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Guerra Fria Revisitada

Durante quase todo século XX as duas superpotências mundiais se


enfrentaram em um colossal braço de ferro. O desenrolar da luta, no
entanto, é motivo de controvérsia entre os historiadores

POR SIDNEI J. MUNHOZ

Passados quase 20 anos da


queda do Muro de Berlim (1989)
e da desagregação do mundo
soviético (1991), muitas pessoas
ainda se perguntam o que foi,
quando e como terminou a
Guerra Fria. Para a maioria dos
estudiosos do tema, a Guerra
Fria, como a que existiu entre o
final da II Guerra Mundial (1939-
1945) e a crise dos regimes de
economia planificada (1989-
1991), não mais existe. No
entanto, o conceito ainda não foi
definitivamente aposentado.
Atualmente, alguns autores o
utilizam em sentido diverso da
sua acepção original, dessa vez,
para caracterizar conflitos não
declarados, emergentes em
nossa época. Assim, alguns se
referem ao surgimento de um
conflito Norte-Sul (entre ricos e
pobres) em substituição ao
antigo conflito Leste-Oeste
(capitalismo e comunismo).

O CONCEITO DE GUERRA FRIA


Desde 1947, quando o jornalista estadunidense Walter Lippmann publicou um artigo,
em que denominava as tensões emergentes entre os EUA e a URSS como Guerra
Fria, a expressão se espraiou pelo mundo e tornou-se senso comum. Lippmann não
foi o primeiro a fazer uso do termo. Muito antes dele, durante o século XIV, D. Juan
Manuel, no reino de Castela, afirmou que havia uma guerra fria entre cristãos e
muçulmanos. Para o nobre castelhano, aquela era uma guerra que não era guerra.
Nela, não havia o combate direto, mas também não se alcançava a paz. Mais uma
vez, o termo foi utilizado de forma precoce na última década do século XIX, no
contexto da corrida armamentista que antecedeu à I Guerra Mundial (1914-1918).
Ainda, ao final da II Guerra Mundial, o escritor britânico George Orwell empregou o
termo para denominar as tensões que então se iniciavam entre os EUA e a URSS.
Outros autores, lembram ainda que o assessor do governo Truman, Bernard Baruch,
haveria feito uso da expressão em junho de 1947. Porém, o próprio Baruch negou a
sua originalidade e afirmou que repetiu o termo empregado por Herbert B. Swope, no
ano anterior.

Como se nota, muita gente utilizou o termo, mas há


quase um consenso na historiografia de que o
emprego da expressão, no seu sentido
contemporâneo, foi uma decorrência da repercussão
dos artigos publicados por Walter Lippmann, no New
York Herald Tribune, depois, transformados em um
livro intitulado Th e Cold War. Assim, a partir de 1947,
a expressão Guerra Fria passou a ser empregada
para qualificar o conflito entre os EUA e a URSS e, de
forma correlata, para se referir às tensões daí
derivadas que confrontavam o chamado mundo
ocidental e a área de influência soviética.

Não há concordância no que se refere à periodização


De jovem poeta georgiano anti-rússia na do conflito, mas predomina o entendimento de que a
juventude, Josef Stalin (1878 – 1953) passou a Guerra Fria surgiu em 1947 e terminou com a
militante marxista. Após a morte de Lênin, em desagregação do mundo soviético (1989- 1991).
1924, ganhou força no partido até se tornar Contudo, alguns autores entendem que o conflito
ditador da URSS em 1928. Assim que chegou haveria terminado em 1953 com a morte de Joseph
ao poder, implantou planos de industrialização e Stalin e com a eleição de Dwight Eisenhower. Para
coletivização no país que, ao fim de uma outros, o período haveria se encerrado em 1963, com
década, seria a segunda superpotência mundial a assinatura de acordos visando à redução e ao
controle dos armamentos nucleares. Há ainda aqueles
que defendem a idéia de que a eclosão do conflito seria bem anterior, com início logo
após a Revolução Bolchevique (1917) e a posterior invasão do país por tropas
estrangeiras, durante a guerra civil ocorrida entre 1918 e 1921. Para esses, após a II
Guerra mundial o conflito ganhou uma dimensão global. Por fim, há aqueles que
empregaram a expressão Nova Guerra Fria para se referir aos confrontos verificados
no interior do bloco socialista.

