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Universidade São Marcos

PESQUISA EM DEBATE
REVISTA ELETRÔNICA DO PROGRAMA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E COMUNICAÇÃO

ISSN 1808-978X

2005

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Reitor: Ernani Bicudo de Paula


Vice-Reitora Acadêmica e de Relações Internacionais: Luciane Miranda de Paula
Vice-Reitor de Gestão e Desenvolvimento: Marcio Luiz Miranda de Paula

PESQUISAEMDEBATE
Revista eletrônica do Programa Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação
Diretora da Revista: Prof.ª Dr.ª Anna Barros
Comissão editorial:
Carlos Felipe Moisés, Luiz Paulo Rouanet, Reynaldo Damazio, Rosemari Fagá Viegas
Conselho consultivo:
Alzira Lobo de Arruda Campos, Ana Mae Barbosa (USP), Carlos Elias Kater, Cidmar Theodoro
Pais (USP), Cléa Lebjman, Dilma de Melo e Silva (USP), Eduardo de Camargo Oliva, Fernando
Cilento Fittipaldi (SMA – Instituto Geológico), Gilbertto Prado (USP), Gilda Figueiredo Portugal
Gouvêa (Unicamp- Fecap), Hélio de Souza Santos, João Alexandre Barbosa (USP), João
Batista Brito (UFPB), Joaquim Antônio Severino (FEA – USP), José Americo Martelli Tristão,
Laima Mesgravis, Leda Tenório da Motta (PUC-SP), Leonel Mazzali, Liana Maria Sabino
Trindade, Lincoln Etchebèré Junior, Lúcia Santaella (PUC-SP), Luiz Fernando Santoro, Marcos
Antonio Lorieri (PUC- SP), Maria Esther Maciel (UFMG), Marília Gomes Ghizzi Godoy, Milton
Sogabe (Unesp), Paulo Sérgio Marchelli, Regina Silveira (USP), Sandra Farto Truffem, Saulo
César da Silva (Centro Universitário Álvares Penteado), Senira Annie Ferraz Fernandes

Presidente: Luciane Miranda de Paula


Editor: Reynaldo Damazio
Revisão: Luiz Paulo Rouanet
Imagem da Capa: Anna Barros
Capa: Ricardo Botelho
Diagramação: Regina Kashihara
Conselho Editorial:
Álvaro Cardoso Gomes, Carlos Felipe Moisés, Fabio Magalhães, Fernando Novais, Ismail Xavier,
Manuel da Costa Pinto, Marcelo Perine, Myriam Augusto da Silva Vilarinho, Paulo Roberto de
Almeida, Sergio Paulo Rouanet
End.: Av. Nazaré, 900 • Ipiranga • 04262-100 • São Paulo • SP
Tel.: (11) 3471-5700 • ramal 5776 • Fax: (11) 6163-7345
e-mail: unimarco@smarcos.br • Site: www.smarcos.br

© Unimarco Editora 2005


ISSN 1808-978X

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Sumário

APRESENTAÇÃO • 5
ARTIGOS
Educação pelo diálogo, contribuições de Jürgen Habermas e Paulo Freire
Luiz Paulo Rouanet / Miriam de Cássia Valerio • 7

Tecnologia da inclusão como suporte para a formulação de políticas públicas


voltadas ao desenvolvimento socioeconômico
Helio de Souza Santos / Paulo Sergio Marchelli • 14

Fundamentação clássica do princípio de igual consideração de interesses e suas


possibilidades de aplicação
Cleide Bernardes • 38

As missões evangélicas em comunidades indígenas


Helânia Thomazine Porto Veronez • 44

A reforma Francisco Campos, a Escola Nova e a Educação Matemática no Brasil


Paulo Sérgio Pereira da Silva / Paulo Sérgio Marchelli • 52

A função artístico-social educacional do Parque do Ibirapuera


Janice Penna Eder / Anna Barros • 64

Algumas propostas músico-pedagógicas do século XX


Camila Valiengo • 74

Public Choice
Joviniano José Rezende de Oliveira • 81

Moradores de rua do bairro do Ipiranga


Guilherme Coutinho
Guilherme Coutinho D’Onofrio
D’Onofre // Rosemari
Rosemari Fagá
Fagá Viégas
Viégas •• 92
92

Informação e linguagem no agronegócio paulista


Lilian Pacchioni Pereira de Sousa / Rosemari Fagá Viégas • 97

O Projeto de Reflorestamento da Palmeira Juçara (Euterpe edulis) na Mata


Atlântica: uma experiência entre os índios Guarani Mbya e universitários da
Universidade São Marcos
Marília G. Ghizzi Godoy / Regiane Souza Leandro • 103

RESENHAS
MARINI, Marcos V. P. M. Administração Pública e Livre
Resenhistas: Rosimeri Ferraz Sabino / Floriano Barboza Silva • 113

NORMAS EDITORIAIS • 117

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Apresentação

Este segundo número da revista Pesquisa em Debate acha-se enriquecido com o


nome de professores de outras universidades que passaram a fazer parte de seu Conselho
consultivo. O primeiro agradecimento lhes é devido pelo grande apoio dado à revista.

Pesquisa em Debate, em seu comprometimento com a interdisciplinaridade, começando


pelas áreas de dedicação do programa, expande-se a outras interdisciplinaridades culturais.
De agora em diante a abertura da revista será feita mediante trabalhos das áreas de arte.

Máquina¸ um poema visual de Philadelpho Meneses, inaugura essa seção e traz a


figura do poeta para perto de nós, lembrando sua brilhante atuação como professor da
São Marcos e da PUCSP e como artista privilegiado, tão cedo falecido. Agradecemos à
Ana Aly e às filhas do poeta a gentileza da cessão desse poema.

Este número, além dos habituais artigos e resenhas, traz um conte rendu de uma
experiência comunitária entre alunos e habitantes da aldeia indígena de Krucutu, dirigida
pela Profª. Dr.ª Marília Godoy, prêmio Unisol/Banco Real.

Pesquisa em Debate tem interesse em divulgar colaborações provenientes das


pesquisas dos alunos e professores do programa, mas também de outras universidades,
mesmo que em áreas diferentes das contempladas no programa, desde que possam
ampliá-las, visando um enriquecimento intelectual e uma fecunda troca de idéias. O
intercâmbio cultural é visto como extremamente importante para a formação dos alunos
e sua inserção na comunidade de pesquisadores do país.

Lembramos à comunidade da São Marcos e de outras universidades que estaremos


recebendo artigos para uma publicação semestral e que, pela sua singularidade de revista
on line, ela alcança regiões mais amplas do que uma publicação tradicional. A data limite
para recebimento de colaborações para o número de dezembro é o início de novembro.

Profª. Dr.ª Anna Barros


Diretora da revista

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Máquina, poema visual de Philadelpho Menezes

Apesar de Philadelpho Menezes ter se destacado tanto na área acadêmica quanto na produção de eventos
culturais-artísticos é importante lembrar que acima de tudo ele era poeta. Em 1980, com 20 anos de idade,
edita em produção independente seu primeiro livro de poemas “Quatro Achados Construídos”. Esta publicação
continha 4 poemas visuais impressos. “Máquina” é um deles. Anos depois, em 1998, adapta para uma
versão interativa do mesmo poema para CD-Rom : “Interpoesia”. Philadelpho ficou mais conhecido por sua
produção poética em mídias digitais e também como introdutor da chamada “Poesia Sonora” no Brasil,
através da sua pesquisa na Europa em 1990. Porém em sua trajetória, a Poesia Visual deu início ao percurso
de suas publicações nunca deixando de estar presente durante toda a criação de sua obra. “Máquina” já
apontava para o caminha que Philadelpho traçava em ultrapassar o espaço material do livro. “Intersígnos”,
projeto de curadoria realizado em 2 edições (Centro Cultural São Paulo e Paço das Artes) é o melhor exemplo
para se conhecer suas idéias no qual visualidade, sonoridade e poesia se mesclam formal e conceitualmente.

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Educação pelo diálogo, contribuições de


Jürgen Habermas e Paulo Freire

Luiz Paulo Rouanet*

Miriam de Cássia Valerio**

Resumo
Este texto elabora uma relação entre as idéias de Paulo Freire e Jürgen Habermas no que
se refere à importância do diálogo na prática educativa, em especial, na relação professor-
aluno. Procura, também, destacar a ação emancipadora da educação na visão desses
pensadores.
Palavras-chave: educação, diálogo, emancipação.
Abstract
We have elaborated a relation between Paulo Freire and J. Habermas’ ideas about the importance
of the dialogue in the educative praxis, specially, in the relationship teacher-student. We also
emphasized the educacion as emancipation from the points of view of tese thinkers.
Key-words: Education, Dialogue, Emancipation.

Já há algum tempo a educação tem buscado um caminho reflexivo acerca de sua


contribuição à vida concreta dos homens.Na atualidade, no entanto, cobranças por uma
educação que contribua para a formação moral dos indivíduos têm sido feitas e é
perceptível a necessidade de ações que concretizem tais anseios dentro de diferentes
espaços de formação dos indivíduos em sociedade.

Na família, na escola, em ONG(s) ou outras instituições a preocupação com ações


educativas coerentes com a realidade da sociedade globalizada é evidente.

*
Mestre e Doutor em Filosofia pela USP. Leciona atualmente na Universidade São Marcos e na
PUC-Campinas.
**
Graduada em Ciências Sociais e aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação,
Administração e Comunicação da Universidade São Marcos. Leciona na Rede Pública do
Município de São Paulo.

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Educação pelo diálogo, contribuições de
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Luiz Paulo Rouanet / Miriam de Cássia Valerio

Aqui, o foco é a escola. É oportuno discutir como o espaço escolar e seus atores podem
participar da sociedade como agentes dinamizadores de novas relações entre os homens.

No entanto, uma rápida reflexão sobre a escola permite-nos situá-la como produto
das relações humanas e como tal seu entendimento só é possível a partir da compreensão
do contexto histórico social, econômico e político da sociedade em que ela está inserida.
O reconhecimento deste fato é necessário para compreendermos a dinâmica das relações
que ocorrem no interior da escola, uma vez que a forte racionalização da sociedade
capitalista encontra-se também no ambiente escolar.

Encontramos esse traço na burocratização das atividades, na elaboração da grade


curricular, na escolha dos conteúdos de ensino, na ênfase em métodos e tecnologias de
ensino que fortalecem uma concepção produtivista para a aquisição do conhecimento e
reforçam uma racionalidade na qual teoria e prática estão separadas, aluno e conhecimento
distantes, professor e alunos apartados.

Se nos ativermos à sala de aula e à dinâmica da relação pedagógica é possível,


porém, vislumbrar possibilidades de mudanças na atual realidade do cotidiano escolar.

A especificidade da prática pedagógica no interior da escola pode contribuir de maneira


significativa para um projeto abrangente, que corresponda à sociedade contemporânea,
e, ao mesmo tempo, permita-nos avançar nas relações entre os homens.

Pretendemos elaborar essa discussão a partir das idéias de Jürgen Habermas e Paulo
Freire, uma vez que esses pensadores contribuem, guardadas as diferenças, para a análise
e crítica da escola como instituição e de forma mais ampla para o questionamento do
projeto de educação gestado no interior da sociedade capitalista.

Ambos questionam as práticas excludentes da sociedade e sugerem alternativas para


mudanças a partir das próprias relações entre os homens.

De maneira singular, o que os une é a defesa da atitude dialógica como constructo de


relações humanas mais verdadeiras, sinceras e democráticas.

A razão comunicativa de Habermas

A obra do filósofo alemão Jürgen Habermas é extensa e, de maneira geral, demonstra


preocupação com o capitalismo da sociedade industrial e de tecnologia avançada.

É considerado herdeiro da Teoria Crítica desenvolvida pelos intelectuais reunidos em


torno do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. A denominada Escola de Frankfurt

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Educação pelo diálogo, contribuições de
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Luiz Paulo Rouanet / Miriam de Cássia Valerio

reuniu intelectuais de diversas disciplinas com a intenção de aplicar as teorias marxistas,


com ênfase na interdisciplinaridade, na análise de fenômenos sociais da sociedade capitalista.

Habermas, contudo, ao incorporar em sua teoria elementos da psicanálise, da


sociologia e da lingüística a renova.

Através de pesquisas sobre o papel do saber científico e da cultura no capitalismo


avançado desenvolve como temática essencial a mediação entre teoria e prática.

Esse eixo está presente em suas obras já a partir de Conhecimento e Interesse, de


1968, onde propõe “especificar a relação entre teoria e prática explorando a relação
entre a espécie humana como sujeito de conhecimento auto-construído e o próprio
conhecimento como constituído pelas necessidades objetivas de tal empreitada”1

Dá início, assim, à análise do caráter instrumental do conhecimento que, aliado às


pressões econômicas, torna-se preponderante na sociedade e determina conseqüências
prático-morais para esta.

A partir de Teoria do agir comunicativo (1981) e Consciência Moral e agir comunicativo


(1983) aprofunda essa discussão e esforça-se em integrar a ação instrumental e reflexiva
numa única visão teórica que apresente uma ação conjunta em que sujeito, objeto e
regras de regulação estejam em interação.

Destaca, para tanto, a necessidade de se avançar da razão puramente instrumental,


voltada ao progresso técnico desenvolvido pelas sociedades industriais, para a razão
comunicativa, isto é, uma racionalidade que ultrapasse os elementos cognitivos-
instrumentais e comporte esferas de ação do universo social-pessoal do sujeito.

Habermas defende que a sociedade é que deve criar suas próprias regras por meio
de um discurso não autoritário, através do qual os próprios cidadãos entram em acordo
sobre o que é ou não permitido.

A razão comunicativa proposta por Habermas é essencialmente dialógica: “não se


assenta no sujeito epistêmico mas pressupõe o grupo numa situação dialógica ideal” e a
“linguagem torna-se elemento constitutivo”2

1
BRONNER, Stephen Eric. Da Teoria Crítica e seus teóricos. Trad. de Tomás R. Bruno e Cristina
Maneguelo. Campinas, SP: Papirus, 1997, p. 349.
2
FREITAG, Bárbara. A questão da moralidade: da razão prática de Kant à ética discursiva de
Habermas. Tempo Social; Revista de Sociologia da USP. São Paulo: EDUSP, vol. 1, 2, p. 7-44,
2. sem. 1989.

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Luiz Paulo Rouanet / Miriam de Cássia Valerio

Para Habermas, através da razão comunicativa o homem se moraliza, pois em seus


atos de fala e no momento de interação dialógica elabora um processo argumentativo
que favorece a racionalidade da ação discursiva que o auxilia no desenvolvimento de sua
capacidade intelectual crítica, reflexão dialética e competência dialógica com o mundo,
enfim, constrói sua emancipação.Tal pensamento é claramente amparado em uma imagem
positiva do sujeito atuante na realidade social em que vive.

Para a Educação, o pensamento de Habermas é relevante na medida em que a


construção do conhecimento supera os paradigmas da relação sujeito-objeto e centra-se
num novo pressuposto: o da competência comunicativa entre os sujeitos e o mundo de
sua prática social.

Na escola é possível desenvolver competências cognitivas aliadas a conteúdos relativos


à vida, às vivências que constituem a intersubjetividade da/na comunidade escolar. É possível
vislumbrar perspectivas em relação à organização e administração da unidade escolar e,
ainda, sob esse aspecto, é possível pensar a (re)significação da relação professor-aluno,
uma vez que no processo de ensino e aprendizagem ocorre uma interação cognitiva e
comunicativa entre sujeitos que, mediados pela linguagem, desenvolvem uma ação educativa
pautada na condição de horizontalidade, isto é, professor e aluno são sujeitos do processo.

A ação dialógica em Paulo Freire

Paulo Freire, segundo o professor Antonio Cândido, foi “um pensador atuante, que
fez da educação um instrumento humanizante de cunho ao mesmo tempo prático e
utópico”, pois via “na educação um conjunto de forças cujo alvo é a liberdade individual
e a transformação social”.3

Foi, então, um educador com uma prática crítica e fundamentada em ações éticas.

Em sua trajetória, tornou-se um crítico da escola e do sistema educacional brasileiro,


ao denunciar que a “pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes” e só
através de uma “educação libertadora a cultura de dominação será quebrada”.4

Sua vasta produção intelectual apresenta características interdisciplinares, pois sua


discussão sobre educação abrange aspectos variados das ciências humanas, tais como a
antropologia, sociologia, filosofia, economia política e história.

3
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
4
Cf. FREIRE. Op.cit., p. 77.

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Luiz Paulo Rouanet / Miriam de Cássia Valerio

Seus trabalhos são marcados por três referenciais: o existencialismo, a fenomenologia


e o marxismo, que contribuem para a elaboração de um corpo teórico, no campo
educacional, ligado à emancipação humana.

Em seus textos, Paulo Freire faz uso da dialética para criticar a alienação política,
social e econômica, avaliando suas conseqüências sociais, políticas e pedagógicas nas
diversas formas de relações entre os seres humanos.

A principal preocupação de seu trabalho reside no homem, seus esforços teórico-


práticos convergem para uma práxis humanista, em que a educação é vista como prática
de liberdade.

O pensamento de Freire, sua Teoria do Conhecimento, só podem ser entendidos no


contexto em que surgem, isto é, o Nordeste brasileiro e sua cultura do silêncio, expondo
as desigualdades da sociedade brasileira e apontando para as necessidades de mudança.
Daí que para ele a “educação é um ato político, ato de conhecimento e ato criador”5 de
novas possibilidades, de novas relações sociais.

É isso que percebe ao iniciar os Círculos de Cultura e após a implantação de seu


método de alfabetização de jovens e adultos na década de 60 do século XX.

O “método” tem como princípio partir da realidade do educando através de sua própria
fala e no diálogo reflexivo com outros sujeitos e a realidade que os cerca construir uma nova
realidade social. Desde o início de seus escritos Paulo Freire defende que o educando é sujeito
e não objeto de educação, portanto, capaz de refletir e responder aos desafios do mundo.

Em Pedagogia do Oprimido (1987), desenvolve sua crítica à pedagogia tradicional e


aos processos epistemológicos e metodológicos positivistas que a fundamentam, chamando
atenção para o papel da dominação exercido pelo conhecimento na sociedade capitalista.

É nessa obra que enfatiza a dialogicidade do processo de aprendizagem e chama a


atenção para o papel da “palavra” na análise do diálogo.Há duas dimensões na palavra:
ação e reflexão, e reafirma que “não há palavra verdadeira que não seja práxis”.6 Daí que
dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo.

Paulo Freire fundamenta, assim, uma nova concepção de relação pedagógica que
não é apenas transmissão de conteúdos, é antes o estabelecimento do diálogo, é um

5
GADOTTI, Moacir. Paulo Freire:uma biobibliografia. São Paulo: Cortez, IPF; Brasília: UNESCO,
1996, p.70
6
Cf. FREIRE. Op.cit., p.77

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processo de formação mútua e permanente que favorece a tomada de consciência, a


análise crítica e no qual “ninguém educa ninguém. Ninguém se educa sozinho.Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”7.

Desta forma a pedagogia freiriana instaura no diálogo crítico a superação da opressão


e o caminho para a auto-afirmação dos sujeitos, isto é, na dialogicidade repousa a
possibilidade de uma ética emancipadora.

Para Paulo Freire, a relação pedagógica repousa na participação democrática do


educador e do educando na busca pelo conhecimento dos objetos do mundo.Esse processo
adquire um caráter horizontal, em que todos ensinam e todos aprendem.

Considerações Finais

Diante do exposto, é possível notar que Habermas e Freire podem nortear, através
da dialogicidade, uma proposta pedagógica que responda às necessidades da sociedade
contemporânea.

Questionam essa sociedade e, a partir de suas contribuições, apontam para a


superação destas.

Ambos constroem uma crítica contundente à educação (e à escola) da sociedade


capitalista industrial pelo seu caráter seletivo e por sua forte tradição positivista que, em
nome da razão prática, anula o sujeito.

Para Paulo Freire é com a pedagogia dialógica que se supera a dominação e se instaura
a consciência crítica que fundamenta uma sociedade democrática e ética.

Habermas, por sua vez, vê a escola como uma instância social em que confluem a
racionalidade instrumental e a racionalidade comunicativa. Sua preocupação pedagógica,
então, consiste na possibilidade da conexão entre ambas a partir da ação dialógica entre
os sujeitos na construção de um entendimento capaz de normatizar os processos da vida
social de forma livre, emancipadora e ética.

Sob a perspectiva desses pensadores a escola e a sala de aula colocam-se como


lugares privilegiados para a (re)significação da relação entre o homem e o conhecimento,
entre o homem e seu mundo e entre os homens.

7
Ibidem, p.68.
Nota: os autores agradecem a colaboração da Prof.a Maria Teresa Baiochi Romano na elaboração
do abstract.

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Educação pelo diálogo, contribuições de
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Luiz Paulo Rouanet / Miriam de Cássia Valerio

Referências Bibliográficas

BRONNER, Stephen Eric. Da teoria crítica e seus teóricos. Trad. De Tomás R. Bruno e
Cristina Maneguelo. Campinas, São Paulo: Papirus, 1997.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FREITAG, Bárbara e ROUANET, Sérgio P. Habermas. Col. Grandes Cientistas Sociais. São
Paulo: Ática, 1993.

_______________. A questão da moralidade: da razão prática de Kant à ética discursiva


de Habermas. Tempo Social; Revista de Sociologia da USP. São Paulo: EDUSP, vol. 1, 2,
p. 7-44, 2o. sem. 1989.

GADOTTI, Moacir. (org). Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez, IPF Brasília:
UNESCO, 1996.

HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e interesse. In: Os pensadores. Trad. Mauricio


Tragtemberg. São Paulo: Abril, 1975.

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Tecnologia da inclusão como suporte para


a formulação de políticas públicas voltadas
ao desenvolvimento socioeconômico

Helio de Souza Santos* / Paulo Sergio Marchelli**

Resumo
O presente artigo aponta e discute de forma crítica alguns aspectos relevantes que dizem
respeito à gestão de políticas públicas no Brasil, sinalizando pistas para um modelo adequado
às nossas especificidades históricas, sociais e culturais. Foram desenvolvidos três núcleos
basilares: o político-econômico, o conceito de desenvolvimento inclusivo e os modelos
gerencias. Os debates ideológicos vinculados à democracia liberal e ao socialismo estatal
foram insuficientes, na prática, para evitar os problemas sociais que entravam o
desenvolvimento do país. As políticas públicas de cunho universalista têm engendrado um
sofisma que não rompe com a histórica assimetria social brasileira. Por outro lado, o focalismo
não constitui um antídoto eficaz para o veneno da exclusão social no Brasil. O presente
artigo sugere uma estratégia menos óbvia para o desenvolvimento inclusivo: universalização
com foco, processo que resulta na Tecnologia da Inclusão (T. In.). Esta construção se revela
adequada para enfrentar as especificidades identificadas no estudo. Trata-se de um modelo
inovador que decifra a cultura de exclusão desenvolvida no país.
Palavras-chave: Políticas de inclusão, desenvolvimento socioeconômico, tecnologia da
inclusão, administração de políticas públicas.
Abstract
This work studies the management of inclusion public politics in Brazil, signaling an adequate
model to our historical, social and cultural aspects. Three fundamental nuclei had been
developed: the politician-economic, the concept of inclusive development and the public politics
manage models. In Brazil, the ideological debates tied with the liberal democracy and the
state socialism had been insufficient to prevent the social problems that entered the development

*
Professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Comunicação e
Administração da Universidade São Marcos.
**
Professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Comunicação e
Administração da Universidade São Marcos.

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Tecnologia da inclusão como suporte para a formulação de
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Helio de Souza Santos / Paulo Sergio Marchelli

of the country. The public politics of universal type have produced a sophism that does not
breach with the historical Brazilian social asymmetry. The present article suggests a less
common strategy for the inclusive development: universality with focus, process that results
in the Technology of the Inclusion (T. In.). This construction discloses adequate to face the
specific aspects identified in the study. The work shows that the technology of the inclusion is
an innovative model that deciphers the culture of exclusion developed in the country.
Keywords: Politics of inclusion, social and economic development, technology of the inclusion,
public politics administration.

Introdução

No Brasil, persiste de forma inequívoca o entendimento de que os projetos sociais,


para lograrem êxito, dependem cada vez mais de contingências de cunho administrativo
bem engendradas1. Diversos são os aspectos que incidem sobre o fortalecimento daquele
entendimento, os quais raramente são evidenciados: (1) o tamanho das carências sociais
– cerca de 1/3 da população faz parte de famílias com renda inferior à linha de pobreza2;
(2) as complexidades imanentes da extensão continental do país; e, (3) as idiossincrasias
de natureza grave de cunho histórico-social – o Brasil foi o último país a abolir a escravidão,
que aqui durou mais de 350 anos.3 Esses fatos mais do que justificam aquele entendimento
– exigem mesmo um know how específico. O que se observa é que tal especificidade
raramente vem sendo considerada pelos estudiosos que discutem os modelos de gestão
das políticas públicas no Brasil, em que Henriques4 e Santos5 são duas importantes exceções.

1
CASTOR, Belmiro V. J. Fundamentos para um novo modelo do setor público no Brasil. In:
Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, 1994, p. 155-61.
FELIX, Luiz A. Instrumentos inovadores em gestão pública: um estudo exploratório. Tese de
Doutorado. Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade.
São Paulo, 1999.
BEZERRA FILHO, João E. Modelo conceitual de decisão e apuração de resultados: uma
contribuição para a avaliação da eficiência e eficácia na gestão dos recursos públicos.
Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade. São Paulo, 2002.
2
PNAD. Pesquisa nacional por amostra de domicílios, 1999.
3
SANTOS, Helio. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. São Paulo:
SENAC, 2001.
4
HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década
de 90. In: Ipea: Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. Rio de Janeiro: IPEA, 2001
(Texto para discussão, 807).
5
SANTOS, Helio, op. cit.

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Tecnologia da inclusão como suporte para a formulação de
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Helio de Souza Santos / Paulo Sergio Marchelli

Aqui, as dificuldades sociais, em larga medida, são estruturais e atípicas, não se


confundindo com aquelas que um dia grassaram, no passado, na Espanha ou no Japão
ainda pobres. Todavia, os construtos desenvolvidos por vários especialistas enfocam a
problemática social como se esta fosse amplamente conjuntural. A especificidade brasileira
é um dos vetores desse artigo, que busca possibilitar caminhos para um novo modelo de
gestão que dê conta de responder com eficiência, eficácia e, sobretudo, efetividade às
demandas sociais – algumas delas seculares.6

O ensaio dispõe de três núcleos basilares: o analítico de cunho político-econômico; o


que aborda o conceito de desenvolvimento inclusivo; e o dos modelos gerenciais. Para
tanto, fez-se uma revisão de parte da literatura pertinente, onde se percebe lacunas no
estado da arte, notadamente no que diz respeito ao segundo tópico, ainda não estudado
de forma mais abrangente pelo mundo científico-acadêmico. Entretanto, a revisão propiciou
material teórico suficiente para a análise crítica do tema, a qual vem a ser um subproduto
do presente artigo.

1. Economia e políticas públicas

Esta primeira seção tem como objetivo discutir o conceito de tecnologia no âmbito da
economia política e apresentar as principais formulações que circunscrevem o domínio
das políticas públicas como fator de mudança social. Os debates puramente ideológicos
que caracterizaram o pensamento político brasileiro ao longo do século XX, baseados nas
fórmulas econômicas abstratas das vertentes da democracia liberal e do socialismo estatal,
não puderam evitar, na prática, os problemas sociais que são considerados hoje o principal
entrave para o desenvolvimento do país. Trata-se da profunda cisão entre os mais ricos
e pobres presente na nossa estrutura social e econômica, conformada historicamente
pela falta quase absoluta de mecanismos que contemplem, independentemente da posição
ideológica das lideranças políticas, o fenômeno organizacional da sociedade em termos
do desenvolvimento de processos de gestão pública metodologicamente organizados. Os
problemas gerados pela insipiente interpretação do nosso processo de evolução histórica
e econômica, bem como as práticas políticas apresentadas, do ponto de vista da gestão
pública, pela nossa tênue conjuntura organizacional, produziram, no Brasil contemporâneo,
o que pode ser entendido como a dialética da exclusão.

6
FELIX, Luiz A, op. cit., p. 132.
SANTOS, Helio. Teoria do círculo vicioso. In: São Paulo em perspectiva. São Paulo: Fundação
Seade, 1994.

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Conforme explica Furtado 7, mesmo nas ciências sociais, que em seu esforço de
elaboração teórica nos últimos decênios construiu “[...] modelos capazes de proporcionar
uma percepção totalizante dos processos históricos [...]”, produziu-se nada mais do que
apenas “[...] um amplo reencontro com os elementos básicos do pensamento dialético, na
forma como este foi desenvolvido por Marx”. A falência econômica dos regimes totalitários
que implantaram o socialismo de Estado, fechando-se para o capitalismo baseado na livre
concorrência, mostra como a prática política com base no marxismo foi nada mais do que
uma ficção histórica. Por outro lado, os governos de direita do mundo todo, que nunca
estiveram tão fortes como hoje, depois da queda do socialismo, começaram a praticar
como princípio básico da doutrina capitalista neoliberal uma férrea disciplina orçamentária,
que incidiu sobre os gastos com o bem-estar social, reduzindo-os sistematicamente, bem
como uma política econômica de desemprego visando à quebra dos sindicatos dos
assalariados por meio da ampliação do exército de reserva dos trabalhadores:

[...] reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em outras
palavras, isso significava reduções de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as
rendas. Desta forma, uma nova e saudável desigualdade iria voltar a dinamizar as economias
avançadas, então às voltas com uma estagflação, resultado direto dos legados combinados de
Keynes e de Beveridge, ou seja, a intervenção anticíclica e a redistribuição social, as quais
haviam tão desastrosamente deformado o curso normal da acumulação e do livre mercado. 8

Iniciamos, dessa forma, com uma reflexão sobre a teoria do desenvolvimento social
do ponto de vista das metodologias sistêmicas de cunho tecnológico, que estão
reformulando as bases da economia política contemporânea e com a conceituação das
políticas públicas enquanto instrumentos presentes na práxis do planejamento econômico.

1.1 O Conceito de tecnologia no âmbito da economia política

As hipóteses historicistas clássicas sobre o progresso econômico das nações apregoam


fórmulas de desenvolvimento que nunca se preocuparam em determinar como a
capacidade de simbolização considerada própria da vida coletiva está presente no alicerce
social participante do processo de geração de riquezas. Mas no século XIX, o surgimento

7
FURTADO, Celso. Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964. p. 17.
8
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (orgs.). Pós-
neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 5.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2000, p. 9-23.

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da economia política de base antropológica fez com que aparecesse um interesse crescente
pela cultura que, transmitida ao longo do processo histórico, determinou a distinção e a
interdependência entre os elementos materiais e não-materiais socialmente integrados
no desenvolvimento econômico. Dessa forma, a antropologia e a sociologia passaram a
fazer parte da teoria econômica, de modo a explicar como o funcionamento dinâmico da
história é pautado pelas formas culturais que podem acelerar ou retardar o progresso
implícito nas transformações sociais. A percepção da dependência recíproca entre história,
economia e cultura levou à compreensão de como os sistemas de equilíbrio que atuam
na determinação dos comportamentos inibem os conflitos sociais. Além disso, as inovações
culturais não produzem necessariamente, no conjunto, resultados que caminham no
sentido da geração do progresso econômico. Ao se traduzirem em aumento na oferta de
bens e serviços à disposição da coletividade, as transformações determinam a liberação
de mão-de-obra de uns setores e sua absorção em outros, esperando-se repercussões
singulares não previsíveis. Pode ocorrer, porém, que as inovações introduzidas não
provoquem modificações definitivas no equilíbrio social, sendo portanto absorvidas.

