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CENTRO DE LETRAS
E CIÊNCIAS HUMANAS
REITORA
Berenice Quinzani Jordão
VICE-REITOR
Ludoviko Carnasciali dos Santos
DIRETOR DO CLCH
Ronaldo Baltar
VICE-DIRETORA
Elaine Fernandes Matheus
REDAÇÃO
Isabel Cristina Cordeiro
Esther Gomes de Oliveira
CAPA
Bianca Matos Ferreira
CONSELHO EDITORIAL
Volnei Edson dos Santos
Paulo Bassani
Celso Vianna Bezerra de Menezes
PARECERISTAS
Dr. Francisco Moreno Fernandes - Univ. Alcalá de Henares - España
Dr. Aquiles Cortes Guimarães - UFRJ
Dr. Jesús Castilho - Univ. de Valladolid - España
Dr. José Oscar de Almeida Marques - UNICAMP
Dr. José Nicolau Julião - UFRRJ
Dra. Salma Ferraz - UFSC
Dr. Otávio Goes de Andrade - UEL
PUBLICAÇÕES
BOLETIM, CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA – LONDRINA-PR. - BRASIL, 1980
I
BOLETIM 72
CENTRO DE LETRAS
E CIÊNCIAS HUMANAS
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 72 – p. 1-202 jan./jun. 2018
Indexado por / Indexed by
ISSN 0102-6968
Sociological Abstracts SA
Linguistics and Language Behavior Abstracts LLBA
boletimhumanas@uel.br
Fone / Fax:(43) 3371-4408
Semestral
ISSN 0102-6968
CDD 301.05
CDU 301:4:I(05)
SUMÁRIO
O A P R E N D E R C O M O “ M O D O D E AG I R ” E A
CONTINUIDADE ENTRE MEIOS E FINS NA FILOSOFIA
DA EDUCAÇÃO DE ANÍSIO TEIXEIRA............................... 31
Claudiney José de Sousa
A AÇ ÃO E A S E S T R AT É G I A S A D OTA D A S P O R
PROFESSORES-AUTORES NA PRODUÇÃO DE MATERIAL
DIDÁTICO IMPRESSO PARA UM CURSO EM EaD............ 51
Maria Cristina Ruas de Abreu Maia
Anny Karoline Santana Silva
Jaini Muniz de Aguiar
5
“PONTA DE LANÇA”: A METÁFORA COMO ARGUMENTO
NA MÚSICA ............................................................................. 157
Eva Cristina Francisco
Sthefany Camargo dos Santos
NORMAS................................................................................... 201
6
REPRESENTAÇÕES SOCIOCULTURAIS
NA PROPAGANDA INFANTIL:
UMA ANÁLISE DISCURSIVA
ABSTRACT: This work is based on the theoretical perspectives of the French Line
Discourse Analysis with the aim of analyzing three advertisements of the Barbie doll,
selected from Youtube channels, on the internet, which were chosen from the time of its
placement, being the first in 1959, the second in 1992 and the third in 2015/2016. The
different times demonstrate the kind of society that we can see through the transformation
that the dolls and their accessories suffered, as well as refer to the socio-historical and
cultural conditions of each period. Reflecting on the extralinguistic aspects, we will study,
through the analysis, the effects of meanings related to the conditions of production and
to the ideological formations of the trio of advertisements.
1
Mestranda (bolsista CAPES) do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Londrina – UEL – Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: a.carolina.
bernardino@gmail.com
2
Mestre em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina – UEL – Londrina,
Paraná, Brasil. E-mail: vdiraimo@yahoo.com.br
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Introdução
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A propaganda e seu encaminhamento ao público infantil
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De acordo com Machado e Cordeiro (2013) não se pode
considerar a propaganda como algo simples, ela é composta por
elementos orais, escritos e, também, imagéticos. É construída a
partir e para a sociedade, refletindo a época em que foi produzida,
o momento, as necessidades e os desejos do social, além de
representar a forma de ver e viver o mundo.
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da Disney e os comerciais, exibidos durante a programação,
apresentavam brinquedos como armas e bonecas, em específico,
a boneca Barbie. Na década de 1970, aumentou a quantidade de
desenhos animados em exibição, consequentemente, elevando
a exposição de anúncios para crianças. As indústrias passaram
a fabricar brinquedos que caracterizavam os personagens dos
desenhos animados, e os canais de programação infantil foram
se destacando e ganhando força com o surgimento da televisão a
cabo, a partir da metade da década de 1980.
Conforme os estudos de Scheibe (2009), as crianças mais
novas têm dificuldade de reter informações importantes e prestam
atenção em aspectos irrelevantes de uma programação televisiva.
Dessa forma, o conteúdo essencial para que a história faça sentido
é perdido, pois ela estará atenta a outros aspectos, como som, cores
e movimento dos personagens. A autora afirma que a criança
pouco questionará um anúncio ou uma história de ficção, pois ela
não tem maturidade para julgar a credibilidade do que está sendo
anunciado e debruçará sua atenção no que poderá, provavelmente,
saciar seus desejos imediatos, como um brinquedo exposto com
cores chamativas e a musicalidade, por exemplo.
Segundo Jennings (2009), uma criança de cinco anos
consegue distinguir comerciais de outros programas, mas ainda
não entende a finalidade persuasiva. A partir dos sete anos, elas
passam a reconhecer o propósito dos anúncios e a prestar mais
atenção nos detalhes. A autora faz referência aos doze anos
como a idade em que “a maioria das crianças já vivenciou todas
as características do comportamento de consumidor” (2009, p.
136). Imagens chamativas e textos verbais curtos promovem
instantaneidade quanto à compreensão da mensagem publicitária.
A propaganda infantil costuma apresentar caráter lúdico para
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que a atenção e o interesse sejam despertos e, assim, o leitor ou
o telespectador sentir desejo pelo produto. O cômico, a beleza, o
conto de fadas, a luta para a conquista, entre outros aspectos são
tratados pelos anúncios para aproximar o público.
Em seus estudos a respeito da construção da linguagem
publicitária dirigida ao público infanto-juvenil, Ceccato (2001,
p.16) afirma que a propaganda para crianças e adolescentes
valoriza os apelos visuais mais do que o texto verbal, pois
“a mensagem ilustrada oferece à criança e ao adolescente a
oportunidade de poderem demorar sobre um detalhe, de fazerem
comparações, enfim, de se imaginarem fazendo uso do produto
anunciado ou possuírem tudo o que o envolve”. O texto não verbal
é compreendido por qualquer faixa etária e o posicionamento da
imagem com o uso de determinadas cores prende a atenção do
leitor. Ainda, de acordo com a autora, o texto verbal destaca os
elementos visuais, comprovando a veracidade da propaganda, “ele
diz o que deve se ver, desempenhando cada unidade lingüística
um papel altamente funcional” (CECCATO, 2001, p. 17).
Portanto, a propaganda é um produto da prática social,
é um meio utilizado pelas empresas para vender suas ideias e
seus produtos, um meio para expressar o discurso. O discurso
publicitário produz efeitos de sentidos que serão assimilados
pelos sujeitos, refletindo as condições de produção e as formações
discursivas presentes em sua formação social e ideológica.
Atravessada pelos efeitos de sentido da propaganda, a criança
passa a fantasiar a ideia transmitida pelo discurso, misturando
seu mundo real com o fantasioso, aspirando por valores e, até
mesmo, atendo-se a estereótipos difundidos pelos anúncios. A
seguir, faremos considerações a respeito da Análise do Discurso,
objetivando respaldar a análise das três peças publicitárias da
boneca Barbie.
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Análise do Discurso: algumas elucidações teóricas
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É certo que um sujeito falante é sempre parcialmente
sobredeterminado pelos saberes, crenças e valores que circulam
no grupo social ao qual pertence ou ao qual se refere, mas ele é
igualmente sobredeterminado pelos dispositivos de comunicação
nos quais se insere para falar e que lhe impõem certos lugares, certos
papéis e comportamentos (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU,
2014, p. 115).
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Para Charaudeau e Maingueneau (2014), a ideologia é
fundamental na Análise do Discurso, pois é a responsável por
representar as relações estabelecidas pelos sujeitos, ou melhor, na
posição sujeito que o indivíduo assume, quando interpelado por
tal ideologia. É essencial ressaltar que não existe sujeito sem uma
ideologia que o constitua e o guie, sendo todo discurso proferido
por qualquer sujeito, seja atravessado por determinada bagagem
ideológica, já que
Análise do Corpus
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alta, magra e bonita. No ano de sua fabricação, foram lançados
dois modelos da boneca, uma com os cabelos loiros e outra com
os cabelos castanhos, sendo sucesso e permanecendo como único
modelo de mercado durante anos, somente a de cabelos loiros. A
cada ano, novos modelos de Barbie e novos acessórios são criados
para acompanhar a modernidade de cada época. Atualmente, há
filmes animados, peças de vestuário, objetos escolares, entre outros
produtos com a imagem da Barbie.
Várias gerações foram e são influenciadas pela boneca
devido ao padrão de moda e de beleza estabelecido por meio de
sua imagem: mulher bonita, inteligente e delicada. Nosso objetivo
é analisar três filmes publicitários veiculados em épocas diferentes
para estudar os efeitos de sentido e as representações culturais
destacadas em cada um deles, evidenciados a partir das formações
ideológicas (FIs) e das condições de produção (CPs) que serão
responsáveis por legitimar os posicionamentos assumidos pela
mulher em cada época.
O filme publicitário de 1959 (Anexo A), em preto e
branco, apresenta várias bonecas com diversos modelos de
roupas. Não há uma cena específica, as bonecas estão dispostas
em uma escadaria representando estilos diferentes: vestido de
noiva, vestido longo, vestido na altura do joelho, vestido justo,
saia lápis, calça, casaco, blusa tomara que caia, salto alto, chapéus,
luvas, bolsas, brincos, óculos e a atração da propaganda – o maiô
de banho. É possível observar que o comercial, o primeiro após o
lançamento da boneca, indica determinado estereótipo de beleza,
evidenciando a relevância atribuída à maneira de se vestir e ao
padrão de comportamento estabelecido para a mulher a partir
de suas vestimentas e de sua postura, reveladas pelos tecidos
requintados e cabelos bem penteados, demonstrando sofisticação,
fator predominante da elite da época.
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As CPs atreladas às formações ideológicas levam a
representação de certo posicionamento social; em sentido estrito,
com base em Orlandi (2015), é a elegância da classe alta, os
que têm, inclusive, o poder aquisitivo maior para o consumo
do brinquedo, dando ao sujeito que consome a sensação de
pertencimento àquele determinando grupo social – representado
pela boneca. Baccega (2007, p. 34) acrescenta que “a ideologia só
existe na prática social. Ela se constitui num sistema de valores,
pleno de representações, de imagens – modo de ver o mundo,
modo de ver a sociedade, modo que o homem vê a si e aos outros”.
Nesse sentido, observamos, por meio do discurso propagandístico,
que a sociedade necessita pertencer ao lugar que está sendo
representado.
A propaganda da Barbie de 1992 (Anexo B), em cores
vibrantes, apresenta crianças brincando com as bonecas da
campanha Totally hair Barbie. Acessórios, como: pente, gel, tiara
e fita acompanham a boneca que possui cabelos extremamente
longos e despojados; além disso, a boneca usa brincos grandes,
sapato de salto e um vestido tubinho, curto e colorido, no entanto,
o enfoque é no cabelo. As crianças, atrizes do comercial, brincam,
penteando e modelando os cabelos da boneca de várias formas
diferentes, indicando maior liberdade e modernidade em relação
ao comportamento da mulher, e demonstrando as mudanças
sócio-históricas ocorridas entre 1959 e 1992, capazes de demarcar
FIs distintas, pois o ideal de beleza assume novos posicionamentos,
a mulher de antes estava atrelada à elegância e à sofisticação,
assumindo um papel mais discreto socialmente, enquanto a mulher
de 1992 está mais descontraída, assumindo maior liberdade,
podendo usar cabelos soltos, roupas mais curtas e leves.
Ideologicamente, verificamos a repetição de um padrão
de beleza feminino – magra, alta e bonita, sendo é preciso copiar
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um modelo e seguir determinada receita para que a menina seja
“totalmente legal” e “totalmente gata”, conforme anunciado pela
propaganda. Orlandi (2004, p. 105) acrescenta que
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traz uma inovação, mesclando etnias ao divulgar as bonecas,
fruto de uma nova sociedade, que começa a se preocupar com as
misturas de raças, abrindo espaço para novas discussões e novas
formas de olhar o outro, decorrentes das grandes diversidades
culturais.
Levando em consideração os três filmes publicitários
e a época de veiculação, observamos, na ordem cronológica, a
determinação do histórico-social na constituição dos anúncios.
Em 1959, por exemplo, havia a preocupação com a elegância,
com a sofisticação e com a riqueza, reveladas pelas vestimentas
das bonecas – reflexo da alta sociedade da época. Já, em 1992,
verificamos uma mudança significativa quanto à representação
social assumida pela mulher, a liberdade começa a ser revelada
pelo uso dos cabelos soltos, de roupas justas e curtas. Por fim, a
campanha de 2015/2016 demonstra maior liberdade feminina,
enfatizando a mulher não apenas por sua aparência, mas
considerando seus desejos de realização profissional.
Nessa perspectiva, segundo Orlandi (2015, p.78), vale
ressaltar que “a historicidade deve ser compreendida em análise
de discurso como aquilo que faz com que os sentidos sejam os
mesmos e também que ele se transforme”, logo, percebemos, que
a historicidade trouxe mudanças relevantes ao papel da mulher
perante a sociedade.
Sendo assim, compreendemos, de acordo com Chauí (1980,
p. 20) que
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Por fim, as análises feitas indicam momentos sociais
diferentes, sujeitos que se comportam conforme a ideologia de
sua época, fazendo com que o discurso signifique por meio das
CPs vigentes, redefinindo a linguagem a cada novo comercial
apresentado. As análises procuraram demonstrar perspectivas
conservadoras e, também, inovadoras, conforme cada momento
histórico, porém, conferimos que todos os filmes publicitários
selecionados para este trabalho possuem objetivos semelhantes:
representar a necessidade do consumismo, da beleza e da
juventude, uma vez que são os atravessamentos do momento.
Considerações
Os anúncios não estimulam na criança somente o desejo
pela aquisição do brinquedo, mas também os padrões estéticos
e o status social proporcionados pelas imagens, valores que,
provavelmente, serão considerados pela jovem por toda a sua vida.
Com base no aporte teórico escolhido para este artigo, foi
possível estudarmos a relação entre as condições de produção
e a ideologia presentes no discurso publicitário, em especial,
dos anúncios direcionados às crianças, evidenciando o seu
funcionamento, ao longo do tempo, no meio social.
De acordo com Possenti (2009, p. 14), com a Análise do
Discurso
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supor que o texto (ou mesmo vários) fornece todas as condições de
sua leitura (aprendemos sempre a supor que, mesmo no domínio
textual ou até mesmo no do enunciado mais restrito, é necessário
acionar mais de um fator relevante – considerar os pressupostos, a
intertextualidade...) etc.
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Referências
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MAINGUENEAU, Dominique. A gênese dos discursos. Tradução de
Sírio Possenti. 2 ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
23 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 7-30 – jan./jun. 2018
SANT’ANNA, Armando; ROCHA JUNIOR, Ismael; GARCIA, Luiz
Fernando Dabul. Propaganda: teoria, técnica, prática. 8.ª ed. ver. e ampl.
São Paulo: Cengage Learning, 2013.
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ANEXO A
Link: https://www.youtube.com/watch?v=SfrpuPfOVDw
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ANEXO B
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Divirta-se
Faça agora
O cabelo é tão longo
(refrão)
Você tem algo especial.
Voz da narradora: A Boneca Barbie cabelos compridos tem
na versão morena e loira e vem com o gel Dep. Vendidas
separadamente.
Link: https://www.youtube.com/watch?v=fGALqrnSG8U
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ANEXO C
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Segunda menina (veterinária), na clínica veterinária: Meu gato
sabe voar.
Mulher (cliente da clínica): Ok.
Primeira menina (professora), na universidade: O cérebro dos
cães não pensa tanto quanto o cérebro dos seres humanos, porque
não há Ensino Médio para cães.
Risadas (alunos)
Quinta menina (paleontóloga), no museu: Este é o Thomas, O
tricerátopo Thomas tem um ano de idade. O tiranossauro rex Sally
tem mil, dois milhões duzentos e cinquenta e dois anos de idade.
Terceira menina (treinadora de futebol) no campo de futebol:
Pulem como um unicórnio. Mais alto, mais alto!
Quarta menina (executiva), no aeroporto: Já estive em Nova
Iorque, na Transilvânia e na Pensilvânia.
Primeira menina (professora), na universidade: Podemos pensar
e fazer um monte de coisas como o nosso cérebro.
Primeira menina (professora), agora no quarto dela (brincando
e imitando voz para a boneca): Agora alguém sabe qual é o
tamanho do cérebro? Alguém? Isabel! (apontando para as bonecas)
(Quando uma menina brinca com Barbie, ela imagina tudo o que ela
pode conquistar).
É médio, médio? Muito bem!
(Você pode ser tudo o que quiser. Barbie.)
Link: https://www.youtube.com/watch?v=8jnKcUh4SCU
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O APRENDER COMO “MODO DE AGIR”
E A CONTINUIDADE ENTRE MEIOS E FINS NA
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DE ANÍSIO TEIXEIRA
Abstract: Anísio Teixeira denounces the insignificance of educational theories that put
human happiness outside of school, outside the real life of men. For him education must
be seen as an end in itself, as a continuation of life, as something that is confused with
life itself. In this way, he proposes a more acute view of the act of learning, a concept
that we will analyze by establishing a parallel with two other notions of contemporary
philosophy that will become illuminating for the understanding of his thesis: the
extended reason of the French existentialist philosopher Maurice Merleau-Ponty and
immaturity, as John Dewey conceived in Democracy and Education. We intend with
these counterpoints to make clear their conception of learning as a way of acting and
their proposal of a continuity between means and educational purposes.
1
Claudiney José de Sousa: Doutor em filosofia pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e atualmente Professor Adjunto do Departamento de Educação da Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Obteve o título de Mestre em História da Filosofia Moderna e
Contemporânea pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2006, onde atuou como
Professor Auxiliar entre 2002 e 2004. Licenciou-se em Filosofia pela Universidade Estadual
de Londrina (UEL) em 2000, onde atua como Professor desde 2007. Membro do projeto de
pesquisa “Educação filosófica e experiência democrática: a democracia como modo de vida
ético e político” sob coordenação do prof. Dr. Darcísio Natal Muraro. E-mail: claudineyuel@
hotmail.com
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As diferentes interpretações sobre a filosofia de Anísio Teixeira
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preocupação em fornecer uma análise organizada didaticamente.
Sabemos das dificuldades enfrentadas por alguém que se propõe
a elaborar uma obra de tal envergadura – com a difícil tarefa de
reunir, em um único volume, toda história das ideias pedagógicas
(do pensamento oriental e ocidental antigos até os dias atuais).
Por outro lado, não podemos deixar de dar nossa contribuição,
apresentando nossas discordâncias, críticas e objeções quanto a
esta classificação.
Moacir Gadotti chega a aproximar liberais e católicos,
considerando que os dois grupos, embora diferentes em alguns
aspectos, defenderiam muitos pontos comuns quanto à educação.
Defende que somente os progressistas teriam colocado “a questão
da transformação radical da sociedade e o papel da educação nessa
transformação” (GADOTTI, 2004, p. 233). São afirmações que
revelam um certo descuido com relação à leitura da obra de Anísio
Teixeira, como veremos mais adiante.
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no sentido de romper com aquele antigo modelo? Teria ele
restringido a escola ao seu papel pedagógico? Defendemos que,
pelo contrário, estas foram as questões que mais espaço ganharam
na pauta das discussões sobre a educação em seu pensamento.
Com o objetivo de lançar alguma luz sobre o problema, optamos
por fazer um breve estudo de duas importantes obras em que
Anísio Teixeira discute os temas em debate. Analisaremos quais
seriam as respostas mais adequadas às questões acima levantadas
a partir das obras: Educação não é privilégio e Pequena Introdução
à filosofia da educação.
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considerações do autor aqui nos fazem lembrar dois conceitos
da filosofia contemporânea que se tornarão esclarecedores para a
compreensão de sua tese: o primeiro é o conceito “razão alargada”
do filósofo existencialista francês Maurice Merleau-Ponty
(MERLEAU-PONTY, 1996, p. 79), elaborado para demarcar
sua crítica à razão clássica moderna, rígida, objetiva, calculável,
geométrica (difundida, sobretudo por Descartes no século XVII).
A razão alargada de Merleau-Ponty não é uma razão situada “na
cabeça” apenas, mas é uma razão difusa, uma espécie de consciência
corporal ou sabedoria corporal (mais humana, mais democrática,
mais elástica, difusa e flexível).
O segundo conceito que elegemos para estabelecer um
contraponto com a tese de Anísio Teixeira é imaturidade, da
maneira como foi concebido por John Dewey em Democracia
e Educação (DEWEY, 1959, 44-57). Penso que este segundo
conceito é esclarecedor principalmente por envolver a noção de
plasticidade e dependência. Para Dewey, somos seres imaturos, no
sentido positivo, porque somos permanentemente educáveis. A
plasticidade (ou a maleabilidade) é uma característica essencial
dos seres educáveis – dos seres humanos. Para Dewey, “a primeira
condição para haver crescimento é que haja imaturidade”
(DEWEY, 1959, p. 44). Mas imaturidade entendida não como
falta ou ausência, mas enquanto capacidade ou aptidão para um
constante desenvolvimento.
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Anísio Teixeira, contemporâneo destes autores, traz,
nas entrelinhas de seu texto, a fecundidade destes conceitos,
primeiramente porque pensa, para o nosso país, em um aprender
no sentido alargado, plástico, maleável, flexível, abrangente,
democrático, difuso na sociedade. Uma noção de aprender que
visa claramente romper com a consideração rígida e inflexível
do “aprender tradicional”. Expressa sua insatisfação propondo
um “aprender mais agudo” ou uma “visão mais aguda do ato de
aprender”. Estabelecendo um contraponto com Merleau-Ponty
e Dewey, poderíamos chamar a concepção de Teixeira de “visão
alargada do aprender” ou ainda “visão elástica do aprender”.
