Você está na página 1de 3

reformador Julho 2008 - a.

qxp 16/7/2008 14:54 Page 8

Concepção
espírita dos
sonhos
C H R I S T I A N O TO RC H I

O
sonho é um fenômeno O Espírito se desdobra, quando Se não dormíssemos, a encar-
corriqueiro, comum a to- se desprende parcialmente do nação e o nosso progresso espiri-
das as pessoas, que sem- corpo físico, permanecendo uni- tual certamente estariam compro-
pre intrigou os seres humanos e do a este por um cordão ou laço metidos, uma vez que é no mundo
que está intimamente ligado ao fluídico5 (conhecido, vulgarmen- espiritual – a nossa pátria verdadei-
sono. Quem já não sonhou estar te, como “cordão prateado”),6 si- ra – que buscamos
voando? Quem já não sonhou tuação que ocorre diuturnamente forças para en-
com pessoas desencarnadas...? nos momentos do sono físico ou frentar as di-
Com o advento da Doutrina Es- mesmo durante um leve cochilo. ficuldades
pírita, a partir de 1857, muita luz se Ao dormirmos, ficamos, tem-
projetou sobre o enigma do sono e porariamente, no mesmo estado
dos sonhos,1 cujos princípios re- em que permaneceremos depois
pousam sobre o axioma de que o da morte física, motivo pelo qual
homem é um ser integral, constituí- se diz que o sono é um treino para
do de corpo e alma, independentes a morte. Sob esta ótica, pode-se
entre si, premissa que tem auxiliado dizer que todos os dias morremos.
grandemente o entendimento do O sonho é a lembrança mais ou
fenômeno. menos nítida das experiências que
Observando a incapacidade hu- o Espírito traz, ao despertar, de
mana de compreender os sonhos, sua excursão pelo plano espiritual.
os Espíritos exclamaram: “Pobres Constitui, por isso, uma das evidên-
homens, que mal conheceis os mais cias da realidade da alma. Quando
vulgares fenômenos da vida! [...]”.2 o corpo repousa, o Espírito libera
Todos sonhamos, ainda que não um pouco mais suas faculdades, ao
nos lembremos! O sonho, a catalep- contrário do que acontece quando
sia, a letargia3 e o sonambulismo4 se encontra acordado, lembrando-
são todos fenômenos de emanci- -se, muitas vezes, do passado e até
pação ou desdobramento da alma. penetrando o futuro.

8 246 R e f o r m a d o r • J u l h o 2 0 0 8
reformador Julho 2008 - a.qxp 16/7/2008 14:55 Page 9

do dia-a-dia, no plano físico. Não Em 1900, Sigmund Freud (1856- propriamente lembranças de fatos
sem razão os Espíritos disseram, na -1939), considerado o “pai da Psi- ocorridos na Espiritualidade, mas
questão 402 da primeira obra bási- canálise”,7 lançou a obra A inter- apenas criações fluídicas do pensa-
ca, que o sono é a porta que Deus pretação dos sonhos, que trouxe mento derivadas de alguma preo-
abre aos homens, para que possam uma contribuição acadêmica im- cupação ou experiências mais for-
relacionar-se com os amigos do portante ao estudo deste interes- tes vivenciadas durante o dia, fe-
céu; é o recreio depois do trabalho. sante fenômeno. Entretanto, Freud nômeno designado pela Psicaná-
Graças ao sono, os encarnados não levava em consideração o ele- lise de “restos do dia”.
estão sempre em contato mais es- mento espiritual, motivo por que Como lembram os imortais na
treito com os desencarnados e, in- as suas teorias psicanalíticas nem questão 404 de O Livro dos Espíri-
clusive, com outros encarnados. sempre explicam todos os fatos tos, “os sonhos não são verdadei-
O Espírito jamais está inativo. O so- relacionados com os sonhos, apre- ros como o entendem os ledores
no, além de proporcionar o descan- sentando, mesmo, diversas lacunas. de buena-dicha [adivinhos], pois
so e o refazimento do corpo físico, Conforme anotado pelo Espíri- fora absurdo crer-se que sonhar
facilita a ampliação das percepções to André Luiz, na obra Os Mensa- com tal coisa anuncia tal outra.
psíquicas e fornece maior intensi- geiros, “Freud [...] foi um grande São verdadeiros no sentido de que
dade ao raciocínio e à memória. missionário da Ciência; no entan- apresentam imagens que para o
A interpretação onírica é um to, manteve-se, como qualquer Es- Espírito têm realidade, porém que,
dos aspectos mais controverti- pírito encarnado, sob certas limi- freqüentemente, nenhuma relação
dos deste tema. Muitas teo- tações. Fez muito, mas não tudo, guardam com o que se passa na
rias exóticas, para não na esfera da indagação psíquica”.8 vida corporal. [...]”. (Grifo nosso.)
dizer fantasiosas, já se Portanto, muito antes de Freud, O despertamento do sono indi-
levantaram sobre o Espiritismo já havia desvendado ca que o Espírito, acompanhado
a interpretação os sonhos, que podem representar de seu envoltório, o períspírito, es-
dos sonhos. diversas situações. Algumas delas te de natureza semimaterial sutil
são:9 a) visão atual das coisas pre- ou quintessenciada, retornou ao
sentes ou ausentes; b) visão retros- casulo carnal, trazendo as memó-
pectiva do passado; c) em alguns rias de suas experiências pelo mun-
casos menos freqüentes, pressen- do espiritual, as quais, entretanto,
timento do futuro; d) comumen- em virtude do contato do perispí-
te, constituem quadros alegóricos rito com as células, são abafadas
(simbólicos) que os bons Espíritos pelo corpo denso, cujos átomos
nos apresentam como úteis adver- vibram com maior lentidão.
tências ou salutares conselhos; e) Por causa disso, muitas vezes não
de outras vezes, esses quadros ale- nos lembramos dos sonhos ou ape-
góricos são produzidos por Espíri- nas nos recordamos de partes deles,
tos imperfeitos, quando tentam que nada mais são do que trechos
nos enganar e explorar nossas pai- de lembranças de nossas experiên-
xões; f) em outras circunstâncias, cias pelo mundo invisível, fazendo
o sonho pode representar apenas com que se apresentem estranhos,
uma ruminação das experiências sem muito nexo, como se estivés-
vividas durante o período em que semos lendo uma página em que
o Espírito permaneceu acordado. algumas palavras, linhas ou mesmo
Nesse caso, o sonho não retrata frases inteiras estivessem apagadas,

