas escolas e as principais
contribuições do ensino da Arte para a formação continuada do professor de Educação
Infantil. E, por fim, abordamos a importância do professor ter um olhar diferenciado
sobre as produções artísticas das crianças e de repensar suas metodologias e objetivos a
respeito desse ensino.

Palavras-chave: Arte. Educação. Desenvolvimento. Pintura. Aprendizagem.

1
Pós-graduada em Psicopedagogia no Processo Ensino Aprendizagem pelo Centro Universitário Claretiano.
E-mail: <tanasovici@yahoo.com.br>.
2
Orientadora. Mestre em Educação pela UNICAMP – Campinas. Tutora do Curso de Especialização em
Psicopedagogia no Processo Ensino Aprendizagem e do Curso de Especialização em Educação Infantil e
Alfabetização pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais-SP. E-mail: <nancirezende@hotmail.com>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012   131


1. INTRODUÇÃO

Ao atuar na educação infantil, percebe-se que o ensino da arte e a


atuação dos educadores com os trabalhos artísticos desenvolvidos com
as crianças, em geral, é um dos grandes dilemas da pedagogia moderna.
Muitos educadores ministram aula de artes na educação infantil, mas
não sabem o objetivo, a dimensão e a importância desse trabalho para
o desenvolvimento completo da criança, pois, a falta de uma formação
acadêmica completa, suas limitações e a resistência os impedem de se
aprofundarem no assunto, fazendo com que a execução dessa disciplina
não esteja a contento de tal missão.
Muitas vezes, os conteúdos que são oferecidos aos alunos estão isentos
de sentido, fora da realidade, não se sabe onde aplicá-lo e, portanto, torna-
se algo desinteressante. Além disso, o professor procura ensinar mais a
técnica, a despeito da interpretação daquilo que o autor quis realmente
dizer, ou seja, o real sentido da obra, como afirma Almeida (1992) em seu
livro “Concepções e Práticas Artísticas na Escola”.
Segundo o autor citado, saber ensinar arte é conhecer, por meio
da experiência, concretamente vivida, quais os desafios, as facilidades,
as possibilidades técnicas encontradas durante o desenvolvimento de
criação artística, para que se possa coordenar, instigar e desafiar com maior
eficiência esse processo.
Assim, com a elaboração dessa pesquisa, buscou-se mostrar a
importância e a necessidade da arte na educação infantil com o objetivo
de levar os educadores a refletirem sobre as concepções e metodologias a
respeito da mesma, explorarem-na como papel indispensável na formação
da educação das crianças e compreenderem que a arte é decisiva para
prepará-las para as fases seguintes da educação.
Lanier (1984) defende a idéia de que as artes devam estar presentes
no currículo escolar pelos benefícios que apenas elas oferecem à educação
e não por suas contribuições nesses campos de desenvolvimento.
Na educação infantil, a criança se encontra em fase de pensamento

  132 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012


concreto e explora a utilização dos sentidos para desenvolver e enriquecer
suas experiências. Nesta fase, as atividades artísticas contribuirão com ricas
oportunidades para seu desenvolvimento, uma vez que põem ao seu alcance
os mais diversos tipos de materiais para manipulação. O lúdico, o teatro, a
dança, a pintura, o desenho, a criatividade, o conto de fadas, fazem parte
desse momento em que elas se expressam, comunicam e transformam a
vida na relação com a arte, ou seja, “somos potencialmente criadores,
possuímos linguagens, fazemos cultura” (PIRES, 2009, p. 47).
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(BRASIL, 1998) ressalta que as artes visuais devem ser concebidas
como uma linguagem que tem estrutura e características próprias, cuja
aprendizagem, no âmbito prático e reflexivo, se dá por meio da articulação
dos seguintes aspectos: fazer artístico, apreciação e reflexão. O trabalho
contextualizado com obras de arte dá conta de todas essas exigências.
Em vista disso, o presente trabalho tem por objetivo apontar a
necessidade de investimento na formação continuada do professor de
educação infantil para que este construa o conhecimento na área e possa
diversificar suas aulas e refletir sobre as contribuições que a atividade artística
oferece para sua formação e prática pedagógica, levando-o a ter um olhar
diferenciado sobre as produções artísticas das crianças e a repensar sobre
suas metodologias e objetivos a respeito desse ensino; dessa forma, mostrar a
necessidade de conhecer o verdadeiro significado da arte e como ela influencia
o trabalho pedagógico, no curso infantil, e no desenvolvimento das crianças
de 0 a 5 anos. É importante salientar que, atualmente, a educação infantil
no Brasil é parte integrante da educação básica e divide-se em creches para
crianças de 0 a 3 anos e pré escolas para crianças entre 3 e 5 anos.
Mediante pesquisa bibliográfica, pretende-se conhecer o tema a
partir da conceituação da arte, para que se perceba a atuação da mesma no
âmbito da educação, no desenvolvimento infantil e na formação e prática
pedagógica do educador.
Para uma melhor compreensão do ensino de artes na educação
infantil serão descritas sucintamente a trajetória da arte, perpassando pela
educação.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012   133


2. HISTORIA DO ENSINO DA ARTE NO BRASIL

Na trajetória da historia da humanidade, os homens utilizam-se do


desenho, da pintura e da escultura para se expressar e conhecer o mundo
que os cerca. Assim como o homem em sua história, também as crianças
se expressam e buscam conhecer o mundo através da arte.
O Ensino de arte no Brasil evoluiu consideravelmente de acordo com
momentos históricos e correntes pedagógicas vigentes. Em 1816, Dom
João VI trouxe para o Brasil uma importante referência para o ensino da
arte, a Missão Artística Francesa. Foi criada, então, a Academia de Belas-
Artes, que, após a proclamação da República, passou a ser chamada de
Escola Nacional de Belas-Artes, na qual era ensinado o desenho, com a
valorização da cópia fiel e a utilização de modelos europeus, por meio de
figuras e imagens reproduzidas (mimeografadas ou fotocopiadas) como
material didático.
A academia importou a estética neoclássica dos franceses e uma meto-
dologia de  ensino baseada nas concepções de arte definidas por esse estilo,
que foi assumida pela elite como o que tinha de mais moderno. Esse estilo
chocou-se com o barroco, já existente no Brasil. A arte então se tornou um
“luxo” e seu alcance foi apenas aos mais privilegiados:

A partir dessa época, temos uma história do ensino da arte com ên-
fase no desenho, pautada por uma concepção de ensino autoritária,
centrada na valorização do produto e na figura do professor como
dono absoluto da verdade. Sua mesa ficava sobre uma plataforma
mais alta, para marcar bem a “diferença”. Ensinava-se a copiar mo-
delos - a classe toda apresentava o mesmo desenho e o objetivo do
professor era que seus alunos tivessem boa coordenação motora, pre-
cisão, aprendessem técnicas, adquirissem hábitos de limpeza e ordem
nos trabalhos... (MARTINS, PICOSQUE, GUERRA, 1998, p. 11).

Segundo esses autores, entre as décadas de 50 e 60, começou-se a notar


nas escolas a influência de um movimento denominado Escola Nova, já

  134 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012


presente na Europa e EUA desde o final do século XIX, e dos ainda recentes
estudos sobre criatividade. A influência da pedagogia centrada no aluno,
nas aulas de arte, direcionou o ensino para a livre expressão e a valorização
do processo de trabalho. O papel do professor era dar oportunidades para
que o aluno se expressasse de forma espontânea, pessoal, o que vinha a ser
valorização da criatividade como máxima no ensino da arte.
Esses princípios, na prática escolar, muitas vezes refletiam uma
concepção espontaneísta, centrada na valorização extrema do processo
sem preocupação com os seus resultados.
Como todo processo artístico deveria “brotar” do aluno, o conteúdo
dessas aulas era quase exclusivamente em “deixar-fazer”, o que muito
pouco acrescentava ao aluno em termos de aprendizagem de arte.
Em 1971, com a Lei nº 5.692, foi criado o componente curricular
‘Educação Artística’. A Lei, determinando que nessa disciplina fossem
abordados conteúdos de música, teatro, dança e artes plásticas nos cursos
de 1º e 2º graus, acabou criando a figura de um professor único que deveria
dominar todas essas linguagens de forma competente.
Conforme descreve Martins (1998, p.12), o ensino da Arte se tornou
restrito e sem significado, tanto para o aluno como para o professor. Em
determinados contextos, essa prática social ainda se encontra aprisionada
na cópia de modelos ou no fazer espontâneo que não privilegia a reflexão,
a fruição e a produção:

[...] uma série de desvios vêm comprometendo o ensino da Arte. Ainda


é comum as aulas de Arte serem confundidas com lazer, terapia, des-
canso das aulas “sérias”, o momento para fazer a decoração da escola, as
festas, comemorar determinada data cívica, preencher desenhos mi-
meografados, fazer o presente do Dia dos pais, pintar coelho da páscoa
e a árvore de Natal. Memorizam-se algumas “musiquinhas” para en-
tender conteúdos de história e “desenhinhos para aprender a contar”.

A partir dos anos 80, constitui-se o movimento de organização de


professores de arte, chamado arte-educação, que permitiu a ampliação
de discussões sobre o compromisso, a valorização e o aprimoramento do

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012   135


professor, e que se propagassem no Brasil essas mudanças de concepções
de atuação com arte, transmitidas por meio de encontros e eventos,
promovidos por universidades, associações de arte-educadores, entidades
públicas e privadas.
De acordo com Deheinzelin (1995, p. 121), “os artistas celebram o
invisível, percebendo e doando ao mundo o que sabem sobre as coisas, e
não o que vêem na realidade”.
Segundo os Parâmetros Curriculares (BRASIL, 1998), com a
promulgação da Constituição, iniciam-se as discussões sobre a nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, sancionada
apenas em 20 de dezembro de 1996. Convictos da importância de
acesso escolar dos alunos de ensino básico também à área de arte houve
manifestações e protestos de inúmeros educadores contrários a uma das
versões da referida lei que retirava a obrigatoriedade da área.
Com a Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), revogam-se as disposições
anteriores e o ensino de Artes é considerado obrigatório na educação
básica: “o ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório,
nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o
desenvolvimento cultural dos alunos” (artigo 23, parágrafo 2º).
Também consta no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
(BRASIL, 1990), em seu art. 58: “No processo educacional respeitar-
se-ão os valores culturais, artísticos e históricos do contexto social da
criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o
acesso às fontes de cultura”. Desse modo, a criança e o jovem têm direito
a um desenvolvimento sadio e completo, devendo o Estado, a família e
a sociedade proporcionar-lhes condições de aprimorar-se e crescer com
liberdade de criação e acesso à cultura.
Percebe-se que a Legislação Educacional, no que se refere à arte,
já contribui para a sua valorização ao incluí-la como obrigatória no
currículo escolar, nas diversas séries da Educação Básica, promovendo
assim, o desenvolvimento cultural dos alunos. Quanto à sua valorização
no cotidiano, caberá aos gestores e professores, durante a sua prática
pedagógica, proporcionarem atividades contextualizadas, que contribuam

  136 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012


para o avanço do aproveitamento desta disciplina, no âmbito escolar.
Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Arte, neste caso, em 1998, teve-se a oportunidade de, na qualidade de
professores, rever-se a própria prática, além de o mesmo contribuir para
a formação continuada dos docentes; fato este que passaria a influenciar,
ainda que minimamente, na produção de materiais e da seleção de recursos
tecnológicos nas aulas.
Em vista disso, este estudo aponta ainda para um maior investimento
na formação do professor, nos materiais disponíveis e nas salas ambientes.
Faz-se necessário que o professor busque os conhecimentos artísticos
necessários para sua área de atuação e isso pode ser feito por intermédio de
cursos de capacitação, chamados de formação continuada, desenvolvida
mediante atividades de estudo e pesquisa planejadas e realizadas como
parte do desenvolvimento profissional, propondo temas que abordem a
arte como uma área do conhecimento, com uma linguagem própria e suas
especificidades, contribuindo para a transformação do comportamento
dos educadores criando estratégias para a evolução de suas competências
e ampliação de seu campo de trabalho, possibilitando a reflexão, a aliança
de teoria e prática e a continuidade. Assim, a formação continuada deve
ser concebida como um processo contínuo que possibilita o profissional
a ter a clareza de como trabalhar com os diversos materiais adequados a
cada faixa etária.
No texto “Compre o kit neoliberal para educação infantil e ganhe
grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo”, a autora
Alessandra Arce traz relevantes ponderações sobre a atual formação de
professores com características neoliberais e pós-modernas. Trata-se de uma
formação aligeirada que não abrange aprofundamento teórico, abstrações
complexas e grandes reflexões, Dentro desse contexto, o professor não
necessita ser um intelectual com uma base teórica e prática fortemente
fundamentada em princípios filosóficos, históricos, metodológicos; [...]
(ARCE, 2001, p. 262). A educação seria encarada como a chave mágica
para o fim da pobreza, dar instrução para o individuo buscar o sucesso e se
não for capaz, fracassar, a culpa é inteiramente do individuo. Pretende-se

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012   137


a formação do homem competitivo, flexível e que se adapta as exigências
do mercado, através da transmissão de informações, de um saber imediato
e utilitário.
É necessária uma formação docente para além da alfabetização,
do cálculo e de técnicas para o trabalho, formação para a arte, para a
promoção de experiências estéticas significativas. Talvez a formação para
arte seja repelida por ser vista como improdutiva, não gera produtos para
o mercado. A arte na escola é utilizada como uma ferramenta para auxiliar
no desenvolvimento de habilidades para a alfabetização, por exemplo, ou
para a descarga de energias. Não existe arte pela arte.
A seguir, serão abordadas algumas formas de como a arte pode
contribuir para a formação e prática dos educadores de educação infantil.

3 - CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DA ARTE


PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA
DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL

O ensino da arte em geral é um dos grandes dilemas da pedagogia


moderna e do professor em sala de aula, pois, geralmente, a formação
acadêmica do docente e as suas limitações podem fazer com que a
execução dessa disciplina não esteja a contento de tal missão. Muitas
vezes, os conteúdos que são oferecidos aos alunos estão isentos de sentido,
fora da realidade, não se sabe onde aplicá-lo e, portanto, torna-se algo
desinteressante. Além disso, o professor procura mais ensinar a técnica
a respeito da interpretação daquilo que o autor quis realmente dizer, ou
seja, o real sentido da obra.
Neste sentido, Almeida (1992, p. 48), em seu livro ”Concepções e
Práticas Artísticas na Escola”, afirma:

A maioria dos professores acredita que desenhar, pintar, modelar, cantar,


dançar, tocar e representar é bom para o aluno, mas poucos são capazes
de apresentar argumentos convincentes para responder “Por que essas
atividades são importantes e devem ser incluídas no currículo escolar?”.

  138 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012


O que se espera de um professor, quando está trabalhando com
linguagem visual, é que esteja profundamente envolvido com a linguagem
que ensina, que entenda a aquisição da mesma como um processo criativo
e não como adestramento técnico, atue na sala de aula, desenvolvendo
atividades significativas, as quais se relacionem com a realidade dos
alunos, esteja sempre atualizado, possua noções essenciais a respeito do
assunto (o que é arte, como é constituída, qual sua origem, suas funções,
sua historia...), ou seja, como um educador integrado.
Sendo assim, o professor de arte tem a importante tarefa de promover
o sucesso no processo transformador de levar os alunos a melhorarem sua
sensibilidade e saberes prático e teórico em arte. O papel do educador
é também o de intermediar os conhecimentos existentes e oferecer
condições para novos estudos, e isso acontece na forma como interage com
os alunos, na seleção dos materiais para serem trabalhados, na sala de aula,
e no modo como manipula esses materiais, na organização e distribuição
do tempo, espaço e na forma e critérios de avaliação.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte
(BRASIL, 1998), o professor não pode se ver apenas como transmissor
de conhecimento, porque a mídia e a Internet são cada vez mais eficientes
nessa tarefa, porém, não funcionam como transmissores de valores. Estes
são, hoje em dia, um dos papéis exigidos do educador, que ele seja um
líder, um criador de acontecimentos, dentro e fora da sala de aula, ou seja,
um formador de opinião.
Saber ensinar arte é conhecer, por meio da experiência, concretamente
vivida, quais os desafios, as facilidades, as possibilidades técnicas
encontradas durante o desenvolvimento de criação artística, para que se
possa coordenar, instigar e desafiar com maior eficiência esse processo.
Lanier (1984, p. 54) defende a idéia de que as artes devam estar
presentes no currículo escolar pelos benefícios que apenas elas oferecem à
educação e não por suas contribuições nesses campos de desenvolvimento.
Aponta o autor:

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012   139


Consequentemente estou sugerindo que avaliemos, o mais obje-
tivamente possível, tudo aquilo que fazemos na sala de aula, e que
reorientemos nossa conduta numa direção que trate mais especifica-
mente da aprendizagem em arte do que do desenvolvimento pessoal
de qualidades não necessariamente relacionados com a arte. Em resu-
mo, estou propondo que, de fato, devolvamos arte a arte-educação.

Fernando Pessoa (1982, p. 218) acrescenta que a função da arte


é aperfeiçoar a subjetividade da vida. Podemos concluir, então, que,
excluindo a arte do currículo, estamos, conseqüentemente, privando os
alunos do aperfeiçoamento de sua própria subjetividade.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Arte
(BRASIL, 1998, p. 29):

É característica desse novo marco curricular a reivindicação de se


designar a área por arte (e não mais por Educação Artística) e de
incluí-la na estrutura curricular como área com conteúdos pró-
prios ligados à cultura artística, e não apenas como atividade.

A área da arte configura como o lugar da fala dos alunos, em que o


professor presente e atento vai fornecendo os desafios e os recursos para
que esta fala se articule e desenvolva-se com profundidade e coerência.
Segundo Vygotsky (2003, p. 238):

A estrutura comum da educação social está orientada para am-


pliar ao máximo os limites da experiência pessoal restrita, para or-
ganizar o contato da psique da criança com as esferas mais amplas
possíveis da experiência social já acumulada, para inserir a crian-
ça na rede da vida com a maior amplitude possível. Esses objetivos
gerais também determinam os caminhos da educação estética. A
humanidade mantém, através da arte, uma experiência tão enorme
e excepcional que, comparada com ela, toda experiência de criação
doméstica e conquistas pessoais parece pobre e miserável. Por isso,
quando se fala de educação estética dentro do sistema de formação
geral, sempre se deve levar em conta, sobretudo, essa incorporação

  140 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012


da criança à experiência estética da humanidade. A tarefa e o obje-
tivo fundamentais são aproximar a criança da arte e, através dela, in-
corporar a psique da criança ao trabalho mundial que a humanidade
realizou no decorrer de milênios, sublimando seu psiquismo na arte.

Na educação infantil, o educador enfatiza a educação do olhar,


criando símbolos que expressem o que sentimos e pensamos, para isso é
necessário planejar, orientar e avaliar as atividades, ou seja, é fundamental
o professor ser um observador atento e sensível, ter atitude e disposição
e que esteja aberto a ter um envolvimento emocional com o projeto de
aulas, ou seja, é preciso fazer cursos de capacitação, dedicar mais horas de
treinamento, aperfeiçoar-se sempre.
Iavelberg (2003, p. 12) afirma que:

É necessário que o professor seja um “estudante” fascinado por arte,


pois só assim terá entusiasmo para ensinar e transmitir a seus alunos
a vontade de aprender. Nesse sentido, um professor mobilizado para
a aprendizagem contínua, em sua vida pessoal e profissional, saberá
ensinar essa postura a seus estudantes.

A arte faz parte da herança cultural das sociedades, porém é um grupo


muito pequeno e seletivo de pessoas que têm acesso a museus, exposições,
teatros ou qualquer meio que o aproxime deste universo cultural, por
não existir um incentivo desde cedo e com isso não desenvolverem a
capacidade de serem apreciadores e desfrutarem do que as manifestações
artísticas têm a proporcionar. Então, a escola, e somente ela, em muitos
casos, pode oferecer esse acesso. Com um trabalho significativo com obras
de artistas, novas possibilidades de leitura visual acompanharão as crianças
em suas criações e acontecerá automaticamente o incentivo a visitas em
exposições e museus, onde as crianças têm a oportunidade de refinar
o gosto, a capacidade de leitura de imagem mais criteriosa, construir
representações diversas, aguçar os olhares sobre tudo o que o mundo lhe
apresenta, e entrar em um universo de imaginação, sensibilidade, reflexão
e criatividade. “[...] é na escola que oferecemos a oportunidade para que

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012   141


crianças e jovens possam efetivamente vivenciar e entender o processo
artístico e sua história [...]” (FERRAZ, 1999, p. 19).
O mundo das artes oportuniza aos alunos, conhecer, explorar, brincar
e desenvolver a cultura infantil no âmbito de uma visão transformadora da
educação, também, o contato com a arte de diversos períodos históricos
e de outros lugares e regiões favorece um vínculo com a realidade e assim
propicia uma cultura de tolerância, de valorização e de respeito mútuo.
A arte pode contribuir para o desenvolvimento afetivo-emocional,
para medir a compreensão da criança de seu mundo e para favorecer o elo
entre a realidade e a fantasia.
A escola deve compreender as aulas de artes visuais como um espaço
de jogo, de experimentação lúdica, em que a criança, por meio da livre
manipulação da linguagem vai construindo um discurso pessoal.
Segundo Albano ( 1999, p. 48):

As artes visuais operam, através das linhas, cores, formas e texturas,


que constituem o seu alfabeto, um dos primeiros que a criança utiliza
para se expressar. Podemos mesmo dizer que é sua primeira escrita,
porque toda criança desenha.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil


(BRASIL, 1998) ressalta que as artes visuais devem ser concebidas
como uma linguagem que tem estrutura e características próprias, cuja
aprendizagem, no âmbito prático e reflexivo, se dá por meio da articulação
dos seguintes aspectos: fazer artístico, apreciação e reflexão. O trabalho
contextualizado com obras de arte dá conta de todas essas exigências.
Realizando atividades artísticas, a criança desenvolve auto-estima,
sentimento de empatia, capacidade de simbolizar, analisar, avaliar, e fazer
julgamentos e um pensamento mais flexível, além de desenvolver o senso
estético e as habilidades específicas da área artística, também a capacidade
de expressar melhor suas idéias e sentimentos.
Ferreira (2001, p. 67.) diz:

  142 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012


[...] a maior de todas as contribuições das artes na educação infantil
e básica para a formação dos alunos seja que, fazendo ou apreciando
artes, os alunos passam por uma experiência estética e aprendem que,
com ela, o mundo pode se tornar mais agradável e mais completo.

Ao analisar desenhos de crianças, pode-se observar muito a respeito


do seu modo de pensar e no que concernem as habilidades que possuem.
Na Educação Infantil, a criança se encontra em fase de pensamento
concreto e explora a utilização dos sentidos para desenvolver e enriquecer
suas experiências. Nesta fase, as atividades artísticas contribuirão com
ricas oportunidades para seu desenvolvimento, uma vez que põem ao seu
alcance os mais diversos tipos de materiais para manipulação.
Quando as habilidades das crianças são estimuladas, ajudam
no processo ensino-aprendizado, pois desenvolvem a imaginação e a
percepção; recursos indispensáveis para a compreensão de outras áreas do
conhecimento humano.
Trabalhar com arte oferece às crianças a oportunidade de desenvolver
sensibilidades que tornam possível o conhecimento estético do mundo
e a expansão do repertório de habilidades e experiências estéticas que
podem ser utilizadas para formar idéias e articular a expressão. Desde
que respaldadas em práticas adequadas de ensino, requeridas para o
desenvolvimento pleno das potencialidades dos alunos.
Na educação infantil, os aprendizes têm a chance de demonstrar seus
sentimentos e emoções, por meio da arte e do movimento artístico, entre
crianças e adultos. A autora citada demonstra que, mediante a experiência,
a criança constrói conhecimentos a respeito da própria arte, cultura
e sociedade, contando com tudo que a escola oferece materialmente e
espacialmente. O lúdico, o teatro, a dança fazem parte desse momento,
tanto quanto a pintura, o desenho, a criatividade, o conto de fadas, em
que elas se expressam, comunicam e transformam a vida na relação com a
arte, ou seja, “Somos potencialmente criadores, possuímos linguagens,
fazemos cultura” (PIRES, 2009, p. 32).