ORIGENS: UMA GUERRA APÓS A OUTRA


Ao final da II Grande Guerra, não veio a paz tão esperada, pois as crescentes tensões
e disputas entre os blocos em consolidação provocaram guerras regionais, revoluções
e golpes militares que cobrariam a vida de mais de vinte milhões de pessoas.

Com o início da Guerra Fria ocorreu a intensificação de conflitos em diferentes regiões


do Planeta. Neles mesclavam-se os interesses geopolíticos das duas potências
centrais e de cada um dos seus respectivos blocos. Além disso, não se pode pensar
cada um desses campos como homogêneos. Neles, havia tensões, rivalidades e
conflitos. Assim, periodicamente, emergiam querelas em busca de hegemonias
regionais e outros interesses de Estado.
Dessa forma, observa-se que a imagem do
mundo bipolarizado, tão útil para a
compreensão da Guerra Fria, não pode ser
cristalizada, pois como é possível verificar na
literatura relativa ao tema, esse processo era
bastante dinâmico. Os países integrados a
cada um dos blocos possuíam interesses
próprios e nem sempre se subordinavam
automaticamente às potências centrais. Desse
modo, havia disputas de interesses no interior
dos blocos e alguma autonomia relativa dos
atores coadjuvantes. Porém, era notória a
fragilidade dessa autonomia como
demonstram as freqüentes intervenções, tanto
dos EUA quanto da URSS.

A posse de Harry Truman, em decorrência da


morte de Franklin Roosevelt, ocorrida em abril
de 1945, imprimiu alterações na política
A partir do fim da II guerra mundial, os EUA se tornaram externa dos EUA. Para o novo presidente e
imperialistas ativos e buscaram manter o controle político seus assessores, haviam ocorrido excessivas
nos países periféricos. No entanto, a maior parte dos concessões aos soviéticos e era necessário
conflitos da guerra fria foi lutada por facções locais que corrigir essa direção. Essa postura gerou na
recebiam apoio indireto das superpotências, como doação URSS suspeitas de que se pretendia eliminar
de armas e empréstimos financeiros. a sua área de influência no Leste da Europa.
Temeroso de perder o controle sobre a região,
que era considerada vital para a segurança da União Soviética, Stalin interrompeu o
seu frágil processo de democratização. Assim, no Leste da Europa, a partir do início
de 1946 e durante os anos seguintes aumentou- se drasticamente a repressão às
oposições, cerceou-se a liberdade, abandonou-se o pluripartidarismo e o regime de
economia mista.

Alguns autores vêem já nos bombardeios nucleares a Hiroxima e Nagasaki uma


primeira declaração da Guerra Fria. Para eles, o fato tem muito mais a ver com o
futuro conflito que está a se iniciar do que com o fim da II guerra Mundial. Em outras
palavras, seria uma demonstração de força para que a URSS moderasse as suas
ambições na Europa. Outros vêem o pronunciamento do ex-chanceler britânico
Winston Churchill, em 05 de março de 1946, em Fulton, (Missoury), EUA, como um
marco dos novos conflitos que estavam a emergir. No entanto, o grande marco do
início da Guerra Fria foi o anúncio da Doutrina Truman, ocorrido em 12 de março de
1947. Pouco depois, em 5 de junho de 1947, os EUA anunciaram o Plano Marshall
que teve um papel fundamental na estratégia mundial dos EUA.

REAÇÃO E PERSEGUIÇÃO
O certo é que cada nova ação em um campo levou a respostas do outro. O Golpe
tcheco, ocorrido em 25 de fevereiro de 1948, levou à expulsão dos comunistas
franceses e italianos de seus respectivos governos. Isso fez com que os comunistas
colocassem na ilegalidade os partidos de orientação não comunista, ao mesmo tempo
em que pressionaram os socialistas, obrigando-os a se fundirem aos comunistas.
Simultaneamente, lideranças democratico- burguesas foram presas e muitas delas
executadas após julgamentos no mínimo viciados.

