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FOUCAULT E O PROFESSOR CRÍTICO

Eliane de Oliveira Lima Teixeira


(Trecho de trabalho feito como conclusão de disciplina ministrada pela Profª Patrícia no curso de especialização em Proeja
do Campus São Paulo, ano 2007

Parece plausível valer-se do pensamento de Michel Foucault para criticar o professor alienado e todas as teorias
pedagógicas que não priorizam a conscientização política. Talvez alguns até vejam na filosofia de Foucault um complemento
ao pensamento marxista na medida em que colaboraria para a formação de um professor crítico.
Mas, com certeza, não é nada fácil aceitar o fato de que sua filosofia possibilita um questionamento da figura do
professor crítico e da pedagogia que o forma, conhecida como pedagogia crítica.
Costuma-se contrastar a pedagogia crítica com outras pedagogias como a tradicional, a liberal, a comportamentalista,
e outras, com o objetivo de revelar a sua superioridade na medida em que ela propõe o resgate da autonomia e da liberdade
contra um poder opressor.
No entanto a pedagogia crítica, surgida nos anos 60 do século XX, tem os mesmos fundamentos destas citadas acima
por mais que se tente diferenciá-la pelo fato de propor uma participação democrática dos professores e alunos na
transformação e construção social do conhecimento e do mundo. Baseia-se como elas em um conjunto de práticas e
pressupostos próprios da modernidade que se caracteriza por uma crença iluminista na capacidade da razão para transformar e
melhorar a natureza e a sociedade.
Em consonância com esta fé supõe sujeitos engajados, autoconscientes, que pautam a sua vida pela busca racional da
verdade que pode ser descoberta. E como as demais, continua acreditando na separação entre poder e conhecimento.
Porém como escreve Foucault (FOUCAULT, 1984, apud SILVA, 1994, p.100, in “Sujeitos da Educação”)

A verdade não está fora do poder ou vazia do poder: contrariamente ao mito, cuja história
e funções necessitam maior estudo, a verdade não é a recompensa dos espíritos livres, o
fruto de uma solidão prolongada, nem o privilégio daqueles que foram bem sucedidos em
se libertar. A verdade é uma coisa deste mundo: ela é produzida apenas em virtude de
múltiplas formas de constrangimento. E induz efeitos regulares de poder .

As relações de poder são inerentes e não externas à educação e seus discursos. Os professores e alunos são sujeitos
de poder e saber. Estão todos imersos nas relações de poder, não há como escapar delas. Por isso seria expressão da
ingenuidade lutar por uma situação na qual o poder estivesse ausente ou domesticado.
Se para todas as pedagogias, inclusive para a pedagogia crítica, o conhecimento é concebido como uma
representação mais ou menos próxima da realidade, para Foucault o conhecimento é visto como discurso formado de práticas
que constroem, que criam os objetos dos quais falam.
Não há o sujeito pré-existente mas o sujeito construído. Tal constatação vale para o professor crítico, também
construído pela pedagogia crítica. Não existe sujeito pedagógico fora dos discursos pedagógicos, sejam eles quais forem. O
professor crítico é uma função do discurso da pedagogia crítica.

TÓPICOS: FOUCAULT, SABER-PODER, TECNOLOGIAS DO EU

Elaborados pelo Prof. Laerte Moreira dos Santos

1. Foucault jamais dedicou um livro ao tema do poder. No entanto a questão do poder aparece em todas as suas
obras.

2. O poder para Foucault deve ser entendido como PRODUTIVIDADE, como POSITIVIDADE. O poder não é
aquele que sempre diz NÃO (do campo legislativo que se caracteriza pela repressão), e sim aquele que diz SIM
(produz discursos verdadeiros que julgam, condenam, CLASSIFICAM, obrigam, coagem.

3. A relação poder-saber: Foucault distancia-se da relação tradicional pela qual o poder funcionando de forma
negativa poderia ser desmascarado pela verdade ou saber. Esta relação se encontra em muitas pedagogias ditas
libertadoras. Mas, para Foucault, é impossível alcançar uma verdade não-distorcida. Ele "delimita os sonhos dos
intelectuais em relação ao controle que a verdade pode ter sobre o poder."