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012   143


4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A importância dos educadores de educação infantil compreenderem,


apresentarem e explorarem a arte, como papel indispensável na formação
da educação das crianças, é decisiva para prepará-las para as fases seguintes
da educação.
A arte exerce um papel indispensável na formação da educação das
crianças, à medida que representa as experiências individuais. A criança
passa a utilizar a arte como meio de expressar seus desejos, sonhos, medos
e descobertas. Além disso, a arte desenvolve a sensibilidade, a percepção,
a criatividade e a imaginação, estimula a interação social, desenvolve a
concentração e a atenção, tanto ao desenhar, quanto no entendimento
diante de uma obra de arte, sendo capaz de elaborar diversas concepções,
compreendendo melhor o que realmente a obra apresenta.
Para que o educador possa realizar um bom trabalho em sala
de aula, é preciso que se conscientize que a arte é necessária e é uma
grande ferramenta para o desenvolvimento tanto cognitivo, emocional e
intelectual do aluno.
Atualmente, a comunicação visual é cada vez mais importante
e a escola precisa se adaptar a essa nova realidade. Os professores,
principalmente da rede pública, precisam deixar de se lamentar por
comodismo, por falta de apoio formal da direção das instituições de
ensino, por não ter materiais disponíveis, ou insuficientes para a realização
do trabalho; não precisam ficar presos a visitas, museus ou passeios em
exposições, pois com criatividade e disposição há várias formas de se fazer
e conhecer arte, fazendo remontagens de gravuras, usando técnicas com
os recursos disponíveis, utilizando sucatas, fazendo cópias em tamanho
grande de quadros, criando suas próprias exposições, enfim, mostrando de
forma lúdica o universo da arte, juntamente com os artistas e suas obras.
Trabalhar com as obras de diferentes artistas significa muito mais
que desenvolver o olhar e a sensibilidade de cada indivíduo. Ao desafiar e
vencer as barreiras que são apresentadas para o ensino de artes, o educador
estará contribuindo para que a criança desde sua mais tenra idade possa

  144 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012


ter oportunidades de observar, experimentar e criticar tudo que há em
seu redor, de modo que possa se apropriar da realidade histórica, social e
cultural da sua vida.
O ensino da arte deve estar em consonância com a contemporaneidade.
A sala de aula deve ser preparada adequadamente para a produção de técnicas
a serem criadas e recriadas, e o processo de criação e experimentação tome
forma de maneira viva, dinâmica e desafiadora. Para que isso aconteça,
é muito importante o educador acreditar que as crianças são criativas e
capazes de construir suas próprias aprendizagens e saberes necessários à
sua formação.
Essa maneira de propor o ensino da arte rompe com as barreiras de
exclusão, em que a prática educativa será embasada na capacidade de cada
um a experimentar e se arriscar a desenhar, pintar, moldar, escrever, pois
se trata de uma vivência e não de uma competição de quem tem talento
ou dom. Dessa forma, o ensino da arte estará intimamente ligado ao
interesse de quem aprende, pois, se reconhecerão como participantes e
construtores de seus próprios caminhos. Assim, a arte fará parte de suas
vidas e terá um sentido, deixando de ser algo incompreensível e elitista,
distante da realidade e o fazer artístico não se limitará ao simples papel
recreativo, mas sim em um instrumento pedagógico que contribui para
o desenvolvimento da criança. Em vista disso, os educadores conseguirão
alcançar seu maior objetivo: o de ensinar com satisfação e certeza de dever
cumprido.

REFERÊNCIAS

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grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo.  Educação e
Sociedade, Campinas, SP, v. 22, n.74, abr. 2001.     

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Title: Contributions to the pedagogical degree and pratice of the “educação


infantil” (kinderganrten) teacher.
Authors: Nilcemara Tanasovici Nardy; Nanci de Almeida Rezende.

ABSTRACT: This paper is intended to, though literature, demonstrate the


theme from the conceptualization of art, in order to realize its acting in the field
of education and child development. To achieve our goal, we start analyzing the
legislation related to kindergarten and then take the history of art education in
schools and the main contributions of the teaching of Art for the continuing
education of the kindergarten teacher.Finally, we approach the value of the
teacher to have a different look at the artistic productions of children and allow
them to be able to rethink their methods and objectives when they are teaching
arts for kids.
Keywords: Art. Education. Development. Painting. Learning.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 131-147, jul./dez. 2012   147


  148 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012
Homem e espaço: interações dentro da
comunidade Paraisópolis

Veronica Menezes Amorim 1

Izildo Carlos Alves da Silva 2

Resumo: As interações entre homem e o espaço permitem identificar as origens e


consequências dos principais problemas sociais e econômicos vividos por pessoas
carentes. Este trabalho tem como objetivo identificar problemas urbanos que ocorrem
dentro da comunidade carente Paraisópolis, a segunda maior do estado. Ao se identificar
os principais problemas, entender suas origens, buscar detalhes sobre início de sua
ocupação, assim como a gradativa mudança no decorrer do tempo, consegue-se traçar
o ciclo da segregação social ali ocorrida. Como elemento integrador e humanizador,
a pesquisa destaca a importância da educação, principalmente para adultos que não
tiveram oportunidade de estudar na sua infância, não chegaram à alfabetização,
situação que os deixam socialmente excluídos. Para tanto serão analisadas atividades da
instituição de ensino, mantida pela Fundação Visconde de Porto Seguro, que promove
a Educação de Jovens e Adultos. Para concluir, será apresentado um estudo de caso com
aluno frequentador da EJA (Educação de Jovens e Adultos) que destacará importantes
contribuições advindas do acesso à educação, tanto para ele como para sua família.

Palavras-Chave: Comunidade. Paraisópolis. Educação.

1
Licenciada em Geografia pelo Centro Universitário Claretiano - SP. Email: <v_menezes@hotmail.com>.
2
Mestre em geografia pela Universidade de São Paulo (USP). É professor nas redes estadual e municipal de São
Paulo e também na Fundação Santo André, lecionando para turmas dos ensinos fundamental e médio. E-mail:
<izildo.c@gmail.com>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012   149


1. INTRODUÇÃO

As interações ocorridas no interior do espaço onde o homem vive e


interage poderá trazer certos benefícios, o que resultará em melhoria em
sua qualidade de vida. Entender como se dá o desenvolvimento urbano de
determinada região carente permite identificar a origem de seus problemas
sociais e econômicos.
Ao se conhecer a origem dos problemas vividos pela comunidade há a
possibilidade de propor soluções com o objetivo de minimizar sofrimento
e melhorar condições de vida da camada pobre da população.
Pesquisas bibliográficas e entrevistas foram utilizadas para o
desenvolvimento desse trabalho, que demonstra como instituições
assistencias, quer sejam particulares ou públicas, poderão intervir na vida
da população carente moradora da comunidade Paraisópolis.
O assistencialismo, como única ferramenta, não servirá de base para
integração dessa população. É necessário mais.
A educação de qualidade tem o poder de traçar um caminho que
levará os indivíduos às práticas de cidadania, tornando-os conscientes de
suas obrigações e seus direitos.
O Brasil tem uma porcentagem elevada de analfabetos, motivo pelo
qual destaco o trabalho desenvolvido pela Fundação Visconde de Porto
Seguro, instituição particular de educação, que mantém a Educação de
Jovens e Adultos e atende a população pobre que reside em seu entorno e
contribui para a erradicação do analfabetismo, oferecendo um ensino de
qualidade.
À luz das concepções de Paulo Freire (1989) é possível afirmar
que a leitura, fruto da educação, é instrumento de integração social, de
ampliação de visão do mundo e constrói um saber que promove a todo
homem um lugar ativo no mundo globalizado.
Com tais concepções, esse trabalho terá como objetivo incentivar
diversas instituições e contribuir para os estudos sobre a importância do
desenvolvimento social para o crescimento econômico do país.

  150 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012


2. Metodologia

Para o desenvolvimento deste trabalho foram utilizadas pesquisas


bibliográficas e um estudo de caso, a partir de entrevista.
Na questão urbana e para a análise do espaço foram usadas as
concepções de Milton Santos (1982, 1996), pois sua teoria geográfica do
espaço explica as ações do homem em seu ambiente de convívio social. Para
as características espaciais e interações da favela de Paraisópolis serviram
de base a importante obra de Eduardo Marques e Haroldo Torres, São
Paulo: Segregação, Pobreza e Desigualdades Sociais (2005).
Diante da importância da alfabetização, inseridas na educação de
jovens e adultos, utilizei as teorias e contribuições de Paulo Freire (anos
de referência), considerado especialista nessa modalidade de educação.
Por fim, a pesquisa é encerrada com entrevista feita com um aluno,
morador da comunidade de Paraisópolis e frequentador da EJA. O estudo
de caso agregou conhecimento e pôde confirmar a importância das
parcerias assistencias que promovem uma melhoria na vida da população
pobre, objeto de estudo desse trabalho.

3. Discussão

No município de São Paulo existem atualmente inúmeros cidadãos


vivendo em condições de pobreza extrema.
Diversas pesquisas demonstram uma quantidade significativa de
pessoas residindo em comunidades carentes, resultado da precariedade
dessa situação econômica.
A partir de pesquisas cartográficas das favelas e censos do IBGE,
Marques e Torres (1995, p. 86) chegaram aos seguintes resultados,
quantificando moradores pobres no município de São Paulo:
“Obtivemos em relação ao ano de 1991 uma população de 900 mil
habitantes em favelas, ou 9% da população total, [...] em quanto em 2000 à
cidade teria uma população total de 1,2 milhões de habitantes, resultando
em 11% da população municipal”.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012   151


Já numa esfera estadual é possível mensurar a porcentagem de pessoas
pobres dos Estados brasileiros, entre eles o Estado de São Paulo, no ano de
2010, conforme gráfico a seguir:

Figura 1

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010 (resultados preliminares);


Fundação Seade.

Do total de 16,2 milhões de pessoas consideradas extremamente pobres no


país, com renda per capita inferior a R$ 70, cerca de 1,1 milhão reside no Estado de
São Paulo, o que representa 7,0% da população pobre do país, ou 2,6% da população
paulista. No conjunto do país, 8,6% dos brasileiros vivem em extrema pobreza.
(SEADE, 2011, p.1)

Diante das análises desses dados e da necessidade de se entender a


problemática causada pela pobreza vivenciada em comunidades carentes,
é possível mensurar a importância de se estudar e avaliar as causas da
pobreza e para tanto se faz necessário considerar os diversos aspectos e
situações que norteiam as comunidades carentes. Conforme concepção
de Milton Santos:

  152 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012


A cidade, onde tantas necessidades emergentes não podem ter respos-
ta, está desse modo fadada a ser tanto o teatro de conflitos crescentes
como o lugar geográfico e político da possibilidade de soluções. Es-
tas, para se tornarem efetivas, supõem atenção a uma problemática
mais ampla, pois o fato urbano, seu testemunho eloquente, é apenas
um aspecto. Daí a necessidade de circunscrever o fenômeno, iden-
tificar sua especificidade, mensurar sua problemática, mas, sobretu-
do buscar uma interpretação abrangente (SANTOS, 1996, p.11).

4. Comunidade Paraisópolis

Na região metropolitana de São Paulo localiza-se a favela de


Paraisópolis, considerada a segunda maior do Estado.
A Comunidade Paraisópolis está localizada numa extensa área entre
a Avenida Giovanni Gronchi e a Avenida das Nações Unidas (Marginal
Pinheiros).
É a segunda maior comunidade carente de São Paulo, com uma
população estimada em aproximadamente 90.000 habitantes, cuja maioria
não concluiu o Ensino Fundamental. Segundo dados da Fundação
Visconde de Porto Seguro:

A renda média das famílias varia entre dois e três salários mínimos,
com luz clandestina, água encanada em 50% de sua área, esgoto a céu
aberto, poucas ruas pavimentadas e a maioria sem calçadas. As casas
são de alvenaria ou madeira construídas em área de risco (2010, p.10).

A violência está presente e, atualmente, em destaque, havendo


elevação do número de casos de roubos, sequestros e estupros o que
provocou um manifesto chamado “SOS Morumbi”. O manifestou reuniu
3,5 mil moradores e aconteceu na Praça Vinicius de Morais, em 28 de
agosto de 2011 ( Jornal DCI, 2011).
A comunidade apresenta inúmeros problemas sociais, econômicos e
de falta de atuação do poder público, o que resulta em um decréscimo da
qualidade de vida da população local.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012   153


Em 1922 (Fundação Visconde de Porto Seguro, 2010, p.8) a região
de Paraisópolis recebeu seus primeiros moradores. A ocupação do espaço,
alterando-o para espaço geográfico, é um fenômeno importante para o
entendimento da dinâmica de urbanização. Para tanto se faz necessário
voltar este estudo, englobando todos os aspectos, sejam econômicos ou
sociais, e no decorrer da história.
A respeito desses aspectos, Santos (1982, p.57) afirma que: “Já que
a revolução da urbanização se insere em um contexto muito rápido de
evolução de outros parâmetros faz- se necessário assinalar diversos outros
caracteres distintos [...].”
A região ocupada pela comunidade era uma antiga fazenda de
cultivo de chá. Em 1922, a grande área foi loteada. Por conta de alguns
lotes vazios japoneses e paulistas ocuparam a terra.
Em 1947, grande número de nordestinos chegou à região para
trabalhar na construção civil. Nessa época, duas grandes obras foram
responsáveis pela migração de trabalhadores para a região: o Estádio do
Morumbi e o Hospital Israelita Albert Einstein.
Os responsáveis pelas obras não ofereceram alojamento para todos os
trabalhadores, fazendo com que esses acabassem ocupando os lotes vazios,
construindo barracos já que a região era bem próxima as construções.
Diante da aparente estabilidade financeira, com emprego e terreno
disponível, a maioria dos trabalhadores trouxe seus familiares para morar
no bairro.
Paraisópolis cresceu desordenadamente, sem planejamento urbano,
sem estrutura, sem serviços básicos para a população e, ainda hoje, existe
certa desestrutura que provoca grande segregação social, e consequente
sofrimento das famílias.

  154 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012


Figura 2 - Comunidade Carente Paraisópolis (2011). Poluição e
lixo acumulado. Acervo do autor.

Figura 3 - Comunidade Carente Paraisópolis (2011). Poluição do córrego,


esgoto sem tratamento. Acervo do autor.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012   155


Figura 4 - Comunidade Carente Paraisópolis (2011). Becos, ausência
de pavimentação, construções inadequadas. Acervo do autor.

5. Projetos Sociais em Paraisópolis

A comunidade ocupa uma área de 800.000 metros quadrados e


possui atualmente entre 80.000 e 100.000 habitantes (Paraisópolis, 2011).
Localiza-se na região oeste e faz divisa com um dos bairros mais nobres de
São Paulo, o Morumbi.
Tal situação geográfica define a favela, segundo Marques e Torres
(1995), como área de relativa segregação social. Essa afirmação baseia-se
pela presença de pessoas de classe social altíssima, moradores de prédios

  156 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012


de luxo e mansões em grandes condomínios que ocupam, praticamente,
o mesmo das moradias precárias ocupadas pela população desprovida de
recursos.
Existem para os moradores da comunidade certas oportunidades
de emprego, o que resulta em uma melhoria na qualidade de vida e no
acesso aos serviços básicos. A comunidade oferece vasta mão de obra
à população privilegiada: babás, empregadas domésticas, motoristas,
seguranças, jardineiros etc., ocupam postos de trabalhos existentes nas
mansões e grandes condomínios, estabelecendo uma relação relativamente
equilibrada.

[...] a estrutura das relações sociais modela a estrutura de oportunida-


des dos indivíduos. Em relação à Paraisópolis, observou-se a articu-
lação de três tipos de redes de relações que a tornam atrativa: a oferta
de trabalho, as ações públicas (estatais e não-estatais) e as relações
de caráter comunitário [...]” (MARQUES, TORRES, 2005, p.196).

Trata-se de um local que se diferencia de outras comunidades


carentes, pois possui um número significativo de projetos sociais que
oferecem oportunidade de trabalho, educação, serviços básicos de saúde
e lazer. Vale ressaltar que não é um lugar perfeito para se viver, ainda há
muito a se fazer, principalmente na área educacional, pois há ainda entre
os moradores, cerca de 12.000 analfabetos. (Paraisópolis, 2011).
O entorno rico promove na comunidade uma vasta quantidade de
entidade assistências, tanto oferecidas pelo governo municipal e estadual,
como também, por instituições particulares. Algumas dessas entidades
são referências em saúde e educação. A relação abaixo cita algumas dessas
instituições que proporcionam importantes contribuições às famílias
carentes:

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012   157


  158 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012
Em função da vasta oferta de entidades, Marques e Torres (2005,
p.209) explicam que:

As redes de relações sociais (religiosas, parentesco, de vizinhança e


políticas) nesse contexto funcionam com ativos, e quanto mais re-
curso elas têm, mais recursos conseguem obter. Inclui-se nesses ativos
a “pacificação”. A dinâmica é circular: a relativa paz de Paraisópolis
incentiva o estabelecimento na favela de programas assistenciais [...].

Essa gama de oportunidades permite aos moradores da comunidade


alterar sua história de vida, considerando-se que muitos têm em seu
passado, históricos de fome, violência e miséria extrema e encontram em
seu espaço de vivência certas possibilidades que permitirão uma melhoria
significativa na qualidade de vida.
Essas novas possibilidades já permitem concluir que há um aumento
na qualidade de vida dos moradores, diante das diversas oportunidades que
lhes são oferecidas através dos projetos sociais inseridos na comunidade.
Porém, há de se destacar que o assistencialismo, praticado na maioria
das instituições, distancia as pessoas da possibilidade de se extinguir a
pobreza de forma efetiva. O assistencialismo, como única ferramenta de
ajuda, não promove inclusão social, não integra indivíduos em decisões
políticas e não permite desenvolvimento de senso crítico tão importante
para a prática da cidadania.
Cabe destacar a importância do acesso à educação nesse processo de
cidadania. A universalização da educação é tema importante e presente
entre os profissionais e estudiosos da atualidade. Nações que proporcionam
acesso à educação de qualidade estão fadadas a um crescimento econômico
estável e mantêm a vida de seus cidadãos em equilíbrio tanto econômico
como social, melhorando a qualidade de vida.
A respeito da educação Paulo Freire (1989, p.18) coloca que:

Do ponto de vista de uma tal educação, é da intimidade das consci-


ências, movidas pela bondade dos corações, que o mundo se refaz.
E já que a educação modela as almas e recria os corações, ela é a
alavanca das mudanças sociais.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012   159


Em nosso país, essa realidade está bem distante. Temos ainda altos
índices de analfabetismo e a qualidade de ensino é inexistente.
Diante desse quadro menciono um projeto educacional, voltado
para educação de qualidade que auxilia a combater as altas taxas de
analfabetismo presentes na comunidade de Paraisópolis, contribuindo
para inclusão social dessa população carente.

6. Fundação Visconde de Porto Seguro

A Fundação Visconde de Porto Seguro cumpre sua função ética,


cidadã e de responsabilidade social, por meio da Escola da Comunidade
(EC) (Porto Seguro, 2010). A instituição promove ensino de qualidade
para crianças moradoras de Paraisópolis, da Educação Infantil ao Ensino
Médio. A escola mantém curso de alemão em nível básico e avançado,
promove curso de artesanato para mães dos alunos, oferece oficinas de
jornalismo, fotografia e diversas palestras.
A comunidade que possui entre 80.000 e 100.000 habitantes apresenta
um número elevado de analfabetos, cerca de 12.000 (Paraisópolis, 2010).
Número elevado, que provoca segregação social e permanência dos altos
índices de pobreza na região.
Colaborando com a erradicação do analfabetismo, o colégio possui
atualmente 11 turmas com 35 alunos, totalizando 385 adultos, cursando
a modalidade de ensino denominada Educação de Jovens e Adultos.
Os professores são altamente qualificados e a instituição proporciona,
além das aulas de qualidade, participação em estudos do meio, aulas de
informática, oficina de artes, entre outros. Os alunos têm acesso às salas de
aulas equipadas com aparelhos informatizados, laboratórios de biologia,
laboratório de informática, sala de artes, etc. Como forma de motivação,
já que a maioria dos alunos chega cansada após jornada de trabalho, o
Colégio oferece lanches preparados diariamente por nutricionista,
uniformes e materiais didáticos.
Moacir Gadotti (2008) defende a ideia de que o analfabetismo é

  160 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012


fruto da pobreza e esse representa a negação de um direito fundamental,
decorrente de um conjunto de problemas sociais: falta de moradia,
alimentação, transporte, escola, saúde, emprego. Acrescenta ainda que
(2008, p. 11):

Quando tudo isso vai bem, a educação vai bem. Isso significa ainda
que o problema do analfabetismo não será totalmente resolvido ape-
nas por meio de programas educacionais. Eles precisam vir acompa-
nhados de outras políticas sociais.

O analfabetismo está ligado à situação econômica e social presente


em Paraisópolis e reflete uma parte da situação em que vive o país.

Em 2004, a taxa de analfabetismo do Brasil era de 11,4% [...] a mais


alta entre os países do Mercosul. No mesmo ano, a taxa de analfabe-
tismo da Argentina era de 2,6%, e do Chile, 3,5%. Somos um país
majoritariamente de analfabetos. Como podemos sonhar com uma
“aceleração do crescimento” sem elevar o nível de escolaridade e a
qualidade de educação brasileira? (GADOTTI, 2008, p. 13).

Diante desses altos índices nota-se a importância de se conhecer e


avaliar a situação educacional em que vive o país. Mensurar esses fatores
na comunidade local já traz uma certa contribuição para a diminuição
desses números, já que se consegue captar as principais causas e propor
possíveis soluções.

O benefício individual, para cada cidadão e cada família carente tam-


bém merece um destaque e pesquisas demonstram que “em 2002 a
falta da alfabetização das mães é uma das principais causas de desnu-
trição infantil”. (Pastoral da Criança apud GADOTTI, 2008, p. 10).

Existem ainda outros benefícios para os participantes da EJA –


Educação de Jovens e Adultos, entre esses Gadotti (2008, p. 21) destaca:

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012   161


[...] maior confiança e autonomia no interior de suas famílias e comu-
nidades; [...]; alteram suas práticas de saúde e de nutrição em benefi-
cio de suas famílias; aumentam sua produção e seus ganhos usando
informações recebidas nos programas de alfabetização ou acessando
outras informações; participam mais efetivamente na comunidade e
na política; [...]; guardam suas habilidades de alfabetização e as usam
para expandir sua satisfação na vida diária.

Essas pesquisas aliadas aos dados estatísticos demonstram de forma


clara os benefícios trazidos pelas instituições, quer sejam assistenciais
ou em âmbito educacional. Quando as duas forças se unem, o resultado
positivo se mostra, de forma ímpar.
A população ganha espaço dentro da comunidade, no ambiente de
trabalho, ganha expressão e, em consequência, melhora sua autoestima e
tem prazer em frequentar espaços sociais.
Com objetivo de contribuir com a pesquisa e compartilhar uma
experiência vivida na comunidade Paraisópolis, realizamos uma pesquisa
com uma aluna, frequentadora da Alfabetização de Adultos, da Escola
da Comunidade, mantida pela Fundação Visconde de Porto Seguro. A
aluna entrevistada tem vinte e quatro anos, mora em Paraisópolis há seis
anos e estuda há cinco meses na série que equivale ao 5º ano do ensino
fundamental (antiga 4ª série).

E - Quais os problemas presentes em Paraisópolis causam maiores


transtornos para sua família?

Cr – Um dos problemas é a educação, as escolas não são boas, muitas


crianças vão à escola só para bagunçar, e mesmo assim passam de ano. Os
moradores colocam lixo nas ruas, barulhos nos bares (os bares funcionam
até de manhã), esgoto, segurança nas escolas e outros.
E - Quais os serviços ou entidades assistenciais presentes na
comunidade trazem beneficio a sua família?