A perseguição político-ideológica foi constante nos


dois blocos. Prisões e execuções no campo
soviético, o macarthismo nos EUA e seus
simulacros no campo ocidental arruinaram a vida
de milhares de cidadãos. Nos EUA, entre 1950 e
1954, o macarthismo perseguiu pessoas e
instituições, expondo-as à execração pública,
silenciou a média, interferiu na liberdade
acadêmica, promoveu exclusão de centenas de
docentes e cientistas das universidades e centros
de pesquisa.

Com a intensificação dos conflitos, a perseguição


político-ideológica tornou-se exacerbada tanto no campo soviético quanto no
estadunidense. Os trabalhos da House Un-American Activities Committee – HUAC
transformaram-se em um grande teatro que levou milhares ou mesmo milhões
cidadãos estadunidenses a acreditarem que o país estava prestes a ser invadido por
forças soviéticas. Dois episódios exemplificam o clima do período. Um, mais
conhecido, foi a execução, em 1953, de Julius e Ethel Rosemberg, sob a duvidosa
acusação de espionagem. No outro, bem menos conhecido, foram construídos em
1952 campos de concentração com o intuito de deter comunistas estadunidenses
(Allenwood, na Pensilvânia: El Reno, em Oklahoma: Florence e Wickemburg, no
Arizona e Tule Lake, na Califórnia), com capacidade para receber até 26 mil e
quinhentos prisioneiros, no total. Os campos foram construídos para uso imediato em
caso de necessidade, contudo, desconhece-se sua utilização para os fins inicialmente
propostos.
VISÕES ANTAGÔNICAS: A CULPA DO OUTRO
Correntes historiográficas distintas apresentam análises bastante diferenciadas sobre
esse importante processo histórico que marcou a história da humanidade ao longo de
mais de quatro décadas. Dentre essas abordagens, deve-se ressaltar a ortodoxia
estadunidense, a ortodoxia soviética, o revisionismo, o pós-revisionismo e o
corporatismo. O que elas nos dizem? Em que se diferenciam umas das outras?

A ortodoxia estadunidense, também é


conhecida como escola tradicionalista, sem
qualquer sombra de dúvidas se alicerçou nos
escritos dos policy-makers daquele país. O
conhecido diplomata George Frost Kennan,
elaborador da teoria da contenção, constitui-se
em uma expressão dessa corrente. Os
historiadores vinculados a essa escola de
pensamento são fiéis escudeiros da perspectiva
da diplomacia estadunidense. Para eles, a
URSS foi a responsável pelo surgimento da
Guerra Fria, uma vez que não havia se portado
como uma aliada confiável, havia se apoderado
pela força das armas dos territórios localizados
no Centro e Leste da Europa e deles se
recusava a sair, em total descumprimento dos
acordos firmados ao final da II Guerra Mundial.
Ainda, para alguns desses autores, a posição
Acima à esq. Cartaz do Plano Marshall na
Alemanhça Ocidental. Ao lado Churchil da URSS era uma decorrência do projeto
(Inglaterra) Roosevelt ( EUA) e Stalin(URSS) comunista de dominação mundial. Dentre os
decidem o futuro do pós guerra na autores que melhor exemplificam essa
Conferência de Ialta. Logo acima, o
presidente estadunidense Harry Truman em perspectiva, devem ser lembrados William
1950
McNeill, Herbert Feis e Arthur Schlesinger Jr. É necessário esclarecer que embora as
idéias expressas por George Kennan no Longo Telegrama e em “Sources of Soviet
Conduct” fossem a base desse pensamento, ele próprio, a partir de 1949, se afastou
do núcleo de elaboração política do segundo governo Truman, criticou a política
externa do seu país e afirmou que as suas idéias não haviam sido bem
compreendidas.