4. O poder diz faça, seja de tal maneira, use tal roupa, tenha tal corpo. Produz conhecimento. Não é
necessariamente repressivo. Ele incita, induz, seduz, torna mais fácil ou mais difícil. É exercido ou praticado ao
invés de ser possuído. ELE PRODUZ OS SUJEITOS através de TECNICAS e DISCURSOS. Enquanto para a
teoria crítica de inspiração marxista, o poder distorce, reprime, mistifica para Foucault e, poderemos dizer, para o
pós-estruturalismo de forma geral, o poder constitui, produz, cria subjetividades e identidades. "Nessa visão, o
poder não é necessariamente repressivo. O poder é exercido ou praticado em vez de possuído e desta forma
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circula passando através de toda força a ele relacionada.

5. Microfísica ou micropráticas do poder: se o poder circula, ele não está somente nas mãos dos professores. Os
estudantes, o governo, os pais de alunos, também exercem poder ou "governo". 1

6. Normalizar o eu: o poder se situa no campo da NORMA (que se vincula ao verbo normalizar, tornar normal).

- A partir do seu livro “Vigiar e Punir” (1975) sugere que na organização do poder na sociedade na
MODERNIDADE, devemos distinguir o aspecto LEGISLATIVO e o NORMATIVO ou técnico.

- Legislativo: representado pelo juiz. O mecanismo principal é a REPRESSÃO. É o campo do direito. Traça
limites, separa o permitido do proibido, busca impedir que condutas indesejáveis aconteçam.

- Norma (ou regulação): representada principalmente pelo médico, mas também exercida pelo psicólogo,
assistentes sociais, educadores, professores, etc...

- A norma, enquanto poder disciplinar, pode adotar a repressão em sua tática. Mas traz consigo um modo
específico de punir. O castigo tem a função de reduzir os desvios, ele é CORRETIVO. Com a sanção, os
indivíduos são diferenciados em função de sua natureza, de suas características, de seu valor. São avaliados e
conseqüentemente individualizados. Esta punição não visa a repressão nem a expiação, mas compara, diferencia,
hierarquiza, homogeneíza, exclui. Em uma palavra, há a NORMALIZAÇÃO. (Vigiar e Punir, 2001, p. 153). Visa
produzir sujeitos normais. O controle através da NORMA se dá não só pela abolição das condutas inaceitáveis,
mas principalmente pela PRODUÇÃO de novas características corporais, psíquicas e sociais... A norma enquanto
poder disciplinar “...é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e retirar, tem como função maior adestrar;
ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor” (Vigiar e Punir, 2001, p. 143). A
disciplina fabrica indivíduos úteis. Faz crescer e aumentar tudo. Amplia a produtividade dos operários nas
fábricas, mas aumenta também a produção de saber e de aptidões nas escolas, etc... Foucault fala em um triplo
objetivo da disciplina: ela objetiva tornar o exercício do poder menos custoso tanto do ponto de vista econômico
como político. Busca estender e intensificar os efeitos do poder o máximo possível pretendendo ao mesmo tempo
ampliar a DOCILIDADE e a UTILIDADE de todos os indivíduos submetidos ao sistema (Vigiar e Punir, 2001, p.
179-180).
- Mas a norma, agindo à margem da lei, visa sobretudo a PREVENÇÃO. Se afirma não pela imposição de regras
jurídicas, mas pela criação de PRECEITOS que baseados em argumentos científicos vai induzir os indivíduos a
aceitá-las como regras naturais. A norma não quer proibir, QUER CONVENCER. O mecanismo fundamental da
norma é a REGULAÇÃO que vai estimular e incentivar comportamentos e atitudes até então inexistentes.
- Progressivamente os mecanismos de NORMALIZAÇÃO foram invadindo os espaços da lei. Agora temos os
PROFISSIONAIS DA NORMA como o médico, o pedagogo, o professor, o diretor de escola, o psicoterapeuta,
etc... ocupando o espaço do juiz. Estes mecanismos permitiram que todo um conjunto de condutas que eram
indiferentes ao sistema jurídico, pois não eram consideradas crimes ou delitos, se tornassem alvo de julgamentos e
punições. Vai estabelecer o que Foucault chama de MICROPENALIDADES que podem ser aplicadas para vários
tipos de comportamentos como: atrasos, ausências, negligência nas atividades, desatenção, desobediência,
grosseria. Em relação ao corpo: sujeira, gestos e atitudes incorretas. Em relação à sexualidade: devassidão,
indecência. Enfim, os JUÍZES DA NORMALIDADE vão se multiplicar. As micropenalidades se expressam
através de castigos físicos leves, advertências, pequenas privações, anotações na carteira, medicamentos ou
psicoterapias. A norma na MODERNIDADE “corta a cabeça do rei”.