Cr – O Programa Einstein na Comunidade Paraisópolis e Programas


Governamentais.

  162 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012


E - O que levou você a voltar a estudar?

Cr – Dificuldade para arrumar um emprego e também para ficar


atenta com as mudanças que acontecem com o passar dos anos.

E - Cite quais contribuições positivas (trabalho, relacionamento


interpessoal, familiar, etc) surgiram para você e sua família após iniciar os
estudos na Educação de Jovens e Adultos.

Cr – Na minha casa, o relacionamento familiar mudou, hoje


sentamos para conversar sobre tudo, como: educação, segurança e também
o que aprendi na escola. Para mim, as contribuições foram muitas como:
ter a mente mais aberta. Vejo o mundo de outra maneira, começamos a
entender melhor o que se passa no mundo.

E - Houve algum ponto negativo? Algo que deva ser melhorado?

Cr – Não houve nada negativo. Acho que sempre há algo a ser


melhorado, não podemos nos acomodar com o que está só bom, tem que
ser ótimo.

E - Você tem hábitos de leitura? O que mais gosta de ler (livros,


revistas, jornal etc.)?

Cr – Sim, tenho. Leio sempre que dá. Gosto de ler livros, com
preferência para histórias românticas.

E – Em relação à leitura mencione, em uma escala de 0 a 10 (sendo


0 – não compreendo e 10 – compreendo tudo que leio) o quanto você
consegue compreender o que está lendo?

Cr – Considero 8, entendo quase tudo que leio. Minha leitura


melhorou muito após cursar a escola.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012   163


E – Você está trabalhando atualmente? Em qual função?

Cr – Sim. Trabalho como empregada doméstica em casa de família.

E – Após iniciar os estudos houve alguma melhora no ambiente de


trabalho?

Cr – Sim. Minha patroa disse que consigo escrever melhor os


recados. Antes eu tinha até medo de atender o telefone, agora me sinto
mais segura na hora de escrever os recados. Ela até me elogia. Também
melhorei na hora de fazer novas receitas, consigo até aumentar a receita
(dobrar os ingredientes). Participei de algumas aulas de culinária aqui no
colégio, a professora ficava junto e ensinava algumas continhas para fazer
a receita para mais pessoas. Isso me ajudou muito e além de limpar a casa
consigo fazer novos pratos.

E – Qual é o seu objetivo profissional daqui a alguns anos?

Cr – Pretendo terminar meus estudos e procurar emprego em uma


empresa. Tenho vontade de trabalhar como secretária.
E – E na comunidade, você consegue participar de algum outro
projeto, freqüenta a Associação de Moradores de Paraisópolis?

Cr – Não tenho tempo de participar de outros projetos, mas quando


tem algum assunto importante para resolver vou até a associação reclamar
ou pedir ajuda. Temos que brigar pela nossa família sempre que possível.
Também participo das reuniões quando existe algum assunto importante
para nós moradores. O Gilson (presidente da Associação) sempre fala
da importância da nossa presença e procuro comparecer em todos esses
momentos. No colégio a professora sempre pergunta dos problemas que
temos na favela e conversamos com outros colegas e com ela como resolver
algumas situações.

  164 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012


7. Considerações Finais

A pobreza, exclusão social e desigualdade são problemas encontrados


em comunidades carentes de todo o país. Diante de altos números da
pobreza demonstrados nesse trabalho, a questão torna-se objeto de
estudos e preocupação de diversos especialistas.
Foram apresentados estudos a respeito da forma de ocupação da
favela de Paraisópolis, desde suas origens, até o momento atual. Essa análise
serviu de pilar para o entendimento das origens da pobreza extrema.
A essa análise soma-se o estudo voltado para as interações ocorridas,
atualmente, neste espaço e demonstrou que a comunidade propicia certas
oportunidades aos seus moradores, fruto de sua localização geográfica.
A preocupação vai além das condições inadequadas de moradia, e
serviços básicos e é a partir dessa premissa que se destacou a preocupação
com o resgate da cidadania e da transformação social através do acesso a
educação de qualidade, considerando adultos analfabetos.
Sabe-se da existência de número elevado de analfabetos em todo
o país, estudar esse grupo em uma parcela menor, ou seja, inseridos na
comunidade, possibilitará entendimento de suas causas, consequências e
possíveis soluções.
O trabalho demonstrou que a interação ocorrida dentro do espaço
social permite uma melhoria na qualidade de vida, além dela há de se
considerar a inclusão dessas pessoas na sociedade, tornando-os atuantes
e participativos, o que se consegue a partir da alfabetização e do acesso à
educação de qualidade.
Tais contribuições são oferecidas por entidades assistenciais que
trabalham em parceria com poder o público e as instituições particulares.
Nem todos os moradores são atendidos, ainda há muito a se fazer,
por isso um dos objetivos deste trabalho é o de contribuir e servir de base
para o aumento e o incentivo das parcerias e que outras comunidades
possam seguir esse modelo, pois o crescimento econômico do país está
enraizado no acesso à educação de qualidade.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012   165


Referências

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organizações do terceiro setor. 2009. 173 f. (Mestrado em Psicologia Social)
Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2009.

FREIRE, Paulo. A importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam.


23ªed. São Paulo: Cortez, 1989.

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GADOTTI, Moacir. MOVA: por um Brasil alfabetizado. São Paulo: Paulo


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região. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.dci.com.br/Moradores-
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MARQUES, Eduardo; TORRES, Aroldo. São Paulo: segregação, pobreza e


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SANTOS, Milton. A Urbanização Desigual: a especificidade do fenômeno


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_______. A Urbanização Brasileira. 3ªed. São Paulo: Hucitec, 1996.

  166 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012


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<http://www.seade.gov.br/produtos/retratosdesp/view/pdf/var_49.pdf>.
Acesso em: 26/09/2011.

Title: Man and space: interactions inside the community of Paraisópolis.


Authors: Veronica Menezes Amorim; Izildo Carlos Alves da Silva.

ABSTRACT: The interaction between man and geographic space allows


the identification of the origins and the consequences of the main social and
economic problems of the needy ones. The purpose of this paper is to identify
the urban problems that are present in the underprivileged community of
Paraisópolis, the second largest slum in the state. This paper highlights the
importance of education as a process to integrate people, mainly the adults who
didn’t have opportunity to study during childhood. The activities to promote
education to young people and adults from Paraisopolis developed by Visconde
De Porto Seguro Foundation are analyzed in this paper. Concluding, a case
of a student from EJA highlighting the important contributions that formal
education provided him is studied. The interaction between man and geographic
space allows the identification of the origins and the consequences of the main
social and economic problems of the needy ones. The purpose of this paper is to
identify the urban problems that are present in the underprivileged community
of Paraisópolis, the second largest slum in the state. This paper highlights the
importance of education as a process to integrate people, mainly the adults who
didn’t have opportunity to study during childhood. The activities to promote
education to young people and adults from Paraisopolis developed by Visconde
De Porto Seguro Foundation are analyzed in this paper. Concluding, a case
of a student from EJA highlighting the important contributions that formal
education provided him is studied.
Keywords: Community. Paraisópolis. Education.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012   167


  168 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 113-129, jul./dez. 2012
A ética e a educação ambiental no
visual publicitário do Distrito Federal:
convergências e divergências

Antônio Itamar da Silva 1

Pedro Guilherme Fernandes da Silva 2

Resumo: A pesquisa demarcou problemas pertinentes ao estudo da educação ambiental


com o objetivo de identificar, fotografar e analisar outdoors no visual publicitário do
DF que abordem questões ambientais. O estudo se justifica ao verificar se a ética na
dimensão da educação ambiental tem sido considerada nesses engenhos publicitários
para disseminar idéias de preservação, sustentabilidade ecológica, redução de consumo
presentes no ideário pessoal e organizacional. A metodologia qualitativa privilegiou a
técnica de análise de conteúdo e como critério de inclusão/exclusão, os outdoors que
representassem a questão ambiental. A análise de conteúdo aplicada por meio de roteiro
em sala de aula aos alunos de Ensino Médio de uma escola particular, sendo 43 do
sexo feminino e 27 do sexo masculino. Concluiu-se que a publicidade visualizada nos
outdoors do DF em sua função de espelho converge pouco para as grandes questões que
a ética na dimensão da educação ambiental pretende disseminar e enraizar.

Palavras-chave: Ética. Educação ambiental. Sustentabilidade. Outdoors. Publicidade.

1
Mestre em Gerontologia pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Pós-Graduado em Gestão Ambiental
pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais - SP. E-mail: <prof.itamar.claretianotg@gmail.com em
Gestão Ambiental>.
2
Orientador. Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo. Mestre em Psicobiologia pela Universidade
de São Paulo. Professor do Instituto Federal de Alagoas - Campus Marechal Deodoro. Tem experiência na área
Ambiental, com ênfase em Ciências Ambientais, atuando principalmente nos seguintes temas: Avaliação de
Impacto Ambiental, Licenciamento Ambiental, e Ecoturismo. E-mail: <pedro-guilherme@uol.com.br>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   169


1. INTRODUÇÃO

Ao revisar investigações sobre a questão, percebe-se que o grande


desafio da Educação Ambiental passa-se no nível ético, porque ela é uma
ponta do iceberg da crise ecológica. Essa crise ecológica, segundo Grün
(2003), é vista como um sintoma da cultura ocidental que tem provocado
vasta investigação pertinente aos valores que sustentam a nossa cultura.
Dentre as variadas abordagens sobre a referida crise, Bijos (1999) apud
Grün (2004), aponta quatro características que preparam os antecedentes
históricos da educação ambiental:

“[...] o crescimento populacional exponencial; depleção da base de


recursos naturais; sistemas produtivos que usam tecnologias poluen-
tes e de baixa eficiência energética; sistemas de valores que propiciam
a expansão ilimitada do consumo material”.

O fato de muitos autores (DAVID OR, 1992 apud GRUN; 2004;


BOFF, 2003; JUNGES, 2004; CARVALHO, 2003; LEFF, 2007)
terem relacionado a crise ecológica com a crise da cultura ocidental é
porque, certos valores já não se encontram mais no âmbito imediato da
consciência, porém, ao longo de um processo histórico foram reprimidos
ou recalcados pela tradição dominante do racionalismo cartesiano
(GRÜN, 2004, p. 22).
Pressionadas por sinalizações da sociedade, a fim de que contribuam
com a recuperação e preservação ambiental sob pena de retaliações nos
planos fiscal, jurídico e de mercado, as empresas se empenham para
participar desse novo desafio. Assim, um sem-número de indivíduos e
instituições precisam comunicar o que estão fazendo ou o que querem
que seja feito pelo meio ambiente, surgindo então uma nova dimensão
para a comunicação e a propaganda (FILHO, 2004, p. 19).
Daí decorre o interesse deste estudo: Na paisagem urbana do
Distrito Federal, a onipresente publicidade em outdoors revela algum
envolvimento com a questão ambiental? Será possível identificar em

  170 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


suas peças publicitárias qualquer sinalização sobre valores? Mais do que
uma simples marca, elas vendem também uma ideia, um conceito, que é a
cultura ambiental?
Justificam-se estas preocupações, porque se trata de buscar respostas
para os graves problemas ambientais que cercam a humanidade no âmbito
da ética. Considerar-se-ia um absurdo pensar a questão da formação de
uma consciência ecológica, desligada da consecução de uma ética voltada
às questões ambientais, bem como imaginar um educador ambiental
ignorasse a sua importância e procedesse como se ela não existisse.
Ainda mais, porque dentro do conjunto de temas propostos pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais, intitulado de “Temas Transversais”,
apresenta-se a Ética e o Meio Ambiente entre os primeiros. Assim afirmam-
se os PCNs:

“A ética interroga sobre a legitimidade de práticas e valores pela con-


sagrados pela tradição e pelo costume. Abrange a crítica das relações
entre os grupos, dos grupos nas instituições e ante elas, quanto à di-
mensão das ações pessoais. Trata-se, portanto, de discutir o sentido
ético da convivência nas suas relações com várias dimensões da vida
social: o ambiente, a cultura, o trabalho, o consumo, a sexualidade, a
saúde” ( PCNs, MEC/SEC, p. 240).

Esta investigação ganha relevância para o campo da gestão ambiental


porque verifica se empresas e publicitários têm levado em conta em
seus anúncios o Programa das Nações Unidas (PNUMA), no qual
propõe princípios, ações e estratégias para construção de uma sociedade
sustentável. O estudo tem como foco a publicidade em sua função de
espelho que contribui tanto para modelar a realidade que a reflete quanto
projeta uma sua imagem deformada.

2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL

A educação ambiental não é assunto novo. Há mais ou menos umas


três décadas ela efetivou-se como preocupação no âmbito da educação.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   171


Segundo Grün (2004, p. 15),

“[...] a emergência da crise ambiental como preocupação específica


da educação foi precedida de uma certa ‘ecologização das sociedades’
[...] “momento em que o meio ambiente deixou de ser assunto exclu-
sivo dos amantes da natureza e se tornou um assunto da sociedade
civil mais ampla”.

Nas décadas de 50 e 60 o homem ampliou sua capacidade de produzir


alterações no ambiente natural, devido aos avanços tecnológicos. Em 1962
a bióloga Rachel Carson lançava o livro A Primavera Silenciosa, tratando
da perda da qualidade de vida produzida pelo modelo de desenvolvimento
adotado fazendo uso indiscriminado e excessivo dos produtos químicos
e os efeitos dessa utilização sobre os recursos naturais (DIAS, 2000,
p.11). Também o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley (1966),
advertindo a humanidade sobre os riscos de uma sociedade alienada pelo
cientificismo clássico distante dos processos sociais e colocando uma série
de interrogações sobre o futuro da humanidade (CARVALHO, 2006).
É neste contexto que a educação surge, segundo Carvalho (2006, p.
52) como um

“[...] processo de conscientização e transformação coletiva. A neces-


sidade de se educar a partir e para o meio ambiente, tornou não só a
difusão de conceitos e conhecimentos básicos sobre as questões am-
bientais, mas a necessidade de uma nova mentalidade ambiental, um
ultimato que exigia uma resposta imediata por parte das nações do
mundo”.

A partir da “Conferência de Estocolmo” (Primeira Conferência


das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, organizada pela ONU
em 1972), ficou decidido que seriam necessárias mudanças profundas
nos modelos de desenvolvimento, nos hábitos e comportamentos dos
indivíduos e da sociedade, isto somente poderia acontecer por meio
da educação. Naquela ocasião, reconheceu-se que a educação então

  172 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


vigente, por caracterizar-se pelo engessamento e distância das realidades,
não seria capaz de promover as mudanças necessárias. Daí o rótulo
“Educação Ambiental” como um “novo” processo educacional que
deveria operacionalizar aquela importante tarefa. A educação ambiental
se dependesse das instituições da educação formal no mundo, ou não
existiria ou ainda estaria presa nas elocubrações de ordem epistemológica
e filosófica, em meio aos embaraços das teorias divergentes, ao sabor das
vaidades, dos ranços acadêmicos e dos interesses políticos (DIAS, 2000).
Em Belgrado (ex-Iuguslavia), a Unesco no ano de 1975, promovia o
“The Belgrado Workshop on Environmental Eduction”, quando foram
formulados alguns princípios básicos para um programa de educação
ambiental (GRÜN, 2004). Destaca-se, além disso, a ênfase sobre a
necessidade de uma nova ética para enfrentar o problema da pobreza, do
analfabetismo, da exploração e da exploração humana.
A preocupação com o meio Ambiente estava, inicialmente, reduzida
a um pequeno grupo de estudiosos e defensores da natureza, porém, com
o passar dos tempos e dos acontecimentos que envolveram a sociedade
nos aspectos sócio econômicos, ambientais e culturais esta concepção
passou por transformações.
A Conferência Inter-governamental sobre Educação Ambiental,
realizada em Tblisi, (Geórgia, então parte da URSS), em 1977, constitui,
até hoje, o ponto culminante do Programa Internacional de Educação
Ambiental. Nela foram definidos os objetivos e as estratégias pertinentes
em nível nacional e internacional, postulando que a Educação Ambiental
é um elemento essencial para uma educação global orientada para a
resolução dos problemas por meio da participação ativa dos educandos
na educação formal e não-formal, em favor do bem-estar da comunidade
humana.
A Política Nacional do Meio Ambiente (PNUMA) no Brasil,
definida por meio da Lei nº 6.983/81, situa a Educação Ambiental como
um dos princípios que garantem “a preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar no país condições
ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   173


e à proteção da dignidade da vida humana”. Estabelece, ainda, que a
Educação Ambiental deve ser oferecida em todos os níveis de ensino e
em programas específicos direcionados para a comunidade. Visa, assim,
à preparação de todo cidadão para uma participação na defesa do meio
ambiente.
Na Conferência Rio-92, a grande preocupação se centra nos
problemas ambientais globais e nas questões do desenvolvimento
sustentável. Nessa conferência, em relação à Educação Ambiental,
destacam-se dois documentos produzidos. No Tratado de Educação
ambiental para sociedades sustentáveis, elaborado pelo fórum das
ONGs, explicita-se o compromisso da sociedade civil para a construção
de um modelo mais humano e harmônico de desenvolvimento, onde se
reconhecem os direitos humanos da terceira geração, a perspectiva de
gênero, o direito e a importância das diferenças e o direito à vida, baseados
em uma ética biocêntrica e do amor.
Pode-se afirmar, hoje, que as relações sociedade civil organizada
entre instituições governamentais responsáveis pela educação ambiental
caminham juntas para a construção de uma cidadania ambiental sustentável,
baseada na participação, justiça social e democracia consciente.
É evidente que o aprofundamento de processos educativos
ambientais apresenta-se como uma condição sine qua non (sem o qual
não pode ser) para construir uma nova racionalidade ambiental que
possibilite modalidades de relações entre a sociedade e a natureza, entre
o conhecimento científico e as intervenções técnicas no mundo, nas
relações entre os grupos sociais diversos e entre os diferentes países em um
novo modelo ético, centrado no respeito e no direito à vida em todos os
aspectos (MEDINA, 2008).

3. ÉTICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A


ÉTICA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Devido à complexidade que o termo Educação Ambiental envolve

  174 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


Carvalho et al. (2003, p. 31) considera válido o argumento que enfatiza
a dimensão ética como um norte que deveria ser consultado e seguido,
propondo-se a entender a relação entre Ética e Educação Ambiental. Por
Ética da Educação Ambiental se entende a constituição da nova ética
ecológica que a Educação Ambiental se propõe a instaurar; e por Ética
na Educação Ambiental, referindo a ética, ou mais especificamente ao
conjunto de valores sobre o qual esta se sustenta, relacionada à práxis da
Educação Ambiental formal ou não-formal.
Ao final do século XX muitos estudiosos constataram um grave
distanciamento existente entre os avanços conquistados no plano científico
e tecnológico, e o desejável avanço no campo da ética, que não consegue a
mesma proporção. Trata-se de uma realidade que tem suas raízes na lógica
cartesiana e no utilitarismo baconiano (CARVALHO, p. 32).
No limiar de um novo milênio, enquanto as ciências das técnicas
e da economia se atualizam continuadamente e são reformuladas para
responder as novas exigências sociais, as questões éticas relativas ao
bem-estar social e a própria da qualidade da vida humana permanecem
inalteradas e sem respostas satisfatórias. Neste sentido, Carvalho (2003,
p.35) afirma com convicção:

“A crise sócio-ambiental, reflexo da própria crise civilizatória foi an-


tecipada por uma grave crise ética. A ausência de uma postura ética
técnico-científica que pudesse ordenar as ações do homem sobre a
natureza, baseada no respeito mútuo entre esses dois elementos – no
reconhecimento tanto da dignidade humana, quanto do valor da na-
tureza – ajuda-nos a compreender melhor como o caos provocado
pela apropriação e uso dos recursos ambientais, assinalada pela lógica
instrumental, mercadológica, consumista e destrutiva, onde possuir
e dominar são as palavras de ordem, marcando de forma profunda a
relação entre homem e meio ambiente através da história, podendo
alcançar níveis de tal ordem prejudiciais a própria continuidade da
vida no planeta”.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   175


Portanto, se faz necessário encontrar outra forma de adquirir
conhecimentos que possibilite enxergar o objeto de estudo com seus
vínculos e também contextos físico, biológico, histórico, social e político,
apontando para a superação dos problemas ambientais.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, a moral é
definida:

“[...] como o conjunto de princípios, crenças, regras que orientam


o comportamento dos indivíduos nas diversas sociedades e a ética
como a reflexão sobre a moral”. A primeira refere-se às leis que nor-
matizam as condutas humanas, e a segunda corresponde aos ideais
que dão sentido à vida. Uma visa responder à pergunta “como devo
agir?” e, a outra “como viver?” (TAILLE, 2001, p. 49).

Assim, o que Carvalho (2003, p. 36) denominou de Ética da


Educação Ambiental (questões dos valores que se propõe a disseminar e
enraizar), tendo como fonte de inspiração o pensamento de Edgar Morin
em seu livro autobiográfico “Os meus Demônios” (1997), é uma ‘auto-
ética` fundamentada na própria consciência moral de cada indivíduo”. A
finalidade da ética que a Educação Ambiental pretende disseminar é o de
devolver ao homem sua condição de membro da vida, participante ativo
da teia de inter-relações do ecossistema do qual faz parte. Neste sentido,
CAPRA (1998, p. 28), assevera:

“Todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas liga-


das umas às outras numa rede de interdependências. Quando essa
percepção ecológica profunda torna-se parte de nossa consciência
cotidiana, emerge um sistema de ética radicalmente novo”.

É precisamente a proposição dessa ética (da ecologia) que visa


superar a permissiva moral sócio-ambiental vigente, tendo em vista uma
ética libertadora e comprometida com o direito à vida. Segundo Junges
(2006, p. 109) aponta a necessidade de:

  176 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


“[...] uma alfabetização ecológica, que significa mudança de paradig-
ma cultural que regeu as relações entre os seres humanos e a natureza
nos últimos quinhentos anos. Esse câmbio cultural só é possível pela
conversão moral das atitudes de consumo e convivência vigentes. Isso
mostra que a questão de fundo do problema ecológico é ético”.

Ética na Educação Ambiental, dos valores fundamentais que


os agentes de Educação Ambiental devem levar em consideração em
seu cotidiano de trabalho. O que se denomina de ética na dimensão
ambiental (ética dos meios), diz respeito a ética voltada para os valores e
critérios fundamentais que norteiam a práxis do profissional de Educação
Ambiental consciente de seu papel enquanto agente de transformação de
uma realidade extremamente crítica. Não se trata de apresentar a dimensão
ética do fazer Educação Ambiental como “porção mágica” que soluciona
todos os problemas ambientais, mas que seja adotada uma postura ética
solidária em relação ao meio ambiente (CARVALHO, 2003, p. 41).

4. PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA


SOCIEDADE SUSTENTÁVEL

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),


com o apoio da ONU e de diversas organizações não governamentais,
propôs, em 1991, princípios, ações e estratégias para a construção de
uma sociedade sustentável. De acordo com o referido Programa, uma
sociedade sustentável é aquela que vive em harmonia com nove princípios
interligados apresentados a seguir:

• Respeitar e cuidar da comunidade dos seres vivos (princípio


fundamental).
• Melhorar a qualidade da vida humana (critério de
sustentabilidade).
• Conservar a vitalidade e a diversidade do planeta Terra (critério
de sustentabilidade).

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   177


• Minimizar o esgotamento de recursos não-renováveis (critério
de sustentabilidade).
• Permanecer nos limites de capacidade de suporte do planeta
Terra (critério de sustentabilidade).
• Modificar atitudes e práticas (meio para se chegar à
sustentabilidade).
• Permitir que as comunidades cuidem do seu próprio ambiente (
meio para se chegar à sustentabilidade).
• Gerar uma estrutura nacional para a integração de desenvolvimento
e conservação (meio para se chegar à sustentabilidade). processos
de geração e distribuição de riqueza e bem-estar.
• Constituir uma aliança global (meio para se chegar à
sustentabilidade).