Assim como, em geral, ocorre com qualquer proposta inovadora,
sobretudo na área da educação, a visão alargada e elástica de Anísio
Teixeira não foi, até hoje, devidamente estudada e compreendida.
Ele exige um “olhar mais apurado” que os teóricos de sua época
(e ainda da nossa) não possuem. Nossa visão míope muitas vezes
nos impossibilitou de compreender a abrangência e a riqueza de
sua proposta. Eis a maneira como o autor expressa, em linhas
gerais, seu descontentamento e os equívocos da noção tradicional
de ‘aprender’:
Aprender significou durante muito tempo simples
memorização de fórmulas obtidas pelos adultos. O velho processo
catequético de pergunta e resposta é um exemplo impressionante
disto. Decorar um livro era aprendê-lo. Mais tarde, começou-se
a exigir que se compreendesse o que era decorado. Um passo mais
foi exigir do aluno que repetisse, com palavras próprias, o que se
achava formulado nos livros. Não bastava decorar, não bastava
compreender, era ainda necessário a expressão verbal, e então, sim,
estava aprendido o assunto (TEIXEIRA, 2000, p. 43).
36 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 31-50 – jan./jun. 2018
O que é ‘aprender’ para Anísio Teixeira, afinal? Já sabemos
o que não é: não é memorização, não é a simples capacidade de
compreender, nem mesmo a capacidade de demonstrar, através
da expressão verbal e pessoal (retórica) o que se memorizou e
compreendeu. Em resumo, “não se aprende por simples absorção”
(TEIXEIRA, 2000, p. 45). As considerações são decepcionantes
para os que acreditam, apostam e investem num aprendizado
quantificável e mensurável, num conhecimento que se traduz em
moeda de troca no mercado.
Podemos até dizer que, em algum sentido, a memorização,
a compreensão e a expressão verbal são condições necessárias
para o aprendizado, mas não que sejam condições suficientes.
Por que não são suficientes? A resposta de Anísio Teixeira é
simples e taxativa: porque “aprender significa ganhar um modo
de agir” (TEIXEIRA, 2000, p. 43-44). O que, em geral, ocorre em
nossas escolas? Não aprendemos porque elas não nos permitem
desenvolver uma habilidade. Nelas o aprendizado não se traduz em
modo de agir. Isso explica porque hoje aprendemos a maioria das
coisas não nas escolas, mas fora delas – no trabalho, num evento
cultural, numa viagem, na leitura despropositada de um livro,
enfim, ao enfrentar qualquer um dos muitos desafios que a vida nos
reserva. Aprendemos matemática quando somos colocados numa
situação em que nossa sobrevivência exija a realização daquelas
operações – de forma a que se tornem uma verdadeira habilidade
ou, como diz Anísio Teixeira, quando passam a fazer “parte do
próprio organismo e exigir de nós, quase automaticamente, uma
reação ou uma série de reações especiais” (TEIXEIRA, 2000, p.
44-45). Não significa que aprender fora da escola seja o problema.
Podemos e devemos aprender constantemente, em qualquer
ambiente ou situação. E é importante que se estimule esta prática.
37 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 31-50 – jan./jun. 2018
O que preocupa Anísio Teixeira é que a escola não esteja sendo
o local privilegiado do aprendizado significativo a que se propõe.
Poder-se-ia objetar que o autor não estaria propondo nada
de novo, pois aprendizado que se traduz em reações automáticas
é algo que já estaria presente nas concepções tradicionais. Mas
o autor esclarece, em seu texto, que isto não significa habilidade
mecânica – muito pelo contrário. As palavras ‘ação’ e ‘habilidade’
são geralmente compreendidas como atividade prática, manual,
material. Esquece-se que é possível ser habilidoso com as palavras,
com as atitudes, com as emoções etc. Dizemos que aprendemos
realmente poesia quando ela nos leva a um novo modo de agir –
mesmo que isso não tenha diretamente nenhuma implicação ou
aplicação material, física, prática, nenhum resultado financeiro.
Mas o que é realmente este agir a que o autor se refere? “A palavra
agir tem vulgarmente um sentido estreito de ação material”
(TEIXEIRA, 2000, p. 44). O autor denuncia a estreiteza de
nosso modo costumeiro de avaliar e julgar e propõe um modo
mais alargado, amplo, flexível de considerar as coisas, sem cair nos
dualismos, em especial naqueles que separam mundo material/
prático/físico de mundo ideal/teórico/ espiritual. O que é agir?
Um ato é sempre uma reação a uma situação em que nos
encontramos. Reagimos contra estímulos que recebemos por meio
dos sentidos internos ou externos. E o que aprendemos é sempre
uma forma especial de reação. (...). Uma habilidade, uma ideia,
uma emoção, uma atitude, um ideal, aprendemo-lo do mesmo
modo, fixando uma certa reação do organismo a uma certa coisa
(TEIXEIRA, 2000, p. 44).
Mas não nos importa tanto a parte negativa (desconstrução)
do pensamento de Anísio Teixeira referente à noção de aprender
– suas críticas à maneira usual de considerá-la. Já sabemos que
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“não aprendemos uma idéia [ou qualquer outra coisa] quando
apenas sabemos formulá-la” (TEIXEIRA, 2000, p. 44). Quando
é que aprendemos, então? Aprendemos quando algo passa a ser
incorporado a nós de tal modo que não temos mais que acessá-lo
a partir de algum “dispositivo externo”, seja ele qual for (a internet,
um livro, um tutor intelectual ou espiritual, uma regra jurídica,
moral ou religiosa etc.). Os pensadores tradicionais também
estavam muito conscientes disso, mas se enganaram ao pensar
que a memorização poderia efetivamente proporcionar esta
incorporação. Anísio Teixeira faz uma revisão importante neste
ponto. O aprendido, o conhecido (pelo menos no sentido que
aqui estamos considerando) é algo que está em nós e não fora de
nós. “Não se aprende senão aquilo que se pratica” (TEIXEIRA,
p. 45). E aqui, mais uma vez, é preciso lembrar que a prática a que
se refere não é mais a ‘prática’ dos velhos dualismos. É também a
prática do pensamento, da reflexão, do diálogo, da valoração, da
moralidade, da espiritualidade etc. Tudo isso aprendemos quando
incorporado a nosso organismo, quando efetivamente reagimos
e interagimos com o mundo e a sociedade que nos cerca. Veja-se
a exigência de que o aprender seja sempre de caráter dinâmico
e permanente, que envolva ação e reação (troca). Apresentemos,
portanto, a definição que contempla todos os elementos de sua
tese.
Logo, não se aprende senão aquilo que se pratica. Aprender
é um processo ativo de reagir a certas coisas, selecionar reações
apropriadas e fixá-las depois no organismo. Não se aprende por
simples absorção (TEIXEIRA, 2000, p. 45).
O conhecimento que resulta desta nova concepção de
aprender é também algo muito diverso da noção trivial nos
meios acadêmicos. Fala-se hoje da posse ou da produção do
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conhecimento, como se fala da posse ou da produção de qualquer
outro bem material. O conhecimento converte-se em algo passível
de controle, manipulação, troca, rendimento, produtividade. Por
estar quase que exclusivamente atrelada às questões econômico-
produtivas, esta noção promove ainda mais concentração, exclusão,
desigualdade social. Tomemos como exemplo um discurso bem
característico da concepção de conhecimento como “moeda de
troca”.
Não é surpresa para ninguém que os grandes elementos
geradores de riqueza hoje estão ligados ao conhecimento
e à informação. O próprio valor dos elementos intangíveis
(conhecimento, informação, criatividade, capacidade de gestão,
imagem de marca etc.) na avaliação do preço de mercado das
empresas mostra isso (MATTAR, 2001, p. 8).
Dado que o conhecimento se converte quase que
exclusivamente em “elemento gerador de riqueza”, pense-se em
quanta informação as crianças e adolescentes deverão receber para
estarem aptos a competir nos processos seletivos que encaminharão
para este “mercado promissor”. Consideremos apenas alguns dos
conteúdos ditos essenciais em algumas disciplinas do ensino atual:
i) em biologia: compreender os processos de obtenção de energia, a
estrutura de uma célula eucariótica e as leis de hereditariedade; ii)
em química: conceitos de radioatividade, cálculo estequiométrico
e ligações intermoleculares; iii) em física: cinemática e dinâmica,
energia, calor e fenômenos térmicos; iv) em língua portuguesa:
semântica, figuras de linguagem, principais movimentos literários,
etc. Agora nos perguntemos, com base na tese de Anísio Teixeira:
eles aprendem estes conteúdos? Se realmente “não se aprende
senão aquilo que se pratica”, nossa resposta é um vigoroso “não”.
Pelo menos na escola que conhecemos não aprendem. Talvez
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aprendam, depois da escola, fora da escola, por necessidade,
quando as circunstâncias os exigirem. Esta constatação nos
angustia e coloca a questão crucial: então, para que servem as
escolas?
Para que servem as escolas?
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seleciona e exclui. Preparação, seleção e exclusão esta é a essência
da nossa educação.
O processo educativo é um processo seletivo, destinado a
retirar da massa alguns privilegiados para uma vida melhor, que se
fará possível exatamente porque muitos ficarão na massa a serviço
dos “educados”, então o sistema funciona, exatamente por não
educar todos, mas somente uma parte (TEIXEIRA, 1994, p. 51).
Por que a escola precisa “selecionar” e “retirar” da massa
alguns destinados ao privilégio? Por que estes indivíduos não
poderiam, por assim dizer, permanecer na massa? O próprio
Anísio Teixeira afirma, em tom irônico, que o sistema educacional
precisa conservar “analfabetos para engrossar a grande fileira
dos que nos vão ajudar a ser privilegiados” (1994, p. 51). A
obra Educação não é privilégio é, de certa forma, uma tentativa
de responder à questão “para que servem as escolas?” É uma
denúncia do caráter puramente seletivo da educação, do caráter
de preparação para algo, o que, em suas análises sobre filosofia da
educação, pode ser expresso em termos de uma confusão quanto
à relação entre meios e fins educacionais. Teixeira denuncia a
exacerbação deste caráter seletivo, que tem como único propósito
“preparar alguns privilegiados para o gozo de vantagens de classe
e não o homem comum para a sua emancipação pelo trabalho
produtivo” (TEIXEIRA, 1994, p. 54).
Quais as consequências desta concepção de educação,
ainda mais marcante na história recente de nosso país? Podemos
dizer que, quanto mais investimos neste modelo de ensino
e aprendizagem, mais estamos promovendo a exclusão e a
desigualdade social (ao contrário do discurso ideológico em seu
favor), portanto, promovendo algo bem diverso daquilo que seria
a essência do ato educativo. O caráter de denúncia deste modelo
fica ainda mais claro quando Teixeira afirma:
42 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 31-50 – jan./jun. 2018
As escolas não foram afinal criadas para renovar as
sociedades, mas para perpetuá-las e, por isto mesmo, a sua relação
com as estruturas sociais de classe teria de ser a mais estrita.
Nenhum sistema de escolas jamais foi criado com o propósito de
subverter a estratificação social reinante (TEIXEIRA, 1994, p. 55).
Então temos aqui a resposta do autor: as escolas servem
para perpetuar as sociedades e manter a estratificação social. É uma
resposta dura e direta, que deve, no mínimo, levar a uma revisão
nas conhecidas classificações a respeito do autor (liberal, ideólogo
da burguesia, conservador etc.). Não era a resposta que queríamos
obter, sobretudo porque sabemos que é a resposta de alguém que
“sabe o que está dizendo”, de alguém que fez um estudo profundo
da nossa realidade. Sabemos que a ideia de escola comum ou
pública nasceu com a Revolução Francesa; uma escola que não
tinha o propósito de educar para uma classe ou para outra. O
problema é que não demorou para que os próprios franceses
tratassem de promover o dualismo escolar: sistema popular, por
um lado e educação de classe por outro. Foi este modelo das
instituições educativas francesas que herdamos. É o sistema que
ainda permanece em nosso país. Isso impediu que tivéssemos uma
escola pública comum. Esta escola “jamais gozou de verdadeiro
prestígio social” (TEIXEIRA, 1994, p. 56). O autor acrescenta: “na
realidade, a educação, como se vem fazendo entre nós, dá direitos,
graças a diploma oficial, mas não prepara nem habilita para coisa
alguma (...) alguns se farão depois profissionais, por tirocínio e
prática, não pela escola” (TEIXEIRA, 1994, p. 56).
O ensino fundamental perde a sua função característica, que
é a de ser a grande escola comum da nação. Passa a ser simplesmente
uma escola de acesso, uma escola preparatória para o ensino médio
e para a universidade. Um verdadeiro “desvirtuamento da escola”
43 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 31-50 – jan./jun. 2018
(TEIXEIRA, 1994, p. 62). Uma escola marcada pelo anseio por
uma outra escola, a secundária que, por sua vez, é marcada pelo
anseio pela formação superior – tudo sempre preparação para algo,
anseio, aspiração e nunca fim em si mesmo.
44 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 31-50 – jan./jun. 2018
o que diz Marx em seu Manuscritos Econômico-filosóficos sobre a
noção de exteriorização do trabalho e comparemos com o que
aqui podemos chamar de “exteriorização da educação”:
45 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 31-50 – jan./jun. 2018
estafante me faz esperar ansiosamente o fim do expediente,
quando poderei, enfim, descansar – esperando que o dia seguinte
não seja “tão ruim”. Mas a escola não pode ser reduzida a este
constante esperar que resulte da frustração e da decepção. A
respeito dos alunos que se encontram nesta condição o autor diz:
“Sobreviventes de um sistema escolar inadequado e frustrado, não
tem (...) outra coisa a fazer senão aspirar à escola superior, para
cujo exame vestibular se precipitam em levas muito superiores
ao número de vagas existentes” (TEIXEIRA, 1994, p. 62). É
triste constatar que a espera, a decepção, a frustração e a angústia
permanecerão e que apenas serão outras no ensino superior.
Por que, segundo Anísio Teixeira, nosso sistema de ensino é
frustrado? Porque não está de acordo com sua essência, qual seja
ser “uma escola que é o seu próprio fim e só indiretamente e
secundariamente prepara[r] para o prosseguimento da educação
ulterior” (TEIXEIRA, 1994, p. 63).
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do mito, da magia, dos preconceitos e falsos pressupostos que
ainda hoje fundamentam nossas teorias e práticas educacionais.
Sabemos que o “tratamento dos fenômenos naturais como efeitos
originários de causas misteriosas” (TEIXEIRA, 2000, p. 121) é
um procedimento comum em visões mágicas sobre a realidade.
O curioso, como mostram as pesquisas do nosso autor, é que um
tratamento similar tem sido adotado há séculos por moralistas
que pensam nossa educação.
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presa a preconceitos imutáveis e eternos, uma moral experimental
baseada nas conclusões de uma ciência do homem” (TEIXEIRA,
2000, p. 122).
Qual seria o resultado da substituição da moral espiritual
pela moral experimental? A primeira, também chamada de
moral passiva, foge da facticidade da existência humana, nega a
vida e busca fora dela sua razão de ser, convertendo-se em moral
proibitiva, que prega a conformidade e evita a excentricidade
– é a moral do “não fazer”, estranha e desligada da vida real
dos homens. “A separação da moral das atualidades presentes
da vida e da natureza humana termina por codificá-la em uma
série de prescrições proibitivas. Não fazer torna-se a essência
da moralidade” (TEIXEIRA, 2000, p. 123). A segunda, por ser
moral de atividade, resgata o caráter eminentemente humano da
construção da própria existência e não menospreza o ser humano
de carne e osso, em suma, não é uma moral estranha à própria
natureza humana.
A moral espiritual tradicional é também uma moral de
aparências e preconceitos. Uma moral que serve a interesses
particulares de alguns grupos na sociedade. Nos diferentes casos
em que se manifesta é comum a divisão da vida e da educação
em dois períodos: “o dos sonhos e o da realidade” (TEIXEIRA,
2000, p. 128). Isso os faz pensar que há verdadeiramente uma
hierarquia entre as fases, os períodos, os momentos (bons ou
ruins, bem-sucedidos ou malsucedidos). Uma moral da traição
da vida, moral da contradição, da incoerência com relação à vida.
Seu maior erro consiste em “considerar a atividade humana em si,
não como o bem, mas como simples meio de atingir o bem, que era
estranho ou superior a essa atividade” (TEIXEIRA, 2000, p. 130),
não entender que a atividade humana é também um fim, portanto
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um bem, um modo particular de cultivar a felicidade. A atividade
como meio transforma a vida em sacrifício; é consequentemente
uma atividade penosa, decepcionante, angustiante, alheia àquele
que a realiza.
De fato, se a atividade em si não dá prazer, não é agradável,
se agrado e prazer são coisas alheias que vamos comprar com essa
atividade – viver é um sacrifício pontilhado, aqui e ali, de raro em
raro, de um gozo e uma alegria. E como esse próprio gozo e essa
própria alegria em que se põe o prêmio da vida são, no fundo,
incompletos e decepcionantes - o que nos resta senão julgar a
vida realmente insuportável, e buscar, no mundo religioso ou no
mundo intelectual, os sonhos que nos compensam da mágoa de
viver? (TEIXEIRA, 2000, p. 145).
Anísio Teixeira complementa dizendo que essa premissa
da moralidade é a “mais corruptora do verdadeiro critério para
julgar-se a vida” (TEIXEIRA, 2000, p. 136). Nega-se esta vida,
anula-se esta vida, reduzindo-a a exílio, prisão e sofrimento.
Uma concepção que é, na sua íntegra, aplicada à educação que
reproduz as segmentações da sociedade. O que se denuncia
aqui é a insignificância das teorias educacionais que colocam a
felicidade humana fora da escola, fora da vida real dos homens.
Mas então, qual o fim real do homem? “O fim real do homem,
o único fim substancial, é o de viver, o que quer dizer: exercer
atividades significativas para si próprio” (p. 141). O que é a vida
boa? “A vida será boa se nossa atividade, em si mesma, e por si
mesma, for agradável e satisfatória. A atividade não será, deste
modo, uma preparação para um bem futuro e remoto, mas, ela
mesma, esse bem” (p. 149).
49 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 31-50 – jan./jun. 2018
Referências
50 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 31-50 – jan./jun. 2018
A AÇÃO E AS ESTRATÉGIAS ADOTADAS
POR PROFESSORES-AUTORES NA PRODUÇÃO
DE MATERIAL DIDÁTICO IMPRESSO
PARA UM CURSO EM EaD
Abstract: In the present work, we aim to describe the action and the strategies adopted
by teachers-authors in the production of printed didactic material to attend the
course of Languages / Portuguese, in the distance modality. We have attempted
to reflect the process of modeling theoretical objects in the production of a
didactic model of gender (MACHADO, CRISTOVÃO, 2006, ROJO, 2001),
1
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Língua Portuguesa e Linguística na Pontífica
Universidade Católica de Minas Gerais – Professora no curso de Letras da Universidade
Estadual de Montes Claros -MG e orientadoras das discentes.
2
Acadêmica do 3° período do curso de Letras/Português na Unimontes - MG. Bolsista de
Iniciação Científica da FAPEMIG BIC/Uni.
3
Acadêmica do 5º período do curso de Letras/Português na Unimontes-MG. Membro
Voluntário em Projeto de Iniciação Científica.
51 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
revealing the mobilization of different author positions (BAKHTIN, 2010;
RABATEL, 1998; The results show that it is possible to recognize different
authoritative positions in the UAB / Unimontes curriculum.
Considerações introdutórias
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EaD, há a ação de diversos agentes (professores conteudistas4,
consultores ‘ad hoc’, designers gráficos, designers instrucionais,
editores, diagramadores e revisores5) que compõem uma equipe
multidisciplinar, cuja finalidade é atender as necessidades do novo
formato de cursos de licenciatura em EaD, ofertado por boa parte
das universidades públicas brasileiras.
Destacamos, pois, o cenário consolidado e em expansão
do ensino a distância no país, em que a escrita e a produção de
material didático atrelado ao uso de tecnologias de comunicação
e informação assumem uma importante função socioformativa.
Como exemplo da grande utilização desses materiais didáticos
impressos, reportamo-nos ao Programa Universidade Aberta do
Brasil6 - criado e instituído em 2006 pelo Ministério da Educação
–MEC – através de sua Secretaria de Educação a Distância –
SEED – com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Nível Superior – CAPES, que expandiu, especialmente, a oferta
de cursos de licenciatura em parceria com grandes universidades
públicas.
Parceira do Programa UAB, a Universidade Estadual
de Montes Claros-MG, localizada no Norte de Minas Gerais,
4
Professor conteudista é a denominação adotada pelo Sistema UAB para se referir aos autores
de material didático, em razão de esses terem sido recrutados e selecionados, para produzir
o material didático impresso, pelo fato de atuarem e terem experiência comprovada em
disciplinas específicas dos cursos presenciais.
5
A descrição de profissionais envolvida em todas as etapas desde a escrita até a edição do
material didático, tomou como base o recrutamento de profissionais que, conforme as
denominações apresentadas, compõe a equipe de produção de material didático do Sistema
UAB/Unimontes.
6
O Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB, instituído pelo Decreto 5.800, de 08 de
junho de 2006, foi estruturado no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE,
e tem por meta o desenvolvimento da modalidade de Educação a Distância, possibilitando
a formação de um grande número de pessoas, que se encontram geograficamente distantes
das universidades públicas, preferencialmente, em cursos de licenciatura para atuarem,
prioritariamente, na educação básica, pretendendo reverter o cenário ainda existente de
pessoas atuando na educação básica sem formação superior.
53 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
expande sua atuação atendendo municípios do Norte de Minas e
dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Em 2016, a Unimontes além
dos alunos matriculados semestralmente em cursos de graduação
e de pós-graduação, contou com 1.030 alunos matriculados nos
cursos a distância, conforme revelam os dados extraídos de seu
Plano de Desenvolvimento Institucional –PDI – 2007-2021.
Como se vê, um número considerável de pessoas foi atendido
pela UAB/Unimontes, requerendo a implantação de um novo
modelo educacional capaz de viabilizar o acesso de um outro tipo
de público à universidade.