As inovações de natureza tecnológica introduzidas no processo produtivo se incluem


entre aquelas que provocam reações em cadeia num fluir permanente, condicionando
todo o processo de mudança social. Contudo, as mudanças na cultura não-material dentro
do sistema de valores sociais se efetua a um passo muito mais lento do que as
transformações no sistema de produção. A rápida absorção das inovações produz, nesse
caso, grandes tensões sociais, de forma que, em determinadas condições históricas, o
desenvolvimento das forças produtivas se transforma no sentido de conduzir à revolução
social. Por outro lado, as inovações tecnológicas são de tal natureza que delas depende
o próprio desenvolvimento econômico:

Com efeito, cabe definir o desenvolvimento econômico como um processo de mudança social pelo
qual um número crescente de necessidades humanas – preexistentes ou criadas pela própria
mudança – são satisfeitas através de uma diferenciação no sistema produtivo decorrente da
introdução de inovações tecnológicas. O avanço da ciência desempenha papel estratégico nesse
processo, pois dele emanam as inovações tecnológicas. Mas, como o avanço da ciência está
inter-relacionado com o desenvolvimento econômico, isto é, com a maior abundância de bens e
serviços, é perfeitamente concebível que, em determinadas circunstâncias históricas – como
ocorre no presente – se criem condições para o avanço progressivo da ciência, com perspectivas
sempre renovadas para o desenvolvimento econômico de uma determinada sociedade.9

9
FURTADO, Celso, op. cit., p. 27, grifos do autor.

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Dessa forma, a introdução de novidades tecnológicas provoca aumento da riqueza e


cria excedentes que a coletividade pode utilizar para aumentar sua capacidade produtiva
e melhorar o bem-estar social. Mas o capitalismo, em suas formas primitivas, desenvolve
mecanismos de retenção da riqueza coletiva a favor dos estratos sociais dirigentes,
excluindo o interesse dos estratos politicamente subjugados, sendo esse movimento
necessário para a formação do capital que está na essência do desenvolvimento econômico.
As inovações tecnológicas, provocando modificações estruturais no sistema da produção,
colocam em movimento uma cadeia de reações que decorrem da interdependência
existente na base social determinada pela cultura. Nas economias subdesenvolvidas, o
processo de ajustamento do arcabouço sócio-cultural ao fluxo de mudanças vindas da
assimilação das novas tecnologias, possui particularidades distintas do modelo corrente
de desenvolvimento capitalista pleno. As receitas empregadas pelas formulações
tradicionais da economia política recomendam, nesse caso, que sejam introduzidas formas
de planejamento que visem à eliminação desses obstáculos ao desenvolvimento,
corrigindo, através de políticas fiscais e outras medidas, os anacronismos da distribuição
da renda. Entre essas medidas encontra-se a redução radical dos gastos públicos.
Recomendam ainda procurar aumentar os investimentos internos e externos no sistema
produtivo, bem como facilitar o refluxo da mão de obra excedente para as formas
artesanais de economia de subsistência.

Entende-se por tecnologia, portanto, no âmbito da economia política clássica, o esforço


para se chegar a um conjunto de regras práticas capazes de produzir, quando aplicadas,
as mudanças sociais esperadas, de tal forma que tais regras sejam decorrentes de
generalizações universalmente verdadeiras. São duas as formas de se atingir essas
generalizações: a primeira vem da aplicação do método dialético, considerando-se que o
todo não pode ser explicado pela análise isolada das distintas partes que o compõem; a
segunda vem da aplicação do método científico, que procura compreender o
comportamento dos fenômenos em suas partes, relacionando-as umas com as outras de
forma a prescindir da concepção do todo. A dialética procura captar, em primeiro lugar, a
idéia do todo por meio de uma síntese que dá sentido à análise das partes; já a ciência
convencional procura formular, inicialmente, hipóteses explicativas sobre o funcionamento
das partes, o que forma um conjunto interdependente de conhecimentos apresentados
como um sistema. A idéia de sistema não deve ser confundida com a idéia de todo, pois
esta se forma antes de qualquer análise sobre as partes que compõem um fenômeno,
enquanto que a outra surge somente após a identificação das propriedades das partes
interdependentes do mesmo.

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Enquanto que para a dialética o conceito de tecnologia não pode ser captado porque
não está presente no todo de um fenômeno, pertencendo às suas partes constituintes,
que não podem ser concebidas de imediato, para a visão da ciência é no todo, que vem
depois da análise das partes, onde a tecnologia se situa, funcionando como a síntese
sistêmica do processo de conhecimento. Dessa forma, a interpretação do lugar da
tecnologia na economia se constitui como um problema que resulta da antinomia teórica
entre o método dialético e o da ciência convencional. Isso fez com que a política econômica
clássica falhasse na tentativa de formular um conceito de tecnologia baseado em princípios
universais de conhecimento, como ela apregoa que devem ser suas regras.

Ambas as tendências, dialética e científica, colocam a tecnologia ora como causa de


mudanças sociais sobre a qual não se pode ter nenhum controle, ora como conseqüência
dessas mudanças. A tendência dialética pensa nela como uma causa que corresponde à
materialidade constituída pelos meios de produção, tendo como fim as mudanças sociais
que podem ser verificadas historicamente. Por sua vez, a tendência científica a vê
como uma finalidade para a formulação de teorias sistêmicas que se colocam como
conseqüência das mudanças sociais observadas. Há, portanto, que se movimentar o
eixo do pensamento clássico para formular corretamente o conceito de tecnologia em
termos de uma perspectiva contemporânea para a economia política. Trata-se de
entender a circularidade inferencial decorrente do problema produzido pela antinomia
teórica entre a dialética e o pensamento científico convencional. A tecnologia é o
substrato imanente às transformações sociais, porém imaterial no sentido dialético, e
ao mesmo tempo é o resultado das mudanças ocorridas, verificando-se como um sistema
de idéias em constante modificação, que, portanto, não pode se materializar
historicamente no sentido da ciência. Ela está situada, assim, antes dos meios materiais
de produção, cuja apropriação histórica causa as transformações sociais, e também
está localizada depois dos resultados técnicos inerentes à aplicação da ciência que
produz aqueles meios. Essa forma de pensar tende a evitar o problema da circularidade
existente no ponto de vista do método científico e a falta de praticidade do método
dialético, conforme pode ser visto a seguir:

[...] as inovações tecnológicas põem em marcha uma série de reações que passam a
reproduzir-se ad infinitum: causam um aumento na produtividade média do sistema, que
por sua vez causa maior disponibilidade de bens e serviços, que por sua vez causa maior
impulso ao desenvolvimento científico, que por sua vez causa novos avanços tecnológicos.
Desta forma, por mais que tenhamos avançado na construção de modelos, cabe reconhecer
que sempre partimos para sua construção de algumas hipóteses intuitivas sobre o

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comportamento do processo histórico como um todo. [...] Uma hipótese simplificadora como
a que formulou Marx, grupando os elementos que compõem a estrutura social em infra-
estruturais (relacionados com o processo produtivo) e superestruturais (valores ideológicos)
teve extraordinária importância como ponto de partida para o estudo da dinâmica social. Até
o momento presente essa hipótese não foi substituída por outra de maior eficácia explicativa,
ao nível de generalidade a que foi formulada. Contudo, é necessário reconhecer que a esse
nível de generalidade quase nenhum valor apresenta um modelo analítico como instrumento
de orientação prática. E o objetivo da ciência é produzir guias para a ação prática.10

Diante da força com que o tecnológico tende a influenciar as correntes de pensamento


que alicerçam as políticas públicas contemporâneas, conforme se verá na seção a seguir, é
preciso elaborar a crítica sobre a natureza dessa força, como se procurou fazer aqui, com
vistas à fundamentação dos processos de conceituação e gerenciamento ora em formação.

1.2 Políticas públicas e aporte tecnológico

A seguir serão expostas as principais correntes teóricas que alicerçaram a abordagem


sobre as políticas públicas nos últimos decênios, verificando como abstrações mais recentes
de natureza gerencial e administrativa estão fornecendo embasamento para práticas sociais
que favorecem o desenvolvimento econômico de uma forma condizente com a superação
dos padrões clientelistas, populistas e patrimonialistas peculiares ao comportamento político
brasileiro. Busca-se, na análise compreensiva das políticas públicas atuais, encontrar formas
de planejamento que não sejam puramente empiricistas, do tipo “vamos fazer para ver o
que acontece”, admitindo-se, ao contrário disso, que existem técnicas universalmente válidas
para produzir o desenvolvimento social situadas além dos limites impostos pela análise
dialética e o cientificismo da economia política clássica. Uma verdadeira tecnologia política
está surgindo como forma de subsidiar as ações dos governos, regular o funcionamento
das instituições e verificar os efeitos práticos de programas sociais específicos. Esse novo
aporte tecnológico corresponde à evolução da ciência política clássica.

São três os níveis de investigação abordados pela ciência política clássica: em primeiro
lugar tem-se o conhecimento sistêmico que se destina a responder perguntas sobre
como um governo pode propiciar a felicidade dos cidadãos; em segundo lugar surge um
nível de análise funcional, quando se questionam sobre os mecanismos institucionais de
poder, as leis, as forças políticas que os processos decisórios engendram etc; e, por

10
Ibidem, p. 21-2.

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último, vem a avaliação dos resultados que determinado programa político produz. As
investigações se dão mediante a hipótese de que na política há leis e princípios de
regulação, de forma que o resultado dos conteúdos dos programas sistêmicos dos
governos, os processos funcionais das instituições e os resultados dos projetos políticos
podem ser previstos a partir de estruturações logicamente imaginadas pelo investigador.

No Brasil, estudos sobre políticas públicas foram realizados só recentemente. Nesses estudos,
ainda esporádicos, deu-se ênfase ou à análise das estruturas e instituições ou à caracterização
dos processos de negociação das políticas setoriais específicas. Deve-se atentar para o fato
de que programas ou políticas setoriais foram examinados com respeito a seus efeitos e que
esses estudos foram antes de mais nada de natureza descritiva com graus de complexidade
analítica e metodológica bastante distintos. Predominam “microabordagens” contextualizadas,
porém dissociadas dos macroprocessos ou ainda restritas a um único “approach” e limitadas
no tempo. Normalmente, tais estudos carecem de um embasamento teórico que deve ser
considerado um pressuposto para que se possa chegar a um maior grau de generalização
dos resultados adquiridos. 11

Na verdade, a falta de planejamento tem sido uma crítica geralmente dirigida à


ciência política, quando ela é acusada de estar fundamentalmente embasada na empiria
e na consideração de resultados práticos. Nesse sentido, os investigadores têm se
esforçado para superar as abordagens tradicionais e dar prioridade às dimensões
institucionais e processuais dos fatos políticos materiais. Dessa forma, as abordagens
passaram a considerar que a análise política deve ser ordenada segundo três níveis de
teorização distintos, perfazendo uma estrutura que procura considerar em profundidade
seus aspectos sistêmicos e funcionais, bem como restabelecer as bases da investigação
sobre seus aspectos materiais e concretos: a dimensão institucional – polity – se volta
para a ordem do sistema político em termos de sua composição jurídica, legislativa e
administrativa; a dimensão processual – politics – tem em vista o funcionamento das
instituições em termos do caráter conflituoso do debate político, dos consensos que
conduzem às tomadas das decisões etc; e, a dimensão material – policy – refere-se aos
problemas técnicos pertinentes à concretização dos programas políticos. As dificuldades
investigativas, porém, não parecem estar sendo resolvidas tão facilmente, alimentando-
se a ciência política atual de amplos debates sobre métodos de pesquisa:

11
FREY, Klaus. Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da
análise de políticas públicas no Brasil. In: Planejamento e políticas públicas. nº 21, jun.
2000, p. 211-59. p. 214-5.

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Os estudos tradicionais sobre políticas públicas – baseados em métodos quantitativos –


freqüentemente são forçados a se limitar a um número reduzido de variáveis explicativas,
devido às dificuldades técnicas e organizativas. No entanto, se quisermos saber mais detalhes
sobre a gênese e o percurso de certos programas políticos – os fatores favoráveis e os
entraves bloqueadores –, então a pesquisa comparativa não pode deixar de se concentrar de
forma mais intensa na investigação da vida interna dos processos político-administrativos.
Com esse direcionamento processual, tornam-se mais importantes os arranjos institucionais,
as atitudes e objetivos dos atores políticos, os instrumentos de ação e as estratégias políticas.12

A compreensão da natureza teórica das políticas públicas está se debatendo ainda em


problemas de classificação dos objetos investigativos, surgindo a policy arena como forma
conceitual de se referir “aos processos de conflito e de consenso dentro das diversas áreas
da política, as quais podem ser distinguidas de acordo com seu caráter distributivo,
redistributivo, regulatório ou constitutivo”. As políticas distributivas são aquelas que
produzem um baixo grau de conflito entre os atores do cenário social, beneficiando-os de
uma maneira que tende a ser igualitária. As políticas redistributivas, ao contrário, “são
orientadas para o conflito”, baseando-se no deslocamento intencional de benefícios de
uma camada social para outra. As políticas regulatórias “trabalham com ordens e proibições,
decretos e portarias”. As políticas constitutivas “determinam as regras do jogo e com isso
a estrutura dos processos e conflitos políticos, isto é, as condições gerais sob as quais vêm
sendo negociadas as políticas distributivas, redistributivas e regulatórias”.13

Por outro lado, os princípios investigativos da moderna ciência política comportam


também o policy cycle, que se refere às fases do ciclo político. “Na fase de elaboração de
programas e de decisão, é preciso escolher a mais apropriada entre as várias alternativas
de ação”; a fase de “implementação” corresponde “à análise da qualidade material e
técnica de projetos ou programas, (...) direcionada para as estruturas políticas
administrativas e a atuação dos atores envolvidos”; e, na “fase de avaliação de políticas
e da correção de ação (‘evaluation’), apreciam-se os programas já implementados no
tocante aos seus impactos efetivos”.14

A policy arena e a policy cicle são categorias de análise criadas no âmbito do esforço
destinado à superação das dificuldades teóricas do enfoque sobre o objeto político. No
entanto, as quatro formas de política definida pela primeira e as três fases do ciclo

12
Ibidem, p. 220-1.
13
Ibidem, p. 223-4.
14
Ibidem, p. 227-8, grifos do autor.

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político da outra, constituem, na verdade, um conjunto de objetos que pela sua estrutura
lógica devem ser considerados em duas classes muito mais simples e completamente
diferentes, ou seja: (1) quanto à sua função dentro do espaço social as políticas públicas
podem ser distributivas ou redistributivas; e, (2) quanto à sua temporalidade implícita
as políticas públicas apresentam uma fase constitutiva (elaboração e regulamentação) e
uma fase de implementação (implementação propriamente dita e avaliação).

Depois das incorreções presentes em suas categorizações iniciais, a ciência política


volta-se para a busca de “regras gerais e entendimentos fundamentais que prevalecem
em cada sociedade e que exercem uma influência decisiva sobre as interpretações e o
próprio agir das pessoas” 15. Com essa perspectiva, denominada corrente do neo-
institucionalismo, a análise teórica se volta para as instituições não consolidadas dos
sistemas políticos em transformação, como é o caso dos países da América Latina, do
Leste da Europa e dos países em desenvolvimento de uma maneira geral. O neo-
institucionalismo parte da hipótese de que os atores sociais, agindo ora enquanto cidadãos,
ora enquanto representantes de uma dada classe profissional, determina de forma decisiva
as estruturas político-institucionais, utilizando-se de processos de institucionalização e
desinstitucionalização constituídos em torno de idéias de formação de coalizões e de
trocas sociais voluntárias impulsionadas pelo interesse próprio. Diferentemente do
institucionalismo tradicional, o neo-institucionalismo agrega à análise do sistema político
as forças circunscritas à rede de relações que se organizam fora dos limites determinados
pela esfera político-administrativa, como os conselhos populares, as comissões municipais
de orçamento participativo, os foros de debates etc.

O principal problema das forças organizadas fora da esfera institucional é que elas
pouca ou quase nenhuma pressão exercem sobre os componentes sistêmicos e funcionais
da organização política, possuindo essencialmente poderes consultivos e, em alguns casos,
administrativos. Mas é assim que se constituem as novas tecnologias políticas, ou seja,
para os mecanismos neo-institucionais ganharem força dentro da esfera sistêmica e
funcional do aparelho do Estado, elas têm necessidade de agregar valores estratégicos
concretizados por ações de grande exatidão metodológica, substancialmente reguladas
pelas tecnologias de base que alicerçam a cultura material da sociedade.

Outra vertente de pesquisa importante, denominada “análise de estilos políticos”,


assume “os fatores culturais, padrões de comportamento político e inclusive atitudes de

15
Ibidem, p. 232.

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atores políticos singulares como essenciais para compreender melhor o processo político,
que, por sua vez – eis um pressuposto central dessa abordagem –, repercute na qualidade
dos programas e projetos elaborados e implementados”. Essa análise enfoca, por exemplo,
a influência de comportamentos do tipo clientelista, paternalista ou corrupto na geração
de tensões responsáveis por rupturas e mudanças do processo político. Trata-se do enfoque
sobre os valores, idéias, sentimentos, orientações e atitudes predominantes na sociedade
que definem a “cultura política”. Os tipos de cultura política existente caracterizam as
diferentes fases de modernização e de desenvolvimento das sociedades: “na cultura
‘paroquial’ não existe ainda uma visão política sistêmica; na ‘cultura de súditos’, a
população desempenha um papel passivo e se mostra apenas interessada nos resultados
da política; enquanto que na ‘cultura de participação’ ela interfere de forma ativa nos
acontecimentos políticos”16.

Embora a cultura política de uma sociedade não determine as características


sistêmica e funcional da estrutura política existente, ele exerce influência significativa
na determinação das tecnologias utilizadas nos projetos e programas específicos. Um
projeto de reciclagem de lixo, ou de geração de emprego, por exemplo, pode ser
implementado contando com uma extensa participação social e utilizando-se de recursos
técnicos existentes no âmbito de um grande número de atores, gerando dessa forma
soluções muito mais operantes e participativas do que se contar apenas com a tecnocracia
imposta de cima para baixo a partir de decisões clientelistas. As verdadeiras tecnologias
políticas engendram, dessa forma, a participação ampla dos atores sociais neo-
institucionais organizados sob a forma de empresas e outros estabelecimentos
economicamente emergentes.

2. Desenvolvimento Inclusivo

É fundamental para o propósito desse trabalho conceituar o que vem a ser inclusão;
o que significa essa idéia-possiblidade no Brasil. O conceito trabalha com o pressuposto
de que há excluídos. Assim, preliminarmente, há que focalizar a exclusão e suas
conseqüências. “A exclusão não é uma gradação da iniqüidade, mas trata-se de um
mecanismo que retira as pessoas do eixo social central”.17 Assim, podemos entender a
exclusão como sendo a ausência dos componentes essenciais à cidadania, em que se

16
Ibidem, p. 235-7.
17
FELIX, Luiz A., op. cit., p. 60.

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destacam aqueles de cunho material: emprego, renda, educação, habitação, saúde e


alimentação, os quais são os mais óbvios para aquela concepção de “eixo social central”.
A exclusão no Brasil, segundo reiterados relatórios da Organização das Nações Unidas –
ONU, faz com que o país tenha uma das piores distribuições de renda do planeta. Tem-se
ainda um déficit habitacional de cerca de seis milhões de moradias. O inventário do
barbarismo social brasileiro contabiliza ainda índices de mortalidade infantil historicamente
elevados, em que nosso desempenho é semelhante ao do Vietnã e Belize; países cuja
renda média é bem inferior a do Brasil.18 Várias reportagens dos grandes jornais estampam
a violência, que aqui assume o estágio da banalidade – a maioria dos adolescentes
mortos no país (entre 15 e 18 anos) são vítimas de homicídio. O país vive uma permanente
“guerra social” e a exclusão tem sido apontada como a matriz de todas essas mazelas.

O entendimento equivocado, professado por estudiosos de diferentes perfis, no qual


o desenvolvimento, por si só, pode alavancar as pessoas excluídas – sobretudo as
historicamente excluídas –, não resiste ao próprio modelo nacional. Por cerca de meio
século – dos anos 30 aos 80 – o Brasil salta de uma economia rural atrasada para a
posição de uma das maiores economias industriais do mundo. As taxas de crescimento
obtidas naquele período se situam entre as maiores do século 20. Todavia, observou-se
que o crescimento se fez acompanhar por uma brutal desigualdade que acarretou uma
exclusão endêmica.19 No albor do terceiro milênio o país enfrenta uma conflagração social
que pode ser vista a olho nu em algumas cidades, onde se destacam Rio de Janeiro e São
Paulo. Assim, o conceito de inclusão no Brasil não deve estar atrelado apenas à dependência
do desenvolvimento econômico. A inclusão deve compreender mais do que o mundo do
trabalho, de forma que “uma sociedade inclusiva deve promover as necessidades básicas
daqueles que não podem trabalhar e deve reconhecer a ampla diversidade de objetivos
que a vida tem a oferecer”20. Além do trabalho, o qual deve ser precedido pela capacitação/
educação, para que a inclusão se efetive, o estado não deve perder de vista os
componentes subjetivos da cidadania como a auto-estima positiva, bem como a promoção
da igualdade de oportunidades – vetor fundamental para se evitar o desperdício dos
talentos perdidos para a subcidadania.

18
UNICEF. Relatório de 1999 do Fundo das Nações Unidas para a Infância.
19
SANTOS, Helio. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. op. cit.,
p. 394.
20
FELIX, Luiz A., op. cit., p. 61.

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As teorias recomendadas pela tradição econômica como caminhos para o crescimento


dos países subdesenvolvidos são olimpicamente contestadas por Easterly 21, veterano
economista do Banco Mundial. A tradicionalíssima receita que vincula o aumento de
investimentos ao desenvolvimento, longe de ser infalível, só produz resultados positivos
em raros países. Inverte o mito que sentencia que o aumento da escolaridade produz,
automaticamente, desenvolvimento – o contrário é que seria verdadeiro: o desenvolvimento
é que melhora a educação. A tese do controle da natalidade, esgrimida de forma unânime,
não é suficiente para explicar os fracassos – exemplifica a Argentina com taxas mínimas
de fertilidade. O trabalho de Easterly compreende a segunda metade do século 20. Em
apoio ao entendimento que valoriza os componentes subjetivos da cidadania, Easterly
enfatiza que as teorias tradicionais fracassaram porque não estimularam aos indivíduos,
ou seja: o desenvolvimento requer mais do que slogans, exigindo crenças e valores os
quais as pessoas nem sempre se sentem detentoras. Assim, considerando as características
históricas do país, inclusão significa dispor de uma cidadania integral, na qual, além dos
aspectos materiais econômicos, contam os de cunho subjetivo. Aqui, além dos excluídos
há os semi-incluídos, cuja cidadania volátil ora os coloca num patamar inclusivo, ora os
rebaixa. A semi-inclusão tanto se dá pela carência de alguns dos componentes materiais
básicos (escolaridade e habitação por exemplo) como por aqueles de ordem subjetiva (em
que se destaca a auto-estima rebaixada por motivos de natureza étnico-racial). O exposto
leva a entender que no Brasil o “estado de investimento social”, sugerido por Giddens22,
carece de sinalizações específicas para a consecução de um eficaz modelo de gestão de
políticas públicas; sem o que não se propicia a inclusão.

A eficiência e a eficácia, ao buscarem desenvolver os processos executando bem as


tarefas e fazendo as coisas certas, respectivamente, não são suficientes para o setor
público. O cidadão-cliente deve ver e sentir o produto-serviço prestado a ele e se convencer
de que foi contemplado nas suas expectativas – isto é, a efetividade é o que consolida a
governança pública.23

21
EASTERLY, The Elusive Quest for Growth-Economist’s Adventures and Misadventures in the
Tropics. In GASPARI, Elio. 50 anos de fracassos das ekipekonômicas. Folha de São Paulo,
14.10.2001.
22
GIDDENS, Anthony. The third way: the renewal of science democracy. In: Polity Press. U.K.,
1998. Extrato publicado no The Observer, ed. 13/set/1998. Disponível em: <http://
www.iww.ca/news/iwwnews00329.html>. Acesso em: 28/abr/2003.
23
REDDIN, Willian J. O que é eficácia gerencial. São Paulo: Atlas, 1977.

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Tecnologia da inclusão como suporte para a formulação de
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Helio de Souza Santos / Paulo Sergio Marchelli

As políticas universalistas no Brasil vêm tendo sua eficácia e efetividade cada vez
mais contestadas. Santos 24 , todavia, sugere entremear a utilização dos modelos
universalista e focalista no sentido de se obter maior eficácia das políticas sociais. Fala-
se ainda na inversão de posições, em que o cidadão-cliente, que paga pelos serviços
públicos, além de mal atendido, acaba obtendo-os como se fosse merecedor de um favor.25
A parcela da população que se utiliza dos serviços universalizados – sobretudo os referentes
à escola fundamental, serviços de saúde e previdência social – é a mais pobre. Mesmo a
classe média baixa vem se utilizando da escola fundamental particular bem como dos
planos privados de saúde. Por razões históricas e culturais, crê-se que os subcidadãos do
Brasil não desenvolvido e pobre são maltratáveis; daí aquele cacoete inversivo. As classes
médias e ricas não se utilizam há muito tempo daqueles serviços; classificados de forma
categórica como sucateados e insuficientes. O afastamento das classes abastadas, que
dispõem de maior força de pressão, dos serviços públicos fundamentais, fez com que
estes se deteriorassem mais ainda – agora com menos chances de cura.

Por outro lado, segundo Dowbor 26, no Brasil cerca de 25% do PIB são despendidos
com a área social. Apesar desse montante ser superior ao de outros países em
desenvolvimento, os principais indicadores sociais – mortalidade infantil, qualidade do
ensino fundamental, condições habitacionais – são renitentemente baixos. Esse panorama
das políticas públicas no Brasil se enquadra no que Dowbor denominou “[...] cultura
administrativa herdada pela nação”27. Trata-se de um poderoso ingrediente da nossa
cultura de desenvolvimento a qual se especializou em excluir com zelo ibérico.

O conceito de desenvolvimento não considera a variável exclusão; opera com a


expectativa de maior satisfação das necessidades sem pontificar quem são os beneficiários.
O Brasil é um laboratório vivo onde se constata que é possível desenvolver – e bem –
excluindo ao mesmo tempo. O principal desafio do país nesse limiar de milênio é crescer
e incluir simultaneamente. Aqui, o que possibilita uma mudança estrutural é trazer para
o campo da cidadania plena cerca de 1/3 da população nacional. O conceito de inclusão
expendido nesse artigo nos remete a pensar no impacto interno provocado pela inclusão

24
SANTOS, Helio. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. op. cit., p. 315.
25
BASTO Luiz E. et al. Organizações públicas brasileiras: a busca da eficiência, da eficácia ou da
efetividade? In: Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, out./dez. 1993, p.142-6.
26
DOWBOR, Ladislau. Governabilidade e descentralização. In: Revista do Serviço Público. Brasilia,
jan./jul. 1994, p. 95-117.
27
Ibidem, p. 95.

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de um volume dessa magnitude – mais de 50 milhões de pessoas. Além dos efeitos de


cunho econômico-material há os de ordem subjetiva localizados no campo da ética, auto-
estima e identidade nacionais.

Halpern 28, ao debater a terceira via, adverte que ao propiciar maior inclusão social
poderiam advir impasses de natureza política. Isso se daria em função de uma
redistribuição da riqueza além dos limites aceitos pela sociedade. Essa advertência pode
fazer sentido na rica Europa unificada, onde os espaços estão demarcados. Todavia, no
Brasil, a exuberante capacidade ociosa existente – tanto de recursos materiais, quanto
humanos – não induz a esse entendimento. Não se trata, portanto, de uma equação de
soma zero, na qual os ganhos de alguns implicam nas perdas de outros. Se está diante
da reconhecida dificuldade nacional em promover políticas que incluem; que alberguem
setores da população historicamente fora da cidadania plena. Aqui, não é uma inferência
ideológica supor que tais políticas não surtem êxito por motivos de natureza
comportamental da sociedade. Há – sim – tecnalidades avulsas a serem consideradas.
Todavia, diversos estudos identificam óbices na cultura brasileira de desenvolvimento
para potencializar determinados setores da população.29

O desenvolvimento inclusivo para se efetivar sofre a resistência da ideologia


universalista que propõe tratamento igual para todos. A questão é essa: políticas de
igualdade viabilizam a cidadania dos excluídos? No Brasil, as políticas sociais de cunho
universalista não têm propiciado efetiva igualdade, apesar de terem nela a sua essência
teórica. Num país detentor de uma das maiores desigualdades do planeta, ter como
estratégia tratar a todos igualmente (inclusive aos excluídos) vem sendo um caminho
que não tem levado à verdadeira igualdade.30 Trata-se de um sofisma bem engendrado
que não rompe com a histórica assimetria social brasileira. A eqüidade ao tratar aos
desiguais, desigualmente, é que pode propiciar alguma igualdade. Essas inferências podem
fazer crer, à primeira vista, que o focalismo seria o antídoto para o veneno da exclusão

28
HALPERN, David. The third way: Summary of NEXUS on-line discussion, Cambridge University,
1998. Disponível em: <http://www.netnexus.org/library/papers/3way.html>. Acesso em:
28/abr/2003.
29
FERNANDES, Florestan; BASTIDE, Roger. Negros e brancos em São Paulo. São Paulo:
Nacional, 1959.
SANTOS, Helio. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. op. cit.
HENRIQUES, Ricardo, op. cit.
30
BIRDSALL, Nancy. Apud RICUPERO, Rubens. Folha de São Paulo, 24. out.1998.

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social no Brasil. Todavia, numa sociedade de exclusão, como a brasileira, ao se operar


contra alguns pressupostos universalistas – previdência social pública, saúde e ensino
fundamental –, complicações explosivas podem advir. As idiossincrasias históricas,
econômicas, sociais e morais do país impõem uma estratégia menos óbvia para o
desenvolvimento inclusivo. Aqui, pede-se a universalização com foco; estratagema que
resulta em algo novo: a Tecnologia da Inclusão31.

3. Inclusão e modelo gerencial de políticas públicas

As mudanças sociais geradas pela tecnologia não têm levado ao desenvolvimento


inclusivo. Furtado 32 assinala que as inovações tecnológicas propiciam reações em cadeia
que levam ao aumento da produtividade. Aqui, estas inovações têm alimentado a
manutenção da exclusão, conforme evidenciam os indicadores sociais ao longo das décadas
de franco crescimento econômico observado no século passado. Assim, o conceito de
desenvolvimento econômico visto nesse artigo, na prática, sofre também essa inversão
perversa; já que não traz, como seria desejável, maior abundância e satisfação das
necessidades para a população como um todo.