A ortodoxia soviética (ou como alguns a preferem denominar, a história oficial


soviética) se constitui no reverso da medalha. Ela explica os conflitos internacionais
que surgiram ao fim da II guerra Mundial como resultado direto da ação imperialista
dos EUA e do desrespeito que essa potência capitalista manifestou pelos tratados
firmados em Ialta e Potsdam.

Desse ponto de vista, a Guerra Fria foi fruto das estratégias dos EUA e dos seus
aliados para usurpar da URSS a sua esfera de influência conquistada, a duras penas e
arduamente negociada ao final da II Guerra Mundial. Para os soviéticos, a origem do
conflito se alicerçava na agressividade imperialista que ameaçava o Leste da Europa.
Para eles, os EUA e os seus agentes procuraram subverter a ordem nessa região com
o objetivo de retirá-la da órbita soviética. Tal atitude era vista como inadmissível, uma
vez que Stalin considerava essa região como um escudo para a proteção da URSS
frente a novas eventuais agressões. Segundo essa perspectiva, a URSS foi obrigada a
defender a região da ofensiva imperialista, uma vez que ela própria poderia ser tornar
alvo de agressão em um futuro próximo. Ainda, para a história oficial soviética, a
violência imperialista dos EUA e dos seus aliados foi a grande responsável pelo
desencadear de uma corrida armamentista, no momento em que a URSS almejava
apenas a paz e a reconstrução do seu país devastado pela guerra.

Alguns autores dizem que a URSS violou tratados internacionais


em virtude de seu projeto de dominação mundial

REVISIONISMO E SEU CONTRA-ARGUMENTO


O revisionismo surgiu no final da década de 1950. Influenciados pela publicação de Th
e Tragedy of American Diplomacy, de Williams Appleman Williams, um grupo de
jovens historiadores iniciaram a crítica sistemática ao oficialismo e ao consenso até
então reinantes na história estadunidense relacionada ao tema. Para eles, havia uma
espécie de simbiose entre a elaboração da política externa do país e a historiografia
que tratava da Guerra Fria. Em outras palavras, nos EUA, a historiografia que tratava
da Guerra Fria era profundamente influenciada pelos policymakers e repetia de forma
acrítica em quase uníssono uma história oficial, em grande parte elaborada pela
diplomacia do seu país. Esses historiadores detectavam a influência determinante da
economia doméstica e da ideologia na elaboração da política externa dos EUA. Ainda,
para os revisionistas, havia nos EUA uma incompreensão tanto da política interna
quanto externa da União Soviética. Eles entendiam que a URSS não deveria ser
responsabilizada pelo início da Guerra Fria. Afirmavam que ao término da II Guerra
Mundial, EUA e União Soviética haviam surgido como as lideranças incontestáveis de
uma nova ordem internacional ainda em construção. Todavia, esses autores
entendiam que, nesse aspecto, se fazia necessária uma distinção. Eles afirmavam que
fora construído um mito de que as duas potências emergiram igualmente fortes. Para
eles, de um lado, os EUA saíram do conflito mundial como a maior potência
econômica mundial. O país era responsável por quase dois terços da produção
industrial do planeta, se constituía no maior credor internacional e se encontrava com
o seu parque industrial e território intactos. De outro, a União Soviética perdeu algo
entre 15 e 20 milhões de habitantes durante a guerra. O país encontrava-se com toda
a sua infra-estrutura arrasada. As suas cidades, indústrias, meios de comunicação,
transportes, habitações, escolas, hospitais encontravam-se em ruínas. Nesse
contexto, os revisionistas acreditavam que a União Soviética não poderia adotar uma
postura agressiva. Para eles, o governo soviético concentrava os seus esforços na
reconstrução do país e na definição de uma esfera de influência no Leste da Europa. A
partir dessa leitura, para os historiadores revisionistas, a União Soviética não poderia
ameaçar à segurança da Europa Ocidental. Esses historiadores concluem que a ação
soviética era muito mais defensiva, uma vez que se sentia ameaçada pela política
externa dos EUA. Para eles, aos olhos da diplomacia soviética, após a morte de
Roosevelt, as mudanças implementadas por Truman, na condução da política externa
dos EUA, eram agressivas e ameaçavam o Leste da Europa, considerado uma área
vital para a proteção da URSS. Essa percepção teria levado ao fechamento político no
Leste da Europa. Dentre os historiadores revisionistas, merecem destaque William
Appleman. Williams, Walter LaFeber, Gabriel Kolko e Lloyd Gardner.

