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Em dia com o Espiritismo

Sono e
sonhos
M A RTA A N T U N E S M O U R A

E
m termos biológicos, sono é Os estudos acadêmicos e as pes- atividades que ele desenvolve na
um estado comum a todos quisas científicas relacionam uma outra dimensão. Importa consi-
os animais vertebrados, ma- série de possíveis causas que justi- derar que
nifestado na forma do ciclo so- ficariam essas e outras alterações fi-
no–vigília que, no homem, é acom- siológicas, ocorridas durante o “[...] o Espírito se acha preso ao
panhado por graus variáveis de sono. A hipótese da existência da al- corpo qual balão cativo ao poste.
inconsciência e de relativa inativi- ma, atuando em outro nível de exis- Ora, da mesma forma que as
dade. Exames específicos (ativida- tência, ainda não é cogitada. Con- sacudidelas do balão abalam o
de elétrica cerebral e muscular, fre- tudo, a explicação espírita é mais poste, a atividade do Espírito rea-
quência cardíaca e respiratória, viável entre elas, não há dúvida: ge sobre o corpo e pode fatigá-lo”.3
pressão arterial, reações bioquí-
micas) indicam que durante o so- “[...] o Espírito jamais está ina- Kardec faz outras considera-
no ocorrem mudanças fisiológi- tivo. Durante o sono, afrou- ções, igualmente importantes:
cas significativas: queda da tem- xam-se os laços que o prendem
peratura corporal, diminuição na ao corpo e, então, não precisan- O corpo repousa durante o so-
produção da urina, variações da do o corpo de sua presença, o no, mas o Espírito não tem ne-
frequência cardíaca, respiratória e Espírito se lança no espaço e en- cessidade de repousar. Enquan-
da pressão sanguínea, ativação das tra em relação mais direta com to os sentidos físicos se acham
funções nervosas autônomas, au- os outros Espíritos”.2 entorpecidos, a alma se des-
mento do metabolismo e fluxo san- prende parcialmente da matéria
guíneo no cérebro, modificações Nesta situação, a alma afasta-se e goza das suas faculdades de
das taxas usuais de alguns hor- do seu corpo físico, mas a ele per- Espírito. O sono foi dado ao ho-
mônios, como as do HC (hormô- manece ligada por meio do peris- mem para reparação das forças
nio do crescimento), do ACTH (ade- pírito, o qual, por sua vez, trans- orgânicas e morais. Enquanto o
nocorticortrópico), do HL (hor- mite ao veículo somático as im- corpo recupera os elementos que
mônio luteinizante), do cortisol e pressões, boas ou más, vindas do perdeu por efeito da atividade
da prolactina.1 Espírito, conforme a natureza das de vigília, o Espírito vai retem-

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perar-se entre os outros Es-
píritos. Naquilo que vê, no que
ouve e nos conselhos que lhe dão,
haure ideias que, ao despertar,
lhe surgem em estado de intui-
ção. É a volta temporária do exi-
lado à sua verdadeira pátria. É
o prisioneiro restituído mo-
mentaneamente à liberdade.
Mas, como se dá com o presi-
diário perverso, acontece que
nem sempre o Espírito aprovei-
ta esse momento de liberdade
para seu adiantamento. Se con-
serva instintos maus, em vez de
procurar a companhia de Espí-
ritos bons, busca a de seus iguais
e vai visitar os lugares onde
possa dar livre curso às suas
inclinações.4

O conhecimento atual sobre os


mecanismos do sono revelam que
este passa por cinco estágios ou
fases, durante os quais as ondas a vigília e o sono. Na quinta fase, necessárias à manutenção das fun-
cerebrais diminuem de intensida- designada por REM, ocorre o ções cerebrais e mentais, algumas
de até atingir um estado de rela- sono, propriamente dito, demons- específicas, como as relacionadas
xamento profundo, consequente trado por um relaxamento cor- à memória. Tais conceitos não ex-
de ação no hipotálamo – impor- poral profundo. É o período no plicam, contudo, sonhos nítidos, ló-
tante área do cérebro, ligada ao qual, efetivamente, a pessoa sonha gicos e objetivos que muitos cien-
estado de consciência, reguladora e, em geral, recorda o que sonhou. tistas, artistas, inventores, literatos
de processos metabólicos e autô- O conceito de sonho não etc., tiveram. Thomas Edison, por
nomos do organismo –, e no cór- apresenta consenso científico, mas exemplo, sonhou com o fonógrafo
tex cerebral – camada mais exter- abordagens bem fundamentadas, e outros inventos, antes de cons-
na do cérebro, rica de neurônios, divulgadas por diferentes escolas. truí-los. Durante uma viagem à
local de realização de funções A Medicina, geralmente, determi- Alemanha, em 1619, René Descar-
complexas como memória, aten- na que o sonho é uma espécie de tes (1596-1650) sonha com um
ção, consciência, linguagem, per- imaginação, a ocorrência de ideias, sistema filosófico que desenvol-
cepção e pensamento. emoções e sensações percebidas veria, mais tarde, com o nome
Admite-se que nas quatro fases, durante o sono. A Psicologia ensi- de Discurso do Método, base da
conhecidas como não-REM (Ra- na que é a forma do inconsciente metodologia científica dos séculos
pid Eyes Moviment – Movimentos expressar-se. Alguns neurocientis- seguintes.
Oculares Rápidos), há uma transi- tas defendem a tese de que o sonho O sonho apresenta cunho mís-
ção, cada vez mais profunda, entre seria o trânsito de informações tico e premonitório, benéfico ou