7. Exemplos de TECNOLOGIAS DO EU que normalizam. (As tecnologias do eu são produzidas pelos discursos
inclusive os pedagógicos e se originam dos seus REGIMES DE VERDADE):

a) o exame, as avaliações na escola – campo do poder/saber, das técnicas - ocupa um papel chave porque ele
expõe para o indivíduo seu “verdadeiro eu”, a “própria identidade”. Como resultado dos exames os indivíduos

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O termo governo deve ser entendido no significado do século XVI não se referindo somente ao poder
soberano que administra os estados, mas a forma pela qual a conduta dos indivíduos ou grupos pode ser dirigida.
Está disperso em uma série de instituições e dispositivos da vida cotidiana como a própria educação. Refere-se a
um poder que, diferentemente do poder político tradicional que se exerce pela visibilidade, se exerce por meio da
invisibilidade através das TECNOLOGIAS DO EU - poder disciplinar - que objetivam NORMALIZAR o eu.
(veja no livro "Vigiar e Punir" a descrição do Panóptico de Bentham, p. 177)
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são classificados e objetificados. E eles constroem seus “eus” e suas identidades, na medida em que essas
classificações são aceitas por eles.

b) As atividades de autoconhecimento, autoretrato, experiência de si, revelam o mesmo objetivo de controle. Ao


dizer a “verdade” sobre si, a pessoa conhece a si própria e torna-se conhecida para os outros num processo que é
terapêutico, mas, também, controlador. Conhecer o próprio eu na modernidade significa aceitar um conjunto de
verdades das CIÊNCIAS HUMANAS como a Pedagogia, que ao serem aprendidas e postas em prática constroem
um sujeito com um certo modo de ser e uma certa maneira de agir. O sujeito que se pretende descobrir através da
experiência de si, da auto-análise, do autoretrato, é histórica e culturalmente contingente, é o resultado de um
complexo processo histórico de fabricação. Se na autoanálise o sujeito produz textos, discursos sobre si também É
PRODUZIDO POR ESTES DISCURSOS. Há a ilusão de que estes discursos são seus. No entanto os dispositivos
pedagógicos produzem e regulam os textos de identidade de seus autores.: “aprendem uma certa imagem das
pessoas e das relações entre as pessoas: que cada um tem determinadas qualidades pessoais, que é possível
conhecê-las e avaliá-las de acordo com certos critérios, que é possível mudar as coisas em si mesmo para ser
melhor, que as outras pessoas têm qualidades diferentes, que é possível comunicar o próprio modo de ser, que é
possível viver juntos, apesar das diferenças, dadas certas atitudes de compreensão, respeito e tolerância, etc..” (O
Sujeito da Educação, Vozes, 2002). CONCLUSÃO: NÃO HÁ O SUJEITO AUTÔNOMO / SUJEITO
=SUBJUGADO, ASSUJEITADO

c) A técnica da disposição das carteiras em círculo proposta pelas pedagogias progressistas como o
construtivismo. No entanto, "o círculo pode exigir das (dos) estudantes uma maior autodisciplina, pela
qual elas (eles) assumem a responsabilidade por comportar-se ‘apropriadamente’ sem o ‘olhar’ da
professora (or). Por outro lado, a privacidade parcial permitida pela colocação tradicional de carteiras,
na qual se está sob a vigilância ou supervisão principalmente da professora (or), pode desaparecer à
medida que as estudantes ficam cada vez mais diretamente também sob a supervisão de suas colegas. A
(A) estudante que prefere não se manifestar fica menos evidente quando todas as carteiras estão
voltadas para frente da sala de aula, assim como a (o) estudante que não pode usar sapatos novos, que
fica ruborizada (o), que está entediada (o) e assim por diante." (Sujeito da Educação, Editora Vozes,
1994, texto de Jennifer M. Gore, p. 16) (observação: o termo indicando masculino foi introduzido por
mim)

