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CENTRO DE LETRAS
E CIÊNCIAS HUMANAS
REITORA
Berenice Quinzani Jordão
VICE-REITORA
Ludoviko Carnasciali dos Santos
DIRETORA DO CLCH
Ronaldo Baltar
VICE-DIRETOR
Elaine Fernandes Matheus
REDAÇÃO
Isabel Cristina Cordeiro
Esther Gomes de Oliveira
CAPA
Felipe Rostirolla
IMAGEM DA CAPA
The Poet’s Garden
Vincent Van Gogh
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E COMPOSIÇÃO
Maria de Lourdes Monteiro
CONSELHO EDITORIAL
Sérgio Paulo Adolfo
Volnei Edson dos Santos
Paulo Bassani
Paulo de Tarso Galembeck
Celso Vianna Bezerra de Menezes
PARECERISTAS
Dra. Maria Beatriz Pacca - UEL
Dr. Francisco Moreno Fernandes - Univ. Alcalá de Henares - España
Dr. Aquiles Cortes Guimarães - UFRJ
Dra. Adelaide Caramuru Cezar - UEL
Dr. Jesús Castilho - Univ. de Valladolid - España
Dr. José Oscar de Almeida Marques - UNICAMP
Dr. José Nicolau Julião - UFRRJ
Dra. Salma Ferraz - UFSC
Dr. Otávio Goes de Andrade - UEL
PUBLICAÇÕES
BOLETIM, CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA – LONDRINA-PR. - BRASIL, 1980
I
BOLETIM 66
CENTRO DE LETRAS
E CIÊNCIAS HUMANAS
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina – nº 66 – p. 1-220, jan./jun. 2014
Indexado por / Indexed by
ISSN 0102-6968
Sociological Abstracts SA
Linguistics and Language Behavior Abstracts LLBA
boletimhumanas@uel.br
Fone / Fax:(43) 3371-4408
Semestral
ISSN 0102-6968
1. Sociologia – Periódico. 2. História – Periódico. 3. Letras – Periódico. 4.
Filosofia – Periódico. 1. Universidade Estadual de Londrina.
CDD 301.05
CDU 301:4:I(05)
Sumário
Apresentação................................................................................ 7
NORMAS.............................................................................................. 219
Apresentação
Resumo: Sabemos que, com o avanço dos estudos linguísticos, deve-se levar em
consideração a função morfossintático-semântica e pragmática das palavras em diferentes
contextos, propiciando uma visão mais ampla sobre o uso da língua(gem). Amplia-se
também a leitura quando se compreende a importância da função de alguns conectores
como elementos importantes no processo de produção textual. Neste trabalho discutimos
e encaminhamos sugestões de como conduzir a análise linguística das preposições e das
conjunções. Apontamos questões discutidas por Neves (2000), Ilari et al. (2008) e
Castilho (2010) entre outros estudiosos que discutem o assunto.
Palavras-chave: preposição; conjunção; análise linguística.
Introdução
1
Professora Associada B do Departamento de Letras Vernáculas e no Mestrado em Linguagem,
Identidade e Subjetividade na Universidade Estadual de Ponta Grossa.
1. Parede de tijolos.
2. Viajar sem pressa.
3. Você previu que isso ia acontecer.
4. Faça isso quando quiser.
Agora, as conjunções
Uso Outros
PREPOSIÇÕES Uso
temporal usos
A,até,de,desde,em,entre,para,por(per) Sim Sim Sim
Com,sem Sim Sim Sim
Sob,sobre Não Sim Não
Ante,perante Não Sim Não
Após Sim Não Não
Contra Não Não Sim
Trás Não Não Não
Preposições Gramaticalizadas
A, de, para, por, em, com Altamente
Após, até, contra, desde, entre, perante, sob,
Pouco/menos
sobre, trás, sem
Mas home, ocê tá falando essas coisa, mode que não imagina os
acontecido. ( com o sentido de “parece” (Marroquim, 1943/1996).
Algumas considerações
Referências
Resumo: Neste Artigo, realiza-se pesquisa explicativa, por meio dos procedimentos
bibliográfico e documental, cujo objetivo é focalizar a citação como manifestação do
discurso relatado, evidenciando as formas como esse discurso outro é inserido em artigos
científicos publicados em periódicos científicos da área Letras/ Linguística. O corpus é
constituído por 3 artigos, de revistas com Qualis CAPES A1, A2, B1, os quais, segundo
um dos critérios Qualis, são artigos de alta qualidade, produzidos por pesquisadores
doutores. Observamos que as formas das citações, quando tomadas em sua dimensão
linguística e entendidas como manifestação do discurso relatado, ganham outros
contornos, mais variados e abrangentes do que aqueles delimitados pela ABNT NBR
10520-2002 e disseminados pelos Manuais de Metodologia.
1
Docente da UNESPAR, campus União da Vitória-PR. Doutoranda do Programa de Pós-
graduação em Estudos da Linguagem (UEL). Mestre em Estudos da Linguagem (UEL).
E-mail: liliansalete@hotmail.com.
2
Docente do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (UEL).
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Introdução
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nos textos dos especialistas, a fim de dispormos de um parâmetro
para comparação” com textos de estudantes universitários. Os
autores classificam os diferentes modos de referência ao discurso
do outro como evocação, discurso relatado e, a partir deste,
reformulação, ilhota citacional e citação autônoma. Em sua análise
de artigos publicados na revista Langages, eles encontraram número
significativo de evocação nos textos dos especialistas. Sob a forma
de discurso reportado, os especialistas utilizam predominantemente
a reformulação. Isso, segundo os autores, explica-se pela economia,
pela condução do fio da análise e por propiciar fácil controle do
gerenciamento enunciativo. A citação ocorre quando o autor precisa
marcar o dizer do outro, caso de definições, ou por questões de estilo.
Os estudantes universitários, por seu turno, supervalorizam
a citação comparada à reformulação, enquanto a evocação aparece
muito pouco. Os autores supõem que isso ocorra por: i) acúmulo
de fragmentos de discursos teóricos; ii) prevenção de deslize
resultante de reformulação não pertinente; iii) manutenção do estilo
científico considerado padrão; iv) distanciamento característico de
um primeiro contato com o discurso científico; v) fundamentação
ou valorização de seu dizer, especialmente pela falta de domínio do
conhecimento específico (BOCH; GROSSMANN, 2002).
Bessa e Bernardino (2012) partem da tese de que a referência
ao discurso do outro, fenômeno intrínseco à construção do texto
em geral e do texto acadêmico em particular, é mais recorrente nos
trabalhos de estudantes; os autores comprovam sua tese estudando
relatórios de estágio e TCCs de alunos do curso de Letras. Analisando
seu corpus, os autores verificaram que os estudantes mobilizam o
discurso do outro de diferentes maneiras, mas predominantemente
com vistas a apoiar/ reforçar seu dizer. No entanto, eles destacam
que nem sempre essa mobilização é bem empregada nos textos dos
estudantes e acreditam que a recorrência do discurso citado direto
indica sua dificuldade em citar indiretamente, via paráfrase ou
comentário.
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Alvarenga (1998) toma como base a bibliometria,
relacionando-a à arqueologia do saber foucaultiana, numa busca
por convergências e divergências entre ambas. Bessa (2011, p.427)
defende que somente o olhar técnico não é suficiente para “[...] dar
conta da complexidade do fenômeno da citação [...]”, assim como
somente o olhar linguístico não o é também, já que os usos da citação
“[...] não dependem de estratégias pontuais dos enunciadores [...]”
(BESSA, 2011, p.427). Esse autor afirma que há poucos estudos no
campo linguístico acerca da citação em textos acadêmico-científicos.
Ele analisa textos de pesquisadores iniciantes e mostra que o ensino
não deve se limitar a visão da citação como procedimento técnico,
pois o ato de citar envolve aspectos de natureza enunciativa, uma
tomada de posição do enunciador frente o dizer do outro.
Tendo em vista esse contexto, o objetivo deste Artigo
é focalizar a citação como manifestação do discurso relatado,
evidenciando as formas como esse discurso outro é inserido em
artigos científicos publicados em periódicos científicos da área
Letras/ Linguística. Por ser este Artigo um recorte de nossa Tese
em andamento, o corpus aqui selecionado é formado por 3 artigos,
de revistas com Qualis CAPES A1 (Artigo 1), A2, (Artigo 2), B1
(Artigo 3), os quais, segundo um dos critérios Qualis, são artigos
de alta qualidade, produzidos por doutores. Essa escolha se justifica
pelo fato de querermos mostrar quais são os usos feitos pela “elite
acadêmica”, isto é, por profissionais que já atingiram o grau máximo
de sua titulação acadêmica e são pesquisadores com relativa produção
científica. Metodologicamente, esta pesquisa se classifica, quanto
aos objetivos, como explicativa, e quanto aos procedimentos, como
bibliográfica e documental.
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Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), por meio da norma NBR
10520, de agosto de 2002, “[...] especifica as características exigíveis
para apresentação de citações em documentos.” (ABNT, 2002, p.1)
e define:
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citações para ratificar as ideias do autor da pesquisa. As autoras
chamam atenção também para o fato de que as citações bem
escolhidas enriquecem o texto, pois mostram preocupação do autor
com a pesquisa e a atenção dada aos autores citados, os quais se
mostram “relevantes para o assunto”.
Quanto aos tipos e formas de apresentação, as autoras seguem
a NBR 10520, mas com diferença nas nominações: as citações
diretas são chamadas textuais e as citações indiretas são chamadas
conceptuais. Por se tratar de um manual, a forma como as autoras
condensam e organizam as regras da ABNT merece destaque, visto
que se torna mais fácil a compreensão dos tipos e formas de fazer
citação: as citações textuais são subdivididas em citações curtas (até
três linhas) e citações longas (mais de três linhas). No caso das citações
conceptuais, as autoras destacam que elas podem se apresentar
de duas formas – por paráfrase e por condensação (MÜLLER e
CORNELSEN, 1999, p.22-25).
Suzuki, Steinle e Battini (2009) abordam a citação quando
tratam dos elementos textuais do TCC. As autoras utilizam os
mesmos nomes da ABNT – citações diretas e indiretas – e seguem
a organização de Müller e Cornelsen para subdividir a citação direta
em curta ou longa.
Apesar de abordarem as diferentes formas de citação e
fornecerem exemplos de como devem ser feitas, os Manuais de
Metodologia nem sempre são bem avaliados. Dias (2005) aponta
que esses Manuais são pouco apropriados por não abrangerem a
heterogeneidade das práticas discursivas dos gêneros científicos. Ao
focalizar aspectos técnicos e o produto, essas obras não apresentam
as possibilidades, os efeitos enunciativos e os significados de recorrer
ao discurso de outrem.
Visão semelhante têm Boch e Grossmann (2002, p.97):
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os estudantes universitários são colocados frente a exigências
contraditórias: citar, mas não muito, dar prova de originalidade,
mas se referir permanentemente ao discurso dos professores.
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Diante do exposto acima e, especialmente, da última citação,
passaremos à visão da citação como manifestação do discurso
relatado.
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aplicá-lo em outro, atribuindo-lhe novo significado. Ao colocar um
enunciado no interior de outro, ele manifesta-se a respeito desse
enunciado, o que implica um comprometimento com o que está
sendo dito, mesmo que sejam palavras atribuídas a outro enunciador.
Uma definição de discurso citado é: “O discurso citado é
o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao
mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a
enunciação.” (BAKHTIN, 2006, p.147)
Segundo Bakhtin (2006, p.147):
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do indireto, até porque o processo de citação vai além dessas formas
padronizadas.
Segundo o autor, uma forma é relegada a segundo plano
quando as tendências dominantes de compreensão e de apreciação
são difíceis de se manifestar sob essa forma, por isso ela é rejeitada.
Assim, no estudo do discurso citado, é importante que o pesquisador
foque seu estudo na interação entre o discurso citado e o discurso
citante, observando a direção em que se desenvolve a dinâmica
dessa interação.
Por um lado, pode-se delimitar clara e nitidamente o discurso
citado de modo a “protegê-lo de infiltração” do discurso citante;
criam-se contornos exteriores nítidos. Por outro lado, o discurso
citado pode ser apresentado como um monobloco, uma tomada
de posição do citante, em que ele “infiltra” seus comentários no
discurso do outro, apagando suas fronteiras (BAKHTIN, 2006,
p.152-153). No primeiro caso tem-se o estilo linear e, no segundo,
o estudo pictórico.
As constatações de Bakhtin (2006) foram feitas com base em
textos narrativos de séculos anteriores ao que ele viveu, escritos, por
exemplo, em francês ou russo, bem como seu estudo do discurso
indireto, do direto e de suas variantes foi feito a partir do russo. O
próprio autor observa que:
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vem em primeiro plano e o enunciado é visto como discurso, bem
como o texto é estudado “[...] como uma atividade enunciativa
ligada a um gênero do discurso: o lugar social do qual ele emerge, o
canal por onde passa [...], o tipo de difusão que implica etc., não
são dissociáveis do modo como o texto se organiza.”
Authier-Revuz (1997) assevera que os modos de representação
do discurso outro não se limitam ao discurso direto, indireto
e indireto livre, já que existem as formas híbridas entre outros
fenômenos. Para estruturar o campo do discurso citado, a autora
estabelece três oposições fundamentais: i) DR [discurso relatado =
discurso direto; discurso indireto] no sentido estrito vs. modalização
em discurso segundo; ii) signo padrão vs. signo autônimo; iii)
explícito vs. interpretativo.
A autora destaca que é essencial entender que o discurso
relatado não trata de frase ou enunciado, mas relata “um ato de
enunciação” e, por isso, “[...] supõe que e (objeto de M) seja diferente
de E [...]. Essa diferença entre e e E pode abarcar todos os parâmetro
(L ≠ l, R ≠ r; Tempo ≠ tempo; Lugar ≠ lugar)[...].” (AUTHIER-
REVUZ, 1997, p.145-146)
Authier-Revuz (2004) afirma que o locutor explicita em seu
discurso o discurso citado por meio do discurso direto e do indireto:
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identificáveis a partir de índices textuais ou pela cultura do
interlocutor (por exemplo: discurso indireto livre, alusões, ironia,
pastiche etc.) ou por meio de formas marcadas (discurso direto
ou indireto, as aspas, as glosas). (AUTHIER-REVUZ, 2004;
MAINGUENEAU, 1997)
Souza-e-Silva e Rocha (2008, p.16) apontam as formas
do discurso relatado abordadas por Mainguenau (2008) como
“conceitos-suporte para uma abordagem discursiva das marcas da
heterogeneidade mostrada”. Este autor trata das formas modalização
em discurso segundo, discurso direto, discurso indireto, formas
híbridas, resumo com citações.
Boch e Grossmann (2002) apontam os modos de referência
ao discurso do outro como evocação e discurso relatado e, dentro
deste, reformulação, ilhota citacional e citação autônoma. A ilhota
e a citação entram nas formas de discurso direto e indireto, que
abordaremos com base em Maingueneau (2008). De Boch e
Grossmann (2002) interessam para nós a evocação e a reformulação.
Vejamos, a seguir, as especificidades de cada um dos tipos
nomeados acima e que servirão de base para a análise das formas
das citações.
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que o discurso indireto, são duas estratégias diferentes empregadas
para relatar uma enunciação. (MAINGUENEAU, 1997, p.85)
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Em relação à autonímia, no DD observam-se as propriedades:
“a mensagem relatada, colocada entre aspas, tem a função, na
frase global, de um SN substituindo as funções de OD do verbo
dicendi, qualquer que seja sua natureza sintática.”; “[...] a mensagem
mostrada e, DD é dada em sua materialidade significante [...]”
(AUTHIER-REVUZ, 1997, p.139-140).
Os introdutores do DD têm duas funções relacionadas ao
leitor: 1) indicação de um ato de fala; 2) estabelecimento de fronteira
entre discurso citante e discurso citado. A primeira função é satisfeita
por meio de: verbos cujo significado indica que há enunciação;
grupos preposicionais; ausência de introdutor explícito. A segunda
função é marcada tipograficamente: “[...] dois pontos, travessões,
aspas e itálico delimitam a fala citada.” (MAINGUENEAU, 2008,
p.141)
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Formas híbridas
Ilha textual
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Authier-Revuz (2004) considera que na ilha também há
a homogeneidade que ela apontou anteriormente no DI (cf.
AUTHIER-REVUZ, 1997). Enquanto no DD a heterogeneidade
se mostra tanto no plano sintático quanto no plano enunciativo,
na ilha, assim como no DI, não apresenta ruptura sintática ou
enunciativa, mas o fragmento é integrado e homogêneo.
DD com que
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Segundo o autor, as palavras citadas se distinguem claramente
pela tipografia, seja itálico, sejam aspas. Essa forma de citação
é muito comum em textos jornalísticos, nos quais o RCC “[...]
pretende efetivamente ter valor documentário, ele se baseia em uma
ética da palavra escrita, da objetividade, que faz a voz do discurso
citante tornar-se a mais discreta possível.” (MAINGUENEAU,
2008, p.155)
Reformulação
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Para nós, reformulação será a ocorrência de DI em que há
ausência de marcas tipográficas e o discurso citado aparece integrado
ao discurso citante, sendo reconhecido somente pela presença da
referência (Autor, data) no final do trecho reformulado.
Evocação
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(1) A propósito, citamos Seide (2006, p. 89),
Esta multiplicação [de sentidos], aponta ele [Bréal], decorre de o
sentido novo conviver com o antigo e poder ser causado
pela metaforização, pela concretização, pela abstração, pela
extensão, pela restrição de sentido, ou ainda por eventos externos
à linguagem. (ARTIGO 2)
(3) [...] Trata-se do que Palrilha (2009, p. 92) define como “[...]
propriedade semântica de certas unidades lexicais, que lhes
permite funcionar com a conotação que lhes pretendemos
dar” [...]. (ARTIGO 2)
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(5) [...] Herring define perguntas retóricas como “qualquer
elocução que é interrogativa na forma, porém, ao contrário de
perguntas que requerem informação, as perguntas retóricas não
solicitam respostas”. 26 Desta forma, ao se falar em tipologia de
pergunta, há que se levar em conta, também, a resposta, já que esta
delimita a pergunta que vai ser feita. (ARTIGO 3)
Nas ocorrências (3) a (5), a introdução da citação também
é feita por verbo dicendi (definir, conceituar), mas não há pausa
entre a introdução e o DD; ele vem destacado por aspas e inserido
sintaticamente no período.
Além dos verbos dicendi, o DD pode ser introduzido por
grupos preposicionais. Nesse caso, o DD é introduzido de maneira
semelhante à MDS, de modo que os grupos preposicionais assinalam
uma mudança de ponto de vista (segundo X, para X, conforme
X...): “Geralmente, esses introdutores de discurso direto não são
neutros, mas trazem consigo um enfoque subjetivo. Com efeito, o
verbo introdutor fornece um certo quadro no interior do qual será
interpretado o discurso.” (Maingueneau, 2008, p.143)
Vejamos as ocorrências:
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é o que proponho chamar o aspecto subjetivo da linguagem.
(ARTIGO 2)
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Nos casos de (10) a (12), têm-se orações conformativas
introduzidas pelas conjunções “conforme” e “como”. Abaixo, não
há uso de preposições que indicam conformidade:
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‘purificação’ lustrum, lustratio. Como, nessa ocasião, o magistrado
e os padres percorriam as organizações populares, o verbo
lustrare assumiu o sentido de ‘percorrer’, ‘passar em revista’
(BRÉAL, 1992, p. 89, grifo do autor). (ARTIGO 2)
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ouvinte, este ultrapassa o valor literal, fixando-se na restrição
ou ampliação semânticas, em conformidade com aquele que fala.
Bréal did not only study language as a system of signs and
as a social institution, as indicated by the ‘ideologues’ and the
psychologist Taine, he also analysed the use of signs in contexts
and the use of language for the expression of feelings as well
as beliefs, wishes, demands and so on, in short speech acts. He
also examined the expression of the subject, what he called
subjectivity, in language, as for example the function of
markers like nevertheless, hopefully, etc. (NERLICH; CLARKE,
1994, p. 448). (ARTIGO 2)
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(21) [...] Ao relatar essa experiência, Martin (2000) afirma que,
nessas escolas, as disciplinas foram mapeadas por sistemas de gêneros
e, dessa forma, foram criadas vias de aprendizagem por discursos
diferenciados dos comuns às disciplinas. (ARTIGO 1)
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(26) As alterações semânticas decorrem de múltiplos fatores,
estudados exaustivamente por Bréal (1992), como a restrição
e a ampliação de sentido, a metáfora, o espessamento de
sentido, a polissemia. Bréal recusava-se a apresentar a analogia
como uma causa e muito menos como uma força cega.
(ARTIGO 2)
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Na ocorrência (30) acima, o autor citado se torna o agente
da passiva, dando-se destaque nas construções para os conceitos
utilizados por eles em seus estudos.
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(35) Conforme os dados analisados, a diversidade de composição
do gênero ocorre no próprio relatório de estágio, o que é motivado
por inúmeros fatores, dentre os quais destacamos [...]. A ida do
aluno-mestre ao campo de estágio para observar e ministrar aulas
parece ser o único consenso existente na prática da referida disciplina
(Bueno, 2009: 46). A diversidade de procedimentos assumidos
inicia quando da escolha dos dispositivos para o aluno-mestre
apresentar as observações, reflexões ou críticas realizadas sobre as
atividades vivenciadas nos estágios: diários; discussões dirigidas;
projetos; relatórios; relatos reflexivos; seminários; dentre outros. Nas
palavras de Bueno (2009: 46), “cada professor de estágio faz a
sua escolha de acordo com os seus objetivos e, assim, diferentes
dispositivos acabam sendo empregados”. (ARTIGO 1)
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o fragmento do citado e, sendo esse fragmento essencial para o
entendimento do trecho, ele é incluído, demarcado por aspas,
indicando tratar-se de DD.
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Resumo com citações (RCC)
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por natureza, ostenta uma significação geral, pois que “[...] marca
uma ação tomada em si mesma, sem outra determinação de
espécie alguma” (BRÉAL, 1992, p. 81). Assim, a adjunção de
um sufixo ao verbo pode conferir a ele uma noção de agente,
paciente, produto ou instrumento de ação. No entanto, os
resultados substantivais e adjetivais da adjunção não perdem
o significado geral. “Será preciso que pelo uso se limite”, afirma
Bréal (1992, p. 82).
A título de exemplo, refiramo-nos ao nome tegmen
usado para designar o telhado da casa. O referido substantivo
provém do verbo tegere ‘cobrir’ e de um sufixo instrumental men.
Todavia, tegmen se aplicava também para designar qualquer
cobertura ou invólucro. Em se usando tectum em lugar de
tegmen, depara-se com uma palavra de sentido mais restrito:
tudo que é coberto. O processo culmina com o francês toit para
encontrar-se a palavra em sua restrição máxima: “[...] cobertura
de uma casa” (BRÉAL, 1992, p. 81).
