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Mênade Anastácio Eduardo

A centralidade das constituições na vida política e seus mecanismos institucionais

As constituições se caracterizam por seu status superior às leis ordinárias. São elas que
estruturam e mediam os principais aspectos da vida política de uma comunidade. Geralmente,
delineiam os traços básicos do Estado, produzem os direitos que os cidadãos podem exercer e
devem acatar e, também, as regras de jogo entre agentes da sociedade e as instituições estatais, bem
como as regras de jogo de relações das instituições estatais entre si (ARANTES; COUTO, 2019).
Evidentemente, nota-se, ao caráter atribuído às constituições, uma centralidade no que diz respeito
aos contornos gerais do Estado. Não sem razão, elas costumam ser protegidas por mecanismos
institucionais que asseguram seu status de superioridade.
É de suma importância para o campo dos estudos de política comparada e
neoinstitucionalistas a análise dos fatores que podem contribuir para a estabilidade e mudança das
constituições. São esses mecanismos que podem ser centrais para sua durabilidade – decidindo quão
rígidos ou flexíveis são esses documentos. LIJPHART (2003) observa duas variáveis que julga
serem fundamentais para a compreensão do fenômeno em questão. Trata-se da “[...] facilidade ou a
dificuldade de se fazer emendas à constituição [...]” (LIJPHART, 2003, p. 247) e da “presença ou
ausência de revisão judicial” (LIJPHART, 2003, p. 247).
Com relação ao emendamento, encontramos sete tipos diferentes de regras que definem sob
quais condições e quais atores podem propor emendas. São estes: o poder de iniciativa – que
designa quais agentes podem iniciar propostas de emendamento; a maioria qualificada que diz
respeito ao número de atores envolvendo uma votação que, diferentemente do esquema de maioria
simples, pode exigir um número igual ou superior a ⅔ , ⅗ ou ¾ nos casos de maior rigidez; as
arenas diferentes; a votação dupla ou interrompida; a aprovação de legislaturas subnacionais; os
referendos e, por fim, as cláusulas pétreas. Nesse quesito, um parâmetro desenvolvido por Lijphard
para mensurar a rigidez constitucional aponta para, de um lado, votações que exigem apenas
maioria simples e, consequentemente, se restringem às leis ordinárias; e do outro, as regras
supracitadas que, comumente em combinação, podem aumentar a rigidez de uma constituição. Com
esse parâmetro podemos comparar, por exemplo, a constituição americana com a brasileira
pós-1988. A constituição americana aparece como muito mais rígida que a brasileira, no quesito de
dificuldade de proposição de emendas, pois possui menos atores com poder de iniciativa, além da
exigência de uma supermaioria de ¾ nas convenções convocadas para fins de emendamento. Isso se
traduz em números, tendo em vista que, em seus 228 anos de existência, a constituição americana
teve apenas 27 emendas, enquanto a brasileira em seus 34 teve mais de 115. Tal discrepância sugere
a diferença de modus operandi entre constituições polity-oriented e policy-oriented. São essas leis
que interessam para os estudos constitucionais, pois quanto mais mecanismos uma lei ou ato
normativo pressupõe para ser aprovado, mais relevante eles são dentro do jogo político, pois
evidenciam um afastamento da esfera ordinária. Em suma, a constituição se distingue de uma lei
ordinária se o quórum é mais exigente que o desta última.
Além das regras de emendamento constitucional, nos deparamos com outro mecanismo
institucional de suma importância para a vida das constituições: a revisão judicial. Faz-se
necessário, em boa medida, nas democracias modernas, limitar o poder parlamentar, pois se o
parlamento fosse o juiz da constitucionalidade, poderia ocorrer uma capitulação da constituição
para os interesses específicos de seus membros. Dessa maneira, por meio do controle constitucional,
o legislativo e o executivo produzem normas e leis e elas podem ser controladas comparando-as
com a constituição, por parte de uma instância do poder judiciário ou corte especificamente
instituída para essa tarefa. Esse mecanismo pode funcionar como uma forma de conservação e
proteção do texto constitucional contra a vontade da maioria política – mas nem sempre, como a
história da Suprema Corte americana demonstrada por DAHL (2009) cujo caráter aparentemente
