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FOI SEM QUERER QUERENDO: A HISTORIA DO TERMO

HOMOSSEXUALISMO E O HOMOEROTISMO COMO FUGA DO


PRECONCEITO.

Rodrigo Rossi da Silva1

Resumo:

1
Graduado em Teologia pela universidade Unigranrio e graduando em História pela universidade
Estácio.
2.1. História do conceito sobre homossexualidade.
No decorrer da produção acadêmica, intelectual, médica e religiosa na historia
da humanidade, em demasia muito tem se falado a cerca do que vem a ser o fenômeno
do homossexualismo/homossexualidade, e pouco tem se entendido ou esclarecido sobre
o que de fato vem a ser. E nesse “muito” que foi até agora produzido, quase tudo são,
aproximações das aventuras ou desventuras dos povos gregos e romanos ou proibições
dos povos hebreus contidas no texto bíblico.

Nesse sentido, nossa proposta ousa caminhar pelas seguintes indagações: quando
nasce o conceito do homossexual/homossexualismo? Quando se afirmam esses termos o
que está implícito ou por detrás dessas afirmações para sua época e para a nossa? A
partir disso pretendemos concluir que, “a homossexualidade é uma invenção da
modernidade, o homossexual é uma espécie “fabricada” por ela2”.

Ao retrocedermos no tempo encontramos o proêmio do emprego do termo


Homossexual na esfera médica. Carneiro cita Foucault quanto a esse assunto e diz que,

data como marco do seu nascimento o artigo de K. F. O.


Westphal em 1870. Neste, estas “sensações sexuais contrárias”,
como se refere o autor, são descritas como “uma certa qualidade da
sensibilidade sexual, uma certa maneira de inverter, em si
mesmo, o masculino e o feminino.” Provavelmente, Foucault
demarque essa publicação como sendo inaugural por perceber
presentes nela, pela primeira vez, uma patologização das emoções, dos
desejos e das práticas daqueles que desfrutam dos prazeres com o
mesmo sexo. Todavia, é salutar destacar que outros historiadores da
sexualidade, como é o caso de Jonathan Ned Katz aponta que o uso do
termo “homossexual” foi empregado um ano antes pelo jornalista e
memorialista Karl-Maria Benker tem uma carta enviada em 6 de maio
de 1868 para Karl Henrich Ulrichs. Ambos eram considerados
reformadores sexuais e lutaram em defesa da reforma da lei da
sodomia e dos direitos dos urnings (como Ulrichs denominava os
homens que amavam outros homens) na Alemanha.3

É protuberante destacar que, apesar do uso do termo ser fruto da modernidade,


pensar em um homossexual na época em que o termo surge é afirmar que, aqueles que

2
CARNEIRO, Ailton José dos Santos. A fabricação do homossexual: História, verdade e poder. In: VI
ENCONTRO DE HISTÓRIA, 2013, Bahia. Anais, p. 7.
3
Idem. Existem registros que a primeira aparição do termo Homossexualidade no Brasil foi ao mesmo
século. Segundo MOLINA, no Brasil, o termo homossexualidade foi utilizado pela primeira vez em 1894,
no livro: “Atentados ao pudor: estudos sobre as aberrações do instinto sexual” de Francisco José Viveiros
de Castro, professor de Criminologia da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e desembargador da corte
de Apelação do Distrito Federal. MOLINA, Luana P. P. A homossexualidade e a historiografia e
trajetória do movimento homossexual. Antítesses. Londrina, v.4, n.8, p. 949-962, 2011.
partilham de tais práticas estão doentes ou anormais. Percebemos então por detrás da
afirmação que existem intenções implícitas, de descrever o outro como ser adoecido que
careça de cuidado, tratamento ou cura, que para T. Mesquita essa categorização de
doença é um posicionamento de outrora.4

Logo, entendemos que o emprego do termo homossexual/homossexualidade teve


uma intenção e uma esfera de atuação, que nesse sentido, carrega em si o estigma de sua
época. Por esse sentido P. Ceccarelli discorre que,