3.1 Tecnologia da Inclusão (T. In.)

A Tecnologia da Inclusão (T. In.) consiste em operar as inovações tecnológicas de


forma que estas proporcionem cidadania integral para excluídos e semi-incluídos. Trata-
se de gestar e desenvolver uma tecnologia que recupere o conceito da economia política
clássica que a tem como um conjunto de regras de cunho prático aptas a produzir as
mudanças sociais esperadas. Não existe mudança social mais relevante do que a inclusão
social no Brasil. A endêmica exclusão social brasileira desestabiliza a nação a olhos vistos.
Esse óbice desestabilizante, por estar na raiz da trajetória histórico-social do país, exige
políticas reparatórias que eqüalizem as oportunidades extremamente desiguais existentes.
Desenvolver uma tecnologia com esse grau de especificidade visando a inclusão social
no Brasil significa empreender ações inovadoras que resultem em um petardo com calibre
suficientemente eficaz para dar fim a uma saga que se confunde com a própria história

31
SANTOS, Helio. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. op. cit.,
p. 398.
32
FURTADO, Celso, op.cit.

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vivida até aqui pelo país. Para a montagem desse modelo, além do Estado, dois setores
têm papel crucial: a academia e o mundo empresarial. O primeiro, pesquisando e
apresentando construtos adequados nas diversas áreas fundamentais para a cidadania:
economia, educação, trabalho, saúde – notadamente no campo da medicina preventiva –
, engenharia civil e sanitária, arquitetura, psicologia social e cultura. Quanto ao mundo
artístico-cultural, requer-se uma consistente invasão cultural à periferia, onde há que se
focalizar nas crianças e sobretudo na adolescência de risco. No campo do trabalho, onde
a escassez de oportunidades não se resolve apenas com a capacitação, o associativismo
e o cooperativismo emergem como parte importante da solução do desemprego estrutural
que assola o grupo mais pobre da população. Ao setor empresarial cabe efetivar
materialmente as idéias desenvolvidas pelos cientistas. A gerência profissional do plano
que viabiliza a cidadania integral não pode se submeter aos governos – partidários e
partidarizados – que dão plantões de 4 ou 8 anos. A logística do país, que agrega mais de
5000 municípios distribuídos numa extensão continental, é bem conhecida pelas forças
armadas – instituição que vem sendo reiteradamente convocada a cumprir o papel que
caberia às polícias, dado o descalabro urbano abastecido por uma violência endêmica e
incontrolável pelos governos estaduais. O desenvolvimento de uma logística que refine
melhor o quadro geográfico-social deve ser elaborado pela Fundação IBGE em parceria
com as forças armadas. Em consonância com o foco desse artigo, o secretário-executivo
do Ministério da Ciência e Tecnologia informa que naquele órgão acaba de ser criada uma
Secretaria de Inclusão Social 33, providência reclamada por Santos34. Dado o caráter
estratégico que tem o projeto de inclusão sinalizado nesse artigo, requer-se para o mesmo
uma gestão profissional que transcenda aos interesses provisórios de curto prazo. As
políticas de saúde e o ensino fundamental, universalizados pela Constituição, não só
devem ser mantidos como melhorados. A qualidade de ambos deve ser um dos focos
mais centrais da T. In. O ensino universitário público e gratuito deve abranger
preferencialmente alunos vindos da rede pública de ensino a qual deve ser restaurada
face ao abandono a que foi relegada nas últimas décadas. Universalizar com foco é
buscar a excelência dos serviços públicos já ofertados à população excluída. É cumprir o
caminho inverso do que vem sendo feito desde tempos imemoriais. Para tanto, Santos
propõe as Políticas Públicas de Inclusão (PMIs) que:

33
SOUZA, Wanderley. Ciência e tecnologia para todos. Folha de São Paulo. São Paulo, 22 abr.
2003. Caderno A, p.3.
34
SANTOS, Helio. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. op. cit., p. 398.

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[...] são ações do setor público articuladas no sentido de promover grupos e populações
inteiras para a cidadania plena. Seja pela capacitação e pelo trabalho, seja pela recuperação
de áreas degradadas. Tudo com muito esmero. 35

A opção pelo modelo universalista ou focalista parece estar no centro do debate


sobre a necessidade de cortar ou não determinadas políticas ou setores da administração
pública. A perspectiva focalista, sob o ângulo visto nesse artigo, intui maximizar a eficácia
e a efetividade das políticas universalistas já postas em práticas; as quais foram e
continuam sendo incapazes de incluir amplas parcelas da população. Ainda nesse sentido
de focalizar, há que se transferir a responsabilidade pela execução das políticas sociais
para o nível mais próximo da população excluída: Estado, município, associações de
moradores, ONGs etc. Tal providência deve ser feita pelo setor transferente com os
respectivos recursos pertinentes.

A T. In. não deve ser inovadora e modernizadora apenas em seus aspetos operacionais.
O modelo requer inflexão semelhante no que diz respeito à democratização das decisões:
sob gestão profissional do Governo Federal e com a ajuda da academia e do setor
empresarial, as ações desenvolvidas devem ter na sociedade civil o termômetro que
afere o rigor do cumprimento das metas.

Os estados, municípios, associações e entidades encarregadas de implementar as


políticas sociais deverão ter suas ações monitoradas, no sentido destas serem avaliadas
quanto à sua eficiência e eficácia. – tarefa que a recém criada Secretaria de Inclusão
Social poderia cumprir com êxito. O modelo sinalizado pela T. In exige desenvolver e
instituir uma certificação que atesta a capacidade da política pública implementada em
promover cidadania integral para a população alvo de seu empenho.

3.2 O modelo gerencial de políticas públicas no Brasil

No Brasil, não existem modelos tecnológicos específicos para administrar as políticas


públicas, mas apenas sistemas tradicionais de informações contábeis, normatizados por
lei36 e baseados em parametrizações quantitativas destinadas a controlar a quantidade
de serviços contratados e as aquisições materiais absorvidas pelo aparelho Estatal ou a

35
Ibidem, p. 400.
36
BRASIL. Lei Federal n.º 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui normas gerais de direito
financeiro para elaboração dos orçamentos e balanço da União, dos estados, dos municípios
e do distrito federal.

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ele anexadas sob a forma de patrimônio público. Nem sequer há controle de ativos fixos
no modelo contábil da União, pois este conceito não se aplica às instituições
governamentais que não podem ter “fins lucrativos”.

A administração pública brasileira ressente-se de mecanismos que avaliem o desempenho e


o resultado dos seus gestores públicos. Esta lacuna faz com que não sejam respondidas
questões como: “Quem é o responsável pela geração do(s) benefícios social(is) à sociedade?”;
“Quais programas estão contribuindo mais ou menos para a formação desse(s) benefício(s)?”;
“Quem (quais gestores) está (estão) obtendo melhores desempenhos?”; e, “Como avaliar o
nível de satisfação da sociedade?” 37

Para avaliar o desempenho e os resultados obtidos pelos gestores públicos é necessário


implementar tanto modelos quantitativos mais abrangentes quanto modelos de análise mais
depurados, como os definidos pela policy analysis apresentados na seção 1.2 anterior. Mas,
se mesmo estes últimos são deficitários do ponto de vista metodológico, expondo à vista os
problemas de entendimento das categorias do objeto político conforme mostrados, deve-se
supor, então, que os modelos gerenciais baseados unicamente em informações contábeis
também são amplamente ineficientes para a gestão do funcionamento da policy arena e do
policy cicle. O processo das políticas públicas desdobradas em espaços sociais específicos,
como o Sistema Único de Saúde – SUS, que pretende o “controle social dos serviços mediante
a criação e o desenvolvimento de Conselhos Estaduais, Municipais, Distritais e Locais de
Saúde”38, para atingir plenamente seus objetivos, necessita dos subsídios centralizados do
Governo Federal no que diz respeito à administração dos problemas locais, o que somente
será possível por meio de tecnologias de comunicação adequadas.

Com relação ao problema da diferenciação dos aportes tecnológicos no contexto da


administração das políticas públicas, eles são quase sempre confundidos com os
denominados sistemas físicos e operacionais do ambiente contábil. Assim, tem-se que:

37
BEZERRA FILHO, João E. Modelo conceitual de decisão e apuração de resultados: uma
contribuição para a avaliação da eficiência e eficácia na gestão dos recursos públicos.
Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade. São Paulo, 2002. p. 42.
38
MENDES, Eugênio V. O sistema único de saúde: um processo social em construção. Disponível
em: <http://www.opas.org.br/rh/publicacoes/textos_apoio/pub04U1T1.pdf>. Acesso:
28.abr.2002.

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[...] o subsistema físico pode ser caracterizado como o hardware da entidade, composto de
todos os elementos concretos e palpáveis, com exceção das pessoas. [...] No ambiente
interno, o subsistema físico-operacional formata as atividades fins e de apoio, por meio da
estrutura funcional, e, no ambiente externo, delineia as relações com os entes próximos. É
no subsistema operacional que são processadas as transações, os eventos, as atividades e
os programas, [...] produzindo impacto predefinido na estrutura patrimonial da entidade e
principalmente em benefícios diretos ou indiretos à sociedade, tendo, assim, sempre uma
formatação contábil. 39

O hardware e o software não podem ser pensados separadamente dentro das novas
concepções sistêmicas, mesmo que se trate puramente de operações contábeis. Quando
se torna necessário interpor à análise elementos relacionais do ambiente institucional
externo, como o caso das entidades políticas representadas no contexto neo-institucional
do sistema, a necessidade de uma tecnologia política ampla se torna ainda mais premente.
Dessa forma, os modelos gerenciais das políticas públicas no Brasil ainda se encontram
em sua fase inicial de elaboração.

Considerações finais

O dilema universalização versus focalização não decodifica as ambigüidades aventadas


por esse artigo. O debate que vem sendo travado pelos defensores das duas correntes
segue no ritmo cativante das paixões – em que cada facção anula a outra – sem contribuir
para o aprofundamento do crucial debate para a o equilíbrio social e econômico do país.

Por outro lado, não resiste mais o anacrônico argumento segundo o qual as mudanças
sociais mais impactantes na sociedade brasileira – aquelas que propiciam maior inclusão
– dependem apenas de vontade política com o subsequente recurso financeiro. Sem
dúvida, para que a inclusão se efetive há que se ter foco no grupo subcidadão; o que
significa uma vontade política bem definida. Há que se ter ainda vínculo orçamentário e
dinheiro. Todavia, vez por outra, essas duas variáveis têm estado juntas sem que algo
luminoso e transformador consiga romper a persistente e dramática assimetria social do
país. Nossas especificidades, que tornam mais complexas as dificuldades – como aquelas
de fundamento histórico enfrentadas pela população negro-descendente e indígena -,
bem como o tamanho do fosso social que aparta da cidadania plena significativa parcela
da população, e, considerando ainda a violência das cidades, alimentadas por uma

39
BEZERRA FILHO, João, op. cit. p. 49.

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irresponsável e predatória urbanização, exigem um modelo de auto-sustentação apto a


enfrentar um inimigo que destrói a possibilidade de um desenvolvimento efetivo: o
inclusivo. Esse fator desestabilizante está na raiz da trajetória histórico-cultural do país:
a endêmica e atávica exclusão social brasileira. Portanto, desenvolver uma tecnologia
específica visando incluir grupos apartados, tanto no campo material econômico quanto
no mundo subjetivo, impõe empreender ações inovadoras que substituam as tentativas
até aqui feitas sem êxito.

Santos40 desenvolve a Teoria do Círculo Vicioso para estudar a saga dos 45% de
pretos e pardos constatados no Brasil pelo Censo de 2000. Observa naquele estudo que
as dificuldades enfrentadas pelos negro-descendentes retroalimentam os preconconceitos
engendrados pela sociedade contra o grupo. Castor41, fazendo outro tipo de estudo, ao
analisar as dificuldades da administração pública brasileira, observa de maneira semelhante
a Santos, a existência de “[...] um efeito circular em que causa e a conseqüência se
confundem”. Ambos , ao estudarem coisas diferentes, mas que se assemelham, flagram
problemas que prejudicam – quando não impedem – a cidadania. É nesse quadro de
ambigüidades que se impõe a utilização de um modelo mais articulado e inovador, capaz
de decifrar as especificidades da cultura de exclusão desenvolvida no país. Esta cultura
simula com extrema eficácia um efeito particularmente perverso: os próprios excluídos
são responsabilizados pela sua subcidadania, quando em realidade são vítimas de uma
incúria político-administrativa secular.

40
SANTOS, Helio. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. op. cit., p. 176.
41
CASTOR, Belmiro V. J. op. cit., p. 156.

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Voltar  37  Sumário PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 2 • jan-jun 2005 • p. 14-37


Universidade São Marcos
Voltar  38  Sumário

Fundamentação clássica do princípio


de igual consideração de interesses
e suas possibilidades de aplicação

Cleide Bernardes

Universidade Federal de Uberlândia

Resumo
Neste trabalho, nos ateremos à concepção de universalidade adotada por Singer para a
elaboração de uma ética utilitarista consequencialista. Teremos como referencial teórico as
obras de Peter Singer, principalmente Ética Prática (2002) e Libertação Animal (2004). A
obra Ética Prática apresenta a proposta de Singer para se pensar as questões éticas levantadas
e a solução possível indicada pelo autor por meio do estabelecimento do princípio de igual
consideração de interesses. A obra Libertação Animal, publicada pela primeira vez em 1975,
trata dos direitos dos animais sob a perspectiva singeriana. Singer, embora não adote o
princípio kantiano do imperativo categórico tido como referência de uma moral deontológica,
também apresenta uma visão universal de ética, própria da tradição filosófica.
Palavras-chave: ética, universalidade, interesses, filosofia.
Abstract
This work aims to consider the conception of universality built by Singer for the elaboration
of an utilitarian and consequential ethic. We have as a theoretical reference the Peter Singer’s
work, mainly The Practical Ethics (2002) and The Animal Liberation (2004). The Pratical
Ethics presents the Singer’s proposal to the ethic questions and the possible solution indicated
by the author who settle the principle of equal consideration of interests. The Animal Liberation,
published for the first time at 1975, speaks of the animal rights in a Singer’s perspective.
The author doesn’t agree with the Kent’s principle of the imperative and categoric that is a
strong reference of a deontological moral, however, Singer also presents an universal view
of ethic, proper of the philosophic tradition.
Key-words: ethics, universality, interests, philosophy.

Voltar  38  Sumário PESQUISA EM DEBATE • Ano II • n. 2 • jan-jun 2005 • p. 38-43


Universidade São Marcos
Fundamentação clássica do princípio de igual consideração
Voltar  39  Sumário de interesses e suas possibilidades de aplicação
Cleide Bernardes

As idéias de Peter Singer são consideradas inovadoras e polêmicas neste início de


século. Porém, é perceptível a influência de Jeremy Bentham, 1 que no século XVIII,
em sua obra Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação, formula o princípio
da utilidade, renomeando-o posteriormente como princípio da maior felicidade. 2
Segundo Bentham,

o gênero humano está sob o domínio de dois senhores soberanos: a dor e o prazer, e somente
a eles compete apontar o que devemos fazer e determinar o que faremos. A esses dois
senhores, está vinculada por uma parte, a norma que distingue o que é reto do que é errado,
e por outra, a cadeia das causas e dos efeitos.3

Assim, estamos submetidos em primeiro lugar à natureza, em tudo o que fazemos,


em tudo o que dizemos e em tudo o que pensamos, sendo que qualquer tentativa que
façamos para mudar, esta condição irá apenas reforçar e confirmar esta condição. Através
de suas palavras, o homem pode pretender abjurar tal domínio, porém na realidade
permanecerá sujeito a ele em todos os momentos da sua vida.

Bentham, considerou adequado mudar o termo utilidade para felicidade, por achar
que este estava mais próximo da idéia de prazer e dor, sendo o termo utilidade pouco
aceito na época. 4 Com o princípio de utilidade, pretende estabelecer a norma do certo e
do errado através do número de interesses afetados, norma esta que regulamentará as
ações na medida em que estas tendem a aumentar ou diminuir a felicidade da pessoa
cujo interesse está em jogo.

1
BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação.São Paulo: Abril,
1974, p. 8.
2
Esta renomeação ocorre em uma nota de 1822, onde Bentham escreve: “o princípio que
estabelece a maior felicidade daqueles cujo interesse está em seu jogo, como sendo a justa
e adequada finalidade da ação humana, e até a única finalidade justa, adequada e
universalmente desejável em qualquer situação ou estado de vida.” (Bentham 1974, p 9.)
3
Idem.
4
A palavra utilidade não ressalta as idéias de prazer e dor com tanta clareza quanto o termo
felicidade (happiness, felicity); tampouco o termo nos leva a considerar o número dos interesses
afetados; número este que constitui a circunstância que contribui na maior proporção para
formar a norma em questão – a norma do reto e do errado, a única que pode capacitar-nos
a julgar da retidão da conduta humana, em qualquer situação que seja. (Bentham, Uma
introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril, 1974, p. 9).

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Fundamentação clássica do princípio de igual consideração
Voltar  40  Sumário de interesses e suas possibilidades de aplicação
Cleide Bernardes

O termo utilidade significa aqui uma propriedade em virtude da qual um objeto tende
a proporcionar beneficio, vantagem, prazer, bem ou felicidade de uma pessoa ou de um
grupo específico ou impedir que aconteça o dano, a dor, o mal ou a infelicidade das partes
interessadas. Para isto, deve-se considerar o interesse de cada um separadamente, pois,
para Bentham, o conceito de comunidade é fictício, já que esta é composta de indivíduos.

O princípio de utilidade tem validade sempre que a aprovação ou não de alguma


ação é determinada pela tendência desta ação a diminuir ou aumentar o sofrimento, ou
seja, pela utilidade desta ação. A partir desta análise é possível dizer se uma ação é reta,
ou pelo menos, que não é errada. Porém, este princípio que se utiliza de uma ação para
determinar a validade de uma outra ação não pode ser determinado por ele mesmo. Isto
indica a dificuldade de estabelecer uma fórmula específica. Por isso, na maioria das
ocasiões, este princípio é utilizado de forma natural, sem que seja necessário pensar
sobre ele de forma explícita.

Da exposição acima, temos que o princípio de utilidade é mais verbal do que real, o
que indica a necessidade de se examinar as ações humanas e fazer uma análise da sua
utilidade e dos seus efeitos para o indivíduo em si e para a comunidade. Para contestá-
lo será necessário recorrer ao próprio princípio, como nesta objeção: “o princípio da
utilidade é um princípio perigoso; em certas ocasiões é perigoso consultá-lo. Isto equivale
a dizer que não é condizente à utilidade consultar a utilidade.”5

Bentham justifica seu princípio de utilidade como um instrumento que irá regulamentar
as ações humanas através da razão e da lei, buscando a satisfação dos interesses de todos
os envolvidos de forma justa, em qualquer situação ou estado de vida. O único fundamento
válido da ação humana é, em última análise, a consideração da utilidade. Se esta for
comprovada e aprovada em um determinado caso, sê-lo-á em todos os outros casos
semelhantes. Esta arte de dirigir as próprias ações levando em consideração o interesse de
outros, refere-se não apenas a outros seres humanos, mas a outros agentes que estão sob
a influência do mando humano e são também suscetíveis ao prazer e a dor: os animais.

Na opinião de Bentham, a distinção existente no tratamento dado a homens e a


animais, sob o ponto de vista da sensibilidade só existe porque as leis são fundamentadas
no medo mútuo e sua função é reverter esse medo em vantagem própria, atitude que os
animais irracionais estão incapacitados de exercer, por razões óbvias.

5
No original: “That is not consonant to utility, to consult utility: in short, that it is not consulting
it, to consult it.” (Idem).

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Fundamentação clássica do princípio de igual consideração
Voltar  41  Sumário de interesses e suas possibilidades de aplicação
Cleide Bernardes

Ao discutir sobre as bases da igualdade no segundo capítulo de Ética Prática, Singer


refere-se ao tema como historicamente polêmico. Um exemplo dado pelo autor é a questão
racial, em que a mudança de atitude em relação ao racismo encaminhou este debate de
tal modo que hoje em dia a norma “todos são iguais” tornou-se evidente.

Isto indica que, embora exista uma espécie de consenso acerca desta igualdade, sua
fundamentação ética não parece clara. Todavia, as diferenças entre os seres humanos
remetem a uma grande variedade de características que devem ser consideradas ao se
estabelecer o princípio de igualdade.

De acordo com a abordagem filosófica apresentada anteriormente, o fundamento do


princípio de igualdade não dever ser buscado na natureza humana, e nem nas
circunstâncias particulares. Deve fundamentar-se antes no interesse enquanto ele mesmo
e não como interesse pessoal ou grupal. Para Singer,

A essência do princípio de igual consideração de interesses significa que, em nossas


deliberações morais, atribuímos o mesmo aos interesses semelhantes de todos os que são
atingidos por nossos atos. Isso significa que, se apenas X e Y viessem a ser atingidos por um
possível ato, e que, se X estiver mais sujeito a perdas e Y mais sujeito a vantagens, melhor
será deixar de praticar o ato. Se aceitarmos o princípio da igual consideração de interesses,
não poderemos dizer que é melhor praticar o ato, a despeito dos fatos descritos, porque
estamos mais preocupados com Y do que com X. Eis a que o princípio realmente equivale:
um interesse é um interesse, seja lá de quem for este interesse. 6

Para Singer, existe uma abordagem sempre válida da ética que praticamente não é
afetada pelas complexidades que tornam as normas simples em difíceis de serem
aplicadas: a concepção consequencialista. Os seus adeptos não partem de regras morais,
mas de objetivos. Avaliam a qualidade das ações mediante uma verificação do quanto
elas favorecem suas metas. Na perspectiva consequencialista, a partir da avaliação das
alternativas possíveis deve-se escolher o curso da ação que terá as melhores conseqüências
para todos os envolvidos.

O princípio de igual consideração de interesses não propõe uma igualdade apenas


formal de tratamento, pois esta, quando aplicada a casos específicos perde sua força, o
que diminui o valor da igualdade. Este princípio busca minimizar as injustiças e beneficiar
os menos favorecidos, de maneira substantiva. Um exemplo disso são as ações afirmativas.

6
SINGER, P. 2000, p. 30.

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Fundamentação clássica do princípio de igual consideração
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Singer se coloca de maneira favorável em relação à prática de ações afirmativas, e


segundo sua opinião elas deverão ser úteis e servir como instrumento de transição para
amenizar as mudanças sociais, econômicas e culturais próprias do atual momento histórico.

Considera que estas ações quando aplicadas de forma adequada, devem estar em
harmonia com a igualdade de interesses. Ainda que isto não ocorra em todas as situações,
deve se aplicar pelo menos aos interesses primordiais defendidos por Singer em sua
Ética Prática. Diante das inúmeras diferenças, o princípio de igual consideração de
interesses deve funcionar como uma balança atuando de maneira imparcial, levando em
conta os interesses que são comuns a todos, como por exemplo o interesse pela
sobrevivência e a indesejabilidade da dor.7

No desenvolvimento deste trabalho buscamos demonstrar que existem sérios


obstáculos para se elaborar uma nova ética, tendo como ponto de partida uma noção de
universal capaz de dar conta de todas as diferenças. Para Singer existe uma razão
convincente, apesar de não ser conclusiva para se assumir uma posição utilitarista na
formação de juízos éticos. 8

Ao examinar todas as alternativas, deve-se buscar um modo de agir que favoreça os


interesses de todos os envolvidos, ampliando as possibilidades de escolha das ações,
característica que distingue a teoria singeriana do utilitarismo clássico, em que o conceito
de universal é mais abrangente. Este modo de agir inclui, de acordo com o pensamento
de Singer, não apenas os interesses da espécie humana. Devem ser considerados também
os interesses das espécies animais e as questões relativas ao meio ambiente.

Dependemos ainda de recursos naturais não renováveis, considerados propriedade


de alguns consórcios internacionais, o que provoca crises estruturais no mundo, como a
fome, a pobreza e o analfabetismo. Esta situação de extrema gravidade nos coloca em
um impasse: ou aprendemos a usar de forma inteligente estes recursos ou buscamos
uma solução fora do planeta. Como a segunda opção é exageradamente utópica, a sensatez
deverá nos levar cada vez mais a uma busca de alternativas mais satisfatórias.

A questão não pode ser resumida em termos econômicos, em uma disputa entre
ricos e pobres. Singer argumenta que será necessário buscar uma justificativa ética e
não econômica para a solução destes problemas. O autor considera arbitrário defender o

7
SINGER, P. Ética prática. 3ª ed, São Paulo: Martins Fontes: 2002, p. 31.
8
SINGER, P. Ética prática. 3ª ed, São Paulo: Martins Fontes: 2002, p. 22.

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Fundamentação clássica do princípio de igual consideração
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ponto de vista de que somente os interesses da espécie humana devem ser levados em
conta ao se fazer uma abordagem séria dos valores ambientais. Torna-se necessária a
formulação de uma ética ecológica,9 que trate da relação da espécie humana com a
terra, os animais e as plantas que nela vivem.

Singer estabelece quatro princípios para uma nova ética ambiental que levará em
conta os interesses de todos os afetados pelas ações humanas. Primeiro: cada ação
prejudicial ao meio ambiente será considerada eticamente duvidosa, e francamente errada
cada ação que seja desnecessariamente prejudicial; segundo: será considerado virtuoso
o aproveitamento e a reciclagem de recursos e perversos o consumo e a extravagância
desnecessários; terceiro: serão considerados os interesses de todas as criaturas
sencientes, inclusive das gerações que habitarão o planeta num futuro remoto; quarto:
serão rejeitados os ideais de uma sociedade materialista na qual o sucesso é medido
pelo número de bens de consumo que alguém é capaz de acumular.10

Através da exposição realizada neste trabalho, tendo como instrumento os argumentos


de Singer, percebemos que eles representam um esforço em fornecer bases para a
formulação de uma nova ética. Para isso, Singer elabora um princípio capaz de estabelecer
uma base ética sólida e solucionar, ou ao menos apontar respostas, para os principais
impasses filosóficos presentes nas questões morais contemporâneas.

9
Para uma maior compreensão da proposta ética de Singer no que se refere às relações do
homem com o meio ambiente, consideramos conveniente esclarecer o significado da palavra
ecologia. Palavra de origem grega, que significa casa ou meio ambiente próximo. Entretanto,
o zoologista alemão Ernest Haeckel deu a esta palavra um sentido mais abrangente, passando
a significar o estudo do meio ambiente natural e das relações dos organismos entre si e com
os seus arredores.(cf. Ricklefs, 1973: p.2).
10
SINGER, P. Ética prática. 3ª ed, São Paulo: Martins Fontes: 2002, p. 301.

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As missões evangélicas
em comunidades indígenas1

Helânia Thomazine Porto Veronez2


Resumo
O texto apresenta algumas considerações acerca da inserção de missionários evangélicos
em comunidades indígenas, no Brasil. Aborda ainda a participação da missão norte-americana
Summer Institute of Linguistics nas políticas indigenistas do Brasil, no século XX.
Palavras-chave: Comunidades indígenas – missões evangélicas – políticas públicas –
educação – religiosidade
The evangelical missions em Brazilian indigenous communities
Abstract
The text presents some considerations about the insertion of evangelical missionaries in
indigenous communities, in Brasil. It is also about the participation of the North American
mission Summer Institute of Linguistics in the indigenous politics of Brasil, in the 20 th century.
Key words: Indigenous communities – evangelical missions – public politics – education –
religiosity

O objetivo deste texto é apresentar algumas considerações acerca da inserção de


missionários evangélicos em aldeias indígenas no Brasil, pontuando avaliações feitas
por índios e antropólogos quanto às ações de missionários protestantes em
comunidades indígenas.

Sinalizaremos ao longo do trabalho as relações estabelecidas entre os Serviços de


Proteção aos Índios (SPI), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e as missões protestantes,
especificamente o SIL (Summer Institute of Linguistics) quanto às políticas indigenistas
no Brasil, no século XX.

1
Trabalho apresentado ao professor Dr. Lincoln Etchebéhère Júnior na disciplina Religião e
Educação no Brasil (1889-1988) do Curso de Mestrado Interdisciplinar Educação, Administração
e Comunicação da Universidade São Marcos/SP
2
Mestranda no Programa de Mestrado da Universidade São Marcos – São Paulo.

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As missões evangélicas em comunidades indígenas
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Os primeiros movimentos missionários direcionados aos indígenas no Brasil surgiram


na época dos missionários da Companhia de Jesus, em 1759. As investidas dos missionários
protestantes só começaram muitos séculos depois, especificamente com a chegada das
missões SAI (South America Indian Mission), em 1913 e depois da UFM/MEVA em 1931,
como também a Missão New Tribes e Wycliffe Bible Translators na década de quarenta e
cinqüenta respectivamente.

O primeiro culto evangélico em terras brasileiras deu-se em 10 de março de


1557, no Rio de Janeiro. Outra tentativa evangélica foi graças aos holandeses no
Nordeste, entre 1630 e 1654, até que foram expulsos pelos portugueses. Em 1925,
o batista Zacarias Campelo iniciou um trabalho junto aos grupos indígenas Xerentes
(atual estado do Tocantis) e mais a frente com os Krahô. Foi um trabalho pioneiro,
mas tímido, sem grandes influências no movimento missionário. É somente agora
que os batistas estão produzindo o Novo Testamento na língua indígena para os
Xerentes. Outra foi a Missão Evangélica Caiuá, que chegou ao Brasil em 1928 com
uma excelente proposta, mas sem grandes modificações no cenário geral das missões.
Nenhuma dessas investidas poderia caracterizar uma onda missionária, mas sim
ações isoladas sem grandes repercussões.

Conta-se que, certo dia, um senhor andava pelas montanhas da Guatemala distribuindo
folhetinhos. Ele era americano, mas sabia que a língua nacional da Guatemala era espanhol
sendo assim, carregava também folhetinhos em espanhol. O que ele desconhecia era
que aquele povo das montanhas falava uma outra língua bem diferente do inglês e do
espanhol, apesar de estarem no mesmo país. Nesse dia um índio da montanha perguntou
ao entregador de folhetinhos: “Ei, seu moço...se este seu Deus aí é tão bom, e me ama
tanto, porque é que ele nem ao menos fala a minha língua?”3

Depois dessa experiência, o Sr. William Cameron Towsend fundou a associação Wcfliffe
de Tradudores da Bíblia, e a Sociedade Internacional de Lingüística (SIL). Os discípulos
dessa associação eram enviados aos povos tribais de todo o mundo para aprender a
língua, reduzi-la na forma escrita e traduzir a Bíblia. Com esse intuito, eles logo se
tornaram os maiores especialistas do mundo em tradução de línguas indígenas.

Esse grupo chegou ao Brasil em 1956, estabelecendo-se no Rio de Janeiro. E à medida


que iam tomando conhecimento da geografia dos grupos indígenas distantes, foram
estabelecendo bases de apoio para o trabalho missionário em diferentes pontos do país.

3
JOCUM Ministério transcultural. www.Jocum.com.br

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As missões evangélicas em comunidades indígenas
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Essas missões e seus estudiosos de línguas, portadores do binômio4 “aniquilar culturas,


“salvar línguas” ocuparam principalmente a região Norte, Centro Oeste e Sul. Esses
missionários desenvolveram toda uma técnica de traduzir a fonologia de diferentes línguas
das mais distantes aldeias indígenas em grafemas, a fim de produzir bíblias, evangelhos
e material didático para alfabetização.

As igrejas evangélicas brasileiras naquele tempo não davam muito apoio às missões,
pois a maioria dos templos eram pequenos, espalhados pelos interiores do país. Com o
objetivo de evangelizar os povos do mundo, porque Jesus estava voltando, as missões
estrangeiras espalharam-se por todo o nosso território. Até a década de 70 não havia nenhuma
oposição dos Governantes quanto à atuação de missionários estrangeiros no Brasil.

Antropólogos insatisfeitos com a atuação dos missionários em comunidades indígenas


coagiram a Funai a fim de impedir que as ações, até então executadas, continuassem a
ser implementadas por estrangeiros. Pressionada, a Funai rompeu com o SIL e alguns
missionários estrangeiros foram retirados à força das aldeias onde trabalhavam.

A ligação entre Funai e SIL

O órgão responsável pela proteção aos índios (SPI) foi criado em 1910 e extinto em
1967, com a criação da FUNAI. Essa mudança trouxe modificações nas diretrizes para
educação escolar dos índios. A FUNAI elegeu, enquanto proposta educativa, o ensino
bilíngüe como forma de respeito às diversidades tribais. Em 1973, O Estatuto do Índio
propunha obrigatoriamente o ensino de línguas nativas nas escolas indígenas. Sendo
assim, a FUNAI resolveu investir em professores e membros das comunidades indígenas
para que assumissem as funções educativas em suas nações. Mas os educadores indígenas
não conseguiram com sucesso a alfabetização de seus irmãos, por desconhecerem
metodologias que contemplassem o estudo do bilingüismo e a estrutura da língua nacional.