O autor argumenta que a desproporcionalidade entre as
palavras e as coisas não é percebida pelo falante, para quem a
expressão “[...] corresponde em si mesma à coisa, graças ao
conjunto de circunstâncias, graças ao lugar, ao momento,
à intenção visível do discurso” (BRÉAL, 1992, p. 81). Na interação
verbal, a atenção do ouvinte, dirigida ao pensamento, não se
detém no valor literal da expressão, mas “[...] a restringe
ou a estende segundo a intenção daquele que fala” (BRÉAL,
1992, p. 81).
Como contraponto à restrição de sentido, há a ampliação
de sentido, porém a diferença progride em mais de um ponto: a
restrição emerge da própria linguagem, liga-se primordialmente
a fatores intrínsecos, enquanto a ampliação de sentido resulta
de acontecimentos históricos, ou seja, liga-se a fatores
essencialmente extrínsecos. Por exemplo, a palavra parricidium
‘assassinato de um pai’ ampliou-se amparada em alterações fonéticas
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a qualquer espécie de crime. ‘Videmia’, palavra que remonta
a vinum ‘vinho’, aplicou-se depois a outras colheitas além das do
vinho: vindemiaolearum, mellis, turis (BRÉAL, 1992, p. 89). [...]
Ampliação e restrição de sentido também ocorrem
na sincronia. Exemplo dado pelo autor é a frase Aller à laville ‘ir
à cidade’, frase conhecida por todos os camponeses, “[...] mas
que permanecendo a mesma deve traduzir-se segundo a região
por um nome diferente” (BRÉAL, 1992, p. 85). Bréal (1992) se
refere ao fato de Platão ter acusado Tales de não ter empregado
devidamente os termos relativos aos princípios mais abstratos
da linguagem filosófica. Em suma, Bréal remete à questão
hodierna das línguas de especialidade, já vigente no tempo de
Platão (SEIDE, 2006). [...]
Há um caso particular de polissemia que não se associa à
restrição ou ampliação de sentido (BRÉAL,1992). É aquela que
resulta por redução, vulgarmente conhecida por elipse. Pode
configurar-se plenamente, sendo irrecuperável o elemento
suprimido, ou pode configurar-se precariamente, sendo o
elemento suprimido recuperável por conhecimento de mundo
ou cooperação pragmática. (ARTIGO 2)
O mesmo ocorre no Artigo 3; exceto seis linhas no início e
quatro no final, praticamente todo o item “Estudos sobre perguntas”,
inserido no Referencial teórico, é uma sequência de RCC:
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c) na parte medial do segmento melódico, haver uma queda
de voz , que, embora seja mais acentuada do que nas orações
declarativas, não altera o caráter ascendente desta modalidade de
interrogação;
d) subir a voz acentuadamente na última vogal tônica, ponto
culminante da frase; em seguida, sofrer uma queda brusca, apesar
de se manter em nível tonal elevado. 11
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Coracini tenta mostrar, de acordo com sua perspectiva, que os
alunos tendem a responder exatamente o que o professor quer,
sendo raros os casos em que o aluno toma uma postura diferente.
Esta acepção da autora em relação aos professores e alunos não é
defendida aqui. A pesquisa de Coracini teve como foco principal
as formas que as perguntas em sala de aula, feita pelo professor,
assumem, e das respostas dos alunos a essas perguntas em aulas de
leitura. Não foca efetivamente as perguntas em relação ao tópico,
mas a relação professor-aluno.
Outro ponto que a investigação de Coracini procurou
evidenciar foi se as perguntas que são utilizadas em sala de aula têm o
mesmo propósito que tinham na antiguidade, que era o da maiêutica
socrática. A autora argumenta que as perguntas, na antiguidade,
eram elaboradas para desenvolver, no discípulo, a capacidade de
raciocinar e de elaborar soluções, baseadas na racionalidade, para
as questões que surgiam. No entanto, Coracini 28 afirma que hoje
só existe o vestígio dessa prática. As perguntas do professor são
classificadas, de acordo com a proposta de Coracini, em dois tipos: as
didáticas, que têm como objetivo estabelecer relação entre professor
e alunos; e as comunicativas, que parecem escapar às preocupações
didáticas, mesmo fazendo parte da aula. (ARTIGO 3)
Esse RCC na Análise se justifica por se tratar de um artigo em
que os autores estão comparando concepções de diferentes autores.
Assim, mesmo na Análise, é pertinente que eles façam RCC de um
trabalho (no caso, um capítulo de um livro da autora citada).
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de preposição, introduzindo, nesse caso, sintagma nominal que
estabelece relação circunstancial de conformidade.
Vejamos as ocorrências:
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(49) Um exemplo diz respeito à classificação das semirretóricas.
Para Coracini, estas servem para animar a aula, classificando-a
como perguntas de animação. Neste caso, quando um professor
faz uma pergunta que ele mesmo responde, o faz para não dar
oportunidade ao aluno de responder. Para a autora, essa postura
compromete o desenvolvimento crítico do aluno, já que estes acham
normal esse procedimento, não procurando, portanto, responder
a esse tipo de pergunta[...](ARTIGO 3)
Reformulação
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relatório ou relato de estágio supervisionado, bastante comum nos
cursos de licenciatura, ainda que pouco focalizado em investigações
científicas (cf.: Fairchild, 2010; Fiad e Silva, 2009). (ARTIGO 1)
Menção
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(54) No trabalho mencionado, Marinho (2010) apresenta uma
investigação diferenciada quando comparada a outros trabalhos
científicos realizados a partir da noção teórica de gênero (cf.:
Araújo, 2002; Motta-Roth, 2002), pois a autora focaliza o gênero
resenha produzido por alunos-mestre, ou seja, a escrita do professor
em formação inicial ganha relevância. (ARTIGO 1)
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Conclusão
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ou a MDS (a qual marca claramente de quem é a ideia citada) ou
a reformulação (pela ausência de marcas tipográficas, integra o
discurso citado ao citante).
Há ainda, a possibilidade de mesclar DD e DI, forma de
citação não prevista nas classificações da norma. Desse modo, pode-
se optar por utilizar fragmentos de DD inseridos no DI ou mesmo
nas próprias ideias do citante (ilha citacional); pode-se construir um
DD com características próprias de DI (DD com que); ou se pode
resumir o conteúdo de um texto, inserindo, sempre que necessário
a voz do citado (RCC).
Por fim, pode-se apenas mencionar o citado, evocando
indiretamente suas ideias, selecionando-se a faixa do público leitor
a que se dirige o texto científico, já que a menção remete às ideias
do autor sem precisar citar suas palavras no texto, de modo que o
citante reconhece a grandeza e abrangência das ideias do citado,
bem como se sente seguro de que a simples menção do sobrenome
do citado é suficiente para seu leitor.
Concluímos que o estudo e consequentemente o ensino da
citação deve pautar-se em suas formas do ponto de vista linguístico,
tratando esse fenômeno em sua potencialidade linguística e não
somente como mera transcrição literal ou paráfrase de trechos de
textos.
Referências
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AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Palavras incertas: as não coincidências
do dizer. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997.
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SILVA, Margarete Fátima P. Sales e. Dissertações de Mestrado: apropriação
e constituição de sentidos para a prática pedagógica com vistas à produção
de novos conhecimentos. In: CONGRESSO DE LEITURA DO
BRASIL,17., 2009, Campinas. Anais do 17º COLE, Campinas, SP,: ALB,
2009. Disponível em: http://www.alb.com.br/portal.html. Acesso em: 30
out. 2013. ISSN: 2175-0939
Artigo 1:
SILVA, Wagner Rodrigues. Proposta de análise textual-discursiva do gênero
relatório de estágio supervisionado. DELTA, v.28, n.2, p.281-305, 2012.
Artigo 2:
DUARTE, Paulo Mosânio T.; LIMA, Maria Claudete. A deriva semântica
de termos ligados a destino. Acta Scientiarum. Language and Culture,
Maringá, v.34, n.2, p.187-198, jul/dez, 2012.
Artigo 3:
SANTOS, José Carlos L. dos; ARAUJO, Andréia S.; FREITAG, Raquel
M. Ko. Perguntas na sala de aula: uma classificação textual-interativa.
Cadernos de Letras UFF – Dossiê América Central e Caribe: múltiplos
olhares, n.45, p.373-397, 2012.
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A LÍNGUA DO PODER: INCLUSÃO E EXCLUSÃO
NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA
RESUMO: Este artigo analisa três slogans de escolas de idiomas para observar como
os sentidos são construídos pela propaganda. Pautado em Pêcheux (1997), Orlandi
(2003) e Maingueneau (2001), destaco como essas escolas constroem significados para
a Língua Inglesa no cenário brasileiro, promovendo exclusão de muitos em favor da
inclusão de poucos. Os resultados sugerem que os slogans valorizam o padrão do falante
nativo, o desejo pela fala, ascensão social, sentidos de pertencimento e construção de
identidades positivas, relacionadas a comunidades poderosas. Espero com este estudo
contribuir para que algumas representações sejam questionadas, produzindo imagens
mais inclusivas da Língua Inglesa.
ABSTRACT: This paper analyzes three slogans of language schools to observe how the
senses are constructed by advertisement. Based on Pêcheux (1997), Orlandi (2003)
and Maingueneau (2001) I try to understand how these schools construct meanings for
English Language in Brazilian contexts, promoting exclusion of many people in favor of
a minority. The results suggest the slogans value the native speaker standard, the desire
of speaking, social mobility, sense of belonging and construction of positive identities,
related to powerful communities. I hope with this study contribute to question some
representations, by promoting more inclusive images of the English Language.
Introdução
1
Professor de Português e Inglês do Instituto Federal do Paraná, campus Telêmaco Borba.
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade
Estadual de Londrina (UEL).
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escolas de idiomas que atuam no país. Na arena do mercado,
revestidas pela imagem de prestadoras de serviços, essas escolas
elitistas configuram uma autêntica altercação pelo poder, através
da construção e divulgação de slogans publicitários, representações,
discursos e identidades.
Visando compreender os sentidos mobilizados nessa disputa,
recuperamos no cenário nacional três slogans, divulgados entre
2004-2005, por escolas de idiomas: 1) Escola 1, aqui você aprende;
2) Escola 2, é assim que se fala; 3) Destaque-se, fale certo, fale Escola
3. A recuperação desses discursos, após dez anos de divulgação, é
pertinente pela atualidade de seus sentidos, significação e influência,
em comunidades dominadas pela aparência, consumo e ideologia.
Tais discursos serão enlaçados por meio da perspectiva teórica
da Análise de Discurso (AD) de linha francesa, para que eu analise
as representações do sujeito-consumidor presentes nos slogans dessas
escolas, bem como os sentidos e as ideologias que as sustentam.
Embora esses discursos articulem elementos verbais e não verbais,
priorizo, neste artigo, mais o verbal por uma questão de recorte e
coerência com os limites do texto.
Penso que os discursos promovidos por essas escolas apelam
à distinção de sujeitos que contemplam a Língua Inglesa como
mais um atavio comunicativo, ecoando a antiga fórmula capitalista
do saber como fonte de poder e status. A ênfase na língua como
instrumento de projeção social mobiliza o sentido de pertencimento
a comunidades poderosas e, consequentemente, a ideologia de
que o universo se curva aos pés dos homens que detêm a língua,
conhecimento e poder.
Consoante Orlandi (2003), a Análise de Discurso de linha
francesa constitui um gesto de leitura que visualiza a linguagem
enquanto organismo representativo de sentidos inscritos na
história. Essa metodologia de interpretação articula três regiões do
conhecimento que se confluem contraditoriamente nas teorias da
sintaxe e da enunciação, ideologia e discurso, transpostas por uma
noção de sujeito lacaniana.
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A Análise de Discurso – quer se a considere como um dispositivo
de análise ou como a instauração de novos gestos de leitura – se
apresenta com efeito como uma forma de conhecimento que se
faz no entremeio e que leva em conta o confronto, a contradição
entre sua teoria e sua prática de análise (...) uma forma de reflexão
sobre a linguagem que aceita o desconforto de não se ajeitar nas
evidências e no lugar já-feito (...) região de equívoco e em que se
ligam materialmente o inconsciente e a ideologia (ORLANDI,
1997, p. 7-8).
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essencialmente, irracionais que atuam no ego dos indivíduos, nas
imagens perceptivas e pressupostas de si e dos outros.
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memória dos consumidores potenciais a associação entre uma marca
e um argumento persuasivo para a compra (MAINGUENEAU,
2001, p. 171).
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pela memória despertam e revivem as condições de produção. Para
a autora, as condições de produção movimentam dois contextos: o
imediato, que representa as circunstâncias de enunciação e o amplo,
que abrange o contexto histórico, social e ideológico.
Assim, considerando o contexto imediato em que eclodem
os slogans apresentados por este estudo, digo que o espaço é
representado por três franquias de ensino de Língua Inglesa, em uma
cidade de médio porte, onde esses discursos figuram em panfletos
de divulgação. Os folders bem como outros materiais de divulgação
são distribuídos aos possíveis consumidores e divulgados nas mídias
ao longo do ano, de forma mais intensa no início do primeiro e
segundo semestre, momentos que antecedem a matrícula com a
abertura de novas turmas.
Os sujeitos que respondem por essas formulações são três
marcas que atuam no cenário nacional e internacional, direcionadas
para o ensino de Língua Inglesa, neste estudo, nominadas pelos
pseudônimos: Escola 1, Escola 2 e Escola 3. O contexto amplo
desses discursos invita para a sua compreensão os efeitos de sentido
de como a propaganda engendrada pelas instituições privadas no
sistema capitalista, entre elas as escolas de idiomas, disputam a
preferência dos consumidores.
De acordo com Orlandi (2003, p. 31), a memória constitui,
nas condições de produção, em comunicação com o discurso, a
função de interdiscurso, “aquilo que fala antes, em outro lugar,
independentemente”. O interdiscurso movimenta as regiões
nebulosas do já-dito que sustentam os discursos, atribuindo-lhes
sentido. É o eco distante que se perde na memória de outros dizeres
e reveste de novidade um discurso que já não tem mais idade, tempo
e espaço. São esses outros discursos que mesmo desconhecidos falam
em nossos discursos, renovando significados e ressuscitando outros.
Para Orlandi (2003), o interdiscurso reveste o discurso de forças
incontroláveis que vociferam mesmo em silêncio:
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O dizer não é propriedade particular. As palavras não são só nossas.
Elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro
lugar também significa nas ‘nossas’ palavras. O sujeito diz, pensa
que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo
pelo qual os sentidos se constituem nele (ORLANDI, 2003, p. 32).
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O slogan – Escola 2 é assim que se fala – pode responder ou
ser respondido por outro que propõe uma forma diferente de falar
como: “fale assim”, “fale certo”. Isso ocorre quando o enunciado “é
assim que se fala” desperta um outro discurso que afirma: “não é
assim que se fala”, unificando simultaneamente dois sentidos, um
positivo e um negativo. Esse enunciado desperto pode fazer silenciar
outros que procuram se projetar sob a forma de “fale assim”, “fale
certo”, por exemplo.
Sob outra perspectiva, o enunciado “é assim que se fala”
conecta-se com uma expressão coloquial, utilizada normalmente
por grupos jovens, demonstrando concordância, aprovação,
consentimento, pertencimento, como por exemplo no enunciado:
“falou meu brother! É assim que se fala”. Dessa forma o slogan da
Escola 2 convoca o sentido de decisão, escolha correta e responde
aos apelos discursivos de outras escolas de idioma, neutralizando-os.
Como assevera Maingueneau (2001), o slogan é um gênero
publicitário que se utiliza da sonoridade para penetrar na mente
do consumidor e persuadi-lo através de motivações racionais e
irracionais. Assim, o slogan da Escola 2 explora insistentemente
o fonema /si/ na formulação / Escola 2 é assim que se fala / com
a intenção de convencer o consumidor a dizer “sim” aos apelos da
propaganda, como um jogo de aliteração e sujeição ao desejo pela
Língua Inglesa. Nessa perspectiva discursiva, Foucault (2004) nos
segreda que:
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O slogan divulgado pela escola 3 – Destaque-se, fale certo, fale
Escola 3 – apela diretamente para o desejo de projeção social dos
sujeitos alvos da propaganda, divulgando o fato de que existe uma
forma correta de se falar e que essa forma é contemplada pela escola
de idiomas 3. A ênfase no verbo falar procura apagar a imagem de
que a instituição não prioriza a comunicação oral, em detrimento
de conteúdos gramaticais, e cristalizar na memória do consumidor
a ideia de que o objetivo central da instituição é desenvolver a
habilidade de fala.
Seguindo a mesma linha do slogan da Escola 2, a Escola 3
organiza o seu discurso, buscando atrair o contato do consumidor
com a escola, através do enunciado “fale Escola 3”. Essa fórmula
combina com a estruturação sucinta e persuasiva do slogan que
trabalha o convencimento do consumidor no nível das ideias para
produzir um movimento de aproximação com a instituição de
ensino.
O enunciado “fale certo” possibilita a leitura de que esta e não
outra instituição é a opção correta para a aprendizagem de Língua
Inglesa. Esse enunciado também explora o seu sentido avesso –
“fale errado” –, organizando o sentido de qualquer outra opção do
consumidor será equivocada. Esse raciocínio se articula da seguinte
maneira: se você não falar com a Escola 3, você vai falar errado,
fazer uma opção errada ou, se você não aprender a falar na Escola
3, você vai aprender a falar errado. A dicotomia certo x errado traz
à tona o argumento de autoridade da norma padrão, associada à
replicação do falante nativo e a uma elite que pode desfrutar desse
conhecimento e poder, via escola de idioma.
Em outras palavras, o slogan institucional da Escola 3 procura
através da palavra apoderar-se da primazia do ensino de Língua
Inglesa, incutindo na mente dos consumidores a convicção de que
só essa instituição e não outra conhece os segredos e as virtudes da
língua padrão, associada ao falante nativo. Mas o slogan amplia ainda
mais a extensão dos seus tentáculos significativos, ao asseverar que
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a relação do sujeito com a língua, nesse contexto de aprendizagem,
promove a sua ascensão, destaque e projeção social.
Isso significa que a aprendizagem da língua é transformada
em fetiche ao incorporar sentidos que extrapolam a capacidade
do produto. Assim, o que está em jogo na roleta não é,
fundamentalmente, a capacidade de falar uma nova língua mas,
principalmente, ser uma nova pessoa; alguém melhor, superior,
mundializado pela língua e seu poder. A língua é vendida como
uma possibilidade de pertencimento, reconhecimento e inclusão
em comunidades mais poderosas.
Trilhando os caminhos da primazia do saber, a Escola 1
também produz o seu discurso publicitário, encerrando em poucas
palavras a excelência dos seus serviços e a supremacia dessa instituição
sobre todas as demais, no slogan: Escola 1, aqui você aprende.
Enquanto os outros slogans analisados trabalham com o
imperativo na persuasão dos consumidores – “destaque-se, fale...”;
“é assim...” - a Escola 1 opta por aconselhar o possível consumidor
na tomada de sua decisão. O avesso desse slogan – “lá você não
aprende” – confirma a estratégia de manipulação do discurso da
propaganda, que enreda todos os outros discursos produzidos por
escolas de idiomas, a fim de esmagá-los. A luta pelo poder, verdades
e potencial de identificação, por meio da língua, está explicita nessas
altercações.
A palavra “lá” evoca como lugar de referência todas as demais
escolas concorrentes, anulando os seus dizeres. Essa referência não
se materializa explicitamente, visto que o discurso da propaganda,
submisso ao jogo mercadológico, desenvolve-se sob os limites
“éticos” de dissimulações e mascaramentos. Logo, como nos lembra
Foucault (2004, p. 9) “não se tem o direito de dizer tudo, que não
se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um,
enfim, não pode falar de qualquer coisa”.
Articulando as cores das bandeiras anglo-americanas,
representativas da Língua Inglesa – vermelho, azul e branco –, a
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Escola 1 desenha o seu slogan em duas linhas, ancorando-o em
um selo de certificação internacional, sob um fundo branco. Na
primeira linha, o termo “Escola” está grafado em azul, seguido por
“1”, em vermelho; à frente o símbolo do ISO 9001. Na segunda
linha, grafado em letras azuis menores, o slogan “aqui você aprende”,
finalizado com outra certificação nacional, o selo de qualidade da
TECPAR CERT.
Esse certificado trabalha conjuntamente com o slogan para
a legitimação da primazia dessa instituição no ensino da Língua
Inglesa, atribuindo-lhe padrões internacionais que, ao mesmo
tempo, impressionam e seduzem os possíveis consumidores. A
disposição do slogan em duas linhas e o jogo de cores possibilitam as
leituras – “Escola ... aqui você aprende” e “1 ... aqui você aprende”
–, que corroboram para o fortalecimento da marca e do produto
no mercado.
Esse confronto de palavras pela preferência do consumidor
me recorda a voz de Pêcheux (1997, p. 77) que assevera que “tal
discurso remete a tal outro, frente ao qual é uma resposta direta ou
indireta, ou do qual ele ‘orquestra’ os termos principais ou anula
os argumentos.”
Portanto, mais do que trabalhar a persuasão do sujeito-
consumidor, excitar desejos e vender o produto, o discurso da
propaganda assenta-se sobre os outros discursos produzidos pelas
instituições rivais, para minar os seus argumentos e desacreditá-los
perante os consumidores. Assim, sobressai-se nesse jogo discursivo,
o sentido da propaganda como arena de confrontos e embates pelo
poder da palavra.
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anulação de seu próprio dizer e a ruína da sua estratégia de persuasão
(Maingueneau, 2001). Enquanto sujeito estrategista, o enunciador
da propaganda movimenta sobre o tabuleiro do mercado suas peças
– palavras de poder –, visando delinear e controlar certos efeitos
de sentido que aprisionem, na rede do discurso, os consumidores.
Acerca dessas implicações constitutivas do discurso, Orlandi
(2003) convoca-nos a refletir sobre a relação de sentidos que permeia
os discursos em perene ecoar de dispersão e singularidade. Assim,
com base em suas palavras, posso dizer que existe uma comunicação
contínua entre os discursos, sem ponto de partida ou chegada
absoluta, conectando sentidos do passado, presente e futuro.
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Sob a ótica do locutor, a formação imaginária, que parece
emergir dos slogans das escolas analisadas, conflui para um sujeito
intuído que deseja comunicar-se oralmente, dominar a fala. Por
isso, a ênfase explícita na palavra ‘falar’ nos slogans da Escola 2 e 3
e, implícita, no slogan da Escola 1.
Analisando mais atentamente o slogan da Escola 2, percebo
que ele trabalha com a pressuposição de um público especialmente
jovem, por isso procura organizar em seu discurso uma forma de
expressão oral, particularmente, coloquial – é assim que se fala –, o
que na linguagem do adolescente significa um sinal de concordância
com o outro.