[...] “A ética do cuidado com a Terra aplica-se em todos os níveis, in-


ternacional, nacional e individual. Todas as nações só têm a ganhar
com a sustentabilidade mundial e todas estão ameaçadas caso não
consigamos essa sustentabilidade” (PCNs, MEC/SEC, p.239-241).

5. PUBLICIDADE OU PROPAGANDA?

A palavra publicidade vem do latim “publicare” que significa “tornar


público”. Reinaldo Dias afirma que ela

“[...] implica uma série de atividades pagas ou concebidas com o ob-


jetivo de transmitir, por meio dos meios de comunicação social, uma
mensagem impessoal, quer seja oral ou visual, relacionada com idéias,
bens e serviços, com fins lucrativos ou não, e paga por um patrocina-
dor identificado” ( DIAS, 2007, p. 165).

De acordo com o mesmo autor

“[...] a publicidade compreende todas as atividades através das quais

  178 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


se dirigem ao público mensagens visuais ou orais com o propósito der
informá-lo e influenciá-lo para que compre mercadorias ou serviços,
ou se incline favoravelmente a certas idéias, instituições ou pessoas”
(DIAS, p. 165).

Para Jowett e O´Dnnell, 1986 apud Filho, 2004, “[...] propaganda


significa disseminação ou promoção de idéias; é difundir uma ideologia
para uma audiência com certo objetivo”. Por isso toda publicidade pode
ser denominada de propaganda, e toda propaganda é comunicação ou
uma forma de comunicação. Gino Giaconni Filho (2004) afirma que “a
publicidade, embora seja uma sub-atividade de propaganda, caracteriza-
se como instrumento de marketing de um anunciante, e seus propósitos
ambientais estão relacionados com a recente era pós-industrial” (FILHO,
2004, p. 181).
O autor supramencionado (p.189) propõe uma tipologia de
conteúdos de publicidade no contexto da ecopropaganda em cinco
categorias:

• Denunciativa: o anúncio apresenta linguagem que dramatiza a


falência de sistemas ecológicos. É recomendável quanto se buscam
resultados e impactos imediatos. Pode inicialmente comover,
mas não se tem a garantia de resultados mais duradouros.
• Engajadora: parte para pedidos de ajuda a fim de que determinado
escopo ecológico seja alcançado. O anúncio não pretende ser a
solução, mas parte do esforço coletivo na busca de resultados.
Sua eficácia depende de uma boa estrutura de telemarketing e
atendimento pós-venda.
• Vendedora: é o hard sell, ou seja, possui propósito de venda de
um produto ou serviço verde ou apresentado como verde. O
produto /serviço é a atração do anúncio e o lucro de vendas o
propósito da organização.
• Institucional: aproxima-se da publicidade revestida do papel de
relações públicas, pretendendo obter ganhos de reputação para

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   179


a organização, cujo êxito depende de atitudes conseqüentes em
relação ao meio ambiente.
• Ecossustentável: desenvolver conteúdos sintonizados com o
marketing integrado e a cultura organizacional verde, associando-
se a um trabalho de comunicação integrada. Sua meta é gerar
lucro com base no relacionamento sustentável com os clientes; o
produto/serviço é só um dos meios para isso.

6. RESULTADO E DISCUSSÃO

6.1. O material selecionado e fotografado

A preocupação do pesquisador voltou-se (critério de inclusão/


exclusão) para a seleção de outdoors que sinalizassem por meio de frases
ou cores a questão ambiental. Foram registrados os outdoors das seguintes
empresas:

Foto 1: Administração Regional do Foto 2: Medial Saúde


Lago Norte

  180 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


Foto 3: Global Distribuidora de Foto 4: Naguchi.
Combustíveis.

Foto 5: Capital Recicláveis. Foto 6: Capital Recicláveis.

6.1.2. Caracterização dos sujeitos participantes



Antes de se adentrar na análise de conteúdo dos outdoors fotografados
pelo pesquisador, as imagens foram projetadas na tela por meio de data
show e o roteiro para a análise de conteúdo fotocopiado em papel A4
com as mesmas imagens coloridas. As descrições feitas pelos alunos
do Centro Educacional Stella Maris, Taguatinga, DF, foram transcritas
literalmente em sua linguagem original e digitadas no editor de texto
Word. Estas foram codificadas para que a identidade dos participantes
fosse preservada, sendo identificados pelos códigos: 1º Ano F, 1º Ano M,
2º Ano F, 2º ano M, 3º Ano F, 3º Ano M.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   181


6.1.3. Resultados estatísticos:

Seguem-se os resultados estatísticos referentes às opiniões dos sujeitos


que analisaram os seis outdoors correspondentes a quatro empresas
privadas e uma estatal:

Dos 89 sujeitos das três séries do Ensino Médio, turno vespertino, 43


dos participantes que descreveram os outdoors eram do sexo feminino e 27
do sexo masculino, sendo que 19 deles não manifestaram suas opiniões.

  182 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


6.2.1. Categorização dos outdoors:

6.2.1.1. Administração Regional do Lago Norte

Sobre o conteúdo do outdoor da Administração Regional do Lago


Norte, que se enquadra nas categorias institucional e vendedora, de acordo
a tipologia proposta por Filho (2004, p. 189), os alunos perceberam que
“querem passar a ‘idéia’ de que morar Lago é o melhor lugar”; “onde se tem
vida boa, confortável” (1º Ano F); “Isso parece mais provocação, as pessoas
que estão nesse lugar quando veem vão querem ir para o Lago Norte” ( 2º
Ano F); “serve para as pessoas prestarem atenção e se concordam ou não com
a informação. Aquela informação fica guardada na sua mente” (2º Ano F);
“para que as pessoas mudem para um lugar melhor” (2º Ano M); “provocar,
fazer concorrência com Águas Claras (2º Ano M); “ mostrar que o local
onde a pessoa está não é belo” (3º Ano M); que nem se compara “a beleza do
Lago com a de outros” (3º Ano M) lugares; “uma propaganda para fazer
as pessoas de outras cidades irem para o Lago Norte” (3º Ano F). Enfim,
possui o propósito de passar a “idéia de que comprando esse produto
(apartamentos, o fato de ter um shopping no Lago Norte) ou serviço, que
é apresentado como verde, ter-se-á “mais qualidade de vida”? No entanto,
esse produto/serviço é apenas um dos meios para se obter lucro, pois não
se compatibiliza com uma publicidade ecossustentável.

6.2.1.2. Medial Saúde:

O outdoor da Medial se encaixa também nas categorias vendedora e


institucional na percepção dos alunos, pois ao usar a frase “não fazer nada
faz bem para a saúde” desperta [...] “nas pessoas interesse em usufruir dos
serviços oferecidos pela empresa”; a frase vem de encontro com a realidade
das pessoas que, hoje em dia, trabalham mais, se estressam e têm muito mais
problemas de saúde” (1º Ano F); “oferecer segurança para a saúde das pessoas”
(1º Ano F); “representa o tanto que o ser humano trabalha para que no futuro
ele tenha descanso, ou seja, você trabalha para que quando chegar a velhice

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   183


usufruir de tudo o que conquistou” (1º Ano M);”As pessoas estão relaxando” (2º
Ano F); “passando uma informação errada para terem mais lucro, pois estão
dizendo que não fazer nada faz bem, com isso as pessoas vão ficando sedentárias
e doentes” (2º Ano F); como se estivesse induzindo a ficar quieto que sua vida
será uma maravilha” (2º Ano F); “dá liberdade, pois não estão fazendo nada e é
uma propaganda de convênio” (2º Ano M); “uma sensação de liberdade, como
se estivesse de paz com a vida”(2º Ano M); “deixa a ideia de que o ser humano
necessita da natureza para sentir-se bem” (3º Ano F);”a natureza representa a
tranquilidade“ (3º ano F);”passa a sensação de liberdade na natureza, Tenta
manipular o leitor a ter mais lazer e ficar mais tempo com a natureza”(3º Ano
M); “passa a ideia de que não precisamos fazer nada pois haverá alguém que
fará por nós” (3º Ano M), neste caso a Medial.
Alguns alunos não captaram na imagem dos dois homens deitados
na grama, tendo ao fundo a natureza, a ideia de as pessoas desejarem uma
vida mais saudável. Ter o plano de saúde da Medial é como “quando estamos
na natureza e encontramos paz interior” (3º Ano F). Não quer dizer que o
“não fazer nada faz bem para a saúde” seja sinônimo de “sedentarismo e
doença”, de imobilismo (“ficar quieto”). A Medial tem como propósito
vender plano de saúde para lucrar com a saúde. Por isso a propaganda desta
organização induz os seus clientes a investirem em saúde. Embora incuta
a ideia de “melhorar a qualidade de vida” (critério de sustentabilidade),
na realidade não há compatibilidade entre o crescimento econômico das
pessoas e o acesso das mesmas a certos bens e serviços tal como o da saúde,
ou seja, a ”uma vida plena de dignidade e satisfação”, de acordo com o
Programa das Nações Unidas.

6.2.1.3. Global Distribuidora de Combustíveis

A categoria prevalecente na leitura dos alunos é a vendedora. Eles


viram o outdoor da Global como um instrumento de marketing sem
propósitos ambientais, pois “não representa preocupação com o meio
ambiente ao fazer propaganda de um produto (combustível) que contribui
com o aquecimento global, cumprindo o seu objetivo que é comercializar o

  184 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


seu produto” (3º Ano F); questiona-se a contraditória ideia da qualidade
do combustível que pretende distribuir: “combustível para seu carro, carro
que libera toneladas anuais de CO2 na atmosfera, CO2 que causa danos
irreversíveis à camada de ozônio e que pode ser responsável pela destruição
da humanidade” (1º Ano F); “uma tentativa de impor o consumismo
visando o lucro” (1º Ano F); mostra uma forma de qualidade e ao mesmo
tempo pode trazer prejuízos para o meio ambiente” (1º Ano F); “Representa
propaganda de combustíveis” (2º Ano F); “Propaganda de automotivo”
(2º Ano F);”Como isso pode ser bom par a população? Qualidade = Boa
vida diferente de combustível que movimenta carro = poluição” (2º Ano
F) Poluição” (3º Ano M); “degrada a natureza” (3º Ano M); percebe-se a
contradição: “se por um lado é um produto importante para as pessoas, por
outro destrói a vida, causando o efeito estufa”;”o outdoor quer passar a idéia
que produto é verde pelo emprego da cor verde: “o outdoor é verde e lembra
a vida, as florestas, mas ao mesmo tempo mostra uma bomba de gasolina que
acaba com a vida” (3º Ano F);
Ainda que a Global queira passar a ideia de uma “busca contínua
de qualidade e de excelência na prestação de serviços” para obter ganhos
de reputação organizacional (institucional), os combustíveis derivados do
petróleo “não podem ser usados de maneira sustentável porque não são
produtos renováveis”.
O critério da sustentabilidade é a minimização do esgotamento dos
recursos não renováveis (PNUMA). A Global para associar sua imagem a
uma empresa que, além de disponibilizar produtos e serviços de qualidade
(combustíveis derivados do petróleo e da cana de açúcar), busca manter
o envolvimento com atividades sociais, patrocínio ao esporte náutico de
Brasília e a atletas.

6.2.1.4. Naguchi

A marca catarinense Naguchi é decodificada nas descrições dos


estudantes sob a ótica das categorias institucional e vendedora. Alguns
perceberam no outdoor o conceito de moda jovem feminina que a

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   185


Naguchi pretende incutir e vender: “a função dele é fazer propaganda da
marca para aumentar as vendas” (3º Ano F); “é uma imagem provocativa,
e atrai principalmente as compradoras compulsivas (3º Ano F); “modismo a
preocupação com a beleza” e que não há interação entre “a modelo estar na
natureza e o que ela está vestindo” (3º Ano F); “provocar interesse pelas roupas
que a empresa produz, nas não tem envolvimento com o meio ambiente e sim
com o bem-estar do ser humano” (3º Ano F); e, inclusive a preocupação
com a questão ambiental, ou apresentar o produto como verde: “vende a
imagem valorizando o verde, ligando a imagem de elegância com a natureza,
embora não tenha nenhuma ligação, se aproveita do momento em que a
sociedade está interessada em ecologia para usar e valorizar sua marca” (3º
Ano F); “Faz as pessoas que olham (o outdoor) quererem vestir roupas assim
e a estarem em um lugar desse jeito” (3º Ano M); “uma mulher jovem com
roupas leves e boas e uma floresta tentando mostrar a interação do humano
com a natureza” (1º Ano M); “propaganda de roupa e a questão ambiental
não é focada” (1º Ano F); “lembra o capitalismo, pois o outdoor nos passa
uma mensagem subliminar para comprar o objeto demonstrado” (1º Ano
F); “uma marca ou loja de roupas despojadas e que atinge com preferência
o público jovem” (2º Ano F); “faz propagada de roupa para jovem...Não
representa nada para mim” (2º Ano F). “ Informação de uma marca, algo
para se ter opção” (2º Ano M); “ Uma moça na natureza com uma roupa
para pessoa de classe média e apresenta uma loja de roupa” ( 2 º Ano M).
O outdoor por ser um dos meios que mais exibe o produto e que
menos o explica, daí a prevalência nas descrições dos alunos o produto
como atração do anúncio/propaganda e a venda como o propósito
da empresa; e o institucional para “obter ganhos de reputação para a
organização, cujo êxito depende de atitudes consequentes em relação ao meio
ambiente” (FILHO, p. 189). A Naguchi, entretanto, agregou a concepção
de moda sustentável. Preocupada com a questão ambiental, ela implantou
processos que diminuem o consumo de água com a captação de água de
chuva em reservatórios de 15.00 litros, além de utilizar sacolas/embalagens
feitas com material 100% pós-consumo, isto é, que reaproveitam caixas de
leite longa vida, revistas e jornais.

  186 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


6.2.1.5. Capital Recicláveis:

Da Capital Recicláveis foram fotografados dois outdoors que


informam: “500 milhões de KW de energia poupados em dois anos” e “6
milhões de árvores preservadas em dois anos”. Enquadra-se bem nas categorias
“engajadora, institucional e ecossustentável”. Os alunos em suas leituras
descritivas captaram sobre o primeiro “outdoor 500 milhões de KW” que é
“uma empresa que recicla e ajuda poupar energia” (1º Ano F);”Uma forma
de conscientizar e alertar a população” (1º Ano F); que ela “conscientiza e
alerta a população que o viável é reciclar” (1º Ano F); ”conseqüências se não
poupar: apagão”(2ºAno F); “demonstra que o quanto gastamos prejudica
a natureza e a nós mesmos” (2º Ano F); “uma imagem para reciclagem”
(2º Ano M); “preocupam-se com o meio ambiente e fazem propaganda de
sua marca” (2º Ano M);” quer passar a informação de quanto é poupado
(energia), porém não é tão chamativo” (3º Ano F); “Alerta a população quanto
à importância da reciclagem“ (3º Ano F); “a empresa tem preocupação com o
meio ambiente; é ecologicamente correta, respeita os recursos naturais e para
melhorar sua imagem” (3º Ano F);” influenciar a população a reciclar papel e
economizar energia, e assim preservar a natureza” (3º Ano F); “informa que
o grande consumo de energia torna a população preocupada com o futuro” (3º
ano M);” informa que uma determinada região se preocupou co o consumo
de energia e que o mesmo foi poupado” (3º Ano M);
O segundo “outdoor – 6 milhões de árvores” da Capital Recicláveis,
segundo a interpretação feita pelos alunos, a empresa “não faz uso de
materiais maturais” e que ela “se preocupa, trabalha e defende o meio
ambiente”... “dá importância à preservação”(1º Ano F); “ Mostra a luta pela
preservação da natureza” ( 1º Ano F); “ as pessoas se conscientizam e passam
a preservar a natureza” (1º Ano F); “representa que a empresa se preocupa e
cuida do meio ambiente” (1º Ano F); representa a “preocupação das pessoas
e dos empresários com o meio ambiente” (2º Ano F);”poupar energia, poupar
árvores melhora a condição de vida”; “as pessoas se conscientizam mais e
melhoram suas condições de vida” (2º Ano M); “conscientiza a população
sobre o que representa esse valor (6 milhões de árvores preservadas (2º Ano

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   187


M). Apesar da ambigüidade da resposta “uma mensagem pouco significativa
(o aluno do 2º Ano M) afirma: mas no fundo ele é responsável pela nossa
respiração de qualidade”; “Que as árvores estão sendo cada dia mais
preservadas” (3º Ano F); “ligar mais para o meio ambiente” (3º Ano M);
“representa o quanto o povo está se preocupando com o meio ambiente”
(3º ano M); “ informa para poder vender, usando informações que gostamos
de ver... ela foi capaz de economizar 6 milhões de árvores em dois anos; uma
boa empresa e que devemos comprar dela” (3º Ano M); “mostrar que ela fez
a sua parte para melhorar o meio ambiente” (3º Ano M).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se ao finalizar este estudo que, no visual publicitário


do DF a propaganda, por meio dos outdoors, difunde poucas ideias e
envolvimento das empresas, grupos, organizações e pessoas sobre o que
fazem ou o que querem que faça pelo meio ambiente, se considerada a
grande quantidade desses engenhos publicitários espalhados na área de
tombamento histórico da Brasília (750), até antes da Operação Limpeza
ocorrida no período de 26.03 a 18.04.2007, em atendimento à Lei Nº
3.035 de 18.07.2002, que dispõe sobre o Plano Diretor de Publicidade
(SEDHAB). As fotos dos outdoors registradas nesta pesquisa foram
feitas concomitantes ao referido período.
Os alunos mostraram em suas respostas que a publicidade no DF
por meio dos outdoors transmite uma mensagem visual (subliminar)
convergindo mais a finalidade de informar, influenciar, manipular,
massificar, impor, atrair, concorrer, provocar e induzir para a compra de
imóveis, mercadorias ou serviços, o lucro, do que conscientizar, alertar e
defender o meio ambiente.
Nas descrições feitas por eles, os tipos de propaganda sobre o
meio-ambiente representada pelos outdoors, três deles é possível que
se enquadrem na categoria engajadora, institucional e vendedora:
Administração Regional do lago Norte, Medial Saúde e Naguchi. Apenas

  188 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


um na categoria-tipo vendedora, a Global Combustíveis. Nas categorias
engajadora, institucional e ecossustentável, a Capital Recicláveis. E
também foram apresentadas nas leituras descritivas dos alunos algumas
das dimensões preconizadas no Programa das Nações Unidas para o Meio
ambiente (PNUMA) para a construção de uma sociedade sustentável.
O outdoor da Administração Regional do Lago Norte agrega na
categoria institucional a concepção de “cidade sustentável” ao mostrar
faixas verdes de terrenos que ali ainda restam. “Mais qualidade de vida?”
“Venha para o lago Norte”? No entanto, esse produto/serviço é apenas
um dos meios para obter lucro, ganhos de reputação institucional ou
organizacional ou ganhos de credibilidade na atuação social e ambiental,
pois não se compatibiliza com uma publicidade ecossustentável. Não se
sabe ou não se tem garantias de que será respeitada e cuidada “a comunidade
dos vivos”, princípio fundamental e ético que reflete a preocupação com
outras pessoas e formas e vida, agora e no futuro, pertinente a uma
sociedade sustentável, de acordo com o PNUMA. Quem muda para o
lago Norte é para ter “mais qualidade de vida” do que já se tem (indução
consumista do sistema capitalista?) e não para “melhorar a qualidade de
vida humana” (critério de sustentabilidade) tão desejada pela esmagadora
maioria dos moradores do DF.
Alguns alunos captaram na imagem da Medial Saúde dois homens
deitados na grama, tendo ao fundo a natureza, o que passa a ideia de as
pessoas desejarem uma vida mais saudável. Não quer dizer que o “não
fazer nada faz bem a saúde” seja sinônimo de “sedentarismo e doença”, de
imobilismo (“ficar quieto”). A Medial tem como propósito vender plano
de saúde para lucrar com a saúde. Por isso a propaganda desta organização
induz os seus clientes a investirem em saúde ao agregar a natureza: ter
o plano de saúde da Medial é como “quando estamos na natureza e
encontramos paz interior” (3º Ano F), proporcionar tranquilidade e
segurança.
Embora seja possível transmitir a ideia de “melhorar a qualidade
de vida” (critério de sustentabilidade), na realidade se verifica não haver
compatibilidade entre o crescimento econômico da maioria dos brasileiros

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   189


e o acesso dos mesmos a certos bens e serviços como o da saúde, ou seja,
“uma vida plena de dignidade e satisfação”, como aponta o Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Ainda que a Global Distribuidora queira passar a ideia de um “busca
contínua de qualidade e de excelência na prestação de serviços” para
obter ganhos e reputação organizacional (institucional), os combustíveis
derivados de petróleo “não podem ser usados de maneira sustentável
porque não são produtos renováveis”. O critério da sustentabilidade é a
minimização do esgotamento dos recursos não renováveis (PNUMA). A
Global para associar sua imagem a uma empresa que, além de disponibilizar
produtos e serviços de qualidade (combustíveis derivados do petróleo e
da cana de açúcar), busca manter o envolvimento com atividades sociais,
patrocínio ao esporte náutico de Brasília e a atletas.
O outdoor por ser um dos meios que mais exibe o produto e que
menos o explica, daí ter prevalecido nas descrições dos alunos o produto
como atração do anúncio/propaganda e a venda do produto da Naguchi, e
o institucional para “obter ganhos de reputação para a organização, cujo êxito
depende de atitudes conseqüentes em relação ao meio ambiente” (FILHO,
2004, p. 189). No entanto a Naguchi agregou a concepção de moda
sustentável. Preocupada com a questão ambiental, ela implantou processos
que diminuem o consumo de água com a captação de água de chuva em
reservatórios de 15.000 litros, além de utilizar sacolas/embalagens feitas
com material 100% pós-consumo, isto é, que reaproveitam caixas de leite
longa vida, revistas e jornais. Aqui se aplica o “critério da sustentabilidade”
conservar a vitalidade e a diversidade do Planeta Terra, pois “[...] o
desenvolvimento deve ser tal que garanta a proteção da estrutura, das
funções e da diversidade dos sistemas naturais do planeta, dos quais temos
absoluta dependência” (PCNs, MEC/SEC, p. 240).
Os alunos decodificaram bem a publicidade engajadora da Capital
Recicláveis, cujo anúncio “não pretende ser a solução, mas parte do esforço
coletivo na busca de qualidade“ (FILHO, p. 89). Uma empresa instituída
sob uma enorme responsabilidade social e ambiental, visando contribuir
para que seus fornecedores, colaboradores e clientes sejam também

  190 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


responsáveis pela preservação e conservação do meio ambiente. Por
isso é ecossustentável: “a sua meta é a de gerar lucro, mas com base num
relacionamento sustentável” (FILHO, p.189), tendo como aspiração final
não os interesses comerciais e lucrativos, mas o da reciclagem. Sente-se
responsável pela diminuição do lixo no planeta e responsável por uma
“geração que não espera pelas medidas ou apelos governamentais, mas age
de acordo com a consciência que se formou durante o período da reciclagem”.
Com a coleta seletiva a vida útil dos aterros sanitários é prolongada e o
meio ambiente é menos contaminado; o uso de matéria prima reciclável
diminui a extração dos tesouros naturais.
Diversos princípios preconizados pelo Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente são contemplados nos propósitos da Capital
Recicláveis, especialmente porque “reflete o princípio ético do dever de
se preocupar com as pessoas e outras formas de vida, agora e no futuro”;
“a melhorar a qualidade da vida humana” (para os catadores de lixo);
“a modificar atitudes e práticas... meios para se chegar à sustentabilidade”
(conscientização sobre a coleta seletiva do lixo). A sua publicidade é
institucional porque “quer mostrar ( fazer propaganda) que a empresa fez a
sua parte para melhorar o meio ambiente” (3º Ano M), com a pretensão de
obter ganhos de reputação e também de projeção no mercado para compra
e venda de seu produto (material reciclado) e serviços. Embora o perfil dos
anunciantes dos outdoors pesquisados se caracterize por quatro empresas
privadas e uma instituição pública, apenas uma se expõe a maiores riscos
ambientais, sendo que todas elas tentam dar um esverdeamento em suas
atividades e melhora na reputação pública.
Conclui-se que a publicidade visualizada nos outdoors do DF produz
mais desvantagens que vantagens para o meio ambiente, porque em sua
função de espelho reflete muito pouco a ética na dimensão da educação
ambiental, que visa:

“[...] proporcionar a todas as pessoas a possibilidade de adquirir


conhecimento, o sentido dos valores, o interesse ativo e as atitudes
necessárias para proteger e melhorar a qualidade ambiental, induzir

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   191


novas formas de conduta nos indivíduos, nos grupos sociais e na so-
ciedade em seu conjunto, tornando0se apta a agir em busca de alter-
nativas de solução para os seus problemas ambientais, como forma de
elevação da sua qualidade de vida” (DIAS, 2000, p. 40-41).