Neste sentido, torna-se imperativo a proposição de um
estudo que se dedique em explicar e descrever a complexidade
que envolve a confecção do material didático impresso.
54 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
gênero. Além da recorrência dessas três ferramentas, o modelo
didático produzido destaca os tipos de enunciados empregados
em sua composição, conforme Bakhtin(2010), mostrando o
seu funcionamento, revelando em sua organização a intenção
sociocomunicativa, o posicionamento autoral (RABATEL, 1998,
2015; MAINGUENEAU, 2010) e o ponto de vista dos autores
sobre a produção de material didático impresso apropriado ao
ensino a distância.
55 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
de gênero, como o didático, os agentes responsáveis por essa
produção devem ser capazes de “operar inevitavelmente com
enunciados concretos (escritos e orais) relacionados a diferentes
campos da atividade humana e da comunicação (...) (BAKHTIN,
2010, p. 264), e de eleger saberes já difundidos que não foram
produzidos por eles, somente consumidos, que serão transpostos
no processo de escrita e de produção de um objeto de ensino.
A esse respeito, Chevalhard (1989) defende a ideia de que
um saber teórico para se tornar escolarizável ou didático deve
passar por determinadas adaptações, processo denominado de
transposição didática. A teoria didática deve Inicialmente postular
como um objeto teórico estabelece uma relação ternária a que
Chevalhard denomina de relação didática. A relação didática
une três, não dois “objetos”, a saber: o professor, o aprendiz e, por
último, o conhecimento; ou, para ser preciso, o conhecimento
ensinado (CHEVALHARD, 1989, p. 4 – tradução nossa).7
Em outros termos, transposição didática compreende
a passagem do conhecimento científico (fruto da investigação
científica) para o conhecimento a ser ensinado (saber que ocorre
dentro do ambiente escolar, especificamente na sala de aula) sob
um conjunto de transformações e adaptações, em que os agentes
(professores, autores, editores, etc), que atuam no processo
de ensino, precisam apropriar-se para tornar o conceito mais
compreensível para àqueles que vão apreender.
Baseando-se em outros estudiosos, a apropriação da noção
de transposição didática não se restringe a um único domínio,
linguistas aplicados, como Machado e Cristovão, dedicam-se em
7
Texto original em inglês: “didactic theory must from the start posit, as a theoretical entity,
a ternary relation, which I call the didactic relation. The didactic relation unites three, not
two, “objects”: to wit, the teacher,, the taught, last but not least, knowledge; or, to be yet
more precise, the knowledge taught”.
56 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
explicar que a transposição de um determinado objeto teórico
acontece depois de passar por três níveis básicos de transformações:
57 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
Neste trabalho, descrevemos três ferramentas mediadoras
empregadas no processo de transposição didática externa: i) o
modelo teórico do gênero; ii) as ferramentas digitais e semióticas;
iii) as ferramentas digitais e semióticas.
O modelo téorico do gênero é uma ferramenta basilarmente
teórica com o propósito de ancorar práticas didáticas em uma
sequência casual de transposição didática que se apropria de um
modelo teórico de uma determinada área do conhecimento para
a criação do modelo didático (BARROS, 2012, p. 15).
Por ferramentas digitais e semióticas compreende-se o
conjunto de textos verbais e não-verbais que compõe o design
gráfico que dá origem ao modelo didático do gênero. As
ferramentas digitais constituem, neste tipo de material, de boxs,
quase sempre, laterais ao texto, cuja função é instruir ao aluno
em EaD a consultar sítios da internet para pesquisas, solicitar o
acesso a uma plataforma digital de apresendizagem e as salas de
bate-bapo. É nesse espaço que o aprendiz mantém interação com
professores-formadores, tutores, colegas e troca experiências sobre
sua aprendizagem, além de ser possível expandir seus estudos. Já
as ferramentas semióticas são a inserção de imagens, desenhos,
ilustrações, tabelas, figuras, etc que formam o acervo de textos
não-verbais.
Prosseguindo, modelos didáticos de gêneros são objetos
descritivos e operacionais que, quando construídos, facilitam a
apreensão da complexidade da aprendizagem de um determinado
gênero (DE PIETRO et al; 1996/1997 apud MACHADO
E CRISTOVÃO, 2006). Ainda, segundo os autores, seria
imprescindível criarmos materiais didáticos apropriados, que
permitissem a transição dos objetos teóricos em gêneros cuja
função precípua e a de serem objetos de ensino, considerando,
58 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
neste processo,o nível das aptidões dos alunos, isto é, a produção
de um modelo didático de gênero adequado.
Barros; Mafra (2017, p. 18) creem que o modelo didático
além de ferramenta fundamental para didatizar um objeto de
ensino, é também um mecanismo precioso para formar docentes,
pois relatar um gênero e adequá-lo a determinado ambiente de
educação exige uma série de conhecimentos que possibilitam ao
professor desenvolver habilidades indispensáveis ao contexto de
ensino.
Para Rojo (2001, 317), modelização didática é a construção
de um modelo didático para ensino de determinado objeto
teórico. Modelizar é o primeiro passo no quadro teórico do
ISD9 da transposição didática. O modelo didático auxilia no
processo de transposição didática especialmente no primeiro
nível da transposição: a passagem do conhecimento científico
ao conhecimento a ser ensinado. Durante o processo, é papel do
agente se apropriar de ferramentas que facilitem a transposição
do conhecimento produzido na academia, transformando-o
em conhecimento adequado a ser ensinado, ora introduzido
em materiais didáticos, a introduzido no ambiente escolar,
cujo processo de ensino-aprendizagem precisa ocorrer de
forma eficaz, pois a transposição deve tornar um determinado
9
O Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD) constituiu-se, de início, de um grupo
de pesquisadores da Universidade de Genebra que debruçaram seus estudos sobre temas
que focalizaram: 1) as ferramentas de ensino, o que envolveu a descrição das características
de gêneros variados, a construção de modelos didáticos de gêneros, análise de materiais de
ensino; 2) o aluno e a avaliação do desenvolvimento de diferentes práticas de linguagem,
tendo em vista as atividades de um determinado gênero; 3) o professor em formação ou no
formador de professor e as representações sobre situações específicas que envolvem a produção
e avaliação de textos diversos, etc. Em se tratando deste trabalho nos interessa, especialmente,
as pesquisas que refletem a seleção e a adoção de ferramentas de ensino que possibilitam a
produção de um gênero apropriado ao ensino a distância. Neste quadro teórico, não podemos
deixar de destaca nomes como de Bronckart, Schneuwly e Dolz e alguns nomes brasileiros,
como Machado, Rojo; Dionísio, Cristovão, Bezerra, entre tantos outros que, apenas por
ausência de espaço, não citaremos. (MACHADO, 2005, p.237-238)
59 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
conhecimento/conceito mais compreensível (BROCKINGTON,
PIETROCOLA, 2005).
A compreensão de como se efetua o processo de transposição
depende ainda de se considerar os tipos de enunciados empregados
para compor os diferentes gêneros dos discursos (BAKHTIN,
2010) e de conhecer-lhes o funcionamento e a sua intenção
sociocomunicativa para ser capaz de produzir um gênero didático.
Nesta direção, o aparato teórico da Análise Textual do
Discurso (ATD), principalmente as reflexões que derivam
de Bakhtin(2010) e de estudiosos que compõem o quadro
sociodiscursivo para o estudo de noções como gênero textual/
discursivo, enunciado, autoria e das reflexões rabatelianas sobre
locutor/enunciador, ponto de vista (PDV ), posicionamento
autoral e posturas enunciativas são imprescindíveis na condução
desta pesquisa e as quais apresentaremos na sequência.
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sobre o texto como lugar de enunciação10, isto porque, para o
filósofo russo, a comunicação humana concretiza-se em forma
de enunciados11 orais ou escritos que refletem as condições e as
finalidades da esfera a qual pertencem. Bakhtin (2010), afirma que
cada contexto da utilização da língua produz tipos relativamente
estáveis de enunciados, sendo denominados gêneros do discurso12.
Estes apresentam aspectos como: a variedade dos extratos, a
manifestação individual e o estilo13 de quem fala ou escreve. O
que nos permite entender que cada atividade humana, em especial,
cada sujeito faz emergir tipos específicos de enunciados, cujas
propriedades (lexicais, gramaticais e de estilo) revelam limites
organizacionais que precisam ser analisados, a partir das noções
como enunciador e locutor.
Na mesma direção, Alain Rabatel propõe a distinção entre
locutor e enunciador. Em linhas gerais, assevera que o locutor
é aquele que tem a função de articular os enunciados através
do discurso oral ou escrito e o enunciador é “fonte dos pontos
de vista contidos em uma predicação” (RABATEL, 2015, p.
158), organizada unicamente pelo texto que se manifesta por
meio da escolha das referências, ou seja, a escolha das palavras,
quantificação, designação, ordem das palavras e etc. E essas
escolhas expressam traços das representações do ponto de vista
(PDV), que nem sempre estão explícitos no enunciado, podendo
ser inferido pelo leitor.
10
Irene A. Machado (1996) em “Texto como Enunciação a Abordagem de Mikhail
Bakhtin”, revê as reflexões bakhtinianas de gênero do discurso para discutir como o texto é
constituído pela enunciação. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/
article/view/114125/112013. Acesso em 02 de jun. 2018.
11
Em uma perspectiva bakhtiniana, o enunciado é a unidade mínima da comunicação
discursiva e um elo entre vários enunciados, que preserva as reações assumidas pelos
interlocutores.
12
Provenientes das mais variadas atividades humanas, sendo classificados em gêneros
primários (simples) e secundários (complexos).
13
“Nada mais é senão o estilo de um gênero peculiar a uma dada esfera da atividade e da
comunicação humana” (BAKHTIN, Mikhail, 2010, p 160).
61 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
As bases linguísticas da expressão do ponto de vista repousam
sobre a expressão das percepções e/ou pensamentos representados.
As percepções estão sob dependência sintática de um sujeito e de
um processo de percepção mencionados nos dois primeiros planos
ou sob dependência semântica de um agente ou um processo que
o texto não menciona explicitamente e que o leitor reconstituiria
por inferência (RABATEL, 1998 apud FARIA, 2015, p. 63-64).
62 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
gramaticais e de estilo) o autor se baseia na representação que
tem de si e da sua obra, nesta mesma perspectiva Maingueneau
(2010), reitera:
14
“O autor é o sujeito que, tendo o domínio de certos mecanismos discursivos, representa,
pela linguagem, esse papel na ordem em que está inscrito, na posição em que se constitui,
assumindo responsabilidade pelo que diz, como diz”. ( ORLANDI, 2005, p.76).
63 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
A produção de um modelo didático de gênero: caderno didático
da UAB/Unimontes
15
Total de número de páginas para disciplinas de 90 horas/aulas estipulado pela UAB/
Unimontes: mínimo de 90 e máximo de 135 páginas. Os dois cadernos didáticos foram
produzidos para disciplinas de 90horas/aulas e não cumpriram essa determinação. O
caderno didático de Introdução à Leitura tem 6 unidades, distribuídas em 80 páginas, já, o
caderno de Ensino de Gramática na Escola tem 4 unidades organizadas em 66 páginas. Neste
trabalho, ainda em andamento, não consideramos essas variáveis, no entanto, reconhecemos
a validade desses dados e retornaremos a eles em trabalhos futuros.
64 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
boxes nas laterais do texto, contendo: “Atividades”, questões
“Para Refletir”, “Dicas de Estudo” e “Glossário”; elementos que
compõem o design visual do gênero confeccionado, refletindo a
recorrência no emprego das ferramentas digitais e semióticas.
Partindo da premissa de que o material didático impresso
elaborado para a modalidade EaD é um ato de fala impresso
pertencente à comunicação verbal, que materializa pistas do ponto
de vista (PDV) através do posicionamento autoral defendido por
meio da modelização no ato de transpor conhecimentos, serão
analisados os excertos extraídos dos cadernos Introdução à Leitura16
- 1° período e Ensino de Gramática na Escola17 – 4° período, que
podem assim serem descritos:
65 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
Figura 2: apa do Caderno Ensino de Gramática na Escola 19
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acadêmica dos autores, sumário, apresentação geral do caderno,
lista de tabelas, gráficos, quadros e figuras (opcionais), divisão do
caderno em unidades, e boxes nas laterais do texto, contendo:
“Atividades”, questões “Para Refletir”, “Dicas de Estudo” e
“Glossário”.
A recorrência dessas ferramentas didáticas permite revelar
os mecanismos enunciativos, textualizadores e o gerenciamento
das vozes no discurso, os quais foram elaborados com o propósito
de tornar a transposição didática adequada ao contexto de ensino-
aprendizagem. Conforme se verá nos excertos abaixo.
Exemplo 1:
67 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
o autor orientando-se pela teoria da polifonia de Ducrot (1987)
defende o PDV de que o texto é construído de maneira múltipla,
pois é marcado pela “fala subliminar, de todos e de ninguém”.
Neste sentido, o autor cita Costa Val (2004) e assume a postura
enunciativa desubenunciação, ou seja, reporta a uma autoridade a
fim de promover a consistência do PDV defendido, ao discorrer
sobre a intertextualidade. No entanto, a citação por si só não
seria suficiente para que o leitor-aluno entendesse, conforme
pode ser observado no comentário do autor em “ou seja, alguns
textos…”. O autor dessa unidade faz com que o leitor se convença
de que seu ponto de vista encontra eco nas reflexões de Val. A
construção do modelo didático de gênero se realiza por meio desse
gerenciamento de vozes e na adoção de uma ferramenta presente
na unidade, a caixa de texto “dica”,empregada com o intuito de
o autor informar ao aluno que ele terá a oportunidade de “estudar
diferentes formas de fazer citação na disciplina Metodologia
Científica, ofertada no 2° período do curso.
Exemplo 2:
68 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
Bem longe de serem escritores, fundadores de um lugar próprio,
herdeiros doslavradores de antanho – mas, sobre o solo da linguagem,
cavadores de poços econstrutores de casas - os leitores são viajantes;
eles circulam sobre as terras deoutrem, caçam, furtivamente, como
nômades através dos campos que não escreveram,arrebatam os bens
do Egito para com eles se regalarem. (DE CERTAU,1994, p. 11).
69 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
Exemplo 3:
70 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
e sugestões de leitura por parte das professoras na produção do
material didático, estratégia adotada em todo o material em boxes
nas laterais do texto contendo, além das atividades e sugestões,
questões estimuladoras e dicas de estudo. Além disso, evidencia
uma postura co-enunciativa, pois os PDVs externos e internos
estão cocomitantemente organizados. Através da expressão:
“são oportunidades para você se tornar um aprendiz autônomo”, o
enunciador/locutor demontra seu PDV em que coloca-se no lugar
daquele que indica os caminhos, tendo em vista que o aluno é o
único responsável por se processo de aprendizagem.
Exemplo 4:
71 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
como os demais autores do caderno didático defendem o mesmo
PDV de que cabe à escola e ao professor a responsabilidade de
selecionar e sequenciar conteúdos.
Não obstante, atribui o mesmo acento valorativo “global” ao
utilizar a locução verbal havemos de concordar, que representa não
só o leitor-aluno, mas também o locutor e os autores. Ao realizar
a ressonância de vozes, o locutor a faz visando obter adesão ao seu
discurso, conforme pode ser observado na escolha do verbo“deve
”no imperativo, que em linhas gerais sugere a parametrização do
Ensino da Língua Portuguesa através do ensino dos conteúdos
básicos comuns da Língua Portuguesa (CBC/LP). Há também
a defesa do PDV de que o sucesso profissional do docente está
relacionado com a observância do CBC/LP e da transposição
adequada do que for “possível a seus alunos,... necessário, em
função dos objetivos do projeto educativo da escola”. . Por meio
disso, percebe-se o processo de modelização do gênero, tendo em
vista que os procedimentos dos locutores revelam as seguintes
características: “consulta aos especialistas; análise de um corpus
representativo do gênero; observação do contexto de ensino;
e seleção de dimensões ensináveis para o contexto de ensino”,
conforme visto em (BARROS; MAFRA, 2017, p. 7).
Últimas reflexões
72 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
apropriado a formação de professor de Língua Portuguesa pela
UAB/Unimontes.
Há de considerar ainda que na produção dos cadernos
didáticos tem a ação da instituição que elegue e determinou os
procedimentos teórico-metodológicos e a ação dos professores-
autores, que mesmo guiados por diretrizes institucionais escritas20,
assumem um posicionamento autoral que antecede a escrita
do gênero textual/discursivo. A mobilização de estratégias que
permite a configuração de um posicionamento enunciativo,
e de como cada voz autoral se apropria e gerencia outras
vozes na escrita do texto, sem deixar de considerar aspectos
composicionais, estéticos que se revestem na identidade do gênero
produzido,possibilitando a produção de um modelo didático de
gênero com identidade própria.
Referências
73 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
BARROS, Eliana Merlin Deganutti de; ROSA, Lidiane Escaravaco
Borges. A didatização do gênero textual “coluna de dúvidas de
português”. Revista Educação e Linguagens, Campo Mourão, v. 2, n.
3, p. 110-127, jul./dez. 2013.
FARIA, Vanessa Fabíola Silva de. Minha voz, tua voz, nossas vozes:
uma análise da responsabilidade enunciativa em artigos acadêmicos
científicos. Natal, 2015.
74 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
MACHADO, Irene A. Texto como enunciação. A abordagem
de Mikhail Bakhtin. Lín-gua e Literatura, n. 22, p. 89-105, 1996.
Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/article/
view/114125/112013>.
Acesso em 02 de dez. de 2017.
75 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
SANTOS, Cosme Batista dos. Um assunto puxa o outro: a representação
da coerência textual na formação do alfabetizador. Campinas: Instituto
de Estudos da Linguagem, p. 1-170, 2005. Disponível em: <http://
repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/269699/1/Santos_
CosmeBatistados_D.pdf>. Acesso em 17 de mar. de 2018.
76 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 51-76 – jan./jun. 2018
A ILUSÃO DA REVERSIBILIDADE COMO
PROPRIEDADE DO DISCURSO RELIGIOSO
Resumo: O discurso religioso possui propriedades que o definem como tal. Uma delas
é a chamada ilusão da reversibilidade, que consiste ilusória mudança de lado entre os
interlocutores, algo normal em qualquer discurso, mas barrado nos discursos autoritários,
sendo este o caso do discurso religioso. Entretanto, para que o discurso religioso se realize,
existe a ilusão da reversibilidade, possibilitando a impressão de que “Deus” se faz presente
no ato religioso e permitindo o alçar do fiel até ele. Além disso, o presente artigo traz
marcas do discurso religioso, dentre elas a performatividade, traço que, muitas vezes, é
o responsável pela ilusão da reversibilidade.
Introdução
77 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
que parte da noção de reversibilidade, inversão do posicionamento
do locutor com o do ouvinte nos discursos, algo comum a todos
os discursos e quase que anulado nos discursos autoritários,
dentre eles o religioso. Contudo, neste há a impressão, ilusão, da
reversibilidade.
Para seu intento, este trabalho apresenta três tópicos. O
primeiro apresenta o conceito da reversibilidade, mostrando que
a não reversibilidade é uma propriedade do discurso autoritário,
entre eles, do discurso religioso. O tópico seguinte versa sobre a
ilusão da reversibilidade no discurso religioso, apresentando a tese
de Orlandi (2003). Por fim, o último tópica trabalha as diversas
marcas do discurso religioso. Trata-se de um tópico necessário,
pois no segundo tópico é citada a performatividade como uma das
marcas do discurso religioso, logo outras marcas existem e devem
ser destacadas, a fim de auxiliar o entendimento do funcionamento
do discurso religioso.
78 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
Pela noção de reversibilidade, proponho não fixar de forma
categórica o locutor no lugar do locutor e o ouvinte no lugar do
ouvinte. Em minha perspectiva, esses polos, esses lugares, não
se definem em sua essência mas quando referidos ao processo
discursivo: um se define pelo outro, e, na sua relação, definem o
espaço da discursividade (ORLANDI, 2003, p. 239).
79 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
de uma memória, de uma memória do dizer anteriormente. Pode-
se dizer que a paráfrase reformula, mas, ao preservar certos pontos,
também visa a uma estabilização. Ao contrário da polissemia que,
por sua vez, promove a quebra e, consequentemente, representa um
deslocamento, uma ruptura na significação. Para Orlandi (2007,
p. 36), a polissemia “joga com o equívoco”.
Conforme a autora, o discurso autoritário procura
anular a polissemia, ou seja, busca a monossemia, que consiste
no estancamento do processo de ressignificação. Contudo,
não se pode afirmar que o discurso autoritário é um discurso
monossêmico, apenas que tende para isso, pois todo discurso é
incompleto, uma vez que tem relação com outros discursos e é
constituído por seu contexto imediato de enunciação e pelo seu
contexto histórico-social. Além disso, todo discurso “se institui
na relação entre formações discursivas e ideológicas”, assim, os
sentidos escapam do domínio do locutor. Segundo Orlandi (2003,
p. 240): “Poderíamos, então, dizer que todo discurso, por definição,
é polissêmico, sendo que o discurso autoritário tende a estancar
a polissemia”. Isto é, o discurso autoritário visa à contenção da
polissemia, já que procura não permitir a ressignificação de suas
“verdades”3, logo, busca somente a adesão e a submissão. Em suma,
o discurso autoritário visa somente à paráfrase, a fim de formatar
o pensamento daqueles que são seus alvos. Conforme as palavras
de Orlandi (2006, p. 24):
80 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
(procura-se impor um só sentido) em que o objeto do discurso (seu
referente) fica dominado pelo próprio dizer (o objeto praticamente
desaparece) .
81 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
a realidade e de produzir sentidos para ela, “à maioria é dado tão
somente o direito de concordar com essa interpretação e incluir-se
no rol dos seguidores conformados ou de se auto-excluir sempre
que optar pelo pensamento independente” (TONUS, 2002, p.
5). Esse fato é nítido, principalmente em coberturas jornalísticas
de acontecimentos políticos. Exemplo disso são as coberturas
feitas das manifestações ocorridas no Brasil, no início do ano
de 2015, bem como em anteriores, desde julho de 2013, durante
o torneio de futebol da Copa das Confederações. A mídia,
em geral, interpretou a realidade de maneira pouco imparcial,
homogeneizando o pensamento de que o governo é corrupto e
culpado pelas crises na economia, educação, saúde e outros.