Na cultura ocidental, o termo homossexualidade deve ser


compreendido, inicialmente, como uma construção social tributária do
contexto histórico no qual emerge. Portanto, quando dizemos algo a
respeito da homossexualidade, devemos ficar atentos para que esse
termo não represente uma essência em si, mas algo próprio da
construção da linguagem moral da modernidade.5

Em outras palavras, o autor contribui de forma relevante afirmando que, o termo


além de ser devedor, tributa o significado ao qual lhe é proposto, e mesmo que não o
usemos na esfera médica ou patológica, sempre será nutrido o imaginário de algo
anormal ou doentio, que mesmo de forma inconsciente, o termo esta carregado em sua
etimologia pelo contexto histórico o qual emergiu.6

A ambiguidade dos termos homossexual/homossexualidade está estritamente


vinculada a sua linguagem de sentido ordinário, ao seu referente teórico e ao emprego
incipiente, ou seja, mesmo que o emprego hoje, no período caracterizado pós-moderno
não queira afirmar que pessoas que tenham relações unilaterais sejam doentes ou

4
Como nossa proposta no momento não se propõe a discutir as formas de tratamentos e curas para este
fenômeno, nos é saliente, todavia, reconhecer que, inúmeras atrocidades foram cometidas contra
indivíduos, sejam homens ou mulheres em busca de velar as realidades pessoais referentes à sexualidade
caracterizada anormal. Aqui corrobora conosco Teresa C. M. de Mesquita quando afirma que diversas
formas de tratamento foram utilizadas a fim de “curar” a homossexualidade, entre elas a hipnose, a
castração, a terapia de choques convulsivos, lobotomia, terapia hormonal, terapia por aversão e as
psicoterapias. Todas foram, e ainda são – pois ainda existem relatos de sua existência – ineficazes.
MESQUITA, Teresa Cristina Mendes de. Homossexualidade: constituição ou construção? 2008, p. 79.
Trabalho de conclusão de curso (graduação em psicologia) - Faculdade de ciências da saúde, Centro
Universitário de Brasília – UniCEUB, Brasília, Julho/2008, p. 28.
5
CECCARELLI, Paulo Roberto e FRANCO, Sergio. Homossexualidade: verdades e mitos. Bagoas
estudos gays – gêneros e sexualidades, Natal, n. 5, 2010, p. 121.
6
Ainda que o estigma do emprego do termo seja no período de seu surgimento relacionado aos “doentes
mentais” de sexualidade afetada do final do século XIX, esse período histórico é em muito devedor aos
tempos anteriores. Mesmo em tempos modernos ainda podemos detectar resquícios da mentalidade
viciada, ao que se refere sobre a “doença (homo)sexual. “Atualmente 74 países, dos 202 países do mundo,
consideram ilegal o comportamento homossexual. Nos países islâmicos, a punição de atos homossexuais
pode variar dede prisão a chicoteamento, apedrejamento e amputação de pés e de mãos. A prisão também
é a punição em países como Argentina, Cuba, Chipre, Paquistão e China, entre
outros. na Arábia Saudita, é crime passível de pena de morte.” Cf, MESQUITA, op. cit., p. 29.
desviantes, o uso corrente dessas expressões, no entanto, estão demasiadamente afetadas
e corrompidas por terem sido uma forma de obliterar e segregar a sexualidade de
homens e mulheres ao longo do tempo, logo também, a liberdade dos mesmos.

Jurandir Costa categoricamente propõe uma reflexão sobre o essas expressões:

A própria idéia de homossexualidade é historicamente datada.


Depende da idéia de sexualidade que é uma idéia moderna. O sexo de
hoje, ontem foi o eros ou carne. E nestes tempos não existia lugar para
homossexualismo. Nossa sexualidade atual, com seus tipos, famílias,
gêneros e espécies, eram simplesmente impensável e inconcebível em
outras épocas. Por conseguinte, quando falamos de homossexualidade
devemos estar atentos para o fato de que esta palavra não designa
alguma coisa que sempre foi, é e será idêntica a si mesma, mas a uma
coisa que é produto do vocabulário moral da modernidade. 7

O que Costa diz revela algo interessante para nossa proposta. Na esfera da
linguagem, um termo possivelmente moderno não poderia dar conta de um fenômeno
antiquíssimo, tendo em mente que, mesmo sendo o ato em si semelhante em alguns
aspectos, esse mesmo fenômeno é polifórmico em relação as manifestações histórico-
cultural.