Julho 2008 • Reformador 247 9


reformador Julho 2008 - a.qxp 16/7/2008 14:55 Page 10

cias. Muitas decisões que toma- ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. VIII,
mos e idéias que temos, durante o questão 402.
3
dia, são hauridas desses relaciona- A catalepsia e a letargia são uma espé-
mentos extracorpóreos. cie de sono físico de ordem patológica e
Por isso, os benfeitores espiri- caracterizam-se pela perda temporária da
tuais recomendam que sempre sensibilidade e do movimento do corpo
oremos antes de dormir,10 para que físico, que assume, temporariamente, a
nos contatemos com Espíritos aparência da morte biológica. São fenô-
que estejam em condições morais menos bastantes comuns, embora pouco
superiores à nossa, ocasião em pesquisados. Muitas vezes, o corpo da
que podemos receber ajuda, além pessoa é sepultado sem que tenha ainda
de sermos úteis, promovendo realmente ocorrido a morte. Alguns des-
boas obras e auxiliando Espíritos ses fenômenos estão descritos no Novo
necessitados, se for o caso. Testamento (Lucas, 7:11-17 [o filho da viú-
Como alerta Carlos Torres Pas- va de Naim] e Mateus, 9:23-26 [a filha de
torino, em seu opúsculo Minutos Jairo]), sendo o caso mais conhecido o da
truncando ou impedindo a com- de Sabedoria,11 não devemos nos ressurreição de Lázaro (João, 11:1-45).
4
preensão integral da mensagem. impressionar com os sonhos. Isto O sonambulismo “é um estado de inde-
Tal fenômeno ocorre porque a poderia levar-nos a extravagân- pendência do Espírito, mais completo do
apreensão dos fatos, nos sonhos, é cias ridículas. Vivamos acordados que no sonho, estado em que maior am-
feita diretamente pelo pensamen- no bem que os nossos sonhos se- plitude adquirem suas faculdades. A alma
to, não passando pelos órgãos dos rão belos e bons. Se alguma carac- tem então percepções de que não dispõe
sentidos. Pondere-se, ainda, que a terística de verdade nos for revela- no sonho, que é um estado de sonambu-
linguagem do pensamento é uni- da em sonho, aceitemo-la com lismo imperfeito” (questão 425 de O livro
versal, enquanto a linguagem das simplicidade, mas não nos deixe- dos espíritos).
5
palavras articuladas é revestida de mos levar por interpretações su- Sobre o laço fluídico, consulte O livro
símbolos que nem sempre tradu- persticiosas. Procuremos sempre dos médiuns, de Allan Kardec, cap. VII,
zem, com exatidão, a essência das o lado bom das coisas. item 118, e o cap. XXV, item 284.
6
experiências vivenciadas pelo Es- Concluindo, os sonhos encon- Eclesiastes, 12:6.
7
pírito, que não encontram analo- tram explicações nas leis que go- Método desenvolvido para tratar de dis-
gia no estreito vocabulário huma- vernam as relações entre o mundo túrbios psíquicos a partir da investigação
no. Isso, de certo modo, explica físico e o mundo espiritual, decor- do inconsciente.
8
por que duas pessoas estrangeiras, rentes da existência do Espírito, do XAVIER, Francisco C. Os mensageiros.
mesmo não conhecendo o idioma perispírito e dos fluidos espirituais, Pelo Espírito André Luiz. 45. ed. Rio de
um do outro, podem se comuni- a chave que faltava para a melhor Janeiro: FEB, 2007. Cap. 38, p. 239.
9
car pela via telepática. compreensão desses fenômenos. Sobre a interpretação dos sonhos, na
Ao penetrar o mundo espiri- ótica espírita, consulte também O livro
tual, pelas portas do sono, o en- Referências: dos médiuns, cap. VI, item 101; e A Gêne-
1
carnado entra em relação mais Sobre o sono e os sonhos, consulte o se, cap. XIV, item 28.
10
próxima com outros Espíritos, que os Espíritos superiores disseram a A respeito da importância da oração antes
encarnados ou desencarnados, Kardec, no cap. VIII da Parte segunda de do sono, consulte o item 38 do cap. XXVIII,
onde influencia e é influenciado, O livro dos espíritos, questões 400 a 402 de O evangelho segundo o espiritismo.
11
para o bem ou para o mal, confor- e questões 413 a 418. PASTORINO, Carlos T. Minutos de sabedoria.
2
me suas afinidades e suas tendên- KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. 91. 39. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2000. Cap. 33.

10 248 R e f o r m a d o r • J u l h o 2 0 0 8

Você também pode gostar