8. Como superar um suposto determinismo, fatalismo e pessimismo que perpassa a filosofia de Foucault e o
pós estruturalismo:
a) Foucault, “se, nos seus primeiros trabalhados, soa fatalista e determinista, ... nos seus últimos trabalhos
ele corrige essa posição quase niilista, para afirmar as possibilidades da liberdade através da resistência,
rejeitando o quadro possivelmente determinista na qual suas primeiras descrições do poder/saber tinham
sido traçadas. Em vez disso, o poder pode apenas existir onde existe a possibilidade de resistência e,
portanto, a obtenção de liberdade. O poder não é mais uma presença onipresente e globalizante mas, em
vez disso, um jogo aberto e estratégico.” (in Sujeitos da Educação, p. 29). Por isso, não existem práticas
pedagógicas inerentemente libertadoras ou inerentemente repressivas, pois qualquer prática é cooptável e
qualquer prática é capaz de tornar-se uma fonte de resistência.
b) Mas essa liberdade não será obtida pelo fato de sermos seres racionalmente AUTÔNOMOS” (in Sujeitos
da Educação, p. 29) como propõe a modernidade. Os sujeitos foram construídos para pensar que são
livres e autônomos e esta construção permitiu o avanço do poder/saber e a subjugação das pessoas
(Exemplo: propagandas na mídia).
c) Inspirados por Foucault, devemos problematizar as idéias de autonomia, de autodeterminação analisando
as condições históricas de sua formação porque nelas se encontra subjacente a tentativa de controle.
Mesmo as pedagogias críticas como a de Paulo Freire e o Construtivismo, estão vinculadas com relações
de poder. Não são meras mediadoras, mas produtoras, fabricadoras de pessoas, de sujeitos.
d) A perspectiva de Foucault vai nos desalojar de nossa posição privilegiada, a partir da qual podemos
criticar o poder sem estar envolvido com ele. O objetivo não é mais buscar uma situação de não-poder,
porque isto é impossível. Mas sim desenvolver uma luta contra as posições e relações de poder incluindo
aquelas nas quais, como educadores, estamos envolvidos. “O objetivo já não será mais buscar uma
situação de não-poder, mas sim um estado permanente de luta contra as posições e relações de poder,
incluindo, talvez principalmente, aquelas nas quais, como educadores/as, nós próprios/as estamos
envolvidos” (Sujeitos da Educação, p. 251). As pedagogias críticas somente poderão ser consideradas
melhores se aplicarem a si mesmas os instrumentos de crítica que aplicam às outras. A reflexão crítica
deve ser uma constante.
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e) Porque os professores falam tão facilmente sobre o fracasso escolar de um estudante, seu desrespeito para
com os professores, sua incapacidade em falar e compreender a língua padrão, sobre estudantes de risco, e
assim por diante, como constituindo comportamentos desviantes, e muito pouco sobre essas condições
como formas de ação de resistência e como oportunidades para cultivar a agência discente? Os
professores devem evitar práticas discursos que essencializem categorias de desvio nas mentes dos
estudantes, assim como nas suas próprias (O sujeito da educação, in Foucault e a questão da Liberdade e
da Agência Docente, 2002, p. 137)
f) Os intelectuais não devem falar em nome do oprimido e dizer-lhe como resistir. Devem ficar ao seu lado,
minar o poder dos opressores e expor suas práticas. Deleuze (também pós-estruturalista) afirma sobre
Foucault: “foi o primeiro a nos ensinar — tanto em seus livros quanto no domínio da prática — algo de
fundamental: a indignidade de falar pelos outros. Quero dizer que se ridicularizava a representação, dizia-
se que ela tinha acabado, mas não se tirava a conseqüência desta conversão ‘teórica’, isto é, que a teoria
exigia que as pessoas a quem ela concerne falassem por elas próprias”
g) Fim das oposições binárias: incluído/excluído, cultura/natureza, libertação/opressão, repressão/liberação,
teoria/prática, racional/irracional, sujeito/objeto. A perspectiva pós-estruturalista de inspiração
foucaultiana e de Derrida2 DESCONSTROEM estas oposições. Um termo não representa a superação do
outro. As oposições supõem uma essência que lhes está subjacente. No entanto, essa essência não existe, a
identidade que é definida pela oposição é flutuante e não fixa. O sujeito não é uma substância real ou uma
essência intemporal que se manteria estática ou imutável por cima ou por debaixo da variabilidade e da
contingências.
h) Questionar as metanarrativas que se orientam pela busca do significado último de todas as coisas. Por
exemplo, quando buscamos uma teoria que nos permitisse explicar de uma vez por todas o processo
educacional.