Nesse curso da linguagem moderna, é um simulacro olhar para os fenômenos de


outrora e conforma-los aos moldes coevos da linguagem corrente, é incomensurável.8

7
COSTA, Jurandir Freire. A face e o verso: estudos sobre Homoerotismo II. São Paulo: Escuta, 1995, p.
54.
8
O conceito de incomensurabilidade aqui proposto segue os moldes de Putnam (1981, p. 130 apud
COSTA, 1995, p. 58). A incomensurabilidade é a tese segundo a qual os termos utilizados por uma
cultura, por exemplo, o termo temperatura tal, como utilizava uma cientista do século XVII, não podem
ser equivalentes, no sentido ou na referência, aos termos ou às expressões que utilizamos hoje. Os dois
nomes que aparecem ao lado da tese da incomensurabilidade são Thomas Kuhn e Paul Feyerabend. Kuhn
trabalha a incomensurabilidade no campo semântico, que “procurará defender seus pontos de vista
essencialmente a partir de argumentos retirados das discussões do campo da linguagem. Agora o
problema da incomensurabilidade passa a ser exclusivamente semântico e o enfoque se dirige a certos
termos cujos referentes modificam-se na passagem de um léxico a outro, gerando dificuldades de
compreensão entre os adeptos de cada grupo. Kuhn identifica os termos mais problemáticos como termos
taxonômicos, que incluem uma vasta gama de substantivos que podem ser precedidos por artigos
indefinidos.” TEIXEIRA, Sandro Juarez. Significado e referência em Quine e Kuhn. 2012. 99. F.
Dissertação (Mestrado em filosofia) - Faculdade de ciências humanas letras e artes, Universidade federal
do Paraná, Curitiba, 2012, p. 50. Propomos também para introdução as teses de Kuhn: KUHN, Thomas
[1962]. A Estrutura das Revoluções Científicas. Trad. Beatriz Viannna Boeira e Nelson Boeira. 9ª. ed.
São Paulo: Ed. Perspectiva, 2006, (2000) O Caminho desde a Estrutura: ensaios filosóficos, 1970-
1993. São Paulo: UNESP, 2006.
No entanto, sabemos dos problemas e críticas que as teorias de Kuhn desencadearam, e nos
antecipando a isso, quando propomos aqui a incomensurabilidade linguística pensamos que é possível à
tradução dos paradigmas com o referencial prático, diferenciando-se do teórico. Ou seja, é possível para a
proposta de nossa investigação a comensurabilidade das práticas homossexuais trans-historicas, mesmo
que desconexas entre si aos rótulos históricos aplicados e desaplicados. Exemplificando, no sentido do
referencial prático, nada há de desigual entre o erastes, o eromenos, os pederastas, os sodomitas, os
Realmente as relações entre os do mesmo sexo não é algo recente emergido da
modernidade, e sim práticas antiquíssimas da humanidade,

a verdade é que, seja ele um ato instintivo ou não, a existência da


homossexualidade remonta desde os primórdios da humanidade. Em
um estudo detalhado de antropólogos a cerca da homossexualidade,
revelou a prática de rituais homossexuais a mais ou menos 10.000
atrás. [...] os jovens destas tribos, com idade de 12 e 13 anos, eram
penetrados por seus tios maternos, sendo que o esperma de seu tio
seria essencial para se tornarem fortes, e assim passar da infância para
a fase adulta.9

No entanto, como já propomos aqui, as motivações que alimentam tais práticas


não podem ser caracterizadas as mesmas em todos os momentos da trajetória histórica
do ser humano, o que nos cabe observar é que, cada conjuntura temporal representaram
episódios da sexualidade humana, e individualmente cada um desses episódios tiveram
a sua duração e conviveram com seus títulos, roteiros e falas. Assim, o conceito e o
rótulo homossexualismo/homossexualidade são alvitres modernos, obrados para caber
em uma determinada fôrma histórica, moldada a luz do pensamento científico -
racionalista contemporâneo. Ao retrocedermos ao emprego incipiente do termo na
época de Benkert, Ceccarelli e Franco, reforçam nossa idéia quando afirmam acerca do
termo que, “a palavra transforma-se em um rótulo que coloca os homossexuais na
categoria de doentes psíquicos ou um mal social”.10