A política da Funai estava fundamentada em Programas de Desenvolvimento


Comunitário (os DCs)5, respaldados pela Organização das Nações Unidas (ONU)6. E o

4
IPN e A causa indígena. Boletim Dominical. Evangelização e pesquisa. www. Ipn.org.br//
fipnindio.2000.
5
Esses programas foram criados no período pós-guerras pelos paises capitalistas desenvolvidos,
a fim de criar melhores condições de vida no Terceiro Mundo e deter o avanço do socialismo.
6
FERREIRA, M. K. L. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no Brasil,
Antropologia, História e Educação. São Paulo: Global, 2001, p.76.

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trabalho desenvolvido pelo SIL nas aldeias vinha ao encontro com os projetos políticos
da Funai, que desejava instituir uma política indigenista aceita internacionalmente7.

O Serviço de Proteção ao Índio (SPI) não havia conseguido elaborar e executar


programas educacionais bilíngües por falta de pessoal capacitado e por desconhecer
estratégias para lidar com a grande variedade lingüística existente no país. A Funai com
o desejo de resolver as dificuldades do órgão extinto, recorreu ao Summer Institute of
Linguistic (SIL) no Brasil, em 1959, com o objetivo de instaurar uma política indigenista
cientificamente fundamentada e que fosse bem vista pelos órgãos internacionais, tentando
garantir o que rezava o artigo 49 do Estatuto do Índio8. Sendo assim, o projeto educacional
bicultural do SIL foi o modelo implantado e adotado por muito tempo nas aldeias indígenas,
com o apoio incondicional da Funai.

Até a década de 70, o Estado por meio de sucessivos convênios firmados com o SIL,
repassou a ação governamental brasileira para essa instituição norte-americana, cujo
maior objetivo de suas ações era a convenção de povos indígenas ao protestantismo, por
meio da leitura de textos bíblicos traduzidos em língua indígena. Devido à polêmica em
torno da presença do SIl no Brasil e da denúncia de antropólogos quanto às ações dos
missionários em aldeias indígenas, alegando que esses estariam “interessados em nossas
pedras preciosas, em nossos conhecimentos, e tudo que é nosso...”9 o convênio foi rompido
em 1977, mas em 1983 o SIL conseguiu reativar a parceria com a Funai, com o objetivo
de manter atividades assistenciais de lingüística, educação, saúde e desenvolvimento
comunitário junto a aproximadamente 53 povos indígenas.10

O material educativo produzido pelo SIL é utilizado até os dias atuais, principalmente
nas escolas da Funai, mesmo em comunidades em que não houve atuação de missionários
do SIL. Segundo Ferreira11, “O SIL elaborou estudos lingüísticos e pedagógicos para os
povos Xavantes, Kayabi, Bakairi, Assurini, Karajá, Guajajara, Guarani, Kayapó, Nambiquara,

7
Atender à Convenção de Genebra, de 1957, que dispunha sobre a proteção e a integração
das populações indígenas e de outras populações tribais e semitribais de países independentes.
8
O artigo 49 do Estatuto do Índio estabelece: “A alfabetização dos índios far-se-á na língua do
grupo a que pertençam, e em português, salvaguardando o uso da primeira”.
9
JOCUM Ministério transcultural. www.Jocum.com.br. Missões
10
Op. cit. FERREIRA, M. K. L. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação
no Brasil, Antropologia, História e Educação. São Paulo: Global, 2001, p.83.
11
Ibidem, p.83.

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Munduruku, Parintintin, Saruí, Terena, Ribaktsa, Canela, Pareci, Bororo, Waurá, Urubu,
Arara e Waiãpi.”

Como podemos perceber, o SIL acabou assumindo a função de elaborador e executor


dos programas de educação bilíngüe e bicultural desenvolvidos em áreas indígenas,
apoiado e oficializado pela Funai. Associando estudos lingüísticos, práticas educacionais
e proselitismo.

Hoje, o SIL, rebatizado de Sociedade Internacional de Lingüística, tem o seu trabalho


voltado mais para o estudo sociolingüístico das línguas indígenas, apesar de continuar
recebendo críticas das instituições universitárias, que alegam que a base do trabalho
está na tradução da Bíblia além de estar sujeito à severa crítica de que os missionários
dessa instituição estariam nas aldeias interessados na exploração de minerais.

Quanto a esta questão especificamente, o ex-secretário do Meio Ambiente, o senhor


José Antonio Lutzenberger fez o seguinte comentário: “O que está por trás não são meia
dúzia de padres e pastores que vão levar o perigo da internacionalização...Então, não
sou a favor dos missionários e nunca disse que era... duvido que a maioria deles esteja
lá se fazendo de missionários para encontrar minério. Ora quem quer encontrar minério
acha até por satélite. Não precisa estar andando com Bíblia.”12 (grifo nosso)

Devido às críticas dirigidas à política de ensino da Funai junto ao SIL, hoje a Funai
desvinculou o discurso sobre educação indígena da atuação do SIL. Mas o que percebemos
é que os sucessivos convênios entre a Funai e as missões, permitindo que essas atuassem
nos campos educacionais, eximiu o Estado de investir na educação indígena, repassando
a ação governamental brasileira para a instituição norte-americana – SIL.

O crescimento das missões evangélicas

Os missionários evangélicos continuam suas ações pelo Brasil, principalmente na


área de saúde e da educação bilíngüe, utilizando traduções e confeccionando gramáticas
na língua. Os missionários da SIL já traduziram o Novo testamento para 13 diferentes
nações indígenas no Brasil, além da produção de textos da cultura indígena. Cada tradução
leva em média 25 anos.

12
GOMES, N. S. A Sil e os estudos das línguas indígenas brasileiras. Anais do Congresso Nacional
de Lingüística e Filologia, CIFEFIL/UERJ, 1998.

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Como podemos perceber a onda missionária no Brasil em comunidades indígenas foi


lentamente se construindo, a partir de uma série de investimentos de missões norte-
americanas no Brasil, conforme dados apresentados por Nataniel dos Santos Gomes13:

• Início de cursos específicos para campo indígena oferecido por New Tribes (1956)
e SIL (1959, com dados oficiais a partir de 1973);

• Com a entrada de brasileiros no rol de membros das missões estrangeiras, elas


criaram razões sociais nacionais. Passaram a ter a denominação de: Missão Novas
Tribos do Brasil (1949);

• Missão Evangélica da Amazônia (MEVA) e Missão Cristã Neil Hawkins, fundador da


MEVA, iniciando curso de missões no Instituto Bíblico Palavra da Vida (São Paulo);

• Fundação de missões brasileiras, como a Missão Evangélica dos Índios do Brasil


(MEIB); Associação Lingüística Evangélica Missionária (ALEM) (1982);

• Juntas denominacionais e JOCUM (Jovens com uma missão) iniciando trabalho


indígena.

A primeira instituição voltada especificamente para a formação de líderes indígenas


evangélicas deu-se com adaptação, em 1980, do Instituto Bíblico Cades Barnéa, sob a
direção da antiga South America Indian Mission, agora grafada sem a palavra indian.
Tem essa instituição o índio Terena Jair de Oliveira como diretor. E a primeira missão com
indígenas especificamente compondo o quadro de membros da igreja é a União das
Igrejas Evangélicas da América do Sul (UNIEDAS).

Em 1990, surgiu a Organização da Missão da Tribo Tikuna do Alto Solimões


(OMITTAS). O cacique da tribo Tikuna a fim de conhecer mais os aspectos lingüístico-
antropológicos, fez um curso de lingüística e missiologia, em 1991, na ALEM, em Brasília.
Temos também o COMPLEI – Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos
Indígenas, órgão responsável pelos interesses comuns de índios evangélicos. O COMPLEI
tem como objetivos:

Avaliar, emitir pareceres e formular orientações sobre atividades missionárias em


áreas indígenas, promovendo conciliação nas questões de impasse entre
organizações missionárias e os poderes públicos;

13
Ibidem

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Promover a conscientização da igreja evangélica brasileira sobre seu papel na


evangelização e na ação social aos povos indígenas do país, bem como sobre seu
dever de assumir um maior engajamento na defesa dos interesses indígenas,
sempre que estes se encontrem ameaçados;

Promover reflexão sobre uma teologia de missões adaptada à realidade indígena;

Programar cursos de treinamento de obreiros indígenas para evangelização


indígena, em evangelização transcultural, isolamento ou em convênios com
outras entidades. 14

Muitos estudiosos, em nome do indigenismo e no afã de defender o direito dos índios


e de manter a crença, a cultura e o habitat consideram uma agressão a chegada de
informações vindas de sociedade branca alegando que os índios seriam corrompidos por
ideologias menos dignas que os saberes culturais indígenas preservados ao longo dos
tempos. Outra corrente considera que privar o índio de qualquer informação é militar
contra os seus direitos. E que só os grupos indígenas poderão opinar sobre a presença ou
não de não-índios. Quanto a essas opiniões temos os seguintes depoimentos:

(1) A permanência de missionários evangélicos em áreas indígenas tem ajudado a manter


à distância pessoas que gostariam de tirar a terra das comunidades indígenas.15

(2) Será que não temos o direito de receber o evangelho na nossa própria cultura?
Somos tão diferentes assim? Será que não nascemos, vivemos e morremos
também? Do ponto de vista de Deus, somos todos iguais, merecedores da mesma
forma da sua graça. Conhecer Jesus não é somente privilégio do homem branco:
é do índio também. Mais de 50% das tribos nunca ouviram falar de Jesus Cristo.
Há lágrimas nos meus olhos e dor no meu coração em saber que muitos parentes
meus estão morrendo sem nunca ouvir de Jesus, aquele que dá valor à vida16.

(3) ... é fazer a gente esquecer o que a gente tem. Querem que a gente viva como
eles, como os brancos vivem...Porque os missionários destruíram a cultura dos
Kayabi que vivem no rio dos Peixes. Lá os índios só vivem atrás da comida do

14
AZEVEDO. A.C.W.C. Você sabe o que é o COMPLEI, IPN e A causa indígena. Boletim Dominical,
1.10.2000 www. Ipn.org.br//fipnindio.2000.
15
Op. cit. GOMES, N. S. A Sil e os estudos das línguas indígenas brasileiras. Anais do Congresso
Nacional de Lingüística e Filologia, CIFEFIL/UERJ, 1998.
16
Carta do pastor indígena Henrique Dias Terena, publicado no Boletim Dominical de 27.08.2000.
IPN e a causa indígena. www.ipn.org.br.

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branco. Lá eles não cantam mais a festa da gente. Hoje a gente não quer que
esses missionários venham aqui. 17

(4) A escola dos missionários do MNTB (Missão Novas Tribos do Brasil), um dos
mecanismos usados para legitimar sua presença nas áreas, conquistando a confiança
dos grupos, dominando-lhes a língua e devolvendo-lhes escrita, com o objetivo de
‘salvar-lhes as almas’. A língua do grupo escrita é , pois, oferecida em escambo aos
próprios falantes, como símbolo do poder/saber dos missionários que, em troca,
pedem-lhes o abandono de suas crenças e a adoção da religião evangélica.18

O que percebemos é que enquanto estudiosos, principalmente antropólogos, e alguns


grupos indígenas vêm buscando cada vez mais a não permanência e influência de
missionários evangélicos em aldeias indígenas brasileiras, a igreja evangélica indígena
vai ganhando força e adeptos, tendo como aliados pastores e missionários indígenas que
têm como propósito, estender a glória de Deus aos povos19.

Referências bibliográficas

AZEVEDO. A.C.W.C. Você sabe o que é o COMPLEI, IPN e A causa indígena. Boletim
Dominical., 1.10.2000. Disponível em <http:// www. Ipn.org.br/ fipnindio.2000>. Acesso
em 10 out. 2004.

FERREIRA, M. K. L. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no


Brasil, 2ª ed. Antropologia, História e Educação. São Paulo: Global, 2001.

GOMES, N. S. A Sil e os estudos das línguas indígenas brasileiras. Anais do Congresso


Nacional de Lingüística e Filologia, CIFEFIL/UERJ, 1998.

IPN e a causa indígena. Boletim Dominical. Evangelização e pesquisa. Disponível em


<http:// www. Ipn.org.br/ fipnindio.2000>. acesso em 10 out. 2004.

JOCUM Ministério transcultural. Disponível em: <http:// www.Jocum.com.br.Missoes>.


Acesso em 10 out.2004

17
Avaliação do líder de uma aldeia Kayabi, em 1990, ao trabalho de missionários, apud FERREIRA,
M. K. L. A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no Brasil, Antropologia,
História e Educação. São Paulo: Global, 2001, p.83.
18
Avaliação de Monte, apud, FERREIRA, M. K. L. A educação escolar indígena: um diagnóstico
crítico da situação no Brasil, Antropologia, História e Educação. São Paulo: Global, 2001, p.85.
19
JOCUM Ministério transcultural. www.Jocum.com.br. Missões

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A reforma Francisco Campos, a Escola Nova


e a Educação Matemática no Brasil

Paulo Sérgio Pereira da Silva* / Paulo Sérgio Marchelli**

Resumo
Esse trabalho estuda o contexto sociológico e político da reforma na educação brasileira
ocorrida na década de 1930. Naquela época, organizou-se no Brasil um movimento de
intelectuais denominado Escola Nova, que colocou as teorias de Jean Piaget e de John Dewey
no centro das novas idéias educacionais. A Reforma Francisco Campos procurou reorganizar
o ensino médio brasileiro segundo as novas idéias. O trabalho analisa principalmente as
mudanças na educação matemática ocasionadas pelo uso do método heurístico e das técnicas
de resolução de problemas. Discute-se como a divisão tradicional do currículo em aritmética,
álgebra e geometria foi questionada para dar lugar às idéias oriundas da lógica e da análise.
Conclui-se que as mudanças implementadas naquela época constituíram-se nos fundamentos
da educação matemática até os dias de hoje.
Palavras-chave: políticas educacionais no Brasil, história da educação matemática, métodos
de ensino, Jean Piaget, John Dewey.
Abstract
This work studies the sociological and political context of the reform in the Brazilian education
occurred in the decade of 1930. At that time, a movement of intellectuals called Escola Nova
was organized in Brazil, placing the theories of Jean Piaget and John Dewey in the center of
the new educational ideas. The Reformation Francisco Campos looked for to reorganize
Brazilian average education in accordance with the new ideas. The paper analyzes the changes
in the mathematical education caused by the use of the heuristical method and the techniques
of resolution of problems. It is argued that the traditional division of the curriculum in
arithmetic, algebra and geometry was questioned to give place to the ideas deriving of the

* Mestre pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Comunicação e


Administração da Universidade São Marcos.
** Professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Comunicação e
Administração da Universidade São Marcos.

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logic and the analysis. The conclusion is that the changes then implemented have been
making the beddings of the mathematical education.
Keywords: educational politics in Brazil, history of the mathematical education, educational
methods, Jean Piaget, John Dewey.

O ensino da matemática no Brasil sempre sofreu a influência dos acontecimentos


produzidos em outros países, geralmente com o retardo de alguns decênios, mas
mantendo constantemente a capacidade de se adequar em termos das novas
metodologias e planejamentos curriculares. 1 Dessa forma foi que, em 1930, surgiram
as concepções introduzidas pela Reforma Francisco Campos, organizando o ensino
secundário e superior sob a influência dos grandes movimentos educacionais
internacionais do pós-guerra de 1914-1918.

Talvez não haja área em que a dependência científica e cultural brasileira tenha sido
tão forte quanto na educação matemática. Os brasileiros nem podem, nesse domínio, ser
criticados por copiar o que acontece lá fora, mesmo que a dependência viole, de alguma
forma, os seus sentimentos de autonomia. É claro que nenhum país pode viver fechado
dentro de si mesmo no campo científico, mas em vez de incorporar aspectos de outras
culturas à nossa, o que fazemos geralmente é submeter nossa cultura às outras. Servir
aos interesses dos outros sem atender aos interesses próprios é uma questão
extremamente delicada, pois não há dúvida que mesmo em se tratando de conhecimento
abstrato e simbólico, a matemática comporta no que tange ao seu ensino pressupostos
que implicam concepções que são, em última hipótese, sociológicas e políticas.

O contexto sociológico e político do surgimento da Reforma

Em 1922, ocorreu a Semana da Arte Moderna em São Paulo e, em 1931, a estátua do


Cristo Redentor no Rio de Janeiro estabeleceu o marco estético da entrada do Brasil na
modernidade industrial. Em 3 de novembro de 1930, Getúlio Vargas assumiu o poder e
organizou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, fazendo o país fincar seus
alicerces nos novos moldes do capitalismo internacional. A Revolução de 30 marca, dessa
forma, a entrada do Brasil no mundo capitalista. A nova realidade brasileira passou a
exigir uma mão-de-obra especializada e para tal era preciso investir na educação. Sendo

1
GARCIA, Walter E. Inovação educacional no Brasil: problemas e perspectivas. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1980, p. 195.

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assim, o novo governo cria o Ministério da Educação e Saúde Pública e sanciona, em


1931, os decretos que definiram a Reforma Francisco Campos, organizando o ensino
secundário e criando as universidades brasileiras.

A Reforma Francisco Campos foi produzida no âmbito de um grande clamor mundial


por novos métodos de ensino. Em 1932, um grupo de intelectuais publicou o chamado
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, escrito por Fernando de Azevedo e assinado
por Hermes Lima, Carneiro Leão, Afrânio Peixoto e Anísio Teixeira. O Manifesto representou
um divisor de águas entre educadores progressistas e conservadores.

Como avanço político, em 1932 surge o voto feminino e, no campo da cultura, é realizado
no Rio de Janeiro o primeiro concurso de escolas de samba. A fundação da Universidade de
São Paulo dá-se em 1934, marcando a inserção do Brasil no âmbito das tendências
internacionais do ensino superior pela adoção do modelo europeu. A produção intelectual
e artística nesse período forneceu as obras que definiram a identidade do povo brasileiro,
como a Evolução política do Brasil, livro de Caio Prado Júnior, Casa grande e senzala, livro
de Gilberto Freyre, As Pastorinhas, marcha carnavalesca de Noel Rosa, O que é que a
baiana tem?, samba de Dorival Caymmi e Limite, filme de Mário Peixoto. Carmem Miranda
foi produzida pela grande indústria cultural cinematográfica norte-americana como uma
representação caricata de nossa cultura. No cenário internacional, os anos 1930 assistiram
à ascensão dos nazistas e fascistas ao poder respectivamente na Alemanha e na Itália, ao
regime do General Franco na Espanha e de Salazar em Portugal, mostrando como os
regimes ditatoriais estavam em evolução no velho mundo.

Desde a década dos anos 1920, várias reformas do ensino primário vinham sendo
produzidas pelos Estados brasileiros, decorrentes da adequação da educação aos
clamores de uma sociedade em pleno devir urbano-industrial. Após a Primeira Guerra,
com a industrialização, os estratos sociais pequenos burgueses emergentes passaram
a exigir o acesso à educação. No entanto, tomando emprestados os valores
da oligarquia, os novos segmentos da elite social visavam a uma educação
preponderantemente acadêmica, desprezando a formação técnica, considerada inferior.
Mas o operariado em formação, reconhecendo a importância da escolarização, começou
a exercer pressão para a expansão da oferta de ensino. Interessada em formar mão-
de-obra para tocar a indústria nascente, as elites forneceram aos segmentos populares
uma educação voltada para a prática, dentro da qual os ecos produzidos pelos países
já industrializados surtiram grande efeito, fornecendo os fundamentos conceituais
para o Movimento da Escola Nova.

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Os conflitos provocados pelas forças sociais em formação durante o processo de


industrialização produziram uma efervescência na educação nunca antes vista no Brasil.
Os analistas consideram como características típicas dos anos 20 o “entusiasmo pela
educação” e o “otimismo pedagógico”, de onde surgiram intelectuais e educadores
profissionalmente devotados aos debates, planos e reformas para recuperar o atraso
brasileiro neste campo.

Em 1924, foi fundada a Associação Brasileira de Educação (ABE), que realizou diversas
conferências nacionais, abrindo um espaço dentro do qual eram debatidas políticas para
que mudanças significativas pudessem surgir e melhorar a sociedade brasileira. Os
educadores reunidos na ABE apregoaram a necessidade de articulação de uma política
nacional de educação, saindo em busca de modelos já experimentados e que deram
certo em outros países. Dessa forma é que o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova
surgiu em 1932 conclamando a elaboração de um amplo programa político destinado a
reorganizar a educação brasileira.

De 1931 até 1937, foram intensos os debates em que os defensores das novas idéias
se confrontavam com os tradicionalistas católicos. As Constituições de 34 e 37 refletem
a influência destas duas tendências, mas é indiscutível o atendimento de muitas das
reivindicações dos educadores imbuídos das concepções inovadoras. Com a instalação
do Estado Novo em 1937, o debate foi interrompido e seus interlocutores calaram-se
para dar lugar à “neutralidade pedagógica” subsidiada tecnicamente pelo regime ditatorial
de Getúlio Vargas.

A partir de 1945, derrubado o Estado Novo, o debate sobre a educação é revigorado,


levando, na década de 50, à elaboração da Lei de Diretrizes e Bases. No novo debate
ficou evidente a predominância do pensamento renovador sobre as variantes
tradicionais.

Os fundamentos teóricos da Escola Nova

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova pretendia reproduzir no Brasil as


experiências pedagógicas que estavam sendo aplicadas na Europa e nos Estados Unidos,
que viviam em pleno regime de universalização da educação fundamental. A expansão
do sistema de ensino fundamental nos países desenvolvidos criou a demanda por
novos conhecimentos sobre a psicologia da criança, fundando pedagogias que
propagavam substituir a “metodologia do castigo” do professor da escola tradicional

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pelos chamados “métodos ativos”. 2 Nesses, “a inteligência é um dos dados essenciais


em que se baseia a educação”. 3

A criança funciona mentalmente segundo certos estágios de desenvolvimento, num contínuo


processo de crescimento ativo e social. Seu comportamento em sala de aula, sua atitude em
relação ao professor, sua disponibilidade e motivação para os deveres escolares dependem
da maneira pela qual ela vive seu próprio desenvolvimento. Nestas condições, a falta de
sensibilidade dos educadores em relação ao amadurecimento afetivo de cada criança está
na raiz de muitos conflitos, bloqueios, frustrações e fenômenos de dependência que interferem
constantemente com a prática escolar.4

Imaginação, criatividade e espírito de iniciativa eram palavras de ordem sistematicamente


pronunciadas pela Escola Nova, propondo que “a educação já não consistia mais somente
em ensinar o que os outros fizeram, mas devia ensinar a fazer o que os outros não fizeram”.5
A educação deveria criar na criança o melhor comportamento para satisfazer suas curiosidades
intelectuais: saber, explorar, observar, trabalhar, jogar e viver. A aprendizagem se dá pela
experiência e o aprender se faz brincando, passando por estágios que são condições essenciais
do desenvolvimento. “Não há, contudo, entre o jogo e o trabalho a oposição radical que a
pedagogia tradicional supõe”.6 Algumas crianças possuem aptidões intelectuais, outras,
manuais, e cabe à escola habituar-se e preparar-se para essas diferenças, oferecendo-lhes
as melhores condições de aprendizagem.

Os pressupostos da Escola Nova decorreram fundamentalmente da teoria de Jean


Piaget, cujos trabalhos voltados para a investigação da lógica e do pensamento infantis
estavam repercutindo profundamente na educação que se praticava em vários países do
mundo. Antes dos trabalhos de Piaget os educadores não dispunham de estudos sobre a
psicologia da criança capazes de fazê-los compreender e controlar os conflitos e tensões
que nascem das relações entre os alunos, o que os levava a adotar quase sempre uma
postura autoritária e burocrática. Os adeptos da nova educação, no entanto, deveriam
valorizar as atividades em conjunto dentro da sala de aula, objetivando fazer com que os

2
Ibid., p. 196.
3
GILBERT, Roger. As idéias atuais em pedagogia. São Paulo: Martins Fontes, 1976, p. 12.
4
HARPER, Babette et alli. Cuidado escola! 24 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 23.
5
GILBERT, op. cit., p. 14.
6
ARROYO, F. História geral da pedagogia. Tradução de Luiz Aparecido Caruso. São Paulo:
Mestre Jou, 1974, p. 35.

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alunos se relacionassem em grupos solidários e conscientes. Sendo assim, o enfoque da


pedagogia se voltou para o processo de formação da vida social da criança, estimulando-
a a aprender a partir de sua experiência de vida e de trabalhos coletivos.

Os estudos de Piaget sobre a linguagem, pensamento, juízo e raciocínio da criança


forneceram fundamentos para que as novas didáticas explorassem a idéia de aprender a
partir do erro, tendo por princípio que “todo conhecimento é construído através de um
processo contínuo de fazer e refazer”.7 Os erros das crianças durante o processo de
aprendizagem eram considerados como anômalos pela pedagogia tradicional. Mas Piaget
propôs que a criança em seu desenvolvimento vê o mundo segundo uma lógica própria,
em que as dimensões formais do pensamento do adulto ainda não estão presentes.

As crianças não são adultos em miniatura e têm seus próprios caminhos, de forma que
o desenvolvimento mental infantil progride através de estágios definidos numa seqüência
fixa. “Embora os estágios do desenvolvimento mental ocorram numa ordem fixa, crianças
diferentes passam de um estágio para outro em idades diferentes”.8 O desenvolvimento
mental é influenciado por quatro fatores inter-relacionados: maturação física, principalmente
do sistema nervoso central; manipulação de objetos concretos com os respectivos processos
de pensamento envolvidos; interação social por meio do jogo, conversa e trabalho com
outras pessoas, especialmente outras crianças; equilibração das estruturas cognitivas.

O mais importante inspirador das idéias sistematizadas no Brasil em termos do


movimento da Escola Nova foi John Dewey, autor norte-americano que, tendo como
ponto de partida as idéias de Piaget, é considerado por muitos o mais importante pensador
da educação que seu país já teve. O princípio básico estabelecido por Dewey é que a
educação deve realizar-se de forma a se aproximar o máximo possível da própria vida do
aluno. Quanto mais a atividade escolar se integra com as vivências diárias do aluno,
dizia Dewey, tanto melhor para a sociedade poder realizar o ideal da democracia, da qual
a América na sua época tanto se gabava.

Dewey professava com veemência o liberalismo pragmático, para o qual o critério de


verdade de uma idéia é a sua utilidade. Ele foi o grande filósofo do estudo das relações
entre a educação e a sociedade, enunciando a consagrada fórmula da pedagogia: o
aprender fazendo é o centro da unidade de instrução e trabalho.

7
REVISTA NOVA ESCOLA. São Paulo: Abril, ano VII, no 61, abril de 1993, p. 8.
8
CHARLES, C. M. Piaget ao alcance dos professores. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico e Científico,
1975, p. 1.

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A resolução de problemas e o ensino da aritmética

Na Escola Nova, os programas de ensino deveriam ser feitos, em boa parte,


ocasionalmente, invertendo a posição da escola tradicional que os construía artificialmente
e se esforçava para que a criança se adaptasse a ele.9 O direcionamento da aprendizagem
e a sistematização das atividades, objetivos típicos do programa tradicional, eram agora
substituídos por temas que deveriam ser discutidos com os alunos como ponto de partida.
A discussão deveria provocar a curiosidade da criança, fixando os objetos de estudo e
permitindo que ela escolhesse o material que melhor a motivasse. Havia uma ampla
liberdade de escolher as tarefas, que não eram impostas como obrigações. O professor
deveria assumir o papel de incentivador e não cabia dirigir o trabalho escolar sem antes
motivar suficientemente o aluno. No campo da educação matemática, a Escola Nova
enfatizou especificamente a resolução de problemas e o ensino de aritmética, por serem
considerados as mais úteis das aprendizagens escolares.

Um princípio básico da educação matemática à época da Escola Nova era que “a


criança não aprende a pensar senão pensando; não aprende a resolver problemas senão
os resolvendo”.10 A resolução de problemas é assim um instrumento didático extremamente
valorizado pelas qualidades práticas de que é revestido. Serve para melhorar o pensamento
reflexivo do aluno, “sua iniciativa e sua capacidade de auto-organizar o processo de
aprendizagem”.11 Verificou-se que resolver problemas evoca profundas indagações nas
crianças e faz com que ela se sinta responsável pelo resultado, bom ou não, do trabalho
que leva a cabo. O principal efeito cognitivo está associado, segundo os preceitos adotados
pela Escola Nova, ao desenvolvimento da memória lógica, produzindo “a associação de
coisas, fatos e idéias e a recordação desses dados quando relacionados a alguma coisa
que nos interessa”.12

O problema deve sempre ser colocado a partir de uma necessidade real, situação
nova ou dúvida encontrada pelos próprios alunos, assegurando com isso a motivação
para a aprendizagem. Um aspecto pedagógico importante dos métodos implicados pela
estratégia de resolução de problemas é o respeito e o estímulo à liberdade e à capacidade

9
COUSINET, R. A educação nova. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959, p. 96.
10
THORNDIKE, E. L. Elementary principles of education. Nova York: The Macmillian Co.,
1929, p. 167.
11
FREEMAN, G. E. Modern elementary school pratice. Nova York: The Macmillian Co., 1926, p. 126.
12
Ibid., p. 157.

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criadora. O professor não procura fazer o que os alunos podem fazer por si mesmos, mas
exerce uma atividade de cooperação em suas tarefas, dando-lhes por meio de instruções
e aconselhamentos ampla liberdade de expressão. Muitos chegam a considerar a resolução
de problemas como a principal razão para se ensinar matemática, porque é através dela
que a criança se inicia no modo de pensar e nas aplicações dessa disciplina.

Outro aspecto importante da didática do ensino da matemática diz respeito à forma


como a aprendizagem da aritmética foi compreendida. A característica fundamental da
aritmética escolar passou a ser o estudo dos números e das operações com base na
formação do processo mental com o qual os cálculos são realizados. Procurava-se evitar
o emprego exagerado da abstração e da linguagem oral do método tradicional, tornando
o processo de calcular mais ativo. Os conteúdos da aritmética na escola elementar
passaram a ser os seguintes:

1o) a significação dos números; 2 o) a natureza de nosso sistema de numeração decimal; 3 o)


a significação das operações de somar, subtrair, multiplicar e dividir; 4o) a natureza e as
relações de certas medidas comuns; 5 o) a capacidade para somar, subtrair, multiplicar e
dividir inteiros, frações ordinárias e decimais; 6o) a capacidade para aplicar à resolução de
problemas o conhecimento a que se referem os itens 1o e 5o; 7o) certas capacidades específicas
para resolver problemas relacionados com o cálculo de porcentagem, com os juros e outros
aspectos da vida econômica. 13

Uma didática adequada aplicada a esses conteúdos levaria a criança a aprender por
si mesma, cabendo ao professor estimular, dirigir e, quando necessário, auxiliar os alunos.

A nova didática e o currículo

Por meio da Reforma Francisco Campos ficaram definitivamente estabelecidos na


educação secundária brasileira, “[...] o currículo seriado, a freqüência obrigatória, dois
ciclos, um fundamental e outro complementar, e a exigência de habilitação neles para o
ingresso no ensino superior”.14 Para o ensino da matemática houve a junção das antigas
disciplinas de aritmética, álgebra e geometria em apenas uma. A concepção das novas

13
DEWEY, John. Los fines, las materias y los métodos de la educación. vol. IV. Madri: D. Appleton
& Co., 1927, p. 17.
14
ROMANELLI, Otaíza de O. História da educação no Brasil – 1930/1973. Petrópolis: Vozes,
1990, p. 135.