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Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

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DIAS, Genebaldo Freire. Fundamentos de Educação Ambiental. Brasília:


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GRUN, Mauro. Ética e Educação Ambiental: A conexão necessária. 8ª ed. São


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LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade,
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- Lei nº 3.035 de julho de 2002. Disponível em: <http://www.sedhab.df.gov.
br/desenvolvimento-urbano/controle-urbano/plano-diretor-de-publicidade.
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TAILLE, Yves A questão da indisciplina: ética, virtudes e educação. DEMO,


Pedro; Hoffman, Jussara. In: Grandes Pensadores em educação: o desafio
da aprendizagem, da formação moral e da avaliação. Porto Alegre: Mediação,
2001.

Title: The ethics and environmental education in visual advertising in the DF :


convergence and divergence.
Authors: Antônio Itamar da Silva; Pedro Guilherme Fernandes da Silva.

ABSTRACT: The research  delimited  relevant  problems  to the study


ofenvironmental education with the  goal of identifying,  photographing  and
analyzing  visual  advertising  billboards in  the  DF  that addressenvironmental
issues. The study is warranted to determine whether the ethics in environmental
education  has been considered  in these  advertisers todisseminate ideas
of preservation, ecological sustainability, and reduction of consumption present
in the personal and organizationalideas. Qualitative methodology favored the
technique of content analysis as a criterion for inclusion/exclusion, the billboards

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012   193


thatrepresent the environmental issue. The content analysis applied by ascript in
the classroom  to  high school students  from a private school, 43 females
and 27 males. It was concluded that advertising displayed on the billboards of
the  DF  in you  “mirror function”  converges  to  some  major issues  that ethics
in environmental education.
Keywords: Ethics. Environmental. Education. Sustainability. Outdoors.
Advertising.

  194 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012


O papel do professor de informática educacional

Humberto Campos Caixeta 1

Renata Andrea Fernandes Fantacini 2

Resumo: A Educação passa por um momento de transformação em que os avanços


tecnológicos estão cada vez mais presentes no cotidiano do aluno. Nesse contexto, surgiu
a indagação do real papel do professor diante dessa diversidade, considerando que os
recursos computacionais devem ser utilizados. O desenvolvimento do trabalho pautou-
se em pesquisa de autores que compartilham dos mesmos ideais, que vislumbram atitudes
diferenciadas as quais propiciem uma prática que ressalte os conhecimentos adquiridos
anteriormente e embasem a produção do conhecimento de forma significativa. As leituras
realizadas evidenciaram o papel essencial de mediador que o educador realiza em suas
atividades para que as aprendizagens ocorram e, perante a rápida inserção da tecnologia
da informação, pôde se comprovar que o papel educativo do professor de informática é
importante no processo educacional, uma vez que com seus conhecimentos específicos
e como parte integrante da dinâmica escolar é possível subsidiar os alunos e os demais
docentes.
Palavras-chave: Professor. Informática. Educacional.

1
Graduado em Ciências pela Universidade Federal de Uberlândia - MG. Licenciado em Pedagogia EAD pelo
Centro Universitário Claretiano de Batatais e Discente do curso de Computação EAD. E-mail: <humbertocx@
ymail.com>.
2
Orientadora. Mestranda em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda (CUML). Especialista em
Atendimento Educacional Especializado (UNESP). Especialista em Educação Especial pela Universidade
de Franca (UNIFRAN). Especialista em Docência no Ensino Superior nas Modalidades Presencial e EAD
pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). Docente dos cursos de Graduação e Pós-Graduação
(Presencial e EAD) da mesma Instituição. E-mail: <refantacini@hotmail.com>.

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1. Introdução

“A mente que se abre a uma nova ideia jamais


volta ao seu tamanho original”
(Albert Einstein)

A educação consiste em um dos pilares mais importantes que move


uma sociedade, é através dela que podem se traçar novos rumos visando
novas perspectivas.
Uma visão futurista precisa basear-se em elementos fundamentais
que possam oferecer formas diversificadas que sejam eficientes no
processo de ensino e aprendizagem e para tal caminham juntamente às
mudanças da própria sociedade. Hoje em dia, para cativar o educando é
preciso mais do que simples conhecimento é condição primordial saber
lidar com as relações interpessoais, assim como aliar essa característica a
toda diversidade oferecida pelo avanço da tecnologia.
Em se tratando dessa era da tecnologia da informação e comunicação,
é imprescindível a orientação de um professor acompanhando todo
esse processo. São muito incentivadoras todas as possibilidades que os
computadores podem oferecer, muito embora seja preciso cautela para
utilização desses recursos.
A pesquisa tem por objetivo mostrar as formas de atuação do
professor orientador/mediador, os caminhos que estão sendo seguidos e os
objetivos que estão sendo perseguidos na intenção de atingir a excelência
na educação.
Analisando friamente, torna-se uma via com dois caminhos; caso não
seja utilizada de maneira correta, todos os benefícios que esses recursos
poderiam proporcionar tornam-se em vão. Frente a essa possibilidade, sabe-
se que toda orientação é bem vinda e para isso o professor de informática
pode alicerçar esse trabalho, uma vez que possui uma didática apropriada,
assim como os conhecimentos específicos e também é participante ativo
de toda a dinâmica escolar.

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Para acompanhamento desse processo, não basta ser um profissional
da área de informática, mas é preciso agregar todas as particularidades de
um profissional compromissado com a educação.
 É evidente que na era da tecnologia da informação e comunicação,
o uso da informática nas escolas é imprescindível. Mas, a experiência tem
comprovado que a utilização da mesma, como recurso pedagógico puro
e simples não causa mudanças ou novos meios de aprendizagem. Neste
cenário é fundamental compreender a função do professor de informática
educacional que intervém nos processos de ensino aprendizagem e não
apenas detém conhecimentos que devem ser transferidos aos discentes,
mas sim, possibilita aos alunos formularem suas hipóteses e construírem
novos conhecimentos de forma significativa e prazerosa.

2. Metodologia

A metodologia utilizada neste artigo é pesquisa bibliográfica com


o levantamento de informações já publicadas em livros, revistas e sites
confiáveis por autores renomados como MASSETO (2010), BERENS
(2010), MORAN (2010), MARASCHIN (2004) dentre outros.

3. Desenvolvimento

Vislumbrando essa nova era digital, fica cada vez mais evidente a
necessidade do uso da informática nas diversas modalidades das instituições
de ensino. Modelos de educação ultrapassados, baseados na memorização
e reprodução da informação não têm lugar neste novo milênio, embora
ainda coexistam posições contrárias de alguns profissionais da educação
que resistem a tais mudanças, por não perceberem que o mundo virtual
influencia diretamente o real, assim como, a obra tem sua origem na ideia
do seu autor. Mas é importante considerar que a utilização da informática
como recurso pedagógico puro e simples não provoca mudanças na

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aprendizagem. Neste cenário é fundamental compreender o papel de
parceria do professor de informática educativa junto aos colegas docentes,
com a finalidade de, dentro dos objetivos do planejamento das aulas,
propiciarem a melhor forma de utilização dos recursos computacionais
para que as informações adquiridas pelos discentes não tenham fim em
si mesmas, mas sejam capazes de fomentar a construção dos saberes de
forma rica e significativa em sua vida escolar, profissional e social. Este
novo profissional surge em um momento em que se busca uma educação
de qualidade para todos, com capacidade de promover habilidades e
competências necessárias aos cidadãos desta nova sociedade. A partir de
reflexões sobre os pensamentos de autores consagrados como Masseto
(2010), Berens (2010), Moran (2010), Maraschin (2004) dentre outros,
é possível perceber os rumos da educação no mundo globalizado e a
necessidade de colocar um divisor de águas neste oceano de novas formas
de ensinar e aprender. Não é possível ignorar a importância das tecnologias
da informação nas ações cotidianas e também no ambiente escolar, como
evidencia Behrens (2010):

O homem precisa se apropriar da técnica e colocá-la a seu serviço, bus-


cando uma melhor qualidade de vida para si e para seus semelhantes. O
inegável desenvolvimento científico e tecnológico leva a refletir sobre a
dicotomia homem-máquina. Essa questionável relação precisa adquirir
sentido e significado, observando-se, criteriosamente, os impactos das
tecnologias sobre a sociedade e sobre a cultura. A tecnologia precisa
ser contemplada na prática pedagógica do professor, de modo a instru-
mentalizá-lo a agir e interagir e integrar no mundo com critério, com
ética e com visão transformadora (BERENS, 2010, p. 72).

A sociedade está se transformando em uma velocidade jamais vista,


exigindo conhecimentos, habilidades e competências cada vez mais
avançados, que atendam às novas demandas do mundo globalizado.
Os novos avanços tecnológicos desafiam a escola e seus protagonistas,
instigando alguns e desencorajando outros menos habituados a enfrentar
desafios e romper barreiras do conformismo.

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Neste contexto encontram-se o aluno, o professor, a escola, a família
e a sociedade, com o desafio de articular ações conjuntas que elevem a
educação aos patamares desejados pela exigente sociedade da tecnologia
e da informação.
Apoiadas nestes avanços tecnológicos, informática e internet
surgiram para flexibilizar e agilizar processos de produção e comunicação,
tendo sua relevância reconhecida em todos os espaços em que foram
empregados seus recursos, sua utilização na educação não poderia surtir
outro efeito senão trazer melhorias nas pesquisas, na ação recíproca entre
as pessoas e principalmente contribuir na construção do conhecimento.
Para compreender o papel do professor (sem excluir o de informática
educacional) deve-se primeiramente analisar o que tem se buscado no
âmbito educacional, bem como, a utilização da tecnologia como recurso
pedagógico.
É preciso analisar com atenção o papel do professor de informática
educativa para ponderar sobre os diversos fatores ligados à utilização dos
recursos tecnológicos na educação e qual a sua contribuição.
O que esperar do professor de informática educacional?
Que esteja preparado para as novas concepções da educação, frente
aos avanços tecnológicos. No que se refere à postura do professor de hoje,
MORAN (2010), faz alguns apontamentos:

O que muda no papel do professor? Muda a relação de espaço, tempo


e comunicação com os alunos. O espaço de trocas aumenta da sala de
aula para o virtual. O tempo de enviar ou receber informações amplia-
se para qualquer dia da semana. O processo de comunicação se dá na
sala de aula, na internet, no e-mail, no chat (MORAN, 2010 p. 50).

Algumas qualidades tornam-se necessárias a qualquer professor


contemporâneo, como ter compromisso com os alunos e o avanço desses
em seus aprendizados, buscar o aprimoramento de seus conhecimentos
continuamente, ter boa formação, saber trabalhar em equipe, democratizar
o ensino de forma que a família possa participar do trabalho desenvolvido,

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ter integridade moral e ética, além de tornar acessível e transparente os
recursos da informática educacional para demais professores e alunos,
apoiando o processo de aprendizagem, tanto quanto a biblioteca escolar
tem colaborado na promoção de uma educação com qualidade, fazendo
da educação um espaço de encontro, transformação e produção de novos
conhecimentos.
Para um melhor entendimento do papel do professor é importante
definir seu campo e forma de atuação. Moran (2010) delimita o universo
de ação do docente e aponta diretrizes para que a educação possa atingir
a qualidade de excelência em tempos de recursos tecnológicos avançados
e informações à distância de um “click”. Moran (2010) apresenta
características da educação nesse novo contexto:

Ensinar e aprender exigem hoje muito mais flexibilidade espaço-tem-


poral, pessoal e de grupo, menos conteúdos fixos e processos mais
abertos de pesquisa e de comunicação. Uma das dificuldades atuais é
conciliar a extensão da informação, a variedade das fontes de acesso,
com o aprofundamento da sua compreensão, em espaços menos rígi-
dos, menos engessados. Temos informações demais e dificuldade em
escolher quais são significativas para nós e em conseguir integrá-las
dentro da nossa mente e da nossa vida. A aquisição da informação,
dos dados, dependerá cada vez menos do professor. As tecnologias
podem trazer, hoje, dados, imagens, resumos de forma rápida e atra-
ente. O papel do professor – O papel principal – é ajudar o aluno
a interpretar esses dados, a relacioná-los, a contextualizá-los (MO-
RAN, 2010, p. 29).

Existe a indicação de temporalidade no texto: “hoje”, o que


pressupõe mudanças nas exigências do processo de ensino e aprendizagem
em relação ao passado. Atualmente, existe disponível na mídia uma
grande diversidade de conteúdos, logo, o professor não é tido como a
única origem de informações. Este passa a atuar como orientador e busca
apoiar o aluno na investigação, análise, crítica e reflexão sobre os dados
obtidos, procurando relacionar e contextualizar os mesmos dentro de

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uma perspectiva significativa. O autor se refere ao professor de forma
abrangente, sem especificar áreas de atuação, inclui-se neste grupo o
docente licenciado em ciências da computação, que além de possuir
o conhecimento específico, tem em sua formação disciplinas da área
pedagógica.
A pedagogia se ocupa do estudo do conjunto de saberes da educação
enquanto fenômeno psicossocial, sendo essencial sua percepção para
legitimar a prática docente dentro do processo de ensino. A respeito do
ensino Moran (2010) descreve:

Ensinar não é só falar, mas se comunicar com credibilidade. Falar de


algo que conhecemos intelectual e vivencialmente e que pela intera-
ção autêntica, contribua para que os outros e nós mesmos avancemos
no grau de compreensão do que existe (MORAN, 2010, p. 62).

Não é mais aceitável submeter os alunos à condição de neutralidade


frente ao monólogo que se estabelece entre o interlocutor e suas próprias
ideias, sem que exista uma interação dialógica e construtiva, na busca de
um saber que não pode ser estanque, em tempos de mudanças permanentes
pelas quais passam a sociedade e os meios de comunicação.
É preciso integrar novas linguagens na educação para aumentar a
eficácia na comunicação, conforme aponta Moran, 2010:

A educação escolar precisa compreender e incorporar mais as novas


linguagens, desvendar seus códigos, dominar as possibilidades de ex-
pressão e as possíveis manipulações. É importante educar para usos
democráticos, mais progressistas e participativos das tecnologias, que
facilitem a evolução dos indivíduos (Moran 2010 p. 36).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394,


de Dezembro de 1996, apoiada na constituição Brasileira, em seu
artigo 3º define os princípios sob os quais o ensino será ministrado,
tendo como base na liberdade de ideias e solidariedade humana, para
o pleno desenvolvimento do aluno, capacitando o mesmo para o

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mercado de trabalho e para o exercício pleno de sua cidadania, através
de uma educação primorosa que atenda a todos igualmente. Os PCNs
(Parâmetros Curriculares Nacionais) procuram catalisar ações em busca
de melhores condições na educação, levando-se em consideração as
diversidades culturais, políticas, religiosas, étnicas e regionais do país. A
busca pela melhoria da qualidade da educação prevê investimentos na
formação inicial e continuada dos professores, planos de carreira, recursos
didáticos, televisivos e multimídia. O mercado de trabalho e a sociedade
almejam uma escola que possa oportunizar aos pequenos cidadãos o
desenvolvimento dentro de um ambiente que favoreça o gosto pela sábia
utilização e aquisição desses novos saberes, com criticidade, autonomia
e gosto pela construção de relações baseadas no respeito, na amizade, na
cooperação, na ética e na consciência social e ambiental.
Como o professor pode preencher este espaço que exige muita
flexibilidade e abertura para se manter em constante processo de renovação
dos conhecimentos em um mundo que traz como premissa constantes
mudanças e transformações?
Embora os recursos tecnológicos estejam cada mais acessíveis e
presentes na vida dos estudantes, muitos professores se negam a utilizá-
los por não se sentirem seguros quanto ao domínio destes, o que pode
gerar um certo desconforto e constrangimento no desenvolvimento do
seu trabalho.
Alguns pormenores podem comprometer o bom desempenho das
aulas, tais como: o vídeo que não exibe imagem ou som, o programa que
não é executado, o sistema que congela, o arquivo que não abre e outros
contratempos que podem desencorajar os docentes mais dedicados. O
professor ou profissional da área de informática pode apoiar tecnicamente
o trabalho do responsável pela disciplina, neutralizando ou minimizando
as dificuldades apresentadas, bem como, contribuir com subsídios aos
docentes das diferentes áreas, no que se refere à indicação de sites e
softwares mais indicados para o uso nas atividades educativas.
Com o uso de algumas ferramentas as aulas tornam-se mais atrativas,
adquirem agilidade e versatilidade, ampliando as possibilidades de avanços

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no processo de ensino em aprendizagem em toda a dimensão do saber. A
exemplo disso, as ferramentas computacionais podem ser utilizadas para
despertar o interesse dos estudantes, uma vez que os mesmos possuem
grande aceitação pelos assuntos relacionados à ciência e tecnologia.
O professor de matemática com o suporte de um profissional da área
tecnológica, pode desenvolver uma atividade para trabalhar a conversão
de números decimais em binários. Esta atividade envolve vários conceitos
ligados aos numerais, potenciação e operações matemáticas, dentro
de uma abordagem mais atraente com o uso de ambiente e materiais
apropriados.
Existe uma crença de que os computadores e os programas educativos
possam substituir completamente o trabalho do professor.   Este fato
poderá até ocorrer em um futuro não muito distante, caso o professor
da era tecnológica não compreenda exatamente o seu papel e sua forma
de atuação dentro do processo de ensino aprendizagem. O professor de
informática educacional precisa estar um passo à frente, estimulando o
discente a construir seu próprio conhecimento de forma segura, autônoma
e prazerosa, sempre alinhando seu trabalho à proposta pedagógica da
escola e às particularidades e realidade de seus alunos.
As novas formas de viver, pensar e produzir, trazidas pela evolução
tecnológica têm exigido mudanças radicais nos antigos modelos de
escolarização. As crianças, ao ingressarem na escola, já trazem consigo
experiências com os meios digitais e desejam algo familiar para que se
sintam mais à vontade neste novo ambiente de aprendizagem. Conforme
expresso por Moran, 2010:

A criança também é educada pela mídia, principalmente pela tele-


visão. Aprende a informar-se, a conhecer – os outros, o mundo, a si
mesma -, a sentir, a fantasiar, a relaxar, vendo, ouvindo, “tocando” as
pessoas na tela, pessoas estas que lhe mostram como viver, ser feliz
e infeliz, amar e odiar. A relação com a mídia eletrônica é prazero-
sa – ninguém obriga que ela ocorra; é uma relação feita através da
sedução, da emoção, da exploração sensorial, da narrativa – apren-

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demos vendo as histórias dos outros e as histórias que os outros nos
contam. Mesmo durante o período escolar a mídia mostra o mundo
de outra forma mais fácil, agradável, compacta – sem precisar fazer
esforço. Ela fala do cotidiano, dos sentimentos, das novidades. A mí-
dia continua educando como contraponto à educação convencional,
educa enquanto estamos entretidos (MORAN, 2010, p. 33).

Com relação às novas formas de educar, o autor discorre sobre as


linguagens e o uso democrático do conhecimento como forma de garantir
o crescimento e a valorização do ser humano, e de dever do poder público
em tornar este avanço possível a todas as pessoas para estabelecer um nível
de igualdade em diretos e oportunidades. Moran (2010, p. 36) afirma:

O poder público pode propiciar o acesso de todos os alunos às tec-


nologias de comunicação como uma forma paliativa, mas necessária,
de oferecer melhores oportunidades aos pobres, e também contra-
balançar o poder dos grupos empresariais e neutralizar tentativas ou
projetos autoritários. (MORAN, 2010 p. 36).

As linguagens digitais apresentam uma abrangência que perpassam


todos os níveis da educação, desde a educação infantil, até a formação
superior de ensino. O poder público deve apoiar a inclusão digital
como forma de diminuir as desigualdades sociais, criando ambientes
colaborativos com base em experimentos realizados em “Navegando pela
Cooperativa: percepção e expectativas dos usuários” (Maraschin,
2004, p. 73-85).
A era digital tem possibilitado às classes menos favorecidas da
sociedade o acesso a níveis de informações que antes eram privilégio de
poucos, tal mudança tem provocado uma grande revolução nas formas de
viver, relacionar, trabalhar e aprender dentro dos mais diversos segmentos
da sociedade moderna.
O surgimento e domínio das tecnologias da comunicação têm
favorecido ao aluno do ensino regular, à distância e também o da
modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos), que pode estabelecer

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uma conexão entre o aprendizado e suas experiências cotidianas de forma
dinâmica e real, seja em seu local de trabalho, que na maioria das vezes,
apresenta sistemas informatizados em rede e acesso à Internet ou nas tarefas
rotineiras como utilizar um GPS ou um terminal de banco. Este aluno não
apenas se sente valorizado, mas também se vê como parte integrante da
sociedade, com capacidade de aprimorar-se e causar mudanças no âmbito
pessoal e social. Garantir o ingresso e permanência de todos os cidadãos
dentro da escola, além de uma formação do indivíduo em sua integralidade,
tornando-o capaz de analisar, criticar e refletir de forma autônoma e ética
as exigências do mundo globalizado, ou seja, uma educação de qualidade,
ainda representa um grande desafio para a educação no Brasil.
Como forma de garantir uma democratização mais profunda na
educação, os recursos computacionais podem ser utilizados a favor da
inclusão de alunos com necessidades especiais, em acordo com o que está
previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira nº 9394/96,
em seu artigo 59 do Capítulo V que estabelece condições específicas para
o atendimento aos educandos com necessidades especiais, tais como
currículo, métodos, recursos e professores devidamente preparados para
promover a inclusão desses alunos dentro das classes comuns. O domínio
e utilização apropriada das ferramentas tecnológicas tornam-se grandes
aliados na tarefa dos profissionais da educação para promover uma
verdadeira democratização do ensino em toda sua diversidade.
Muitos professores têm resistido em utilizar os recursos ofertados
pela informática, com receio de serem superados pelas possibilidades
que as máquinas e programas educacionais apresentam. O clima de
insegurança faz com que antigos métodos autoritários sejam mantidos
dentro da prática de ensino para controlar a ansiedade e descontentamento
dos alunos. É preciso estar disposto a abandonar hábitos e costumes que já
estão arraigados ao modo de querer ensinar e aceitar as mudanças, ainda
que o processo exija coragem, como é citado por Masetto (2010), quando
se refere à passagem do papel do professor de transmissor de informações
para mediador do processo de construção de conhecimento pelos alunos.
O autor Masetto (2010), faz uma observação quanto à dificuldade na

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mudança de postura do professor:

Para nós, professores, essa mudança de atitude não é fácil. Estamos


acostumados e sentimo-nos seguros com nosso papel tradicional de
comunicar ou transmitir algo que conhecemos muito bem. Sair dessa
posição, entrar em diálogo direto com os alunos, correr o risco de
ouvir uma pergunta para a qual no momento talvez não tenhamos
resposta, e propor aos alunos que pesquisemos juntos para buscarmos
a resposta – tudo isso gera um grande desconforto e uma grande inse-
gurança (MASETTO, 2010, p. 142).

É imprescindível que o professor compromissado com a educação


repense seu papel dentro das novas dimensões do ensino. Porém, antes
é preciso perguntar a si mesmo, se ainda acredita na educação e na sua
capacidade formadora e transformadora da sociedade. No caso de respostas
afirmativas, o profissional docente precisa mudar o foco do ensinar para
aprender e alinhar sua prática com a proposta pedagógica da escola
onde atua, para atender às especificidades e necessidades dos discentes,
possibilitando que estes construam seus próprios conhecimentos de
forma significativa, sem a artificialidade de alguns conteúdos que retratam
assuntos muito distantes da realidade vivenciada pelos estudantes.