Os revisionistas acreditavam que a URSS não podia adotar


uma postura agressiva, pois reconstruía o país

Durante a década de 1980, John Lewis Gaddis lançou


nos EUA uma proposta que, segundo ele, visava à
superação do período revisionista. Gaddis afirmava que
com o fim da Guerra Fria era possível se chegar a um
consenso pós-revisionista. Daí, emergiu um modelo de
análise que passou a ser denominado pós-revisionismo.

Gaddis afirmava defender uma perspectiva próxima à


neutralidade para melhor compreender o período da
Guerra Fria. No entanto, uma análise mais densa da sua
proposta demonstra uma nítida crítica à perspectiva
revisionista e reiteração da análise ortodoxa com uma
Harry Truman (1884 – 1972)
roupagem diversa. Em síntese, como disse Bruce
presidiu os EUA entre 1945 e Cumings, não havia pós revisionismo, mas um anti-
1953. Autorizou o ataque nuclear revisionismo nas idéias de Gaddis.
às cidades japonesas e conduziu
o Plano Marshal de reconstrução
da Europa. Também participou da O eixo da análise pós-revisionista enfoca principalmente
divisão da Alemanha as políticas concertadas pelas elites e o estudo das
transformações no equilíbrio de poder no campo das relações internacionais. Além
disso, essa corrente dispensa uma atenção especial às estratégias elaboradas
pelospolicy-makers estadunidenses com vistas à promoção da segurança interna e à
promoção da defesa do país, frente a possíveis ameaças externas.

Gaddis, reconhece a possível adoção de uma postura imperial pelos EUA após a II
Guerra Mundial. No entanto, essa postura, segundo o autor, foi adotada à revelia dos
dirigentes dos EUA. Para ele, essa atitude estava ligada ao expansionismo soviético e ao
pedido de socorro de nações aliadas dos EUA, que, sem condições de se defenderem da
ameaça comunista, recorriam aos Estados Unidos e pediam proteção. Desse ponto de
vista, mesmo que propositadamente a URSS não perseguisse um projeto de dominação
mundial, o autoritarismo soviético ameaçava a Europa e a Ásia. Como conseqüência,
não haveria restado aos EUA outra alternativa que não fosse promover a defesa dos seus
aliados e, dessa forma, mesmo contra a sua vontade, aos poucos o país se veria
envolvido em um conflito de abrangência mundial.

A intervenção dos EUA na Guerra do Vietnã ocorreu


entre 1965 e 1975 e terminou com a vitória dos
comunistas norte-vietnamistas e a retirada das tropas
estadunidenses

EUA: O IMPERIALISMO E A POLÍTICA


DOMÉSTICA
Das críticas dirigidas ao modelo pós-
revisionista, talvez a mais sólida tenha
emergido dos historiadores corporatistas.
Para eles, há muito mais continuidades do
que rupturas na história da política externa
dos EUA. Assim, os corporatistas observam
uma linha de continuidade entre a política da
Reagan, Bush e Gorbachev se encontram em
New York, 1988
New Era, da década de 1920, do New Deal, da década de 1930 e as políticas
concebidas pelos EUA no pós II Guerra. Para Michael Hogan, ao final da II Guerra
Mundial, as elites estadunidenses procuraram edificar uma arquitetura de poder global
que tinha por base o modelo das suas instituições domésticas.