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diretrizes metodológicas partiu da Congregação do Colégio Pedro II, capitaneada por


Euclides Roxo, que se tornou o mais importante idealizador e escritor das mudanças para
o ensino da matemática.15

A Reforma Francisco Campos procurou estruturar nacionalmente o ensino em todas as


escolas secundárias brasileiras, sendo seu propósito imprimir uma faceta educativa que
estivesse além do caráter propedêutico até então observado. Para que essa finalidade pudesse
ser alcançada, foi introduzida a idéia de que a qualidade da educação não se mede pelo
volume das noções e dos conceitos. Esses, pelo contrário, quando incutidos pelos processos
usuais do ensino, constituem falsas aquisições, pelas quais os seus possuidores, no sistema
de trocas que funciona na vida real, não obterão valores autênticos e úteis.

A verdadeira educação concentra o seu interesse antes sobre os processos de aquisição do


que sobre o objeto que eles têm em vista, e a sua preferência tende, não para a transmissão
de soluções já feitas, acabadas e formuladas, mas para as direções do espírito, procurando
criar, com os elementos constitutivos do problema ou da situação de fato, a oportunidade e
o interesse pelo inquérito, a investigação e o trabalho pessoal em vista da solução própria e
adequada e, se possível, individual e nova. 16

O objetivo do ensino da matemática deixaria de ser apenas o desenvolvimento do


raciocínio, obtido através do trabalho com a lógica dedutiva, passando a incluir, também, o
envolvimento de outras faculdades intelectuais, que estariam diretamente ligadas à utilidade
e aplicações. O ensino de Matemática tem por fim desenvolver a cultura espiritual do aluno
pelo conhecimento dos processos matemáticos, habilitando-o, ao mesmo tempo, à concisão
e ao rigor do raciocínio pela exposição clara do pensamento em linguagem precisa.

Além disso, para atender ao interesse imediato da sua utilidade e ao valor educativo dos
seus métodos, [o ensino da matemática] procurará, não só despertar no aluno a capacidade
de resolver e agir, com presteza e atenção, como ainda favorecer-lhe o desenvolvimento da
faculdade de compreensão e das relações quantitativas e espaciais, necessárias às aplicações
nos diversos domínios da vida prática e à interpretação exata e profunda do mundo objetivo. 17

15
ROCHA, J. L. A matemática do curso secundário na Reforma Francisco Campos. 2001,
Dissertação de Mestrado em Matemática. Departamento de Matemática. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, p. 28.
16
BICUDO, J. C. O ensino secundário no Brasil e sua atual legislação (de 1931 a 1941 inclusive).
São Paulo, 1942, p. 139.
17
Ibid., p. 156.

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As idéias da Reforma levaram os autores dos livros didáticos de matemática a


fundamentarem suas obras no princípio da invenção e da descoberta preconizado pelo
método heurístico, orientando o trabalho dos alunos para a investigação dos fatos
suscitados pelos problemas que eles eram motivados a resolver. O uso do método heurístico
contribuiria para que o aluno pudesse ser um descobridor e não apenas um receptor
passivo de conhecimentos. Além disso, esse método facilitava a idéia de “renunciar
completamente à prática de memorização sem raciocínio, ao enunciado abusivo de
definições e regras e ao estilo sistemático das demonstrações já feitas”.18 A adoção de
uma visão moderna dos conteúdos matemáticos sugeria a eliminação de assuntos de
interesse puramente formalístico, bem como de processos de cálculos desprovidos de
fins didáticos. Foi introduzido no ensino o conceito de função e as noções do cálculo
infinitesimal, juntamente com a proposta de descompartimentalizar as várias áreas da
matemática e enfatizar a importância de suas aplicações.

A matemática é um conjunto harmônico cujas partes estão em viva e íntima correlação,


destacando-se três pontos de vista – aritmético, algébrico e geométrico – de forma que
se deve eliminar possíveis barreiras que impeçam o estudante de perceber conexões e
estabelecer correlações entre diferentes modalidades de pensamento. A idéia central do
conceito de função era apresentada intuitivamente e desenvolvida nas séries sucessivas
de modo gradativo, tanto sob a forma geométrica como sob a analítica. Como um ponto
natural do desenvolvimento do conceito de função, foram incluídas desde a 5ª série as
noções fundamentais e iniciais do cálculo das derivadas, tendo-se em vista a sua aplicação
aos problemas elementares da mecânica e da física. Com o intuito de aumentar o interesse
do aluno, os cursos de matemática deveriam ser entremeados de ligeiras alusões a
problemas clássicos, fatos históricos e situações curiosas, bem como à biografia dos
grandes cultos desta ciência. Foi apresentada uma listagem dos conceitos a serem
trabalhados em cada série, percebendo-se claramente a tentativa de articulação entre os
vários campos, o que deveria acontecer de maneira gradativa.

Euclides Roxo, em suas orientações da Reforma Francisco Campos, deixou explícito


que o conteúdo da disciplina de matemática deveria ser ensinado de acordo com a
maturidade do aluno, tendo como ponto de partida a intuição e agregando aos poucos os
elementos da lógica. Ao utilizar o método heurístico, o professor poderia conduzir a
atividade de maneira que o aluno conseguisse descobrir sozinho as verdades matemáticas,

18
Ibid., p. 157.

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evitando se tornar um receptor passivo de conhecimentos. A resolução de problemas


visava a orientar a demonstração de teoremas e o desenvolvimento do raciocínio lógico,
de forma que o conhecimento intuitivo pudesse atingir subseqüentemente a matemática
formal e dedutiva.

Ensinar heuristicamente não é sinônimo de nada ensinar. Na verdade, dizer explicitamente a


solução completa é falsear o espírito do método. O aluno deve ser ajudado de acordo com as
circunstâncias por perguntas, sugestões, ou ainda esboçando-lhe uma linha de ataque ou
iniciando a resolução. Convém, entretanto, que o aluno seja inteirado do objetivo alvejado,
para melhor cooperar com o mestre, ao invés de supor, como poderia parecer, que este
procede daquele modo por incivilidade ou preguiça. 19

Dessa forma, o método heurístico não está apoiado nas deduções que têm como ponto
de partida os axiomas e as demonstrações de teoremas, mas sim na intuição do aluno, que
privilegia o ponto de vista psicológico. Ao trabalhar com a intuição, lida-se com a matemática
como ciência viva; o mesmo não acontecendo com o método dedutivo, que ao abordar os
teoremas e axiomas como ponto de partida, está-se afirmando, mesmo que subliminarmente,
que a matemática é uma ciência pronta. Segundo Roxo deve-se deixar que o aluno tente, a
seu modo, resolver os problemas que lhe são propostos, para depois moldar seu pensamento
de maneira que ele se torne mais formal. Não é a apresentação brusca do pensamento
lógico-formal que educa a inteligência, mas sim o desenvolvimento progressivo da sua
capacidade de abstrair e fazer deduções de forma natural.

Considerações finais

A Reforma Francisco Campos e a Escola Nova foram os marcos introdutórios do Brasil


na modernidade das concepções e métodos de ensino em voga nos países mais avançados.
A educação matemática teve um lugar previlegiado no contexto das novas idéias,
decorrendo das perspectivas utilitárias de sua aplicação à indústria, ao comércio e à
ciência de um modo geral. Como conseqüência, os pressupostos do ensino dessa disciplina
introduziram no país idéias que até hoje influenciam profundamente os professores,
subsidiando sua prática e alimentando sua reflexão teórica sobre a educação.

19
ROXO, E. A matemática na educação secundária. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1937, p. 70.

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A reforma Francisco Campos, a Escola Nova
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Paulo Sérgio Pereira da Silva / Paulo Sérgio Marchelli

Referências bibliográficas

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Científico, 1975.

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A função artístico-social educacional


do Parque do Ibirapuera

Janice Penna Eder

Anna Barros – orientadora

Resumo
A FUNÇÃO ARTÍSTICO-SOCIAL EDUCACIONAL DO PARQUE DO IBIRAPUERA é o resultado de
uma pesquisa inédita sobre o conjunto cultural do Parque do Ibirapuera: Bienal, Oca, MAM e
Jardim das Esculturas, em função de seu papel sócio-cultural e histórico, sob o ponto de
vista do cidadão e de sua educação em arte. O espaço estudado, pelos eventos que aí se
desenrolam, tem uma função interdisciplinar, sendo o lugar ideal para o redimensionamento
do indivíduo, auxiliado pela arte. Considera o papel que a visita monitorada a essas exposições
tem exercido sobre a formação de conhecimento e de sensibilidade perceptiva nos seus
visitantes, principalmente criando novas oportunidades para pessoas de nível social menos
favorecido, gerando, assim, cidadãos mais responsáveis. Para tanto, o papel de monitores
treinados têm facilitado a comunicação entre obra e público.
Abstract
THE ARTISTIC-SOCIAL EDUCATIONAL FUNCTION OF THE IBIRAPUERA PARK is the result of
an unprecedent research on the cultural ensemble in the Ibirapuera Park (São Paulo, Brazil):
the Bienal, the OCA, the MAM (Museum of Modern Art) and its Sculpture Garden, considering
its social, cultural and historical role from the viewpoint of the citizens and their education in
art. Those spaces, dedicated for cultural events hold an interdisciplinary purpose and are
the ideal place for the reassessment of the human dimension through art.

A história do Parque do Ibirapuera iniciou-se muito antes dele ter sido dado como
presente ao povo de São Paulo, por ocasião do IV Centenário da cidade, em 1954.

A região do Ibirapuera era uma aldeia indígena que deu origem ao nome (YBI-CA-OUÊRA)
– significando em Tupi “pau podre”, “árvore velha extinta” – e sofreu uma variação ortográfica,
até chegar ao nome atual.

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A função artístico-social educacional do Parque do Ibirapuera
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O local abrangia uma vasta área de terras que iam além do bairro de Santo Amaro.
A área, em 1906, foi transferida para o Município de São Paulo, depois de longa disputa
judicial, que durou decênios.

No ano de 1951, criou-se uma comissão, presidida pelo Sr. Francisco Matarazzo
Sobrinho, com a finalidade de dar existência a um parque nessa região, tendo sido o
projeto urbanístico elaborado por um grupo de arquitetos: Oscar Niemeyer, Zenon Lotufo,
Eduardo Kneese de Mello e Helio Uchoa.

O conjunto arquitetônico compunha-se do Palácio das Nações, do Palácio dos Estados,


do Palácio das Indústrias (um dos maiores do gênero no mundo, com 40 mil m² de área
bruta). Sua marquise – elemento central dentro da composição arquitetônica –,
proporcionava-lhe equilíbrio, dando unidade a seus diversos edifícios. Todo esse conjunto
foi concebido com um caráter de permanência e longevidade, abrigando funções culturais
dentro do espírito que o inspirou.

O Parque do Ibirapuera foi inaugurado em 1954, no IV Centenário de São Paulo, com


a maior exposição já vista no país, constituindo-se em um acontecimento expressivo
para o Brasil e para a América Latina.

No Palácio das Indústrias, a indústria paulista mostrou o que tinha de mais moderno
em tecnologia na época, em: tecelagem, vidraria, alimentação, química e farmácia,
aparelhos cirúrgicos, aparelhos eletrônicos e outros, numa autêntica confirmação de ser
São Paulo o maior parque industrial da América Latina.

A 1ª Feira Internacional realizada no Brasil tornou-se um dos mais expressivos


acontecimentos das comemorações e festejos do IV Centenário, quando a comissão
mostrou ter o intuito de “[...] lançar as primeiras bases no sentido da transformação de
São Paulo no entreposto de trocas comerciais entre as nações”1.

Os produtos da indústria, do comércio e da agricultura de várias unidades da Federação


foram apresentados, oficialmente, no Palácio dos Estados, próximo ao qual foram erguidos
dois grandes pavilhões, para que Minas Gerais e Rio Grande do Sul expusessem seus produtos.

No Palácio das Nações, 27 países participaram da exposição: França, Inglaterra,


Itália, Suíça, Portugal, Bélgica, Suécia, Alemanha, Áustria, Tchecoslováquia, Holanda,
Dinamarca, Iugoslávia, Lituânia, Letônia, Estônia, Santa Fé, Ordem de Malta, Japão,
Síria, Líbano, Estados Unidos da América do Norte, Canadá, Bolívia, Uruguai, Venezuela

1
ALMEIDA, Fernando. O Franciscano Ciccilo. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1976, p. 142.

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e República Dominicana2, demonstrando as diferentes atividades sócio-econômico-culturais


de cada um deles (indústria, agricultura, comércio, literatura, arte, história, folclore),
numa contribuição mútua de conhecimento entre os povos.

O ano em que São Paulo comemorou seus 400 anos foi marcante para o povo
paulistano, dentro de um programa cultural muito bem elaborado pela comissão do IV
Centenário, “São Paulo tornou-se um dos centros de atenção e interesse dos homens de
pensamento de todos os continentes, muitos dos quais, e em elevado número, afluíram
à capital, o que deu lugar a uma profícua troca de conhecimento e experiência”3.

Dentro do quadro de exposições realizadas, destacou-se a Exposição da História de


São Paulo no Quadro da História do Brasil, sendo algumas de inestimável valor para o
trabalho, dentro de uma perspectiva histórica e estética. A mostra estava dividida em
nove seções, que iam da época dos grandes descobrimentos até o período republicano. A
importância dessa exposição está aliada ao fato que:

A par de seu alto padrão científico, possuía cunho eminentemente didático, colocando os
visitantes em contato direto com preciosos documentos e oferecendo, uma idéia geral do
desenvolvimento histórico do Estado e do país 4.

Para a criação de uma Biblioteca do IV Centenário foram organizados concursos de


poesia, romance, conto e ensaios literários, monografias, história do desenvolvimento
de São Paulo, e foram publicados livros inéditos, que seriam distribuídos nas bibliotecas
do país, e que deram origem a obras literárias importantes, aproximando o público de
textos que ele não teria possibilidade de adquirir.

O Concurso Carlos Gomes para Peça Sinfônica alvoroçou o meio musicista nacional e
internacional (ao todo 62 músicos do mundo todo se inscreveram), estimulando a criação
de novas obras musicais. Villa Lobos apresentou Sume Pater Patrium (uma sinfonia ameríndia
com cocos); Camargo Guarnieri apresentou a Sinfonia nº 3 São Paulo, que foi a vitoriosa
do concurso. A Orquestra Sinfônica Municipal apresentou-se em vários concertos.

O Balé do IV Centenário obteve consagração perante o público e a crítica. A Comissão


foi muito feliz na iniciativa de trazer para dirigi-lo um dos três maiores coreógrafos do

2
ALMEIDA. Opus cit. p. 141.
3
ALMEIDA. Opus cit. p. 142.
4
ALMEIDA. Opus cit. p. 146.

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mundo na época: Aurélio Milos. Ao maestro italiano Nino Stinco coube reger a Orquestra
Sinfônica Municipal, que acompanhava o balé. O repertório, constituído de 16 balés,
estava distribuído em 4 programas com 58 figurantes, com obras de compositores
internacionais especialmente adaptadas por Milos para o evento, num absoluto ineditismo5.

No âmbito do Teatro houve várias manifestações ocorridas com a apresentação de


três peças de Martins Pena, “O Inglês Maquinista, O Diletante e A Família e Festa na
Roça. A Escola de Arte Dramática apresentou a peça de Morvan Lepesque, Descoberta do
Novo Mundo (título bem significativo para a ocasião). A Companhia de Sergio Cardoso e
um grupo de teatro da colônia italiana apresentaram as peças: Leonor de Mendonça, de
Gonçalves Dias; O Nordeste Soprou [...], de Edgar da Rocha Miranda e Lampião, de
Raquel de Queiroz. Duas companhias estrangeiras também se apresentaram nas
comemorações: a de Jean Louis Barrault e Il Piccolo Teatro di Milano”6.

A grande Marquise, abrigando o 1o Festival Brasileiro de Folclore, salientava as raízes


do povo brasileiro, dos povos Latino-Americanos e do Canadense.

Ainda dentro de um conceito sócio-cultural, foram realizados 65 congressos em várias


áreas, com representantes de diversos países, que convergiram para São Paulo numa
“[...] troca de experiência e conhecimento entre intelectuais, apresentando-se, por isso
mesmo, como da mais alta significação cultural”7.

Ao término das comemorações do IV Centenário, surgiu a necessidade de não deixar


que toda a obra de construção do Parque do Ibirapuera se perdesse com o tempo; era
necessário aproveitar suas instalações para o bem do povo e da cidade de São Paulo.

Como Francisco Matarazzo Sobrinho estava decidido a fazer do local um centro


permanente de arte e de cultura, um ponto de reunião da intelectualidade nacional e
internacional e um recanto de lazer para a população, transformou-se área em um dos
mais modernos parques públicos do país, dando à recreação e à cultura de São Paulo um
novo estilo.

Entretanto, decorridos dois anos, a imagem do parque era bem outra: seus prédios,
que haviam sido projetados com a finalidade de incentivar a cultura, a ciência e a arte,
eram agora um melancólico conjunto de repartições municipais.

5
ALMEIDA. Opus cit. p. 145.
6
ALMEIDA. Opus cit. p. 145.
7
ALMEIDA. Opus cit. p. 145.

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Em 1970, o parque foi cercado e algumas das construções mais deterioradas, como
o Pavilhão da Feira Internacional, o Pavilhão Verde e o Café Concerto, foram demolidas.
O Ibirapuera começava a ressurgir. Aos poucos as repartições públicas foram sendo
removidas, mas a Prefeitura de São Paulo só se transferiu do Palácio das Nações – hoje
Pavilhão Manoel da Nóbrega – para o Palácio das Indústrias, no centro da cidade, em
1992, na gestão da então Prefeita Luiza Erundina.

Das instituições, que desde o início determinaram o espaço cultural dentro do parque,
ainda estavam presentes a Bienal, o Planetário, o Museu de Arte Moderna e o Pavilhão
Japonês. As demais buscaram outros locais: o Museu do Presépio (1970) hoje encontra-
se no Museu de Arte Sacra; o Museu da Aeronáutica (1959) está localizado no Campo
de Marte; o Museu de Arte Contemporânea (1963) na Universidade de São Paulo e o
Museu do Folclore no Butantã. A permanência de alguns locais culturais contribuíram
para que a finalidade inicial do Parque, de ser pólo irradiador de cultura, ciência e arte,
não se perdesse.

Os edifícios que abrigam a cultura

Seria possível entender os edifícios culturais estudados no parque o da Bienal – o da


Oca, o do MAM e o do Jardim de Esculturas – como monumentos dentro de um outro
monumento; lugares carregados de múltiplos sentidos, pelos seus significados simbólicos.

Embora dotados de funções semelhantes, se apresentam de formas distintas. A Bienal


surge dentro de um conceito de contemporaneidade, buscando e apresentando a arte do
mundo para São Paulo. A Oca, em suas exposições, possibilita o encontro de várias
culturas de épocas diferentes, passado-presente, dando uma visão de museu-temporário,
que atrai multidões para seu interior. O MAM é o único museu permanente do local,
preocupado em dialogar com o público por meio de suas várias exposições anuais e por
seu acervo, e que amplia suas atividades com cursos, palestras, debates e ateliês. E,
finalmente o Jardim de Esculturas, composto por um conjunto de obras tridimensionais
de artistas contemporâneos, distribuídas na área de convivência dos freqüentadores do
parque, onde se permite a proximidade do público, a qualquer momento, para uma melhor
apreciação e um contato mais vivencial.

O espaço cultural estudado é aberto à interdisciplinaridade, demonstrando a


interdependência entre diferentes áreas do saber, articulando a arte com o patrimônio
cultural, a história e a sociedade.

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Hoje uma das exigências fundamentais da educação é possibilitar, aos vários grupos
que compõem a sociedade, um maior acesso ao conhecimento interdisciplinar, em
substituição às informações estanques que têm constado das várias disciplinas. Dentro
deste prisma, os espaços culturais do Parque do Ibirapuera oferecem essa oportunidade,
por meio do ingresso gratuito.

A função dos projetos sociais e educativos nos espaços culturais

Enfatizaremos a importância social e cultural dos projetos pedagógicos implantados


no complexo (Bienal, Oca, MAM e Jardim de Esculturas), interligando o ensino da arte
com a contextualização histórica, a apreciação e o fazer artístico. Considerando que o
acervo do MAM e outros acervos apresentados nas exposições periódicas constituem
uma fonte referencial para o povo que para lá se dirige, oferecendo às pessoas a
possibilidade de uma exploração cognitiva e afetiva, eles se tornam um referencial
fértil, não só para o conhecimento histórico da arte, mas também para o social e
cultural. Essa aproximação insere o sujeito num trabalho de reflexão sobre a arte do
passado e do presente.

Obras de diferentes épocas são apresentadas nesse complexo. Por serem diferentes
em sua própria formação, constituem um desafio para a emoção e para a inteligência
neste conjunto formado pelo sentir, o pensar e o contextualizar, na relação entre a obra
de arte e o apreciador.

Esses espaços culturais, ao mesmo tempo que são diferentes entre si, têm em comum
a proposta de priorizar a leitura dos objetos culturais. O fazer e o estudo da história da
arte muitas vezes não são possíveis, por não haver espaço necessário e nem tempo hábil
para sua apreciação, o que seria o mais adequado à educação escolar. Esses espaços
procuram proporcionar a educação e a democratização do acesso aos bens culturais tão
discutidos na atualidade, cumprindo assim a função social de se incluírem como agentes
educativos, desenvolvendo suas atividades como complementadores do ensino formal,
em união com a escola.

Poderíamos salientar uma diferença em excelência, quanto às ações desenvolvidas


por esses espaços culturais: a Bienal e o MAM. A Bienal como agente de atração de
grande massa humana, com números recordes de público, em suas exposições
temporárias, enquanto que o MAM, por ser um museu permanente, tem o papel de ser
protagonista da Arte Moderna na cidade de São Paulo, tornando possível o contato com

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as obras de determinada época, além de proporcionar o fazer em seu atelier, que é


sempre uma experiência única para o “jovem leitor”, e de educar para a compreensão da
arte, pelo caráter investigativo que seu acesso possibilita.

Lembramos que aprender consiste em assimilar experiências, técnicas e informações


colhidas e em acrescentar a esses novos conhecimentos os já adquiridos, articulando-os
mutuamente. Esse contato com o objeto real que irá facilitar muito mais a absorção do
conhecimento, superando o ensino baseado em textos e em reprodução de imagens.

O museu precisa se dedicar principalmente ao público jovem para que haja uma
efetiva democratização artístico-cultural, não só na visitação, mas também na crítica e
no fazer. A necessidade cultural é produto da educação e da vivência; é uma lenta
conquista, que vai se realizando num processo contínuo, com igualdade de oportunidades
– fator fundamental – criando reais condições de apropriação da arte como um dos
principais conteúdos ampliadores do universo cultural de um povo. Não basta abrir as
portas gratuitamente à população. Será preciso abrir ao povo as portas da apropriação
da obra de arte, para um saber assimilado, digerido, fruído, que o torne capaz de
reconhecer os bens artísticos armazenados e expostos nesses espaços, como patrimônio
cultural. A propósito escreve Franz:

Na perspectiva da educação para a compreensão crítica da arte, os estudos sobre os acervos


artísticos em museus são relevantes. Assim como as metodologias e estratégias didáticas
podem impedir ou facilitar formas de compreensão da arte em contextos formais de ensino,
também na educação em museus, estas questões devem ser consideradas8.

O educando necessita para sua formação de uma relação contínua e constante, como
observa Porcher:

[...] é possível imaginar processos de formação acelerada em muitos domínios do


conhecimento técnico. No que diz respeito à formação da sensibilidade e à disponibilidade
emocional, não pode haver atalhos: é preciso que haja tempo de maturação, que dura na
verdade toda a infância, toda a adolescência e, às vezes a vida inteira. Eis porque a escola
tem, neste campo mais ainda do que em outros, uma responsabilidade esmagadora. Em
matéria de sensibilidade não existe formação de adultos, recuperação ou reciclagem com
que se possa contar. Se a escola não empreender desde os primeiros anos de escolaridade o

8
FRANZ, Terezinha Sueli. Educação para uma compreensão critica da Arte. Florianópolis: Letras
Contemporâneas, 2003, p. 253.

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trabalho de sensibilização estética que é necessário, inclusive através de [...] apresentação


sistemática de obras de artes plásticas9.

A escola e os espaços culturais devem trabalhar em conjunto para que ocorra uma
democratização cultural e artística. De que adianta um museu ou uma exposição de arte
elaborar programas de alto nível e competência didática dirigidos aos educandos, se a
escola não levar seus alunos para esses espaços, não os preparando para o desenvolvimento
das habilidades necessárias à compreensão dos objetos artísticos ali expostos?

Um primeiro passo seria permitir que os educandos falassem livremente sobre a obra
em análise, dando-lhes a oportunidade de expressar suas concepções iniciais sobre ela.
Foi colocada toda uma gama de conhecimentos informais, ingênuos, fragmentados, sobre
a obra que foram incentivados a refletir.

A verbalização, a argumentação livre feita pelo educando, promoverá uma consciência


reflexiva, questionante. Portanto, falar e dialogar são sempre estratégias didáticas
indispensáveis ao processo de conhecimento, e o que ocorre na arte é o mesmo. As
visitas guiadas nos moldes de um monitor que vai falando automaticamente (em texto
decorado) para a platéia, não educam ninguém para a compreensão da linguagem artística.
Cito como exemplo o fato ocorrido na exposição das obras de Picasso, na Oca, em 2004,
quando alguns monitores que não faziam parte do programa, tendo sido contratados
pelas empresas de Turismo, encontravam-se despreparados para suas funções.

Podemos salientar um trabalho que objetivou esse processo de compreensão: a


monitoria da Exposição da Tate Galery, nesse mesmo espaço expositivo da Oca (2003).
O serviço de monitoria utilizava primeiramente a estratégia do questionamento, para só
depois explicar a obra, criando um caráter de conversação e levando a uma compreensão
muito mais eficaz da própria obra. Quanto a esse processo, Franz ressalta que:

Neste estágio não somente dominamos os aspectos inerentes às obras, mas também nos
colocamos a partir do nosso próprio ponto de vista pessoal, ou seja, distanciamo-nos do
objeto artístico para emitir apreciações próprias e o fazemos de modo crítico e avaliativo
como o fazem os especialistas10.

Assim, é possível chegar ao estágio acima referido por meio desse acompanhamento
atento do iniciante.

9
POCHER, Luis. Educação Artística luxo ou necessidade? São Paulo: Summer, 1982, p. 46.
10
FRANZ. 2003, Opus cit. p. 185.

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A importância dos serviços educativos em espaços dedicados à Arte faz-se notar pela
transformação que a visitação que proporciona uma significativa experiência de fruição
aproxima e estabelece relações significativas entre sujeito-obra. Tais ações auxiliam a
mudança de conceito da ida a uma exposição, que deixa de ser enfadonha, intelectualizada,
antiga, para se tornar algo agradável, fazendo com que os sujeitos possam ser estimulados
a vivenciar e a conhecer arte.

É preciso lembrar a atuação de Ana Mae Barbosa, quando diretora do MAC, que
possibilitou visitas ao museu de grande número de escolas periféricas e pobres; em
convênio com a Prefeitura oferecia ônibus para o transporte das crianças, foi a semente
iniciadora de todos os projetos futuros que aconteceram e estão acontecendo no Brasil.

Os serviços desenvolvidos pela fundação Bienal, MAM e Brasil Connects (Oca), no


Parque do Ibirapuera, são fundamentais para levantar na sociedade brasileira o importante
papel da arte-educação, na construção da cidadania, da democratização da arte, da
cultura e, principalmente, no desenvolvimento de indivíduos sensíveis e mais reflexivos.

Poderíamos continuar a caminhar pela realidade do ensino no Brasil, que está


longe desse trabalho educativo desenvolvido em mostras e museus, do ponto de vista
tanto físico como conceitual. Quantas cidades brasileiras possuem museus de arte e
mostras de qualidade como as que são oferecidas em São Paulo? E, dentre os museus
de arte e instituições culturais, quais são os que possuem serviços como os oferecidos
em São Paulo?

Pelos projetos educativos nestes espaços, os visitantes exercitam muito mais suas
capacidades intelectuais e sensíveis – justamente porque a mediação educativa consegue
construir uma ponte entre o visitante e a obra, transformando os museus e as exposições
de arte em espaços democráticos aos quais grande parte da população tem acesso – e
não se sentem mais fora deles, mas sim integrados.

Nas exposições propiciadas por esse espaço cultural, não há fatores impeditivos à
visita, em virtude das ofertas da gratuidade presentes, em dias da semana, ou em períodos
especiais, onde permanecem por dias seguidos. Exclui-se dessa forma a imagem de que
o acesso às obras culturais seja privilégio de uma classe social elitizada; o fato é que,
apesar da oferta dada, entre os menos privilegiados esta prática aparece em menor
escala. As visitas às exposições são resultado ou produto do acesso à educação. Essas
desigualdades na utilização e no usufruir desses espaços culturais refletem as
desigualdades presentes no acesso à educação.

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Em relação à experiência da pesquisa, constatou-se que o público padrão, que freqüenta


essas exposições no Parque do Ibirapuera, é de classe média, possuidora de diferentes
níveis de informação sobre arte; por isso existem diferentes resultados de compreensão.

Vale ressaltar que uma grande maioria desse público comparece às exposições por
ser um local de lazer, mas também para poder apreciar, ao mesmo tempo, as novidades
que lhes são apresentadas. Aprendem essas novas experiências culturais que lhes são
oferecidas, de maneira agradável.

A esse perfil de visitante não se descarta completamente a possibilidade de um


crescimento cognitivo, principalmente quando os formadores de conhecimento estiverem
firmemente conscientes de que a arte não existe sozinha, mas está firmemente inserida
no conhecimento geral da cultura.

Partindo dessa constatação, coloca-se ainda que a experiência da visita a uma


exposição oculta um diálogo silencioso entre o sujeito e o objeto, independentemente de
qual tenha sido a motivação que o tenha levado até ela.

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ALMEIDA, Fernando Azevedo de. O Franciscano Ciccilo. São Paulo: Livraria Pioneira
Editora, 1976.

FRANZ, Terezinha Sueli. Educação para uma compreensão crítica da arte. Florianópolis:
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POCHER, Luis. Educação Artística: luxo ou necessidade? São Paulo: Summer, 1982.

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Algumas propostas músico-pedagógicas


do século XX

Camila Valiengo*

Universidade São Marcos

Resumo
O presente artigo resume algumas propostas músico pedagógicas que surgiram a partir do
século XX. São citados, rapidamente, pontos relevantes de seis métodos ativos da primeira
metade do século em questão e de quatro propostas da segunda metade, traçando um
panorama do que vem influenciando a educação musical brasileira.
Palavras-chave: Educação musical, métodos ativos.
Abstract
This article is a summary about some musical pedagogical. Witch appeared on the twentieth
century. In this article are written six actives methods from the first half of the century in
question and four of the second part, making a “panel” of what is a influence in the Brazilian
musical education.

A história da Educação Musical, assim como da música, acompanham a história do


desenvolvimento humano. Os registros mais antigos da Educação Musical, segundo Beyer1,
datam aproximadamente de 2 500 a.C. em pinturas egípcias em que damas de harém
encontram-se cantando e batendo palmas e pés sob comando de um sacerdote que ocupa
o papel de Pedagogo Musical.