4. Conclusão

Os professores responsáveis pelas disciplinas do currículo devem


utilizar recursos tecnológicos da informática educacional para atender
às novas necessidades dos alunos em tempos de mudanças nas maneiras
de atuação no desenvolvimento da aula. A presença do profissional de
informática é essencial para que os docentes sintam-se encorajados em
promover uma verdadeira transformação no ensino, através da utilização de
ferramentas mais adequadas às expectativas presentes nos planejamentos
das aulas e sites com conteúdos pertinentes aos temas a serem pesquisados
pelos discentes. Quanto maior o domínio da equipe escolar no uso dos

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recursos computacionais, melhores serão, a aplicação e o aprimoramento
dos processos de ensino aprendizagem. Portanto é relevante a parceria do
professor de informática educacional nas instituições de ensino, a utilização
de do mesmo modo como a utilização de obras literárias pelos professores
de literatura e língua portuguesa não dispensa a presença do bibliotecário
dentro dos ambientes escolares. Sendo indispensável o uso das tecnologias
dentro do espaço educacional no contexto atual da educação, o profissional
de Informática atua como um catalisador nas medições dos processos
cognitivos. Dentro das exigências do mundo moderno e da urgente
necessidade de ofertar uma educação de qualidade para todos, somente
serão formados alunos críticos e reflexivos, se seus professores tiverem a
mesma postura, enquanto profissionais conscientes e comprometidos
com o aperfeiçoamento de suas práticas pedagógicas, sendo capazes de
contribuir com uma educação de excelência, democratizando a educação
e promovendo a inclusão digital para todos, com mesma abrangência para
a Educação a distância, de Jovens e Adultos e os alunos com necessidades
especiais de aprendizagem.

Referências

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emergente. In: ______. MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.;
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seção III do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1996, p. 32.

GALVÃO FILHO, Teófilo A. e DAMASCENO, Luciana L., Tecnologia


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MARASCHIN, C.; ZANIOL, E. Navegando pela cooperativa: percepção e
expectativas dos usuários. Informática na Educação: teoria & prática. Porto
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MORAN, José Manuel. Ensino e Aprendizagem Colaborativa Num paradigma


Emergente. In: ______ MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.;
BEHRENS, Marilda Aparecida. Novas tecnologias e mediação pedagógica.
17 ed. Campinas: Papirus, 2010. 11p.

Title: The role of computer science teacher education.


Authors: Humberto Campos Caixeta; Renata Andrea Fernandes Fantacini.

ABSTRACT: Education is going through a moment of transformation in


which technological advances are increasingly present in the routine of student.
In this context, emerged the question of the real role of the teacher in front
of this diversity, considering that computing resources should be used. The
development of this work was based on research of authors who share the same
ideals. They seek different attitudes which help constructing a practice that
emphasizes the knowledge previously acquired and reinforcing the knowledge
production significantly. The readings taken showed the essential role of
mediator that the educator performs in your activities to ensure that the learning
occurs. Given the rapid inclusion of information technology it could be proved
that the educational role of computer teacher is important in the educational
process, since with their expertise and as part of the dynamics is possible to
support school students and other teachers.
Keywords: Teacher. Computer science. Education.

  208 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 195-208, jul./dez. 2012


RELATO DE CASO

O uso dos mini vídeos-aulas como ferramenta de


aprendizagem da interação do conhecimento básico
com o clínico da disciplina de anatomia humana do
Centro Universitário Claretiano de Batatais

Letícia Fernandes Moraes ¹


Evandro Marianetti Fioco ²
Gabriel Pádua da Silva ³
Bruno Ferreira 4

Edson Donizetti Verri 5

Resumo: A sociedade vem mudando e trazendo melhoria para o processo de educação.


Os recursos tecnológicos têm desenvolvido de rapidamente, tomando lugar no cotidiano
dos cidadãos. Novas formas de expressão começam a se integrar na aprendizagem, como
os vídeos que podem dar contexto às aulas. Os recursos de áudio e vídeo facilitam o
aprendizado proporcionando informação, sendo ainda um meio rápido e eficiente em
qualquer nível de ensino. O objetivo do nosso estudo foi elaborar um material didático de
auxilio aos discentes dos cursos da saúde do Centro Universitário Claretiano de Batatais,
através da confecção dos Mini Vídeos-Aulas. A atividade foi dividida em quatro etapas
respectivamente: Sorteio de dupla responsável pelo preparo dos Mini Vídeos-Aulas,
análise deliberativa, discussões e relatório. O aprendizado médico com enfoque no Mini
Vídeos-Aulas, com participação ativa do aluno, parece uma estratégia conveniente tanto
para a consolidação das ciências básicas como para a promoção de habilidades clínicas.

Palavras-chave: Vídeo-aula. Aprendizagem. Anatomia humana.

¹ Estudante de Fisioterapia do Centro Universitário Claretiano de Batatais-SP.


² Professor do Curso de Educação Física do Centro Universitário Claretiano de Batatais-SP.
3
Fisioterapeta. Professor do Centro Universitário Claretiano de Batatais - SP e Unifafibe Bebedouro-SP.
Mestrando USP - Ribeirão Preto - SP. E-mail: <brunof@com4.com.br>.
4
Fisioterapeta. Professor do Centro Universitário Unifafibe Bebedouro-SP. Mestrando USP - Ribeirão Preto
- SP. E-mail: <gabriel_padua@hotmail.com>.
5
Mestre. Faculdade Odontologia - Unicamp - Piracicaba - SP. Professor do Centro Universitário Claretiano de
Batatais - SP. E-mail: <edverri@gmail.com>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 209-215, jul./dez. 2012   209


1. INTRODUÇÂO

No decorrer dos anos os segmentos da sociedade vêm mudando com


considerável velocidade nas inovações, trazendo crescimento, pesquisa e
melhoria para o processo de educação (WAISELFISZ, 2007). A educação
tem passado por um processo de renovação em seus conteúdos e valores,
através da tecnologia, tendo que adaptar-se às necessidades sociais do
conhecimento, assumindo um papel de ponta no processo. Os recursos
tecnológicos de comunicação e informação têm desenvolvido de forma
rápida, tomando lugar no cotidiano de todos os cidadãos (PARREIRA e
OLIVEIRA, 2009).
Novas formas de expressão começam a se integrar no ambiente
de aprendizagem, como os vídeos (FERREIRA e ROCHA, 2008).
Os vídeos podem dar contexto e autenticidade aos ambientes de
aprendizagem (BOYLE, 1997), podendo ainda ser uma ferramenta de
reflexão por permitir ao espectador selecionar o conteúdo ao qual quer
ter conhecimento, parar, avançar, voltar, anotar, estabelecendo relações
do vídeo com outras fontes de informação (NORMAN, 1993).
Os recursos de áudio e vídeo facilitam o aprendizado (FERRAZ et
al, 2000) proporcionando informação dinâmica e figurativa, sendo ainda
um meio de informação rápido e eficiente (CORREIA e CHAMBEL,
2004). A utilização das tecnologias como ferramenta de estudo contribui
para efeitos benéficos em qualquer nível de ensino (VIEIRA, 2009).
A pretensão no ambiente educacional com conteúdos digitais amplia
as possibilidade de experimentação e observação do aluno, o fazendo
deduzir e pesquisar, associando-se com a criação de um raciocínio lógico
(GALVIS-PANQUEVA, 2007), proporcionando uma aprendizagem
personalizada, por ajustar-se melhor ao estilo de formação e o ritmo do
aluno (AMORIM et al, 2002).

  210 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 209-215, jul./dez. 2012


2. OBJETIVO

O objetivo do nosso estudo foi elaborar um material didático de


auxilio aos dicentes dos cursos da saúde do Centro Universitário Claretiano
de Batatais, através confecção dos Mini Vídeos-Aulas didáticos para
descrever os Lobos, Giros e sulcos que formam os Hemisférios Cerebrais
para a compreensão por parte dos alunos neste conteúdo anatômico na
disciplina de neuroanatomia.

3. MATERIAIS E METODOS

A atividade iniciou-se durante o 1° semestre de 2011 e foi estruturada


com os componentes do grupo de estudo que eram alocados em duas
duplas. Em uma primeira etapa deste estudo era feito um sorteio para
escolha de uma dupla que ficaria sendo responsável pela elaboração e
apresentação dos Mini Vídeos-Aulas para as outras duplas no Laboratório
Anatomia do Centro Universitário Claretiano de Batatais, sob orientação
de um docente. Na segundo etapa: as outras duplas procediam à análise
deliberativa do Mini Vídeos-Aulas apresentados, sob a coordenação da
dupla elaboradora. Na terceira etapa: sendo denominado pelos grupos
de dinâmica das sessões de discussão, ocorria essa etapa em dois tempos
sendo um Inicial e outro Final. Quarta etapa: O relatório era apresentado
discursivamente às outras duplas, visando aprofundar qualitativamente
as temáticas centrais abordadas no Mini Vídeos-Aulas, com pretensão
de criar um material didático de auxilio os dicentes da área de saúde.
Estes grupos também apresentaram um aprimoramento do raciocínio
clínico durante a discussão do Mini Vídeos-Aulas propiciou melhor
sedimentação do conhecimento básico, aproximando-o do contexto
da prática. As exposições foram gravadas em vídeo por uma filmadora
profissional e fotografadas por uma câmera digital profissional. O material
resultante foi posteriormente selecionado e editado pelo software Adobe
Premiere Pro2.0. Para as gravações das vídeo-aulas, o docente e os grupos

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 209-215, jul./dez. 2012   211


acompanharam um roteiro de pré-produção para a gravação que consta
de um texto de abordagem informal, estrutura lógica adequada,
exposição e marcação nas peças sintética (como mostrado em Figura I)
e naturais para ilustrações do assunto descrito (obedecendo-se à Lei
9.610/98). As gravações ocorreram no Laboratório de Anatomia Humana
do Centro Universitário, que possui todos os equipamentos de filmagem,
e foram acompanhadas por uma equipe de profissionais. As cenas foram
editadas utilizando-se os programas Avid Liquid 7.2, para tratamento das
imagens, CorelDraw e Photoshop, resultando na criação do DVD por
meio do soft Encore DVD. Após a edição dos Mini Vídeo-Aulas ocorreu
uma nova avaliação feita através do dicentes responsável e pelos dois
grupos de estudo para por ser liberado para utilização dos dicentes através
da sala virtual do Centro Universitário Claretiano de Batatais.

Figura I: Demonstração de técnica utilizada em mini vídeo aula.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em nossa produção do mini vídeos-aula com duração em torno de


10 a 15 minutos. Os vídeos apresentaram o conteúdo teórico com base
nas referencias anatômicas e neuroanatomia especializada e recente,
sendo utilizadas peças naturais (cadavéricas) e sintéticas do acervo do
Centro Universitário Claretiano de Batatais para o estudo co conteúdo
neuroanatômico a ser estudado. Dos temas abordas um se referiu à

  212 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 209-215, jul./dez. 2012


demonstração da anatomia de superfície dos Hemisférios Cerebrais
(direito e esquerdo) separados pela fissura mediana longitudinais é
profundamente a ela encontramos o corpo caloso ligando s estes dois
hemisférios. Foram também demonstrados os lobos (lobo frontal, lobo
parietal, lobo temporal, lobo occipital, lobo límbico e lobo da ínsula)
que foram estes hemisférios, juntamente com os principais giros e sulcos
que formam estes lobos como: Lobo Frontal - Giro pré-central (Área
somestésica motora) sulco central e Giro Frontal Inferior (giro opercular
e triangular – Área de Broca), Lobo Parietal – Giro Pós-central (Área
somestésica sensitiva) e Giro Parietal Inferior (Giro Supra-marginal e Giro
Angular – Área temporoparietal), Lobo Occipital – Sulco Calcarino (
Área de projeção visual), Lobo Temporal – Sulco lateral (separa os lobos
temporais dos lobos frontais e parietais) e o giros transversos temporais
(Área de projeção auditiva), Lobo da Insula – Giros da Insula e o Lobo
Límbico – Úncus, Giro Parahipocampal e Hipocampo ( Áreas terciarias
– relacionadas com a emoção)

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência de abordar novos tipos de discussões clínicas mostrou-


se como uma oportunidade de desenvolver meios tecnológicos que serão
importantes dentro da realidade da prática clínica. O aprendizado médico
com enfoque em Mini Vídeos-Aulas, com participação ativa do aluno,
parece uma estratégia conveniente tanto para a consolidação e capacitação
em ciências básicas como para a promoção de habilidades clínicas.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 209-215, jul./dez. 2012   213


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  214 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 209-215, jul./dez. 2012


Title: The use of mini lesson-videos as a learning tool of interation with the
basic knowledge in the discipline of clinical anatomy of the human Claretiano.
Authors: Letícia Fernandes Moraes; Evandro Marianetti Fioco; Gabriel Pádua
da Silva; Bruno Ferreira; Edson Donizetti Verri.

Abstract: Society is changing and bringing improvement to the education


process. The technological capabilities have developed rapidly taking place in
the daily lives of citizens. New forms of expression begin to integrate learning,
such as videos that can give context to the lessons. The audio and video resources
facilitate learning by providing information, being still a fast and efficient at any
level of education. The aim of our study was to develop a didactic material aid
to students of health courses Claretiano, through the making of Mini-Lessons
Videos. The activity was divided into four stages namely: Draw duo responsible
for the preparation of the Mini-Lessons Videos, deliberative analysis, discussion
and reporting. The medical training videos focusing on Mini-Lessons, with active
student participation, a strategy seems convenient for both the consolidation of
basic sciences as to promote clinical skills.
Keywords: Lessons videos. Learning. Clinical anatomy.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 209-215, jul./dez. 2012   215


  216 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 169-194, jul./dez. 2012
ENSAIO CIENTÍFICO

Fernando Pessoa: fascínio em forma de versos

Jane Magaly de Almeida 1

Maria Alice de Souza 2

Resumo: O presente estudo tem a finalidade de pesquisar a vida e a obra de Fernando


Pessoa com o intuito de explicar o processo da multiplicação heteronímica e o que leva
o Poeta a sua quase total despersonalização. A base teórica e conceitual da pesquisa tem
como princípio a análise das poesias com o propósito de investigar o traço marcante
da linguagem pessoana observada a partir dos seus principais heterônimos. O objetivo
principal é entender a linguagem poética e a multiplicação heteronímica que tomou
a forma do homem, falando por ele, produzindo e transformando o nada em tudo, o
simples em sofisticação, a poesia em vida, em pura existência divina. E finalmente
encontrar as respostas para o fascínio provocado pela criação literária, que faz com que
a emoção penetre na alma do leitor, transcenda e eternize-se, tornando-se imortal, ao
ponto de provocar sensações e o redescobrimento.

Palavras-chave: Paradoxo. Fernando Pessoa. Alberto Caeiro. Álvaro de Campos.


Ricardo Reis.

1
Pós-Graduação (Lato Sensu) - Especialista em Ensino de Português, Literatura e Redação Centro Universitário
Claretiano. Licenciatura Plena (Habilitação em Língua Portuguesa e Respectivas Literaturas) pelo Centro
Universitário Claretiano - SP. E-mail: <jane_magaly@terra.com.br>.
2
Orientadora. Especialista em Educação, Mídias e Tecnologias pela Universidade Estadual de Minas Gerais.
Graduada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Professora de Língua Portuguesa no Colégio Claretiano Dom Cabral. Professora de Comunicação Gerencial
na Escola Estadual Técnico Industrial Professor Fontes e tutora presencial do Centro Universitário Claretiano
– polo Belo Horizonte. E-mail: <mariaalice32@ig.com.br>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012   217


1. INTRODUÇÃO

Estudar Fernando Pessoa é mergulhar num mundo poético


totalmente fascinante em que o paradoxo é um recurso utilizado em
toda obra. Conhecer a poesia pessoana é deparar com uma linguagem
equivocadamente simples que, no entanto, desafia a capacidade de
raciocínio, aguça o imaginário de cada leitor por ser intelectualizada,
complexa e enigmática. Tendo como traço marcante a metapoesia, a
linguagem predominante em Pessoa é de máxima precisão, com versos
curtos, orações breves e períodos poucos desenvolvidos. Apenas o texto
deve ser o elemento básico de investigação acerca do poema.
Fernando Pessoa multiplica-se de tal maneira que se perde na sua
identidade, renuncia a própria personalidade para inventar outras, torna-
se um ninguém diante das várias vidas intituladas “heterônimos”. Talvez
Pessoa tenha fracassado na dramaturgia, ou quem sabe seria mesmo um
poeta dramático, como ele próprio se intitula. Isso explicaria a facilidade e o
deslumbramento para a criação de tantos heterônimos. Durante a sua curta
trajetória criou setenta e dois heterônimos, apenas um único brasileiro,
Eduardo Lança. Os heterônimos, por sua vez, criaram vidas próprias, com
atributos e personalidades distintas, diferenciando-se no modo de compor
os versos. Alberto Caeiro é o mestre de todos os heterônimos e do próprio
ortônimo, jamais foi um guardador de rebanhos. Álvaro de Campos é o
engenheiro naval e a linguagem utilizada em seus poemas é do progresso
e do avanço tecnológico, a vida essencialmente moderna. Ricardo Reis é o
médico e a sua linguagem poética retorna à antiguidade clássica.
A poesia pessoana é um imergir para “olhar para trás”. O Poeta
entende que esse olhar seria o retorno ao passado e a tradição, conservando
o rigor da língua e da gramática, para reavaliá-lo, trazendo para o presente
o que de melhor houve e o que se tenha conservado vivo. No poema “Ode
triunfal”, o próprio Álvaro de Campos afirma que “o presente é todo o
passado e todo o futuro”.
Esse, provavelmente, seja o mistério e o encantamento de toda obra
pessoana: a força que a linguagem poética adota ao inundar o ser do leitor.

  218 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012


O poder de tornar-se viva e ativa através dos tempos, atingindo a sua alma,
convertendo-se em questionamento e introspecção. O leitor se imagina
e se encontra nos versos, em cada entrelinha. É como se cada palavra
produzida fosse a sua própria história de vida. Fernando Pessoa é a obra
que produziu, sem passado, presente ou futuro, apenas criação poética.

2. PROCESSO HETERONÍMICO

Na procura por um amigo íntimo, são os pensamentos que preenchem


a sua divagação, sendo o vazio preenchido pelo múltiplo da criação. Pessoa
multiplica-se em infinitos “eus”: a indeterminação do sujeito não se perde
como substância e toda a obra poética aborda a sua própria subjetividade.
Sua poesia traduz a história da falta ou mesmo da repressão de afetos e
como propõe Perrone-Moisés (2001, p. 139), “Pessoa não é um só
pensamento; é sobretudo, um canto, melodia e ritmo que são os rastros de
um corpo desejante – poesia.”
O próprio Poeta declara (2005, p. 84): “Desejo ser um criador de
mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém na humanidade”.
Desde criança Pessoa inventa amigos e conhecidos que, embora não
existam, fazem parte da sua vida real. Não precisa de bonecos, uma vez
que está rodeado de personagens fictícios que surgem em seus sonhos e
o acompanham em sua realidade. Aos seis anos tem como amigo íntimo
Chevalier de Pás, ao qual escreve e dele recebe cartas. Essa vontade
incontrolável não passa com a infância, persegue-o pela vida afora até
o ponto das personagens fictícias tomarem-lhe a personalidade. Como
o próprio Pessoa diz “a origem mental dos meus heterônimos está na
minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a
simulação. Não sei se realmente não existiram ou se sou eu que não existo.”
(PESSOA, 2005, p. 95).
Apesar de admitir que os heterônimos não se manifestam em sua
vida exterior e de contato com os outros, Pessoa anula-se socialmente,
num incessante pensar que o atormenta desde o sempre. Prefere viver em

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012   219


companhia dos seus sonhos, cercado pelo irreal, numa busca do seu “eu”,
da sua personalidade encoberta e disfarçada pelo dominó da criação. É
como se o imaginário da vida inventada fosse uma tentativa de dar sentido
ao vazio de sua existência: Pessoa sentia-se um interno de um manicômio
sem manicômio. Esse imaginário tornou-se poesia e indagação, uma forma
de compensar a neurose e o desequilíbrio. E para a eterna indagação:
“quem sou?” uma única resposta plausível: “não sou nada!” (PESSOA
apud RUFFATO, 2006, p. 36-37).
Pessoa não separa a emoção do pensamento e assim atinge a perpetuação
da emoção, por meio do pensamento estético e não do pensamento lógico.
A poesia pessoana é puro pensamento emotivo, é um pensar a emoção.
E como conclui Moisés (2005, p. 21-22), a tensão provocada entre a
emoção e o pensamento faz com que o pensamento acabe por sufocar
a emoção, provocando no Poeta os seus conflitos interiores. A emoção
individualiza-se elevando o ser para a sua interioridade, já o pensamento
induz à dispersão e à dissolução, conduzindo-o para a multiplicação de
personae. Assim, o Poeta ao perder a memória emotiva perde também a
sua própria identidade e concebe os heterônimos: Alberto Caeiro, Álvaro
de Campos Ricardo Reis e muitos outros.
O processo heteronímico sugerido por Perrone-Moisés (2001,
p. 29), “nascera como aspiração ao universal, como esperança da Unidade”.
Multiplicando-se, o Poeta encontraria a sua própria essência, que estivera
perdida entre a multidão de “muitas”, como suscita a própria poesia de
Álvaro de Campos, “Passagem das horas” (PESSOA apud RUFFATO,
2006, p. 102-103-106-108), que aborda numa linguagem refinada e
paradoxal, a sua vida margeada pelos questionamentos, pensamentos e as
angústias que envolvem o seu ser. O eu lírico é representado pelo tempo
imaginário e utópico, sendo o único responsável pela movimentação dos
seres.
Pessoa multiplica-se para viver de todas as maneiras, sentir a vida e a
realidade como se fosse mais de um. Despersonaliza-se e perde a essência
do ego, porém cria semelhanças entre os heterônimos e as poesias se
entrelaçam como se fizessem parte de um conjunto ordenado, obedecendo

  220 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012


a uma sequência lógica. A emoção é o elo que entrelaça os heterônimos.
Mesmo que cada um possua uma personalidade própria, o subjetivismo, o
paradoxo é a introspecção que os une numa só alma, num só pensamento,
num só sentimento, tomando a forma de palavra poética e fascínio.
A alma de Alberto Caeiro é pastora de ideias, no entanto, é contrária
ao arcadismo que prega a fuga para o bucolismo ou aos poetas que se fingiam
pastores. A metáfora de sua poesia é a Natureza. Álvaro de Campos é o
mais romântico de todos os heterônimos, é anarquista, sincero e rebelde
por excelência. Decerto é o que tem a personalidade mais parecida com a
de Fernando Pessoa, tendo como correntes literárias o Sensacionismo e o
Futurismo. A metáfora da sua poesia é a Cidade. A linguagem de Ricardo
Reis é refinada e clássica, preconiza um retorno à maneira greco-latina,
ao carpe diem dos renascentistas. O seu mundo é oposto ao de Caeiro, a
metáfora utilizada em sua poesia é o Rio.
Pessoa (2005, p. 66) ao explicar o processo heteronímico em carta
a João Gaspar Simões, de 11 de dezembro de 1931, conceitua-se como
histeroneurastênico com a predominância do elemento histérico na
emoção, do elemento neurastênico na inteligência e na vontade. Como
poeta dramático sente-se despegado de si e como dramático retira-se o
Poeta, transmudando automaticamente o que sente para uma expressão
alheia. Constrói na emoção uma pessoa inexistente para sentir as emoções
transferidas por ele e outras em derivação, emoções novas que ele próprio
não sentiu. Campos traduz em lamento esse conflito e afirma “Não sou
nada./ Nunca serei nada./ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos
do mundo”, (PESSOA apud RUFFATO, 2006, p. 9). Pessoa multiplica-se
para não se entregar à loucura, silencia diante da histeria e o silêncio se
traduz em poesia. Viaja através da criação com o propósito de compreender
o mundo por meio dos pensamentos dos outros “eus”. Despersonaliza-se
para não perder totalmente a personalidade, encontrando as respostas
para os mistérios do desconhecido. Por intermédio dos pensamentos e
ideias dos heterônimos explora a emoção e controla o desejo incontrolável
de pensar tudo de todas as maneiras e sonhar todos os sonhos do mundo.
Ele se perde no dominó da criação e não consegue mais se encontrar.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012   221


Fernando Pessoa admite possuir uma forte deficiência de vontade de
realização, o que lhe provoca um sofrimento interior horrível. O Poeta tem
em mente muitos projetos que o consomem pela vontade e necessidade de
realização, porém sente-se incapacitado em colocá-los em prática. O não
poder fazer causa-lhe uma tortura mental e um imenso temor da própria
loucura.
Pessoa não possui autodomínio e vontade consciente. Isso o leva à
margem da insanidade. Os seus escritos sempre são interpostos por novos
pensamentos, sendo que o Poeta afirma não possuir vontade para eliminá-
los ou detê-los. Admite que os pensamentos que se passam em seu interior
não são os seus, são como sonhos e não reflexões. Ele detesta o princípio
e o fim das coisas e por esse motivo se considera totalmente louco. Tem
como principal objetivo não gozar a vida, apenas torná-la grandiosa e
imortalizar-se por meio da arte e da poesia.