O interesse desse público com a língua do poder está
direcionado para uma comunicação dinâmica, fruto de conversações
e viagens internacionais. Esse jovem globalizado deseja ter acesso ao
mundo e, segundo o slogan, conseguirá tudo isso por intermédio
dessa língua global. Nesse contexto, as imagens de monumentos
do mundo como, a estátua da liberdade e o símbolo do globo azul,
ancorados no slogan corroboram com a antecipação de um sujeito
jovem que deseja abraçar o mundo.
O slogan da Escola 3 não se fecha, unicamente, na figura
do jovem, embora busque identificação com esse público, ao
desenvolver imagens estilizadas, que lembram a radicalidade de
esportes de rua. Os tipos de letras, as cores fortes com pontos de
corrosão buscam recriar a atmosfera e a linguagem da juventude.
Esse slogan é o que explora mais explicitamente a questão da
aprendizagem de Língua Inglesa como um elemento de ascensão
social e distinção dos sujeitos. Como se a língua pudesse consolidar
e/ou conferir o sujeito uma posição, identidade privilegiada no
cenário social e econômico das elites. O discurso da Escola 3 articula
também com forte ênfase a questão da fala, de uma forma específica:
a correta, a certa. Isso amplia a leitura que o locutor tem do sujeito
da propaganda, porque não só pressupõe o desejo de fala, como
também, o desejo de dominar a fala das elites, a norma padrão,
considerada a correta.
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Orlandi (2003) esclarece o pensamento de Pêcheux (1997),
ao asseverar que antecipação organiza e controla a argumentação,
de modo que o sujeito enuncia de um modo e não de outro para
produzir efeitos calculados sobre o interlocutor. Assim, emergem as
relações de força que se configuram entre os sujeitos, contaminando
os seus dizeres com a posição sócio-histórica que ocupam em
sociedade, bem como o mecanismo imaginário, responsável por
essas posições na relação discursiva.
Destarte Pêcheux (1997, p. 82) acredita que “... o que
funciona nos processos discursivos é uma série de formações
imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um
a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e
do lugar do outro”. Na mesma linha, Ducrot (1981) assinala que:
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No jogo de imagens entre os sujeitos, as posições se
corporificam, regulando, legitimando e significando os discursos,
de tal forma que Orlandi (2003, p. 42) declara: “os sentidos não
estão nas palavras elas mesmas. Estão aquém e além delas”. Ou seja,
os sentidos estão inscritos na história, nos sujeitos, na memória e
ideologia.
Portanto, os discursos, objetos deste estudo, demonstram em
linhas gerais, que o sujeito alvo da propaganda configura a imagem
de alguém que ambiciona projeção social e econômica, através do
conhecimento da Língua Inglesa, destacando a habilidade da fala por
ser, possivelmente, a mais visível, dinâmica e ambicionada. Todavia,
cabe indagar, o que sustenta esse pensamento de que o saber conduz
à projeção social e, consequentemente, ao poder. E como resposta,
alcanço a ideologia.
Refletindo sobre essa questão, compreendo que em sentido
amplo, ideologia é conjunto de representações, concepções e/ou
opiniões acerca de algum objeto sujeito à controvérsia (ARANHA,
MARTINS, 1993). Na ótica de Marx (1985), é o véu que mascara
os conflitos sociais, tecido pelo/para e no homem, utilizando-se de
filigranas ilusórias para dominar a própria natureza humana.
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é um complexo racional, sistemático e coeso de representações
(idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que apontam
e determinam aos indivíduos o que e como devem pensar, sentir,
agir, viver e morrer.
A ideologia que se entremeia nos discursos das escolas de
idiomas assegura que o saber produz distinção social e poder. No
entanto, os slogans ao buscarem manipular o direito a opção por essa
ou aquela escola, escamoteiam o fato de que nem todos possuem
escolha, nem todos podem estudar nessas instituições privadas,
quase sempre, restritas às elites. Logo, aqueles que advogam para
si esse direito, buscam conquistar e/ou consolidar o seu lugar nos
domínios dessa classe social.
Para escravizar a vontade e as ações dos homens, a ideologia
utiliza os seguintes estratagemas: a inversão transfigura o efeito
em causa; a produção do imaginário social serve-se da imaginação
reprodutora para sistematizar e normatizar as experiências sociais, o
silêncio é convocado para acender coerência nas fissuras produzidas
pela ideologia e, a exclusão do sujeito é estimulada de dentro para
fora.
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língua global, das elites, não é mera ferramenta de comunicação,
mas símbolo de distinção, pertencimento e, naturalmente, exclusão
como nos ensinou Bauman (2005).
Nessa linha de pensamento, Orlandi (2003, p. 46),
compreende que a ideologia apaga as contradições, engendra a
transparência da linguagem e sentidos, cristalizando a ideia de
naturalidade e perenidade sobre os homens e o mundo. Para essa
autora, esse é o estratagema da ideologia, “produzir evidências,
colocando os homens na relação imaginária com suas condições
materiais de existência”. E as evidências, produzidas pelo discurso
da propaganda, divulgam que só o consumo conduz à libertação.
Nos slogans, faísca a mensagem de que o sucesso espera por você,
se assim o desejar. Para isso, basta aprender, falar certo e destacar-se
com a Língua Inglesa. Negar-se às evidências da ideologia, implica
se condenar ao fracasso dos que não falam ou falam errado e não
aprendem.
Conforme Althusser (1969), a ideologia é condição sine qua
non para a constituição do sujeito e sua prática. Por meio da ideologia
opera-se a ilusão de sermos sempre já sujeito, apagando-se o fato
de que o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia. Assim,
Althusser (1969) conclui que:
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à mudança; mudança que se opera pelo consumo, pelo ato de falar
uma língua que não é nossa, mas que nos transforma, engrandece
pelo seu poder e alcance mundial.
Conclusão
Referências
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ARANHA, Maria Lucia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires.
Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 14. ed. São Paulo: Ática, 2012.
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QUALIDADE DA EDUCAÇÃO:
CONCEPÇÕES DA EQUIPE DE GESTÃO
E DE DOCENTES EM ANÁLISE
Resumo: Este estudo teve como objetivo analisar as concepções da equipe gestora e de
docentes de duas escolas públicas municipais do interior paulista sobre educação de
qualidade a partir de dois eixos principais: organização do trabalho na escola e avaliação
em larga escala. A pesquisa identificou, entre outros aspectos, que a maneira como os
atores escolares compreendem e lidam com os processos avaliativos realizados em larga
escala tem influenciado o trabalho desenvolvido nessas escolas. Ao final, destaca-se que
os profissionais que atuam no cotidiano escolar são personagens fundamentais para
avaliação da educação e construção de políticas públicas educacionais.
Abstract: This study aimed to analyze the views of the management team and teachers
in two public schools in São Paulo state about quality education from two main areas:
organization of work in school and large-scale assessment. The survey identified, inter
alia, that the way school actors understand and deal with the evaluation processes
conducted on a large scale has influenced the work of these schools. Finally, it is
emphasized that the professionals who work in the school routine are key characters to
assess education and construction of public educational policies.
Introdução
Este estudo integra-se ao projeto de pesquisa do Observatório
de Educação intitulado “Indicadores de qualidade e gestão
democrática” – Núcleo em Rede – (Capes/Inep), cuja problemática
1
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp/Marília
e professora de Educação Básica da rede municipal de ensino de Marília.
2
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp/Marília e
professora de Educação Básica da rede municipal de ensino de Marília.
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busca discutir a qualidade da escola básica brasileira a partir de
algumas categorias analíticas como: indicadores de desempenho,
gestão democrática e avaliação em larga escala.
Um dos principais focos do referido projeto é a materialização
das políticas públicas educacionais no espaço escolar, ou seja, sua
consolidação pelas escolas e os desafios que envolvem esse processo.
Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo analisar
as concepções da equipe gestora e de docentes de duas escolas
públicas municipais do interior paulista (uma com alto e a outra
com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –
Ideb, considerando a média do município no ano de 2012) sobre
qualidade da educação a partir de dois eixos principais: organização
do trabalho na escola e avaliação em larga escala.
O material utilizado na análise foi reunido a partir de
entrevistas realizadas com a coordenadora, a auxiliar de direção
e a diretora e com dois professores de cada uma das escolas. As
entrevistas foram de tipo semiestruturada, cuja característica
principal, segundo Manzini (2003), consiste na elaboração prévia
de um roteiro com a função de auxiliar o pesquisador a conduzir a
entrevista para o objetivo pretendido.
Na primeira seção deste artigo, apresentamos o referencial
teórico que norteou a pesquisa. As análises das entrevistas são
abordadas na segunda e na terceira seções as quais contemplam,
respectivamente, as concepções da equipe gestora (diretora,
auxiliar de direção e coordenadora) e dos docentes das duas
escolas mencionadas. Nas considerações finais são feitos alguns
apontamentos com o intuito de suscitar novas reflexões acerca da
temática e subsidiar pesquisas futuras.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 89-104, jan./jun. 2014 90
social, Abdian (2010) destaca que dois movimentos concomitantes
têm voltado às atenções para a escola recentemente: 1) o da
política educacional que, buscando a melhoria da produtividade
na área da educação, desloca para a ponta do sistema (a escola) a
responsabilidade pela construção do projeto político-pedagógico,
gestão do dinheiro, implantação de medidas/reformas de política
de governo e 2) o dos estudos acadêmicos, cuja focalização da escola
emerge da preocupação por parte dos pesquisadores em investigar
como as escolas constroem seu processo educacional.
Sem discordar do “padrão de gestão” proposto pelo
movimento da política educacional que enfatiza a importância do
trabalho em equipe, da tomada de decisão coletiva e de um bom
clima de trabalho na escola, mas questionando o caráter economicista
a ele associado, Abdian (2010), baseando-se em Machado (2000),
aponta a necessidade de se resgatar o clássico na administração/gestão
escolar: as funções de planejamento, organização, coordenação,
avaliação e prestação de contas, as quais devem ser pensadas a partir
de um coletivo mediado por uma equipe de gestão. A partir desses
elementos, segundo a autora, a escola poderia construir espaços reais
de planejamento de seu fazer pedagógico e a administração/gestão
escolar “seria posta a serviço de fins negociados, autorrefletidos,
participados, enfim, com a potencialidade de vir a contribuir com
a transformação da escola e da sociedade.” (ABDIAN, 2010, p.66).
Com base em Freitas (2005), Abdian (2010) argumenta
também que as avaliações em larga escala precisam ser pensadas em
uma nova lógica, pois em lugar da sobrevalorização de critérios que
fogem ao modo de existência e à essência do trabalho educativo,
seus resultados podem ser utilizados como meio para que o coletivo
escolar autorreflita sobre seu trabalho, estabeleça consensos, planeje
e execute as mudanças necessárias.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 89-104, jan./jun. 2014 91
Em perspectiva semelhante, Dias Sobrinho (2004)1 afirma
que nem sempre a avaliação é aplicada com função pedagógica e
formativa e, consequentemente, de emancipação pessoal e social.
O enfoque mais comum, segundo ele, é a utilização da avaliação
para o exercício de funções de controle, seleção social e restrições
a autonomia, amplamente utilizado pelos governos e agências
multilaterais. O autor distingue dois paradigmas avaliativos que,
embora decorrentes de epistemologias distintas e contraditórias,
não se excluem mutuamente.
De acordo com Dias Sobrinho (2004), o paradigma avaliativo
fundado na epistemologia objetivista tem como objetivo principal
prestar informações objetivas, claras, incontestáveis e úteis para
orientar o mercado e os governos e seu núcleo central é a verificação,
o controle dos resultados, a constatação da coerência e das diferenças
encontradas entre o realizado e o idealizado, os resultados e a norma
preestabelecida. A epistemologia subjetivista, por sua vez, sustenta
a ideia de que a verdade é relativa e dependente das experiências
humanas concretas e defende que a avaliação tem por objeto uma
realidade dinâmica e complexa que só pode ser compreendida de
maneira adequada por meio de múltiplos enfoques e ângulos de
estudo.
Tais paradigmas avaliativos, na visão do autor, se
complementam e não devem ser tratados por simples oposição:
1
No referido estudo as atenções do autor estão voltadas para a educação superior. Contudo,
consideramos que as reflexões que ele apresenta acerca da avaliação podem ser estendidas aos
processos avaliativos realizados na educação básica.
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Para Dias Sobrinho (2004), os objetivos de uma avaliação
educativa devem ser essencialmente formativos, ou seja, por em
questão os sentidos da formação. O autor defende a ideia de
avaliação como produção de sentidos que, apesar de ser objetiva e
utilizar instrumentos técnicos, não se restringe a mera verificação
da conformidade de produtos a uma norma e alimenta o debate e a
reflexão sobre valores e significados do processo educativo.
Em sua concepção, a melhoria da qualidade educativa é uma
construção coletiva na qual “a participação ativa dos sujeitos em
processos sociais de comunicação gera os princípios democráticos
fundamentais para a construção das bases de entendimento comum
e de interesse público” (DIAS SOBRINHO, 2004, p.720). Tal
processo, apesar de apresentar contradições e disputas por conter
interlocutores de distintos grupos, cria condições para aprendizagens
e experiências dos significados da vida social.
Por fim, o autor aponta a necessidade de substituirmos as
noções estreitas de qualidade, transferidas do mercado para a área
educacional e voltadas apenas para a operatividade e a funcionalidade
produtiva, por uma concepção complexa que incorpore os sentidos
e os valores da construção da sociedade democrática.
Compartilhando das concepções de administração/
gestão escolar e de avaliação dos autores abordados nesta seção,
apresentamos a seguir, as concepções da equipe gestora das escolas
pesquisadas acerca das duas temáticas buscando estabelecer a
interlocução de ideias.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 89-104, jan./jun. 2014 93
na escola. A segunda escola, nomeada como E2, vem apresentado
uma sequência de bons resultados no referido índice e a equipe de
direção e o grupo de professores sofreram poucas alterações nos
últimos anos.
No que se refere à organização do trabalho na escola, a diretora
da E1 considera que a abertura ao diálogo e a vivência democrática é
fundamental para a melhoria da qualidade do ensino. Segundo ela:
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A participação dos pais na organização do trabalho escolar, no
entanto, constitui um grande desafio para as integrantes da equipe de
direção das duas escolas. De acordo com a auxiliar de direção da E1:
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 89-104, jan./jun. 2014 95
Isso implica, segundo ela, a progressiva abertura e inserção da
comunidade educativa nos diferentes processos decisórios que
acontecem na escola.
Em relação às avaliações em larga escala, a diretora da E1
considera que essas avaliações, por se voltarem apenas para aquilo que
é quantificável, não seriam suficientes para determinar a qualidade
de uma escola:
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está o município, como está o estado, o que precisa fazer, onde os
alunos estão com mais dificuldade. (DE2, 2012).
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Apesar de pontos de vista ora semelhantes, ora distintos
apresentados pelos profissionais entrevistados, é possível observar,
nos diferentes relatos, que as avaliações em larga escala vêm
interferindo na organização do trabalho realizado nas duas escolas.
Para Dias Sobrinho (2004, p.714), apesar de possibilitar mais
precisão e força operacional aos sistemas de medidas e de seleção,
as provas e exames “determinaram uma concepção e uma prática
pedagógicas que consistem basicamente na formulação dos deveres
ou exercícios escolares e no controle por meio dos testes”.
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Bom, depende das decisões. Tem decisão que vem de cima
pra baixo e nós somos obrigados a fazer. Coisas da Secretaria, por
exemplo. Agora, a gente organiza nosso trabalho no começo do ano
letivo, através do Plano de Ensino. (P1E2, 2012).
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 89-104, jan./jun. 2014 99
[...] se você ficar só em cima de um treinamento, em cima das
questões, em cima somente desses descritores, você perde outros
conteúdos que são importantes como português, história, geografia.
Então fica vinculado às questões que são cobradas nas provas
e você deixa de trabalhar outros conteúdos que são cobrados
profissionalmente. Então, assim, a competitividade é boa? É
bacana, é produtivo. A escola que quer melhorar o seu IDEB,
porque o IDEB também dá recursos para uma escola dependendo
da pontuação que você conseguir ele também vai tá dando recursos
pra escola. Então é positivo, porque as escolas precisam de recursos
não é? Mas eu falo na questão das outras disciplinas entendeu?
E como é trabalhado, porque você não pode ficar em cima dos
descritores, você não pode ficar bitolado somente nessas avaliações.
(P1E1, 2012).
Nem sempre. Eu acho que tem criança que fica nervosa, tem
criança... Como é de alternativa, eu sempre brinco que tem criança
que se jogasse na loteria ganhava. Porque tem criança que não tem
um bom desempenho nas atividades normais na sala de aula e tiram
uma boa nota. Tem crianças que têm um bom desempenho e não
conseguem tirar. (P1E1, 2012).
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 89-104, jan./jun. 2014 100
Na E2 as professoras afirmam que a preparação para as
avaliações em larga escala acontecem de forma sistemática na escola
e que esse tipo de treinamento está voltado para o conteúdo a ser
avaliado. Quando questionadas se os resultados das avaliações em
larga escala indicam se uma escola é de qualidade ou não, as respostas
são afirmativas:
Considerações Finais
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lidam com os processos avaliativos realizados em âmbito federal,
estadual e municipal tem influenciado o trabalho desenvolvido
nessas escolas.
Em linhas gerais, observamos que na escola denominada E1
a equipe de gestão dá menos ênfase às avaliações em larga escala
e essa característica se reflete nas concepções dos docentes, que,
apesar de abordarem os conteúdos dessas avaliações em sala de aula,
consideram que outros conteúdos também são importantes para o
processo de formação dos alunos. Já na escola que nomeamos E2,
devido à grande importância atribuída aos processos avaliativos
em larga escala por parte da equipe gestora e incorporada pelo
grupo de professores, o trabalho educativo parece voltar-se, quase
que exclusivamente, para o bom desempenho dos alunos nessas
avaliações.
Com efeito, conforme as ideias dos autores utilizados como
base desta pesquisa, a avaliações podem impulsionar mudanças
necessárias em direção à melhoria da qualidade do ensino quando,
ao invés da mera verificação de desempenho, estiver voltada para
o debate e a reflexão coletiva. Abdian (2010) critica os processos
avaliativos que fogem ao modo de existência e da essência do trabalho
educativo e defende que a avaliação seja realizada pelo coletivo
escolar. Dias Sobrinho (2004), na mesma linha, argumenta que
tendo a formação em seu sentido pleno como finalidade essencial da
educação, a avaliação deve se realizar como um processo em contínua
construção que coloca em foco de conceituação e questionamento
os significados da formação produzida.
Para finalizar, destacamos que os profissionais que atuam no
cotidiano escolar são personagens fundamentais para avaliação da
educação e construção de políticas públicas educacionais, pois quem
tem melhores condições de produzir sentidos para os resultados das
avaliações desenvolvidas em larga escala? Quem está diretamente
envolvido com o ensino oferecido aos alunos? Quem pode definir
com propriedade os encaminhamentos necessários para a melhoria
da qualidade desse ensino?
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Referências
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A REPRESENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS:
CINEMA E LITERATURA
Resumo: Os direitos humanos têm sido um tema recorrente nas mais diversas áreas
do saber. Seu discurso se faz presente em diferentes mídias, porém, este artigo enfoca
a presença desses direitos enquanto representação manifesta em produtos culturais, a
saber, o cinema e a literatura. As obras são exploradas levando em conta sua possível
contribuição para o fortalecimento, ou o esvaziamento de tal discurso. Através da
contribuição de teóricos eminentes nesta área, a representação dos direitos humanos
presentes nas duas formas de ficção, cinema e literatura, reflete a presença, ou ausência
dos mesmos nas práticas sociais no contexto social brasileiro.
Palavras-chave: direitos humanos, representação, produtos culturais
Abstract: Human rights have been a recurrent theme in different areas of knowledge.
This discourse is present in a variety of medias, however, this article focuses the presence
of such rights as representation manifested in cultural products, that is, cinema and
literature. The works are explored taking into account their alleged contribution for the
strengthening or emptying of such discourse. Using contribution from eminent thinkers
of this area, the representation of human rights present in both fictional forms, cinema
and literature, reflects the presence or the absence of those rights in social practices in
the Brazilian social context.
Key-words: human rights, representation, cultural products
Introdução
1
Professor adjunto do curso de Letras-Inglês na Universidade Estadual de Londrina.
2
Estudante de graduação do curso de Letras Inglês na Universidade Estadual de Londrina.
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foi incorporado aos estudos culturais e de gênero. Este artigo se
debruça exatamente sobre esta percepção do discurso dos direitos
humanos: sua qualidade enquanto linguagem, discurso produzido
que cria e valida subjetividades e também a presença de tal discurso
enquanto representação, ficcionalização das noções de cidadania e
convivência humana em sociedade.
Tal discurso, na sua essência, é veiculado através das leis e
tratados que, ao longo do tempo, tornaram-se seus documentos
fundadores. No entanto, seu caráter jurídico e seu linguajar
específico os tornam, por vezes, impenetráveis ao público leigo. É
na concretude da vida diária que os direitos humanos, muito mais
do que um discurso específico, se realizam. Este discurso também
se intensifica na medida em que é incorporado nas práticas culturais
de representação. O visual e o verbal agregam força ao discurso dos
direitos humanos na medida em que o amplificam.
Assim, nosso objetivo é o de debater como a prática dos
direitos humanos (ou o seu desrespeito) se concretiza em formas
ficcionais específicas: a literatura e o cinema. Também aqui
discutimos como é possível traçar um paralelo entre a produção do
discurso dos direitos humanos e a produção de um discurso ficcional
que reflete, valida ou nega o primeiro.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 105-120, jan./jun. 2014 106
nossa).3 Como nos mostra o autor, a teoria da narrativa escrita
concomitantemente com o surgimento da Declaração Universal dos
Direitos Humanos vê o romance como o gênero literário que mais
intensamente preocupa-se com a problemática da socialização, ou
seja, a problemática estabelecida do encontro entre o contingente
social com o indivíduo comum. Da mesma forma, o romance é
visto como o meio que mais fortemente representa a construção
socioestética do individualismo moderno e burguês e o estado
moderno como uma comunidade social (SLAUGHTER, 2007, p.
92). Assim, pretendemos aqui desdobrar tal ideia ao analisar outras
formas narrativas, como o conto e o cinema, a fim de debater a
questão dos direitos humanos inserida nestas formas representativas
de novelização, ou ficcionalização, do indivíduo e do estado no
contexto social brasileiro.