*
É aluna do Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e comunicação da
Universidade São Marcos. Tem como tema de sua pesquisa a Educação Musical em duas
instituições da cidade de São Paulo, sob orientação do prof. Dr. Carlos Kater. É pedagoga e
educadora musical, atuando em Projetos Sociais, escolas particulares do sistema regular de
ensino e programas governamentais na cidade de Mogi das Cruzes e Região.
1
BEYER, Ester. A educação musical sob a perspectiva de uma construção teórica: uma análise
histórica, Fundamentos da Educação Musical, ABEM, 1993

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Universidade São Marcos
Algumas propostas músico-pedagógicas do século XX
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A partir daí são muitas variações das formas de educação musical, e sua importância
para os povos, tendo objetivos éticos, religiosos, políticos, artísticos ou científicos. Essas
características vão de acordo com o contexto de cada povo e época, vislumbrando
diferenças quanto à importância da música na formação humana, os tipos de composições
e interpretações.

Os responsáveis pela Educação Musical e o público alvo dessa educação também vão
sendo alterados ao longo do tempo. Houve épocas em que a Educação Musical esteve
restrita aos religiosos e às pessoas que pagassem por ela. Outros momentos o gênero foi
determinante para ser educado musicalmente, assim como a classe social, e também
houve períodos em que se buscou a democratização da educação musical com diversos
propósitos, sendo praticada associada à educação formal e em escolas específicas de
Educação Musical, que passaram a surgir somente a partir do século XIX.

Com a criação do primeiro Tratado de Educação feito por Comenius (1592 – 1670), a
educação de forma geral passou por grandes transformações e como conseqüência a
Educação Musical mudou seu enfoque, incentivando as sensações e ações. Alguns
pensadores de outras áreas colaboraram muito oferecendo novas visões sobre o
desenvolvimento humano, através de estudos filosóficos e educacionais. A partir do século
XVIII apareceram as primeiras sistematizações em Educação Musical antecipando os
“métodos ativos” surgidos no século XX.

Os métodos ativos, isto é, sistematizações que priorizam a experimentação antes do


aprendizado da teoria, surgiram no início do século XX, inspirados em educadores do
século anterior, como Jean Jacques Rousseau (1712-1778), Pestalozzi (1746-1827),
Herbart (1776-1841) e Froebel (1782-1852). Esses métodos foram elaborados por músicos
comprometidos com a educação musical, a maioria deles europeus. A educação musical
da primeira metade do século XX possui características diferenciadas da segunda metade.
Algumas propostas merecem ser destacadas por suas representações em nossa sociedade.

A primeira delas é a do educador suíço Émile Jacques Dalcroze (1865-1950) que


sistematizou condutas integradas entre a música, a escuta e movimentos corporais.
Dalcroze pensava o ritmo como a base da música, afetando diretamente a sensibilidade
e que para o fazer musical seria essencial vivenciar a música antes de expressá-la. As
atividades eram calcadas em ritmos naturais do corpo humano, utilizando movimentos
como andar, correr, saltar, arrastar-se, além de habilidades de escuta. Esse método foi
elaborado para adultos e mais tarde adaptado para crianças a partir de seis anos,
podendo ser trabalhado inclusive com crianças menores.

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O grande objetivo de Dalcroze era a educação das massas, e o meio que apontava
para isso era inserir a educação musical nas escolas de ensino regular. Ainda hoje existe
em Genebra o Instituto Jacques Dalcroze, fundado por ele mesmo, que se mantém vivo
através de reflexões sobre a aplicação do método na atualidade. Essa proposta influenciou
muitos educadores não só na área musical, mas também na dança e teatro.

Muito inspirado por Dalcroze, o belga Edgar Willems, que foi seu aluno, propôs um
método baseado nos aspectos da fisiologia do ouvido humano e apontava para a importância
do preparo auditivo antes do ensino instrumental. Utilizava jogos, sons de diferentes
naturezas e teclados especiais. Foi muito envolvido com os pensamentos do século anterior
ao seu, mesmo sendo em áreas como física, educação, filosofia e biologia e também se
baseou em pensadores contemporâneos à sua época, como Jean Piaget e Claparéde. Visava
o ensino coletivo e o ideal de que a música pudesse ser feita por todos, independentemente
de talentos. Buscava sempre encontrar relações entre o ser humano e a música.

Carl Orff, outro compositor e educador alemão (1895-1982), não nos deixou um
método sistematizado com textos sobre sua abordagem, porém deixou cinco volumes de
peças escritas para serem interpretadas por seus alunos. Criou um instrumental específico
composto por instrumentos de percussão como metalofones e xilofones, tambores, pratos,
além de flautas doces, viola da gamba entre outros. Sua proposta é relevante por ter
tido grande aceitação na Europa e América. Orff tinha como intenção possibilitar uma
vivência musical e não a formação de músicos profissionais. Para isso utilizava repetições
(eco) e estímulos (pergunta / resposta), resultando em improvisos, além de jogos e uma
música de base que envolvesse fala, dança e movimento, partindo do ritmo, o que chamou
de “música elemental”. Carl Orff, como outros pedagogos, baseou-se na origem única da
palavra e da música, assim como na integração das artes.

Outro método importante dessa época foi o criado por Zoltán Kodaly (1882-1967),
compositor húngaro que através de intenso trabalho de sistematização da cultura musical
popular de seu país, acrescida de implantação de programas de educação musical na rede
de ensino, pesquisas e composições revitalizou as origens daquele povo. Kodály não criou
uma nova metodologia, ele adaptou sistemas de ensino de outros países, como o Manosolfa
(conjunto de sinais que auxiliam o desenvolvimento de relações tonais) e Tonic Solfa (sistema
de alturas relativas conhecido como dó móvel). Sua importância está nos resultados obtidos
pela proposta do canto coletivo e alfabetização musical que atingiu 100% da população.

Shinichi Suzuki foi outro educador musical relevante, que embora fosse japonês criou
uma proposta nos moldes europeus, inclusive utilizando o repertório clássico europeu. Ele

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Algumas propostas músico-pedagógicas do século XX
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mostrou que crianças bem jovens podem tocar obras complexas. Pensou sua proposta para o
ensino de violino, hoje adaptada para outros instrumentos. A base do método está em aprender
música da mesma maneira como se aprende a língua materna. Sendo assim, o apoio dos pais
dos alunos é de fundamental importância para criar um ambiente, como sugeria Suzuki, em
que a audição seja intensamente estimulada. A repetição constante é outro ponto evidente de
sua proposta, assim como a prática em grupo, sendo um estímulo positivo para o aluno.

No Brasil temos o exemplo de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) que foi o responsável


pela implantação do Canto Orfeônico nas escolas da rede pública brasileira desde o curso
primário. Villa-Lobos utilizou o canto coletivo tendo como tema base de sua proposta o
folclore brasileiro. Para ele a consciência do ritmo era o primeiro ensinamento importante
que a criança deveria adquirir. Assim foi montando sua metodologia e para que ela fosse
aplicada adequadamente criou cursos de capacitação para os professores da rede regular
de ensino, além de um órgão responsável pela supervisão, orientação e implantação do
programa de ensino de música. Foi através do Decreto nº. 19 890 que a música foi incluída
no currículo da escola brasileira em 1931 e durou até 1971, quando a disciplina música foi
substituída no currículo escolar pela Educação Artística, porém, alguns anos antes dessa
lei, o Canto Orfeônico já vinha sendo substituído pelo “movimento chamado criatividade”2.

Podemos apontar rapidamente alguns pontos distintos ou semelhantes entre as


propostas citadas acima:

Dalcroze Willems Orff Kodaly Suzuky Villa-Lobos

Integração das X X
linguagens artísticas
Exclusividade musical X X X X
Habilidade instrumental X X
Habilidade vocal X X X X
Repertório folclórico X X
Repertório clássico europeu X X X X
Repetição X
Improvisação X
Democratização da música X X X X X
Acredita na origem única
da palavra e da música X X
Palavra-chave Rítmica Afetividade Improvisação Canto Instrumento Canto
coletivo coletivo Orfeônico

2
PENNA, Mura. A dupla dimensão da política educacional e a música na escola: I – Analisando
a legislação e termos normativos, Revista ABEM, Porto Alegre: ABEM, nº10, p. 19 – 27, 2004

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Algumas propostas músico-pedagógicas do século XX
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É válido lembrar que é de fundamental importância que o educador musical tenha


acesso aos métodos ativos do século XX, pois estes servem de base para o desenvolvimento
da educação musical de nossos dias. Importante ressaltar também que essas propostas
foram pensadas para um outro contexto social, em outra época, e que para serem utilizadas
hoje precisam ser avaliadas e repensadas de acordo com a realidade em questão. Quando
essas observações não são consideradas há a aplicação dos métodos de forma não crítica
ou descartando possibilidades interessantes para a ocasião.

A partir da segunda metade do século XX as propostas dos educadores musicais,


acompanhando as características do momento, não são mais traçadas em linhas
horizontais, como o período anterior, e sim numa espécie de rede, onde o conhecimento
é construído de forma não previsível, dando margens maiores às pesquisas e composições,
mantendo ainda a importância da vivência.

George Self, nascido em 1921 na Inglaterra, se preocupa mais com a criação, a


escuta ativa, o som em si. Ele entende a maneira que vem sendo trabalhada a educação
musical como adestramento de alunos ao reproduzirem sons e ritmos pré-estipulados
pelo compositor, diferente de uma real educação musical. Isso, segundo Self, faz com
que a arte musical esteja vivendo o passado, diferente das outras artes e das ciências.

Baseando-se nas artes plásticas empenha-se em estimular uma nova escuta e as


habilidades criativas. Oferece para isso, logo no início de seu contato com os alunos,
uma noção da imensa variedade sonora sem prender-se a precisão de elementos da
música tradicional como alturas definidas, pulsação regular, afinação, técnica. Essa visão,
porém, não quer dizer que Self descarte os procedimentos dessa música tradicional bem
como a notação convencional, mas que ofereça ao aluno da escola regular uma ampliação
na experiência musical. Criou uma nova, simplificada e imprecisa notação, possibilitando
diferentes interpretações.

Outra proposta que ilustra essa fase é a de John Paynter, também inglês, com
princípios bastante parecidos com os de George Self no que diz respeito à condição da
educação e fazer musical, muito calcados no passado. Também apóia sua proposta na
música de vanguarda e na escuta ativa e experimental.

Para esse educador no ensino da música não pode existir método, pois acredita que
os métodos são a “antítese da mente criativa”. Por isso não cria um método e sim propõe
uma rede de relações construída a partir de estudos diversificados que geram novos
estudos, resultando na experiência da pessoa.

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Murray Schafer, canadense nascido em 1933, não nos apresenta uma metodologia,
mas uma proposta de despertar o ouvir consciente através de exercícios simples,
melhorando conseqüentemente a condição sonora das sociedades. Tendo algumas de
suas publicações traduzidas para o português e participando de eventos no Brasil tem
difundido mais sua proposta não só no Brasil como na América Latina como um todo. A
grande contribuição de Schafer está em suas discussões e no cuidado intenso com o
ambiente sonoro, apresentando alternativas positivas, isto é, o que fazermos para melhorar
essa condição ecológica em que nos encontramos, diferente das “proibições” ou do que
não fazer vindos da área médica ou física.

Hans-Joachin Koellreutter (1915), compositor e educador alemão que se naturalizou


brasileiro em 1948. A educação, dentre tantas ações de Koellreutter é muito marcante e
talvez a maior de suas contribuições. O constante estímulo à reflexão quanto à função da
arte na vida atribui à arte um valor funcional.

Sistematizou a educação musical no Brasil baseando-se na criação e integrando, através


da música, muitas outras áreas do conhecimento, tendo sempre em vista o ser humano.
É fala marcante de Koellreutter: “Meu método é não ter método”. “O método fecha,
limita, impõe...e é preciso abrir, transcender, transgredir, ir além...”

E parte daí sua proposta pedagógica, de “ensinar aquilo que o aluno quer saber, e
jamais o que ele pode encontrar em livros”, cujas chaves são os “por quês?”, as dúvidas.
Sua “idéia é de educar pela e para a transformação”.

Concluindo, as quatro propostas em questão estão sendo constantemente pensadas


por seus respectivos idealizadores que permanecem em atividade ainda hoje. Visam à
criatividade e a escuta ativa, evitando o que denominam “música do passado”. Buscam
libertar-se dos métodos em seu sentido tradicional, e propõem uma forma de construção
do conhecimento em rede.

Tanto a primeira quanto à segunda metade do século XX têm suas características


próprias. A primeira preocupa-se mais com a sistematização do processo educacional; a
segunda metade enfatiza a permanente construção do aprendizado, a busca de novos
materiais sonoros e a utilização da música de vanguarda. O que de fato não se pode
deixar de considerar é que cada metodologia tem sua importância para a época em que
foi desenvolvida, pois conforme acreditamos, elas sempre têm contribuições a oferecer.

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PENNA, Maura “A dupla dimensão da política educacional e a música na escola: I –


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Associação Brasileira de Educação Musical, março 2004, p.19-28

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Public Choice

Joviniano José Rezende de Oliveira

Mestrando em Filosofia pela Unicamp

Resumo
Plublic Choice, ou teoria da escolha pública, é um programa de investigação que utiliza os
métodos e pressupostos da microeconomia neoclássica na análise dos processos de decisão
política. O objetivo de nosso trabalho é expor de maneira os pressupostos deste programa
de investigação e suas implicações no contexto sócio-econômico.
Palavras Chave: Arrow, Mueller, escolha pública.
Abstract
Public Choice is a investigation’s program that make use of the neoclassic microeconomy’s
presupposed in political decision’s analysis. This work to present the presupposed of the
investigation’s program and his results in the social and economic context.
Key-words: Arrow, Mueller, public choice.

Introdução:

Ao tentar remontar às origens da Public Choice, Pereira evidencia que outros cientistas
políticos ao abordarem este programa de investigação reportam sua origem a Condorcet e a
sua “descoberta” do paradoxo do voto. Todavia foi na contemporaneidade que a escolha
pública se constituiu como uma teoria política. Pereira cita seis dos principais autores que
formam esta escola: “Duncan Black (1958), James Buchanan e Gordon Tullok (1962), Mancur
Olson (1965), Kenneth Arrow (1951), Anthony Downs (1957) e William Riker (1962)” (Pereira,
1997, p. 420)1. No presente trabalho utilizaremos como referência de nossa discussão apenas

1
Pereira destaca que a distinção entre public choice e social choice ocorreu principalmente
após a publicação das obras de Arrow e Sen. Contudo, não iremos diferenciar uma da outra
neste trabalho, porque ambas se mantêm em estreita relação. Cf. PEREIRA, P. T. “A teoria da
escolha públic (public choice): uma abordagem neoliberal?”. Análise Social. Vol XXII (141),
1997 (2º), 419 – 442. p. 420.

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Public Choice
Joviniano José Rezende de Oliveira
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as obras Social Choice and Individual Values de Kenneth Arrow, Peças e engrenagens das
Ciências Sociais de Jon Elster e Elección Publica de Dennis Mueller.

Desde sua origem, a Public Choice se vinculou ao debate político como uma abordagem
neoliberal, por ter se constituído como uma crítica e alternativa as teorias econômicas do
bem-estar social que defendiam um Estado com poder de intervir nas decisões econômicas.
Este posicionamento da welfare econonomic se baseava na crítica dos “fracassos do
mercado”, para justificar a intervenção do Estado. A Public Choice, em contrapartida,
criticava a posição adotada pelo welfare economic, e por isso a teoria da escolha pública
deu maior ênfase aos “fracassos do governo” e suas políticas intervencionistas a fim de
elucidar os limites de intervenção do Estado2 . Isto explica o fato da Public Choice ter
sido uma das principais escolas de pensamento a fundamentar a ideologia neoliberal.

Para Dennis Mueller, “La ellección pública pued definirse como el estúdio econômico
del processo de adopción de decisiones en un contexto ajeno al mercado, o, simplesmente,
como la aplicación de la teoria económica a la ciencia política. El objecto de estudio de la
elección pública es el mesmo que el da ciencia política: la teoria del Estado, las reglas de
votación, la conducta del votante, la política de partidos, la burocracia, etc.”.

1 – Individualismo metodológico:

Ao abordarmos a metodologia utilizada pela teoria da escolha pública, devemos ter


em mente que embora esta teoria não possua um objeto que lhe seja particular, ela tem
uma metodologia que lhe é própria, o individualismo metodológico3. Figueiredo, no prefácio
do livro de Elster, Peças e Engrenagens das Ciências Sociais subsume em duas as premissas

2
PEREIRA, P. T. “A teoria da escolha públic (public choice): uma abordagem neoliberal?”.
Análise Social. Vol XXII (141), 1997 (2º), p. 420.
3
Buchanan um dos teóricos capitaneadores da Public Choice define individualismo metodológico
como “uma tentativa de reduzir todos as questões de organização política ao confronto do
indivíduo com alternativas e sua escolha entre elas. Esta “lógica da escolha” tornar-se a
parte central da análise, e não é preciso tomar qualquer posição quanto aos fins últimos ou
critérios que dirigiriam sua escolha” (Buchanan, 1962, 1962, p. VII, apud: MORAES, R. C. C.
“As incomparáveis virtudes do mercado: políticas sociais e padrões de atuação do Estado nos
marcos do neoliberalismo”. In: KRAWCEYK, N. CAMPOS, M.M. HADDAD, S. O Cenário Latino
Americano no Limear do século XXI. Reformas em debate. Campinas: Editora Autores
Associados, 2000, p. 20.

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do individualismo metodológico. A primeira premissa é a de que o objeto das ciências


social são os fenômenos sociais, que por sua vez “resultam da ação e da interação entre
indivíduos”4. A segunda premissa é implícita na primeira e exige que os fenômenos sociais
tenham explicações intencionais – causais, isto é, deveriam explicar tanto as intenções
individuais quanto à causa da interação entre os indivíduos.

Para corresponder às exigências das premissas mencionadas, Elster estabelece como


objetivo de sua teoria e de todas as ciências sociais que almejam se estabelecer como
um saber rigoroso e científico o papel de “elucidar e explicitar os mecanismos que causam
os fenômenos sociais” 5, e estes fenômenos como um todo resultam da interação entre
os indivíduos. Isto estabelecido a metodologia desta disciplina científica não pode ser
outra a não ser o individualismo metodológico cuja pressuposição é “a unidade elementar
da vida social é a ação humana individual” (Elster, 1994, p. 29). Neste sentido, o
individualismo metodológico constitui-se como um método reducionista que, ao contrário
das perspectivas holistas, não visa explicar o todo, mas atuar a partir de um princípio
que tem garantido o progresso da ciência: a explicação do complexo pelo simples. Em
termos políticos, este método parte da motivação logicamente mais simples a conduta
do egoísta racional que age orientado pelas conseqüências de suas ações6.

Antes de abordarmos os mecanismos encontrados por Elster para explicar os


fenômenos sociais, elucidaremos o que ele entende por fenômenos sociais. Para o autor,
os fenômenos sociais se dividem em duas categorias: fatos e eventos7. Com esta distinção
o autor quer indicar a anterioridade dos eventos em relação aos fatos, os eventos referem-
se desde o processo mental de tomada de decisão até a decisão propriamente dita situada
no tempo (fato). As ciências sociais não devem correlacionar causas de eventos ou
enumerá-los, mas dar explicações intencionais – causais capazes de elucidar como ocorrem

4
ELSTER, J. Peças e engrenagens das Ciências Sociais. São Paulo: Relume-Dumara, 1994, p. 7.
5
Idem.
6
Todavia em suas últimas obras Elster tem esclarecido que embora um dos principais
mecanismos para explicar as decisões individuais seja a escolha racional, “o individualismo
metodológico não implica a escolha racional (ele é compatível com qualquer conjunto específico
de motivação); nem o caráter inato ou “dado” dos desejos (ele é consistente com a visão de
que desejos são moldados pelas sociedades, isto é, por outros indivíduos); finalmente, não
implica também o individualismo político (sendo uma doutrina metodológica compatível com
qualquer orientação política ou normativa) (Idem, p. p. 9-10).
7
Ibidem, p. 10

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os eventos. Para tanto, é preciso explicitar os mecanismos que nos fornecem o “porque”
e o “como” inerentes às ações individuais no interior das instituições e mudanças sociais.

Para Elster, uma ação pode ser explicada como resultado final de duas operações
filtradoras sucessivas. Começamos com um grande conjunto de todas as ações
abstratamente possíveis que um indivíduo poderia empreender. O primeiro filtro é constituído
por todas as coerções físicas, econômicas, legais e psicológicas com que o indivíduo se
depara. As ações consistentes com essas coerções formam seu conjunto de oportunidades.
O segundo filtro é um mecanismo que determina qual ação do conjunto de oportunidades
será de fato executada. Nesta exposição os principais mecanismos a serem considerados
são a escolha racional (capítulo III) e as normas sociais (capítulo XII) 8.

Em Peças e Engrenagens, Elster prefere se concentrar no mecanismo da escolha


racional, pois este explica as ações humanas através dos desejos e das oportunidades
dos agentes. 9 Ao tratar da relação entre desejo e oportunidade, Elster elucida que grande
parte dos cientistas sociais acreditam que as pessoas se diferenciam em seus desejos e
oportunidades, que as oportunidades que são objetivas e externas ao indivíduos interagem
com os desejos e crenças (subjetivas). No entanto, a título de simplificação se deve
postular que “o que explica a ação são os desejos das pessoas juntamente com suas
crenças a respeito das oportunidades” 10.

Elster sintetiza a teoria da escolha racional com a assertiva: “quando defrontadas com
vários cursos da ação, as pessoas fazem o que acreditam que levará ao melhor resultado
global” 11
. A situação de escolha se caracteriza pela presença de um indivíduo (agente
representativo) que possível ou necessariamente deve escolher uma opção em um conjunto
de oportunidades. A noção de racionalidade adotada na escolha racional é consequencialista
“a escolha racional é instrumental: é guiada pelo resultado da ação” (Idem, p. 38). O
agente racional é aquele que busca encontrar os melhores meios para seus fins, todavia,
a racionalidade nesta perspectiva pode falhar, pois o agente escolhe aquilo que “crê” ser
o melhor. O problema que surge neste momento é saber qual é a premissa em que se
baseia a crença do agente, e até que ponto a escolha realizada pode ser onerosa para
ele. Todavia não discutiremos aqui os limites da racionalidade, o que nos interessa de

8
Ibidem, p. 29
9
Ibidem, p. 30
10
Ibidem, p. 37
11
Idem, p. 38

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fato é elucidar como se aplica a teoria da escolha racional às decisões coletivas tendo
em vista que esta teoria é definida em termos individuais. A passagem entre individual
e coletivo pode ser entendida quando pensamos em termos de teoria dos jogos, pois
esta nos fornece uma conquista prática para análise das ações individuais por ser um
aparato lógico que quando acrescido de princípios de comportamento pode ser submetido
a testes empíricos 12 .

Um dos principais pressupostos da teoria dos jogos é que quando dois ou mais
indivíduos interagem eles podem fazer muito pior por si mesmo do que quando agem
isoladamente 13, isto é, num contexto de ação coletiva devido a interdependência das
decisões devemos sempre tentar antecipar a decisão dos outros para que a ação em
conjunto não seja oneroso ao indivíduo. O mais conhecido de todos os jogos é o “dilema
do prisioneiro”. Para enunciarmos um exemplo elucidativo do “dilema do prisioneiro”
recorreremos a nota 40 do capítulo 8 da obra Poliarquia de Robert Dahl:

“Trata-se de um jogo para duas pessoas com quatro resultados possíveis: (1) a melhor
alternativa de A, que é a pior para B. (2) A melhor alternativa de B, que é a pior para A
(3) A pior altenativa para ambos. (4) Uma altenativa satisfatória, melhor do que o pior
para cada um deles, mas um pouco menos satisfatória para cada um do que seu melhor.
Um exemplo seria:

B escolhe alternativa

___________________________________

x y

(4) (1)

p A ganha U$ 9 A perde U$ 10

B ganha U$ 9 B ganha U$10

A escolhe alternativa (2) (3)

q perde U $ 10 A perde U $ 9

B ganha U $ 10 B perde U $9

É vedada a comunicação entre os jogadores. Claramente, se A confia em B e tenta


ser cooperativo escolhendo p, B poderia traí-lo e escolher y, como em (1). Da mesma

12
Idem, p. 45
13
Ibidem.

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forma, se B confia em A e escolhe x, mas é traído por A, como em (1). Se cada um


desconfia do outro e eles se recusam a cooperar, ambos acabam perdendo como em (3).
Assim, ambos podem evitar perder e ganhar, com em (4), somente se ambos confiarem
um no outro e tentarem cooperar. Em uma experiência com um jogo deste tipo, Morton
Deutsch descobriu que os jogadores a quem se pediu para agir como se o bem-estar de
seu oponente fosse tão importante quanto o seu, e foram informados também de que
seu oponente recebera a mesma instrução, mostravam-se mais inclinados a correr o
risco envolvido em confiar em seus oponentes e cooperar para conseguir o resultado (4),
mesmo na ausência da comunicação e conhecimento pessoal de seu oponente. Quando
se disse a cada um para fazer o melhor possível para si próprio e sair-se melhor do que
o outro, eles se mostraram mais inclinados a escolher o pior resultado (3) ”14.

O dilema do prisioneiro auxilia-nos a compreender os pressupostos da teoria da escolha


racional num contexto coletivo. No exemplo de Dahl, quando a decisão final é não
cooperativa ambos acabam perdendo por escolherem o pior resultado. Dahl resolve a
questão da cooperação não com o estabelecimento de uma punição ao indivíduo não
cooperativo. Mas ele acrescenta uma informação, a de que o jogador A se preocupa tanto
com o bem estar do jogador B, quanto com o seu próprio bem estar.

2 – A escolha racional aplicada à perspectiva social: A Public Choice.

Como já mencionamos uma das principais obras que influenciou a escola da Public
Choice foi o livro Social Choice an Individual Values. Nesta obra, Arrow indicou a
inconsistência lógica das escolhas coletivas e sugeriu a construção de modelos teóricos
que sejam capazes de explicar a lógica da ação social de maneira coerente de maneira
que as preferências individuais não sejam solapadas.

Para Arrow, “In a capitalist democracy there are essentialy two method by which
social choices can be made: voting, typically used to make political decisions, and the
market mechanism, typically used to make economic decisions”15. Estes procedimentos
de fato são as duas principais maneiras de se tomar decisões sociais nas democracias
contemporâneas. O voto é utilizado nas decisões políticas enquanto os mecanismos de
mercado se aplicam às decisões econômicas. Mesmo em países de economia mista o

14
DAHL, R. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1997, p.69.
15
ARROW, K. J. Social Choice and Individual Values. New York, Wiley, 1963, p. 1.

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peso maior é dado ao voto. Em unidades sociais menores as decisões são tomadas por
um indivíduo ou pelo código sagrado (costumes – tradições). No tocante a escolha social,
Arrow indica que a ditadura ideal (autoridade exercida por um indivíduo que sozinho tem
o poder de realizar as escolhas sociais) e a convenção (onde existe uma vontade comum
ou vontade geral) são métodos mais eficazes do que o voto e os mecanismos de mercado
para a consideração dos valores individuais. Neste contexto se insere a principal questão
do texto de Arrow: “ we ask if it is for possible to contruct a procedure for passing from
a set of known individual tastes to a pattern of social decision – making, the procedure in
question being required to satisfy certain natural conditions” 16 . O autor critica o
procedimento do voto e do mercado por amalgamar as preferências individuais. Uma
sociedade bem integrada é obtida através de decisões sociais consistentes embora envolva
preferências conflitantes. Como então é possível lançar mão de um método formal de
agregação de escolhas individuais? Em outras palavras, é possível uma vontade geral
(comum) capaz de ordenar os conflitos sociais sem amalgamar as preferências individuais?

Para ilustrar este problema Arrow sugere o “paradoxo do voto” de Condorcet. A


pressuposição do “paradoxo do voto” é a seguinte: uma comunidade é composta por três
eleitores (1, 2, 3) e que estes devem escolher entre três alternativas de ação ( A –
desarmamento, B – guerra fria, C – guerra quente). “It is expect that choice of this type
have to be made repeatedly, but sometimes not all of the three alternatives will be
available. In analogy with usual utility analyses of the individual consumer under conditions
of constants wants and variable price income situations, rational behavior on the part of
the community orders the three alternatives according to its collective preferences once
for all, and then chooses in any given case that alternative among those actually available
which stands highest on this test”.17

Tentaremos ilustrar o paradoxo do voto:

1, 2, 3 – indivíduos

A, B, C – alternativas

Escala de preferências individuais:

1 prefere A a B a C = A a C.

2 prefere B a C a A = B a C.

3 prefere C a A a B = C a B.

16
ARROW, K. J. Social Choice and Individual Values. New York, Wiley, 1963, p. 2.
17
Idem.

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Naturalmente, o comportamento racional aposta que a maioria da comunidade prefere


A a C. Entretanto, na realidade a maioria prefere C a A, isto é, a preferência da maioria
da comunidade não é neste sentido racional e não segue o modelo da decisão. O paradoxo
consiste na incompatibilidade entre as preferências gerais e globais com as preferências
individuais, ou seja, as preferências globais não expressam todas as preferências
individuais. A dificuldade apontada nas teorias de bem-estar se refere a maneira sobre a
qual se deve estabelecer as preferências coletivas. Em suma, o problema é como formular
construções teóricas capazes de compatibilizar simultaneamente as preferências individuais
e os interesses coletivos, sem que estes últimos se sobreponham aos interesses individuais?
Partindo do ponto de vista dos desejos dos indivíduos, qual seria o critério de determinação
do máximo social? Para Arrow, a busca do bem-estar ótimo por depara-se com as
comparações interpessoais deve tomar como critério a melhoria da situação de todos. A
votação majoritária com o princípio de compensação é insatisfatória para determinar as
preferências individuais, pois é capaz de escolher ordenações não lineares, neste sentido,
quem controla o processo eleitoral (agenda, seqüência de votação etc) determina o
resultado do procedimento de votação.

A respeito deste diagnóstico realizado por Arrow sobre a dificuldade do conceito de


bem – estar, Moraes comenta: “os indivíduos e grupos tem preferências distintas e os
resultados da agregação acabam sendo logicamente inconsistentes com as diferentes
escalas de preferências individuais. Os indivíduos votantes acabam tendo como resultado
algo diferente do que pretendiam. Os resultados dependem de quem controla a agenda
dos sufrágios (ordem das escolhas momento de votar etc.) 18
”. Deste modo, um processo
eleitoral pode desembocar em resultados inconsistentes, pois a ordem (seqüência) da
votação determina o resultado final, neste sentido, a justiça de uma votação depende do
procedimento construção e aplicado na eleição.

Mueller, em Elección Pública argumenta que as teorias da escolha social como as de


Arrow (1951) e Bérgson (1938) são teorias que visam analisar o problema de se encontrar
uma função de escolha social. Por meio de procedimentos alheios ao mercado que enquanto
tal é incapaz de revelar preferências individuais. Esta teoria utiliza os mesmos pressupostos

18
MORAES, R. C. C. “As incomparáveis virtudes do mercado: políticas sociais e padrões de
atuação do Estado nos marcos do neoliberalismo”. In: KRAWCEYK, N. CAMPOS, M.M. HADDAD,
S. O Cenário Latino Americano no Limear do século XXI. Reformas em debate. Campinas:
Editora Autores Associados, 2000, p. 19.

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da teoria econômica positiva: o egoísta racional maximizador de seu bem-estar, e os


modelos analíticos da teoria dos jogos para explicar a interação entre os indivíduos.