Para Hogan, a economia doméstica, as questões sociais e ideológicas influenciaram


sobremaneira a definição a diplomacia dos EUA. Dessa forma, a política externa do
país tornou-se alvo da pressão dos grupos organizados. Em síntese, Hogan afirma
que nos EUA se desenvolveu um Estado associativo ou neocapitalismo corporativo,
lastreado na auto-regulação dos grupos econômicos, integrados por coordenações
institucionais e por mecanismos de mercado. Para ele, os EUA buscaram durante o
transcorrer do século XX edificar uma ordem mundial referenciada no modelo
corporatista doméstico. Assim, as demandas desse sistema condicionam em grande
medida as diretrizes da política do país. No entanto, Hogan acredita que esse não é
um percurso de mão única, pois entende que muitos aspectos da política doméstica
também foram influenciados pela política externa do país. Desse ponto vista, pouco
depois do final da II Guerra Mundial, tanto questões endógenas (política interna)
quanto exógenas (expansão soviética) influenciariam a elaboração das estratégias dos
EUA.

Michael Hogan defende a tese de que o Plano


Marshall foi fundamental para a reconstrução
de uma balança de poder na Europa. Além
disso, acredita que o Plano propiciou à Europa
Ocidental, apoiada pelos EUA, as condições
necessárias para conter o bloco soviético. Por
fim, Hogan afirma que a criação alianças
militares, de programas de assistência e
sistemas de segurança coletiva, liderados
pelos EUA, alicerçaram a nova ordem mundial
em construção. Para esse autor, em adição, o
Tratado Geral de Tarifas e Comércio e o
Tratado de Reciprocidade Comercial foram
agregados como fatores multilaterais à Open
Door Policy que vigorou durante toda a
primeira metade do século. Dentre as
instituições criadas nesse período, o Banco
Mundial e o Fundo Monetário Internacional
foram fundamentais para se redesenhar a
Vala com prisioneiros soviéticos mortos de
fome e doença nos campos de concentração ordem mundial. A implementação dessas
alemães políticas era vista pela diplomacia soviética
como uma ameaça. Assim, a União Soviética adotava posturas que também eram
vistas pelos EUA como agressivas. Isso tudo aumentou o clima de tensão e levou à
emergência do conflito.

De outro ponto de vista, a partir de uma perspectiva sistêmica, Fred Halliday dividiu o
período pós II Guerra Mundial em quatro fases: Guerra Fria (1946-1953), período de
antagonismo oscilatório (1953-1969), détente (1969-1979) e a Segunda Guerra Fria
(após 1979). Para Halliday, a I Guerra Fria se encerrou com a morte de Joseph Stalin
e a eleição de Dwight Eisenhower. O período subseqüente foi marcado pela
aproximação de ambos os lados, quebrada de periodicamente pela emergência de
conflitos como a invasão da Hungria por tropas do Pacto de Varsóvia (1956), a
Revolução Cubana (1959), a derrubada do U-2 em território soviético, a invasão
estadunidense à Baia dos Porcos e a crise dos mísseis cubanos.

FIM DA GUERRA FRIA OU UM BREVE INTERLÚDIO?


Embora no ocidente ainda não fosse perceptível, desde o final da década de 1950, o
ritmo do crescimento da economia soviética e do Leste da Europa começou a perder
fôlego. Assim, nos anos seguintes, a distancia entre os dois mundos, que estava a se
reduzir, se estabilizou e já a partir do final da década posterior começou a aumentar.
Além disso, o capitalismo experimentou, nesse período, a terceira revolução industrial.
A partir de então, com base na eletrônica, micro-eletrônica, informática e robótica os
níveis de produtividade no mundo capitalista aumentaram de forma vertiginosa.
Ademais, a URSS começou a ficar cada vez mais para trás.