No entanto, ao se analisar a conexão entre o discurso dos
direitos humanos e as formas ficcionais, é preciso estar atento na
maneira em que este discurso está sendo apropriado, ou, melhor
dizendo, a maneira (e os propósitos) que este discurso está sendo
ficcionalizado. Como nos mostra Costas Douzinas, o discurso
dos direitos humanos “pode ser adotado pela direita ou pela
esquerda, pelo norte ou pelo sul, pelo estado e pelo púlpito, pelo
ministro e pelo rebelde.”4 (apud Slaughter, p. 1, tradução nossa).
Em “Introducing human rights and literary forms; or, the vehicles
and vocabular of human rights (2009)”, Joseph Slaughter e Sophia
McClennen exemplificam como a extrema direita também pode se
apropriar do discurso dos direitos humanos para colocar em prática
seus propósitos (tudo isso sob uma manta de boas intenções que o
discurso dos direitos humanos, quando distorcido, pode garantir).
Os autores exemplificam como Bush, ao proclamar a invasão do
Afeganistão (após os eventos de 11 de setembro), anunciou que, ao
3
Texto original: “The rise of the novel has been consistently implicated in the rise of human
rights’ two primary persons: the individual and the state”.
4
Texto original: “can be adopted by the right and the left, the north and the south, the state
and the pulpit, the minister and the rebel.”
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mesmo tempo em que os soldados bombardeariam os alvos militares,
eles também deixariam cair de seus aviões comida e remédios para
a população, notadamente mulheres e crianças. Como nos mostra
Slaughter “os direitos humanos estão sob ameaça em todo o lugar,
especialmente quando sua linguagem é usada para justificar a sua
violação”5 (SLAUGHTER, 2009, p.2,tradução nossa).
Sendo assim, a academia (principalmente a área das ciências
humanas) deveria aprender a reconhecer tanto a “boa apropriação/
ficcionalização” dos direitos humanos, quanto a má apropriação, ou
seja, aquela que é mal intencionada. Para Slaughter, quando alguém
analisa uma obra literária ou um filme na intenção de debater a
questão dos direitos humanos, este (a) precisa desvincular-se da ideia
de que os direitos humanos são apenas um discurso sentimental que
se detém apenas na questão de como os seres humanos deveriam
ser tratados. Para Slaughter, esta é uma das maneiras em que a área
das humanas pode ajudar a “esvaziar” o potencial do discurso dos
direitos humanos. Segundo o autor, o estudante de cultura pode
“arriscar-se a uma irrelevância prática se este falhar em reconhecer
a importância jurídica e o status institucional dos direitos humanos
como um regime legal.”6 (SLAUGHTER, 2009, p. 6, tradução
nossa). Além disso, os autores afirmam, é justamente por que o
discurso dos direitos humanos pode ser apropriado por qualquer
pessoa para os mais diversos fins que é preciso insistir no aspecto
legal (ou jurídico) do discurso dos direitos humanos.
Em seu artigo “The Most We Can Hope For: Human Rights
and the Politics of Fatalism,”, Wendy Brown também questiona os
direitos humanos e os diferentes resultados que seu discurso pode
produzir. Para a autora
5
Texto original: “Human rights are under threat everywhere, especially when the language
of human rights is used to justify their violation.”
6
Texto original: “risk practical irrelevance if we fail to recognize the juridical importance and
institutional status of human rights as a legal regime.”
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 105-120, jan./jun. 2014 108
Nenhum projeto eficaz produz somente as consequências que
intenciona produzir. Assim, qualquer que seja o seu propósito
declarado, será que os direitos humanos apenas reduzem o
sofrimento? Será que os direitos humanos (prometem) reduzir o
sofrimento de uma maneira que exclui ou nega outras possibilidades?
(BROWN, 2004, p. 453, tradução nossa)7
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 105-120, jan./jun. 2014 109
de esvaziar, o potencial de tal discurso. Como afirmam os autores,
é preciso estar atento ao “poder que produtos culturais têm em
dar forma às estruturas narrativas e aos mapas ideológicos que
influenciam as visões públicas e privadas da política global e das
relações sociais”8 (SLAUGHTER e MCCLENNEN, 2009, p. 8-9
tradução nossa). Assim, as “representações culturais têm um papel
fundamental no imaginário social: um papel que possui um potencial
repressivo ou de resistência nas operações efêmeras ou duradouras
do meio literário,”9 (SLAUGHTER e MCCLENNEN, 2009, p. 9,
tradução nossa) e, por que também não dizer, fílmico.
Em seu artigo “O Direito à Literatura”, o crítico brasileiro
Antonio Candido também atesta o poder que formas representativas
possuem e como tais formas espelham valores sociais e formas de
consciência. Para o autor, “os valores que a sociedade preconiza, ou os
que considera prejudicial, estão presentes nas diversas manifestações
da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e
nega, propõe e denuncia, fornecendo a possibilidade de vivermos
dialeticamente os problemas” (CANDIDO, 1995, p. 175).
É através da análise de produtos culturais – a saber, o cinema
nacional e a literatura brasileira – que este artigo pretende analisar
o efeito que tais produtos culturais exercem na promoção, no
esvaziamento ou mesmo na ameaça aos direitos humanos, e como
tais representações ficcionais influem no imaginário nacional.
8
Texto original: “(...) the power that cultural forms have in shaping the narrative structures
and the ideological maps that influence public and private views of global politics and social
relations.”
9
Texto original: “Cultural representations play a key role in the social imaginary: a role
that holds repressive as well as resistant potential in both the ephemeral and the enduring
operations of the literary medium.”
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personagens principais, todas pertencentes a diferentes classes, têm
suas histórias entrelaçadas pelas circunstâncias sociais: Luís (Cecil
Thiré) é dono de um restaurante de luxo; o casal de classe média
alta, Maria Alice (Betty Goffman) e Carlos (Daniel Dantas), que são
amigos de Luís; a empregada doméstica Josilene (Zezeh Barbosa),
que foi criada junto com Maria Alice e agora trabalha para a mesma;
o garçom Adam (Dan Stulbach), imigrante sulista que vai para São
Paulo à procura de trabalho; Alfredo (Umberto Magnani), intelectual
e autor de livros que trabalha também para Amanda (Dira Paes),
gerente do restaurante de Luís.
Há diversas narrativas dentro do filme envolvendo cada uma
das personagens, e a cada momento descobrimos um pouco mais de
cada uma delas. Retratadas em cenas cotidianas, percebemos através
dos diálogos, de suas ações e de seus próprios pensamentos – quando
há narração em off - o racismo destas personagens, o preconceito
de classe, elitismo, cinismo, inconformismo – infindáveis “ismos”
que fazem parte da sociedade brasileira e que por vezes estão tão
inculcados em nosso imaginário social que nem percebemos sua
presença e, assim, continuamos a propagá-los infinitamente. É
dentro desta perspectiva que se enquadra a discussão sobre os direitos
humanos em contextos culturais: o filme brasileiro, ao mesmo
tempo em que se configura como um retrato de nossa sociedade, é
também solo fértil para a pesquisa sociológica justamente por esse
motivo: nele estão impressos o zeitgeist de nossa era e, portanto,
é instrumento válido para analisarmos como a discussão sobre os
direitos humanos está inserida (ou não) em nossa sociedade. Como
visto anteriormente, para Candido, os valores e preconceitos sociais
se refletem nos produtos culturais.
De acordo com Rafael Meira de Figueiredo, em sua
dissertação Paradigmas da Decupagem no Cinema Brasileiro dos anos
2000, o autor defende que Cronicamente Inviável foi filmado sob a
estética realista de cinema, pois segue alguns preceitos básicos de tal
corrente cinematográfica: “câmera fixa (por vezes na mão), ausência
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de distorções de tempo, tendência à utilização da câmera à altura dos
olhos, adoção da decupagem clássica que objetiva uma impressão
de transparência na montagem” (FIGUEIREDO, 2005, p. 129).
De fato, todas essas características podem ser observadas ao longo
do filme de Bianchi e a maneira com que o diretor escolheu criar a
narrativa de Cronicamente Inviável nos ajuda a entender um pouco
melhor por que essa obra trabalha com aspectos do tratamento
dos direitos humanos no Brasil. Ou seja, nas palavras de Joseph
Slaughter: “[...] como (os textos) refletem questões dos direitos
humanos através de práticas estéticas específicas” (SLAUGHTER
e MCCLENNEN, 2009, p. 12, tradução nossa)10.
Dentro da própria narrativa interna do filme podemos
averiguar a falácia do discurso do “bom mocismo” dos direitos
humanos, descrito por Slaughter e McClennen, na fala de
representantes sociais, que sejam: a secretária de finanças do banco
central (como alegoria da elite brasileira), o representante do núcleo
indígena da USP (desempenhando o papel do ativista de movimentos
sociais) e, por sua vez, o coordenador do Movimento Viva Rio (como
ativista de organizações não-governamentais), quando no programa
de televisão os três tipos alegóricos, com discursos análogos, tentam
trazer para si e seus grupos a responsabilidade pela criação de uma
“verdadeira” identidade nacional, justa e igualitária. Bianchi enfatiza
a demagogia dos discursos fazendo com que as personagens, em
diferentes momentos do filme, expressem exatamente a mesma ideia,
trocando apenas os sujeitos da ação: “[...] é por isso que nós sulistas,
que compreendemos bem esse espírito progressista, é que temos o
papel de gerar a identidade nacional”, “[...] é por isso que nós índios,
que compreendemos bem esse espírito do extermínio brasileiro
[...]” e “[...] é por isso que nós cariocas, que compreendemos bem
esse comportamento do brasileiro, é que temos o papel de garantir
a identidade nacional”. Há ainda o caso do escritor Alfredo, que
10
Texto original: “We wondered what happens when we read texts to see how they reflect
human rights issues through specific aesthetic practices”.
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ao longo do filme parece ser uma das poucas vozes que possuem
consciência social, mas que descobrimos, ao final da obra, que é
apenas mais um hipócrita na lista de Bianchi, pois em suas viagens
“antropológicas” pelo país a personagem também trafica órgãos,
prestando serviços para Amanda, a gerente do restaurante. Figueiredo
(2005, p. 108) sumariza a mensagem de Bianchi em Cronicamente
Inviável:
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colaborando para criar uma sensação de frieza em relação a uma
cena de alto índice dramático” (2005, p. 126). Em tom documental
e sóbrio, mas fazendo uso constante da ironia, o diretor faz um
retrato “quase científico” da sociedade brasileira. Notamos isso ao
analisarmos também a maneira com que a trilha sonora contrasta
com a cena – uma bossa nova tranquila como pano de fundo para
uma briga entre crianças de rua – sendo que o diretor opta por
esse caminho, ao invés de utilizar recursos comumente aplicados
em filmes hollywoodianos, como usar a música para enfatizar a
dramaticidade e ajudar a criar a atmosfera necessária. O espectador é
convidado a observar diálogos inteiros sem cortes e sem edição, assim
como no teatro, e tem acesso à reação das outras personagens ao que
cada uma deles fala, no momento em que fala – como na sequência
do jantar em que estão Carlos, Luís e Maria Alice discutindo escravos
e office boys como mercadoria.
Esse mesmo realismo de Bianchi também provoca no
espectador uma desnaturalização de práticas sociais comumente
aceitas na sociedade: a violência, a pobreza, o abuso de autoridade,
a humilhação a que os trabalhadores estão sujeitos, as péssimas
condições do transporte público, a caridade que mitiga a culpa, o
preconceito de classe. Tratando desses assuntos de maneira “objetiva”,
o diretor consegue desumanizar as personagens, fazendo com
que não nos identifiquemos com nenhuma delas, e, a partir daí,
humaniza o espectador porque, ao mesmo tempo em que as ações
das mesmas não nos permitem identificarmos emocionalmente com
elas (porque geralmente não nos identificamos com personagens tão
‘torpes’), os lugares que as personagens frequentam e os diálogos
aparentemente banais são simbólicos: essas personagens são, de fato,
nós mesmos. A praia, a caridade, o jantar no restaurante discutindo
questões sociais, o carnaval, a conversa no táxi – ao retratar nossa
vivência cotidiana Bianchi se mostra, mais uma vez, um diretor que
segue a estética realista: “Por isso a atenção ao cotidiano, ao fato banal
da vida como ponto de partida. E, principalmente, à valorização
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do homem comum, nas suas ações do dia a dia” (FIGUEIREDO,
2005, p. 37). O espectador não se vê em nenhuma das personagens,
mas, paradoxalmente, acaba se reconhecendo nelas. Candido, em
“O Direito à Literatura”, explica o processo de humanização pela
literatura, cujo conceito, no entanto, pode ser estendido às artes
em geral:
11
Texto original: “Form, we maintain, is where much of the social work and political potential
of cultural production lies. Form may, in fact, be the only way to adequately recognize theme”.
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Cronicamente Inviável de qualquer outra maneira, salientando mais
a dramaticidade, ou apontando de maneira maniqueísta a luta de
classes, talvez o impacto que o filme causou à época de sua estreia
– e ainda causa, em quem o assiste, quase 14 anos depois de seu
lançamento – não tivesse sido o mesmo. Talvez a discussão sobre
os direitos humanos dentro do filme fosse menos política. Ao se
recusar a explorar a dicotomia bem versus mal em sua obra, Bianchi
desmascara a hipocrisia da classe média e elite brasileiras, e atinge
o espectador em seu ponto fraco: a alienação pode causar prejuízos
quase irremediáveis para a sociedade.
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Ao mesmo tempo em que a narradora do conto desumaniza
as trabalhadoras, dona Fátima e suas filhas (todas empregadas nas
casas de sua família), ao se referir a elas como “cria” da família, ela
demonstra um pretenso intuito em ajudá-las a melhorar de vida.
Ao manter as filhas da empregada como “crias” na casa de sua mãe,
a família supostamente estaria ensinando um “ofício” às crianças,
na tentativa de dar-lhes um futuro. Assim, a família considera que
as empregadas (mãe e filhas) estão todas bem, trabalhando em
diferentes casas da família e são mesmo consideradas “quase da
família,” já que são “crias.” No fim, a ideia de proteção e cuidado
com as empregadas se revela como forma de controle, de subjugação.
Embora as empregadas sejam “quase da família,” a narradora afirma
que empregadas são “safadinhas,” e precisam ser controladas, e
mesmo vigiadas, para não iniciar sexualmente os meninos da família.
No final, a narradora se refere ao ônibus que transporta
as empregadas como um “navio negreiro,” o qual as patroas
têm vergonha de ver circulando pelo condomínio. As mesmas
empregadas que são ditas como “quase da família” são tidas como
escravas que não têm o direito de circular pelas alamedas arborizadas
do condomínio de luxo sem causar a indignação das patroas.
Através da ficção, Cidinha da Silva nos mostra como o discurso dos
direitos humanos pode ser apropriado na hora de criar mecanismos
de controle social; uma vez que isto é conseguido, tal discurso é
colocado de lado em favor de um discurso de intolerância.
Assim como na situação anterior, a tentativa de mudança das
personagens em situação de desvantagem é fortemente rechaçada.
A narradora, apesar de seu pretenso discurso humano para com as
empregadas, se mostra incapaz de enxergá-las como trabalhadoras
em busca de mudança e justiça:
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ia dormir depois de servir a janta, lavar os pratos e deixar a cozinha
limpa (DA SILVA, 2011, p. 56)
Conclusão
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não se dá conta, ou cria meios de justificar as violações perpetradas.
Em ambas as obras, quem detém o poder é quem possui voz de
ação: o dono do restaurante, o casal de classe média alta, a patroa.
As personagens em situação de opressão não têm voz, ou se tem
(como Adam, Josilene e as empregadas domésticas) são castigadas
por isso: Adam acaba desempregado e preso, Josilene é espancada
pelo namorado, e as empregadas domésticas têm suas reivindicações
rechaçadas pela narradora do conto. Como nas afirmações dos
teóricos aqui discutidos, o discurso dos direitos humanos é
apropriado pelos mais diversos tipos de sujeitos e seus objetivos nem
sempre são bem intencionados. O pretenso discurso humanista,
presente nas obras aqui analisadas, mostrado com genialidade por
Bianchi e Cidinha da Silva, termina, como visto anteriormente,
esvaziando o potencial do discurso dos direitos humanos como um
discurso genuinamente político e gerador de mudanças efetivas.
Tanto o cineasta quanto a contista utilizam a representação como
meio de denúncia das violações dos direitos humanos expondo a
“manta” de boas intenções utilizada por quem distorce seu discurso
para legitimar a exploração e a intolerância.
Referências
BROWN, Wendy. “The Most We Can Hope For”: Human Rights and
the Politics of Fatalism. The South Atlantic Quarterly, Duke University
Press, 103:2/3, 2004.
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Faculdade de Comunicação Social, PUC – RS, Porto Alegre. Disponível
em <http://tardis.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/2235/1/000345061-
Texto%2bCompleto-0.pdf>. Acessado em 26 de outubro de 2013.
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Análise dos discursos midiáticos do
edifício joelma e da boate kiss
Introdução
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parar frente a bancas de jornal, pelos enunciados - textos verbais - e
pelas fotografias - textos visuais -, que estampam a primeira página
nos jornais impressos, induzindo-nos a comprá-los para serem lidos.
Assim, como leitores e observadores inquietos, buscaremos
compreender o porquê da utilização de determinados enunciados
e fotografias em textos jornalísticos e que mudanças causaram ao
serem enunciados e publicados. Para isso, analisaremos o discurso
midiático sobre o edifício Joelma e a boate Kiss, procurando através
da observação entender qual a relação do texto verbal com o texto
visual, sendo que estes, nosso objeto de estudo, existem a partir do
momento em que se falam deles e são produzidos através de fatos
recorrentes socialmente relacionados a tragédias.
Para que a análise seja possível, abordaremos a teoria de
Foucault (2008) para compreendermos como os enunciados
midiáticos são produzidos, em qual ocasião, quais mudanças sofrem
em relação ao contexto histórico, em que contexto foram produzidos
ou repetidos, e também de Manguel (1997), entre outros, para
compreendermos a leitura imagética.
O texto visual tanto quanto o texto verbal é sujeito à leitura,
sendo o primeiro associado à realidade, atestando o que o texto
verbal diz. A fotografia conta os acontecimentos através daquilo que
apresenta, sendo sua leitura feita a partir das experiências vividas
de seu leitor.
Ainda tentaremos mostrar que o texto visual não anula o texto
verbal, eles se completam, sendo a fotografia a prova do que se diz,
mesmo que o enunciado não possa ser submetido à prova de sua
veracidade. Portanto, os enunciados se repetem e são evocados por
fatos institucionais semelhantes ao que se enunciou, e a fotografia
remete-nos ao acontecimento mesmo anos após a tragédia, servindo
como uma silenciosa denúncia social, uma testemunha imagética.
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Desenvolvimento
O que é enunciado
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Assim, o importante para o enunciado é o referencial, o sujeito
a ocupar o lugar vazio, o domínio associado e sua materialidade.
Ele, assim, é definitivamente uma unidade de discurso.
Consideramos o enunciado um conjunto de signos em função
enunciativa dada a sua relação entre enunciado e o que se enuncia,
sendo esta a relação gramatical lógica e semântica, a relação do sujeito
com a história e a própria materialidade do enunciado. Contudo, é
importante dizer ainda que a língua, explica Foucault, é a base do
enunciado, é ela que dispõe o sistema de regras para que o enunciado
seja construído. É a partir da função enunciativa, unidade principal
do discurso, que podemos dizer se há ou não frase, proposição ou
ato de linguagem.
Porém, mesmo admitindo tal fato, Foucault nos alerta
sobre o fato de que o enunciado não pode ser submetido às provas
de verdadeiro/falso, nem se submete necessariamente a estrutura
linguística canônica (sujeito-verbo-predicado), para ele não cabe
descobrir a intenção do indivíduo que está realizando o ato ou o
resultado obtido, mas sim o que se produziu pelo fato de ter sido
enunciado em determinada circunstância.
Para que o enunciado exista, é necessário que haja um “autor”
ou uma instância produtora, sendo que este autor não é idêntico
ao sujeito do enunciado, já que esta função pode ser exercida por
diferentes sujeitos, isto é, “um único e mesmo indivíduo pode
ocupar, alternadamente, em uma série de enunciados, diferentes
posições e assumir o papel de diferentes sujeitos” (FOUCAULT,
1986, p. 107).
Dessa forma, para ele:
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não é o núcleo constante, imóvel e idêntico a si mesmo de uma
série de operações que os enunciados, cada um por sua vez, viriam
manifestar na superfície do discurso. É um lugar determinado e
vazio que pode ser efetivamente ocupado por indivíduos diferentes;
mas, esse lugar em vez de ser definido de uma vez por todas e de
se manter uniforme ao longo de um texto, de um livro ou de uma
obra, varia – ou melhor, é variável o bastante para poder continuar
idêntico a si mesmo, através de várias frases, bem como para se
modificar a cada uma. (FOUCAULT, 1986, p. 109).
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a) domínio de objetos: o objeto só existe a partir do momento
que alguém fala dele. E por objeto entendemos assunto,
acontecimento, situação.
b) sujeito do enunciado: é o indivíduo que possui direito, advindo
de uma tradição ou até adquirido pela “licença” de falar sobre
algo. Compreendido por legitimidade e autoridade para o quê,
quando e como dizer.
c) disposição de conceitos: os conceitos não operam em coordenação
lógica tendo uma história em progressão interna. Portanto, tais
conceitos estão dispersos, podendo ou não ser retomados e estão
em constante mudança.
d) temas ou estratégias com uma materialidade repetível: os temas
dependem de fatores institucionais, processos econômicos,
organizações jurídicas. A sociedade dispõe das práticas não
discursivas que serão usadas e discursivizadas.
Sobre nosso objeto de estudo, o discurso, Foucault diz ser:
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Ainda quanto a análise do discurso é preciso levar em
consideração as características de raridade, exterioridade e acúmulo.
Respectivamente elas pressupõem que nem tudo é sempre dito sendo
que nem tudo pode ser dito num lugar qualquer por um sujeito
qualquer; o campo do enunciado é um local de acontecimento no
qual não importa o que se fala considerando apenas que o que se diz
não é dito de qualquer lugar; todo enunciado é produzido através
de um campo de elementos antecedentes que são compostos por
um certo número de suportes (como livros), instituições (como
bibliotecas), modalidades.
A análise de enunciados visa à busca pela positividade, ou seja,
não busca revelar quem estava com a verdade, mas sim mostrar como
os enunciados se repetem. “A positividade desempenha o papel do
que se poderia chamar um a priori histórico” (FOUCAULT, 1986,
p. 146), sendo este um conjunto de regras que caracteriza a prática
discursiva.
Assim, buscamos entender o que faz com que os homens
reproduzam enunciados, de onde surge este conhecimento e qual a
regra que faz com que tenham determinados enunciados.
Foucault chama a regra que rege os enunciados de arquivo,
definindo-o como:
[...] a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento
dos enunciados como acontecimentos singulares. [...] é o que
define o sistema de enunciabilidade do enunciado-acontecimento.