Ao tratar das razões da escolha coletiva, Mueller traça uma espécie de elogio à mão
invisível: “el logro más importante de la teoria enconómico es la demonstración de que
los indivíduos, dotados de motivos estrictamente egoístas, pueden resultar mutuamente
beneficiados mediante el intercambio”19. A mão invisível tem na economia de mercado
livre a regra para a escolha coletiva. Todavia, para que a relação de troca não seja
onerosa para nenhum das partes, os indivíduos que escolhem comprar ou vender devem
estabelecer um contrato constitucional que fundamentaria as trocas voluntárias. Uma
dos principais cláusulas deste contrato é que o ato de roubar não é permitido, isto garantirá
que a troca será vantajosa. Em termos institucionais o contrato constitucional “estabelece
os direitos de propriedade e as restrições de conduta para cada indivíduo” (Mueller, p.
24). Para Samuelson, “um sistema de derechos de propriedade y de mecanismos para
seu cumprimento, constitue um bem público (...) o consumo de um indivíduo não diminui
o consumo de outro indivíduo do bem em questão”20.

Dado que os indivíduos se relacionam (interagem) cooperativamente para a


manutenção dos bens públicos, não é difícil lançar mão do modelo do dilema do prisioneiro
para explicar a decisão individual no tocante a estes bens que envolvem desde a calçada
das ruas até a saúde, a educação etc. Cada indivíduo melhora se todos os indivíduos
contribuem para a provisão do bem público, porém, cada um melhora ainda mais sua
situação, enquanto egoístas racionais, se não contribuem no financiamento dos bens
públicos (por exemplo, quando não pagar imposto). O fato de omitir sua colaboração na
manutenção de um bem público origina o problema do isolamento, exemplificado, pelo
carona ou passageiro clandestino que ao otimizar seus próprios interesses prejudica os
interesses coletivos. Dadas as características dos bens públicos: indivisibilidade (todos
tem direito igual sobre eles) e seu caráter público (todos são igualmente afetados por
este bens), as ações excludentes, como o tratamento diferenciado, se apresentam como
onerosas ao governo. A própria característica dos bens públicos fornece a necessidade
destes serem determinados por escolhas públicas.

De acordo com o modelo do dilema do prisioneiro a maneira de garantir a decisão mais


eficaz e cooperativa, seria através do estabelecimento de um castigo as condutas não

19
MUELLER, D. Elección Pública. Madrid: Alianza Editorial, 1979, p. 23.
20
Samuelson, 1954, apud: Muelle Elección Pública. Madrid: Alianza Editorial, 1979, p. 25.

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cooperativas de qualquer jogador21. A coerção funcionaria como um poderoso filtro de decisão


que indicaria como melhor a escolha da ação cooperativa. Todavia, as soluções cooperativas
em teoria dos jogos são obtidas somente depois de 6 a 8 rodadas, pois precisamos de tempo
até apreender a conduta da outros jogadores se não há acordo prévio ou comunicação
direta. Mueller explica que em comunidades pequenas com normas homogêneas a conduta
imperativa voluntária é maior. Em comunidades heterogêneas as relações são heterogêneas
e mais impessoais (frias), por isso são necessárias normas explícitas e públicas com a
introdução de castigos formais para delitos, impostos para prover os bens públicos, assim a
cooperação é garantida pela coerção. No caso do dilema do prisioneiro a decisão cooperativa
seria garantida, segundo Mueller, pelo estabelecimento de leis coercitivas que punem os
indivíduos não cooperadores, principalmente quando o público é vasto, ou seja, a população
da cidade, estado ou país é grande. Em relação a grandes populações o dilema do prisioneiro
entra em colapso, e se faz necessária a ação da polícia, pois ocorre o que Buchanan denomina
de “erosão do capital legal cívico da comunidade”.

Para Mueller, o dilema do prisioneiro possibilita a reflexão sobre a escolha do conjunto


de regras democráticas para a comunidade “como resultará claro cuando examinamos
las propiedades de tales reglas de acuerdo com la teoria positiva de la elección social” 22
.

3 – Considerações finais:

Após a exposição dos pressupostos da teoria da escolha pública, pode se compreender


como esta escola de investigação, ou programa de pesquisa tem sido utilizada para
justificar a ideologia neoliberal. Ao se aplicar estratégias de economia na decisão de
bens públicos, o que se propõe é uma interferência cada vez menor do Estado nas decisões
políticas, e um posicionamento cada vez mais mercadológico em relação aos bens públicos.
No quadro atual o bem público que os teóricos da escolha pública mais tem evidenciado,
como não necessariamente público, são bens básicos como saúde e educação, exemplo
disto são os programas de ajuste propostos pelo Banco Mundial na área da educação.
Moraes nos esclarece quais são os três lemas das políticas públicas na era dos “ajustes
estruturais”: focalizar, descentralizar, privatizar. Todavia o mais interessante é que embora
a proposta seja descentralizar as decisões políticas não ocorre uma desconcentração do
capital, o que no levará mais uma vez a antiga oposição: equidade versus capitalismo.

21
MUELLER, D. Elección Pública. Madrid: Alianza Editorial, 1979, p. 27.
22
MUELLER, D. Elección Pública. Madrid: Alianza Editorial, 1979, p. 30.

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Referências Bibliográficas:

ARROW, K. J. Social Choice and Individual Values. New York: Wiley, 1963.

DAHL, R. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1997.

ELSTER, J. Peças e engrenagens das Ciências Sociais.

MORAES, R. C. C. “As incomparáveis virtudes do mercado: políticas sociais e padrões de


atuação do Estado nos marcos do neoliberalismo”. In: KRAWCEYK, N. CAMPOS, M.M.
HADDAD, S. O cenário latino-americano no limiar do século XXI. Reformas em debate.
Campinas: Editora Autores Associados, 2000.

MUELLER, D. Elección Pública. Madrid: Alianza Editorial, 1979.

PEREIRA, P. T. “A teoria da escolha pública (public choice): uma abordagem neoliberal?”.


Análise Social. Vol XXII (141), 1997 (2º), 419 – 442.

RODRÍGUEZ, E. “A escolha racional e o compromisso moral: uma crítica de Amartya Sem


e um modelo de Gary Becker”. www.fea.usp.br/publicacoes/controversa/0019-2.html

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Moradores de rua do bairro do Ipiranga

GuilhermeCoutinho
Guilherme CoutinhoD’Onofrio
D’Onofre*

Rosemari Fagá Viegas**

Resumo
O presente texto aborda as condições históricas e sociais do trabalho realizado pelo Recanto
Vida Nova, na Paróquia São José do Ipiranga, localizada no bairro do Ipiranga. O objetivo é
identificar e descrever os diferentes aspectos socioculturais que dão suporte à implantação
e ao desenvolvimento das atividades do Recanto Vida Nova, que contribui para a recuperação
de moradores de rua da região.
Palavras Chaves: Recanto Vida Nova, Paróquia São José; Moradores de Rua; Bairro do Ipiranga
Abstract
The present paper approaches historical and social conditions of the work done by the
Institution Recanto Vida Nova, São José do Ipiranga Parish, located at Ipiranga neighborhood.
The aim of the paper is to identify and to describe the various socio-cultural aspects that
support and set up the development of the activities of Recanto Vila Nova, which contributes
to the recovering of homelesses that inhabit the region.
Key-words: Recanto Vida Nova, São José Parish; homeless; Ipiranga neighborhood

Segundo a Organização para Agricultura e Alimentação (FAO), entidade ligada à


Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 826 milhões de pessoas são vítimas da
fome em seu estágio mais avançado (a fome crônica), o que representa quase 1/6 da
população mundial. A mesma entidade aponta como causas da fome crônica: a pobreza,
a distribuição ineficiente de alimentos, a reforma agrária precária e o crescimento
desproporcional da população em relação à capacidade de sustentação.

No Brasil, a concentração da produção agrícola, o aumento da produção para os


mercados externos e diminuição da oferta de produtos internamente agravam a situação

* Aluno do Curso de Comunicação Social da Universidade São Marcos.


**Professora-doutora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação,
Comunicação e Administração da Universidade São Marcos.

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PESQUISA EMEM DEBATE
DEBATE • Ano
• Ano II •IIn.• 2
n.•2jan-jun
• jan-jun 2005
2005 • p.
• p. 92-96
117-118
Universidade São Marcos
Moradores de rua do bairro do Ipiranga
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Guilherme Coutinho D’Onofrio
D’Onofre / Rosemari Fagá Viégas

de milhões de pessoas que vivem nas periferias das cidades. É importante destacar que
grande parte da população favelada deixou terras de sua propriedade ou locais onde
plantavam para exercer funções mal remuneradas nos centros urbanos.

Apesar da modernização econômica e tecnológica, a fome persiste como indicador


mais visível e grave da situação desumana que coloca o país entre os mais injustos do
planeta. As desigualdades sociais crescem como fruto do modelo de globalização do
mercado, que concentra poder e riqueza enquanto contribui para a redução de postos de
trabalho nas áreas urbana e rural. Esta globalização também degrada a natureza, causando
desastres ecológicos e multiplica, ainda mais, o número de excluídos.

Nesse contexto de crescente marginalização da sociedade, apontam-se possíveis


soluções que podem amenizar esse processo. São iniciativas pequenas que, atualmente,
tomam força no cenário brasileiro, constituindo-se no trabalho do chamado Terceiro Setor
– formado por Fundações, ONGs (organizações não-governamentais), fundos comunitários,
paróquias e toda e qualquer entidade sem fins lucrativos. Entre essas ações, incluem-se
as atividades do Recanto Vida Nova, localizado na Rua Dom Lucas Obes, nº 1259, Ipiranga,
sob o viaduto Grande São Paulo.

Organizado pela Paróquia São José, o Recanto Vida Nova tem capacidade para abrigar
20 internos, sendo mantido com dízimos dos fiéis, doações e auxílio de empresas tais
como: a Intermédia Sistema de Saúde, a Dissei Engenharia e Construções Ltda e a Edições
Loyola (desligada do projeto, nesse semestre). O fim da exclusão social, no bairro do
Ipiranga, é uma das prioridades da entidade, que desenvolve diversos projetos para a
readaptação do ser humano ao convívio da denominada “sociedade”. O trabalho social da
Paróquia São José é muito diversificado e intenso, envolvendo projetos em plena execução

Padre Antônio de Lima Brito é o pároco da Igreja São José do Ipiranga e também um
líder na execução dessas atividades. Desenvolve diversas ações na região, entre elas:
inúmeras pastorais dinamizadas (catequeses em crescentes níveis, atendendo às
diferentes faixas etárias, chegando à formação de agentes): orientação de noivos e
encontros de casais; criação do Centro de Pastoral; gerenciamento da Pastoral da Saúde;
desenvolvimento de quatro projetos educativos com formação de coral, banda e aulas de
computação, expressão corporal e violão (além da catequese, esses projetos já
conseguiram tirar mais de 190 crianças das ruas, dando condições melhores de vida);
formação da Farmácia Paroquial, centro médico e odontológico; execução do projeto
Casa Êxodo e da Comunidade São Judas Tadeu que atendem dependentes químicos; e o
Recanto Vida Nova, especializado em dar abrigo aos moradores de rua.

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Moradores de rua do bairro do Ipiranga
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Guilherme Coutinho
Coutinho D’Onofrio
D’Onofre / Rosemari Fagá Viégas

A Paróquia possui, também, um jornal batizado de “O Carpinteiro”, onde as notícias sobre


o trabalho social desenvolvido por Padre Antonio Lima de Brito e da comunidade são divulgados.
Este foi uma das principais fontes de consulta para o estudo sobre os moradores de rua do
bairro do Ipiranga, pois através de entrevistas veiculadas pelo jornal foi possível traçar os
pontos iniciais da atuação do Recanto Vida Nova na região. Por intermédio das páginas do
jornal foi possível conhecer mais da história de São José, protetor dos trabalhadores; da
Congregação dos Religiosos de Nossa Senhora de Sion, presente na região do Ipiranga há
90 anos e sobre temas relacionados à exclusão social, como por exemplo, a fome.

É importante assinalar que o bairro do Ipiranga é marcado por sua localização


geográfica e histórica dentro da cidade de São Paulo. Localizado na região sudeste da
cidade, o Ipiranga conta com uma população superior a 171 mil habitantes, ocupa o 10º
lugar em índice populacional dentre os 58 bairros de São Paulo. Sua extensão territorial
compreende 16,35 Km2, com uma densidade demográfica de 10.479 habitantes por Km2.
Formando pela concentração de 24 pequenas vilas, parques, jardins. Adquiriu sua
configuração atual nas últimas décadas, tornando-se um bairro operário.

Até 25 de dezembro de 1920, a região do Ipiranga pertencia à paróquia do Cambuci. Aos


domingos, um padre vinha até a capela das irmãs de Bom Pastor, no Ipiranga, celebrar uma
missa e dar aulas de catecismos. O bairro possuía várias instituições religiosas, mas não tinha
uma paróquia. Os padres de Sion se empenharam para construir a igreja de São José:

Quando o Ipiranga começou a se tornar um bairro operário, a presença da paróquia foi


muito importante. Ela foi um pólo de atendimento e serviço. Os padres da época sentiram a
mudança no bairro e trabalharam em pró dos operários. Formou-se o Círculo Operário do
Ipiranga, com lazer, saúde e com a criação de escolas. A influência da paróquia no
desenvolvimento geral do bairro foi continua sendo muito grande até hoje 1.

O trabalho do Recanto Vida Nova segue as orientações da Congregação dos Religiosos


de Nossa Senhora de Sion e tem uma disciplina diária bastante organizada. Existem: o
estudo dos 12 passos, baseado nas normas dos Alcoólicos Anônimos, onde os internos
apreendem palavras de auto-estima e espiritualidade; as normas da comunidade Recanto
Vida Nova, abordando padrões e procedimentos para a vida comunitária e, por fim, uma
programação diária de atividades realizadas pelos internos. Destaca-se que todas as

1
Depoimento de Ilário Augusto Mazzarolo, padre superior geral da Congregação dos Religiosos
de Nossa Senhora de Sion, Jornal O Carpinteiro. Julho/Agosto 2002, p. 6.

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Guilherme CoutinhoD’Onofrio
D’Onofre / Rosemari Fagá Viégas

áreas da comunidade são de responsabilidade geral dos internos em relação à limpeza,


manutenção, conservação, higiene e ordem.

Para compreender as motivações para o trabalho social desenvolvido pelo Recanto


Vida Nova se faz necessário comparar os dados da população de rua no município de São
Paulo e o Bairro do Ipiranga. Vejamos:

POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE 20002

Distritos Logradouro Albergue Total

São Paulo 5.013 3.693 8.706


Cursino 24 ———- 24
Ipiranga 63 ———- 63

Sacomã 13 ———- 13

Total 100 ———- 100

DISTRITOS LOGRADOURO

Sacomã Praça Miguel Pedroso Leite


Praça Henru Laurens
Via Anchieta

Cursino Av. Tancredo Neves


Rua Vergueiro
Rua Silva Bueno

Ipiranga Rua Engenheiro Sampaio Coelho


Av. Nazaré
Rua Ouvidor Portugal

Av. Dr. Ricardo Jafet


Rua Costa Aguiar
Rua Tabor

Rua Cisplatina
Rua Lino Coutinho
Rua Bom Pastor

Praça da Independência
Rua Pouso Alegre
Rua Lino Coutinho

Rua Leais Paulistanos


Viaduto Gazeta
Rua Agostinho Gomes

2
Fonte: Censos de Moradores de Rua da Cidade de São Paulo 2000
– Secretaria Municipal de Assistência Social SAS/CGPC \
– Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE

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Guilherme Coutinho D’Onofrio
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DISTRITOS IDENTIFICAÇÃO SITUAÇÃO

Cursino Santa Cruz Ocupado por uma família que comercializa plantas

Aliomar Baleeiro Existem cinco barracas


Ipiranga Comandante Taylor Moram 19 famílias. O local é utilizado também para comércio
(bar, borracharia, estacionamento)

Gazeta Ocupado à noite por seis catadores de papel

Em síntese, pelo mapeamento do bairro com relação à situação dos moradores de


rua, percebe-se que ainda há muito trabalho a ser realizado pelas atividades comunitárias
(ou ditas do Terceiro Setor). O exemplo do Recanto Vida Nova e das atividades
desenvolvidas pela Paróquia São José é o início de uma discussão sobre o crescimento
das ações sociais e voluntárias. Merece atenção especial às ações dirigidas à redução da
exclusão social – um dos grandes problemas estruturais brasileiro. A abordagem de
experiências inovadoras na área social funciona como estímulo às transformações que
devem ser implementadas no país. Projetos sociais e humanitários têm tirado das ruas
centenas de pessoas, proporcionado melhor condição de vida. O objetivo desse artigo foi
somente lançar luzes sobre um assunto que está em voga e que merece maior reflexão
crítica e científica.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, José Luís Vieira. Tá na rua: representações de prática dos educadores de rua.
São Paulo: Xamã, 2001.

CARDOSO, Fernando Henrique; IANNI, Octavio. Homem e Sociedade. São Paulo:


Nacional, 1973.

NASSER, Ana Cristina Arantes. A vida dos homens da noite na cidade grande. Travessia
do Migrante. São Paulo, nº 29, Setembro/Dezembro de 1997, p. 5-11.

SPOSATI, Aldaíza. Mapa da Exclusão/Inclusão Social na Cidade de São Paulo –Região


Sudeste. São Paulo, 1996.

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Informação e linguagem no agronegócio paulista

Lilian Pacchioni Pereira de Sousa*

Rosemari Fagá Viégas**

Resumo
Este trabalho trata da importância da informação para o investimento no agronegócio para o
Brasil, e principalmente para o Estado de São Paulo. A partir das análises das ações do
governo paulista, observou-se que existe uma grande preocupação no que diz respeito às
políticas públicas de geração e transferência de conhecimento técnico e científico para a
população que depende dos setores agrícola e agroindustrial. O enfoque principal dessa
pesquisa foi avaliar em que medida a comunicação científica e tecnológica, por meio da
informação, pode contribuir para o desenvolvimento do agronegócio. Como objeto de estudo
para esta pesquisa, foi escolhida uma instituição que trabalha com a informação, e para isto
utiliza a internet e se destaca na área de desenvolvimento de pesquisas e difusão tecnológica
para o agronegócio paulista, o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL).
Palavras-chaves: Informação, Comunicação, Conhecimento, Setores agrícola e agroindustrial.
Abstract
This study aims at the importance of information for the investment in agribusiness within
Brazil, and mainly to the State of São Paulo. Based on the analysis of actions carried out by
the Paulista Govemment, it was clearly noticed that there is a great concern by virtue of the
public policies in terms of creation and transfer of technical and scientific knowledge to the
population who relies on the agricultural and agro-industrial sectors. The main focus of this
research was on the extension that technical and scientific communication – through
information – can contribute to the development of agribusiness. For this study has been
chosen to focus on, the Instituto de Tecnologia de Alimentos – ITAL:(Institute of Food
Technology) was chosen. This institute deals with information making use of the Internet to
do so, apart from standing to the Paulista agribusiness sector.
Keywords: Information, Communication, Knowledge, Agricultural and agro-industrial sectors.

* Mestre pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Comunicação e


Administração da Universidade São Marcos.
**Professora-doutora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação, Comunicação
e Administração da Universidade São Marcos.

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Informação e linguagem no agronegócio paulista
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As condições climáticas e as grandes extensões de terras próprias à agricultura


fornecem ao Brasil um enorme potencial para o desenvolvimento do agronegócio, sendo
este uma alternativa viável para o enfrentamento de questões sociais que afetam a vida
no campo, tais como o desemprego, a miséria, a fome e o êxodo rural. No mercado
internacional, o agronegócio enfrenta problemas impostos pelas medidas protecionistas
adotadas por países importadores que protegem o seu produto interno em detrimento
àqueles produzidos por economias em desenvolvimento.

Nesse contexto, o empresário familiar rural é forçado a buscar constantemente


qualificação do saber técnico, além de novos meios de produção, pois somente com
esses atributos atingirá a ampliação de sua participação em mercados economicamente
mais desenvolvidos, operando em condições de sobrevivência e competitividade.

Em paralelo, as ações estatais, principalmente em São Paulo, priorizam o investimento


em institutos de pesquisas, centros de tecnologia de alimentos e coordenadorias como
CODEAGRO (Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios), CATI (Coordenadoria
de Assistência Técnica Integral) e APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios).
Essas instituições públicas têm como principal meta fornecer informação – instrumental
básico para que o produtor rural possa ter condições de disputar o mercado e diversificar
sua produção.

A busca por informação tem sido uma demanda crescente entre os agricultores.
Entre os veículos de comunicação, a Internet e o rádio apresentam-se, para o agricultor,
como importantes instrumentos para a aquisição de conhecimento. O rádio é utilizado há
muito tempo, mostrando-se adequado às necessidades do homem do campo, em especial,
pelo imediatismo da informação e pelo relacionamento íntimo que consegue estabelecer
com a comunidade1. Quanto à Internet – mesmo com o acesso ainda limitado em grande
parte da área rural – apresenta-se como um canal de alta relevância, pois pode realizar
a mediação necessária entre fonte e destinatário2.

Contudo, para se compreender informação e linguagem nas políticas públicas no


agronegócio paulista, deve-se observar especificidades no processo comunicacional
existente entre produtores rurais e órgãos estatais fornecedores de informações, onde

1
RABAÇAL, Myriam da Costa Hoss. Rádio: 80 anos no ar. Revista Álvares Penteado. São Paulo,
v. 4, n. 10, p. 81, dez. 2002.
2
POLISTCHUCK, Llana & TRINTA, Aluízio R. Teoria da comunicação: o pensamento e a prática
da comunicação social. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p. 161.

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Informação e linguagem no agronegócio paulista
Voltar  99  Sumário Lilian Pacchioni Pereira de Sousa / Rosemari Fagá Viégas

os agentes produtores de conhecimento são pesquisadores e especialistas. Em geral, a


comunicação entre produtores rurais e pesquisadores é dificultada por diferenças na
formação cultural e socioeconômica entre estes. Deve-se lembrar que a articulação e a
transmissão da informação podem acontecer de diversos modos, porém a ocorrência não
significa compreensão (ausência do ato comunicativo). Problemas comunicacionais podem
surgir na compreensão tanto na forma cognitiva quanto na falta de senso comum.

O conhecimento do homem do campo é freqüentemente expresso nos seus domínios


e de diversas formas, dificultando a compreensão dos significados para outras pessoas
externas ao grupo. Do mesmo modo, este homem enfrenta dificuldades para entender
termos e significados técnicos e científicos. Adicione-se a isto, a visão do produtor rural
sobre suas práticas agrícolas – incluindo-se nesse âmbito as adaptações, os procedimentos
e os experimentos Não há uma descrição das experiências em termos de criatividade,
mas em termos cotidianos.

Habitualmente, a capacidade de reação e a lógica de pensamento das pessoas do


campo têm sido subestimadas, pois para muitos a postura do agricultor é passiva e até
mesmo submissa às novas tecnologias. Apenas a recepção de informações seria a
característica evidente de que ocorreria uma comunicação – neste caso, unilateral. Porém,
atualmente, é grande o interesse, por parte dos agricultores, pela natureza das políticas
agrícolas e a dimensão de seus efeitos nas suas vidas. Isto implica em maior transparência,
confiabilidade e multidirecionamento da comunicação: é necessário negociar, compartilhar
e trocar experiências.

Outro aspecto relevante é o surgimento de uma nova visão sobre a transferência de


tecnologia. Essa visão parte do pressuposto de que o conhecimento no meio rural se
desenvolve dentro de um contexto social e que a inovação tecnológica deve perseguir
uma abordagem participativa e de aprendizagem, incorporando o conhecimento prático
vindo do produtor rural.

Vale ressaltar, ainda que a linguagem utilizada na informação tecnocientífica merece


um estudo mais aprofundado. Apesar dos diversos esforços empreendidos, ao longo do
tempo, por instituições privadas e públicas e da existência de inúmeras bases de dados
bibliográficos que indexam a literatura da área de ciências agrárias, persistem carências
de informação em setores estratégicos como o do agronegócio. Para suprir essas carências
e facilitar o acesso dos produtores rurais e de pequenos empresários familiares, o ITAL
(Instituto de Tecnologia de Alimentos), freqüentemente, transforma material técnico e
científico, direcionado às comunidades universitária e científica, em informações acessíveis

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Informação e linguagem no agronegócio paulista
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ao produtor rural e pequeno empresário familiar. Nesse sentido, deve se destacar que a
informação dirigida aos setores agropecuário e agroindustrial somente repercute quando
a linguagem empregada pelos meios de difusão recebe um tratamento adequado ao
repertório do receptor, nesta análise: o produtor rural.

Desse modo, a forma pela qual a política de difusão e controle de informações é


elaborada pelo ITAL vem ao encontro do que muitos teóricos da comunicação e da
informação pensam a respeito do fenômeno chamado repertório, visto como um “conjunto
de signos conhecidos, ou assimilados”, identificando-se portanto com aquilo que se
classifica ordinariamente em termos de cultura pessoal ou grupo”.3

A preocupação do ITAL em adequar a linguagem acadêmica à compreensão de seus


receptores reflete o pensamento desses autores com relação ao repertório. Isto porque
as informações são obtidas mediante periódicos científicos, teses, livros, bancos de dados
e outras fontes de referência para a elaboração das informações voltadas ao agronegócio.
Constata-se que se as informações não passarem por um processo de transformação da
linguagem, dificilmente serão assimiladas pelo público-alvo (isto é: o produtor rural).

As pesquisas realizadas pelo ITAL apontam a Internet como canal pelo qual o fluxo
de informação encontra o seu mais preciso e rápido meio para chegar até o destinatário.
Qualificada como “meio de difusão coletiva”, a Internet tornou-se para o ITAL um
importante veículo de ação simultânea e cooperação na troca, difusão e obtenção de
informações e conhecimentos para o agronegócio paulista. A emergência de veículos
especializados, o fortalecimento de periódicos focados prioritariamente em economia/
negócio e, sobretudo, a multiplicidade de web sites que contemplam as atividades agrárias
são ações que aumentaram significativamente o espaço de divulgação do agronegócio.4

Simultaneamente à utilização da Internet, a grande imprensa cria cadernos, suplementos,


páginas, editoriais para debater temas relevantes ao meio ambiente e à agropecuária. Por
decorrência, a cobertura jornalística desses assuntos se especializou, exigindo das empresas,
institutos de pesquisa e universidades um maior grau de competência em comunicação para
dar conta dessa demanda por informações.

3
D’AZEVEDO, M. C. Teoria da informação. Fundamentos biológicos, físicos e matemáticos.
Relações com a Cultura de Massas. Petrópolis: Vozes, 1871, p. 89.
4
BUENO, Wilson da Costa. A Internet na Agricultura. Jornal O Estado de S. Paulo. São Paulo,
Suplemento Agrícola, Jan. 2004, p. 12.

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Informação e linguagem no agronegócio paulista
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O grau de importância do agronegócio ainda não é correspondente à oferta de canais


de comunicação focados no assunto. O número de títulos de revistas indexadas ou não,
o número de suplementos nos jornais e nas grandes revistas de informação geral, as
inserções nas programações das rádios e TVs, é muito reduzido – o mesmo se aplicando
para os veículos especializados sob a responsabilidade de empresas, institutos de
pesquisas e universidades. Observa-se claramente que o espaço em meios de
comunicação tende a aumentar, assemelhando-se ao que ocorre em países mais
desenvolvidos nesse setor. Enfatiza-se, mais uma vez que, hoje, o meio de comunicação
com maior conteúdo em agronegócio é a Internet, repleta de portais e serviços de notícias
que atendem a esse assunto.

Indubitavelmente, a Internet propicia grande facilidade de acesso à informação. Mas,


ao mesmo tempo, provoca no seu usuário um sentimento de insegurança, visto as
disparidades de seus conteúdos e as contradições existentes entre quantidade e qualidade
de informação. Muitos teóricos da Ciência da Informação entendem que o grau de entropia
da comunicação via web deve ser reduzido para que possam ocorrer partilhas entre
cientistas e usuários comuns. Para tanto, se faz necessário imprimir novos tratamentos
ao processo de geração de conteúdos e de produção de informações, a fim de reduzir as
disparidades e excessos embutidos nas novas mídias, exigindo-se novos procedimentos,
tantos dos que geram conhecimento como dos que produzem a informação5.

De acordo com esse panorama, em que o acesso à informação contribui para o


desenvolvimento do agronegócio, se faz necessário conhecer os procedimentos pelos
quais o Estado pode contribuir para que isso ocorra efetivamente, conciliando o saber
científico com a prática, através da informação. Não se pode esquecer a permanente
dicotomia entre os que têm acesso à Internet e aos que não possuem esse benefício. Não
se trata somente da aquisição e manutenção dos equipamentos de computação e softwares,
mas o saber instrumentalizá-los eficazmente.

As políticas públicas adotadas pelo Estado dão prioridade à criação de unidades como
os institutos especializados em alta tecnologia e transmissão de informações para o
agronegócio. Com a intervenção estatal, o pequeno produtor rural pode ter acesso à
Internet de uma maneira coletiva, em bairros rurais, unidades de cooperativas, associações

5
SANTORO, Luiz Fernando. Mídia comunitária, Internet, imprensa e televisão: o que muda no
processo de formação da opinião pública no Brasil. Apostila para o curso de Mestrado em
Educação, Administração e Comunicação da Universidade São Marcos. Julho 2002, p. 10.

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Informação e linguagem no agronegócio paulista
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e sindicatos, ou seja, há um estímulo à inserção da Internet no campo. Para tanto, o


Estado realiza eventos de difusão dessa tecnologia, fornece condições favoráveis para a
compra de equipamentos, implementa melhorias na infra-estrutura de telecomunicações
e motiva a criação de centros rurais com acesso à rede.

É importante ressaltar, também, que a Internet transformou as relações entre Estado


e Sociedade. Contudo, ainda há uma grande parcela da população que está excluída
desse processo de aquisição de informações via web. Os governos federais e estaduais
travam um duelo implacável com o fenômeno da exclusão digital, pois é preciso ampliar
o processo democrático de acesso à informação. Nessa luta, outras formas de comunicação
somam-se a o esforço para o acesso às informações (cartas, telefones, informes e outras
alternativas). A meta é garantir o serviço ao cidadão na mídia que lhe for mais acessível,
sem necessariamente acessar os sites dos órgãos estatais.

Em síntese o grande desafio das políticas públicas voltadas ao desenvolvimento do


agronegócio é alterar a visão clássica da difusão do conhecimento especializado para
uma ação comunicativa entre a ciência e sociedade, ou seja, substituir a divulgação
científica clássica por práticas comunicativas, passando do signo da difusão para o signo
da comunicação, e trocar difusores por comunicadores. A fonte acadêmica deve responder
às necessidades pragmáticas coletadas pelo comunicador na sociedade, e a partir daí
ocorrer o processo de democratização da informação e do saber científico.

Referências Bibliográficas

RABAÇAL, Myriam da Costa Hoss. Rádio: 80 anos no ar. Revista Álvares Penteado. São
Paulo, v. 4, n. 10, 2002.

POLISTCHUCK, Llana & TRINTA, Aluízio R. Teoria da comunicação: o pensamento e a


prática da comunicação social. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

D’AZEVEDO, M. C. Teoria da informação. Fundamentos biológicos, físicos e matemáticos.


Relações com a Cultura de Massas. Petrópolis: Vozes, 1971.

BUENO, Wilson da Costa. A Internet na Agricultura. Jornal O Estado de S. Paulo. São


Paulo, Suplemento Agrícola, Jan. 2004.

SANTORO, Luiz Fernando. Mídia comunitária, Internet, imprensa e televisão: o que muda
no processo de formação da opinião pública no Brasil. Apostila para o curso de Mestrado
em Educação, Administração e Comunicação da Universidade São Marcos. Julho 2002.

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O Projeto de Reflorestamento da Palmeira Juçara


(Euterpe edulis) na Mata Atlântica:
uma experiência entre os índios Guarani Mbya e
universitários da Universidade São Marcos.