Assim o conceito de homossexualismo/homossexualidade tem data de


nascimento, local de origem e intenção ordinária. Pensar e falar esses termos deve-se
ter em mente o molde temporal oriundo da esfera médica e cultural no qual surgem
essas balizas sexuais, a fim de categorizar todas as áreas sociais, incluindo a opção dos
indivíduos. Haja vista que,

cada modelo representa uma maneira toda própria de descrever o


simbolismo das relações dos sujeitos da ação e suas condições
materiais [...] pois cada modelo representa também uma maneira de se

homossexuais, etc., em todos os casos a realização é a mesma. Conquanto o que interessa a nossa
pesquisa é de fato o referencial teórico que propõe a diferenciação e a relevância que cada termo tem para
sua época, que evocam uma realidade vivencial, um lugar de origem, uma esfera de atuação. Assim, a
motivação e a finalidade do erastes em nada se assemelha a dos sodomitas, que não tem nenhuma relação
com o homossexual, que se desencontra totalmente com os pederastas.
9
FILHO, Francisco Carlos Moreira, MADRID, Daniela Martins. A homossexualidade e a sua história.
Intertemas., Araçatuba, Vol. 17, No 17, p. 1-8 , 2009.
10
CECCARELLI, FRANCO, op. cit, p. 124.
posicionar diante das situações reais, e no real nada é estanque, nada é
puro, tudo se faz pensar por momentos de transição.11

Portanto, mesmo que enfraquecido, o emprego do termo destinado aos


indivíduos que cabem nos moldes arcaicos das categorias homossexuais ainda alimenta,
mesmo que de forma remota e subjetiva, o preconceito e a aversão a pessoas que optam
por uma sexualidade alternativa a norma heterossexual. O uso corrente desses termos
implica mesmo que de forma inconsciente, evocar a realidade de seu tempo e perpetuar
o imaginário de sua época. Assim é coeso afirmar que a expressão homossexualidade é
uma declaração que aufere significado hoje como o temos na modernidade, e desse
modo, possivelmente não cabe nos casos de relações do mesmo sexo no mundo antigo.

2.2. História do conceito sobre Homoerotismo.

Ao ponto que chegamos referente a termos linguísticos, o termo homoerotismo


pode, até certo ponto, dar conta do fenômeno trans-histórico do que vem a serem as
relações entre os do mesmo sexo, sejam elas com fins sexuais ou não. É necessário ter
em mente a relevância da correção do uso da linguagem apropriada, para desmantelar o
teor implícito de estigmatizacão e rotulamento de indivíduos em categorias que não lhes
cabem. “Portanto é a de que a discriminação é um tipo de crença que deve ser repudiado
por este e outros efeitos do gênero”.12 Por esse caminho, Costa nos propõe o seguinte:

Criticar a crença discriminatória significa desse modo criticar também


o vocabulário que permite sua enunciação e que a torna razoável aos
olhos dos crentes. No caso a crítica visa o emprego dos termos
"homossexual" e "homossexualismo" [...] essa terminologia determina
a priori as perguntas que fazemos e as respostas que podemos
encontrar quando analisamos as práticas homoeróticas13.

Mudar o emprego das palavras e termos para designar as condutas, seria


primeiramente, o essencial para a transformação ideológica a cerca do convívio social,
entre pessoas que disfrutam da mesma realidade humana em todas as suas condições.14