TÓPICOS DE PARTE DA PALESTRA DE MIGUEL ARROYO


É possível uma relação com o pensamento de Foucault?

Esta palestra está disponível em video neste endereço: http://www.cefetsp.br/edu/eja/palestramiguelarroyo.html

A) PRIMEIRO PONTO
Como pensamos os jovens e adultos no Proeja? A tendência é pensar pelo negativo.
1) VISÕES NEGATIVAS:
Primeira forma de vê-los pelo negativo: são os EXCLUÍDOS SOCIAIS. Partimos do pressuposto que
os jovens e adultos estão excluídos. Será que estão? Será que estão?
Devemos ter coragem de criticar a visão que temos dos educandos pois condiciona todos os projetos de
educação.
Esta é uma questão muito séria. Vamos rever, seriamente, se temos a visão de excluídos, aqueles que
estão à margem do social. Quem chega no Eja não está excluído. Está numa forma de inclusão excludente que é
diferente. O capitalismo não deixa nada de fora. Os jovens e adultos não são de fora, lixo que vamos tentar
reciclar. Não precisam de nossa compaixão. Tenhamos muito cuidado. A compaixão foi uma invenção da
modernidade e a pedagogia pegou isto para ela. O Proeja não pode ser um projeto de compaixão com os excluídos
porque os jovens e adultos da EJA não estão excluídos. O capitalismo não deixa nada de fora.

Segunda forma de vê-los de forma negativa: são subtrabalhadores. Também uma visão muito perigosa,
pois significa que não são trabalhadores. Se forem qualificados talvez cheguem a ser trabalhadores. Cuidado com
uma dicotomia que nos persegue: uma coisa é a classe trabalhadora, o trabalhador e outra coisa é o que vive do
biscate, do trabalho informal, da sobrevivência e por isto é subtrabalhador. Então, vamos oferecer para eles um
proeja qualificante, tecnológico para que deixem de ser subtrabalhadores e passem a ser trabalhadores? Cuidado
com isto. Estamos repetindo uma dicotomia pela qual somente o trabalho sobretudo o industrial é trabalho.... O
próprio marximo nos leva nesta direção perigosa... Pedagogias compassivas em cima deles, não.

Terceira forma de vê-los de forma negativa: vê-los como carentes de instrução, de diploma, de
escolarização que garanta o direito ao trabalho. Há duas coisas nesta visão: esta visão continua dominando a EJA.
É muito cara para a Pedagogia..... Não caiam nesta armadilha. Não são carentes de instrução, de escolarização, de
diploma. Devemos reagir violentamente ao fato de que o diploma seja colocado como um dos instrumentos de

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Leia “Derrida”, de Evando Nascimento, Jorge Zahar Editor
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exclusão ao direito do trabalho..... A política de Estado correta é não condicionar o direito ao trabalho ao diploma.
No entanto, esta visão é bem típica do nosso país, de uma república de doutores, de diplomas.

Quarta forma de vê-los de forma negativa: vê-los como cidadãos porque não passaram pela educação.
Porventura, quem não passa pela educação não é cidadão? Cuidado com estas visões que nos perseguem.

2) VISÕES POSITIVAS:

2.1) Vê-los como trabalhadores já e não como subtrabalhadores: “carregam uma história de trabalho
longa, sempre trabalharam, trazem as marcas do trabalho. Por isso, não devemos desqualificar o
trabalho deles, dizer que é subtrabalho. Devemos reconhecer suas histórias de trabalho. Montar todo o
programa em cima de suas histórias de trabalho, vivências de trabalho, a luta pelo trabalho, a luta para
sobreviver, o que significou para eles suas histórias de trabalho. Isto muda radicalmente a proposta da
EJA.
2.2) Pertencem a coletivos de trabalhadores: imigrantes que vieram do campo para a cidade, que estão no
campo. São histórias de coletivos de trabalhos. Que histórias são estas?
2.3) Carregam uma história de lutas por trabalho, por vida, por dignidade. Trabalham para comer.... Toda
luta por comida é digna porque o primeiro direito de todo homem é comer. Brecht: “Primeiro comida,
depois moralidade”.
2.4) Têm histórias diversas: as lutas pela vida e trabalho são muito diferentes para o homem e para a
mulher. Não têm só uma história genérica, mas história marcada pelo gênero, pela raça. (observação
do professor Laerte: raça, etnia, gênero são temas da pós-modernidade). É muito diferente a
forma de luta de um menino branco e de um menino negro. Levar em conta o lugar de origem: favela,
campo. O lugar de moradia também condiciona as histórias.