[...] é o sistema de seu funcionamento. [...] entre tradição e o
esquecimento, ele faz aparecerem as regras de uma prática que
permite aos enunciados subsistirem e, ao mesmo tempo, se
modificarem regularmente. É o sistema geral da formação e da
transformação dos enunciados. [...] O arquivo não é descritível em
sua totalidade e incontornável em sua atualidade. (FOUCAULT
apud GREGOLIN, 2004, p.41)
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Modalidades enunciativas em Foucault
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a fim de constituí-los em um texto. Quanto ao enunciado ainda
cabe lembrar que ele é formado por antigos enunciados, estando
estes implícitos, como base de conhecimento para a formulação
do enunciado atual, ou explícitos, servindo para afirmar o que está
sendo dito.
Já que um enunciado “recicla” outros anteriormente
enunciados podemos afirmar que:
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da gramática como nome, verbo, adjetivos, e outras marcas e
marcadores linguísticos. Também aborda os critérios para tratar da
veracidade de uma proposição, os critérios que elegem e excluem
os enunciados do discurso.
Em nossa análise de discurso encontramos pontos
incompatíveis como dois objetos em diferentes formas de enunciação,
conceitos diferentes em um mesmo campo enunciativo, mas os
mesmos objetos tidos como incompatíveis são formados da mesma
maneira, surgiram de formas idênticas mesmo que não tenham tido
a mesma importância, ou melhor, a mesma gama de produção de
sentidos e nem acontecido no mesmo tempo cronológico. Sendo
assim, importa analisar a construção dos enunciados em diferentes
discursos, em diferentes épocas relacionando-os com o contexto
histórico.
Além disso, nossa análise só é possível através da existência de
objetos que existem a partir do momento em que são enunciados,
ou seja, que falam dele, sendo estes enunciados discursivizados por
meio de letras em uma determinada ordem dispostas em caracteres
tipográficos impressos na materialidade de folha de papel formando
assim o discurso midiático das páginas dos jornais impressos ou
digitais.
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retratassem cenas do Velho e do Novo Testamento afirmando que
estas serviriam “como livros para os iletrados, ensinando-lhes a
história bíblica e incutindo neles a crônica da misericórdia de Deus.”
(Nilo, apud Manguel, 1997, p. 116)
Desde a alfabetização, somos instigados a “ler” imagens
mesmo que inconscientemente. Durante o processo de alfabetização
de uma criança do primário, podemos apresentar o alfabeto
acompanhado por imagens mostrando que o nome do que está sendo
representado na figura inicia-se com a letra correspondente, ou até
mesmo imagens que vêm acompanhadas por seu respectivo nome
fazendo com que a criança interprete que a palavra corresponde
à figura ilustrada, e, assim, sempre que a criança vê determinada
figura lembrará seu nome, por exemplo, a imagem de um cachorro
o remeterá ao nome “cachorro”, ou seja, a imagem também pode
ser lida e interpretada e, assim, entendida como texto, porém um
texto imagético.
É possível fazer a leitura de inúmeras materialidades que não
sejam textos impressos. Podemos “ler” o céu para sabermos se irá
chover. Um pescador “lê” o mar para saber o quão agitado e perigoso
está antes de pescar. Uma mãe “lê” a expressão do bebê para saber
se sente fome ou dor. O poeta “lê” as emoções para descrevê-las. O
montador de móveis “lê” a instrução gráfica em seu passo a passo para
montar um móvel (Manguel, 1997, p.19). Nessas belas palavras de
Manguel, entendemos que quanto mais diferente o campo associado
ou o domínio de conhecimento mais peculiar será sua leitura. Mesmo
que não seja uma leitura formal registrada em texto escrito, ainda
assim será uma leitura e, em nosso caso o leitor “lê” a notícia através
do texto imagético que serve aqui como fonte de legitimidade do
texto verbal em um veículo de comunicação impresso ou digital.
Para onde formos, em um país falante de nosso idioma ou
não, se entrarmos em um estabelecimento público à procura de um
banheiro feminino o localizaremos através da imagem representada
na porta simbolizando a figura feminina. Assim como ao nos
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depararmos com uma matéria jornalística em um idioma que
desconhecemos, caso ela esteja acompanhada por imagem, podemos
associar o conteúdo da matéria jornalística aos componentes
representados na fotografia.
Essa ideia de vermos imagens e compreendê-la como leitura
é recente em termos historiográficos, como disse o Papa Gregório:
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A Bíblia dos pobres não foi criada com este nome. A história
conta que no século XVIII o escritor alemão Gotthold Ephraim
Lessing encontrava-se pobre e doente e por este motivo aceitou
trabalhar como bibliotecário mesmo com baixa remuneração. Um
dia ele encontrou na biblioteca um livro sem título com a inscrição
Hic icipitur bibelia [sic] pauperum em uma das margens deduzindo
então que pela inscrição incorreta, quase ausência de texto e uma
grande quantidade de imagem o livro só poderia ser de pobre, um
iletrado, por isso o catalogou como sendo Bibliae pauperum.
O crítico alemão Maurus Berve discorda que a Biblae
pauperum tenha sido criada para os pobres alegando que a bíblia
é “absolutamente ininteligível” para que os analfabetos possam
compreender acreditando ele que o livro destinava-se aos letrados,
eruditos ou clérigos que não tinham condições de comprar o livro
completo e que em vez de Biblia pauperum o correto seria Biblia
pauperim praecicatorum, que quer dizer “Bíblia dos pregadores dos
pobres”.
Independente do público a quem o livro era destinado
podemos afirmar que as imagens são mais do que meras ilustrações,
elas contam silenciosamente a história de um povo. Trazem em
seus contornos, cores, expressões acontecimentos datados há muito
tempo que ao vermos, como as representações no vitral do Velho e
Novo Testamento, resgata em nossa memória a história.
No final dos anos 60 o que se via de imagem nos jornais eram
ilustrações humorísticas como tirinhas ou historinhas em quadrinho
e pequenas fotos em preto e branco.
Já a partir do início dos anos 80 o uso das imagens em textos
jornalísticos mudou sendo esta mudança motivada pela concorrência
da internet e televisão, introduzindo assim o uso de computadores
e utilização de alguns softwares para a edição das redações.
Os jornais então passaram a melhorar a paginação, o tamanho
dos títulos, utilizando fotos coloridas, baseando-se na infografia
para melhorar os recursos visuais fazendo então com que o texto
“dialogasse” com a imagem.
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Através dos recursos utilizados nas edições das fotografias, o
jornal tornou-se mais atrativo ao olhar do leitor, já que a foto possui
uma linguagem rápida e assim mais fácil de ser lida superficialmente,
sendo que o que muitas vezes chama a atenção do leitor fazendo-o
parar em frente à banca de jornal é a imagem da primeira página
do jornal.
Podemos considerar a foto um documento histórico
imagético, já que a visualização dela resgata em nossa memória o
que está sendo representado, seja qual for o acontecimento ela retrata
o espaço, a situação, tempo, envolvidos e atmosfera, sendo esta
observada através das expressões físicas das pessoas retratadas se estas
houverem. Geraldo Carlos do Nascimento diz que as imagens “por
si sós, constroem mini-narrativas que referendam e, às vezes, trazem
preciosos enriquecimentos aos textos verbais” (NASCIMENTO,
2003, p.2)
A imagem jornalística não anula o texto, assim como o texto
não anula a imagem, ambos textos, seja ele verbal ou visual, têm valor
igualmente importante, sendo que o texto verbal permite ao leitor
uma informação detalhada da notícia, enquanto a imagem, sendo
esta uma fotografia relacionada à notícia, permite-nos a visualização
do que se fala, portanto ambos se completam enriquecendo a
informação verbo visual.
Estudos indicam que para o ser humano aprender ou fixar
determinado assunto, acontece da seguinte maneira: “75% pela
visão, 20% pela audição e 5% pelos demais sentidos” (SANTAELLA,
apud TASSO, 2005, p. 137) .
Pensando a fotografia como informação visual, entendemos
que por mais que o texto visual não anule o texto verbal, a imagem
ainda é a que mais se perpetua em nossa memória, pois, ao invés de
longos textos que possa exigir uma longa leitura verbal, ela apresenta
uma leitura de si rápida, porém também mais fácil de ser interpretada
de modo errôneo.
As fotografias também podem vir acompanhadas por legendas,
sendo que estas manipulam o significado e interpretação da mesma,
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no entanto a mesma fotografia pode vincular em diferentes jornais
com diferentes legendas que a atribuem diferentes interpretações.
Sousa (2000) utiliza o termo fotojornalismo, fotografias
direcionadas para a imprensa, como sendo o trabalho
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A fotografia que acompanha o discurso jornalístico acrescenta
elementos da narrativa referentes ao drama e a tragédia, sendo estas
as características relacionadas ao nosso objeto de estudo.
Para Vera França a notícia faz mais do que informar, ela
“testemunha também o sentimento de uma sociedade, seu padrão
de sociabilidade, sua maneira de falar, (FRANÇA, apud TAVAREZ
& VAZ, 2005, p. 130)
A fotografia utilizada é a interpretação de certa forma apelativa
do discurso jornalístico, assim também acredita ser Frederico de
Mello Brandão Tavares e Paulo Bernardo Ferreira Vaz ao dizerem
que “há jornais que preferem mostrar a ferida e jornais que preferem
mostrar o curativo”. (TAVARES & VAZ, 2005, p. 132)
Quando a notícia é voltada para o público infantil ou
adolescente a imagem busca apenas informar mostrando apenas o
“curativo” da notícia, já quando é voltada para os jovens e adultos
o que se vê impresso na primeira página dos jornais na tentativa de
atraí-los visualmente a comprar o produto é a “ferida” da notícia,
fazendo com que o leitor não apenas obtenha a informação, mas
também se compadeça, se sensibilize, se comova com o acontecido,
com a tragédia e as pessoas envolvidas, sejam elas vítimas, culpados,
parente ou demais envolvidos, levando uma grande massa de leitores
não só a ter uma opinião sobre tal discurso jornalístico, mas também
a compartilhar de uma dor emocional nacional.
Sendo assim “a fotografia redefine o conteúdo de nossa
experiência cotidiana e acrescenta vastas quantidades de material
(pessoas, coisas, eventos etc.) que jamais chegamos a ver ou
presenciar” (SONTAG apud TAVARES & VAZ, 2005, p.126).
Assim, é com “O texto jornalístico – seja ele textual ou visual –
reconta a realidade através de um formato próprio, organizando
os acontecimentos e transformando-os em informação e notícia”
(idem, p. 5).
Entendo como experiência uma situação que já vivenciamos,
podemos assim pensar o leitor de hoje como um indivíduo sujeito a
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ser o personagem de que se fala no discurso jornalístico de amanhã,
já que não temos domínio sobre as casualidades que surgem e são
discursivizadas como acontecimento, notícia.
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que maneira o texto imagético diz o que parece nos dizer? Assim
procuramos descobrir:
• A imagem é monocromática?
• A claridade ou obscuridade prevalece?
• A intensidade das cores representa uma imagem viva ou uma
imagem apagada?
• O ambiente é de caráter público ou de caráter privado?
• O ambiente é sofisticado, se sim a qual nível?
• O personagem ou objeto em foco encontra-se distante ou próximo
a lente da câmera fotográfica?
• Este representa estar em movimento?
• A imagem é complexa ou simples?
A terceira e última etapa de estudo sobre a imagem fotográfica
é relativa ao discurso, sendo que este procura estabelecer os elementos
simbólicos presentes no texto. Questionamos então:
• A qual época se refere o texto?
• Quais elementos na fotografia nos leva a acreditar que ela se trata
de desta determinada época?
• Quais elementos indicam que a fotografia foi registrada na zona
urbana, ou zona rural?
• Quais elementos indicam a que fator institucional se trata a
fotografia?
• O que ou quem está em destaque na fotografia?
• Quais sentidos são evocados a partir ao visualizar o texto
imagético?
• Quais sentidos são invocados a partir dos elementos que não são
possíveis de visualizar na imagem?
• Se a imagem corresponde ao fotojornalismo, qual a relação de
diálogo acontece entre o texto verbal e visual?
Após realizadas estas observações, perguntamo-nos: Por que
a imagem diz isso?
Assim que as três etapas forem concluídas levantamos as
seguintes perguntas: O que a imagem observada nos diz? Como ela
nos diz? Qual o motivo dela nos dizer isso?
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Tragédias – assunto do discurso, nosso objeto de estudo
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De acordo com os dados da polícia a boate, a qual se
encontrava com alvará vencido, tinha capacidade para 691 pessoas,
mas no momento da tragédia comportava mais de mil pessoas
dentro, que ao perceberem o incêndio correram em direção a porta,
já que não havia saída de emergência. Segundo relatos, os seguranças
teriam bloqueado a saída dos jovens pensando ser uma tentativa
de sair sem pagar, após perceberem que se tratava de um incêndio
liberaram a saída.
Muitos jovens, desorientados tanto por não conhecer o local
e este não ter sinalização indicando a saída, quanto pela fumaça,
correram em direção ao banheiro sendo encurralados por outros
jovens também em busca de ar morrendo ali por asfixia, sendo o
maior número de corpos 90% do total encontrados nos banheiros.
O número de vítimas fatais foi tão alto que as autoridades da
cidade recorreram a caminhões frigoríficos para ajudar no transporte
dos corpos. O incêndio resultou em aproximadamente 260 mortos.
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O enunciado da matéria jornalística sobre o incêndio do
edifício Joelma, na cidade de São Paulo, datado no dia 01 de
fevereiro de 1974, primeiramente nos remete a outro enunciado, um
acontecimento anterior a este. “De novo” indica que um incidente
semelhante ao reportado já aconteceu, levando nossa memória ao
incêndio do edifício Andraus, ocorrido no dia 24 de fevereiro de
1972 também em São Paulo. O enunciado “muito pior” nos indica a
gravidade do acontecido se comparado ao incêndio anterior evocado
pelo enunciado “De novo”.
O incêndio no edifício Andraus resultou em 16 mortos e
345 feridos enquanto que o incêndio no edifício Joelma, sendo
este “muito pior”, resultou em 188 mortos e aproximadamente
300 feridos.
Não bastando remeter nossa
memória ao incêndio do edifício
Andraus através do texto verbal,
também nos é apresentado uma
fotografia deste acontecimento
logo abaixo da imagem do edifício
Joelma, sendo que esta imagem
foi tirada no sentido paisagem
retratando uma multidão em frente
ao prédio, com algumas árvores
impedindo a visualização da parte
inferior deste e ocultando também
a parte superior em que era possível
visualizar o incêndio.
Quanto à multidão, é possível
visualizar personagens em movi-
mento e outros parados observando
o que entendemos ser incêndio.
Po d e m o s d e d u z i r q u e e s t a
multidão era formada pela soma
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dos sobreviventes do edifício que conseguiram sair a tempo, por
familiares e amigos das pessoas que estariam no edifício no momento
do incêndio em busca de informações dos seus, por curiosos que
por ali passavam e pela equipe de resgate.
A fotografia do incêndio Joelma vem apresentar-nos o
texto verbal em contraposição ao visual. Ela foi tirada na posição
vertical, sentido retrato, dando destaque à parte superior do edifício
que se encontra em chamas, ao lado esquerdo há outro edifício
aparentemente intacto.
Pela fotografia é possível se perceber que o incêndio ocorre
na área urbana, por se tratar de edifícios; o incidente ocorre em
ambiente interno, mas é retrato do ambiente externo, sendo este um
lugar público, como rua ou calçada; há a presença de claridade (dia),
sendo dificultada a visualização por ser monocrática caracterizando
o que entendemos como uma fotografia antiga. Podemos também
afirmar que a fotografia pertence a uma instituição privada,
possivelmente a imprensa jornalística, pois na década de 70 não
era comum as pessoas trazerem consigo máquinas fotográficas,
já que estas pesavam muito e quem as possuía eram geralmente
profissionais da área.
Por se tratar de um incêndio, supõe-se, a partir daquilo
que não podemos ver, que o local registrado estivesse cercado por
policiais, médicos e bombeiros para conter o incêndio e a multidão
que acompanha o desfecho da tragédia, sendo esta formada por
possíveis sobreviventes do incêndio, amigos, familiares e curiosos.
Retomando a análise do edifício Joelma, podemos afirmar que
forma monocrática da imagem não nos causa repulsa ao observá-
la, pois sua cor preto e branco apresenta um tom de conformismo,
mesmo que fiquemos abalados emocionalmente pela quantidade de
mortos e feridos fazendo com que nos coloquemos no lugar dos seus
familiares ao sentir a dor da perda por pessoas que desconhecemos.
A fotografia é simples, de fácil compreensão apesar da pouca
nitidez já que esta foi registrada na década de 70 em que havia
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poucos recursos fotográficos. O objeto em foco encontra-se distante
da câmera do fotografo, tendo esta uma imagem viva retratando o
edifício ainda no momento do incêndio, onde podemos observar as
chamas e fumaça na parte superior do edifício subindo de encontro
ao céu.
Portanto, ao analisarmos a fotografia e o enunciado podemos
afirmar que ambos textos, seja ele verbal ou visual, passa-nos a
informação da gravidade do incêndio. O enunciado, por mais que
não possa ser submetido a prova de sua veracidade, só pode ser
entendido se visualizado juntamente com a fotografia, já que o
enunciado “De novo, e muito pior” nos passa a informação que algo
semelhante já aconteceu e sua gravidade foi mais alta que a anterior,
sendo que até as 17:00 horas já havia o número de 70 mortos no
ocorrido, mas é apenas com a visualização da imagem junto ao texto
verbal que compreendemos que se trata de um incêndio.
Assim concluímos que o enunciado e a fotografia do edifício
Joelma não se completam, mas sim passam-nos informações
diferentes uma da outra, sendo que a imagem testifica aquilo que o
enunciado diz, servindo como testemunha de um acontecimento.
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Ao analisarmos o enunciado do discurso midiático do dia 28
de janeiro de 2013, sobre o incêndio da boate Kiss, ocorrido na
cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, obtemos a informação
que há 50 anos não acontece um incêndio com uma gravidade tão
elevada quanto a da boate Kiss.
O enunciado “Pior incêndio do país em 50 anos” nos traz
à memória os piores incêndios ocorridos no Brasil, estando em
primeiro lugar o do Gran Circo Norte-Americano ocorrido no dia
15 de dezembro de 1961 em Niterói, Rio de Janeiro, sendo este
um incêndio criminoso causado por vingança que resultou em 503
mortos, em segundo lugar o incêndio da boate Kiss que resultou
em aproximadamente 260 mortos, e em terceiro lugar o incêndio
do edifício Joelma, ocorrido no dia 01 de fevereiro de 1974, em
São Paulo, que iniciou após um curto-circuito, resultando em 188
mortos. Estas informações são reforçadas pela legenda da parte lateral
esquerda na imagem.
Ao ser utilizado o termo “casa noturna” de maneira genérica
sem nomeá-la entende-se que lugares como estes também estão
sujeitos a terem a mesma falha que levou ao ocorrido, informando
também que 231 mortes foram causadas pelo incêndio, até aquele
momento.
A fotografia foi retrata no sentido paisagem, mostrando um
espaço amplo onde se é possível ver a fachada da boate Kiss com
partes da parede quebrada, destroços no chão, a parte lateral de um
caminhão de bombeiro, policiais e bombeiros no local. A fumaça
branca saindo de uma das paredes quebradas e da parte superior do
local indica que o incêndio já havia sido controlado na hora em que
a fotografia foi tirada, sendo isso por volta das cinco horas da manhã,
pois as lâmpadas dos dois postes que visualizamos permaneciam
ainda ligadas.
Podemos deduzir que fora da lente da câmera, sendo isto
aquilo que não se pode visualizar na fotografia, estavam familiares e
amigos das vitimas em busca de notícias, sobreviventes do incêndio,
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curiosos, um maior número de polícias, médicos e bombeiros devido
à gravidade do incêndio, ambulância, IMLs e também caminhões
frigoríficos que foram utilizados devido à grande quantidade de
corpos.
O local onde o incêndio ocorreu pertencia a uma instituição
privada, a fotografia registrada em local público, onde se pode
visualizar a rua, demais prédios, e uma placa de orientação turística e
orientação de destino, caracterizando assim uma área movimentada,
o que entendemos ser o centro da cidade na zona urbana.
Os personagens retratados estão voltados para a entrada da
boate, sendo que dois policiais no centro da fotografia estão em
movimento em direção a entrada da mesma. A fotografia é colorida,
possui uma imagem nítida não sendo complexa apesar da quantidade
de elementos nela representada, mostrando-nos uma imagem viva de
um ambiente sofisticado que pode ser percebido através do designe
da faixada da boate Kiss.
Os objetos em foco encontram-se longe da lente da câmera
ampliando assim a visão do que ela representa, não apenas nos
mostrando elementos da tragédia, mas colocando-nos na posição
de observador juntamente com o fotógrafo.
Pela posição da fotografia ao retratar diversos elementos e
ainda assim colocar a faixada da boate Kiss em destaque, sendo esta
representada do lado esquerdo da fotografia com a câmera levemente
inclinada possibilitando assim que possamos visualizar o nome da
boate e por se tratar de uma fotografia que veicula em um jornal de
caráter privado podemos afirmar que a fotografia foi tirada por um
profissional da área que ali estava para registrar o incêndio.
Através da visualização daquilo que vemos, sentimo-
nos impossibilitados diante do fato que se encerra de maneira
trágica, curiosos e ao mesmo tempo preocupados por aquilo não
visualizamos, sendo estes as vítimas e seus familiares.
Concluímos assim que o enunciado e a fotografia do nosso
objeto de estudo não se completam, mas sim nos trazem informações
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distintas podendo ser lidas separadamente, e mesmo que o enunciado
não possa ser submetido à prova de sua veracidade a imagem
comprova o que o enunciado diz, servindo como testemunha social,
denuncia do que aconteceu.
O enunciado da terceira imagem registrada em 28 de janeiro
de 2013, mostra a qual tema este pertence, se autodenominando
como “tragédia” indicando a região em que esta aconteceu. O
enunciado em destaque é o “231 mortos” na parte inferior da
matéria, expressando assim que o número de vítimas é mais
importante do que o local em que este aconteceu.
Na fotografia, registrada em sentido retrato, podemos observar
três personagens no primeiro plano, sendo o primeiro personagem
um homem levemente inclinado demonstrando movimento, usando
uma camiseta branca e luvas, o segundo personagem aparenta ser
um médico (talvez legista) ajoelhado segurando uma prancheta
observando algo a frente dele na parte inferior, usando um jaleco
branco, e o lado esquerdo das costas do terceiro personagem que
também está com vestuário branco.