11
COSTA, Rogério da Silva Martins da. Homossexualidade: um conceito preso ao tempo. Bagoas
estudos gays – gêneros e sexualidades, Natal, n 1, v 1, p. 121 – 144, 2007.
12
COSTA, Jurandir Freire. A Inocência e o vicio: estudos sobre o Homoerotismo I. Rio de Janeiro:
Relume -Dumará, 1992, p. 21.
13
Ibidem., p. 21
14
É claro que nem todas as pessoas que usam o(s) termo(s) homossexual no cotidiano, quem sabe até
mesmo desconhecendo o dogma do critério que a fundou no século XIX, são preconceituosas. No
entanto, acreditamos que essas categorias estão tão desgastadas pelo uso equivocado que
involuntariamente, usa-la(s) é dar caminho ao preconceito de onde se originaram, e que nessa direção,
viciam o modo pelo qual descrevemos nossos semelhantes, “afinal não se toma café, conversa-se,
trabalha-se, estuda-se com a opção sexual de ninguém.” GOMES, Christiane Texeira & NETO, José
Nesse sentido, a manutenção do hábito linguístico e a substituição das categorias do
pensamento quanto à conduta sexual, nos seriam protuberantes a sadia igualdade dos
que outrora eram doentes e diferentes no imaginário social.

Porque usamos na linguagem ordinária o substantivo "homossexual"


terminamos reféns de nossos hábitos. O emprego freqüente do termo
leva-nos a crer que realmente existe um tipo humano específico
designado por esse substantivo comum. Vamos além, acreditamos que
a peculiaridade apresentada por esse tipo é uma propriedade
permanente da natureza de certos homens, que independe das
descrições que a tomam visível e plausível aos nossos hábitos
lingüísticos. Ou seja, é uma qualidade de certos humanos que antecede
os vocabulários responsáveis pela invenção do termo "homossexual'' e
do suposto tipo de homem que lhe corresponde.15

Por esse caminho proposto nos convém explorar as sugestões que essa
substituição nos oferta enquanto ao emprego do termo. O conceito sobre
homoerotismo refere-se à atração erótica entre indivíduos do mesmo sexo, tanto entre
homens como entre mulheres.16 Quanto ao significado etimológico do termo dentre
tudo, D. Barbo nos diz o seguinte,

Consideramos esse termo menos problemático para fazer menção a


um contato erótico entre dois homens numa análise histórica da
experiência erótica [...] a expressão ‘homoerotismo’ tem a vantagem
de ser uma combinação de termos gregos – tôn homoíon erôntas – em
uso corrente [...].17

Antônio de Fontes. O movimento homossexual e o protestantismo brasileiro e as raízes de uma


dualidade. IV Colóquio de história, Campinas, p. 463-474, 2010.
15
COSTA, op cit, p. 22.
16
YOUNGER, John Grimes. Sex in the ancient world from A to Z. (Routledge, 2005), Canada, 2005,
p.80. (Tradução própria). Aqui é necessário que esclareçamos o conceito sobre erótico. Essencialmente o
erótico não tem implicações sexuais. Um dos conceitos adotados aqui é proposto por CALAME (1996, p.
205 apud SOUZA, p.46) que, o “erotismo” tem origem no mito grego, o deus do amor, “ao mesmo
tempo, entidade primordial, princípio metafísico e potência geradora que constrói e anima as relações
entre as coisas, entre os homens e entre os deuses”. Conferir: SOUZA, Warley Matias de. Literatura
homoerótica: o homoerotismo em seis narrativas brasileiras. 2010. 153 f. Dissertação (mestrado) –
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Belo Horizonte, 2010.
R. May também define de forma relevante, “Eros é o impulso que leva o homem a unir-se a
outra pessoa, não só sexualmente ou por outras modalidades de amor, mas nele excitando a ânsia do
conhecimento, impelindo apaixonadamente a procurar a união com a verdade”. MAY, Rollo. Eros em
Platão. Eros e repressão: amor e vontade. 2. ed. Tradução de Áurea Brito Weissenberg. Petrópolis:
Editora Vozes, 1978. p. 84-89. Título original: Love and will.
A definição de G. Bataille também deve ser ressaltada para a nossa pesquisa, que o Erotismo é
um dos aspectos da vida interior do homem e busca incessantemente fora dele um objeto de desejo. Esse
objeto, contudo, corresponde à interioridade do desejo. BATAILLE, Georges. O Erotismo. (tradução de
Antonio Carlos Viana). Porto Alegre: L&PM, 1987, p. 25. Assim erotismo para nossa investigação tem o
sentido ordinário de busca em direção ao objeto de desejo.
17
BARBO, Daniel. O triunfo do falo: Homoerotismo, dominação, ética e política na Atenas clássica.
Rio de Janeiro, E-papers, 2008, p. 39.
Existe no sentido do termo homoerotismo, certa flexibilidade ao emprego.
Necessariamente nessa relação, à finalidade não é sexual/física como no caso do rótulo
homossexual, e sim, lados que buscam ou sugerem o encontro. Além disso, percebe-se
que o teor do emprego do termo esta arrolado demasiado também a esfera estética.18