Esse mecanismo afirmado por Tonus (2002, p. 6) é algo
facilmente visto no discurso religioso, nas igrejas em si, ao longo
da história, como, por exemplo, as excomunhões dos chamados
“hereges” feitas pela Igreja Católica, bem como o acesso permitido
somente aos sacerdotes aos livros sagrados e à interpretação dos
dogmas. Nas igrejas protestantes, houve também muita exclusão
e restrição às interpretações, mesmo logo após seu surgimento,
ocasião de intenso discurso de livre acesso à Bíblia. Como escreve
Tonus (2002, p. 6):
82 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
A menção feita por Tonus a Pêcheux (1997, p. 58), leva-nos
a suas palavras sobre a divisão social do trabalho de leitura, uma
divisão que não é novidade na história das sociedades. Seguem
suas palavras:
83 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
polissemia. Todavia, para que se realize, o discurso religioso
necessita da chamada ilusão de reversibilidade, o que é central
para Orlandi (2003, p. 251) e consiste na possibilidade de passar
do plano espiritual para o temporal e vice-versa. Segundo a autora,
isso pode acontecer de duas formas: 1) de cima para baixo (no
caráter performativo da religião), a ministração dos sacramentos,
a missa, as bênçãos, dentre outras coisas; e 2) de baixo para cima
(quando o homem se alça para “Deus”): visão, profecia, oração,
dentre outros. Trata-se de o ser humano entrando em contato
com o divino, em uma relação vertical, algo comum dentro da
religião cristã.
Segundo Orlandi (2003, p. 251), o “milagre é a confirmação
da ilusão da reversibilidade, da passagem de um plano a outro: nele
se juntam a interferência divina e a inexplicabilidade da ciência
dos homens”. Contudo, “qualquer que seja a forma de ilusão, trata-
se sempre de uma ilusão produzida e mantida dentro de regras”,
o que confirma a distância entre os planos – “Deus” (Sujeito) e
os seres humanos (sujeitos). Como dito acima, esse é o caso dos
performativos, os quais se encaixam nas chamadas marcas do
discurso religioso4, pois “para realizar esses atos, é preciso estar
investido de uma autoridade dada, ou pelo menos reconhecida,
pelo poder temporal, em condições muito bem determinadas,
em situações sociais bastante ritualizadas” (ORLANDI, 2003, p.
252), ou seja, somente os autorizados, normalmente os sacerdotes
ou sacerdotisas, a saber, pastores, padres e demais líderes, estão
autorizados e têm o poder de ministrar os sacramentos.
Ainda sobre os performativos, segundo Fiorin (2002, p.
170), “para que a ação correspondente a um performativo seja de
4
O último tópico deste artigo versa sobre outras marcas do discurso religioso. Estas demais
marcas foram trabalhadas separadamente para não haver quebra no assunto tratado aqui.
84 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
fato realizada, é preciso não somente que ela seja enunciada, mas
também que as circunstâncias de enunciação sejam adequadas”, o
que é facilmente compreendido, pois os atos religiosos ocorrem ou
no espaço sagrado ou em situações específicas, como um culto ou
missa, casamento, batismos, dentre outros, os quais, via de regra,
acontecem nos templos religiosos, às vezes fora deles, mas os
locais onde ocorrem acabam por possuir o sentido momentâneo
do templo. Outro exemplo, conforme Araújo & Franco (2010,
p. 251), está na palavra do padre durante uma oração (Oremos,
irmãos e irmãs...). Elas não resultarão em nenhuma ação se forem
proferidas em um supermercado ou em qualquer outro local que
não seja a instituição religiosa ou uma cerimônia religiosa realizada
em determinado local.
A performatividade confirma, ainda mais, a dissimetria
entre os planos, entre o Sujeito (“Deus”) e os sujeitos (seres
humanos). O primeiro institui, interpela, ordena, regula, salva,
condena, etc., os segundos respondem, pedem, agradecem,
desculpam-se, exortam, etc. Isso mostra que há uma distinção
grande entre os sujeitos, um demonstra o poder em relação ao
outro que, por sua vez, necessita da salvação que somente este
poder pode dar, por isso se submete ao discurso oficial da religião,
o qual o interpela e o faz seguir a ideologia em questão.
Orlandi (2003, p. 252-253) mostra que ser representante
no discurso religioso não significa estar no lugar de, mas estar em
seu lugar próprio, ou seja, não há a chamada retórica da apropriação,
conforme há em outros discursos, que é a transformação do sujeito
naquele do qual ocupa o lugar, exemplo disso tem-se no discurso
jurídico, no qual o juiz confunde-se com a própria justiça. No
discurso religioso, quem transmite a palavra de “Deus” o representa
legitimamente, mas não se confunde com Ele, conforme as
palavras da autora:
85 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
O representante, ou seja, aquele que fala do lugar de Deus transmite
Suas palavras. O representa legitimamente, mas não se confunde
com Ele, não é Deus. Essa, do meu ponto de vista, é a expressão
fundamental da não-reversibilidade. E daí a “ilusão” como condição
necessária desse tipo de discurso: como se fosse sem nunca ser
(ORLANDI, 2003, p. 253).
86 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
Esse desnivelamento entre Deus e o fiel, que se traduz por uma
relação de subordinação dos ocupantes do plano mortal com o
plano espiritual, intensifica a marca do autoritarismo do discurso
religioso (TORRESAN, 2007, p. 97).
87 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
da Libertação – Severino Croatto, que, na religiosidade7, o
sagrado se manifesta através dos símbolos – por exemplo, o
símbolo da eucaristia, ou da ceia para os protestantes –, que, por
sua vez, representam a linguagem fundamental da experiência
religiosa. Assim, Silva explica que os atos religiosos, litúrgicos,
representam símbolos, que nada mais são do que a representação
das revelações divinas e de sua presença em meio ao povo. Sendo
que uma consequência imediata disso é que “todo ato religioso é
compreendido como uma vivência específica do encontro entre o
ser humano e a simbologia do sagrado” (CROATTO apud SILVA
2011, p. 3), o que remete à noção de ilusão da reversibilidade de
Orlandi.
Todo esse processo faz com que os principais mediadores
entre o elemento humano e o divino “tornem-se obrigatoriamente
as lideranças religiosas resguardadas e protegidas pela concepção
teológica da doutrina da autoridade”. Além disso, as lideranças
instituídas são consideradas pela comunidade devota como porta-
vozes do sagrado. Assim, são as autoridades religiosas que, no
exercício de suas funções, atuam como principais responsáveis em
administrar, consagrar e descrever os significados dos símbolos.
Dessa maneira, “as instituições religiosas constituem-se assim
num espaço de interpretação, visto que atribuem aos elementos
simbólicos funções espirituais” (SILVA, 2011, p. 4).
Sendo assim, compreendemos que os representantes e
porta-vozes do sagrado, impostados pela chamada doutrina da
autoridade religiosa jamais se confundem com “Deus”. O que
há na relação entre esses interlocutores é uma ultrapassagem dos
planos a que pertencem, isto é, “Deus partilha com os homens
7
Aqui tem-se o termo religiosidade como o zelo religioso, as virtudes religiosas, não
como uma crença em si, a qual denomina-se religião, exemplo: cristianismo, hinduísmo,
dentre outras.
88 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
suas propriedades”, ou por outro lado, “o homem se alça até Deus”
(ORLANDI, 2003, p. 251). Assim, retomando as ideias de Silva
(2011, p. 5), o homem crê que atingiu qualidades atemporais,
como a onisciência e a onipotência, que de fato em si já denuncia
a presença de elementos inconsciente e ideológicos.
Ainda tratando da questão da ilusão da reversibilidade
propriamente dita, Orlandi escreve sobre dois tipos de ilusão, uma
legítima, a tentativa de ultrapassagem do ser humano em direção
a “Deus” e outra ilegítima, que consistiria em uma transgressão. A
pesquisadora escreve que “a ilusão da reversibilidade toma apoio
na vontade de poder”. Dessa forma, ter poder é ultrapassar. E ter
poder divino é ultrapassar tudo, é não ter limite nenhum é ser
completo” (ORLANDI, 2003, p. 253).
Isso é observado pela autora com base no maniqueísmo
existente na própria religião que há a ilusão da reversibilidade, que
cria o sentimento de identidade com “Deus”, sobre o que foi falado
até o momento. Contudo, existe outra forma de ultrapassagem,
ilegítima, ou seja, é uma transgressão. A autora afirma que seria
interessante um estudo sobre cada forma de transgressão, mas,
em suma, as transgressões nada mais são do que tentativas de se
ocupar um lugar nunca ocupado, contudo, ao ocupar um lugar
não ocupado se exclui, ou seja, quando procura ocupar o lugar
somente ocupado por “Deus”, automaticamente, o exclui desse
lugar, surge, então, a blasfêmia ou a heresia.
Sobre a blasfêmia, Orlandi (2003, p. 254) escreve um pouco,
baseada em estudos de Nancy Huston. Segundo esta autora, a
blasfêmia tornou-se preocupação obsessiva no cristianismo. Isso
porque a blasfêmia nada mais é do que o ultrajar a “Deus” por
pura malícia, uma vez que é algo que não prejudica ninguém,
apenas a “Deus” e de forma gratuita. Isso se faz por meio do uso
89 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
do nome de “Deus” em vão. Contudo, a nomeação demanda a
compreensão do objeto, mas “Deus” escapa à compreensão, logo
não deve ser nomeado como um objeto conhecido e palpável. Para
Huston, essa nomeação nada mais é do que a tentativa, a vontade
de ultrapassar a não reversibilidade: é o desejo de transgredir a
dissimetria dos planos, de se alçar ao lugar somente de “Deus”, é
uma gratuidade, fruto de uma liberdade que se quer sem limites.
Por fim, a busca pelo religioso, pela passagem dos limites,
encontra-se fora também dos espaços religiosos e acompanha o
ser humano em seu dia a dia. Assim, a manifestação da ilusão
da reversibilidade é encontrada em qualquer fragmento de
linguagem. Orlandi (2003, p. 255) exemplifica isso por meio do
papel do escritor, ou de qualquer ficcionista, pois são pessoas que
procuram exercer um papel de “Deus”, escolhendo o nascimento,
a vida e morte de uma personagem; determinando a época dos
fatos e sua ordem cronológica (são onipotentes em seus desejos),
além disso, muitas vezes, escrevem retratando os pensamentos
das pessoas, como seres oniscientes, sabedores dos desejos mais
macabros das pessoas, bem como seus sonhos, obsessões, medos,
dentre outras coisas.
90 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
Uso do imperativo e do vocativo:
91 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
dizerem e viverem determinadas coisas. É por meio do imperativo
que a religião determina e exige dos fiéis.
Uso de metáforas:
92 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
10
E levou-me em espírito a um grande e alto monte, e mostrou-
me a grande cidade, a santa Jerusalém, que de Deus descia do
céu. 11 E tinha a glória de Deus; e a sua luz era semelhante a
uma pedra preciosíssima, como a pedra de jaspe, como o cristal
resplandecente.12 E tinha um grande e alto muro com doze portas,
e nas portas doze anjos, e nomes escritos sobre elas, que são os
nomes das doze tribos dos filhos de Israel (Apocalípse 21:10-12
– Bíblia Sagrada).
93 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
contudo, seus ensinamentos (de Jesus) não deveriam ser
compreendidos pelas pessoas que estavam junto a ele e não
eram seus discípulos, pois, conforme o Novo Testamento afirma,
os judeus rejeitaram a vinda de Jesus, uma vez que esperavam
um messias político que derrubasse o poder Romano opressor
e sentasse em seu trono no templo de Jerusalém, o que não
ocorreu, já que o messias Jesus foi alguém que viveu à margem
da sociedade, logo, por não se enquadrar no perfil requerido pelos
judeus, foi rejeitado. Devido a isso, seus corações (linguagem do
texto em questão) foram endurecidos, a fim de que estes não
compreendessem as palavras daquele a quem rejeitaram. Contudo,
o propósito do presente trabalho não está em debater as ideologias
em questão, nem em discutir a fundo questões teológicas. Assim,
o trecho foi relatado a fim de informar que as parábolas (uso de
metáforas) – no caso dos ensinamentos de Jesus – tinham como
propósito confundir e não esclarecer, como se faz hoje em palestras
e sermões religiosos. Obviamente, que se pode explicar a questão
por meio das ideias de Foucault, o qual afirma que o discurso é
para os iniciados. As ideias foucaultianas serão abordadas no
capítulo seguinte.
94 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
em grego). As citações são feitas com o intuito de apresentarem
significações encontradas somente nas línguas originais, um
exemplo pode ser a explicação da palavra amor, muito comum
em sermões da passagem de João 21:15-17. Nesse trecho, Jesus
pergunta a Pedro se ele o ama (usando o termo agape, amor
incondicional), enquanto Pedro responde que sim, mas usando o
termo phileo, amor fraternal. Essa riqueza de significados somente
é alcançada por meio da busca das diferentes palavras para “amor”
na língua grega, uma vez que a língua portuguesa tem uma forma
única de representá-la. Entretanto, analisando o que há por trás
dessa atitude, pode-se afirmar que a citação dos originais atribui
mais autoridade ao pregador, uma vez que ele tem acesso a esse
conteúdo, a essa “verdade”, mas as pessoas “comuns” não, ou seja,
tem-se que acreditar no pregador, no porta-voz de “Deus”, porque
ele tem acesso a esse universo oculto e o traz aos fieis.
É interessante notar que um dos ideais da Reforma
Protestante do século XVI consistiu no acesso livre das pessoas
ao livro sagrado, contudo, mesmo com o acesso livre aos textos, as
fronteiras do saber limitado permanecem restritas aos sacerdotes
e letrados nas ciências bíblicas, uma vez que somente eles
conseguem acessar esse ambiente oculto. Essa limitação pode ser
melhor compreendida por meio dos comentários de Foucault no
que se refere à relação poder-saber.
95 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
Seguindo as ideias de Foucault, pode-se dizer que o
domínio de um saber faz com que haja a detenção de um poder,
pois quem controla o saber é quem se coloca na posição de
dominador. Conforme comentado anteriormente, quem possui
o saber do acesso aos textos originais (grego e hebraico), quem
possui o conhecimento teológico8 e é instituído pela religião, é
quem possui (detém) a revelação e é quem detém o poder, assim,
entre quem possui o poder-saber e quem não o possui, há uma
relação de poder determinada pelo conhecimento/saber.
Sendo assim, o discurso religioso passa a ser compreendido
como um discurso autoritário, marcado pelo bloqueio à
reversibilidade, porém sem a ilusão da reversibilidade, esse discurso
não se realizaria. Além disso, como todos os discursos, o religioso
também possui outras marcas que o caracterizam. Estas, mais
do que simples características, funcionam como mecanismos de
restrição, ou seja, somente aqueles aptos e autorizados a utilizarem
esses artifícios podem e são detentores do saber – entenda-se
saber como a correta revelação, que nada mais é do que aquela
fruto da interpretação de quem está no poder e possui as ciências
e autorização para fazê-la, ou seja, somente as revelações que
se encaixam na tradição em questão podem ser aceitas como
verdadeiras e dignas de transmissão.
Por exemplo: hoje existe um embate muito forte no meio
teológico entre a chamada Teologia Reformada, que vem desde a
Reforma Protestante no século XVI com Martinho Lutero e João
Calvino, e a denominada Teologia da Prosperidade, nascida há
8
Sobre a questão da formação teológica, que dá ciência das línguas originais, dentre outras
coisas, deve-se ressaltar que é uma característica do meio católico e das denominações
protestantes históricas, como a Metodista, a Presbiteriana, a Batista, a Reformada, dentre
outras. É necessário afirmar isso, pois muitas denominações mais novas não veem a
formação teológica como exigência para o exercício do sacerdócio, outras, mais que isso,
demonizam esse conhecimento ou o desconsideram por completo.
96 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
algumas décadas no Brasil e divulgada por igrejas como a Igreja
Universal do Reino de Deus. Esta prega que o crente deve possuir
riquezas e que essa é a vontade de “Deus”, contudo a Teologia
Reformada afirma que essa leitura é errônea (herética), pois foge
ao pregado desde a Reforma e ao ensino de Jesus, o qual viveu
de forma humilde, além de ser uma leitura que não utilizou de
estudos científicos confiáveis, como a retomada às línguas originais
(grego e hebraico), aos compêndios de teologia e a história dos
tempos bíblicos, dentre outros. Assim, essa revelação do texto
bíblico não seria correta, mas uma distorção do que se ensina a
Bíblia e a tradição cristã. Contudo, o que se deve ter claro é que
as correntes teológicas mencionadas acima, por serem distintas e
partirem de pressupostos diferentes, consequentemente, por meio
do discurso, produzem distintos efeitos de sentido, a partir de
perspectivas diferentes e de um funcionamento específico. Logo,
a divergência, antes de qualquer coisa, é fruto de interpelação
ideológica diferente.
Considerações finais
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performatividade, marca que está diretamente ligada à ilusão
da reversibilidade, afinal, é em um ato performativo que, muitas
vezes, tem-se a impressão de “Deus” presente, dele não apenas
como uma figura poderosa e transcendente, mas como um ser
que se faz real. Por exemplo, na performance da eucaristia ou do
batismo, ou mesmo do casamento.
Por fim, essas são algumas marcas do discurso religioso.
A ilusão da reversibilidade como algo que está na base de seu
funcionamento, as demais marcas como características que
se alternam em suas ocorrências. São aspectos que devem ser
observados e considerados nas análises discursivas feitas sobre
discursos religiosos de maneira diversa.
Referências
CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. 15. ed. São Paulo: Ática, 2002.
FIORIN, J. L. A Linguagem em Uso. In.: FIORIN, J. L. (org.) Introdução
à Lingüística: objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2002.
98 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
______. Discurso e leitura. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
99 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
TONUS, Loraci Hofmann. Do discurso enquanto constituinte da
realidade. In: Revista de letras. Curitiba, n. 5, 2002. Disponível em:
http://www.dacex.ct.utfpr.edu.br/loraci5.htm, acessado em 19/03/2015.
100 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 77-100– jan./jun. 2018
AS METODOLOGIAS DO ESTUDO DE CASO E DA
PESQUISA PARTICIPANTE PARA AVALIAÇÃO DO
USO DA INTERNET COMO FONTE
NO JORNALISMO IMPRESSO
1
Mestre em educação e especialista em gerência de unidades de informação pela Universidade
Estadual de Londrina – UEL, docente do Departamento de Comunicação da UEL e
pesquisador nas áreas de jornalismo impresso e de representação e organização da informação
e do conhecimento.
2
Graduado em Jornalismo pela UEL. Os demais coautores prestam homenagem a este coautor
prematuramente falecido e aqui lhe dão seu tributo e profundo agradecimento pela parte do
estudo que lhe coube desenvolver e o fez com a máxima competência e dedicação. Vita brevis.
3
Doutor em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo –
PUC-SP, docente do Departamento de Comunicação da UEL e pesquisador nas áreas de
semiótica e de representação e organização do conhecimento e da informação.
101 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
a source. Both methodologies proved suitable to indicate that preparation of the
professionals is still poor in handling this instrument and that the journalistic
role played by this media, despite its immense potential, still needs revising.
Keywords: Data mining. Case study. Participant observation. Print
journalism. Internet.
INTRODUÇÃO
102 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
do Paraná, e o recorte se definiu para o Caderno Cidades dessa
publicação. Trata-se de um jornal com circulação diária em mais
de 40 municípios da região e, nesse caderno, oferece notícias de
todas as áreas com ênfase não só na própria cidade de origem,
mas também de toda região e do estado.
A questão de pesquisa tem um caráter de investigação
associada à noção de mineração de dados no ambiente jornalístico,
e é expressa pela seguinte pergunta: De que modo a Internet
é aproveitada dentro redação do jornal, por repórteres, para a
construção das matérias, e o que essa forma de utilização revela a
respeito de como colocam a serviço de sua própria competência
as experiências facultadas pelo contato com a rede? O pressuposto
adotado é o de que uma observação direta dos passos seguidos pelos
profissionais, por meio do estudo de caso e do procedimento da
pesquisa participante tem amplitude suficiente para permitir uma
detalhada descrição e uma inferência a respeito da representação
e da organização da informação e do conhecimento nas temáticas
mencionadas. O objetivo geral é caracterizar a mineração de dados
no ambiente jornalístico. Os objetivos específicos são:
103 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
Os repórteres acompanhados serão identificados por
codinomes, e a referência ao uso da Internet é dividida nas
seguintes ações a) a Internet no início da matéria ou para realizar
uma entrevista; b) a Internet para acessar sites de notícias nacionais
e estaduais; c) a Internet para acessar sites de notícias locais; d)
a Internet para acessar sites de órgãos oficiais; e) Internet para
buscar informações auxiliares para as matérias; f ) também o
uso do MSN e do e-mail; g) uso dos sites de busca e a cópia de
material retirado da rede.
Os tópicos deste texto estão sequenciados, inicialmente, com
uma conceituação das metodologias seguida de sua associação com
o conceito de mineração de dados, para sustentar a subsequente
descrição das rotinas de busca na Internet. A inferência geral
do estudo é realizada após a apresentação da análise na seção
resultados e discussões e generalizadas nas considerações finais.
A contribuição buscada com este estudo é oferecer, a estudantes e
pesquisadores, um recurso avaliativo que possa apoiar observações
sobre como estão realizando seu trabalho diante do vasto material
disponível na rede.
MATERIAIS E MÉTODOS
104 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
Stake (apud ALVES-MAZZOTTI, 2006, p. 641-642)
distingue três tipos de estudos de caso a partir de suas finalidades:
intrínseco, instrumental e coletivo. No estudo de caso intrínseco,
busca-se melhor compreender uma situação apenas pelo
interesse originado pela questão em particular; o caso intrínseco
não pretende entender um fenômeno genérico, mas sim um
acontecimento interessante e singular. Aqui, o estudo não é
empreendido primariamente porque o caso representa outros
casos, ou porque ilustra um traço ou problema particular, mas
porque, em todas as suas particularidades e no que têm de comum,
este caso é de interesse em si.