3) PERGUNTAS PARA ENCERRAR O PRIMEIRO PONTO:

1) Como pensar os jovens e adultos no PROEJA? Se domina uma visão negativa da sociedade sobre eles, têm
direito de saber sobre a forma negativa de pensá-los. Um programa do proeja deve dar centralidade às formas
como a sociedade, literatura, pedagogia, ciências, pensamento político, têm visto estes que agora acorrem aos
cursos técnicos. Tem o direito a saber-se pelo negativo para reagir a tanta negatividade. Nós trabalhamos
nesta perspectiva?

2) Que lugar damos nos nossos programas da EJA/PROEJA para afirmar esta visão positiva, para contrapor
esta visão positiva à negativa? Se insistirmos em uma crítica a esta visão negativa, estaremos conformando
outro trabalhador, com outra visão, com outra auto-estima. Isto merece ser central no EJA/PROEJA.

B) SEGUNDO PONTO:
1) O direito a SABER-SE trabalhadores, amarrados ao nosso padrão de trabalho. O direito de conhecer qual
é o padrão de trabalho em que estão se formando. Que padrão é este?

Duas direções para este SABER-SE:


1ª) Dar centralidade nos programas, nos currículos, ao conhecimento da organização do trabalho, às relações
sociais de trabalho. Não é suficiente dominarem tecnologias. Precisam conhecer as relações de trabalho nas
quais vão se inserir.
2ª) Dar centralidade à história do trabalho. A história do trabalho, do movimento operário, do movimento
docente está ausente da educação básica, dos cursos de Pedagogia, das licenciaturas. Se em algum lugar a
história do trabalho tem que ser central é um curso de formação, de qualificação tecnológica de trabalhadores.
Se não está incluído, não esperemos a inclusão por parte das diretrizes curriculares. Façamos acontecer.
- Dar destaque: qual o padrão de trabalho em nossas sociedades colonizadas? O padrão de trabalho nestas
sociedades nasceu racista: um trabalho para os negros, índios e outro para os colonizadores. Este caráter
racista está incrustado no padrão de nosso trabalho. Continua até hoje: o homem branco ganha mais do que o
homem negro. Este padrão também é sexista. Têm direito de conhecerem este padrão com estas
características.
- O trabalho sempre foi negado, sempre foi para poucos, sempre foi incerto para muitos. Características do
trabalho informal que é incerto: não aposentadoria, rotatividade de trabalhos, etc... Esta marca de nosso
trabalho é terrível. Por que este trabalho é incerto? O trabalho incerto, a sobrevivência incerta foi uma das
pedagogias mais brutais de nosso capitalismo colonial para manter os outros na incerteza. Precisam entender
de onde chegam e onde vão cair depois do proeja? Que padrão vai continuar persegindo-os depois do Proeja?
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Ou seja, ver este padrão de trabalho colado ao padrão de dominação, subordinação na especificidade de nossa
história.
Se o programa tem somente o objetivo de fazer com que os alunos dominem tecnologias estaremos
enganando.

Conclusões sobre este padrão de trabalho:

1) O proeja não resolve padrões históricos de trabalho racistas, sexistas, incertos. Precisamos ser realistas.
Não adianta estar com o olho nas estrelas e cair no buraco.
2) Consequências deste padrão de trabalho: padrão conformador de corretivos inexistentes, ou seja, o
trabalho informal não existe para a economia. O trabalhador da informalidade, sem carteira, somente
entrará na formalidade se pagar imposto. Eis uma coisa perversa.
- Ilusão acreditarmos na garantia de emprego na formalidade: cresceu o número de pessoas com diplomas que
não conseguem trabalho. O problema não é de exclusão. Há um número significativo de trabalhadores na
economia informal, mas que não são considerados pela economia baseada no padrão de trabalho. São
considerados inexistentes ou vamos conhecer suas tentativas de afirmação?
- A Eja deve ser uma forma de afirmações de suas existências. Eu existo e porque existo, estou aqui. Faça dos
programas um momento de reconhecimento frente ao não reconhecimento, a inexistência.
- A escola deve ser lugar de reconhecimento dos setores populares tratados como inexistentes.
- Qual a política do Proeja? Uma política de afirmação de existências, reconhecimento de existências.
- São tratados como inferiores: índios, negros, mulheres são inferiores, opções sexuais diferentes. Esta idéia
de inferioridade descarregam para o Proeja. Muitos professores têm origem nestes inferiorizados. Se há esta
percepção, estamos mais capacitados para entender os alunos da EJA.
- Se o proeja for para reforçar as inexistências fechemos o Proeja. Deixemo-los em paz. O proeja tem que sair
na contramão destas tendências históricas de produção de inexistências....
- Não são subcidadãos, são cidadãos. São os considerados subcidadãos que estão se afirmando como cidadãos
pelas suas ações: os sem teto, quilombolas, índios. Os subcidadaõs são os cidadãos mais agressivos e não
tiveram nenhum curso para conscientizá-los, passaram a nos conscientizar. Mostram-se mais cidadãos do que
nós.
- Como assumir esta perspectiva? Se não consta nos programas e currículos, vamos fazer isto.
C) TERCEIRO PONTO:
- Direito a saber-se trabalhadores membros de uma classe trabalhadora. A burguesia não tem vergonha de
dizer que é burguesia. Nós é que temos vergonha. As classes não existem mais? Quem são estes
trabalhadores que chegam com suas histórias? São membros de uma classe social. Temos que trabalhar isto.
Os alunos da PROEJA/EJA devem saber sobre as resistências históricas de tantos outros trabalhadores que
reagiram a estes padrões de trabalho. Faz parte da história, da história do movimento operário. Devem saber
sobre a história do trabalho no movimento feminista. As mulheres não reivindicam apenas direito dentro de
casa, mas direito ao trabalho. E o movimento negro, as lésbicas, gays como lutam pelo direito ao trabalho!......
D) QUARTO PONTO:
- Os alunos da EJA/PROEJA têm direito aos saberes aprendidos nas histórias de luta pelo trabalho. Estes saberes
precisam estar incluídos na programação. São 3 saberes, 3 aprendizados:
- Primeiro aprendizado na história do trabalho: na historia do movimento operários os trabalhadores aprenderam
os direitos do trabalho que não foram dádivas por parte da burguesia e sim aprendizado nas próprias lutas pelo
trabalho. Quais direitos? O direito à qualificação, ao domínio da ciência, da tecnologia. Se tenho que aprender é
porque este é um direito. Não se vincular a perspectiva mercadológica e sim a todo um histórico de lutas pelos
direitos: direito a estabilidade, direito a salários, direito a previdência, direito à maternidade, direito à greve... A
consciência destes direitos surgiram nas lutas pelo trabalho. Os alunos da EJA são herdeiros destas lutas..... A
história do trabalho deve ser visto como uma das arenas mais fecundas de afirmação de direitos.
- Segundo aprendizado na história do trabalho: aprendizado dos direitos da cidadania. Não aprenderam isto na
escola, mas através de suas lutas elevando os direitos da cidadania ao direito político, ao plano da cidadania. O
direito ao trabalho não é somente pelo fato de ser trabalhador, mas pelo fato de ser gente, de ser cidadão. O direito
à maternidade não é porque trabalhou, mas porque mulher, mãe, tem direito como cidadã de cuidar de seu filho.
Proeja então é política pública. não curso de qualificação. Deve afirmar como sujeito de direito mas também
cidadão com direito ao trabalho qualificado. É um direito de cidadania, não direito de ser mais empregável.
Devemos politizar o proeja com dupla dimensão: colocar no campo dos direitos do trabalho e da cidadania
política.
- Terceiro aprendizado na história do trabalho: direito ao aprendizado das diferenças. Os direitos das mulheres
nunca foram iguais ao dos homens. Quem chega ao Proeja tem cor, tem gênero, tem orientação sexual.

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