Nosso escopo não é propor uma reforma linguística (isso certamente nos indica
outro possível caminho), e não temos a intenção de incorrer na mesma questão de
categorizar comportamentos e posturas. No entanto, trata-se de indicar um novo modo
de abordagem a partir da linguagem, que determina quem nos somos e o que fazemos.

Mesmo o uso da palavra hornoerotismo, escolhida por sua maior


isenção em relação à conotação moral imputada à palavra
"homossexualismo", porém, deve ser visto como tática argumentativa
e não como proposição conceitual com pretensões à validade universal
[...] o emprego do termo visa sobretudo distanciar o interlocutor de
sua familiaridade com a noção de "homossexualidade".19

Olhando para resultados em longo prazo, enxergamos uma ruptura com o


conceito vindo da proposta temporal de Kinsey. Entendemos que o termo homoerotismo
nos tira necessariamente a posição de encerrar um indivíduo sócio- moralmente por sua
opção de escolha sexual contrária a da norma, que de forma unanime é heterossexual20.
O desuso do termo já iniciaria o enfraquecimento da obliteração contra os indivíduos,
que são compreendidos a partir de sua opção sexual. O revés dessa lógica imperante é
alvitrar o termo homoerotismo como “uma forma de evitar que as pessoas sejam
associadas às suas preferências sexuais, o que é muito forte diante de nomenclaturas
dadas a esses.”21

18
Segundo C. Ceia, “uma maneira de se refletir sobre o homoerotismo é considerá-lo uma estética, uma
pungente estética, aliás, que vem enformando, desde que a humanidade inventou a arte, as formas mais
sublimes de arte, em suas diversas linguagens.” Carlos Ceia: s.v. "Homoerotismo", E-Dicionário de
Termos Literários (EDTL), coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9, <http://www.edtl.com.pt>,
consultado em 28-10-2014.
19
COSTA, op. cit, p. 23.
20
Afirmamos isso a partir da seguinte pergunta que Costa articula: “Que direito temos nós, sociedade,
grupos ou indivíduos, de obrigar quem quer que seja a ser sociomoralmente identificado em sua aparência
pública por suas preferências eróticas?”. COSTA, Jurandir Freire. A ética e o espelho da cultura. Rio de
Janeiro: Rocco, 1994. p. 113-116. Acreditamos que essa indagação está totalmente relacionada ao rótulo
de “homossexual” que a sociedade heterocêntrica oferta a colocar naquele que não oculta os seus desejos
homoeróticos. Como dissemos anteriormente, entendemos que no momento em que alguém é
caracterizado como “homossexual”, toda uma série de preconceitos nos faz imaginar e acreditar que esse
ser rotulado é alienado devido a sua conduta “anormal”, a conduta estabelecida como norma.
21
SOUZA, Warley Matias de. Literatura homoerótica: o homoerotismo em seis narrativas brasileiras.
2010. 15 3 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Belo
Horizonte, 2010, p. 43.
E muito, além disso, podemos sugerir a intuição que se tenha acerca do termo.
Pelo feito que o termo homoerotismo não tenha a predisposição de ter conotações
sexuais, e sim de desejo, seu emprego é adequado em diversos tipos de relações.
Tirando os fatos que o senso comum geralmente atribui questões sexuais ao termo, além
de a idéia do erótico e o pornográfico estarem de certa maneira confundidas, podemos
pesar em empatias homoeróticas entre amigos, filhos e pais, etc.,

o termo “homoerotismo” já contempla as relações entre pai e filho,


entre irmãos e entre amigos. Ou seja, a homoafetividade está contida
no homoerotismo. [...] Assim, relações homoeróticas podem estar
destituídas ou não de afeto, uma vez que o homoerotismo privilegia o
desejo, sendo tal desejo sexual ou não, afetivo ou não. Portanto, o
amor ou afeto entre pai e filho, seja ele sexual ou não, é homoerótico,
bem como o amor ou afeto entre amigos, [...].22