Marília G. Ghizzi Godoy*

Regiane Souza Leandro**

Resumo
O artigo reproduz os conteúdos do projeto “Krucutu: resgate da sabedoria do palmito na
Mata Atlântica”, o prêmio da Unisol/Banco Real e relata experiências entre os universitários e
os indígenas guarani mbya da aldeia Krucutu (SP).
Palavras-Chave: projeto de reflorestamento, índios mbya, experiência universitária.
Abstract
The article reproduces the contents of the project “Krucutu: rescue of the wisdom of the
palmito in Mata Atlântica”, the prize of the Unisol/Banco Real and tells to experiences between
the colleges student and the aboriginals guarani mbya of the aldeia Krucutu (SP).
Keywords: project of reforestation, indians mbya, university experience.

Muitas pessoas do nosso meio universitário perguntam sobre o “Projeto Krucutu –


O resgate da sabedoria do palmito na Mata Atlântica”. Como entender a atuação de
alunos em um meio indígena? Estranham o fato da existência de aldeias indígenas
sobreviverem no meio de tanta diversidade que a metrópole paulista exibe.

Um olhar sobre a aldeia Indígena Krucutu ressalta o núcleo Guarani Mbya situado na
região de Parelheiros, a beira da Represa Billings. Entre as vinte e nove aldeias guarani
do Estado de São Paulo, a aldeia Krucutu e sua vizinha aldeia Morro da Saudade (também
chamada Tenonde Porã) compreendem núcleos inseridos na metrópole paulista.

*
Professora de antropologia e membro do Núcleo de Programas e Projetos Sociais da
Universidade São Marcos.
**
Assistente de Projetos do Núcleo de Programas e Projetos Sociais da Universidade São Marcos.

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O Projeto de Reflorestamento da Palmeira Juçara
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Marília G. Ghizzi Godoy / Regiane Souza Leandro

Nos últimos dez anos os índios guarani vêm se tornando alvo de atenção dos civilizados
em decorrência de iniciativas e projetos que foram aplicados em suas aldeias no Estado
de São Paulo. Os campos de atuação relacionados a saúde, educação, habitação são os
mais destacados dessa influência. Nas aldeias da cidade de São Paulo a criação de escolas
estaduais de 1º grau e do Centro Educacional de Cultura Indígena – CECI – de iniciativa
municipal (para atendimento de crianças de 1 a 6 anos), nos últimos 3-4 anos, representam
a presença de valores desenvolvidos conforme definição atual da educação indígena e o
seu sentido emancipador de interculturalidade.

De forma estratégica, o Núcleo de Programas e Projetos Sociais, ligado à área de


extensão acadêmica da Universidade São Marcos, idealizou o mencionado projeto com
vistas a se preocupar com a educação indígena no seu aspecto cultural de valorização
das tradições, expressivas do reflorestamento. Foi considerado como certo um
enriquecimento para os atuais interesses da escola conforme os próprios professores
indígenas argumentaram e deram subsídios para a proposta.

1. Origem e premiação do Projeto

Antes de considerarmos o Projeto Krucutu é preciso descrever a experiência do Projeto


Jejy da aldeia Indígena Guarani do Ribeirão Silveira, que foi pioneiro na dinâmica social
desta discussão1.

Nos anos 90, especificamente em 1994, na aldeia do Ribeirão Silveira (Praia da


Boracéia – Litoral Norte de São Paulo) teve origem um projeto de reflorestamento do
Palmito Juçara. Por iniciativa de um líder local, o projeto expandiu-se, ganhou vulto
com o apoio da FUNAI e de técnicos das Prefeituras de Bertioga e de São Sebastião,
as quais estão vinculadas a esse núcleo. No ano 2002 esse projeto conseguiu destacar-
se entre os cinco primeiros selecionados pela FGV no Programa Gestão Pública e
Cidadania. Por esta vitória muitas comemorações ocorreram envolvendo líderes locais
e autoridades políticas 2.

1
Considerou-se o termo jejy, em língua nativa, para o projeto. Esse termo é a designação
para o palmito juçara.
2
A organização desse projeto e sua inserção no referido concurso da FGV (Gestão e Cidadania)
foi realizada pela Profª Drª Marília G. Ghizzi Godoy nos anos 96-98 e 2002 quando recebeu
o prêmio.

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Com o prêmio, o Projeto Jejy ganhou vulto e desde então vem se tornando um meio
de sustentabilidade e também de reforço das tradições culturais indígenas na Mata
Atlântica, no ambiente comunitário.

À medida que a palmeira passou a fazer parte do meio nativo, os plantios tornaram-
se recursos integrantes do cotidiano e universo cultural dos habitantes. Viver ao lado
desse reflorestamento passou a ser intrínseco à vida nativa.

Diante dessa iniciativa, outras aldeias inseridas em áreas devastadas da Mata Atlântica
apresentam motivações no sentido de implantar o reflorestamento do palmito juçara.

No final de 2003, em contato com a liderança da aldeia Krucutu, particularmente


com o Cacique Marcos Tupã foram propostos planos para reproduzir a experiência do
Projeto Jejy nesse local da cidade de São Paulo.

Em março de 2004 a OSIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público)


Universidade Solidária e o Banco Real AMRO Bank realizaram o IX Prêmio Banco Real/
Unisol, cujo tema “Desenvolvimento Sustentável, com ênfase em Geração de Renda”,
contemplava as mencionadas demandas e expectativas das lideranças da aldeia Krucutu.

As discussões com as lideranças da aldeia Krucutu foram retomadas e um grupo


formado por técnicos e professores da Universidade São Marcos, pertencentes ao Núcleo
de Programas e Projetos Sociais, elaboraram e encaminharam ao Concurso, patrocinado
pela Unisol/Banco Real AMRO Bank, o projeto “Krucutu: resgate da sabedoria do palmito
na Mata Atlântica”.

Foram apresentados 195 projetos ao Concurso. Depois de minuciosa seleção realizada


por uma banca de avaliadores composta por IES parceiros do Unisol, sua coordenação e
profissionais do Banco Real, foram selecionados dez projetos. Entre eles o Projeto Krucutu:
O Resgate da sabedoria do Palmito na Mata Atlântica recebeu para a sua execução o
prêmio de vinte mil reais.

2. Descrição do Projeto

É preciso constar que para introduzir o projeto na dinâmica concursiva foi preciso
preencher os incisos do modelo de projeto, conforme edital da entidade proponente (Unisol).

Tem ele por objetivo promover a reprodução do “Projeto Jejy” a partir da aldeia do
Ribeirão Silveira que deu origem a viveiros de mudas de palmito e formação de palmiteiros
naquela região. Pelo projeto desenvolveram-se meios de subsistência aos índios guaranis

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e a reposição do Palmito Juçara (Euterpe edulis) em extinção “Por meio da observação e


treinamento dos estudantes em Ribeirão Silveira, as condições técnicas e administrativas
do ‘Projeto Jejy’ devem ser aperfeiçoadas, em consonância com a transmissão da cultura
Guarani, e repassadas à aldeia Krucutu, criando-se condições de valorização cultural e
sustentabilidade econômica.3”

As justificativas, metodologias e as várias fases de execução e atuação, junto à


comunidade da aldeia Krucutu, seguiram conteúdos próprios na escrita do projeto.

Essas programações estenderam-se num período de 6 meses. Tiveram como ponto


inicial o contato com a comunidade e definição do pessoal indígena designado para atuar
diretamente nas tarefas.

Foram incluídos nos programas o estudo da área, da terra, definição e prática do


plantio e atuação no paisagismo local. Foi considerado prioritário o trabalho educativo
junto a escola e a capacitação indígena com os lideres do Programa do Projeto Jejy da
aldeia de Ribeirão Silveira. No bojo dessas tarefas o projeto encaminhava um sentido
de sustentabilidade decorrente de sua inserção na cultura e possibilidade de geração
de renda.

3. Uma palavra sobre os Guarani Mbya

Da ampla bibliografia que trata desse povo foram destacadas as obras de Egon
Schaden, M. Inês Ladeira, Marília G.G. Godoy, Bartomeu Melià.

Uma reflexão e discussão sobre esses autores seguiu como prioritário a identidade
da cultura em termos de sua concepção mitológica, messiânica com um dom religioso
próprio que preenche todas as esferas do convívio nativo, principalmente um passado
expressivo com uma tradição “caçador-coletor” indica a rotina desse povo ao se dedicarem
a “morar no meio da mata”. De forma estratégica o sedentarismo e o desempenho agrícola
que se desenvolveram entre eles projeta-se como representação histórica da comunidade
e subsistência. As bases da organização social encaminhada pela chefia e parentelas
decifram os agrupamentos patrilocais da aldeia em discussão.

Como em outras aldeias mbya o xamanismo toma vulto pela atuação dos grandes
xamãs, designados Xeramoi, termo que quer dizer “meu avô”. Os rituais religiosos ocorrem

3
Descrição e narrativa do projeto em questão.

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diariamente na casa de rezas (designadas opy). É aí que se desenvolvem as manifestações


rituais ligadas ao canto e dança, cerimônias de cura, reuniões de aconselhamentos.

Ao considerar a presença de valores inseridos na tradição e com um caráter de


continuidade cultural o projeto levou em conta sua ordenação referente ao mundo
civilizado. Foi abordado o tema relativo ao termo jurua. Trata-se de uma categoria
representativa do mundo do branco indicando não apenas as pessoas desse universo,
mas uma concepção política própria. Como sabemos a base desta política é a definição
do isolamento e distância “do mundo do Jurua”4.

4. Vivendo a prática do projeto na aldeia

Os alunos selecionados após se inscreverem para desenvolver o projeto o assumiram


na forma de uma preparação para a vida profissional e de desenvolvimento pessoal. A
equipe foi formada por alunos universitários, sendo: 2 do curso de Psicologia, 2 do curso
de Pedagogia, 2 do curso de Zootecnia e 1 do curso de Engenharia Ambiental5. Como
técnicos , 1 biólogo e 1 antropóloga.

A estadia inicial, na aldeia do Ribeirão Silveira, durante um fim de semana, possibilitou


um primeiro contato e conhecimento do Projeto no seu “berço”. Foram visitados os viveiros,
os núcleos familiares.

Essa viagem contou com o apoio da escola municipal que favoreceu a estadia e
ordenação das reuniões. Criou-se um espaço educativo onde a comunidade e os líderes
do plantio do palmito puderam expor idéias e apresentarem posições sobre a cultura,
ligados ao replantio de árvores nativas e a questão de sustentabilidade.

Os alunos e as lideranças indígenas conviveram em um meio de familiaridade. Com


muitas crianças presentes, trocaram-se valores de conhecimentos a respeito do tema.

Ficou marcante o que representa o palmito para os guarani. Trata-se de uma árvore
nativa presente no interior das matas e cujo caule comestível era obtido como parte dos

4
O termo jurua é usado em todas as aldeias Mbya para expressar o branco, representante do
estilo de vida civilizado. Esta designação deriva do termo juru que indica boca e ‘a (cabelo):
significa a figura do homem branco marcada pelo bigode.
5
A seleção desses alunos foi resultante de um edital de convocação que foi colocado em cada
sala de aula. Considerou-se como critério que os universitários deveriam cursar no mínimo o
3º semestre dos cursos.

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programas familiares de grupos comunitários geralmente empenhados na iniciação e


educação dos púberes. Esses, disseram os antigos, deveriam aprender a cortar árvores,
retirar o caule e saboreá-lo com mel. Tratava-se de uma experiência do crescimento e
formação da mentalidade que para esse povo tem um dom próprio expresso como “viver
no meio do mato”. Algumas pessoas dizem ter participado dessas excursões, lembrando-
se com muita emoção de seus significados quanto a uma vida própria.

Mais recentemente, há uns 40 anos, o corte depredatório do palmito é reconhecido


como um expediente “na falta de outros recursos”. Ele é tolerável pelas elites religiosas
apenas como uma solução precária.

As outras viagens, realizadas na aldeia Krucutu, deram continuidade às fases, tal


qual estavam previstas no Projeto.

Os alunos ligados à área de exatas fizeram o reconhecimento do espaço. Juntamente


com a equipe indígena eles exploraram a área de 25 hectares. Seguiram as primeiras
indicações dos chefes no sentido de plantar em áreas mais comprometidas com as rotas
de acesso. Realizou-se um mapeamento local.

Os alunos do curso de pedagogia e de psicologia puderam visitar os núcleos


patrilocais, conversarem com os moradores. Eles se envolverem com os professores
nativos e vislumbraram as possibilidades de realizar o texto educativo sobre o projeto
de educação ambiental.

As refeições preparadas pelas índias no refeitório da escola estadual tornaram-se um


momento de confraternização e convívio mútuo. Tivemos que seguir as sugestões nativas
para o cardápio indígena em sua versão já aculturada: arroz, feijão, frango, salada, fruta.

Os alunos e os indígenas, nas estadias periódicas durante o 2º semestre do ano de


2004, plantaram as mudas provenientes da aldeia do Ribeirão Silveira. Levou-se conta a
concepção ara pyau; segundo a qual a primavera é um momento de intensa recriação da
natureza pela ação de forças misteriosas. Seguiram o saber relacionado ao plantio da
Palmeira Juçara vinculada ao sobrenatural.

Os dois guarani, Valdelino Gonçalves, Noelio Vitorino Karai Tataendy que foram os
indígenas mais atuantes no projeto puderam sentir de perto o convívio com os
universitários. O entendimento do plantio foi sendo construído por meio de uma troca de
conhecimentos. Foi destacável a capacitação desenvolvida pela influência de Vando e do
Projeto Jejy. Para eles a experiência enfatizou um meio próprio de comparação e afirmação
dos saberes tradicionais e a leitura técnica dos universitários jurua.

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Esses dados estão documentados e registrados em um manual com as fases do projeto


e o exercício do plantio da juçara na comunidade.

5. Registros dos universitários nas atividades de campo

“Aldeia Krucutu – 07.08.04.

A equipe de alunos saiu do Núcleo de Programas e Projetos Sociais da Universidade


São Marcos, em São Paulo, rumo à aldeia Krucutu (Represa Billings – Grande São Paulo).
Chegamos por volta das 10h na aldeia.

Fomos recepcionados por Luiz Karaí (vice-cacique) para acompanhar o desenvolvimento


do projeto na aldeia.

Após a recepção do grupo, foi realizada uma reunião na associação local para
apresentação da proposta de trabalho para esse dia: fazer o reconhecimento das trilhas da
aldeia utilizando um GPS (Sistema Global de Posicionamento) e coletar amostras do solo
da aldeia para análise, visitar e conhecer os agrupamentos familiares. Retornamos às 17
horas após uma visita na Casa de Rezas.”

“Aldeia Krucutu – 06.11.04.

A equipe dos alunos saiu da Universidade às 8 horas, chegou 9h30 no local e deu
início aos trabalhos, após breve encontro com a equipe indígena que vem nos
acompanhando e, assim, foram verificados o crescimento dos palmitos, já plantados.

Estamos sempre rodeados pelas crianças as quais para nós tornaram-se integrantes
da experiência. Percebemos o quanto elas compartilham da experiência. Estão sempre
alegres e demonstraram muito interesse por tudo que nos diz respeito. Nós conversamos
muito e na hora da refeição é uma confraternização entre todos.

Esta realidade é o que podemos chamar de ‘educação’.” Relatório dos alunos.

“O jejy, palmeira juçara é como um livro. Ela representa um mundo: o da própria


natureza – mata atlântica.

Mas o jejy não é apenas bonito saboroso. Ele é também um dos guardiões da mata.
Com a sua volta, voltarão os bichos da mata, virão outras plantas que resgatam a saúde
dos solos e cicatrizam as feridas da mata.

Se plantarmos palmito, ele cuida da mata.

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Para que a gente não precise cortar o palmito juçara que é também parte do paisagismo,
plantamos o Pupunha, ele também é muito saboroso. Esta palmeira demora apenas três
anos para crescer, dá muito palmito e quanto mais a gente corta, mais palmito vão
surgindo. As coisas saborosas da Natureza são para serem apreciadas.

Sem a planta não há bicho, sem bicho não há planta, sem planta não há solo, sem
solo não há alimento, sem alimento não há gente e sem gente não há sentido.

A palmeira continua no topo da mata, mas seus irmãos se foram quase todos. Restaram
poucos para contar sobre os segredos da sua espécie, poucos para nos contar sobre A
Sabedoria do Palmito Juçara.

Cuidando das pequenas mudas, olhando e escutando os palmitos adultos, fomos


aprendendo um pouco sobre esta sabedoria.” Texto do diário de campo do aluno Rangel
A. de Almeida Mohedano (Engenharia Ambiental).

A professora Marília Godoy faz de tudo para a gente aprender a cultura guarani. Entendemos
como as famílias vivem. Pudemos conviver nos pátios das moradias e saber um pouco desse
modo de vida que tínhamos lido nos livros. Compartilhando de um mundo natural e com respeito
pela vida tradicional esses guarani são como filósofos que se negam a seguir os brancos. O modo
de ser deles chamado nhangareko é uma expressão da sua filosofia voltada para a natureza. Nas
atividades diárias observamos como a cultura cria valores que têm uma expressão de definir o
dia-a-dia da comunidade e da sobrevivência. A presença de escolas, da televisão em algumas
moradias parecem representar verdadeiros testes para o futuro desses indígenas.6

Essas anotações retratam um sentido de interculturalidade e de reflexão entre os


universitários e os indígenas. As situações descritas podem ser entendidas como
expressões de sentidos no cotidiano vivido entre os sujeitos envolvidos na experiência.

Bibliografia

GODOY, Marília G. Ghizzi – Os rituais de “canto-dança” e de formação da “palavra-alma-


nome” entre os Guarani Mbya. In CARVALHO, Silvia M.S. Rituais Indígenas Brasileiros.
São Paulo – CPA Editora Ltda. 1999.

GODOY, Marília G. Ghizzi – Nande Reko Arandu – Música e Tradição Cultural – Arte e Ciência
– Descoberta/Descobrimentos. São Paulo, ECA-USP. Ano 2 nº 2. Pp. 276-289. s/d.

6
Texto do diário de campo do aluno Felippe Augusto Tribuzzi (curso de Pedagogia).

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Marília G. Ghizzi Godoy / Regiane Souza Leandro

GODOY, Marília G. Ghizzi – “Teko Axy – o misticismo Guarani Mbya na era do sofrimento
e da imperfeição” Tese de doutoramento. PUC, São Paulo, 1995 (datilografada).

LADEIRA, Maria Inês – “O caminhar sob a luz”- O território Mbya à beira do oceano
– Dissertação de mestrado. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica, março de 1992
(datilografada).

MELIÀ, Bartomeu – A experiência religiosa guarani IN: MELIA, Bartomeu et alli – O rosto
índio de Deus – Coleção Ecologia e Libertação. Rio de Janeiro, vozes, 1989, Pp. 293-357.

MELIÀ, Bartomeu – Educação indígena na escola. In Educação indígena e interculturalidade.


Cadernos CEDES. Centro de Estudos Educação e Sociedade. Campinas, Unicamp, 2000,
nº 49, Pp. 11-17.

SCHADEN, Egon – Aspectos fundamentais da cultura Guarani. São Paulo, Editora


Pedagógica Universitária, EDUSP, 1974 (3ª edição).

Imagens

Foto 2 – Universitários e indígenas na casa de


rezas (opy). Aldeia Krucutu.

Foto 3 – Capacitação. Líder do Projeto Jejy (aldeia


do Ribeirão Preto) fornece explicações sobre o
Foto 1 – Aluna do curso de Zootecnia. plantio da palmeira a outros indígenas e a
Avaliação do Plantio da Palmeira Juçara. universitários. Aldeia Krucutu.

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O Projeto de Reflorestamento da Palmeira Juçara
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Marília G. Ghizzi Godoy / Regiane Souza Leandro

Foto 4 – Avaliação do plantio por Indígena da Foto 5 – Capacitação. Aldeia Krucutu.


aldeia Krucutu.

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MARINI, Marcos V. P. M. Administração Pública e Livre

Resenhistas: Rosimeri Ferraz Sabino*

Floriano Barboza Silva**

Um dos grandes desafios para os países emergentes é, sem dúvida, o desenvolvimento


tecnológico. No campo da tecnologia da informação os recursos para a aquisição compõem
uma parte substancial dos orçamentos públicos, visto que os valores são estabelecidos
por um mercado monopolizado por grandes empresas multinacionais que tornam o
comprador um usuário dependente das futuras atualizações. No Brasil esse problema
vem sendo solucionado através de ações e apoio do Governo Federal para a criação de
alternativas de tecnologias de informação com licença livre para uso. Os chamados free
softwares, softwares livres ou programas de código aberto passaram a compor as decisões
de políticas públicas brasileiras.

Esses programas desenvolvidos por colaboradores ao redor do mundo permitem o


trabalho solidário e compartilhado, dando origem a projetos para a sociedade com total
liberdade de uso e adaptação às necessidades do usuário. A ideologia do software livre,
que inicialmente era vista como um “movimento de rebeldia” ao capitalismo, assumindo
um cunho de discussão filosófica, hoje está concretizada como forma de liberdade para
todo e qualquer tipo de conhecimento humano.

* Pós-Graduanda em Avaliação do Ensino e Aprendizagem – UNOESTE/SP, Mestranda em


Educação, Administração e Comunicação – Universidade São Marcos/SP. Professora
universitária. Tutora em ensino a distância.
rf.sabino@gmail.com; Cel.: (11) 81358829
* * Especialista em Administração de Marketing – UNIBAN/SP, Mestrando em Educação, Administração
e Comunicação – Universidade São Marcos/SP. Professor universitário: administração, marketing.
fbarboza@terra.com.br; Telefone: (55) (71) 2728046

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Com o lançamento, em maio de 2004, do e-book Administração Pública e Livre


(disponível em http://livre.pmro.rj.gov.br. Acesso em 10 set. 2004), de Marcos Vinicius
Pecly Marini, chefe da Assessoria de Informática da Prefeitura Municipal de Rio das Ostras,
Membro do PSL-RJ (Programa de Software Livre do Estado do Rio de Janeiro) e da Agiterj
(Associação dos Gestores de Informática e Tecnologias de Informação do Estado do Rio de
Janeiro), os gestores públicos podem comprovar a eficácia da migração do software
proprietário para o software livre, tanto na sua operacionalização, quanto na redução de
recursos. Aos leitores iniciantes no tema o autor oferece conceitos e resumos ao longo da
obra que esclarecem sobre o processo de implantação da tecnologia livre.

Embora partindo da experiência do autor como responsável pela Assessoria de


Informática da Prefeitura de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, a obra não se configura
um manual, nem tão pouco um simples roteiro de migração de tecnologia. Então o que a
torna alvo de interesse do leitor? Alguns aspectos como: a originalidade de apresentação
em livro eletrônico, permitindo o acesso em qualquer lugar do planeta; a linguagem
simples, permitindo aos iniciantes a compreensão do tema e despertando o interesse
para o uso da tecnologia livre; o apontamento dos preconceitos e resistências surgidas
durante a implantação de software livre, provocando no leitor a reflexão sobre o fator
humano nos processos de mudanças; além de expor claramente, através de números, a
grande redução de recursos que os programas livres oferecem tanto ao usuário profissional,
quanto ao doméstico. Dessa forma o leitor obtém a visão dos resultados em micro e
macro esfera econômica do uso dos programas de código aberto.

Assim, o livro, que se divide em duas partes: conceitual e prática, e em subseções, já


em sua introdução salienta a importância de um plano diretor de informática para os
orçamentos da gestão pública. Atualmente 90% dos órgãos governamentais não contam
com uma administração centralizada da tecnologia de informação, impedindo a avaliação do
investimento x resultados. Conforme Marini, cabe ao Governo Federal a organização de uma
política para a TI, e o desenvolvimento de soluções que possam ser aplicadas pelas Prefeituras,
mais próximas das necessidades do cidadão. Os softwares livres são apresentados como
componentes fundamentais para o plano de gestão, uma vez que cumprem o trabalho de
automação, com menos gastos e mais segurança e liberdade aos usuários.

Na primeira parte, O que é software livre? A história, o autor conceitua o software


livre: compartilhar programas de computador. Isto era feito até 1971 e “era tão simples
e comum que funcionava como compartilhar receitas de cozinha, que não se restringia
inclusive a uma comunidade em particular” (p. 9). Com essa forma didática Marini mostra

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a relevância de se trabalhar com programas de código aberto, onde todos podem colaborar
para a construção de melhores resultados.

Ainda nessa parte, na seção “A realidade política no Brasil e no mundo”, o autor


expõe o domínio dos softwares proprietários e o quanto isso se torna preocupante na
administração pública. Os países tornam-se dependentes dos fabricantes de programas,
estabelecendo um ciclo de aquisição e atualização dentro de parâmetros financeiros
estipulados por um restrito grupo de potenciais mundiais. Além de deixar vulneráveis as
informações de um país, os programas sob propriedade em nada contribuem para uma
“sociedade geradora de conhecimento” (p. 20).

O livro aborda o Projeto GNU, sistema operacional livre, que se complementa com
um dos maiores e mais populares programas livres: o Linux, o qual foi utilizado na
experiência de Marini na gestão de tecnologia da informação na Prefeitura de Rio das
Ostras (RJ). Ao final dessa seção o livro traz textos complementares à leitura, como a
“Definição de Software Livre da Free Software Foundation”, instituição criada por
Stallman, cuja filosofia rompe as amarras dos programas sob propriedade, defendendo
a liberdade dos usuários. Independente de ser programador ou usuário eventual, o
indivíduo deve ter a liberdade de executar, copiar, distribuir, estudar, modificar ou
aperfeiçoar os seus softwares. Manter um programa sob propriedade é, conforme a
Free Software Foundation, um exercício do poder. E é nessa filosofia que o movimento
do software livre se constitui parceiro do desenvolvimento do conhecimento e da
cidadania. O conhecimento deve ser para todos.

A democratização do conhecimento concedida pelo uso dos programas não-


proprietários é retratada no livro pelos resultados na implantação na gestão pública. Na
segunda parte, após a explanação dos fatores que motivaram os gestores do município
de Rio das Ostras a adotar a tecnologia livre, e as etapas de implementação, a obra
relata os programas sociais desenvolvidos para a inclusão digital da população. Essas
ações tornaram-se possíveis a partir da grande redução do investimento na aquisição de
tecnologias para a administração do município.

A seção “Trabalho em grupo” mostra a oportunidade de formar parcerias quando se


trabalha com programas de códigos aberto. Desenvolvidos sob a ideologia de um trabalho
colaborativo, os programas podem ser compartilhados, e até mesmo, melhorados para
que todos possam usufruir das atualizações, sem que nenhum recurso a mais seja aplicado.

Mas é na seção “Resumo dos trabalhos”, ao final da primeira parte, que o leitor
visualiza a considerável redução de custos que representa o uso do free software. O

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autor sugere diversos programas livres que podem substituir os programas proprietários,
salientando a relação custo x benefício implicada na troca. É importante que a população
conheça os valores cobrados pelos fabricantes de softwares e possa optar por uma
tecnologia similar que não ofereça custos.

A demanda por soluções tecnológicas cresce a cada dia, inclusive no setor público que
deve buscar propostas para atender as necessidades da população. Aliada ao pionerismo
do e-book de Marini, foi publicada pelo Governo Federal, em junho, a Cartilha Amarela. O
material esclarece, de forma resumida, os cidadãos sobre os benefícios do uso dos programas
livres. Esse manual eletrônico, publicado no site www.softwareLivre.org.br, faz parte das
ações do Instituto Nacional de Tecnologia de Informação, responsável pelas práticas de
Governo Eletrônico no Brasil.

O livro “Administração Pública e Livre, que vai ao encontro das iniciativas governamentais
brasileiras, contribui com os leitores, individualmente, na medida em que esclarece o
indivíduo sobre a realidade dos monópolios na área tecnológica, e coletivamente quando
expõe o software livre como estratégia de governança pública para administrar recursos
de forma a contemplar mais projetos que beneficiem a população.

Além desses motivos que fazem a leitura da obra uma tarefa indispensável a qualquer
administrador, quer seja da iniciativa pública ou privada, o livro conta com uma abordagem
simplificada, permeada de imagens que ilustram o assunto de forma didática.

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Normas editoriais

1- A revista Pesquisa em Debate publica trabalhos originais de autores da Universidade


São Marcos e de outras instituições nacionais ou internacionais, dando preferência aos
textos dos alunos do programa, na forma de artigos, revisões, comunicações, notas
prévias, resenhas e traduções, que apresentem interesse às reflexões que se
desenvolvem no programa interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação
(Mestrado e Doutorado).

2- Os trabalhos podem ser redigidos em português, espanhol, inglês, italiano ou francês.

3- Só serão aceitas resenhas de livros publicados no Brasil nos últimos três anos e, no
exterior, nos cinco últimos anos.

4- Os originais submetidos à apreciação da Comissão Editorial deverão ser acompanhados


de documento de transferência de direitos autorais, contendo a(s) assinatura(s) do(s)
autor(es).

5- Os artigos terão a extensão máxima de 10 laudas, digitadas em fonte Times New


Roman 12, espaço 1,5 e margens de 2,5 cm.

6- As notas devem ser colocadas no rodapé.

7- As imagens, quando houver, devem ser remetidas com os artigos para serem
escaneadas pela produção da revista ou estarem em tif com 150 dpis.

8- Os artigos devem ser acompanhados de abstract e resumo de 10 linhas, no máximo,


e de palavras-chave, em português e em inglês.

9- As resenhas não devem exceder a sete páginas.

10- Abaixo do nome do autor deverá constar a instituição à qual se vincula.

11- As traduções devem vir acompanhadas do texto original e da competente autorização


do autor.

12- Caso o artigo seja resultante de uma pesquisa contemplada com auxílio financeiro, a
instituição responsável pelo auxílio deve ser mencionada.

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13. Os trabalhos devem ser apresentados em disquete e em duas vias impressas, das
quais uma não exibirá dados de identificação do autor. O programa utilizado deve ser
compatível com o Word for Windows.

14. Todos os textos serão submetidos a dois pareceristas. No caso de divergência na


avaliação, a Comissão Editorial enviará o trabalho a um terceiro parecerista.

15. Cabe à Comissão Editorial a decisão referente à oportunidade da publicação das


contribuições recebidas.

16. Normatização das notas, d. NBR6023:

- SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo. Tradução, edição, Cidade:


Editora, ano, p. ou pp.

- SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro. In: Titulo do livro itálico.
Tradução, edição, Cidade: Editora, ano, p. x-y.

- SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em itálico. Cidade: Editora,


vol., fascículo, p. x-y, ano.

17. As “Referências bibliográficas” devem ser colocadas no pé de página com a remissão


em números situados na entrelinha superior e dispostas, no final do trabalho, em
ordem alfabética, pelo sobrenome do primeiro autor.

18. As notas explicativas devem ser reduzidas ao mínimo e remetidas ao rodapé por
números, situados na entrelinha superior.

19. “Anexos” ou “Apêndices” só serão incluídos se forem considerados absolutamente


imprescindíveis à compreensão do texto.

20. As imagens e suas legendas devem ser claramente legíveis após sua redução no
texto impresso de 10 x 17 cm. Devem-se indicar, a lápis, no verso, autor, título
abreviado e sentido da figura. As legendas das ilustrações nos locais em que aparecerão
as imagens devem ser numeradas consecutivamente, em algarisos arábicos, e iniciadas
pelo termo “Imagem”.

21. Os dados e conceitos emitidos nos trabalhos são de inteira responsabilidade dos
autores.

22. Os trabalhos que não se enquadrarem nas normas da revista serão devolvidos aos
autores, ou serão solicitadas adaptações, indicadas em carta pessoal.

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