judicial continha em si, também, uma dimensão de ativismo político por parte dos ministros eleitos
pelos presidentes que se alinham às maiorias nacionais, e até mesmo legitimam as políticas
decididas pela coalizão majoritária –, do legislador ou mesmo do poder executivo.
Com isso, “o remédio normalmente proposto é dar aos tribunais, ou a um tribunal especial
constitucional, o poder de revisão judicial – isto é, o poder de testar a constitucionalidade das leis
aprovadas pela legislatura nacional” (LIPJHART, 2003, p. 254). Existem três modelos de sistemas
de controle constitucional: difuso-descentralizado, concentrado-centralizado e híbrido. Um exemplo
de controle difuso é o dos Estados Unidos. Nele, todos os juízes podem decidir sobre a
constitucionalidade das leis, pois a questão constitucional ocorre no âmbito comum da justiça. No
modelo centralizado, predominante na Europa, apenas o monopólio de um tribunal especial pode
inferir sobre a constituição, sobrando aos juízes comuns apenas a prerrogativa de aplicar as leis,
sem questioná-las. No sistema híbrido, ao qual o Brasil se encontra, ocorre uma mescla dos dois
sistemas já citados. A parte difusa, dos âmbitos comuns da justiça, podem – a depender do caso –
serem levadas às instâncias superiores até chegar ao STF que tratará da constitucionalidade do caso.
O Brasil é um caso especial no que tange a constituição. É importante ressaltar que, apesar
do senso comum definir que constituições como a dos EUA são mais duradouras e estáveis pela sua
simplicidade e rigidez, na verdade, as constituições mais duradouras são aquelas que possuem
maior extensão por conta de seu detalhamento. Segundo GINSBURG et al.:
On the other hand, our theory of renegotiation suggests that the clarity and
specificity of the constitutional contract may be helpful in providing an incentive
for, and facilitating, enforcement. A clearer, more specified document will more
easily generate shared understandings of what it entails. It will also solve issues
related to hidden information at the time of bargaining (GINSBURG et al., 2009)
A constituição brasileira, sob a luz da análise de ARANTES e COUTO (2019) recai sob a
égide das constituições policy-oriented, isto é: em vez de focar nos temas mais amplos e genéricos
do Estado como na polity (cujos âmbitos de preocupação se dão na estrutura, sob os parâmetros
gerais do jogo político), há uma preponderância da policy, ou seja, “[...] da normatividade de nível
governamental, isto é, das normas produzidas por governos com vistas à implementação de suas
políticas” (ARANTES; COUTO, 2019, p. 20). Isso se dá, pois, por meio da constitucionalização das
políticas públicas, a Constituição desce ao plano governamental, exigindo que seus atores políticos
atuem por meio dela. É por conta da centralidade da constituição sob os quais todos agentes
políticos estão submetidos que, por outro lado, pode-se ocorrer arbitrariedades advindas do órgão
que opera nosso controle constitucional, ou seja o Supremo Tribunal Federal. Segundo VIEIRA
(2008):
[..] o Tribunal vem utilizando um alto grau de discricionariedade para decidir o que
vai para os distintos colegiados e o que pode ser abatido monocraticamente. Em
política, o controle sobre a agenda temática, bem como sobre a agenda temporal,
tem um enorme significado; e este poder se encontra nas mãos de cada um dos
ministros, decidindo monocraticamente. (VIEIRA, 2008, p. 450)

O STF, portanto, possui a centralidade do poder de criar regras, atuando como um legislador
ao ter em suas mãos a autoridade de interpretação do texto constitucional.
Referências bibliográficas:

LIJPHART, Arend. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

DAHL, Robert A. Tomada de Decisões em uma democracia: a Suprema Corte como uma entidade
formuladora de políticas nacionais. Revista de Direito Administrativo, v. 252, p. 25-43, 2009.

ARANTES, Rogério B. e COUTO, Cláudio G. (2019) "1988:2018: Trinta anos de


constitucionalização permanente". In: N. Menezes Filho; A. P. Sousa. (Org.). A Carta. Para
entender a Constituição brasileira. 1ed.São Paulo: Todavia, 2019, v. 1, p. 13-52.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, v. 4, p. 441–463, 2008.

GINSBURG, Tom; MELTON, James; ELKINS, Zachary. The endurance of national


constitutions. 2009.

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