Esta pesquisa se caracteriza por ser um estudo de caso
intrínseco, pois não se buscou compreender um fenômeno mais
genérico mais sim como os jornalistas de um jornal impresso
usam a Internet para fazerem matérias locais. Este também
é um estudo único pois teve seu foco em um pequeno grupo
específico de jornalistas. Mais qual a importância de se observar
um caso único? Os pesquisadores relatam seus casos sabendo que
eles serão comparados a outros e, por isso, buscam descrevê-los
detalhadamente, para que o leitor possa fazer boas comparações:
“por meio de uma narrativa densa e viva, o pesquisador pode
oferecer oportunidade para a experiência vicária, isto é, pode
levar os leitores a associarem o que foi observado naquele caso
a acontecimentos vividos por eles próprios em outros contextos”
(ALVES-MAZZOTTI, 2006, p.648).
Na coleta de dados, a metodologia pode basear-se em várias
técnicas; as mais importantes para Yin (2001) são: documentação,
registros em arquivos, entrevistas, observação direta, observação
participante e artefatos físicos. Nesta pesquisa, foi utilizada
a técnica da observação participante. A importância dessa
105 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
técnica está no fato de poder captar uma série de situações ou
fenômenos que não são obtidos através de perguntas. A observação
participante estabelece uma relação face a face entre o pesquisador
e os observados “uma vez que o observador inserido diretamente
na realidade do objeto, transmite o que há de mais imponderável
e evasivo na vida real.” (CRUZ NETO,1998, p.62)
Este trabalho é um relato obtido pelo acompanhamento
dos profissionais e eventuais questionamentos sobre as razões de
alguma atitude por eles tomada.
106 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
qualitativas fazem emergir o funcionamento complexo de
estruturas e formas de organização difíceis de observar.
Cardoso e Machado (2007, p.497) situam a mineração
de dados (data mining) como “técnica que faz parte de uma das
etapas da descoberta de conhecimento em banco de dados. Ela
é capaz de revelar, automaticamente, o conhecimento que está
implícito em grandes quantidades de informação.” Acrescentam
que, para o ambiente mutável dos dias de hoje, ela agiliza o
processo de extração das informações relevantes, provenientes
de um banco de dados, e auxilia na análise antecipada de eventos
com a vantagem de habilitar a fazer previsões sobre tendências
e comportamentos futuros. Os autores lembram, também, que
o emprego da mineração de dados é capaz de fazer entender o
comportamento dos dados, identificar afinidades entre dados,
prever hábitos (CARDOSO E MACHADO, 2007, p.497).
Lima Junior (2006, p.119) assevera que a agilidade e a
eficiência do banco de informação de um jornal são diretamente
relacionadas às condições de atualização e ganho de credibilidade
desse mesmo jornal. Enfatiza que “com tecnologia avançada,
os sistemas de processamento, armazenamento, controle,
recuperação e disseminação da informação permitem gerenciar
as bases de dados e material informacional em texto e imagem.”
Segundo seu ponto de vista, o jornalista se vê imerso num mar de
informação digital que torna sempre mais complexa a tarefa de
busca e processamento, sobretudo de informações consolidadas
e contextualizadas (LIMA JUNIOR, 2006, p.120). A Internet
no modo www, a busca de URLs e a informação encontrada por
meio do Google facilitaram a tarefa do jornalista, “mas existem
as questões da imprecisão dos dados, da credibilidade das fontes
e da enorme quantidade de informações não solicitadas, que
107 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
aparecem na tela do computador quando é realizada uma pesquisa
em mecanismos de busca” (LIMA JUNIOR, 2006, p.122).
Barbosa e Lima Junior (2007) evidenciam a redução
informativa que se instala na cadeia perceptiva que se forma entre
o jornalista e o usuário final da informação. Na visão dos autores,
a causa desse processo tem a seguinte explicação:
108 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
Durante quatro dias, a observação participante foi feita na
redação do jornal onde se acompanhou in loco quatro repórteres
que produzem matérias sobre a cidade, além de acompanhar o
editor, pauteiro e diagramador durante o período em que estavam
fazendo as pautas para a editoria.
A REDAÇÃO
4
Releases são matérias feitas por assessorias de imprensa que oferecem informações para mídia
sobre fatos que envolvam o assessorado. O release deve ser ao mesmo tempo de interesse
público e institucional e pode ser usado como pauta para uma empresa jornalística, além de
também poder ser publicado completo ou parcialmente.
5
No caso do jornal estudado, quando há pouco tempo para fechar o caderno, o próprio
repórter faz a diagramação de sua matéria, que depois é revisada pelo editor. Quando há um
tempo maior, o editor tem esta função.
109 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
redação impressa, ainda funcionam a redação do site e também, no
mesmo espaço, são desenvolvidos serviços gráficos terceirizados.
ACOMPANHAMENTO in loco
Pauteiro, 18 de setembro6
Chega à redação ao meio-dia para fazer as pautas da
editoria, mas como desempenha mais de uma função no jornal,
e as pautas não são institucionalizadas, traz apenas uma visão
geral do assunto; é o repórter que deve buscar informações mais
detalhadas e as fontes para matéria. Devido ao pouco tempo que
tem, usa pautas de gaveta7, que são feitas no dia anterior, além de
acompanhar o rádio para saber as últimas notícias policiais e sobre
algum evento, os releases recebidos pelo e-mail e a Internet para
buscar assuntos nacionais que possam tem repercussão.
Durante o tempo em que o editor foi observado, notícias da
Internet foram usadas para repercussão local de dois assuntos, um
sobre o projeto do Governo Federal “Primeiro Emprego” e outro
sobre a greve dos Correios. O pauteiro sempre confere seu e-mail
para saber se há releases ou informações sobre um acontecimento
local interessante que possa ser usado para fazer uma pauta, além
de fazer alguns contatos com fontes por telefone para tomar
conhecimento de fatos novos.
Durante o tempo que fez as pautas até a reunião para
discuti-las, além de usar a Internet para procurar assuntos que
possam repercutir na cidade, também utilizou-a para manter-se
6
Os dados observados são apresentados em cronologia apenas para assegurar a descrição de
um cotidiano e para inserir o contexto em que se encontra a produção de notícias locais.
7
Em jornalismo, uma pauta ou matéria de gaveta é aquela que já está pronta e é
utilizada em um momento posterior.
110 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
informado acessando os sites: Folhapress, UOL, RPC, Gazeta
Esportiva, ClicRBS, e Zero Hora. Os sites visitados serviram para
buscar, tanto informações que foram úteis para o jornal quanto
informações para seu conhecimento pessoal, como no caso do
site Gazeta Esportiva.
Além dos sites, o programa Windows Live Messenger
(MSN)8 ficou aberto durante todo o tempo e foi usado para tratar
de assuntos pessoais que não tinham nenhuma relação com suas
funções no jornal. A pauta foi concluída as 13h20; são duas ou
três folhas do tamanho A4, e cada pauta contendo de três a cinco
linhas sobre cada assunto. Após a pauta impressa, a reunião começa
quando chegam os outros jornalistas, o que acontece as 13h30.
As pautas são discutidas por todos que opinam sobre os assuntos,
indicam fontes e possíveis abordagens para a matéria. Neste dia,
em especial, a reunião foi um pouco mais extensa, pois também se
discutiram as mudanças de horário e remanejamento de pessoal
que ocorreriam no jornal. A reunião foi encerrada às 14h10.
8
Software desenvolvido pela Microsoft que permite a troca de mensagens e arquivos
em tempo real com outros usuários conectados ao programa
111 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
entrevistado. River também afirmou que usa a Internet quando
faltam informações sobre uma matéria, “ela (Internet) é usada para
fazer pesquisas e não para fazer as matérias” explica.
Durante a maior parte do tempo, River ficou decupando
a gravação da abertura do Seminário e a entrevista que havia
feito. Quando começou, de fato, a fazer sua matéria entrou
no site da Prefeitura para colher mais informações sobre o
Seminário através de matérias feitas pela agência da Prefeitura
e também para contextualizar os dados que o entrevistado havia
lhe passado. Enquanto estava fazendo sua matéria, River copiou
algumas informações do site da Prefeitura e utilizou diretamente
em seu material; eram quatro linhas do site que falavam sobre a
programação do Seminário.
Enquanto escrevia sua matéria, River entrou nos sites da
Folha Online, UOL e ANJ com o intuito de se manter informado.
Quando já estava quase concluído seu trabalho, entrou em sites
oficiais a fim de buscar informações que pudessem render uma
pauta. Apesar de não ser responsável pela pauta, River diz ainda
manter os costumes adquiridos quando trabalhava no rádio, que
é o de vasculhar sites oficiais atrás de informações.
Os sites visitados foram: Bombeiros de Cascavel (onde todas
as ocorrências registradas no Paraná ficam disponíveis), Jornal
do Supremo Tribunal Federal, Câmara dos Deputados, Senado
Federal, Polícia Federal, Jornal do Tribunal de Contas da União,
Assembleia Legislativa do Paraná, Imprensa Nacional, Agência
Estadual de Notícias e Procuradoria Geral da República. No site
da Imprensa Nacional, onde é publicado o Diário Oficial da União,
descobriu que uma verba federal destinada à Secretaria de Saúde
do Município estava bloqueada porque a Secretaria havia deixado
de mandar alguns documentos exigidos na data estipulada. River
112 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
imprimiu a página do Diário Oficial que continha essa informação
e disse que sugeriria este assunto como uma possível pauta para
o dia seguinte.
O Editor do caderno Cidades pediu ajuda para que River
procurasse o nome dos promotores de duas cidades da região, e
se havia algum que tinha assumido recentemente o cargo. Isso era
para ajudar na reportagem de outro jornalista. River acessou o site
da Procuradoria Geral da República, pegou os nomes e passou
para o editor. Às 19 horas, acabou sua matéria sobre o Seminário
de Educação Integral e mandou para edição.
113 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
site da Suderhsa e, ao acessar o site, procurou informações sobre
a superintendência. Descobriu que ela é subordinada ao IAP
(Instituto Ambiental do Paraná), e também tentou telefonar
para o responsável pelo primeiro laudo. Quando ligou para a
superintendência, descobriu que este primeiro responsável já
não trabalhava mais lá, mas o atual responsável disse não haver
nenhum problema ambiental impedindo a construção do Senac
e que o laudo liberava a obra.
As 14h20, Mela saiu da redação com o fotógrafo para ir até
à Prefeitura tentar conversar com o Prefeito sobre a pendência.
Quando chegou na prefeitura, descobriu que ele já tinha saído
para o Seminário sobre Educação Integral. Mela, então, tentou
falar com o procurador jurídico da Prefeitura, que ligou para o
Prefeito para saber se poderia comentar o assunto.
O procurador chamou Mela para ir até sua sala, onde
entregou um dossiê sobre o caso e defendeu a posição da Prefeitura
a favor da construção. Às 15h20, Mela voltou para redação e
iniciou a análise do dossiê. Após ler alguns tópicos, começou a
escrever sua matéria. Logo parou de escrever e resolveu começar a
outra matéria sobre a briga no Sindicato. Acessou o site local para
poder se inteirar do assunto e ter mais informações. Por telefone,
conversou com a secretária do Sindicato e com fontes na Policia
Militar a fim de saber informações sobre o boletim de ocorrência
que foi registrado e descobriu que ele havia sido cancelado.
Mela voltou para a matéria sobre o Senac e procurou, no
Google, a resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio
Ambiente) que trata sobre as áreas de preservação ambiental.
Ao ler a resolução, ficou em dúvida, pois nela consta como área
de brejo sendo natural ou provocada pelo homem. O laudo da
Suderhsa afirma que o terreno é uma área de brejo provocada por
114 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
esgoto e pela vazão de um lençol freático. Mela se mostrou confusa
entre o que diz o laudo e a resolução do Conama. Comentou,
então, que a Internet é fundamental no trabalho de jornalista: “às
vezes não tem nada sobre uma matéria, então pega uma (matéria)
nacional para ter como base, também se usa muito a Internet para
saber o significado de siglas” declara.
Ao escrever a matéria, utilizou o motor de busca da
Microsoft, Live Search, que já vem com uma barra de busca
agregada ao navegador Internet Explorer, para saber o que
significa a sigla Suderhsa; logo após ligou para o promotor do
meio-ambiente e o entrevistou por telefone. O promotor disse
que embargaria a obra caso ela começasse e que não falaria
mais sobre o assunto. Assim que desligou o telefone, recebeu a
ligação do Prefeito para se posicionar sobre a questão. O chefe
do executivo municipal se disse a favor da construção, e pediu
para que a repórter não divulgasse a informação de que havia um
dossiê preparado pela Prefeitura sobre o tema.
Mela com essas declarações terminou sua matéria e
voltou para a do Sindicato, entrou no site do Live Search para
ver se havia alguma informação nova sobre o tema, mas nada
encontrou. Quando começou a redigir a matéria, usou, como
base, as informações do site local, além dos telefonas para a Policia
Militar e para a secretária do Sindicato. As duas matérias foram
enviadas para o editor às 19 horas.
Enquanto fazia seu trabalho, Mela ficou conectada ao
MSN, mas somente conversou assuntos pessoais, sem nenhuma
ligação com o jornalismo. Até mesmo com o Editor do Caderno,
que também estava conectado, conversou sobre questões
trabalhistas. Por muitas vezes, também entrou no site Yahoo para
ver seu e-mail e, além disso, acessou os sites da Folha de Londrina
115 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
(leu as últimas notícias de Londrina), RPC, Gazeta do Povo (as
notícias do Paraná), Globo.com, Jornal News e Hotmail. Antes
de ir embora, entrou novamente no site da Folha de Londrina
para ler uma matéria sobre um investigador que havia sido preso
por abuso de autoridade.
116 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
para ter como base para essa. Usou o material anterior para
contextualizar o leitor sobre o que tinha ocorrido e, somente
depois, utilizou as novas informações da entrevista. Timo, após
começar a redigir seu texto entrou no site do Google para ter
informações sobre a diocese de Cidade, “a Internet é utilizada
quando se tem dúvidas sobre um assunto. Entro no Google para
buscar informações auxiliares”. No Google encontrou o site da
Diocese onde pegou informações sobre quando o religioso foi
ordenado Bispo e durante quantos anos ficou à frente da Igreja,
também procurou a data de quando foi inaugurada a Diocese e
de como se escreve corretamente o sobrenome do Bispo Emérito.
As 15h30, chegou, na redação do jornal, o responsável pelo
trânsito de Cidade e o chefe do Detran da Cidade. Ambos iriam
falar sobre a Semana de Trânsito e também queriam divulgar
um passeio motociclístico que aconteceria no domingo, a fim de
conscientizar os jovens sobre a importância dos equipamentos
de segurança no trânsito. Entregaram, para Timo, vários folders
sobre a campanha, e a entrevista acabou às 16 horas.
Timo voltou a fazer sua matéria sobre o Bispo e a terminou
as 17 horas, quando fez uma pausa para o café que durou 20
minutos. Quando voltou, começou a fazer sua segunda matéria,
sobre a Semana de Trânsito. Com todo material que tinha, Timo
levou um tempo para organizar tudo e começar a fazer seu texto.
Além da entrevista com o 2º Tenente e com o chefe do Detran,
também usou o material que lhe foi entregue para se inteirar sobre
o tema. Timo entrou no Google para buscar mais informações
sobre o assunto e para descobrir qual o foco da campanha, que
neste ano foi os jovens na direção. Também entrou no site do
Denatran que achou no Google para ter mais informações.
Declarou: “a Internet é útil para buscar dados gerais da campanha
117 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
e trazer para o local”. Timo entrou no site do Pindavale que trazia
uma matéria sobre a Semana, então copiou duas linhas do site
para usar em seu material. O trecho copiado falava da data da
realização da campanha e sobre seu tema.
Timo terminou a matéria às 19 horas, quando mandou
esta e a do Bispo Emérito para a edição. No período em que fazia
seu trabalho, ficou com o MSN aberto e o utilizou para tratar de
assuntos pessoais; acessou os sites da Folha de Londrina, UOL
e RPC e, além disso, verificou algumas vezes seu e-mail pessoal.
118 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
ao público infantil e da parte de aniversários da coluna social9.
Enquanto sua matéria sobre viroses não andava, ela trabalhou
na coluna social colocando as fotos e suas respectivas legendas.
Depois disso começou a redigir sua reportagem especial sobre
gravidez na adolescência.
Todos os dados e entrevistas para a reportagem especial já
haviam sido levantados durante a semana e neste dia, Jasque se
dedicou somente em juntar o material e redigir o texto. Então ligou
para uma enfermeira no Posto de Saúde para saber a estatística de
gravidez na adolescência em Cidade. As 16h30, ainda não havia
conseguido falar com ninguém sobre viroses e continuou fazendo
a reportagem especial.
As 17h20, um dos médicos retornou a ligação, então Jasque
disse que já não dava mais tempo para entrevistá-lo e fazer a
matéria. Falou, no entanto, que na outra semana, certamente a
matéria sairia, e ela voltaria a falar com ele. Jasque comunicou, ao
editor, que disse que poderia deixar este assunto para outro dia
pois o jornal já está com pouco espaço.
As 17h30 o editor pergunta se ela já tinha conversado
com alguém do Sindicato dos Correios, ela disse ter esquecido
e imediatamente fez a ligação. Sua fonte no Sindicato informou
que haveria uma reunião as 18 horas e, assim que fosse decidido
algo, ele ligaria para informá-la. Até o momento que estava na
redação, a fonte do Sindicato não ligou e nem Jasque se lembrou
de ligar. Isso se mostrou quando ela já estava indo embora e o
editor perguntou o que tinha acontecido no sindicato, Jasque falou
que havia se esquecido de ligar e o editor disse que ele mesmo
faria a ligação.
9
Caderno do jornal que traz informações sobre personalidades famosas da sociedade
de uma cidade, região ou país.
119 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
Quando era por volta das 18 horas, o boneco10 da coluna
social foi impresso, e Jasque fez as últimas correções antes de
mandá-lo para gráfica. Também nesse tempo, começou a fazer
sua matéria de sábado sobre um homem que havia feito um barco
usando 200 garrafas pet. Começou a matéria, mas nem chegou
a acabá-la; disse que voltaria no jornal no sábado de manhã para
finalizá-la. Também seria no sábado, pela manhã, que as fotos do
barco na água seriam feitas para saber se a invenção realmente
funcionava.
Durante o período em que esteve desenvolvendo suas
matérias Jasque entrou nos sites do UOL, RPC, Folha Online,
Folha de Londrina e Gazeta do Povo. Em todos os sites, observou
somente a manchete que cada um trazia. Também neste período,
ficou conectada ao MSN, em seu e-mail do Hotmail e no site de
relacionamentos Orkut.
A VOZ DO OBSERVADOR11
10
Modelo em menor escala e qualidade da página do jornal antes de ser impressa
que é usado para corrigir possíveis erros gramaticais, de informação e diagramação
11
Os dados coletados com as observações gerais também não compõem a análise deste trabalho
são para ilustrar como a Internet é usada na redação
120 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
e Economia, em que há apenas um responsável para cada assunto.
Entre um grande número de matérias que chegam via agências, há
uma seleção do que entra na edição, além de escreverem colunas
assinadas e notas sobre acontecimentos de Cidade.
O motor de busca Google também é bastante utilizado. Nas
observações gerais, vi que os jornalistas normalmente o usam para
buscarem informações e adicionar alguma coisa em suas matérias.
Pude presenciar o Google sendo usado para buscar informações
sobre os homicídios ocorridos na região, para procurar informações
sobre a chegada da primavera, e a previsão de chuvas para região,
buscar informações sobre futebol, política e também notei que,
na produção do Jornal, usa-se bastante o Google Imagens para
apanhar ilustrações para as matérias.
121 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
Quadro 1 – Organização da informação
122 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
A internet utilizada para fazer pesquisa antes de se começar a
matéria ou fazer uma entrevista
River, antes de sair para realizar a entrevista com o
palestrante do Seminário de Educação, procurou uma
declaração do Ministro da Educação, no site do Senado
Federal, sobre a educação em período integral.
Mela, antes de começar sua matéria sobre o Senac usou
a Internet para obter informações sobre a Suderhsa e,
através do Google, encontrou o site da Superintendência
e leu informações relativas ao órgão. Mela, antes de
começar sua matéria sobre a briga no Sindicato dos
Servidores Municipais da Cidade, também acessou o site
local, para melhor se informar sobre o assunto e ter uma
base para sua matéria.
Timo pesquisou, no Google, informações sobre
problemas cardíacos, antes de sair para a entrevista com o
Bispo Emérito da Cidade e também usou a Internet para
se inteirar sobre a Semana de Trânsito. De novo, através
do Google, encontrou o site do Denatran e descobriu o
foco da campanha que foi os jovens na direção.
Jasque não utilizou a Internet antes de começar suas
matérias.
123 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
de Londrina, leu as últimas notícias sobre Londrina e
também uma matéria sobre um investigador que havia
sido preso por abuso de autoridade. No site da Gazeta do
Povo, leu as manchetes relacionadas ao Paraná.
Timo visitou as páginas da Folha de Londrina, UOL e
RPC. Em todos os sites, leu as manchetes que estavam
na página principal.
Jasque visitou os sites do UOL, RPC, Folha Online, Folha
de Londrina e Gazeta do Povo, e se informou lendo as
manchetes da página principal.
124 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
Seminário Regional de Educação Integral. No site da
Imprensa Nacional, acessou o Diário Oficial da União e
descobriu que uma verba destinada a Secretaria de Saúde
estava bloqueada por faltar documentos exigidos. Além
desses sites, River também acessou os sites do Supremo
Tribunal Federal, Câmara dos Deputados, Senado
Federal, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União,
Assembleia Legislativa do Paraná, Agência Estadual de
Notícias e Procuradoria Geral da República. Nestes sites,
buscou informações que eventualmente pudessem ser
transformadas em matérias.