No segundo plano, perce-bemos
que a fotografia foi registrada em
um ambiente interno, não sendo
possível saber se este é de caráter
privado ou público, onde há
possivelmente muitos mais corpos
enfileirados no chão do que
podemos visualizar, estes estão
cobertos por lonas pretas de seus
pescoços para baixo. Há uma fila
em que não se é possível ver seu
fim, estando esta na parte superior
da fotografia e outra em frente aos
personagens. Entendemos que nessa posição foram postos ali para
serem identificados. A posição lateral da fotografia em que os corpos
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foram fotografados dá a ideia de continuidade, para nos remeter
ao número elevado de “231 mortos” em destaque no enunciado.
A compreensão da imagem é simples, portanto daquilo
que se é possível ver podemos supor que pelo número de corpos
expostos no chão, deve ter também pessoas no local, sendo estas
familiares e amigas das vítimas que estão ali para identificar o corpo
de um parente. Podemos ainda dizer que, o terceiro personagem
representado na fotografia possa ser uma destas pessoas à procura de
seu familiar, e por este motivo o segundo personagem, supostamente
um médico legista, esteja com a prancheta em mãos para localizar
na lista o nome dos mortos até o momento identificados através dos
documentos encontrados em suas roupas e pertences.
Há presença de luz (dia) na fotografia com aspecto vivo,
sendo esta colorida e com efeitos visuais nas laterais da mesma, que
nos remete a uma fumaça, talvez para se criar a ilusão informativa
de que as pessoas ali mortas foram vítimas de um incêndio. Pelos
elementos representados na fotografia não se pode distinguir se a
identificação dos corpos está sendo em uma área rural ou urbana,
mas pelas manchas na parede cremos que não se trata de um local
sofisticado.
O distanciamento fotográfico dos corpos em segundo plano,
com o contraste preto destes e o branco dos outros personagens
busca não chocar o leitor em um primeiro momento, sendo esta
fotografia tirada intencionalmente com o objetivo de não se focar
os rostos das vítimas fatais, e assim então não temos a certeza de
que foi tirada por um profissional jornalístico.
A imagem analisada assusta pela quantidade de mortos,
trazendo-nos um sentimento de impotência diante do fato já
ocorrido e de solidariedade para com os familiares que passarão pela
difícil missão de identificação dos corpos dos parentes.
Portanto, podemos afirmar que o enunciado verbal e a
fotografia não apenas se completam, como muitos estudiosos
do discurso e do texto parecem dizer, mas sim nos apresentam o
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mesmo assunto sob diferentes olhares, que podem ser entendidos
separadamente, não precisando, necessariamente, estarem lado a lado
para serem compreendidos, pois em muitos casos, como por exemplo
as fotos de tragédias já dizem, já confirmam os enunciados e os
discursos socialmente divulgados. Sendo assim, a imagem em nosso
caso atesta o que o enunciado verbal diz, mesmo este não podendo
ser submetido à prova de sua veracidade, mas a fotografia de uma
tragédia é o que realmente fica em nossa memória e nos remeterá
ao assunto mesmo anos após o acontecido, ou seja, aos enunciados
verbais proferidos em tragédias como as que aqui analisamos servem
ao discurso imediato, cumprem o papel de divulgadores eficientes,
porém cabe às imagens a denúncia social, a elas é destinado o papel
de uma testemunha imagética silenciosa.
Referências
ARAÚJO, Inês Lacerda. Foucault e a crítica do sujeito. 2ª. ed. Ed. da UFPR.
Curitiba, PR, 2008.
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MODOTTI, Tina. A imagem como testemunho. In: MANGUEL, Alberto.
Lendo imagens: uma história de amor e ódio. Trad. Rubens Figueiredo,
Rosaura Eichemberg, Claúdia Strauch. Companhia das Letras. São Paulo,
SP, 2001.
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A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO POR MEIO DA
LINGUAGEM: CONVERGÊNCIAS ENTRE
BAKHTIN E VIGOTSKI
Simone Lesnhak1
Abstract: This article, theoretical approach, discusses the process of human constitution
in relation with other humans, through language, proposing convergences between
Bakhtin Circle and Vigotski studies conceptions considered the understanding that, in
human interaction, individuals learn and develop themselves, and this occurs through
instruments of symbolic mediation - the signs. In this sense, the two perspectives converge
in understanding learning as a process that depends on other people, the mediation of
language, effecting on another word (PONZIO, 2010). Through studies on the theories
of Vygotsky (2007[1978]) and Volóshinov (2009 [1929]), we understand the language
as a tool that mediates human interactions, which is characterized as ideological sign and
therefore, focuses on the interpretation and construction of ideologies. Geraldi (2010a,
b), in interpretations of Bakhtin studies, contributes to this discussion by understanding
that the human being is constituted through language, transforming this language,
1
Doutoranda na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – no Curso de Pós-
Graduação em Linguística - e professora do Curso de Letras da Universidade da Região de
Joinville – UNIVILLE.
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abstract and neutral principle in relation to another word (PONZIO, 2010). The
article contains a proposal to look at the constitution of identity as a relation between
subjectivity and other ones mediated by language.
Keywords: language; human; identity; lerning; developing.
Introdução
2
Entendemos que nossa inserção no ideário histórico-cultural nos libera de distinções entre
língua e linguagem, as quais são comuns na Linguística Teórica. Do ponto de vista histórico-
cultural, ambas – língua e linguagem – existem e são objeto de estudo no que respeita às
relações intersubjetivas.
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Nos processos de escolarização, em quaisquer graus de
ensino, o professor age como o interlocutor mais experiente,
responsável por promover condições para que se consubstanciem a
aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes. Nessa condição
de interlocutor mais experiente, parecem-nos implicadas discussões
relacionadas a concepções de sujeito, língua e identidade, requerendo
considerar que o sujeito é constituído nas interações, nas vivências
com a alteridade/outridade, em contato com as diferentes culturas
(GERALDI, 2010b), por meio da linguagem, compreendida essa
mesma linguagem, aqui, como instrumento psicológico de mediação
simbólica (VIGOTSKI, 2007 [1978]).
Propomos, assim, uma reflexão – desde aqui, assumidamente
de base histórico-cultural – a respeito das concepções bakhtiniana
e vigotskiana no que respeita à constituição do sujeito por meio da
linguagem, discutindo, convergentemente, as teorias da filosofia
da linguagem, que tem como principal estudioso Mikhail Bakhtin,
e da psicologia da linguagem, cujo principal representante, neste
artigo, é Lev Vigotski.
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próprio acontecimento; pronto, acabado nos acontecimentos. Nessa
perspectiva, os sujeitos agiriam uniformemente, reproduzindo uma
herança cultural pré-estabelecida. Essa concepção de sujeito remete
a propriedades como responsabilidade, consciência, responsividade,
inconclusibilidade/insolubilidade, situacionalidade, propriedades
compreendidas por Geraldi (2010b) a partir de perspectivas teóricas
bakhtinianas e vigotskianas.
A responsabilidade, para Geraldi (2010b, p. 137), é concebida
a partir de Bakhtin como fundada no “[...] pensamento participativo
e [implicando] a participação de cada um no Ser único [de forma]
singular e insubstituível [...]”. O autor caracteriza como Ser único e
insubstituível aquele que vive a realização concreta do Ser. Segundo
Geraldi (2010b, p. 134), “[...] devo responder com a minha vida
para que todo o vivenciado e compreendido nela não permaneçam
inativos”. Já a consciência refere-se ao ‘saber o que se faz’, e tal
característica poderá ser percebida na materialização desse estado
de consciência por meio dos signos (GERALDI, 2010b).
Sobre a característica da responsividade ou respondibilidade,
“[...] toda a ação do sujeito é sempre uma resposta a uma
compreensão de outra ação [...]” (GERALDI, 2010b, 140), ou como
concebe o ideário bakhtiniano, uma resposta ativa aos discursos,
aos enunciados dos outros ou àqueles já realizados. Assim, tal “[...]
encadeamento infinito proposto dá um sentido novo à unicidade
do evento: único, mas não isolado. [...] este encadeamento aponta
para a constituição social de cada um na relação com os outros e de
cada ação individual” (GERALDI, 2010b, p. 140).
A inconclusibilidade/insolubilidade é a característica que
implica o contato, a interação, a resposta do outro que demanda a
completude, por isso, Geraldi (2010b, p. 143) explica que,
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com somente um e mesmo outro, e a vida não se resume a um e
sempre mesmo tempo.
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Bakhtin, considera que a identidade dos sujeitos se constrói no
movimento, na dinâmica que caracteriza a interação humana nas
diversas situações sociais. O autor associa a noção de constitutividade
à ideia de interação, lugar de sua realização, em que ocorre a relação
com o outro, na qual se gestam as movências.
Nessa discussão importa atenção ao conceito de interação,
que, para Volóshinov3 (2009 [1929]), implica agenciamento do
signo, da expressão semiótica, da palavra como signo potencial de
interação humana. Embora nos aprofundemos adiante no ideário
bakhtiniano e discutamos com maior profundidade noções tais
como a de interação verbal, é importante considerarmos que, nessa
ótica, é a partir da exterioridade, na relação com o outro, que se dá a
organização mental e a apropriação de conhecimentos; assim, só nos
parece possível discutir identidade na relação com a alteridade. Sob
essa perspectiva, constituímo-nos na situação social mais imediata,
no meio social concreto em que estamos inseridos, no grupo social e
na época a que pertencemos, fazendo-o por meio de enunciados, na
condição de sujeitos ativos e responsivos, responsáveis e conscientes.
Para Volóshinov (2009 [1929], p. 143),
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‘de passagem’, e, na passagem, constroem-se “[...] as categorias
de compreensão do mundo vivido, nem sempre percebido e
dificilmente concebido de forma idêntica pela unicidade irrepetível
que é cada sujeito” (GERALDI, 2010b, p. 31). Assim, a cada nova
interação, a palavra constitui-se o lugar das interações verbais, e, na
mediação simbólica a que se presta, constroem-se representações não
ainda pensadas, novos acontecimentos sobre os quais incidimos e os
quais incidem sobre nós no processo de constituição subjetiva que
protagonizamos na relação histórico-culturalmente situada com o
outro. Segundo Geraldi (2010b, p. 32), as concepções bakhtinianas
sobre sujeito trazem para o processo de formação da subjetividade o
fluxo do movimento do trabalho que se faz cotidianamente.
Já em uma perspectiva mais focada na psicologia da
linguagem, importa tratar da constituição do sujeito também no
que se refere à aprendizagem e ao desenvolvimento. Segundo Vigotski
(2007 [1978]), o desenvolvimento e a aprendizagem implicam a
relação do homem com o mundo, processo mediado pela linguagem,
pelos signos. Sirgado (2000) explica que Vigotski considerava dois
estímulos para tal: o estímulo natural (interior) e o cultural (exterior)
criado pelo homem. A interação e os estímulos externos criam entre
os dois tipos de estímulos “[...] uma relação indireta e mediada,
exatamente como ocorre com o instrumento técnico na relação
do homem com a natureza, [...] resultando em uma ‘forma nova’ à
natureza, da qual ele é parte integrante” (SIRGADO, 2000, p. 57).
Faraco, Tezza e Castro (2007, p. 101), na perspectiva da filosofia da
linguagem bakhtiniana, entendem que
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relações sociais instituídas por meio da linguagem. A constituição
da identidade se dá necessariamente no encontro com a alteridade:
na convergência com o ideário bakhtiniano, poderíamos dizer que
o outro tem o excedente de visão sobre mim que não me é dado ter
em minha incompletude fundante (GERALDI, 2010a). Assim, a
legitimação como membro de um determinado grupo social implica o
encontro subjetividade/alteridade. Os membros de uma comunidade,
por meio da linguagem, considerada por Kramsch (1998, p. 10)
como “[...] a social patrimony and a simbolic capital that serve to
perpetuate relationships of power and domination [...]”4, criam e
formatam a sua cultura nas relações intersubjetivas mediadas por ela.
Kramsch (1998) associa a constituição da subjetividade à noção de
interação, instituidora da cultura, entendida, neste estudo, na esteira
dos pensamentos vigotskiano e bakhtiniano, como a criação de um
povo – ou de um grupo –, no curso de sua vida e de sua história,
processo que implica incidir sobre o ambiente natural e social (com
base em GAČEV, 2011).
Entendemos, pois, que o momento único e irrepetível da
situação de interação materializa as representações de mundo por
meio das palavras, consideradas também únicas e irrepetíveis já
que, após cada acontecimento, voltam à sua abstração, apesar de
carregadas de novas representações, para ‘acontecer’ novamente
quando tomadas em novas situação de interação humana, o que
nos remete ao conceito de enunciado. Nesse sentido, a interação
provoca esse movimento de construção de novas representações na
mente humana: o interno é estimulado a modificar-se pelo social
externo, tal como entende o ideário vigotskiano. Somos, assim,
sujeitos historicizados, constituídos na interação, na alteridade, no
encontro com o outro por meio da linguagem.
Nessa discussão, vale mencionar Faraco (2010, p. 150), para
quem a palavra abstrata, “recortada da existência, objetificada”
4
Tradução: [...] um patrimônio social e um capital simbólico que serve para perpetuar relações
de poder e de dominação [...].
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não constitui ato. A palavra como ato responsável é entendida por
Bakhtin (2010 [1924]) sob a perspectiva daquilo que é irrepetível na
situação de interação, lugar indispensável de sua realização. Assim,
para o ideário bakhtiniano, as palavras, quando usadas na interação,
compõem a eventicidade irrepetível do “[...] ato em sua totalidade,
no qual [o sujeito] entra como um ser integral” (FARACO, 2010,
p. 150). Assim, ao tomarmos como exemplo os sentimentos da dor
e da tristeza, não há como pensá-los, conceitualizá-los; eles somente
tomam parte do ser humano, ou seja, pode-se dizer que o homem
deles se apropriou, somente quando os viveu, em sua interioridade.
Isso remete à arquitetônica real concreta do mundo dos valores
vivenciados, processo em que os sujeitos estão unidos por relações
concretas no evento singular do existir (FARACO, 2010). Ponzio
(2010), com base no ideário bakhtiniano, trata de encontro da outra
palavra com a palavra outra, no qual, em nossa percepção e para as
finalidades deste estudo, se dá a constituição dos sujeitos. Quanto
ao encontro5 propriamente dito,
5
Ainda que Ponzio (2010; 2013) conceba encontro eminentemente no âmbito do que chama
de infuncionalidade, trazemos o conceito também para as relações que, segundo ele, seriam
funcionais, com o propósito de propor que, nos processos de escolarização – funcionais em
sua essência –, a exemplo das relações infuncionais, tomemos as vivências humanas como se
instituindo entre sujeitos singulares e não entre indivíduos diferenciados entre si apenas no
âmbito das grandes categorias macrossociológicas. Não nos deteremos na complexidade dessa
questão porque foge ao escopo de nossa discussão. A nota objetiva registrar a consciência
de que o autor lida com o conceito de encontro na perspectiva da infuncionalidade e nós o
fazemos na perspectiva da funcionalidade.
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Nessa discussão, porém, é importante considerar que a
palavra, constitutiva do encontro, nos enunciados dos membros mais
experientes, tais como os professores, tende a representar aos sujeitos
estudantes mero teoreticismo se não for parte de uma experiência
de fato vivenciada e significativa. Para tal parece-nos imprescindível
que as situações de interação com o outro mais experiente de fato
facultem essas mesmas vivências. Ponzio (2010, p. 38), na proposição
do encontro, parte dessa questão: não se trata de uma relação entre
dois sujeitos, entre duas palavras,
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e repete o que foi elaborado pela sociedade na sua história, mas
também transforma essas respostas no seu processo individual de
desenvolvimento” (GERALDI, FICHTNER; BENITES, 2006, p.
185). Assim, “[...] o discurso interior é o resultado de um processo de
construção por meio do qual o discurso dos outros e com os outros
se torna discurso para si mesmo” (DANIELS, 2002 [1996], p. 12).
Quanto ao conceito de apropriação, Sobral (2009, p. 161),
na vertente bakhtiniana, nos parece especialmente pertinente na
menção a essa questão:
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 161
A filosofia da linguagem bakhtiniana, com ênfase na discussão
sobre signo ideológico e a psicologia da linguagem vigotskiana, com
ênfase na discussão sobre aprendizagem e desenvolvimento favorecem
o nosso entendimento sobre como devemos, então, conceber a
língua/ linguagem para considerá-la instrumento de mediação
simbólica.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 162
no nível social e depois no nível individual, isto é, “[...] primeiro,
entre pessoas ([dimensão] interpsicológica) e depois no interior [do
sujeito] ([dimensão] intrapsicológica)” (VIGOTSKI, 2007 [1978],
p. 58). Para haver desenvolvimento e aprendizagem nas relações
intersubjetivas, Vigotski aponta o signo como elemento essencial,
pois ele constitui, reiteramos, instrumento psicológico de mediação
simbólica fundamental na instituição das relações intersubjetivas.
Quanto a essa mediação por meio de signos, segundo Vigotski
(2007 [1978], p. 33):
Figura 1: Função
E -------------- R
↑
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 163
de qualquer outra função), desempenhando o papel de organizador
da resposta [...]”. Assim, desenvolvimento e aprendizagem implicam
a relação do homem com o mundo e com o outro, constituindo
processos mediados pela linguagem, pelos signos.
Sobre o signo ainda, Sirgado (2000, p. 55) esclarece que se
pode supor que o termo signo, para Vigotski, num sentido genérico,
englobaria dois tipos de signos: os naturais e os artificiais ou
produzidos pelo homem. Vigotski entendia que “[...] a internalização
dos sistemas de signos produzidos culturalmente provoca
transformações comportamentais e estabelece um elo de ligação
entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento individual.”
(VIGOTSKI, 2007 [1978], p. XXVI). Pode-se compreender, por
essa perspectiva, que ocorre uma relação dialética nesse processo,
pois os universos pessoal e social se integram, interagem. Vigotski
está preocupado em mostrar a continuidade/descontinuidade que
existe entre o estímulo natural e o cultural criado pelo homem.
Enquanto o primeiro traduz a relação imediata e direta do organismo
com o meio, o segundo cria entre eles uma relação indireta e
mediada, exatamente como ocorre com o instrumento técnico
na relação do homem com a natureza (SIRGADO, 2000, p. 57).
Apesar de o autor russo fazer essa analogia entre o instrumento
semiótico e o instrumento técnico, Sirgado (2000, p. 58) alerta
para a compreensão de que “[...] se a mediação técnica permite ao
homem [...] dar uma ‘forma nova’ à natureza da qual ele é parte
integrante, é a mediação semiótica que lhe permite conferir a essa
‘forma nova’ uma significação”. A partir da operação psicológica de
incorporação de formas qualitativamente novas e superiores, “[...]
o uso de signos conduz os seres humanos a uma estrutura específica
de comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e
cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura”
(VIGOTSKI, 2007 [1978], p. 34).
Sobre a concepção de signo, entendemos haver convergências
entre os pensamentos de Volóshinov (2009 [1929]) e de Vigostki
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 164
(2007 [1978]). Para o primeiro autor, a especificidade do signo
também consiste no fato de situar-se entre os indivíduos organizados,
de aparecer como seu ambiente e de servir-lhes como meio de
comunicação, de interação, de materialização da consciência. Nas
interações humanas e por causa delas, as ‘coisas’ físicas se convertem
em signos, e adquirem o caráter de elos do pensamento com a cultura,
refletindo e refratando outra realidade, assumindo uma valoração
ideológica. Nesse sentido, para Volóshinov (2009[1929]), o signo é
ideológico porque é social.
Tratando do papel de elemento de interação, Volóshinov
(2009 [1929], p. 31) entende que “[...] eI signo sólo puede surgir en
un territorio interindividual [...]”. Os objetos do mundo, os corpos
físicos em suas representações, tais como desenhos, pinturas, sons,
imagens, etc., são tomados ou usados pelos homens para exteriorizar,
materializar o seu pensamento. Essa ação ocorre nas interações
humanas, pois “La conciencia se construye y se realiza mediante
el material sígnico, creado en el proceso de Ia comunicación social
[...]” (VOLÓSHINOV, 2009 [1929], p. 31). Diferentemente
das ideias da psicologia e da filosofia idealista, que consideram
que a consciência, o pensamento resultam de operações, reações
psicofisiológicas, ou seja, que o signo exterioriza aquilo que já foi
construído pela consciência, a perspectiva dialógica da linguagem
entende que a consciência é “[...] un inquilino alojado en el edificio
social de los signos ideológicos [...]”(VOLÓSHINOV, 2009 [1929],
p. 31). Assim, para o autor, os signos também só se manifestam nas
situações de interação humana.
Tomando o signo verbal como exemplo, Bakhtin (2000
[1952/53], p. 326) explica que o sistema da língua dispõe de uma
reserva imensa de recursos puramente linguísticos para expressar
formalmente a comunicação entre os indivíduos, ou seja, “[...] a
palavra possui completitude em sua significação, completitude na
sua forma gramatical, mas a completitude de sua significação é de
natureza abstrata [...]” (BAKHTIN, 2000 [1952/53]). Segundo
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 165
o autor, essas formas só podem transformar-se em signos na
concretização da compreensão entre interactantes em uma situação
concreta de comunicação ou interação. A linguagem, como sistema
abstrato, adquire significação quando alguém dela faz uso. Eis o
papel do sujeito como fundamental/fundante do signo, embora
não o depositário do signo, de onde o signo emerge, pois, segundo
Bakhtin (2002 [1929], p. 33), “[...] um signo é um fenômeno do
mundo exterior [...]”, cujo sistema é elaborado por uma sociedade
no curso de suas relações sociais.
Sobre a concepção de signo ideológico, Volóshinov (1993
[1930]) entende que a ideologia, que implica interpretações da
realidade social e natural que são produzidas pela mente humana,
encontra-se no material sígnico específico criado pelo homem.
Por ‘material específico’, entendamos os signos que materializam a
comunicação social, criados num processo de comunicação social
em um coletivo organizado. Assim
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 166
interação humana, são o meio de comunicação social, portanto a sua
significação particular se delineia nessas situações, materializando
pensamentos e representações culturais tanto quanto incidindo sobre
eles no âmbito das relações intersubjetivas. Por meio da práxis e
valendo-se do uso da língua, o homem cria, desenvolve e consolida
seus modos de viver, de agir, de interagir, de (co)instituir suas regras,
leis, ideias, de constituir a sua ideologia.