3. ALBERTO CAEIRO: MESTRE

Na famosa carta escrita a Adolfo Casais Monteiro, o Poeta explica


o surgimento do mestre Alberto Caeiro. Quem sabe essa não seria uma
tentativa de deixar registrado para a posteridade como se realizou todo
processo heteronímico.
Na obra de Caeiro, predominam a sua essência filosófica e a magia
melódica da sua emoção. Os versos são livres seguindo a tradição do
modernismo. Pessoa coloca em Caeiro todo seu poder de despersonalização
dramática. Caeiro vive sua vida toda no campo, não teve profissão e pouca
educação, somente a primária. Morre jovem, tuberculoso, por volta dos
vinte e seis anos e torna-se mestre de todos os heterônimos e do próprio
ortônimo.
A linguagem poética escolhida para o Mestre Caeiro é de total
objetividade. O heterônimo Ricardo Reis (2006, p. 25) explica, na
introdução de “Poemas Completos”, que apenas quatro das suas canções
exprimem impressões inteiramente subjetivas. Justifica-se o fato por serem

  222 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012


escritas durante a doença. Justificativa que é dada pelo próprio Caeiro
“As quatro canções que seguem/Separam-se de tudo o que eu penso,/
Mentem a tudo o que eu sinto,/São do contrário do que eu sou.../Escrevi-
as estando doente” (Ibidem, p. 63). A sensação é explicada nos versos num
processo prolongado e exaustivo, que transmite toda a sua calma interior.
A sensibilidade de Caeiro é traduzida em coisas inanimadas e belas como
as flores, campos largos, águas com sol; enfim a sua sensibilidade poética
é a Natureza e a sua alma “é como um pastor” (Ibidem, p. 39), em que o
rebanho é meramente os seus pensamentos e os “pensamentos são todos
sensações” (Ibidem, p. 57).
Caeiro nega o Todo: “A Natureza é partes sem um todo”, e a sua obra
tende a promover em seus versos imortais a tranquilidade e o repouso,
já que provoca ao mesmo tempo a impressão de refúgio e libertação,
conforme define Reis (PESSOA, 2005, p. 111).

Se o homem fosse, como deveria ser,


Não um animal doente, mas o mais perfeito dos animais,
Animal directo e não indirecto,
Deveria ser outra a forma de encontrar um sentido às cousas,
Outra e verdadeira.
Devia haver adquirido um sentido do “conjunto”;
Um sentido como ver e ouvir do “total” das cousas;
E não, como temos, um pensamento do “conjunto”;
E não, como temos, uma ideia, do “total” das cousas.
E assim – veríamos – não teríamos noção do “conjunto” ou do
“total”,
Porque o sentido do “total” ou do “conjunto” não vem de um total
ou de um conjunto
Mas da verdadeira Natureza talvez nem todo nem partes.
(Ibidem, 2005, p. 125-126)

A Natureza nas palavras do Mestre Caeiro é um conjunto de partes


que se perfazem ou totalizam-se por elas mesmas. Se o homem não fosse
incrédulo encontraria as respostas para as suas inquietações e dúvidas na

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012   223


própria Natureza, apenas pela pura sensibilidade, sem precisar da razão,
ou mesmo do intelecto. .
Como afirma Suzuki (apud Perrone-Moisés, 2001), a subjetividade
absoluta sugere apenas o aspecto estático do Eu, porém o Eu é movimento
e repouso ao mesmo tempo. Indica o infinito que se move o tempo todo.
Caeiro registra esse movimento num poema, em que diz que apesar das
mudanças decorridas do movimento natural da vida, ele é sempre o mesmo,
em virtude da simplicidade de sua alma: “Nem sempre sou igual no que
digo e escrevo,/ Mudo, mas não mudo muito. / [...] Mas sou sempre eu,
assente sobre os mesmo pés – [...]” (PESSOA, 2005, p. 78).
Somente por intermédio de Caeiro, Pessoa encontra a sua paz. Caeiro
acalma a sua angústia promovida pelo processo da multiplicação. O Poeta
que passa a vida em busca do seu “eu” encontra em Caeiro o amparo de
que sua alma necessita. Caeiro vive desapegado, tanto do materialismo
como dos sentimentos. Ele é como próprio se define: “Sou fácil de definir./
Vi como um danado./Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma”
(Ibidem, p. 123).
Alberto Caeiro, dentro do seu paganismo, consegue proporcionar
suavidade e simplicidade à composição poética. Escolhe os versos livres
dos modernos, foge da disciplina exterior e da coerência intelectual, tão
presentes na produção pessoana. Embora esteja inserido em um mundo
moderno, é completamente avesso às novidades trazidas pelas vanguardas
europeias e aos ideais que comprometem a paz interior. É esse modo
totalmente livre e despojado que impera em sua composição.
O rigor estilístico é substituído pelo objetivismo, sem apego ao
sentimentalismo ou a qualquer tipo de emoção que venha a comprometer
sua paz e tranquilidade de espírito. É justamente esse sentimentalismo
absurdamente aflorado, que atormenta desesperadamente as ideias e o
interior pessoano, que Caeiro tanto despreza. Alberto Caeiro produz
os versos sem prender-se à forma ou a perfeição, apenas a inspiração é a
essência da sua obra poética. Vive livremente e compõe livremente, aquém
à tempestade intelectual, metafísica e problemática que tanto perturba
Fernando Pessoa.

  224 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012


PESSOA (2005, p. 118) define os poemas de Caeiro como “traduções
para a linguagem humana de poemas escritos no idioma dos Deuses, que
na versão conservam o divino equilíbrio, a divina calma, a unidade sobre-
humana de obras imortais”.

4. ÁLVARO DE CAMPOS: FUTURISMO E


SENSACIONISMO

Álvaro de Campos tem a alma conflituosa e contestadora, que


reflete a crise angustiante do homem moderno inadaptado em um mundo
acelerado por constantes mudanças. Vive em busca da sua identidade e do
sentido da vida num recolhimento melancólico, demonstra o subjetivismo
em apreender a vivenciar todas as novidades do mundo contemporâneo.
A base poética da sua criação literária é o paradoxo.
A poesia como diz Campos “é uma prosa em que o ritmo é artificial”,
já Reis considera a poesia como “uma prosa que envolve música”. O artifício
utilizado por Campos para acentuar a emoção consiste na criação das
pausas especiais diversas das regras da pontuação, o texto escrito em linhas
separadas e os versos iniciados por letras maiúsculas. Cria-se aí o ritmo e a
cadência das palavras. Para ele “a emoção intensa não cabe na palavra: tem
que baixar ao grito ou subir ao canto”. (PESSOA, 2005, p. 142).
A “Ode Triunfal” é sua única produção que se aproxima do Futurismo,
mais pelo assunto do que propriamente pela realização. Em sua concepção
o Futurismo é objetividade pura, eliminação do sentimento, da emoção e
do lirismo. No entanto, para Álvaro de Campos, sua linguagem poética
traduz totalmente o seu subjetivismo, apenas ele, preocupado apenas
com ele mesmo e com as suas sensações. Por isso o gênero que adotada
é o Sensacionismo, que tem como princípios a sensação. Pessoa (2005)
cita três princípios que regem o Sensacionismo: primeiro todo o objeto
é uma sensação nossa; segundo toda a arte é a conversão duma sensação
em objeto; terceiro toda a arte é a conversão duma sensação numa outra
sensação.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012   225


Subjetivismo ao extremo, paradoxo, sensações, reiteração e ritmo
numa cadência musical é o que revela o eu-lírico da poesia: “O que há em
mim é sobretudo cansaço -/ Não disso nem daquilo,/ Nem sequer de tudo
ou de nada:/ Cansaço assim mesmo, ele mesmo,/ Cansaço”, (PESSOA,
1985, p.112-113).

5. RICARDO REIS: CARPE DIEM

Para Ricardo Reis “um poema é a projeção de uma ideia em palavras


através da emoção. A emoção não é a base da poesia: é tão-somente o meio
que a ideia se serve para se reduzir a palavras” (PESSOA, 1985, p.143).
Em sua concepção, o pensamento do poeta é formado de ideia que produz
uma emoção, sendo esse pensamento harmônico e produtor de ritmo,
equilíbrio e, por si só, sentimento.
A criação literária de Ricardo Reis é composta por odes, cerca de
duzentas. A ode é uma forma poética lírica de origem grega, de livre
composição que permite variedade métrica e estrófica. Como explica
MOISÉS, (1988, p. 61), as odes são “breves urnas onde se arquivam
pensamentos/sensações lapidares, sentenças oraculares ou de sabedoria
perene”. E para Reis os pensamentos e a realidade são representados
pelo rio, que simboliza a fugacidade da vida. Ele ao sentar-se à beira-rio
com o seu par convida: “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio./
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos/ Que a vida passa, e
não estamos de mãos enlaçadas” e entrega-se plenamente e suavemente
ao destino e “Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,/ Se
quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,/ [...] Ouvindo correr o rio e
vendo-o” (PESSOA, 1985, p. 77).
Reis concebe a cada produção um ritmo próprio, cercada de
mitologia, sendo as três musas escolhidas: Lídia, Cloe e Neera. Tem
predileção pelas flores, que no jogo poético representam a plenitude da
existência, contemplação de beleza e efemeridade. Por isso, para Reis,
a vida deve ser vivida intensamente, com urgência para o amor e para o

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prazer físico, com total domínio sobre as paixões, desprovido de exaltações
sentimentais. Consagra novamente o célebre carpe diem renascentista:
“O tempo passa,/ Não nos diz nada./ Envelhecemos./ Saibamos, quase/
Maliciosos,/ Sentir-no ir” (Ibidem, p. 76).

6. FENANDO PESSOA – ORTÔNIMO:


SONHO E IMAGINAÇÃO

O ser da multiplicação faz jus ao paradoxo que carrega no nome.


As pessoas batizadas por ele como heterônimos ocupam o seu espaço e
confundem-se com o criador. Muito sentimento e emoção os envolvem e
cada “Pessoa” produz a sua obra poética numa linguagem de fascínio, em
que se mistura o sonho à realidade.
No poema “Eros e Psique”, Pessoa-ortônimo utiliza na primeira estrofe
– terceiro e quarto versos - o paralelismo para musicalizar o poema pela
reiteração de verbos no futuro do pretérito: despertaria e viria. Continua
a reiteração e usa a mesma estrutura oracional composta por verbos no
particípio: tentado, libertado, esforçado, fadado e ignorado. Abusa do
paradoxo nas expressões: “Sonha em morte a sua vida”, “E falso, ele vem
seguro” e “Vencer o mal e o bem”. (PESSOA apud BERARDINELLI,
1985, p. 49-50).
A metonímia é expressa no verso: “E, se bem que seja obscuro/ Tudo
pela estrada fora,/ E falso, ele vem seguro,/ E vencendo estrada e muro, /
Chega onde em sono ela mora”, tem o significado de que mesmo sendo o
caminho tenebroso, ele segue em frente, sem pestanejar, fazendo dele uma
estrada segura, chega ao desconhecido da sua alma.
Eros e Psique são, respectivamente, na mitologia grega o amor
e a alma. No grego Eros significa “desejar ardentemente” e Psique, a
personalização da alma, representada por uma figura feminina, mais
menina do que mulher. O eu lírico apoia-se na imagem do amor para
narrar a busca pelo seu “eu”, seu “interior”, sua “alma” a qual se encontra
adormecida e perdida.

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Fernando Pessoa busca encontrar a sua identidade encoberta pela
máscara da criação e percorre os labirintos dos sonhos na procura da sua
alma. Não sabe mais se a sua vida é inventada, se é uma ficção ou se pelo
processo heteronímico seja possível viver muitas vidas e entregar-se à
emoção que toma conta da sua imaginação. E como ele próprio explica:
“Dizem que finjo ou minto/ Tudo que escrevo. Não./ Eu simplesmente
sinto/ Com a imaginação./ Não uso o coração”. (Ibidem, p. 48)
Num processo imagístico, Pessoa produz o poema “Bóiam Leves,
Desatentos”, para ser cantado e não declamado e inicia-o com uma
metonímia, que faz parte da sua vida como uma tatuagem: “Bóiam leves,
desatentos meus pensamentos de mágoa”. Em sua memória encontram-
se pensamentos de mágoa quase esquecidos, praticamente distraídos na
memória. Pessoa nomeia o quase esquecimento das mágoas por meio da
expressão “Bóiam leves”, ou seja, na superfície da memória. Complementa
o poema com as metonímias “Como, no sono dos ventos/, As algas,
cabelos lentos/ Do corpo morto das águas”, sendo que a expressão
“cabelos” representa a mola que regula o movimento do relógio, que
representa o movimento do tempo, que mesmo sendo lento, tudo apaga
e cura. A palavra “água” significa aquela que é essencial à vida, que tem o
poder de curar e limpar mesmo o que está no fundo do seu ser. A palavra
“algas” representa aquilo que está vivo no fundo ou na superfície do seu
ser. (PESSOA, apud RUFFATO, 2006, p. 68).
O Poeta utiliza o paradoxo nas expressões: “Sono de ser, sem remédio,
/ Vestígio do que não foi”. “Sono” representa a paralisação momentânea
da vontade de ser, porém com vestígios do que ainda não foi, ou seja, um
profundo paradoxo: “ser o que não foi”.
A antítese está presente na expressão: “À tona de águas paradas./
São coisas vestindo nadas,/ Pós remoinhando nas portas / Das casas
abandonadas”, sendo que redemoinhar significa deslocamento ou
movimento em círculos. Também existe antítese na expressão: “Não sei se
para, se flui”: para e flui.
Existem várias expressões de prosopopeia: “Como, no sono dos
ventos”; “Do corpo morto das águas”; “Bóiam como folhas mortas”; “São

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coisas vestindo nadas”, sendo “nadas” uma derivação imprópria resultando
em substantivo.
A metáfora do poema é o sofrimento reproduzido pelos sentimentos
de mágoas em que teimam ficar na memória, mesmo que o tempo queira
levá-los para longe, eles permanecem, resistem ao existir e ao machucar.
Pessoa transforma a sua vivência em procura, almejando ser o
mito para ser apenas lembrado e compreendido, mesmo que isso ocorra
somente após a sua morte. Assim, a sua vida gira em torno de sua obra
literária e nada ultrapassa a sua importância, nem mesmo o amor a Ophelia
Queirós. Entre os dois enamorados houve a troca das somente cartas de
amor, pelas quais, Pessoa declara o seu amor, a forte saudade, a doença,
a tristeza, o cansaço e a total loucura. Foi um amor relatado nas cartas
como pleno de complicações interpostas por outras pessoas. Por essas
cartas observa-se apenas um delírio ou amizade: não houve envolvimento
íntimo, apenas deliciosas cartas ou obra poética, em que predominam a
imaginação aguçada pessoana, justificando com certeza o verso de Álvaro
de Campos “todas as cartas de amor são ridículas”. Cartas com saboroso
sentimentalismo e açucaradas com “Meu Bebezinho lindo”, “Ophelinha
pequena” ou mesmo “Terrível Bebé”. Numa linguagem doce e fascinante
Pessoa demonstra a sua grandeza e o fascínio de toda a sua obra.

7. EDUARDO LANÇA: HETERÔNIMO BRASILEIRO

Pessoa tem a alma plena em estado criativo e a rapidez das ideias


perde-se entre tantas folhas de apontamentos. Os pensamentos que
não consegue registrar causam-lhe tremenda tortura mental. Compõe
a poesia naturalmente e ela traduz o seu estado de espírito, mergulhado
na profunda angústia e dualidade de personalidade. O desdobramento
em vários “eus” é a consequência desse conflito existencial e a produção
literária é desenvolvida em um impulso desenfreado e sem limites. A
cada personalidade que nasce surge uma nova forma de linguagem,
carregada de características subjetivas, metafísicas, filosóficas, intelectuais,

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com excesso de sentimentalismo, heterônimos que pensam e sentem
demasiadamente.
Eduardo Lança é uma dessas personae que surge na fase de
adolescência, quando o poeta tinha apenas quatorze anos. É curiosamente
uma personalidade literária luso-brasileira. A imaginação de Pessoa
é absurdamente obsessiva, porém essas vidas fictícias tornam-no
excepcionalmente um grande Poeta, atribuem-lhe características de um
escritor totalmente inserido na criação literária, com predileção para
a poesia. Pessoa cita Eduardo Lança na edição de número 6, do ano de
1902, do jornal manuscrito “O Palrador”. A respectiva edição traz a sua
biografia e um de seus poemas “Estátuas”.
Lança nasceu na Bahia, em 15 de setembro de 1875, realizando os
seus estudos voltados para a carreira comercial. Órfão como o próprio
ortônimo, transfere-se para Lisboa com o objetivo de trabalhar na
importante sucursal da casa comercial brasileira. Aí permanece desde a
chegada e percorre Portugal na intenção de produzir o livro, publicado
em 1894, Impressões de um viajante em Portugal. Tem preferência pela
poesia, embora o que se conheça desse heterônimo brasileiro perfazem os
poemas: “Enigma” e “Estátuas”. Os belíssimos livros de poesias de Lança
existem somente nos pensamentos de Pessoa.
No poema “Estátuas”, Lança cita o Rei Lot de Orkeny ou o Deus Sol
Lug da mitologia celta. Lot ou Lug era filho de Cian e seu avô um Deus
cruel, Balor. Balor encarcerou a própria filha para que ela não engravidasse,
pois havia uma profecia que dizia que seria morto pelo neto. A filha Cian
foi tirada da masmorra e deu à luz ao Deus Sol Lug. Mais tarde a profecia
deu-se quando Lug esteve à frente de uma batalha e matou Balor. No
poema, o eu lírico derrama-se em lágrimas que a transforma em estátua de
sal. As lágrimas são pelas ilusões do passado e pela sua gente sepultada no
formosíssimo país de sol bondoso. As estrofes do poema são formadas por
quarteto e há certa regularidade nas rimas. Observa-se já o apuro formal
da linguagem pessoana.

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Estátuas

O bom Deus – em pequeno ouvi dizer, -


todo arrancado do ócio pelos vícios
dos homens que formara ao bem propícios,
chamou Lot suas filhas e mulher.

E porque esta, apesar do aviso, quis


lançar uma vez inda o olhar choroso
àquele formosíssimo país,
cheio de leite fresco e sol bondoso

onde nasceu, viveu, amou, foi mãe


e tinha sepultado a sua gente,
fê-la estátua de sal bem de repente.
O pranto amarga; é como o sal também!

Eis, porque atrás me volto e vejo em pó


as verdes ilusões do meu passado
e, tal qual a mulher do crente Lot,
fico, sempre a chorar petrificado!
(Eduardo Lança. Estátuas. Arquivo Pessoa, 24-5-1902. Disponível
em: <http://arquivopessoa.net/textos/631>. Acesso em 29 mai
2010)

A observação que se pode registrar entre Pessoa e o heterônimo


Eduardo Lança é a afinidade de perfil e o apuro formal na composição
dos versos. Ambos órfãos obrigados a ganhar a vida exercendo a carreira
comercial. Pessoa demonstra por intermédio de Lança o seu forte interesse
pelo Brasil, sobretudo pelo idioma. Interesse esse transportado para a
frase “Minha pátria é a língua portuguesa”. Para o ressurgimento cultural,
subentende-se que Pessoa sugere a Portugal unir-se ao Brasil para com isso
formar a grandiosa pátria da língua portuguesa. Lança é o meio pelo qual
Pessoa manifesta os seus anseios e os seus sonhos de elevação cultural e o
amor incondicional à língua portuguesa.

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8. CONCLUSÃO

Cada verso da poesia pessoana conduz o leitor a um mundo


fascinante, totalmente tomado pelo questionamento da emoção revelado
por meio do pensamento. Pessoa carrega na palavra o ato de sentir como
sinônimo de pensar, como se sentir fosse simplesmente pensar e pensar
simplesmente sentir, como o próprio sintetiza: “A base de toda arte é a
sensação”. A obra pessoana não desperta no leitor a consciência crítica,
mas sim a consciência emotiva que se transforma em linguagem poética
facilmente compreendida por qualquer leitor. O seu objetivo é fazer com
que poesia seja o único recurso de investigação acerca da criação literária,
ela própria se explica.
O pensamento harmônico, o compasso e o ritmo conduzem o
movimento de cada palavra facilmente transformada por Pessoa em versos
repletos de significação e encanto. A angústia e a procura da sua própria
identidade carregada de sensibilidade e emoção projetam no Poeta todo o
desencontro e aflição da sua alma.
Pessoa transforma o processo heteronímico num jogo de sedução,
que leva a constantes e intermináveis pesquisas com o único propósito
de desvendar o que leva o Poeta a sua quase total despersonalização. As
pesquisas e divagações vão desde a sua provável mediunidade, tema que
ele repudia e condena, ao da dramaturgia; uma vez que ele próprio se
conceitua um poeta dramático, perdido entre o mundo real e o da ficção.
Como se a sua vida fosse um palco, ele constantemente a encena por
meio de suas criações. Talvez a explicação mais coerente para o processo
heteronímico seja a que ao multiplicar-se o Poeta não se entrega totalmente
à loucura, transborda para o exterior todas as angústias provocadas pela
dualidade da identidade fragmentada e dividida do sujeito duplo.
Nada disso, porém, para o leitor é relevante, pois não importa o criador,
se Fernando Pessoa, Mestre Caeiro, Campos ou Reis, mas sim a obra poética
e o poder de atração, fascínio e contemplação que ela provoca.
Fernando Pessoa tinha como objetivo ser um criador de mitos, porém
torna-se, indiscutivelmente, o próprio mito.

  232 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012


REFERÊNCIAS

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Escrituras, 2005.

MOISÉS, Massaud. Fernando Pessoa: o espelho e a esfinge. 3 ed. São Paulo:


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NEVES, João Alves das. Fernando Pessoa e a Comunicação Social. Portugal:


Universitária, 2003.

LANÇA, Eduardo. Estátuas. Arquivo Pessoa, 24-5-1902. Disponível em:


<http://arquivopessoa.net/textos/631>. Acesso em 29 mai 2010.

LUG. In: INFOPEDIA. Disponível em: <http://www.infopedia.pt/$lug>.


Acesso em 29 mai 2010.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Fernando Pessoa Aquém do eu, além do outro. 3


ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

PESSOA, Fernando. Poesia de Todos os Tempos - Poemas. Seleção e Introdução


de Cleonice Berardinelli. 19 reimpressão. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1985.

______. O banqueiro anarquista e outras prosas. Seleção e ensaio introdutório


de Massaud Moisés. 2 reimpressão São Paulo: Cultrix, 1988.