Mela acessou o site da Suderhsa para obter informações
sobre a superintendência para sua matéria sobre a
construção do Senac, e também buscou a resolução do
Conama sobre as áreas de preservação ambiental, para
elucidar pontos sobre a pendência na construção do
Senac em Cidade
Timo visitou o site do Denatran para obter informações
sobre qual era tema Semana de Trânsito. Também entrou
no site da Diocese de Cidade para saber quando o Bispo
Emérito foi ordenado e durante quantos anos ficou à
frente da Igreja. Também procurou a data de quando foi
inaugurada a Diocese e de como se escreve corretamente
o sobrenome do Bispo Emérito.
Jasque não acessou nenhum site oficial.
125 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
site para contextualizar a entrevista que havia feito, além
de copiar informações do site.
Mela usou a Internet para obter informações sobre a
pendência da construção do Senac; buscou a resolução do
Conema para entender o que dizia o laudo da Suderhsa
sobre áreas de preservação e para procurar detalhes sobre a
briga no Sindicato dos Servidores Municipais de Cidade
no site Notícias de Cidade. Usou todas essas informações
para ter como base para sua matéria.
Timo acessou o site da Diocese de Cidade para obter
informações sobre o Bispo Emérito e a diocese de Cidade,
e para saber mais sobre a Semana de Trânsito, entrou
nos sites do Denatran onde se informou sobre o tema
da campanha. No site Pindavale, tirou informações para
matéria, além de copiar uma parte da matéria do site.
Jasque não usou nenhum site para buscar informações
auxiliares
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site da Diocese de Cidade, também utilizou o Google para
obter informações sobre a Semana de Trânsito. Acessou
o site do Denatran através da pesquisa feita no Google
Jasque não usou nenhum site de busca.
127 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
Resultados e discussão
128 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
assim, River disse que só faz isso pelo hábito herdado de seu antigo
emprego, em uma rádio da Cidade.
Os jornalistas ainda se veem perdidos na rede e não sabem,
ao certo, como garimpar aquilo que realmente é importante para
a profissão, perante às milhões de páginas disponíveis. No caso
dos repórteres Timo e Mela, que também entraram em sites
oficiais para obterem informações para suas matérias, os dados
que eles pesquisaram formam superficiais, tais como buscar o
nome de algum encarregado ou algum telefone. Não se usaram
os sites oficiais como uma ferramenta para procurar informações
novas, mas apenas uma pesquisa direcionada, em que já estavam
orientados a encontrar uma determinada informação, e não se
interessaram em procurar dados novos, seja sobre a matéria na
qual estavam trabalhando, seja sobre algum outro assunto que
poderia render outra reportagem.
Antes de saírem para realizar suas entrevistas, os jornalistas
não efetuaram nenhuma pesquisa mais profunda sobre o tema que
deveriam tratar. Foram apenas pesquisados tópicos superficiais,
dedicou-se um tempo muito curto, algo de cinco minutos ou
menos, lendo sobre o assunto. Os repórteres vão a campo sem uma
preparação adequada para realizar as entrevistas, e isso fica claro
na qualidade das perguntas elaboradas; são questões superficiais
e, muitas vezes, o repórter fica perdido no assunto quase sem ter
o que perguntar. Mesmo afirmando que usam a Internet para
pesquisarem sobre um assunto, essa busca é bastante superficial;
é feita de uma maneira rápida e sem observar se o site que estão
acessando é de uma fonte confiável, além de a leitura do material
pesquisado ser muito rápida e sem aprofundamentos.
Ao usar a Internet para buscar informações auxiliares para
suas matérias, os jornalistas também utilizam a rede maneira
129 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
superficial, geralmente uma leitura rápida, e poucas fontes de
informação além das que a matéria exige são procuradas. No caso
de Mela, ao encontrar a resolução do Conema no Google, buscou
diretamente o ponto que lhe interessava, não leu toda resolução
para saber se haviam mais tópicos que tratavam sobre a questão
da preservação de áreas de nascente e brejo. Timo, ao entrar no
site do Denatran buscou saber o tema da campanha e, em seguida,
já fechou o site, não procurou nenhuma outra informação sobre
a campanha que talvez pudesse ser mais interessante do que as
que já possuía.
Os jornalistas observados usaram a Internet para se
manterem informados, acessando a versão online de veículos
impresso que são colocados como fonte de informação confiável
como da Folha Online, Folha de Londrina, Estadão, RPC, Zero
Hora, o portal UOL, e também os sites de notícias específicos da
Cidade e região. Nenhum jornalista visitou fontes alternativas de
informações oriundas exclusivamente da rede, como os blogs. Há
uma resistência dos jornalistas quanto ao uso dessas fontes, por
ainda não haver um vínculo de confiança com as novas linguagens.
Mesmo usando muito a Internet, ela ainda está muito ligada à
cultura do impresso.
Mesmo os sites de notícias de fontes confiáveis visitados,
não foram lidos pelos jornalistas. O site era acessado, liam-se as
manchetes da página principal do site ou de alguma editoria e
depois disso já se entrava em outro site repetir o mesmo processo.
A única repórter que chegou a ler uma matéria foi Mela que, no
site da Folha de Londrina, se informou sobre um investigado
que foi preso por abuso de autoridade. Houve casos que os
repórteres entraram em sites de notícias, mas com o intuído de
buscar informações auxiliares ou para terem como base para
130 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
suas matérias, como aconteceu com River que entrou no site da
Prefeitura para ler uma matéria sobre o Seminário de Educação;
Timo que acessou o Pindavale para ler uma matéria sobre a
Semana de Trânsito e Mela que entrou no Cidade Notícias para
se informar sobre a briga no Sindicato.
Outra observação feita no acompanhamento desses
jornalistas foi que ferramentas como o MSN e o e-mail são usados
apenas para tratar de assuntos pessoais, quando poderiam ser de
grande utilidade na redação, agilizando o processo de comunicação
com outros repórteres, editores ou, até mesmo, podendo ser
usado para contatar fontes e realizar entrevistas. Os jornalistas
usam o MSN e o e-mail para conversas pessoais com parentes e
amigos e até mesmo com outros jornalistas da redação; nenhum
dos observados usou estas ferramentas para fazer realizar uma
entrevista. Neste caso, o telefone ainda se mostra indispensável,
talvez pelo fato de não se saber quando a fonte irá verificar sua
caixa de e-mail ou se conectar no MSN. Como, numa redação,
cada minuto perdido pode atrasar o envio do jornal para a gráfica,
os jornalistas não se arriscam em perder tempo.
Os motores de busca podem ser considerados como o
portal entre os jornalistas e a rede. São estes sites, principalmente
o Google. Somente a repórter Mela usou outra ferramenta de
busca, o Live Search, que funciona como fonte de ligação com
a rede, pois uma parte considerável das informações disponíveis
na Internet estão indexadas nestes sites. Os motores de busca
são usados para procurar todo tipo de informação. O repórter
Timo usou a ferramenta antes de sair para uma entrevista, para
saber sobre problemas cardíacos e também usou o Google para
procurar o site do Denatran e obter informações sobre a Semana
de Trânsito. A repórter Mela usou o Google para saber qual o
131 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
site da Suderhsa, para ter acesso à resolução do Conema, além de
usar o Live Search para saber o que significa a sigla Suderhsa e
obter informações sobre uma briga no Sindicato.
De um ponto de vista de mineração de dados, desde
os mais simples até os mais apurados, os jornalistas não
aprenderam a se locomover na rede com toda agilidade com que
já fazem pessoalmente ou que aprenderam a ter pelo telefone.
A contribuição que a Internet dá, ao jornalismo impresso, é
secundaria na produção das matérias. Com exceção de Mela,
que buscou a resolução do Conema, nenhum outro procurou
informações mais aprofundadas sobre os assuntos que tratavam e,
mesmo no caso de Mela, foi feita uma leitura rápida da resolução.
A Internet poderia ser mais bem utilizada na investigação
de determinados assuntos: os jornalistas poderiam buscar
informações em sites de órgãos governamentais, ONG’s,
instituições de ensino e pesquisas, sites dedicados à publicação
cientifica. Há uma infinidade de possibilidades à espera na rede,
que podem ser facilmente acessadas, mas que ainda parecem
estar escondidas do jornalista, seja pela falta de domínio que se
tem sobre a rede, seja pela falta de interesse em se buscar fontes
alternativas de informação.
Considerações finais
132 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
pesquisador pode influir nas ações dos pesquisados, ou que uma
análise crítica do que foi observado deixe de ser feita devido a este
envolvimento. Na experiência dentro da redação do jornal, não se
notou nenhuma modificação no comportamento dos repórteres
em função da presença do observador. Cada um realizou o trabalho
do modo como sabe e gosta de fazer, inclusive, expondo maneiras
de trabalhar que podem ser questionadas por professores dos
cursos de Jornalismo.
Os quatro jornalistas acompanhados continuaram a ter
conversas informais e comentaram francamente como utilizam
a Internet e todas as táticas usadas para se cumprir uma pauta.
Acredita-se que as perguntas levantadas quando o tema deste
trabalho foi escolhido estão respondidas. O “como” deve ser um
dos elementos que levem a escolha do estudo de caso. Neste
estudo, o “como” os jornalistas de um jornal impresso usam a
Internet para fazerem matérias locais, foi descrito e analisado.
Que a Internet é amplamente usada ficou claro, mas a
forma como é utilizada pode ser objeto discussões. Os jornalistas
a veem sim como um elemento de apoio, mas secundário. Ainda
a preferência em realizar entrevistas está no contato pessoal com
a fonte ou usando o telefone. Buscar publicações especializadas,
estudos acadêmicos e visitar sites oficiais ocorre de maneira
esporádica; parece não haver um aprofundamento na mineração
de dados. Outro aspecto vem do próprio desinteresse do repórter
em ter um maior grau de especialização técnica.
É certo que, durante muitos anos, o ofício do jornalismo
era para ser aprendido na prática, no dia a dia das redações
compartilhando o conhecimento dos mais experientes. Acontece
que hoje, com as redações mais enxutas e o tempo para o
fechamento do jornal mais curto, não há mais este espaço para
133 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
a troca de vivências. Outro fator que deve ser considerado é que
antes não havia todo este desenvolvimento tecnológico observado
atualmente: o repórter não é mais aquele que é responsável pela
reportagem. Agora, além disso, deve ter noções de pauta, edição,
diagramação, fotografia e Internet.
A Internet já é uma clara realidade presente no jornalismo,
mas os jornalistas ainda se comportam como se saber dominar estar
ferramenta fosse algo de segunda ordem. Mas a confiabilidade
das informações apresentadas tem que ser responsabilidade
do repórter. O editor não questiona se aquilo que foi escrito é
verdadeiro; o jornalismo sendo uma profissão que exige uma
confiança entre todos os responsáveis pela notícia não pode estar
sujeito, apesar de acontecerem, invariavelmente, a falhas. Eis a
importância de se conhecer e saber utilizar todas ferramentas
disponíveis: diminuir as “falhas” entre o fato e o leitor.
Referências
134 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
CARDOSO, Olinda Nogueira Paes; MACHADO, Rosa Teresa
Moreira. Gestão do conhecimento usando data mining: estudo de caso
na Universidade Federal de Lavras. Revista de Administração Pública
- RAP Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro, 42(3) p. 495-528,
maio/jun. 2008.
135 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 101-136– jan./jun. 2018
SENTENÇA DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE:
UMA ANÁLISE ARGUMENTATIVA
Resumo: No presente artigo, a língua será enfocada sob o ponto de vista argumentativo,
evidenciando, a partir de um estudo teórico e prático, que a argumentatividade é
inerente ao próprio uso da linguagem, considerada como ação e como prática social.
Para o corpus de análise, selecionamos um recorte de uma sentença de reintegração de
posse. O objetivo é descrever as diversas maneiras pelas quais a argumentatividade se
manifesta. Duas categorias de análise serão mobilizadas: os operadores argumentativos
e a seleção lexical. Delimitamos como fundamento teórico a Linguística Textual e a
Semântica Argumentativa. Alguns autores centralizam as atenções: Koch; Anscombre
e Ducrot; Perelman e Olbrechts-Tyteca.
1
Helena Cristina Lübke, Doutoranda do Programa de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Londrina – UEL – Londrina, Paraná, Brasil. Docente da
Universidade Católica de Santa Catarina – Campus Jaraguá do Sul, Santa Catarina, Brasil.
2
Talita Canônico e Silva, Doutoranda do Programa de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Londrina – UEL – Londrina, Paraná, Brasil. Docente do
Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Instituto Federal do Paraná – IFPR – Campus
Londrina, Paraná, Brasil.
137 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 137-156– jan./jun. 2018
Abstract: In the present article, the language will be approached from an argumentative
point of view, evidencing, from a theoretical and practical study, that the argumentativity
is inherent to the own use of the language considered as action and as social practice.
To illustrate the corpus of analysis, we selected a part of a decision to reintegrate tenure.
The purpose is to describe, the various ways in which argumentativeness is manifested.
Two categories of analysis will be mobilized: the argumentative operators and the
lexical selection. Textual Linguistics and Argumentative Semantics were delimited as
theoretical foundation. Some authors center the attention: Koch; Anscombre and Ducrot;
Perelman and Olbrechts-Tyteca.
Introdução
138 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 137-156– jan./jun. 2018
da linguagem verbal, tais como dar informações ou explicações,
fazer avaliações ou expressar sentimentos, o locutor espera ter
a adesão de seus interlocutores. Embora se possa dizer que
exista argumentação em qualquer intercâmbio verbal, algumas
manifestações de linguagem são consideradas mais argumentativas
do que outras.
E dentre os recursos argumentativos que contribuem para
que um texto se torne mais dotado de argumentatividade, neste
trabalho analisaremos os operadores argumentativos, os quais
têm por objetivo mostrar a força persuasiva dos enunciados; e a
seleção lexical, palavras utilizadas intencionalmente para favorecer
a aceitabilidade do interlocutor, constatando que tais recursos
manifestam valores semânticos e ideológicos.
Estudaremos, a partir dos pressupostos da Semântica
Argumentativa e da Linguística Textual, os operadores
argumentativos e a seleção do léxico de uma sentença de
reintegração de posse, refletiremos sobre os efeitos de sentido
que manifestam e como podem contribuir para que o texto
promova a aceitação de determinadas ideias. Para tanto, o trabalho
está organizado do seguinte modo: considerações acerca dos
fundamentos teóricos (argumentação, operadores argumentativos
e seleção lexical) e apresentação e análise do corpus escolhido.
A argumentação
139 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 137-156– jan./jun. 2018
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.47), “a argumentação é
uma ação que tende sempre a modificar um estado de coisas
pré-existentes.” A argumentação, pois, está ligada não apenas a
processos linguísticos, mas também a processos sociais, por se
desenrolar em uma situação histórica-social intermediada pela
linguagem verbal.
Os autores citados, Perelman e Olbrechts-Tyteca,
representam o impulso dos estudos sobre a argumentação no
período pós-guerra, pois, a obra Tratado de Argumentação: a nova
retórica, publicada inicialmente em 1958, integra a teoria da
argumentação a uma filosofia do conhecimento e a uma filosofia
da decisão e ação, pois Perelman também foi filósofo do Direito.
Assim sendo, a prioridade na Nova Retórica é para o discurso
jurídico da argumentação. Na Nova Retórica, há hierarquização
dos tipos de discurso, principalmente em relação à linguagem do
tribunal – gênero jurídico. Da Retórica Tradicional, Perelman e
Olbrechts-Tyteca conservaram a noção de auditório, a partir de
uma distinção entre auditório particular e auditório universal.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 31) propõem
“chamar persuasiva a uma argumentação que pretende valer só
para um auditório particular e chamar convincente àquela que
deveria obter a adesão de todo ser racional”. Ainda, no Tratado
da Argumentação, os referidos autores dedicaram-se à exploração
de argumentos destinados a convencer e a persuadir, somente na
modalidade escrita. Preocuparam-se com a argumentação em
uma perspectiva retórica e filosófica. Ducrot e Anscombre (1976)
também tiveram como objeto de pesquisa a argumentação, porém
em uma perspectiva linguística, considerando a frase, o enunciado,
os enunciadores e a enunciação.
Com Ducrot e Anscombre, a Semântica Argumentativa
é estruturada a fim de explicar a relação entre locutor e ouvinte,
140 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 137-156– jan./jun. 2018
compreendendo a essência do discurso por meio dos diversos
recursos argumentativos, direcionando os enunciados. Carlos
Vogt inicia os estudos de Semântica Argumentativa no Brasil
e, posteriormente, Ingedore G. V. Koch e Eduardo Guimarães
colaboram para o enriquecimento dos estudos.
Por meio das pesquisas retóricas, além da Semântica
Argumentativa, surgiram áreas de estudos como a Análise do
Discurso, a Linguística Textual, a Análise da Conversação,
entre outras. A Linguística Textual, inicialmente, descrevia as
manifestações sintático-semânticas nos enunciados por meio
de análises transfrásticas, somente após 1980, conforme Vilela e
Koch (2001), os fatores de coesão e de coerência passaram a ser
observados durante a interação.
A Semântica Argumentativa estuda os recursos da língua
dentro do texto e como instrumentos sociais; tais mecanismos
são cunhados por Koch (2011) como marcas linguísticas, a autora
considera todo falante um ser provido de intenções comunicativas,
por isso, por meio dos recursos, é possível direcionar o sentido
do texto.
Ao caracterizar a linguagem humana pela argumentatividade,
acreditamos na necessidade de haver um ponto comum
estabelecido entre os interlocutores para que o processo de
comunicação instaure-se e realize-se enquanto manifestação
enunciativa. Para desenvolver seus argumentos, o locutor deve
utilizar recursos linguísticos tais como: modalização, adjetivação,
intensificação, figuras de linguagem, entre outros. A função desses
mecanismos é servir de base para a argumentação e dar suporte
à intenção do argumentador. Dois desses recursos, que podemos
considerar como sinalizadores textuais, são os operadores argu
mentativos e a seleção lexical.
141 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 137-156– jan./jun. 2018
Para Ducrot (1981), do ponto de vista do alocutário, as
frases, em sua maioria, contêm uma orientação argumentativa.
Tais orientações possibilitam prever o potencial argumentativo
presente nos enunciados pelos quais as frases se revelam. Assim,
a função da frase é dizer como se proceder para acessar o sentido
dos enunciados.
Ducrot também faz alusão à tendência dos enunciados
de orientarem o receptor para determinadas conclusões em
detrimento de outras, ou seja, a orientação discursiva para a qual
o texto conduz. Tais instruções são veiculadas, geralmente, por
meio de operadores argumentativos do tipo ainda, aliás, também,
mesmo, até, mas, embora, já que, logo, porque, entre outros, cujo papel
habitual é o de estabelecer relações entre entidades semânticas.
No Brasil, pesquisadores como Vogt, Guimarães, Koch e outros
apresentam estudos sobre operadores argumentativos, mostrando
como as conjunções e outras classes gramaticais marcam ou
estabelecem a orientação argumentativa do texto e indicam o
caminho que o leitor deve seguir.
A escolha lexical auxilia no processo de persuasão e estimula
possíveis reações do interlocutor. A intenção no uso do léxico
produz determinados efeitos de sentido, faz transparecer a opinião
do enunciador e colabora para a possível adesão do público. Sendo
assim, elucidaremos os dois recursos predominantes na Sentença
de Reintegração de Posse – operadores argumentativos e seleção
lexical.
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enunciados e denominam-se marcas linguísticas da enunciação ou
da argumentação. De acordo com uma abordagem tradicional, as
conjunções, alguns advérbios e pronomes são, para a Gramática
Normativa, fundamentalmente, elementos de relação. Já, para
a Linguística Textual e para a Semântica Argumentativa, tais
elementos recebem o nome de operadores argumentativos, os
quais têm grande relevância na construção do sentido de um texto,
ou seja, essas palavras são responsáveis por aspectos essenciais da
argumentatividade da língua.
A expressão “operadores argumentativos” foi cunhada por
Ducrot, criador da Semântica Argumentativa (ou Semântica da
Enunciação), para designar certos elementos da gramática de
uma língua que têm por função indicar a força argumentativa
dos enunciados, a direção (sentido) para a qual apontam. Oliveira
(2003) destaca que os operadores argumentativos expressam
diferentes valores semânticos e refletem o arranjo discursivo de
um texto, direcionando os participantes da enunciação de forma
argumentativa. A autora (1999, p. 100) assevera que
Ducrot, ao formular os princípios básicos da Semântica
Argumentativa, chamou de operadores argumentativos a um
grupo de elementos da gramática, cujo objetivo fundamental é
revelar a argumentatividade inerente a determinados enunciados
e direcioná-los a uma conclusão específica de acordo com as
condições de uso.
A seguir, citaremos os operadores argumentativos mais
recorrentes, em nosso corpus, e seus respectivos efeitos de sentido.
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Efeito de sentido Operador Argumentativo
1- indicam adição de argumentos e, além de, nem, não só...mas
com o mesmo valor argumentativo também
2- indicam adição de argumentos
até, até mesmo, inclusive
mais fortes
3- indicam adição de argumento
aliás, por sinal
decisivo
4- indicam alternância ou escolha ora...ora, quer...quer
5- indicam oposição mas, porém, todavia, no entanto
portanto, afinal, por isso, logo, por
6- indicam conclusão
conseguinte
7- indicam explicação pois, porque, que, isto é, ou melhor
porque, visto que, desde que, uma
8- indicam causa
vez que
9- indicam concessão embora, mesmo que, se bem que
como, que nem, bem como, mais
10- indicam comparação
(menos) do que
11- indicam conformidade como, conforme, por exemplo
12- indicam condição se, caso, desde que
13- indicam restrição só, apenas, somente
14- indicam finalidade a fim de que, para, para que
15- indicam proporcionalidade à proporção que, à medida que
16- indicam condição favorável, mas
pelo menos, ao menos
mínima
17- indicam negação plena nada, ninguém
18- indicam afirmação plena tudo, todas, todos
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Segundo Koch (2011, p. 151), “há palavras que, colocadas
estrategicamente no texto, trazem consigo uma carga poderosa de
implícitos”, essas palavras indicam a intencionalidade do locutor e
promovem a reflexão, viabilizando maior ou menor aceitabilidade
do interlocutor.