Para Volóshinov (2009 [1929], p. 26), existem as coisas em
sua forma material, um objeto qualquer, isto é, “Un cuerpo físico es,
por así decido, igual a sí mismo: no significa nada coincidiendo por
completo con su carácter natural único y dado”. Esses corpos físicos,
quando usados pelos indivíduos, são carregados de interpretações,
de representações que não estão em si mesmos, foram atribuídos
a si pelos seus usuários que fazem parte de grupos sociais. Assim,
tornam-se reflexos das consciências humanas e sociais, refletindo
e refratando a realidade. O processo de reflexão e refração que
compreende uma transformação de um objeto físico em signo,
segundo o autor, é “[...] el proceso de una autêntica transformación
de la existencia en el signo, de una verdadera refracción del ser en
el signo [...]” (VOLÓSHINOV, 2009 [1929], p. 44). No signo,
além do seu conteúdo, acompanha-o o ‘acento valorativo’. Desse
modo, “En cada etapa evolutiva de Ia sociedad existe un específjco
y limitado círculo de temas expuestos a Ia atención de Ia sociedad
y en los que esta atención suele depositar un acento valorativo
[...]” (VOLÓSHINOV, 2009 [1929], p. 45). A valoração no signo
é dada, segundo o autor, pela época e pelo grupo social nos quais
esse signo atua na cadeia ideológica. O signo, pois, tem lugar nas
situações de interação, quando se relacionam e se integram valores
sócio-histórico-culturais. Assim, a origem do signo ideológico não é
individual, mas interindividual. “En realidad, es tan sólo gracias a
este cruce de acentos que el signo permanece vivo, móvil y capaz de
evolucionar [...]” (VOLÓSHINOV, 2009 [1929], p. 47).
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 167
Para entender melhor como o signo e a ideologia
simultaneamente se realizam – já que, segundo Volóshinov (2009
[1929], p. 28), “Donde hay un signo, hay ideología. Todo lo
ideológico posee uma significación sígnica [...]” –, esse autor
entende que precisamos relacioná-los com as formas e condições de
comunicação social, sendo a palavra o meio mais puro e genuíno
dessa comunicação.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 168
cognoscitivo [...] en la totalidad de la vida social” (VOLÓSHINOV,
2009 [1929], p. 40).
Assim, para o autor, a dialética se estabelece na relação
recíproca entre a infra-estrutura e as superestruturas, entre as coisas,
os objetos e suas transformações, relações entre os indivíduos, relações
de colaboração; entre os corpos físicos e os encontros fortuitos da
vida cotidiana, as relações de caráter político, as fases transitórias
mais íntimas, as efêmeras mudanças sociais. Nesse sentido, o signo
além do seu caráter meramente físico, adquire ubiquidade social, é
assinalado pelo horizonte axiológico dos grupos sociais no momento
do uso, grupos esses que vivem em diferentes épocas, culturalmente
singularizadas e os quais possuem diferentes índices sociais de valor.
Assim, entende-se o signo ideológico como reflexão da vida social,
refratado pelas interpretações e representações humanas.
Assim, os signos são os instrumentos de representação dos
sistemas simbólicos e ideológicos dos humanos; as representações
humanas de quaisquer esferas se concretizam nos signos ideológicos
criados por grupos sociais e profissionais e são esses signos que
também atuam como instrumentos de mediação simbólica nas
interações humanas, de modo a instituir relações intersubjetivas
com vistas ao desenvolvimento dos sujeitos.
Considerações finais
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de considerar que os sujeitos não aprendem sozinhos, nem tampouco
‘ouvindo’ o outro em um processo passivo de assimilação; o sujeito
constitui-se – aprende e se desenvolve e, por conseguinte, constrói
sua identidade (concebida na dimensão dos sujeitos singulares e
não sob as grandes categorias macrossociológicas) – nas relações
intersubjetivas que estabelece nas diversas situações que vivencia,
refratando os dizeres do outro, indo a seu encontro. A linguagem,
assim, atua como instrumento psicológico de mediação simbólica
que possibilita a apropriação de saberes, de conhecimentos. Para
isso, é preciso que os sujeitos que atuam na Educação considerem
aprendizagem e desenvolvimento como processos que se dão por
meio da linguagem, como o ‘encontro da palavra outra com a
outra palavra’ (PONZIO, 2010), em contextos situados nos quais
a singularidade do eu e do outro seja objeto de atenção e ausculta.
referências
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 170
FARACO, C. A. (2010). Prefácio. In: BAKHTIN, Mikhail M. (2010
[1924]) Para uma filosofia do ato responsável. Trad. aos cuidados de
Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 171
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 151-172, jan./jun. 2014 172
O CÉREBRO DA APRENDIZAGEM SOCIAL:
UMA VISÃO SITUADA DO SISTEMA
NERVOSO CENTRAL
Abstract: This paper show a grounded and neurological view of human learning
which is based on the triple relation “environment-form-function”. On one hand,
this model defends that the way we learn is trough social imitation; on other hand, to
place this view in neurological basis, it question the bounds of the three extant models
of brain (the localizationism, the holism and the equipotentialism); and it defends a
alternative neurological representation based on the neurons plasticity. In according this
representation the brain is biologically programmed to social learning. The “environment”
provides the social stimulation which changes the circuits “form”, the physiological process
in cell level, to the social imitation “function” to occur.
Key-words: social learning; social imitation; neuroplasticity; relation environment-
form-function.
1
Professor Associado do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da Universidade
Estadual de Londrina (UEL). <wagner.wagnerlima.lima@gmail.com>
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 173-192, jan./jun. 2014 173
Introdução
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 173-192, jan./jun. 2014 174
bases gerais de uma teoria neurológica que lida com esse problema
a partir de uma representação social e dinâmica do sistema nervoso.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 173-192, jan./jun. 2014 175
submetidos a esse método mudavam seu jeito de agir conforme
os propósitos do instrutor. Os resultados sugeriam que não havia
uma diferença essencial entre como nós aprendemos e como outras
espécies o fazem e que os outros fatores presentes no contexto de
condicionamento, como os biológicos e culturais, eram irrelevantes
para a aprendizagem.
Contudo, tão logo se avançaram as pesquisas, verificou-se
que o funcionalismo apresenta limitações e que existem outras
formas de aprendizagem. Ao notar em seus experimentos que é
mais fácil condicionar macacos a temer cobras do que coelhos e
flores, o psicólogo M. Seligman (1970) sustenta que os animais
são geneticamente programados a temer objetos específicos (apud
GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005, p. 189). A isso ele chamou
de “prontidão biológica”, enfatizando o papel das disposições
biológicas no aprendizado.
A prontidão biológica ajuda a explicar também por que certas
espécies resistem a colaborar na aprendizagem por condicionamento.
Por exemplo, na década de 60, um casal de psicólogos treinou um
guaxinim para colocar moedas em um cofrinho. Entretanto, embora
inicialmente tenha aprendido a tarefa, ele eventualmente se recusou
a depositar as moedas. Em vez disso, realizou comportamentos que
não foram reforçados: ficou sobre o cofre e esfregou as moedas com
as patinhas, tal como a espécie faz instintivamente com a comida.
A explicação para isso é que a tarefa ensinada era incompatível com
ações adaptativas inatas (apud GAZZANIGA; HEATHERTON,
2005, p. 196).
Especialmente entre os humanos, cuja forma de vida é mais
complexa, a aprendizagem ocorre, sobretudo, pela observação. O
homem possui uma extraordinária capacidade de reparar as ações
dos outros e imitá-las. Na década de 60, A. Brandura desenvolveu
uma série de experiência mostrando como crianças imitam o
comportamento de adultos. A mais conhecida é a do boneco inflável
chamado “Bobo”.
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A experiência consistia em exibir um vídeo de pessoas
interagindo com esse boneco a dois grupos de crianças em
idade pré-escolar. Apresentava-se a um grupo o filme da pessoa
brincando tranquilamente com ele; a outro, o do adulto atacando-o
furiosamente. Depois, quando foram brincar com Bobo, as crianças
que viram as imagens nas quais o boneco era atacado apresentaram
uma probabilidade duas vezes maior de agir agressivamente com ele
(apud GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005, p. 199).
Há outras experiências com macacos que reforçam a tese do
aprendizado por observação e imitação de modelos. As pesquisas
em etologia têm evidenciado que a imitação é um comportamento
de muitas espécies, especialmente as que vivem em sociedade.
Observando as ações de seus iguais, os indivíduos aprendem a
explorar o ambiente sem se arriscar, ou, na pior das hipóteses,
arriscando-se menos. Repetir comportamentos observados poupa
esforços, facilita a aquisição de habilidades e permite transmitir
técnicas e conhecimentos de uma geração a outra; criando as
tradições.
A imitação representa, assim, uma vantagem fundamental
em relação ao condicionamento. Contudo, de forma semelhante ao
método funcional, o aprendizado por observação também apresenta
limitações relacionadas à biologia do aprendiz. Pesquisas conduzidas
por V. Horner (2010) mostram que nós humanos aprendemos
de um modo especial. Na verdade, a maioria das habilidades que
atribuíamos exclusivamente à humanidade se verifica também no
comportamento de outras espécies. No caso particular dos grandes
símios, considerados nossos parentes mais próximos, entre outras
coisas, porque compartilhamos com eles 95% de nosso DNA, a
diferença entre seu modo de agir e o nosso é de grau e não de tipo;
o que, apesar disso, nos torna a espécie dominante nesse planeta.
Para entender como homem e símios aprendem, Horner
realizou o seguinte teste: ela demonstrou para crianças e chimpanzés
adultos como tirar doce de dentro de uma caixa, seguindo uma série
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de passos. A pesquisadora usou duas caixas em situações distintas.
Na primeira vez, a caixa era pintada de preto e tinha uma porta e um
ferrolho atravessado na parte de cima. A guloseima ficava escondida
num tubo atrás da porta. Assim, ela mostrava que, para se obter o
prêmio, os sujeitos tinham de repetir a sequência de ações até chegar
à fase final, quando, então, abriam a porta da caixa e extraíam o doce.
Na segunda situação, ela repetia o mesmo teste, porém, desta
vez, empregando uma caixa transparente, mas estruturalmente
idêntica à primeira. Nessa situação, ficava patente que a sequência
de ações era desnecessária para se conseguir o prêmio. Quando se
aplicou o teste da caixa preta aos chimpanzés, dois terços imitaram
fielmente a cientista. Já entre as crianças, todas repetiram a sequência
de ações demonstrada.
Já no teste da caixa transparente, a diferença foi ainda
maior. Ao notarem a inutilidade dos procedimentos ensinados, os
chimpanzés não controlaram o ímpeto e foram direto ao prêmio. Já
as crianças, apesar de perceberem a fraude, foram, no entanto, até
o fim e repetiram os movimentos ensinados. Esses resultados foram
confirmados por outros cientistas (2010), empregando o mesmo
teste ou versões dele.
Os experimentos de Horner sugerem que, conquanto esteja
presente em muitas espécies, a aprendizagem social é limitada
geneticamente. Os animais sociais aprendem mediante observação
de seus iguais, mas esse aprendizado está sujeito à prontidão
biológica de cada espécie, a qual determina a amplitude e o estilo da
aprendizagem. Pesquisas em antropologia evolutiva evidenciam essa
tese. Por exemplo, comportamentos de empatia e cooperação entre os
macacos antropóides, como chimpanzés e orangotangos, orientam-se
por interesses estritamente pessoais, e não por sentimentos altruístas,
como em nós.
Esse fato põe acento no modo diferencial pelo qual
aprendemos. A reprodução e sustentação da vida social dependem
especialmente da observação e repetição de comportamentos.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 173-192, jan./jun. 2014 178
Porém, é preciso resistir à tentação de conceber a aprendizagem
social como um processo sumário, que passa por cima das diferenças
biológicas e culturais dos sujeitos, e abrigar a visão dela como um
acontecimento situado, que, ao sofrer as influências do ambiente e,
inclusive, da biologia, assume características específicas. Conquanto
seja compartilhada por uma ampla gama de espécies, entre nós essa
forma de aprender é surpreendentemente poderosa.
A teoria da aprendizagem social atribui um importante papel
ao sistema nervoso central (SNC). De acordo com essa visão, o
cérebro é a sede do nosso aprendizado e o centro de comando de
nossas ações e sentimentos. Durante a aprendizagem, nosso cérebro
sofre alterações físicas, ocorridas no nível celular, as quais garantem
o processamento e armazenamento de informações ambientais
relevantes. Sem essa mudança, passaríamos pelas experiências sem
nada reter delas; o que seria um grande risco para a existência da
espécie.
Não obstante, o SNC não é um mero suporte de registro das
experiências. Pelo contrário, ele interage ativamente com o meio
e, mesmo, impõe suas condições ao aprendizado. Na realidade, o
modo pelo qual aprendemos depende não apenas das contingências
ambientais, como também da natureza do nosso cérebro. É ele que
determina a qualidade dos comportamentos adquiridos, como no
exemplo acima da imitação humana.
A teoria da aprendizagem social supõe, assim, uma visão
dinâmica e plástica do cérebro. O problema, então, é saber se
as representações existentes atendem a suas exigências ou se a
formulação de uma nova teoria neurológica se faz necessária para
tanto.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 173-192, jan./jun. 2014 179
às novas técnicas de imageamento do cérebro in vivo, como a
PET e o fMRI (siglas em inglês para “Tomografia por Emissão
de Pósitrons” e “Imageamento por Ressonância Magnética
funcional”, respectivamente). Atualmente, já é um dos paradigmas
epistemológicos predominantes em nossa vida cotidiana, como bem
mostra a mídia em geral.
Por trás desse aparente absolutismo epistemológico, contudo,
está o “tendão de Aquiles” de toda ciência – seus limites. É fato
que toda ciência é fruto de uma série de escolhas metodológicas,
que refletem interesses específicos. No caso da neurociência não é
diferente. Como bem salientou Teixeira (2005, p. 20), ao contrário
do que muitos pensam, os neurocientistas operam com base numa
representação do SNC, uma espécie de mapa do cérebro. Por isso,
há tantas cartografias cerebrais distintas, já que os interesses por trás
desses construtos também são diferentes.
Na história dessa ciência, há pelo menos três formas de se
tratar o cérebro: o localizacionismo, o holismo e o equipotencialismo.
Cada qual encerra um modo específico de relacionar as funções
mentais com a estrutura do cérebro. Baseado nos estudos de
Brodmann, quem dividiu o cérebro em diversas áreas funcionais, o
localizacionismo defende a especialização do sistema nervoso. Ou
seja, o processamento das funções cognitivas acontece em regiões
específicas do córtex, e não de forma indiscriminada por todo o
encéfalo.
Essa última concepção, por sua vez, está na base do holismo,
teoria que sustenta a participação global e indistinta do cérebro
na execução de tarefas específicas. O suporte científico dessa
visão provém dos estudos feitos com ratos, nos quais os sujeitos
experimentais tinham seus cérebros lesados após a aprendizagem.
O aspecto estudado era normalmente a capacidade dos roedores de
explorar um labirinto e encontrar a sua saída. De modo geral, os
ratos não apresentavam mudanças significativas de comportamento
depois dos ferimentos sofridos (TEIXEIRA, 2005, p 22).
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Por fim, o equipotencialismo erige a partir de estudos
empregando um método muito parecido com o do holismo 2.
Extraem-se, aos poucos, partes do encéfalo de pequenos animais e
verificam-se as mudanças comportamentais daí resultantes. Alguns
dados obtidos apóiam a tese de que não há correlação biunívoca
entre comportamentos e regiões cerebrais específicos. As extirpações
encefálicas não acarretavam necessariamente a perda de funções
cognitivas determinadas. Assim, é razoável supor a ausência de
identidade entre mente e corpo; e mais, postular a equivalência
funcional entre os cérebros de diferentes espécies.
A questão da correlação mente-corpo, ou função-forma, se
colocou desde o início para a neurociência. Por ser intrinsecamente
materialista, essa área de conhecimento se deparou com o problema
de evidenciar como funções psíquicas se relacionam com o substrato
físico do SNC. Não obstante o antagonismo histórico das três
posturas teóricas ora apresentadas, atualmente o debate gira em
torno da oposição entre o equipotencialismo e o localizacionismo.
Pelas razões acima mencionadas, o equipotencialismo nega
a possibilidade de existir uma identidade forte entre funções
cognitivas e formas ou regiões cerebrais. Ele se mantém fiel à
tradição cartesiana que divide o homem em corpo e mente.
Essa visão coaduna, em parte, com o pensamento subjacente ao
funcionalismo, especialmente o pregado pelo behaviorismo radical
de Skinner e seguidores (embora estes últimos rejeitem a noção de
mente, pelo menos na forma como tradicionalmente ela vem sendo
compreendida) (BAUM, 2006, p. 49-70).
Como vimos, o behaviorismo emprega os mesmos princípios
comportamentais a toda e qualquer espécie. A aprendizagem
é fruto de um condicionamento clássico ou operante e é
controlada por estímulos, seja de reforço ou de punição. Dado
2
Segundo Teixeira (2005), holismo e equipotencialismo são frequentemente tomados
como sendo a mesma coisa; porém o equipotencialista defende que cada parte do cérebro é
funcionalmente equivalente a outra.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 173-192, jan./jun. 2014 181
que no condicionamento as diferenças biológicas são em princípio
desconsideradas, a aprendizagem se apresenta como um processo
aplicável sumariamente a diferentes espécies. Assim, do ponto
de vista comportamental, os animais são capazes de aprender,
independentemente da natureza de seus cérebros. Eles seriam
equipotentes.
Nesse sentido, o funcionalismo representa, no âmbito desse
debate, o não-reducionismo materialista. Há uma correlação entre
comportamento e sistema nervoso apenas na medida em que as
funções dependem de algum suporte físico para se instanciar, como,
por exemplo, num “jogo de xadrez”. As regras que o caracterizam
são de natureza distinta do material em que se expressam, ou seja,
da matéria do tabuleiro e das peças do jogo. Não obstante, elas
prescindem desse suporte para acontecer. Haveria, portanto, uma
identidade fraca entre função e forma, uma correlação “token-token”
(TEIXEIRA, 2005, p. 24-27).
O localizacionismo, ao contrário, defende uma identidade
mais estreita entre comportamento e matéria encefálica, uma
identidade “type-type”. Atualmente, a ideia de um cérebro
especializado é predominante e há uma série de experimentos que
confirmam essa tese (DAMÁSIO et. al, 1996; DAMÁSIO, 2005).
A especialização se verifica não apenas no nível macro, isto é, das
divisões corticais e subcorticais, como também no nível micro,
dos circuitos de neurotransmissores e das organizações citológicas.
Talvez as descobertas que mais tenham contribuído para a escolha
dessa cartografia cerebral sejam os estudos em neurolinguística,
particularmente os achados de Broca e Wernicke (FIORI, 2008,
p. 131-151).
Esses cientistas conseguiram localizar as regiões corticais
responsáveis pela produção e compreensão da fala, respectivamente.
Hoje, com os trabalhos de Damásio e sua equipe, já se sabe que as
áreas da linguagem são muito mais especializadas do supunham
Broca e Wernicke (DAMASIO et al., 1996). Além disso, graças ao
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avanço da genética, essa visão tem-se consolidado. A sequência de
genes responsável pela fala com sintaxe já foi localizada em nosso
DNA – o chamado FOXP2, expresso na área de Broca (POLLARD,
2009, p. 34-39).
Entretanto, ainda pairam as dúvidas quanto à relação termo
a termo envolvendo funções cognitivas e estruturas cerebrais. Em
geral, o mapeamento dos comportamentos ligados aos sentidos e à
motricidade é mais acurado do que o referente ao pensamento lógico-
racional. Por exemplo, o raciocínio abstrato e a tomada de decisões,
duas importantes manifestações da razão, ocorrem no córtex frontal
como um todo; embora os córtices pré-frontais parecem ser mais
decisivos no cumprimento dessa função (DAMÁSIO, 2005).
Vale salientar também o problema do mapeamento no
tocante à aprendizagem social, que é um dos modos mais eficientes
de adaptação. Já vimos que os organismos aprendem observando
e repetindo expressões e atitudes de seus iguais. Vimos também
que nós somos muito bons nisso, pois ganhamos de nossos primos
símios na capacidade de imitar desinteressadamente. Pois bem, até
o presente das pesquisas neurocientíficas, ainda não se localizaram
as áreas especializadas da imitação, embora as regiões corticais
envolvidas na tarefa imitada sejam ativadas e, portanto, delimitadas
(GASCHLER, 2009, p. 46-51).
Em síntese, as representações existentes do cérebro não
resolvem o problema da identidade estreita entre função e forma.
Como é de se esperar, há limitações em todas as concepções
apresentadas. O localizacionismo se aplica muito bem a alguns
comportamentos mais básicos, como os sentidos, as emoções
primais, a motricidade e a linguagem. Contudo, ele se mostra
inadequado para explicar as funções ditas superiores, como a razão;
cujo processamento é geral e distribuído.
Já o equipotencialismo abstrai as particularidades do contexto
de realização das ações, inclusive os fatores biológicos envolvidos.
Algumas tarefas muito gerais, como as espaciais, são bem explicadas
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por essa concepção; porém funções mais específicas e precisas
escapam ao seu controle (TEIXEIRA, 2005, p 22-23). A nosso
ver, uma identidade perfeita entre forma e função é uma utopia.
Qualquer procedimento científico orienta-se por um método e por
um contexto de interesses, de modo a impossibilitar a existência de
uma teoria absoluta, definida de uma vez por todas.
Nesse sentido, assumindo a falibilidade de todo conhecimento,
propomos uma teoria neurológica que vise a dar respostas a
questões de aprendizagem social. Ela se apóia na tríplice relação
“ambiente-forma-função”, na qual o sistema nervoso central se
constitui epistemologicamente como um órgão dinâmico, plástico
e remodelável; no entanto, dentro de seus limites biológicos. Nossa
formulação defende uma visão do SNC cujo critério de construção
é essencialmente nossa capacidade de aprender de modo social.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 173-192, jan./jun. 2014 184
Sendo assim, precisamos selecionar os traços particularmente
humanos da sociabilidade e, então, convertê-los em critérios
epistemológicos de uma teoria neurológica. Tais critérios devem
tanto esclarecer a interação entre ambiente, forma e função, quanto
justificar a importância científica dessa teoria.
A respeito do comportamento social, há de fato uma
correlação entre inteligência, vida social e cérebros grandes.
Os indivíduos mais inteligentes são sociais e carregam grandes
encéfalos, proporcionalmente ao tamanho de seus corpos. Em geral,
apresentam muitas das capacidades superiores verificadas no homem
moderno, como a imitação, a empatia, a cooperação, a trapaça etc.
No entanto, nossa capacidade de cumprir essas funções é muito
maior, o que se reflete na qualidade de nossos desempenhos e de
seus resultados.
Nesse sentido, conquanto nos comportemos como
muitas espécies, nossa capacidade de aprender com o outro é
indiscutivelmente superior. A imitação desinteressada, identificada
nos estudos de V. Horner (cf. supra), expressa uma prontidão
biológica do Homo sapiens. Outro aspecto marcante da vida social
humana é a nossa busca compulsiva pela atenção, admiração e
reconhecimento dos outros significativos.