Quando o preço do petróleo começou a cair,


no início dos anos 1980, a crise interna da
URSS adquiriu contornos catastróficos

Na URSS, propostas de reformas apareceram desde Nikita Khruschev, no entanto,


durante as quase duas décadas do governo Leonid Brejnev, a URSS experimentou
uma letargia. Foi um período bastante paradoxal. De um lado, a burocracia soviética
estava convencida de que podia alcançar a paridade com os EUA e que no futuro
poderiam superar o ocidente tanto no campo bélico quanto no econômico. De outro, os
sinais da crise do sistema começavam a aparecer. Contudo, com a crise do petróleo
iniciada em 1973, a URSS começou a financiar a sua crise interna e a subsidiar o
Leste da Europa com o dinheiro proveniente da venda do seu petróleo no mercado
internacional. As condições de vida da população melhoraram no momento em que o
país viveu essa crise camuflada pelo dinheiro do petróleo. Naquele momento, já
integrada ao mercado, a URSS também estava sujeita às suas vicissitudes. Quando
no início da década seguinte, os preços do petróleo
começam a cair, a crise interna adquiriu contornos
catastróficos. Contudo, não havia mais recursos para
financiar as reformas de que o país tanto precisava.
Quando Mikhail Gorbachev chegou ao poder após os
breves governos de Constantin Chernenko e Yuri
Andropov, se deparou com a ruína do sistema.

O novo líder buscou saídas para a crise, com


tentativas de por fim à corrida armamentista que
minava a capacidade de investimento interno. No
entanto, os EUA, sob o governo de Ronald Reagan,
desencadearam uma nova corrida armamentista,
talvez até por perceberem a situação da rival e
MIKHAIL GORBACHEV (1931 -) acreditarem que poderiam levá-la à bancarrota. Em
assumiu a Secretaria Geral soviética paralelo, Gorbachev desencadeou a Glassnost, a
em 1985 quando encontrou o
comunismo em crise terminal. Tentou
reorganizar e dar transparência ao
partido e, ao fim de seu mandato,
possibilitou a liberdade de governo às
republicas anexadas, o que pôs um
fim a União Soviética
Perestroika e a busca de capitais no exterior. O líder soviético tornou-se quase um pop
star na mídia internacional, mas o dinheiro que ele precisava, lhe era sempre negado
ou vinha a conta-gotas. A crise se agravou, e Gorbachev não conseguiu combinar a
abertura econômica com a política. A ultima o deixou com poucos instrumentos para
conter a crise econômica que se alastrava. Foi nesse contexto que emergiu a crise no
Leste da Europa, em 1989, que levou à queda do muro, à ruptura das fronteiras e à
emigração em massa para o Ocidente. Foi o início do fim do mundo soviético.

O MUNDO HOJE E AMANHÃ


Durante o período da Guerra Fria, EUA e URSS rivalizaram-se na busca da
consolidação dos seus diferentes projetos políticos. Se de um lado, a Guerra Fria
significou a intensificação de conflitos em escala planetária, de outro, produziu certa
estabilidade, após a fase inicial, mesmo que sob o risco e a ameaça de um
permanente confronto nuclear, além de padrões toleráveis e previsíveis de confronto.
As duas nações enfrentaram-se de forma indireta através dos países que compunham
as suas respectivas esferas de influência, mas, ao mesmo tempo, impediram que
conflitos regionais escapassem ao controle e se transformassem em guerras de
dimensões mundiais. Hoje o mundo experimenta novos embates, a emergência de
guerras assimétricas, em que os inimigos não estão claramente definidos e são
dissimulados, os objetivos são difusos e os alvos imprecisos. Nesse cenário, alguns
autores voltam a empregar o termo Guerra Fria para se referir aos conflitos entre
países ricos e pobres, Norte e Sul e, se fala ainda em uma Nova Guerra Fria entre os
EUA e a Rússia. O que de fato está a acontecer? Bom, isso só o futuro dirá. No
máximo, nós historiadores, podemos buscar a compreensão aproximada desse
processo, mas isso é outra História.
Sidnei J. Munhoz é professor do Depto de História e do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Estadual de Maringá (UEM), do Programa de Pós-Graduação em História Comparada
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Consórcio Programa Rio de Janeiro de
Estudos de Relações Internacionais, Segurança e Defesa Nacional (CPRJ “PRÓ-DEFESA”). e-mail:
sidneimunhoz@pq.cnpq.br

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