Conforme o significado e o contexto, cada palavra possui
seu valor semântico, e seu uso estratégico afeta a qualidade
de convencimento. De acordo com Carvalho (2000, p. 36), os
substantivos, os adjetivos, os verbos e os advérbios de modo
derivados do adjetivo são palavras “com forte componente
semântico, que se enriquecem continuamente, acompanhando
o dinamismo do mundo”. Para Castilho (2010), a seleção lexical
é o dispositivo sociocognitivo regulador da lexicalização. Por
isso, entendemos que, afetado pelas condições sócio-históricas,
o enunciador utilizará palavras hábeis em motivar o teor
subjetivo do texto. E, segundo Koch (2011, p. 151), “a escolha
de um determinado termo pode servir de índice de distinção,
de familiaridade, de simplicidade, ou pode estar a serviço da
argumentação, situando melhor o objeto do discurso dentro de
determinada categoria, do que o faria o uso de um sinônimo”.
No texto em análise, há vários elementos argumentativos
que promovem a persuasão, todavia, neste trabalho, verificaremos
a presença de duas construções argumentativas – os operadores
e a seleção lexical.
Análise do Corpus
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orientam a trama persuasiva do referido texto, a fim de que se
possa fazer uma análise de quais efeitos de sentido eles produzem,
uma vez que a argumentatividade é inerente à linguagem e nela
está inscrita. Os operadores aqui analisados são: e (no sentido
de mas); embora; nem; só; mas; até; pelo menos; ou seja; a fim
de. Ressaltamos que, quando o operador argumentativo aparecer
repetidas vezes, este não mais será analisado a fim de que não se
torne repetitivo. A análise da seleção lexical sucederá o estudo
dos operadores.
A seguir, apresentaremos a transcrição literal da sentença
do juiz federal titular da 8ª Vara da Seção Judiciária de Minas
Gerais, numerada em parágrafos. A decisão versa sobre uma ação
do DNER3 contra um grupo de sem-terra que ocupou as margens
de uma rodovia no ano de 1995. Os operadores argumentativos
estão destacados em negrito e sublinhado; e a seleção lexical segue
realçada em itálico e sublinhado.
Várias famílias (aproximadamente 300 – fls. 10) invadiram uma faixa de domínio
1 ao lado da Rodovia BR 116, na altura do km 405,3, lá construindo barracos de
plástico preto, alguns de adobe, e agora o DNER quer expulsá-los do local.
“Os réus são indigentes”, reconhece a autarquia, que pede reintegração liminar
2
na posse do imóvel.
E aqui estou eu, com o destino de centenas de miseráveis nas mãos. São os
3
excluídos, de que nos fala a Campanha da Fraternidade1 deste ano.
Repito, isto não é ficção. É um processo. Não estou lendo Graciliano Ramos, José
4
Lins do Rego ou José do Patrocínio.
Os personagens existem de fato. E incomodam muita gente, embora deles nem
se saiba direito o nome. É Valdico, José Maria, Gilmar, João Leite ( João Leite
5
???). Só isso para identificá-los. Mais nada. Profissão, estado civil (CPC, artigo
282, II) para quê, se indigentes já é qualificação bastante?
3
DNER: Departamento Nacional de Estradas de Rodagem.
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Ora, é muita inocência do DNER se pensa que eu vou desalojar este pessoal,
com a ajuda da polícia, de seu (sic) moquiços, em nome de uma mal arrevesada
6
segurança nas vias públicas. O autor esclarece que quer proteger a vida dos
próprios invasores, sujeitos a atropelamento.
Grande opção! Livra-os da morte sob as rodas de uma carreta e arroja-os para a
7
morte sob o relento e as forças da natureza.
Não seria pelo menos mais digno – e menos falaz – deixar que eles mesmos
8 escolhessem a maneira de morrer, já que não lhes foi dado optar pela forma de
vida?
O Município foge à responsabilidade “por falta de recursos e meios de
9
acomodações” (fls. 16 v).
10 Daí, esta brilhante solução: aplicar a lei.
Só que, quando a lei regula as ações possessórias, mandando defenestrar os
invasores (art. 920 e seguintes do CPC), ela – COMO TODA LEI – tem em
mira o homem comum, o cidadão médio, que, no caso, tendo outras opções de
11 vida e de moradia diante de si, prefere assenhorar-se do que não é dele, por
esperteza, conveniência, ou qualquer outro motivo que mereça a censura da lei
e, sobretudo, repugne a consciência e o sentido do justo que os seres da mesma
espécie possuem.
Mas este não é o caso no presente processo. Não estamos diante de pessoas
12 comuns, que tivessem recebido do Poder Público razoáveis oportunidades de
trabalho e de sobrevivência digna (v. fotografias).
Não. Os “invasores” (propositadamente entre aspas) definitivamente não são
pessoas comuns, como não são milhares de outras que “habitam” as pontes,
13 viadutos e até redes de esgoto de nossas cidades. São os párias da sociedade (hoje
chamados excluídos, ontem de descamisados2), resultado do perverso modelo
econômico adotado pelo país.
Contra este exército de excluídos, o Estado (aqui, através do DNER) não pode
exigir a rigorosa aplicação da lei (no caso, reintegração de posse), enquanto ele
14
próprio – o Estado – não se desincumbir, pelo menos razoavelmente, da tarefa
que lhe reservou a Lei Maior.
Ou seja, enquanto não construir – ou pelo menos esboçar – “uma sociedade livre,
justa e solidária” (CF, artigo 3º, I), erradicando “a pobreza e a marginalização” (n.
III), promovendo “a dignidade da pessoa humana” (artigo 1º, III), assegurando
“a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social” (artigo 170),
emprestando à propriedade sua “função social” (art. 5º, XXIII, e 170, III),
15 dando à família, base da sociedade, “especial proteção” (art. 226), e colocando
a criança e o adolescente “a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, maldade e opressão” (art. 227), enquanto não fizer isso,
elevando os marginalizados à condição de cidadãos comuns, pessoas normais,
aptas a exercerem sua cidadania, o Estado não tem autoridade para deles exigir –
diretamente ou pelo braço da Justiça – o reto cumprimento da lei.
Num dos braços a Justiça empunha a espada, é verdade, o que serviu de estímulo
a que o Estado viesse hoje a pedir a reintegração. Só que, no outro, ela sustenta a
16
balança, em que pesa o direito. E as duas – lembrou RUDOLF VON IHERING
há mais de 200 anos – hão de trabalhar em harmonia:
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“A espada sem a balança é força brutal; a balança sem a espada é a impotência do
direito. Uma não pode avançar sem a outra, nem haverá ordem jurídica perfeita
17
sem que a energia com que a justiça aplica a espada seja igual à habilidade com
que maneja a balança”.
Não é demais observar que o compromisso do Estado para com o cidadão funda-
18 se em princípios, que têm matriz constitucional. Verdadeiros dogmas, de cuja fiel
observância dependem a eficácia e a exigibilidade das leis menores.
Se assim é – vou repetir o raciocínio – enquanto o Estado não cumprir a sua parte
(e não é por falta de tributos que deixará de fazê-lo), dando ao cidadão condições
19
de cumprir a lei, feita para o homem comum, não pode de forma alguma exigir
que ela seja observada, muito menos pelo homem “incomum”.
Mais do que deslealdade, trata-se de pretensão moral e juridicamente impossível,
a conduzir – quando feita perante o Judiciário – ao indeferimento da inicial e
extinção do processo, o que ora decreto nos moldes dos artigos 267, I e VI; 295,
20
I, e parágrafo único, III, do Código de Processo Civil, atento à recomendação
do artigo 5º da LICCB e olhos postos no artigo 25 da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, que proclama:
“Todo ser humano tem direito a um nível de vida adequado, que lhe assegure,
21 assim como à sua família, a saúde e o bem estar e, em especial, a alimentação, o
vestuário e a moradia”.
Quanto ao risco de acidentes na área, parece-me oportuno que o DNER
22 sinalize convenientemente a rodovia, nas imediações. Devendo ainda exercer um
policiamento preventivo a fim de evitar novas “invasões”.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
23
Belo Horizonte, 03 de março de 1995
Análise
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a) Operador E (1º parágrafo, linha 3 – “..., e agora o DNER quer
expulsá-los do local.”).
No presente contexto, o operador argumentativo “e” tem
função adversativa. Segundo Ducrot, o MAS é um operador
argumentativo por excelência, pois opõe argumentos enunciados
de perspectivas diferentes, que orientam, portanto, para conclusões
contrárias e a sua estratégia é a de frustrar uma expectativa que
se criou no destinatário. No caso, o argumento B é um fator de
impedimento para o argumento A.
X
Argumento A Argumento B
Famílias sem-terra que tomam DNER tentando expulsá-los.
uma propriedade. E (mas)
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d) Operador SÓ (5º parágrafo, linha 2 – “Só isso para identificá-
los.”).
É um operador argumentativo que transmite o efeito de
sentido de restrição, e leva a crer que nada mais há para identificá-
los. Apenas isso, pré-nome ou, em alguns casos, nome completo,
mais nada, pois não têm documentação registrada, ou seja, eles
não existem de forma completa.
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de menor poder aquisitivo, no entanto é o próprio Estado (por
intermédio do DNER) que está agindo contrariamente ao seu
dever, quando tenta desabrigá-los para a reintegração de posse.
O modalizador razoavelmente faz transparecer o ponto de
vista do enunciador e sugere sua intenção, revelando seu grau de
envolvimento com a questão, isto é, o Estado deve se “desincumbir
da tarefa” (prover moradia) de forma razoável (de acordo com a
razão, com a sensatez), o Estado não pode simplesmente expulsar
os “invasores”, sem lhes oferecer um lugar digno para morar. De
acordo com Koch (2011, p. 138), são “modalizadores todos os
elementos lingüísticos diretamente ligados ao evento de produção
do enunciado e que funcionam como indicadores das intenções,
sentimentos e atitudes do locutor em relação ao discurso”.
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Ao finalizar esta breve análise dos operadores argumentativos,
corroboramos a posição de Oliveira (1999, p. 102):
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conforto. O termo realça a pobreza dos “invasores”, mas ressalta
que, por mais que seja um casebre, é uma habitação, é um abrigo, é
o único lugar que eles têm, estimulando, assim, a proteção aos sem-
terra. No mesmo parágrafo, o adjetivo arrevesada é intensificado
pelo advérbio mal, permitindo que o substantivo segurança tenha
adjetivação binária, revertendo a acusação do DNER para o
próprio órgão, apontando a falta de cuidados com as vias públicas
por permitir que tenham sinalização confusa.
No parágrafo 8, o adjetivo falaz, que possui carga semântica
negativa, pois indica algo enganador, fraudulento, é uma crítica
ao posicionamento do DNER e enfatiza a oposição entre vida e
morte. No parágrafo 10, o adjetivo brilhante é utilizado de maneira
irônica em relação à atitude do Estado, já que, para solucionar
o problema da “invasão”, deve-se “aplicar a lei”, ou seja, expulsar
os “invasores”.
No parágrafo 11, defenestrar é uma ação radical, pois prevê
que os “invasores” não, apenas, recebem a ordem para se retirarem
dali, mas são atirados fora dali e, conforme o sentido da palavra, é
uma ação violenta. Por fim, o termo perverso, no parágrafo 13, trata
o modelo econômico do país de forma pejorativa, denunciando e
criticando a desigualdade social no Brasil, comprometendo, assim,
o Estado e eximindo os “invasores” de qualquer culpa.
Considerações Finais
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a função de determinar o modo como aquilo que se diz é dito.
E, no presente corpus, vários procedimentos de argumentação
são observados do início ao fim da sentença de reintegração
de posse, validando o discurso desde o primeiro parágrafo, em
que o enunciador situa o motivo da sentença; sustentando a
argumentação desde o segundo parágrafo até o décimo quarto,
em que estão dispostos a maior parte dos recursos analisados;
e finalizando o texto com o uso da legislação para reafirmar o
enunciado.
A argumentação, ao articular os enunciados por meio de
operadores argumentativos, apresenta-se, também, como principal
fator não só de coerência, mas de progressão, condições básicas
da existência de todo e qualquer discurso. Pela escolha do léxico,
verificamos a emissão de juízos de valor por parte do enunciador,
pois comunica uma avaliação positiva ou negativa do assunto
em questão, o que também influencia a opinião do interlocutor.
Concordamos com Koch (2011) quando ela menciona que, pela
escolha de um termo inabitual, é possível identificar o propósito
comunicativo da mensagem e, na sentença em estudo, verificamos
uma seleção de palavras que serve para intensificar o sentido
apelativo do discurso.
Dessa forma, depreendemos a extraordinária importância
das relações argumentativas, pois são elas que estruturam os
enunciados em texto, por intermédio dos recursos persuasivos, ou
seja, esses elementos linguísticos funcionam como instrumentos
de argumentação do enunciador, indicando a orientação persuasiva
do texto.
Com a análise desses dois recursos argumentativos,
constatamos que os estudos da Semântica Argumentativa e da
Linguística Textual favorecem a busca pelos efeitos de sentido por
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meio dos aspectos textuais que são intencionais, relacionados a
valores, a crenças e a convenções sociais. E, segundo Koch (2011,
p. 17), todo texto envolve uma ideologia, dessa forma, o homem
“por meio do discurso – ação verbal dotada de intencionalidade
– tenta influir sobre o comportamento do outro ou fazer com que
compartilhe determinadas de suas opiniões”.
Referências
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KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. São Paulo:
Cortez, 2011.
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“PONTA DE LANÇA”:
A METÁFORA COMO ARGUMENTO NA MÚSICA1
ABSTRACT: Music and metaphor are very present in our day by day and it is possible
to observe several use forms of the language figure as an argumentation resource too.
Thus, the present paper aims to analyze the music Ponta de Lança, by Rincon Sapiência,
verifying the meanings transfers from the literal mean to other senses and, consequently,
its power of argumentation/persuasion on the music receptor. For it we rely on references
about metaphors and argumentation/persuasion mechanisms, besides social, historic
and cultural knowledge to interpret the readings in the analysis.
KEY WORDS: Argumentation; Metaphor; Music; Rap; Persuasion.
Introdução
1
Trabalho resultante do Grupo de Pesquisa EALIFP (Ensino-aprendizagem de línguas
e interdisciplinaridade: a formação do professor).
2
Doutora em Estudos da Linguagem (UEL) – Docente do Curso de Letras do Instituto
Federal de São Paulo, Campus Avaré – evacristina@ifsp.edu.br
³Estudante do Curso de Licenciatura em Letras – habilitação em português e espanhol,
IFSP- Campus Avaré - sthe-fani@hotmail.com
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e pode nos trazer lembranças dos mais remotos momentos, alterar
nosso humor, e até mesmo ajudar nos estudos (LOEWENSTEIN,
2012).
Além disso, através da música é possível se expressar por
meio de inúmeros recursos, dentre eles as figuras de linguagem,
mais especificamente, para este trabalho, a metáfora. Essa figura
de linguagem é a mais utilizada na criação de canções de todos os
gêneros musicais, em especial no rap. Estudar sobre a metáfora abre
um leque de opções investigativas, visto que é muito utilizada, seja
na fala, gêneros textuais, musicais, imagéticos, verbo-audiovisuais,
enfim nos mais variados meios de comunicação.
Muitas vezes, essa figura é utilizada como recurso
argumentativo relacionado a questões de cunho social e crítico.
Ademais, o emprego da metáfora nas músicas, acaba por não
apenas argumentar sobre determinados temas, como também
persuadir o receptor que, de alguma forma, acaba sendo atingido
pela mensagem que está sendo expressada.
Dessa forma, nota-se a importância e a carga de significado
que a metáfora pode conter, seja na música ou em qualquer outro
gênero. Nessa perspectiva, esse trabalho visa analisar uma música
do gênero rap, em que há presentes muitas metáforas que estão
sendo utilizadas como forma de argumentação de diferentes
questões sociais. A música escolhida para a referida investigação
foi a Ponta de Lança e buscamos analisar a figura de linguagem em
pauta considerando o contexto que a letra da música apresenta.
A escolha deve-se ao fato de que a música e a metáfora estão
presentes na rotina de todo indivíduo, transmitindo diferentes
sensações e modos de se expressar. Ademais, analisar esses dois
pontos também exibe a real presença não apenas da argumentação,
mas também da persuasão no receptor que, por algum meio,
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absorve e se apropria da mensagem que a canção, em sua letra e
melodia, visam transmitir.
Revisão de literatura
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de significados, mas também como forma de persuasão e
argumentação, ela lidera mensagens como anúncios publicitários,
propagandas, noticiários, entre muitos outros tipos de mensagens.
A partir do momento em que a metáfora atua como persuasiva ela
acaba por ter uma relevância maior no discurso, passando, assim,
a ser utilizada como estratégia argumentativa.
A argumentação, segundo Camocardi e Flory (2003,
p.33), “é o processo pelo qual estabelecemos relações e extraímos
conclusões através de premissas”. Ela é muito importante para a
persuasão, uma vez que oferece escopo para que haja no receptor
um processo de convencimento a partir do que foi falado.
Percebemos este fenômeno nas músicas, em especial do gênero rap,
pois de alguma forma o cantor quer produzir um efeito no ouvinte
de modo a persuadi-lo sobre seus pensamentos, suas ideologias,
sua filosofia e, ainda, convidar o ouvinte a compartilhar de suas
ideias por meio da apropriação de suas mensagens, mesmo que
subliminares.
Vieira (2013) assevera que as palavras possuem valor e
são elas que orientam a mensagem, de modo que provoque no
receptor um determinado efeito, por meio da argumentação.
Ademais, no caso da canção em pauta e considerando o gênero
musical em que é apresentada, as referidas palavras passam a ter
um valor emocional/interpretativo ainda mais acurado dada a
significação desse ritmo à sociedade e a popularização deste, haja
vista o público abordado nas letras.
Um dos pilares do Movimento Hip Hop, o Rap teve
origem nos guetos nova-iorquinos por autoria de comunidades
latinas, afro-americanas e jamaicanas. O movimento em pauta era,
como ainda o é, combater violência, a pobreza, as manifestações
de racismo, os problemas relacionados ao tráfico de drogas, a
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insuficiência no que diz respeito ao saneamento e à educação.
Esse movimento viabilizou a crítica social referente a questões
vivenciadas no cotidiano das periferias, estabelecendo a arte como
instrumento de engajamento político capaz de reestruturar o
cotidiano e permitir a reconstrução da identidade marginalizada
(SILVA, 1999).
Dentro dessa perspectiva e da sincretização melodia/letra,
a atividade de um escritor é a criação das expressões metafóricas
para nos levar adiante dela possibilitando-nos a fazer relações
intelectivas de um significado com o outro (VEREZA, 2007).
Na argumentação o falante ou escritor trabalhará a
multiplicidade de significado das sentenças, podendo ser elas
por comparação, vagueza, ambiguidade, entre outros. Quando
fazemos uma comparação por meio de uma metáfora utilizamos
características de um instrumento para fazer associações dele
com um outro instrumento. Entretanto, essas associações, embora
bem desenvolvidas argumentativamente, irão aproximar apenas
alguns aspectos simples desses instrumentos, ausentando algumas
diferenças fundamentais, como, por exemplo, a história por detrás
destes objetos (FIORIN, 2017).
Nessa perspectiva, a utilização da metáfora como forma
de argumentação é algo muito presente nas músicas, de modo a
abordar temas de cunho social e crítico.
Metodologia
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brasileira. A canção tem um total de 75 (setenta e cinco) versos,
nos quais os que contêm metáforas serão analisados na Tabela
1. Em virtude das inúmeras interpretações e possíveis leituras
a serem engendradas ao examinar os escritos, consideramos os
mais plausíveis de acordo com a ideologia do autor, o ritmo da
música e o conceito desse gênero musical. Rap é a abreviação para
rhythm and poetry (ritmo e poesia). Essa vertente do movimento
tem enfoque na musicalidade, na qual pobres, pretos e revoltados
com a sociedade se manifestam rimando ao som da base do DJ. O
conteúdo das letras transmite indignação com a realidade vivida,
fazendo críticas ao sistema. Em composições do gênero rap é
comum a presença da aceitação da cor de pele, da classe social,
do lugar onde reside, isto é, a coragem e a dignidade de assumir
quem realmente são. A humildade é substancial na produção
desse ritmo musical e na vivência dos moradores de periferia, pois
com ela se obtém o reconhecimento como população pobre e o
respeito para a união dessa população, de extrema importância
para o movimento hip hop.
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Aqui o compositor compara as linhas de verso
(escritas) e a linha de pipa “cheia de cerol“, sendo
estas muito utilizadas pelos jovens que soltam pipa,
de modo que o cerol funciona como cortante, quando
entra em contato com a linha de outra pipa. Dessa
forma, a comparação ocorre de forma a dar a ideia
de que as linhas de pensamento do cantor também
estão cheias de cortante, ou seja, afiadas, perigosas.
“E dá dó das cabeça quando rela nela”, resulta na
“Minhas linha voando cheia
comparação de uma linha de pipa cheia de cerol e
de cerol/ E dá dó das cabeça
caso enrosque na cabeça de alguém pode cortar, por
quando rela nela”
ser afiada. O mesmo aconteceria na música dele,
isto é, se a canção adentrar a cabeça de um ouvinte
esta tem o poder de “cortar”, uma vez que o artista
considera seus versos muito afiados e argumenta a
este ponto de perspectiva para atingir o receptor de
sua mensagem. Em outras palavras, ele utiliza uma
metáfora dizendo que as linhas de cerol causam
acidentes por serem afiadas como a música. Porém, ao
contrário do prejuízo que pode ser causado pelo cerol,
a música em questão traz benefício ao ouvinte/receptor.
Nesse verso o cantor faz relação com as matrizes afro
e indígenas (candomblé, umbanda, entre outros.).
Além disso, há a comparação com a classe média
no período no protesto conhecido como “panelaço”,
sendo este um tipo de manifestação muito utilizada
“Batemos tambores, eles pela população quando há um descontentamento
panela” com alguma questão política e/ou social.
Com base nisso, ele utiliza uma metáfora de
forma a mostrar ao mesmo tempo as diferenças
e as semelhanças entre o bater, sendo que ambas
é um tipo de manifestação, porém uma ocorre
como forma de celebração e a outra como protesto.