______. Obra em Prosa (vol. único). Organização Introdução e Notas de


Cleonice Berardinelli. 10ª reimpressão 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2005.

______. Escritos autobiográficos, automáticos e de reflexão pessoal. Edição


e posfácio de Richard Zenith, colaboração Manuela Parreira da Silva, traduções
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______. O amor bate à porta. Seleção e apresentação Elias José. 2 ed. São Paulo:
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Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 217-234, jul./dez. 2012   233


______. Poemas completos de Alberto Caeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.

______. Quadras ao gosto popular. Organização, introdução e notas Jane


Tutikian. Porto Alegre. L&PM, 2008.
RUFFATO, Luiz. Fernando Pessoa: Quando fui outro. Rio de Janeiro: Objetiva,
2006.

Title: Fernando Pessoa: fascination in form of verses.


Authors: Jane Magaly de Almeida; Maria Alice de Souza.

ABSTRACT: This present study has the finality of research the life and work
of Fernando Pessoa with the motif of explain the process of the multiplication
heteronym and the bring about the Poet the their almost depersonalization.
The base theoretical and conceptual of the research has as start the analysis
of the poems with the investigate intention the marking trace of he language
the Fernando Pessoa observed the start of theirs heteronyms principals. The
objective principal is to understand the poetic language and the multiplication
heteronym that take the form the man, producing and transforming the nothing
in something, the simple in sophistication, the poem in life, in pure and simple
divine existence. And finally find the answers to the fascination provoked for
literary creation, which causes the emotion penetrate the soul of the reader,
transcend and perpetuates itself, becoming immortal, so far as to evoke feelings
and rediscovery.
Keywords: Paradox. Fernando Pessoa. Alberto Caeiro. Álvaro de Campos.
Ricardo Reis.

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RESUMO ESTENDIDO

A religião nos primórdios da Psicanálise

Marcel Henrique Rodrigues 1

Luís Antonio Groppo 2

Resumo: A presente pesquisa é fruto de uma bolsa de Iniciação Científica, concedida


pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq (2011-
2012). O trabalho tem como essência o tabu existente entre a Psicanálise e religião o que
levou e motivou a investigação científica do tema. Partindo-se dos teóricos clássicos que,
dentro do círculo psicanalítico, debateram sobre o tema estão Freud e Jung. Estes dois
teóricos foram impulsionados a formularem discussões sobre a exclusão ou a inclusão do
tema religiosidade dentro da comunidade psicanalítica.

Palavras-chave: Religião. Ciência. Psicanálise. Freud. Jung.

1
Graduando em Psicologia pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL). Pesquisador,
categoria iniciação científica, em simbologia, Psicanálise e religiões. E-mail: <marcel_symbols@hotmail.
com>.
2
Orientador. Doutor em Ciências Sociais e mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). É professor do Programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano de São
Paulo (Unisal) e do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). É pesquisador do CNPq, pelo qual
desenvolve pesquisa sobre Sociologia da Educação Sociocomunitária. É autor de diversos livros e artigos sobre
os temas sociologia da educação, sociologia da juventude, movimentos estudantis, metodologia de pesquisa,
entre outros. E-mail: <luis.groppo@am.unisal.br>.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012   235


1. INTRODUÇÃO

A investigação tem como objetivo o estudo científico da histórica


inicial do debate do tema religião dentro da Psicanálise, ponderando as
teorias dos dois citados estudiosos, Freud e Jung.
Sendo importante ressaltar, que a história de vida de cada um destes
dois teóricos foi de extrema importância para a pesquisa que cada um
abordou em torno da religiosidade. Assim, o existente tabu entre ciência
e religião fez com que Freud assumisse uma atitude mais negativa perante
o fenômeno religioso, condizente com sua postura atéia, que ele assumiu
desde seus primeiros anos de estudo. Já Jung, seu amigo e dissidente,
assumiu um caráter mais abrangente com a religiosidade ponderando um
futuro diálogo entre ciência e religião. Além da história de vida, de cada
um destes psicanalistas, que muito determinou para as suas teorias para
com a religião, o ambiente acadêmico muito influenciou principalmente
Freud, a tomar sua atitude ateísta e de desvalorização para com o fenômeno
religioso.
Em suma, as teorias destes estudiosos dividiram o movimento
psicanalítico entre aqueles que assumiam uma opinião mais negativa
contra a religião, chegando a excluí-la dos estudos dentro da Psicanálise,
bem como, por outro lado, havia o grupo de aceitava em trazer o assunto
para dentro do círculo para um maior estudo e aprofundamento. O tema
desta investigação escolheu os primórdios do movimento psicanalítico
pois, é nos primórdios que se formam as bases sólidas para uma futura
consecução de estudo de um determinado tema, e é, justamente neste
período, que o próprio movimento se divide, entre os antagônicos e os
favoráveis a religiosidade.
A investigação teve como pretensão buscar um resultado que criasse
um balanço parcial entre a problemática que se arrasta por séculos, a
questão da ciência e religião, neste caso, dentro do âmbito Psicanalítico.
E por fim, pode-se dizer que diversos avanços têm se feito para um maior
diálogo entre estes dois ramos de conhecimento. É certo também que,
a destruição ou extinção da religião, proposta por Freud, não ocorreu, o

  236 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012


que levou cientistas como Capra, a desenvolverem argumentos e teorias
sobre a necessidade de um elo que interligue o ramo científico com o ramo
religioso, não as colocando como antagônicas entre si, mas como duas
abordagens epistemológicas diferentes e não excludentes que exercem
forte influência sobre a humanidade. Por resultado final, encontrou-se
que o diálogo entre ciência, mesmo a própria Psicanálise, e a religião é
necessário para o próprio bem estar humano, visto que toda a humanidade
se encontra a mercê das “forças” científicas e religiosas que, aparentemente
irão permear a humanidade por muitos séculos a fora.
Outro adendo deve ser feito na conclusão do trabalho, este adendo
deve se referir a uma perspectiva histórica sobre o embate entre ciência
versus religião.

2. METODOLOGIA

A pesquisa consta de um levantamento bibliográfico das obras


de Freud e Jung, entre outros autores como Joseph Campbell, Peter
Gay e Michael Palmer que tratam da problemática. As principais obras
analisadas, em Freud estão Totem e Tabu, o Futuro de uma Ilusão, Moisés
e o Monoteísmo, dentre outros. Para Jung, as principais obras foram: O
Homem e seus Símbolos, Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, Psicologia
da Religião Ocidental e Oriental dentre outras.

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

É interessante que apesar da posição negativa de Freud frente às


religiões, este teórico não deixou de escrever e estudar sobre a problemática
e, apesar de muito crítico, sempre teve a consciência que a religião prestou
muitos serviços a humanidade. Em suma, a lógica da opinião do pai da
Psicanálise, consiste em apontar que a humanidade já está pronta para
superar o pensamento religioso para o pensamento científico, ou seja, a

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012   237


humanidade deve devotar sua confiança não em um Deus paterno, mas
confiar nos avanços científicos e na racionalidade, assim, pode-se ver que a
opinião de Freud era extremamente pertencente à escola Positivista.
Criando-se um adendo, podemos citar que a vida de Sigmund foi
altamente norteada por questões de cunho religiosas desde sua infância.
Nascido em uma família judaica, Freud sempre se sentiu excluído por
pertencer a uma “raça” altamente discriminada entre a sociedade européia
do século XIX. Apesar das insistências de seu pai, Jakob Freud, para
que seu filho seguisse o caminho da devoção a Deus, Sigmund sempre
se mostrou resistente aos dogmas religiosos e considerava um absurdo a
exclusão dos judeus da sociedade na qual estava inserido. Sendo assim, e
motivado por suas pesquisas e descobertas científicas, o pai da Psicanálise
se assume como ateu e um profundo crítico das religiões, porém, perante
o profundo desamparo dos judeus da época, Freud jamais se deixou de
se qualificar como judeu, mesmo sendo descrente, pois, segundo ele,
era orgulho pertencer a “raça” judaica frente a toda a discriminação
existente.
Um fator importante e mesmo curioso na vida de Freud, no que se
refere a religião, foi as investidas de seu pai para que seu filho se tornasse um
temente a Deus. A mais marcante desta investidas remete ao aniversário
de 35 anos de Freud em que este ganha de presente de seu pai a chamada
bíblia de Philippson- um livro sagrado judaico altamente ilustrado que
pertencia a família dos Freud, tal livro continha uma dedicatória na qual
era pedido para que o filho não se esquecesse de Deus, seu Criador. Conta-
se que, apesar de Freud ser um apaixonado por leitura, nunca conseguiu
ler a tal Bíblia e, que após a morte de seu pai, Freud inicia uma coleção de
antiguidades que enchiam seu escritório, tais antiguidades possuíam um
caráter sagrado, visto que quase todas as obras eram simbolicamente de
cunho sacro. Alguns autores creditam a essa atitude de Freud, tomada após
a morte de seu pai, como uma compensação por nunca tem conseguido
ser um temente a Deus, como desejava seu genitor.
Por outro lado, as teorias de Jung sobre o assunto não eram as
mesmas de Freud, o que levou, entre outros motivos, a ruptura entre estes

  238 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012


dois mestres. Jung, por sua vez, não via na religião como uma ameaça a
saúde psíquica, como via seu mentor Freud. Não, para Jung a religião era
tida como algo de natural, inerente a cultura humana e imprescindível
para o bom desenvolvimento da psique. Este teórico via nos símbolos
religiosos uma manifestação do inconsciente coletivo o que, segundo
ele, comprovava que a religião, como fenômeno, deveria fazer parte dos
estudos das ciências naturais e, até mesmos, empíricas, através dos estudos
dos mitos, símbolos e religiões comparadas.
Assim como Freud, Jung também teve uma vida em que o tema da
religião foi muito presente. Filhos de pais protestantes, o jovem Jung
era suíço, sendo que seu pai era um pastor de uma pequena igreja na
comunidade em que viviam. Jung conta que no início de sua vida, ele
não se mostrava muito favorável a religião, pois a via como centro de
ignorância comprovada pelos discursos alienantes de seu pai e a crença
cega dos fiéis que participavam da igreja, porém, após anos de estudo Jung
chegou a conclusão de que a religiosidade, bem compreendida, pode ser
muito benéfica a humanidade, bem como uma manifestação comum a
própria raça humana comprovada pela antropologia.
O encontro com Freud foi essencial tanto para o desenvolvimento da
Psicanálise, quanto ao desenvolvimento de sua própria escola conhecida
como Psicologia Analítica. Os dois intelectuais permaneceram amigos
por vários anos, mas divergências teóricas levaram estes dois mestres para
campos opostos, um destes campos versava sobre o estudo das religiões.
Por séculos, principalmente após os tempos de Galileu, a religião,
sobretudo no mundo ocidental, se contrapôs aos avanços científicos e suas
teorias, creditando assim uma leitura literalista de suas Sagradas Escrituras
que, segundo os religiosos, forneciam todas as respostas para os enigmas
da vida. Porém, com o passar dos séculos e do conseqüente aumento das
disputas entre ciência e religião, principalmente após o Iluminismo francês,
o meio científico foi ganhando cada vez mais campo e se tornando cada
vez mais inegável as suas descobertas científicas baseadas na racionalidade.
A própria religião se viu “forçada” a se pronunciar perante as novas
descobertas, sobretudo a descoberta sobre a evolução humana de Charles

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012   239


Darwin, tal pronunciamento combinava aspectos da novidade científica
com a milenar teologia religiosa.
Tal combinação foi motivo de aplausos e de divergências entre
muitos cientistas, mas o que não se é negado, é que a humanidade está
passando de um antigo paradigma científico para um novo. O antigo
paradigma pregava a super valorização dos meios empíricos e que apostou
na grande capacidade intelectual do homem, e na conseqüente construção
da verdade suprema que respondesse a todas as indagações sobre a vida
humana. Não é negado que, de fato, a cientificidade, longe dos parâmetros
teológicos, respondeu a diversas indagações, clareou muitos aspectos, até
então obscuros, sobre a real origem do universo e da vida, demonstrou
a existência das leis da física, a existência de combinações químicas e
celulares nos corpos e a biologia que, de um modo geral, sistematizou a vida
em termos de classes de viventes e de evolução. Direta ou indiretamente
a ciência demonstrou que os livros sagrados não são para serem lidos
literalmente e que questões científicas não foram lá escritas.
Atualmente o antigo paradigma tem visto que, apesar de todos os
avanços científicos, uma resposta única para o mistério da origem da
vida, não foi encontrada e os aspectos da religiosidade, sobretudo da
espiritualidade humana, têm se encontrado cada vez mais forte e presentes
na sociedade, ou seja, aquela velha teoria de que a religião seria substituída
pela ciência não aconteceu, e muito provavelmente não acontecerá. É
estudado, portanto, que o ser humano possui uma espiritualidade inata
e que tende a acreditar e algo mais “transcendental” e subjetivo esteja por
trás de todos os fenômenos da vida e que, de certa forma, forneça motivos
para a sua existência.
Assim, este novo paradigma, que versa sobre a inclusão da
espiritualidade humana, como um fenômeno, deve ser incluído dentro
de todos os ramos científicos, sobretudo a Psicanálise que historicamente
sempre reivindicou o status de ciência.

  240 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012


REFERÊNCIAS

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ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

GAY, Peter. Um Judeu Sem Deus. Rio de Janeiro: Imago, 1992.

FREUD, Sigmund. Totem e Tabu e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago,


2006.

FREUD, Sigmund. O Futuro de uma Ilusão, O Mal Estar na Civilização e


Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 2006.

FREUD, Sigmund. Um Estudo Autobiográfico, Inibições, Sintomas e


Ansiedade, Análise Leiga e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 2006.

JUNG, Carl. Gustav. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 2008.

JUNG, Carl. Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis:


Vozes, 2008.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012   241


Title: Religion in the early days of psychoanalysis.
Authors: Marcel Henrique Rodrigues; Luís Antonio Groppo.

Abstract: This research is the result of a Scientific Initiation scholarship


granted by the National Council of Scientific and Technological Development-
CNPq (2011-2012). The work is essentially taboo between psychoanalysis and
religion which has led and motivated the research theme. Starting from the
classical theorists, within the psychoanalytic circle, on the subject are discussed
Freud and Jung. These two were driven to formulate theoretical discussions
about the exclusion or inclusion of the issue of religion within the psychoanalytic
community.
Keywords: Religion. Science. Psychoanalysis. Freud. Jung.

  242 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 235-242, jul./dez. 2012


Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 195-208, jul./dez. 2012   243
Política Editorial

Linguagem Acadêmica - Revista Científica do Centro Universitário Cla-


retiano é uma publicação digital semestral, destinada à divulgação científica dos
cursos, bem como de pesquisas e projetos comunitários.
O objetivo principal é publicar trabalhos que possam contribuir com o
debate acerca de temas variados do ensino acadêmico.
A Revista destina-se à publicação de trabalhos inéditos que apresentem
resultados de pesquisa histórica ou de investigação bibliográfica originais, visan-
do agregar e associar à produção escrita a produção fotográfica, vídeo ou áudio,
sendo submetidos no formato de: artigos, ensaios, relatos de caso, resumos esten-
didos, traduções ou resenhas.
Serão considerados apenas os textos que não estejam sendo submetidos a
outra publicação.
As línguas aceitas para publicação são o português, o inglês e o espanhol.

Os trabalhos serão analisados da seguinte forma:

a) Analisados pelos editores, o texto pode ser desqualificado se: não estiver
dentro das normas da ABNT, apresentar problemas na formatação ou tiver re-
dação inadequada (problemas de coesão e coerência), ou, em caso de artigos de
graduandos, se não apresentar o nome do orientador/co-autor.

b) Numa segunda etapa, os textos selecionados serão enviados a dois mem-


bros do conselho editorial que avaliarão as suas qualidades de escrita e conteúdo.
Dois pareceres negativos desqualificam o trabalho e, havendo discordância, o pa-
recer de um terceiro membro é solicitado.

c) Conflito de interesse: no caso da identificação de conflito de interesse da


parte dos revisores, o editor encaminhará o manuscrito a outro revisor ad hoc.

d) O autor será comunicado do recebimento do seu trabalho no prazo de


até 8 dias; e da avaliação do seu trabalho em até 90 dias.

e) O ato de envio de um original para a Revista Linguagem Acadêmica


– Revista Digital Científica do Centro Universitário Claretiano, implica, auto-

244 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012


maticamente, na seção dos direitos autorais a ele referentes, devendo a revista ser
consultada em caso de republicação. A Revista não se responsabilizará pelo con-
teúdo dos textos, sendo eles de responsabilidade dos seus autores, sobre os quais
recaem as respectivas responsabilidades legais relativas às informações neles vei-
culadas. Ademais, não se responsabilizará por textos já publicados em outros
periódicos. Cumpre ressaltar que a publicação de artigos não é remunerada.

f ) Cabe ao autor conseguir as devidas autorizações de uso de imagens/


fotografias com direito autoral protegido, devendo estas ser encaminhadas,
quando necessário, junto com o trabalho para a avaliação. Também é do autor a
responsabilidade jurídica sobre uso indevido de imagens/fotografias.

g) Pesquisas envolvendo seres vivos: o trabalho deve ser aprovado pelo Co-
mitê de Ética em Pesquisa da instituição onde o trabalho foi realizado e cumprir os
princípios éticos contidos na resolução 196/96. Na parte “Metodologia”, é preciso
constituir o último parágrafo com clara afirmação deste cumprimento.

A Revista aceitará trabalhos para publicação nas seguintes categorias:

Artigo científico de professores, pesquisadores ou estudantes: mínimo de


8 e máximo de 15 páginas.

Relatos de caso ou experiência: Devem conter uma abordagem crítica do


evento relatado; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

Traduções de artigos e trabalhos em outro idioma, desde que devidamen-


te autorizadas pelo autor original e comprovadas por meio de documento oficial
impresso; mínimo de 8 e máximo de 15 páginas.

Resumos estendidos de trabalhos apresentados em eventos científicos ou


de teses e dissertações; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

Ensaio científico: mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

Resenhas: devem conter todos os dados da obra (editora, ano de publica-


ção, cidade etc.) e estar acompanhadas de imagem da capa da obra; mínimo de
5 e máximo de 8 páginas.

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Submissão de trabalhos

1) os trabalhos deverão ser enviados:

a) Em dois arquivos, via e-mail, (attachment), em formato “doc” (Word for


Windows). Em um dos arquivos, na primeira página do trabalho, deverá constar
apenas o título, sem os nomes dos autores. O segundo arquivo deverá seguir o
padrão descrito no ítem 2, incluindo os nomes dos autores.

b) Em caráter de revisão profissional.

c) No máximo com 5 autores.

d) Com termo de responsabilidade devidamente assinado, escaneado de


forma legível e enviado para o e-mail revlinguagem@claretiano.edu.br

2) O trabalho deve incluir:

a) A expressão “TÍTULO”: seguida do título em língua portuguesa, em


Times New Roman, corpo 12, negrito.

b) A expressão “TITLE”: seguida do título em língua inglesa, em Times


New Roman, corpo 12, normal.

c) A expressão “AUTORIA”: seguida do(s) nome(s) do(s) autor(es) e dos


dados de sua(s) procedência(s) – filiação institucional, última titulação, e-mail, te-
lefones para contato. Obs.: os telefones não serão disponibilizados ao público.

d) A expressão “RESUMO”: seguida do respectivo resumo em língua por-


tuguesa (entre 100 e 150 palavras). Sugere-se que no resumo de artigos de pes-
quisa seja especificada a orientação metodológica.

e) A expressão “PALAVRAS-CHAVE”: seguida de 3 até 5 palavras-chave


em língua portuguesa, no singular.

246 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012


f ) A expressão “ABSTRACT”:” seguida do respectivo resumo em língua
inglesa (entre 100 e 150 palavras).

g) A expressão “KEYWORDS”: seguida de 3 até 5 palavras-chave, em lín-


gua inglesa, no singular.

h) O texto do trabalho.

i) Os vídeos, as fotos ou áudios são opcionais. Todo o material de mídia


digital deve ser testado antes do envio e não ultrapassar 5 minutos de exibição.

3) O formato do texto do trabalho:

a) Em Times New Roman, corpo 12, entre linhas 1,5 e sem sinalização de iní-
cio de parágrafo.

b) Para citações longas, usar corpo 10, entre linhas simples, recuo duplo,
espaço antes e depois do texto. Citações curtas, até 3 linhas, devem ser colocadas
no interior do texto e entre aspas, no mesmo tamanho de fonte do texto (12).

c) Tabelas, quadros, gráficos, ilustrações, fotos e anexos devem vir no in-


terior do texto com respectivas legendas. Para anexos com textos já publicados,
incluir referência bibliográfica.

d) As referências no corpo do texto devem ser apresentadas entre parênte-


ses, com nome do autor em letra maiúscula, seguida de vírgula, seguida de espa-
ço, da expressão “p.”, espaço e o respectivo número da(s) página(s), quando for o
caso. Ex.: (FERNANDES, 1994, p. 74). A norma utilizada para a padronização
das referências é a da ABNT, em vigência.

e) As seções do texto devem ser numeradas, a começar de 1 (na introdução)


e ser digitadas em letra maiúscula; subtítulos devem ser numerados e digitados
com inicial maiúscula.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   247


f ) As notas de rodapé devem estar numeradas e destinam-se a explicações
complementares, não devendo ser utilizadas para referências bibliográficas.

g) As referências bibliográficas devem vir em ordem alfabética no final do


artigo, conforme a ABNT.

h) As expressões estrangeiras devem vir em itálico.

Modelos de Referências Bibliográficas – Padrão ABNT:

Livro no todo
PONTES, Benedito Rodrigues. Planejamento, recrutamento e seleção de pes-
soal. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005.

Capítulos de Livros
BUCII, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre televisão. In:
KEHL, Maria Rita. O espetáculo como meio de subjetivação. São Paulo: Boi-
tempo, 2004. cap. 1, p. 42-62.

Livro em meio eletrônico


ASSIS, Machado de. A mão e a luva. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Disponí-
vel em: <HTTP://machado.mec.gov.br/imagens/stories/pdf/romance/marm02.
pdf> Acesso em: 12 jan. 2011.

Periódico no todo
GESTÃO EMPRESARIAL: Revista Científica do Curso de Administração da
Unisul. Tubarão: Ed. Unisul, 2002-.

Artigos em periódicos
SCHUELTER, Cibele Cristiane. Trabalho voluntário e extensão universitária.
Episteme, Tubarão: Ed. Unisul, v. 9, n. 26/27, p. 217-236, mar./out. 2002.

248 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012


Artigos de periódico em meio eletrônico
PIZZORNO, Ana Cláudia Philippi et al. Metodologia utilizada pela bibliote-
ca universitária da UNISUL para registro de dados bibliográficos, utilizando o
formato MARC 21. Revista ACB, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 143-158, jan./
jun. 2007. Disponível em: <http://www.acbsc.org.br/revista/ojs/viewarticle.
php?id=209&layout=abstract>. Acesso em: 14 dez. 2007.

Artigos de publicação relativos a eventos


PASCHOALE, C. Alice no país da geologia e o que ela encontrou lá. In: CON-
GRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 33. 1984. Rio de Janeiro. Anais...
Rio de Janeiro, SBG, 1984. v. 11, p. 5242-5249.

Jornal
ALVES, Márcio Miranda. Venda da indústria cai pelo quarto mês. Diário Cata-
rinense, Florianópolis, 7 dez. 2005. Economia, p. 13-14.

Site
XAVIER, Anderson. Depressão: será que eu tenho? Disponível em: <http://
www.psicologiaaplicada.com.br/depressao-tristeza-desanimo.htm>. Acesso em:
25 nov. 2007.

Verbete
TURQUESA. In: GRANDE enciclopédia barsa. São Paulo: Barsa Planeta In-
ternacional, 2005. p. 215.

Evento
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA MECÂNICA, 14., 1997,
Bauru. Anais... Bauru: UNESP, 1997.

Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 11-31, jul./dez. 2012   249


Rua Dom Bosco, 466 - Castelo
14300-000 - Batatais - SP
E-mail: revlinguagem@claretiano.edu.br

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