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maléfico, para a maioria das tra- gicas. Revelam, também, algo mais: mais distantes ou que jamais
dições religiosas. No Velho Tes- a atividade da alma nos momen- se viu, e algumas vezes até a
tamento, quase todos os profetas tos do sono e a existência de fa- outros mundos. Daí também
possuíam a capacidade de prever culdades do Espírito, muitas delas a lembrança que traz à memó-
acontecimentos por meio dos so- desconhecidas ou ignoradas, no ria acontecimentos verificados
nhos. Podemos ilustrar com os meio acadêmico e no religioso. Tais na precedente existência ou em
sonhos proféticos e as interpreta- atributos do Espírito são faculda- existências anteriores. A extra-
ções oníricas de Daniel (7:1-28), des denominadas emancipação da vagância das imagens do que se
assim como os de Salomão (1Reis, alma, pelo Espiritismo. passa ou se passou em mundos
3:5-15). No Novo Testamento, É preciso cautela, desenvolver desconhecidos, entremeados de
destaca-se a figura de José, que mais ponderação a respeito do coisas do mundo atual, formam
recebe avisos do anjo Gabriel: significado dos sonhos, seguindo esses conjuntos bizarros e con-
Mateus, 1:18-25 – O nascimento este conselho dos orientadores da fusos, que parecem não ter sen-
de Jesus Cristo; Mateus, 2:13-14 – Codificação Espírita: tido ou ligação.
A fuga para o Egito; Mateus, 2: 19- A incoerência dos sonhos ainda
-21 – A volta do Egito. “Procurai distinguir bem essas se explica pelas lacunas pro-
É preciso analisar com senso duas espécies de sonhos, entre duzidas pela lembrança incom-
crítico a interpretação dos sonhos aqueles de que vos lembrais; pleta daquilo que nos apareceu
que, corriqueira nas Escrituras e sem isso, cairíeis em contradi- em sonho. Seria algo como uma
nos tempos antigos, tomou dois ru- ções e em erros que seriam fu- narração, da qual se truncas-
mos: um banal e supersticioso, mui- nestos à vossa fé”.5 sem frases ou trechos ao acaso:
to ao gosto na população, em geral, reunidos depois, os fragmen-
e outro restrito aos estudiosos e à Na verdade, sonhar é inerente à tos restantes perderiam qualquer
elite intelectual, que o vestiram de natureza humana. Até os bebês, significação racional”.5
roupagem científica, em especial ainda no útero materno, sonham,
com os trabalhos de dois médicos: como o demonstram pesquisas
o austríaco Sigmund Freud (1856- científicas recentes. Todos os indi- Referências:
1
-1939), considerado Pai da Psica- víduos sonham, mesmo que não se THOMAS, Clayton. Dicionário médico en-
nálise, e o psiquiatra suíço Carl recordem dos acontecimentos ou ciclopédico taber. Tradução de Fernando
Gustav Jung (1875-1961). dos detalhes. Mas, tal como acon- Gomes do Nascimento. 17. ed. São Paulo:
Ambos os resultados – banali- tece com as demais faculdades psí- Ed. Manole, 2000. p. 1634.
2
zação e cientificação do signifi- quicas, a capacidade de sonhar po- KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tra-
cado dos sonhos – indicam que o de ser aperfeiçoada e ampliada, dução de Evandro Noleto Bezerra. 3. ed.
assunto não é tão simples, co- pelo exercício e pelo estudo. Comemorativa do Sesquicentenário. Rio
mo pode parecer à primeira vista. Refletindo sobre as orientações de Janeiro: FEB, 2007. Q. 401.
3
Entretanto, fica evidente que há que os Espíritos transmitiram so- ______. ______. Q. 412.
4
dois tipos de sonhos: os incoeren- bre o tema, Kardec esclarece: ______. O evangelho segundo o espiri-
tes e os coerentes. Os primeiros tismo. Tradução de Evandro Noleto Be-
são utilizados por adivinhos, nem “Os sonhos são efeito da emanci- zerra. Rio de Janeiro: FEB, 2008. Cap. 28,
sempre bem intencionados, pro- pação da alma, que se torna mais item 38.
5
duzindo logro e explorando a independente pela suspensão da ______. O livro dos espíritos. Tradução
boa-fé dos que lhes fazem consul- vida ativa e de relação. Daí uma de Evandro Noleto Bezerra. 3. ed. Come-
tas. Os segundos servem de apoio espécie de clarividência indefi- morativa do Sesquicentenário. Rio de Ja-
a práticas psiquiátricas e psicoló- nida, que se estende aos lugares neiro: FEB, 2007. Q. 402.

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