Isso parece tão urgente e fundamental que muitos põem a vida
em risco pelo sucesso social, o qual se resume ao reconhecimento
de seus pares. Basta citarmos a busca pela superação dos limites
pessoais, que é o mote de muitas competições humanas. Na maioria
das vezes, o principal prêmio é tornar-se alvo da admiração pública.
Tal fato sugere que não só gostamos de ser desejados como também
desejamos aqueles que o são. Ser visto, desejado e admirado é próprio
do homem. Isso deve contar na aprendizagem social e, por extensão,
no modo como o cérebro funciona.
Reconhecimento social e imitação desinteressada constituem
os vetores da aprendizagem social humana. Nesse sentido, é de se
esperar que cumpram um papel fundamental na explicação da
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maneira pela qual nosso cérebro opera e se organiza. Uma vez que
isso se dá na relação entre ambiente, forma e função, tais critérios
determinam aos três aspectos dessa tríade. Senão vejamos.
Como um músculo, que precisa de exercício e estímulo
para se desenvolver, nosso cérebro depende do entorno para criar,
conectar e reorganizar seus circuitos neurais. Foi assim durante
toda a sua evolução e, atualmente, permanece como sempre foi.
Conforme vimos defendendo, o “outro”, ou mais especificamente,
o comportamento de nossos iguais, é o mais nobre estímulo. Num
ambiente social, as ações, gestos e atitudes de nossos vizinhos
competem por nossa atenção.
Há nisso um princípio geral de regulação das trocas humanas:
assim como buscamos o reconhecimento social, disputando a
atenção dos outros, estes fazem o mesmo conosco. Somos atraídos
por seus comportamentos porque desejamos ser reconhecidos por
eles; e vice-versa. Em princípio, a opção por uma atitude depende
do seu valor social. Bons comportamentos são, em geral, aqueles
que atraem o público e se espalham mais.
Em termos neurológicos, esse fato condiciona socialmente
os circuitos neurais, os quais biologicamente parecem estar
programados para isso. O resultado é um cérebro sensível ao outro,
sendo capaz de imitar seus gestos e de compreender suas razões.
Coloca-se, então, o problema de saber que funções psíquicas
estariam envolvidas nesse processo. As últimas descobertas da
neurociência apontam para a função de “imitar”, a qual pode
ser desdobrada em duas mais específicas: o “espelhamento” e a
“repetição”. Não se trata de processos específicos, localizados, como
a linguagem, as emoções, a motricidade etc.; mas de uma espécie de
“metafunção”, atuando indiscriminadamente sobre as habilidades
mais especializadas.
O espelhamento foi descoberto pela equipe do Dr. Rizzolatti,
da Universidade de Parma, nos anos 90, quando monitorava a
atividade neural de um macaco reso enquanto ele pegava algumas
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guloseimas. Na verdade, foi um achado científico: num dado
momento, no intervalo do experimento, a região cerebral do símio
ligada ao movimento de prensão disparou, estimulada pela ação
do pesquisador de pegar uma uva-passa. O cérebro espelhava o
movimento do outro (GASCHLER, 2009, p. 46-47).
As células envolvidas nessa função foram batizadas de
“neurônios-espelho”; de lá para cá, novas funções foram atribuídas a
elas, como a imitação de sentimentos e de intenções. O espelhamento
está por trás, portanto, da empatia e da teoria da mente, dois
mecanismos cruciais para a comunicação, a intercompreensão e o
desenvolvimento da vida sociocultural. Simulando internamente
ações, intenções e sentimentos alheios, compreendemos de forma
mais objetiva o que se passa com nossos semelhantes.
Além de espelharmos internamente nossos pares, também
repetimos seus gestos. A repetição de atitudes observadas representa
um importante dispositivo de aprendizagem social. Como vimos
acima, temos uma vocação natural para imitar os outros, já que
imitamos por imitar. Nesse processo, os neurônios-espelho cumprem
o papel central de auxiliar a cópia e a reprodução das ações humanas.
Por isso mesmo, defendemos uma interpenetração entre
espelhamento e repetição – o primeiro auxiliando o segundo, e este
incrementando aquele. Esses dados reforçam a suposição de que o
cérebro é biologicamente social, num grau inexistente nas demais
espécies sociais. De um lado, assegura o aprendizado social; de
outro, se desenvolve e se organiza por influência da sociedade. Este
é o último aspecto da teoria a ser esclarecido.
A dificuldade aqui é acertar a cartografia cerebral mais
condizente com nossa teoria. Acima, conhecemos e avaliamos as três
concepções neurológicas existentes – o localizacionismo, o holismo e
o equipotencialismo (TEIXEIRA, 2005, p. 21-23). Paradoxalmente,
a idéia do cérebro social se relaciona com todas essas tendências,
mas não se enquadra em nenhuma particularmente. Ainda que ela
se instancie nos chamados neurônios-espelho, a imitação não possui
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qualquer localidade física, como uma região ou célula específica. Na
verdade, como dissemos, esses neurônios são os mesmos envolvidos
na especialidade de uma dada função cognitiva (p. ex., a atividade
motora).
Em regra, as células refletoras servem primordialmente
a funções mais específicas e só na presença de estímulos sociais
expressa, ademais, a função complementar de simular o outro. Por
outro lado, os circuitos neurais como um todo reagem à imitação, o
que sugere um princípio holístico. Todavia, a imitação diz respeito
a habilidades específicas, como linguagem, emoção, intenções,
motricidade etc. (GASCHLER, 2009, p. 46-51). Ela pertence, ao
mesmo tempo, a cada função e a nenhuma em especial. Resta-nos,
finalmente, o equipotencialismo.
Não obstante a exiguidade de pesquisas acerca dos neurônios-
espelho, alguns estudos mostram que a imitação também ocorre
no cérebro de outros animais, como no exemplo mencionado de
Rizzolatti. Isso apoiaria perfeitamente a atitude equipotencialista,
não fosse o fato inegável da superioridade da imitação humana.
Como temos sugerido, há algo de especial nesta que só o cérebro
humano é capaz de expressar.
O problema de encontrar um correlato neurológico para a
imitação se resolve contanto que se assuma que o espelhamento e a
repetição são comportamentos compartilhados por muitos grupos de
neurônios e que, por isso mesmo, orientam e reforçam as conexões
sinápticas dessas células. Graças a essas funções, as quais são causadas
e guiadas pela alteridade, o cérebro interage com o meio e adquire
uma organização social. Assim, nesta nossa proposta, as cartografias
existentes não dão conta de exprimir essa dimensão social do sistema
nervoso humano.
Por isso, apostamos numa representação processual do
SNC em nível celular. Ou seja, numa “cartografia” que evidencie o
dinamismo das redes neurais durante a aprendizagem social. Dessa
forma, conseguimos focalizar os mecanismos neurais envolvidos na
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aprendizagem e correlacionar esses mecanismos com a função de
imitar e com o ambiente social. Conseguimos também obter uma
identidade forte entre ambiente, forma e função.
“Neuroplastia” é o termo chave que resume os aspectos
dessa representação cerebral e, em jargão técnico, é outro nome
para dinamismo. A plasticidade cerebral diz respeito à mudança
adaptativa na estrutura e função do sistema nervoso, seja como
atividade de interações com o meio interno e externo, seja como
resultado de lesões que afetam os neurônios (MUSZKAT, p. 42).
A neuroplastia ocorre, portanto, em virtude de uma resposta
adaptativa impulsionada por desafios do ambiente ou lesões, sendo
um modo de ser do cérebro. (A representação desse fenômeno
poderia se chamar “neuroplasticismo”, por analogia às concepções
acima mencionadas, e estaria mais de acordo com a aprendizagem
social do que qualquer outra representação do sistema nervoso.)
Como a plasticidade opera em vários níveis (neuroquímico,
neural e comportamental), podemos refinar essa representação.
Assim, em nossa proposta teórica, tomamos por “forma” todos
os processos fisiológicos do cérebro envolvidos na aprendizagem;
e por “função”, o nível comportamental da plasticidade – mais
exatamente, a imitação. Os processos fisiológicos englobam:
crescimento e formação de novas conexões sinápticas, crescimento
de espículas dentríticas, mudança de conformação de macroproteínas
das membranas pós-sinápticas e aumento de neurotransmissores,
neuromoduladores e das áreas sinápticas funcionais (MUSZKAT,
p. 42).
Visto dessa perspectiva, o cérebro não é um mero substrato
físico das funções cognitivas; nem um órgão que recebe passivamente
as ações do meio, excitando-se ao sabor dos eventos. Pelo contrário,
ele é dinâmico e pró-ativo. Dado que o SNC se desenvolve, a
plasticidade expressa o potencial de mutabilidade de acordo com
esse desenvolvimento. O crescimento e a superprodução de sinapses
(sinaptogênese), assim como a eliminação de sinapses e neurônios
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(apoptose), ocorrem de forma distinta nas várias áreas cerebrais,
nas diferentes fases de seu amadurecimento (MUSZKAT, p. 44).
O SNC torna-se mais sensível a determinados estímulos,
abrindo uma “janela de oportunidades”, uma fase ideal para o
aprendizado e desenvolvimento de habilidades específicas. Portanto,
dizemos que, em períodos distintos de seu amadurecimento, o
cérebro está mais sensível à aquisição de certas habilidades e não de
outras. Essa condição é crucial para o aprendizado.
Em síntese, a teoria neurológica proposta concebe o
funcionamento cerebral como um processo de aprendizagem
envolvendo “ambiente-forma-função”. São aspectos interdependentes,
pois nenhum funciona independentemente. O ambiente fornece os
estímulos sociais que disputam nossa atenção, afetando as estruturas
neurais. As mudanças neuroquímicas e neuronais geram, então,
os processos cognitivos de imitação, que, mediante retroação,
reforçam a fisiologia das células. Os comportamentos bem-sucedidos
selecionam as transformações químicas e sinápticas relacionadas,
produzindo a aprendizagem social.
Considerações finais
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expressão de habilidades que promovam a vida sociocultural. Em
suma, está programado para aprender socialmente.
Assim, diferentemente da atitude funcionalista, que sustenta
um modelo sumário de aprendizado, defendemos uma concepção
situada do processo de mudança duradoura de comportamentos.
Como evidenciamos aqui, a aprendizagem se dá num circuito
de interação envolvendo três componentes: o ambiente social, as
funções de imitação e os processos neuroplásticos do SNC. Nesse
circuito o aprendiz identifica e resolve problemas, conquistando
novas habilidades para viver em sociedade.
É nesse contexto dinâmico e situado que nossa teoria
neurobiológica encontra seus fundamentos e se justifica
epistemologicamente. Ao compreendermos o funcionamento
cerebral com base no contexto de aprendizagem, inauguramos um
novo modo de se conceberem o SNC e a identidade estreita mente-
corpo, a qual passa a supor o ambiente.
À medida que enfatiza a correlação íntima entre as funções
de imitação e os processos citológicos do nosso cérebro, esse recorte
revela um desenho do SNC mais apropriado às questões de cunho
prático, como as relativas à maneira pela qual a inteligência se
desenvolve socialmente. Nesse sentido, não faz mais sentido sustentar
a divisão mente e matéria, bem como uma concepção meramente
funcional da aprendizagem humana.
Referências
DAMASIO, Hanna et al. A neural basis for lexical retrieval. In: Nature,
v. 380, p. 499-505, 1996.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 173-192, jan./jun. 2014 191
DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes. Emoção, razão e o cérebro
humano. 2. ed. Trad. Dora Vicente e Georgina Segurado. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 173-192, jan./jun. 2014 192
O ADVÉRBIO COMO ELEMENTO
ARGUMENTATIVO
Abstract: In this article, we will present the class of the adverb in two media genres:
advertising and “phrases”. The advertising discourse is characterized by its high degree
of persuasion in order to convince the reader/consumer. The genre “phrases” recently
became subject of research, also demonstrating the need to convince by their enunciators.
We aim to clarify how the adverb in its various subclasses, influence the argumentative
plot which involves enunciator and enunciatee, causing diverse effects of meaning.
Key-words: Argumentation; modalization; media genres.
Introdução
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Todo texto contém uma carga de sentido que expressa a
intencionalidade de seu produtor, cabendo ao interlocutor captar,
em determinada extensão, essa intencionalidade. É nesse aspecto que
se instala a argumentatividade que só se desvela progressivamente
(ampliando/aprofundando nossas percepções), por intermédio das
pistas que os elementos linguísticos podem oferecer.
Quanto ao gênero publicitário, Breton (2003, p. 51) afirma
que “A propaganda, nas formas extremamente sofisticadas que lhe
foram dadas no século XX, continua a ser o modelo de referência da
manipulação da relação orador/auditório para fazê-lo aceitar certas
opiniões, a qualquer custo.”
Portanto, o texto publicitário bem elaborado, tanto na parte
verbal quanto na não verbal, é justamente o fator diferencial no
competidíssimo jogo de mercado, em que as marcas disputam,
acirradamente, o público consumidor.
Quanto ao gênero “frases”, em 2001, a pesquisadora Cleide
Emília Faye Pedrosa, da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, iniciou a sua sistematização e, em 20104, publicou, na obra
Gêneros textuais e ensino, o capítulo “‘Frases’: caracterização do gênero
e aplicação pedagógica”.
Ao selecionarmos esse gênero como corpus de nossa pesquisa,
consideramos que ele propicia um estudo relevante, pois a linguagem
dos discursos midiáticos é caracterizada pela criatividade, pela busca
incessante de procedimentos semântico-pragmáticos que possam
interferir na interação enunciador/enunciatário, ou seja, texto/leitor.
O principal recurso argumentativo que embasa os textos
deste trabalho é a classe do advérbio, pois ele referenda a posição
ideológico-argumentativa do enunciador, explicitando movimentos
discursivos que revelam o arcabouço persuasivo do enunciador no
momento da enunciação.
4
A primeira publicação dessa obra foi em 2002, pela Editora Lucerna. Neste artigo,
utilizaremos a 2ª reimpressão da obra, ou seja, Pedrosa (2010).
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Os gêneros publicitário e “frases”
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Dessa forma, o texto da propaganda, com o objetivo de
chamar a atenção de seu interlocutor/consumidor, é elaborado com
os mais sofisticados recursos argumentativos, já que a criatividade
será o fator que vai fazer a diferença no competitivo patamar das
marcas, pois, como cita Martins (2002, p. 141), “a criação nada
mais é que originalidade, aquele ângulo de abordagem impensado,
aquele ponto de vista inédito que sempre esteve diante dos olhos de
todo mundo mas ninguém viu.” (é sem vírgula mesmo?)
E, ainda, de acordo com Vestergaard e Schrøder (2000, p. 47),
“não basta que o cliente em potencial chegue a sentir necessidade do
produto: o anúncio deve convencê-lo de que aquela marca anunciada
tem certas qualidades que a tornam superior às similares.”
O gênero frase está registrado no Dicionário de gêneros textuais
(COSTA, 2014) com base em Pedrosa (2010). [ler post-it] Para
a autora, algumas revistas oportunizam uma seção própria para
este gênero, estabelecendo “uma forma padrão para o processo de
textualização (registro das ‘falas’ dos locutores) e contextualização
(registro do contexto recuperado pelo editor).” (PEDROSA, 2010,
p. 168).
Ainda segundo a autora, a frase, quanto à sua temporalidade,
pode pertencer a duas classes: situada ou eterna. A primeira é
construída levando em conta aspectos situacionais do país ou
região do locutor, ou seja, fatos políticos, sociais, educacionais,
esportivos, entre outros. A segunda independe do momento atual,
ela foi proferida por alguma personalidade famosa, representante de
algum campo do saber, como por exemplo, a ciência, a literatura,
entre outros.
Os locutores das frases normalmente são adultos (brasileiros
ou estrangeiros); no entanto, “às vezes, encontramos outros tipos de
locutores: crianças e adolescentes, pessoas do povo; e instituições.”
(PEDROSA, 2010, P. 174).
Para este artigo, selecionamos frases da revista Veja e das
seguintes obras: As melhores frases em Veja: 1995 a 2012 (BARROS,
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J., 2012); Ironia: frases soltas que deveriam ser presas (LARA,
2005) e Do bestial ao genial: frases da política (BUCHSBAUM;
BUCHSBAUM, 2006).
A classe do advérbio
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Ao final do capítulo, os autores fazem a seguinte advertência:
1 – ADVÉRBIOS MODIFICADORES
1.1 de modo
1.2 de intensidade
1.3 modalizadores
1.3.1 epistêmicos ou asseverativos
· afirmativos
· negativos
· relativos
1.3.2 delimitadores ou circunscritores
1.3.3 deônticos
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2 – ADVÉRBIOS MODIFICADORES
2.1 de afirmação
2.2 de negação
2.3 de inclusão
2.4 de exclusão
2.5 de verificação
2.6 de lugar
Circunstanciais
2.7 de tempo
ANÁLISE DO CORPUS
Advérbios modificadores
Modificadores de Modo
* Propaganda 1
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Todos os dias. Como você nunca viu. Sua fórmula exclusiva,
enriquecida com pró-vitamina B5, dá um volume escandaloso.
A proteína de seda e o moisture locking silicone garantem um
escândalo de brilho. Com Outrageous, você vai ter cabelos
escandalosamente lindos.
Revlon
Revolutionary
(Revista Nova Beleza, n. 11, 1998).
escandalosamente macios
escandalosamente fascinantes
↓ ↓
advérbio adjetivo
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 193-218, jan./jun. 2014 200
reiterativa.” Os quatro advérbios acompanham adjetivos eufóricos,
valorativos, envolvendo o interlocutor de forma emotiva, já que “a
seleção lexical [...] constitui também uma estratégia de envolvimento
e sedução do leitor” (PAULIUKONIS, 2010, p. 81).
* Frase 1
inteiramente vagabundos
irrecuperavelmente vagabundos
insofismavelmente vagabundos
meio vagabundos
↓ ↓
advérbio repetição no final = epístrofe
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A repetição do adjetivo e da estrutura sintática intensifica a
carga semântica da palavra vagabundos, agindo de forma persuasiva
na opinião do interlocutor, pois
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 193-218, jan./jun. 2014 202
Modificadores de Intensidade
* Propaganda 2
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 193-218, jan./jun. 2014 203
‘recapitulação’, ‘repetição’) [que é] a repetição de uma oração ou
verso. Esse aumento da extensão textual serve para tornar mais
intenso o sentido.” (FIORIN, 2012, p. 127).
* Frase 2
Modificadores Modalizadores
Epistêmicos
Epistêmicos afirmativos
* Propaganda 3
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 193-218, jan./jun. 2014 204
Um dia, a Andrea conheceu a Lucimary na casa da amiga da vizinha
da sua mãe. Lucimary é Consultora Natura há 3 anos e, como a
Andrea, ela também tem um bebê, o Klaus. A Andrea comprou da
Lucimary o Óleo para Massagem da linha Natura Mamãe e Bebê.
A Lucimary ensinou para a Andrea tudo o que sabe sobre Shantala.
E todo mundo ficou feliz, principalmente a Ana e o Klaus.
Essa é a história real. De gente que gosta da beleza e da verdade.
(Revista Claudia, out. 2002).
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 193-218, jan./jun. 2014 205
* Frase 3
Epistêmicos negativos
* Propaganda 4
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 193-218, jan./jun. 2014 206
especial, ao fazer uso, também, do valor positivo da fidelidade.”
(SILVA; OLIVEIRA; CORDEIRO, 2012, p. 61).
O vocábulo gente, próprio da linguagem informal, instaura
um cenário de aproximação entre enunciador e enunciatário, no
caso, o consumidor; inclusive, a sua reiteração intensifica a carga
semântica do modalizador de jeito nenhum.
Epistêmicos relativos
* Frase 4
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Modificadores modalizadores delimitadores
* Propaganda 5
Colorama
Cores cultivadas especialmente para você.
Aprecie sem moderação.
Inspirada no universo dos vinhos, a Colorama lança sua mais nova
safra de esmaltes.
São 9 tons cultivados especialmente para deixar o seu visual muito
mais chique.
“Juliana Paes está usando o novo esmalte Vinho Reserva.”
Dermatologicamente testado. Fórmulas livres de Formaldeído,
Toluemo e Dibutilftalato (DBP).
(Revista Claudia, jul. 2003).
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 193-218, jan./jun. 2014 208
* Frase 5
moralmente justa
legalmente questionável
↓
↓
advérbio adjetivo
* Propaganda 6
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 193-218, jan./jun. 2014 209
No discurso publicitário, raramente encontramos esse tipo de
modalizador, talvez porque, apesar de ser um gênero argumentativo
e, também, injuntivo, a publicidade não apresenta essa injunção
de forma categórica, a não ser pela utilização exaustiva do modo
imperativo.
Na propaganda em análise, o advérbio necessariamente está
acompanhado do advérbio de negação não, legitimando a mensagem
nuclear do texto originada pelo jogo de anteposição e posposição do
adjetivo grande, pois esta alternância de posição originou, também,
uma alteração semântica:
* Propaganda 7
Boletim Cent. Let. Ci. Hum. UEL Londrina–nº 66 – p. 193-218, jan./jun. 2014 210
[...]
(Propaganda do Instituto de Oftalmologia de Curitiba)
(Revista Veja, 22 fev. 2006).
* Frase 6
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escárnio, pela zombaria, pelo desprezo, etc. [...] a ironia é um tropo
em que se estabelece uma compatibilidade predicativa por inversão,
alargando a extensão sêmica dos pontos de vista coexistentes e
aumentando sua intensidade.
* Propaganda 8
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* Frase 7
Considerações finais
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determinados gêneros, como os midiáticos, por exemplo, e
selecionamos para o corpus o gênero frase e o publicitário.
Verificamos que o gênero frase, ainda pouco estudado, foi,
inicialmente, sistematizado por Pedrosa (2001), afirmando “que
só podemos tratar do gênero textual ‘frases’ considerando-o em
seu conjunto constitutivo: ‘fala’ do locutor + contexto do editor.”
(PEDROSA, 2010, p. 171). Dessa forma, entram para análise os
dois elementos do conjunto.
Quanto ao discurso da propaganda, é impressionante como
os publicitários desconstroem as regras de funcionamento da língua
com o intuito de obter um efeito mais informal, lúdico, original, na
tentativa de aproximar as pessoas dos textos que leem, influenciando-
as em suas ações e decisões.
Considerando a classificação de Neves (2000), apresentamos
alguns textos com a classe do advérbio, ratificando a importância
desse recurso para a construção argumentativa do texto, pois, de
acordo com Citelli (1994, p. 78, grifo do autor),
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Referências
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CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 1985.
LARA, José Francisco de (Comp.). Ironia: frases soltas que deveriam ser
presas. Curitiba: J. F. de Lara, 2005.
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PEDROSA, Cleide Emília Faye. “Frases”: caracterização do gênero e
aplicação pedagógica. In: DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna
Raquel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). Gêneros textuais e ensino.
São Paulo: Parábola, 2010. p. 163-178.
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