O verso “Roubamos a cena, não tem canivete”, conota
que os negros estariam se destacando sem a necessidade
de armas para guerrear (para “roubar” a cena). Já no
trecho “as Paty derretem, que nem muçarela” o artista
utiliza uma licença poética para fazer a afirmação de
“Roubamos a cena, não tem
uma questão estigmatizada na qual as meninas de classe
canivete /As patty derrete,
média alta, que são chamadas de ‘’patricinhas’’, gostam
que nem muçarela.”
de caras considerados malandros, que normalmente
na mídia e demais gêneros textuais são demonstrados
como sendo meninos de classe média baixa ou classe
baixa. O compositor utiliza o verbo derreter para
enfatizar e persuadir no que diz respeito ao sentido
real da palavra que seria atração, desejo, carisma.
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O primeiro verso ao lado diz respeito à aceitação do
cabelo afro, pois o cabelo alisado por chapinha é algo
“Quente que nem a chapinha que sempre foi imposto para essas mulheres. Com
no crespo, não/ Crespos tão se base nisso, é passada a mensagem de que a chapinha
armando.” não é sinônimo de ser bela. Além disso, “crespos” no
segundo verso apresenta a comparação não apenas
de cabelo crespo, como também da raça negra em
si que está se armando, ou seja, se empoderando.
O conhaque normalmente é tomado em
épocas de inverno, pois é uma bebida que
“Quente que nem o conhaque
esquenta o corpo (devido ao alto teor alcoólico).
no copo, sim”
A metáfora utilizada dá a ideia de que os negros
são quentes, acalorados, tais como o conhaque.
No primeiro verso, ele utiliza como argumento o não
ser herói, uma vez que o contos infantis, apresentam
o herói como uma pessoa valente. Porém, ao mesmo
tempo, ele não é uma pessoa ruim (“Nem uso
“Eu não faço o tipo de herói/
máscara estilo Zorro“), porque na história do Zorro o
Nem uso máscara estilo
protagonista é retratado como um bandido mascarado.
Zorro”
Dessa forma, a metáfora é utilizada de modo a
mostrar que o cantor não é uma pessoa boa, mas
também não é uma pessoa ruim. Isto é, considera-
se um indivíduo comum e faz alusão à igualdade
social tanto almejada nesse gênero musical.
Rodrigo Santoro atuou como personagem no filme
“300’’. Ele era o rei Xérxes que possuia um temperamento
agressivo, não gostava que ninguém dissesse o que ele
tinha que fazer, não aceitava desaforos. Nesse trecho o
“Nesse filme eu sou o vilão
artista tenta persuadir o ouvinte, por meio da metáfora,
300/ Rodrigo Santoro.”
que ele tem as mesmas características do personagem.
Ademais ainda revela o ator que atuava como Xerxes
dando a entender que, apesar do temperamento forte,
ele possuía o glamour, a sensualidade, a beleza que
Rodrigo representava na época/contexto do filme.
Nesse verso, a comparação metafórica mostra o artista
“A rua me serve, tipo sendo incisivo dizendo que a rua o serve, no sentido de
mordomo” que ele prefere a rua e também em seu sentido literal
de servidão, como se a rua fosse o mordomo dele.
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“Tô burlando lei, picadilha rock”, remete
ao estilo musical (rock). Além disso, o rock
apresenta uma temática transgressora, contra
o sistema, tendo como ponto ‘’burlar a lei’’.
“Quando falo rei, não é Presley”, - como está no
contexto de rock, ele acaba por usar como referência
o cantor Elvis Presley, entretanto ele fala que está
“Tô burlando lei, picadilha
“picadilha rock’’, ou seja, está no sentido de transgredir
rock/ Quando falo rei, não é
e não de referenciar o rei do do referido gênero musical.
Presley/ Olha o meu naipe,
Em “Olha o meu naipe, eu tô bem Snipes”, a palavra
eu tô bem Snipes/ Tô safadão,
“naipe” tem a acepção de estilo, e “Snipes” pode
tô Wesley.”
representar uma comparação com o ator Wesley Snipes
e também com o “sniper. Já no trecho “Tô safadão, tô
Wesley”, há a comparação com o cantor Wesley Safadão
e também com o fato de ser considerado desprovido
de timidez, grosso modo, sem-vergonha. Nesses
intertextos interculturais, o compositor corrobora seu
conhecimento sobre música, estilos e enaltece o seu jeito
de ser com toda a aceitação demonstrada pelo verso.
Nesse trecho, o cantor eleva sua música dizendo que
seus ouvintes/fãs podem se sentir bem e belos por
meio do produto que ele oferece que, nesse caso, é a
arte musical. Ele tenta causar esse efeito utilizando
“O meu som é um produto
a metáfora ao transferir a fama e a boa aceitação dos
pra embelezar/ Tipo Jequiti,
cosméticos de beleza mais vendidos para sua música.
tipo Mary Kay.”
Além disso, mostra que, mesmo sendo considerado como
marginalizado (típico do rap), tem conhecimento de
marcas consideradas boas pela sociedade e não acessíveis
a pessoas desprovidas de uma boa condição financeira.
Há uma comparação de “rimas quente’’ com o conhaque
Hennessy. Uma das bebidas mais caras e nobres (o
preço varia entre duzentos reais e trinta e cinco mil
reais, dependendo da versão) transfere, por meio do
“Umas rimas quente, como autor, seu glamour e seu valor (social e financeiro)
Hennessy”/ “Vou cantar às rimas do cantor exaltando veemente sua arte.
autoestima que nem Leci” Já a referência a Leci Brandão, uma das mais importantes
sambistas do Brasil que possui uma música intitulada
autoestima, associa a canção do artista à virtude da
autoestima, ou seja, valoriza sua arte independentemente
de aceitação social ou outro julgamento.
165 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 157-172 – jan./jun. 2018
Nesses versos, em um primeiro momento, o ator compara
a beleza da noite com a atriz Lupita Nyong’o. A artista foi
a primeira atriz queniana e a primeira atriz mexicana a
ganhar o Oscar na categoria de melhor atriz coadjuvante,
entre outros prêmios. Comparando a negritude da noite
a uma atriz também negra e de importância consagrada,
o artista, mais uma vez, traz seu conhecimento
sócio-histórico-cultural unido à arte musical.
“Tambor”, no verso seguinte, é um dos principais
instrumentos utilizados nas matrizes afro e indígenas
“A noite é preta e e “jongo’’ é uma das danças que são acompanhadas
maravilhosa Lupita pelos sons dos tambores. Ou seja, está quente por causa
Nyong’o”/ “To perto do fogo da batida do tambor e da energia que a dança traz.
que nem couro de tambor, Na sequência, o compositor menciona o brinquedo
numa roda de jongo.’’/ “Nesse “Lango-Lango”, um boneco antigo em forma
sufoco, to dando soco, que nem de monstrinho que estava sempre em posição
Lango-Lango”/ “Se a vida de ataque, posição esta em que o compositor,
é um film, meu Deus é que metaforicamente, deveria estar na maioria das
nem Tarantino”/ “Eu to tipo vezes, por se considerar atacado por críticas sociais.
Django.” E, por fim, caso a vida do cantor fosse um filme, o Deus
do artista seria Tarantino, celebridade consagrada como
um grande produtor de cinema. Ainda nesse contexto,
o artista se compara a Django, um dos personagens
de Tarantino, cujo uma das características era caçar
criminosos. Rincon Sapiência transfere, por meio
desses versos, toda a culturalidade, o conhecimento,
o melhor da mídia e da sociedade à sua música, à sua
história à sua pessoa argumentando a favor de tudo que
é e persuadindo seu ouvinte à crença de que sua arte
é a melhor, independente do que a sociedade pense.
Nesse último verso analisado, o compositor utiliza-
se, além da metáfora, o duplo sentido. “Chave” pode
estar no sentido de “chavoso’’, é uma gíria usada para
“Os preto é chave”/ “Abram
denominar pessoas elegantes. Contudo, “chave’’ também
os portões”
pode estar em seu sentido literal. Há, portanto, uma
leitura de que eles seriam iguais chaves e vão abrir
os portões, tendo assim como resultado a libertação.
Resultados e discussões
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uma observação mais profunda, ficariam implícitas na música.
A abundância de significados fez com a que canção ficasse mais
valiosa e com muitas interpretações. A utilização da figura de
linguagem em pauta, considerando que abordam temas sobre
empoderamento negro, aceitação e raízes afro e indígenas,
não foram utilizadas apenas como forma de argumentar, mas
também de persuadir o ouvinte. Porém o abuso à utilização de
metáforas por toda a música vai além do enaltecer da letra e da
arte do compositor. O intuito, também, está no exaltar do gênero
musical em que a letra está inserida. O rap é um dos gêneros de
músicas populares mais condenados e perseguidos atualmente,
em contrapartida é um dos mais desenvolvidos. A pretensão
de compositores desse estilo musical ao status artístico resulta
em críticas abusivas, manifestações de censura, entre outras
desagradáveis expressões. Isso acontece, talvez, pelo fato de que
as raízes culturais do rap, bem como os primeiros adeptos desse
estilo musical, dizem respeito à classe baixa da sociedade negra
norte-americana. O orgulho negro e a temática da vivência do
gueto refletem uma possível ameaça para o status social aos não
aderentes a este tipo de arte. Entretanto, como qualquer forma
de arte, a música precisa ser compreendida como uma atividade
humana, inserida em um determinado contexto social, histórico,
político, cultural. A partir desta postura é possível considerar
a especificidade da música como um processo, uma forma de
sentir e pensar, capaz de criar emoções e inventar linguagens”
(MAHEIRIE, 2001).
Não é em vão que os compositores de rap se utilizam de
metáforas como estratégias de argumentação e persuasão. Eles
simplesmente querem honrar este tipo de arte e mostrar toda a
interculturalidade existente em seus dizeres.
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Considerações finais
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Referências
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VIEIRA, Silva Maria. A construção do argumento no ensino médio:
uma investigação dos recursos argumentativos no gênero dissertativo-
argumentativo escolar. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de
Pernambuco. Centro de Artes e Comunicação – Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. Recife:
UFPE, 2013.
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ANEXO I
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SE DEUS NÃO TIVER FACEBOOK, MUITOS POSTS
FORAM EM VÃO!
Resumo: Este trabalho teve como objetivo apresentar uma reflexão, por meio da
análise do discurso, acerca dos enunciados religiosos postados na rede social Facebook.
Investigou ainda aspectos gramaticais e de argumentação, especialmente no que tange ao
uso de seleção lexical, o emprego dos operadores argumentativos, da antonímia, recursos
gráficos, dentre outros elementos direcionados para darem sentido ao texto. A análise
dos elementos encontrados foi guiada à luz de autores da área dos estudos discursivos,
verificandoa trama argumentativa e o entrelaçamento em que se tem o tipo de texto,
o gênero, o contexto e a situação comunicativa, que juntos levam à intencionalidade
do discurso religioso.
Palavras-chave:Estudos discursivos; enunciados religiosos; aspectos gramaticais.
Abstract:This work aimed to present a reflection, through the analysis of the discourse,
about the religious statements posted on the Facebook social network. It also investigated
grammatical and argumentative aspects, especially regarding the use of lexical selection,
the use of argumentative operators, antonyms, graphic resources, among other elements
aimed at giving meaning to the text. The analysis of the elements found was guided by
authors of discursive studies area, verifying the argumentative plot and the interweaving
in which a statement has the type of text, the gender, the context and the communicative
situation, that together lead to the intentionality of the religious discourse.
Key-words:Discursivestudies; religiousstatements; grammaticalaspects.
1
Aluna regular do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da UEL –
PPGEL (nível doutorado). Professora concursada da Universidade Estadual de Londrina,
do Departamento de Administração.
2
Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC)
de São Paulo.
3
Aluna regular do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da UEL –
PPGEL (nível doutorado). Professora concursada da Universidade Estadual de Londrina,
do Departamento de Direito.
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introdução
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espaço com as ofertas de emprego e com omarketing do círculo
publicitário.
Cabe salientar que, no âmbito da Linguística, o “enunciado
representa uma frase ou parte de um discurso (oral ou escrito) em
associação com o contexto em que é enunciado” (NEIVA, 2013,
p. 182). Já o discurso representa um conjunto de enunciados
significativos que expressam formalmente a maneira de pensar e
de agir e/ou circunstâncias identificadas com certo assunto, meio
ou grupo.
Um determinado enunciado ao ser estudado pela Análise
do Discurso (AD), como um dispositivo de leitura, passa pelo
olhar da materialidade. O discurso é um observatório entre língua,
sujeito, história, ideologia e política, o que significa dizer que o
sentido do texto nunca está pronto nele próprio.
O texto segue significando na história e na sociedade, desse
modo, produz efeitos de sentido, uma vez que o sentido é sempre
o efeito e o discurso é o processo em movimento.
Trabalhando com Análise do Discurso, e sabendo que o
texto insere significados na História, não temos tanta certeza se
os enunciados, desabafos e clamores postados nas redes sociais se
perpetuam, devido à volatilidade destes meios. É fato, entretanto,
que efeitos de sentido são percebidos.
Com base nesta premissa, este trabalho teve como objetivo
apresentar uma reflexão, por meio dos estudos discursivos, acerca
dos enunciados religiosos postados na rede social Facebook. Foram
analisados quatro perfis (páginas pessoais), cujas pessoas foram
identificadas por “Pesquisada A”; “Pesquisada B”; “Pesquisada
C”; “Pesquisada D”.
Analisamosainda aspectos gramaticais e de argumentação,
especialmente, no que tange ao uso de seleção lexical, o emprego
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dos operadores argumentativos, da antonímiae de recursos
gráficos, dentre outros elementos que tornam o texto mais, ou
menos, argumentativo.
Aspectos metodológicos
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Discurso, ideologia, religião e os seus respectivos reflexos na
consciência humana
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Ocidental – suplanta as suas concorrentes, desde a Antiguidade,
porque se apresenta mais inteligível e agradável utilizando-se da
poética.
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e da Esperança, explicando para a Ignorância a natureza do
Desconhecido”6(BIERCE, 1999, p. 200).
Os sistemas ideológicos constituídos da “moral social, da
ciência, da arte e da religião cristalizam-se a partir da ideologia
do cotidiano, exercem por sua vez sobre esta, em retorno, uma
forte influência e dão assim normalmente o tom a essa ideologia”
(BAKHTIN, 2006, p. 119).
Entende-se por ideologia“a relação imaginária dos
indivíduos com sua existência, que se concretiza materialmente
em aparelhos e práticas” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU,
2014, p. 267).O filósofo norte-americano John R. Searle
complementa com seu conceito acerca de grupo social que para
o autor “é mais do que apenas um bando de pessoas, no qual as
crenças e as intenções de cada um são relevantes para determinar
o todo”. E, a propósito, diz-nos o filósofo polonês Ernst Cassirer
(2001, p. 24)“[...] o todo existe nas suas partes, mas uma parte só
é compreensível no todo”.
O filósofo argelino-francês Louis Althusser (1985) é
de opinião que ideologia não apresenta uma história definida.
Observamos o seu estudo, no qual diversas teorias de ideologias
particulares (religiosas, morais, jurídicas, políticas etc.) expressam
posições ou condiçõesde classe.
Charaudeau e Maingueneau (2014, p. 268) ressaltam que
Marx entendiaideologia como “o conjunto de ideias presentes
nos âmbitos teórico, cultural e institucional das sociedades, que se
caracteriza por ignorar a sua origem materialista nas necessidades
e interesses inerentes às relações econômicas de produção” e,
portanto, termina por beneficiar as classes dominantes. Pêcheux
6
Temor, Esperança, Ignorância e Desconhecido são citados como divindades e/ou
situações alegóricas.
179 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 173-200– jan./jun. 2018
(2014) salienta que a ideologia aparece ligada ao inconsciente pelo
viés da interpretação dos indivíduos em sujeito7. A linguagem está
materializada na ideologia.
7
Para Pêcheux (2014), o sujeito não se pertence, ele se constitui, trata-se do fenômeno
da interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso, a identificação, se constitui pelo
esquecimento que o constitui. Este sujeito é condicionado por determinada ideologia que
predetermina o que poderá ou não dizer em determinadas conjunturas histórico-sociais.
8
Rituais são atos (mesmo perversos) praticados por seres ou sujeitos humanos, inscritos
em práticas próprias de um determinado aparelho ideológico.
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Moisés, interpelado – chamado por seu Nome, tendo reconhecido
que “tratava-se certamente Dele” se reconhece como sujeito,
sujeito de Deus, sujeito submetido a Deus, sujeito pelo Sujeito e
submetido ao Sujeito. A prova: ele o obedece e faz com que seu
povo obedeça às ordens de Deus. [...] Deus é, portanto, Sujeito, e
Moisés eos inúmeros sujeitos do povo de Deus, seus interlocutores-
interpelados: seu espelho, seus reflexos [...] E Deus precisa dos
homens, o Sujeito dos sujeitos, mesmo na temível inversão de sua
imagem neles, quando estes se deixam levar pelos excessos, quer
dizer, pelo pecado (ALTHUSSER, 1985, p. 101, grifo do autor).
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evidências da ‘transparência’ da linguagem), essa evidência de que
você e eu somos sujeitos – e que isso não é um problema – é um
efeito ideológico, o efeito ideológico elementar. (CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, p. 241, 2014).
182 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 173-200– jan./jun. 2018
como máquina, sem raciocínio e sem vontade própria.
A Análise do Discurso não está centrada em “o que o
texto quer dizer”, mas sim em “como ele significa”. Isto posto fica
claro que estes enunciados só fazem sentido se correlacionados
com o contexto atual e com a história daqueles indivíduos com
a religião. “Nos estudos discursivos, não se separam forma e
conteúdo e procura-se compreender a língua não só como uma
estrutura, mas, sobretudo, como acontecimento” (ORLANDI,
2013, p. 19).Os motivos da forma, do conteúdo, da ética e da
estética coexistem e interagem entre si, estando sempre a produzir
significados (significações) e efeitos de sentido diversos. Sobre
este assunto Bakhtin dedica boa parte de sua obra Questões de
Literatura e Estética.
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representante com a voz de Deus é regulada pelo texto sagrado,
pela igreja e pelas cerimônias. (ORLANDI, 1996, p.245)
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pragmáticos (intencionalidade, aceitabilidade, situacionabilidade,
informatividade e intertextualidade).
Seleção lexical é o conjunto das palavras que o autor detém
e emprega para produzir o efeito de sentido desejado. Ela é uma
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Passemos, então, àanálise dos posts coletados no período
delimitado para esse estudo.
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o post, e, por conseguinte, quem o publicou estava clamando por
Deus, conversando com Deus, pedindo uma bênção ou um socorro,
como se Ele tivesse lendo o que estava sendo publicado. Vários
cartunistas em todo o mundo, entre eles: Scott Metzger, expressam
suas sátiras acerca destas publicaçõesconforme demonstra a figura
3, a seguir.
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As figuras 4 e 5 reforçam a crítica à interatividade que
os fiéis acreditam ter entre eles e Deus, como se Ele realmente
tivesse internet e recebesse todas as súplicas e agradecimentos
viafacebook, twitter e outras redes sociais.
188 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 173-200– jan./jun. 2018
O contexto também influenciaos efeitos de sentido que
estes enunciados passam.Datas como Natal eAno-Novo são
carregadas de postagens religiosas e destinadas a Deus, como
demonstram as figuras 6 e 7, a seguir.
189 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 173-200– jan./jun. 2018
Considerando que todo texto escrito ou falado possui
uma intenção, que exprime um valor, seja ele social, político ou,
nesse caso, religioso, notamosque, em alguns posts, a mensagem
representa um dogma da Igreja – católica ou evangélica. O
matrimônio e a família tradicional (cultuados pelas religiões)
são enunciados recorrentes na Internet, especialmente, nas redes
sociais.
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É por esta razão que se pode afirmar que o ato de argumentar, isto
é, de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões,
constitui o ato lingüístico fundamental, pois a todo e qualquer
discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla do termo.
A neutralidade é apenas um mito: o discurso que se pretende
“neutro”, ingênuo, contém também uma ideologia – a da sua
própria objetividade. (KOCH, 2009, p.17)
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Figura 10 –Uso de adjetivos em post religioso
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Figura 12. Verbo digitar no imperativo
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Figura 13. O operador argumentativo “só”
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Figura 15.Os operadores argumentativos “só”; “mas”
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Figura 17 – Exemplo de anáfora com o substantivo Deus
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história, temos um complexo processo de constituição desses
sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão de
informação” (ORLANDI, 2013, p. 22).
“A história diz respeito a uma relação do sujeito (do
homem) com a linguagem, e há a marca da subjetividade daquele
que fala naquilo que fala. E mais do que isso: as línguas têm os
elementos que marcam essa presença” (BRÉAL, 2008, p, 14).
O discurso, por sua vez, representa o efeito de sentidos entre
locutores, ainda que estes sejam Jesus, Deus ou outra divindade.
A construção de sentidos calcada no Facebookse dá,
essencialmente, de forma impositiva ou autoritária, quando os
posts se referem aos dogmas religiosos, e de forma afetiva, quando
o enunciador clama por Deus, ou para pedir uma graça, ou para
agradecer por uma que já tenha alcançado.
Os recursos linguísticos mais recorrentes nos posts
analisados são o emprego do verbo no imperativo, o operador
argumentativo “só” e a anáfora.O sentido de um enunciado pode
variar de acordo com a formação ideológica do enunciador e
também do interlocutor, e no caso em tela, o efeito de sentido está
ligado ao fato destes sujeitos terem, ou não, formação religiosa e
estarem seguindo alguma religião no momento em que leem o post.
Com esse estudo, foi possível verificar que o Facebooktem se
configurado por um espaço público, gratuito e de grande alcance
para a disseminação da religiosidade. Representa uma tentativa
de “arrebanhar” maiscristãos e levar a Palavra àqueles ditos “não
praticantes”, os que acreditam em Deus, mas não frequentam
igrejas.
O desejo destes pesquisadores é que Deus tenha realmente
um perfil no Facebook, e que a conexão de internet do céu seja tão
rápida como a do Japão, porque do contrário, muitosposts foram
em vão!
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Referências:
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KOCH, IngedoreGrunfeld Villaça. A inter-ação pela linguagem. São
Paulo: Contexto, 2004.
199 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 173-200– jan./jun. 2018
200 Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 72 – p. 173-200– jan./jun. 2018
Normas para publicação