Sabemos que esta postura diante do conceito mais amplo de homoerotismo,


ainda é complexo, enredado por diversos mecanismos ideológicos e dogmas sociais, no
entanto, encontramos na proposta da substituição dos termos, enquanto ideal ordinário e
estético, uma maneira de suprir e dar conta dos diversos fenômenos afetivos.

Assim concluímos que, para nós é adequado o emprego do termo homoerotismo


por sua amplitude usual e sua indisposição de encerrar categorias, e a partir desse
momento será exclusivamente essencial à nossa pesquisa.

2.3. Homoerotismo no mundo antigo e semita.

Sempre quando se pensa em relatos historiográficos sobre essas relações em


tempos primevos, é de se lembrar dos papiros egípcios que relatam certo homoerotismo
cósmico. Um dos casos clássicos sobre esse tipo de acontecimento é a “grande
contenda”. Esse relato mítico envolve uma questão de disputa real entre Hórus e seu tio.
O texto descreve como Hórus é convencido a dormir junto com Seth, que, durante a
noite, “endurece seu membro e o coloca por entre as coxas de Hórus”. 23 Acerca desse
evento Mesquita nos diz o seguinte,

Seth matara Osíris, seu irmão, e passa a disputar o trono do Egito com
o sobrinho Hórus, seu legítimo herdeiro. Segundo uma das versões
dessa lenda, Seth procura desonrar Hórus, tentando violentá-lo.

22
Ibidem., p. 46.
23
JUNIOR, Antonio Brancaglion. Homossexualismo no Egito Antigo. MÉTIS: história & cultura. Rio
de Janeiro, v. 10, n. 20, jul./dez. 2011.
Assim, vai à Enéade, o tribunal de nove deuses, anunciar que
desempenhou o papel de homem com Hórus, tendo este, portanto,
tomado a posição feminina na relação sexual.24

No imaginário popular, os Deuses também desempenhavam papeis na relação, e


dependendo da função que cada um desempenhasse poderia ser motivo de dominação
cósmica, afetando diretamente a realidade humana. Nesse acontecimento,
necessariamente não indica a realidade conceitual que os egípcios tinham em questões
homoeróticas, devido à ocorrência de esse episódio ter varias interpretações.

Por outro lado, na esfera antropológica temos um caso registrado na história


egípcia de um suposto relacionamento de um faraó com um general de sua guarda.

um dos contos que chegou até nós de forma fragmentada, fala de um


rei chamado Neferkare, provavelmente o faraó Pepi II, que mantinha
um relacionamento íntimo com um general chamado Sasenet, e seu
estilo é muito semelhante ao de outras composições destinadas à elite
do médio império interessada na vida de pessoas ilustres do passado.25

A forma como o homoerotismo era encarado no Egito antigo não parece ser tão
estreita e categórica. Do pouco que se tem do Egito antigo, em sua maior parte, trata-se,
de textos de zombaria possivelmente para serem lidos após a morte dos faraós, “uma
forma de atacar a memória, poderia também ser uma forma de ilustrar os defeitos da
classe governante e da moral decadente da época.” 26

Além do Egito, outro caso homoerótico está relatado na epopéia de Gilgamesh.


Para A. Furtado, essa seria a mais antiga epopéia da qual se tem o relato escrito,
contendo a história de uma das cidades da antiga mesopotâmia, Uruk o reinado de
Gilgamesh. Segundo esse autor ele teria reinado “por volta de 2.700 a.C na região da
Mesopotâmia. Situada entre os rios Tigre e Eufrates e hoje ocupada pelo Iraque, é um
dos berços da civilização.”27 Resumidamente a epopeia fala de um herói que é ao
mesmo tempo filho de um humano com a deusa Ninsun.

Enquanto ele reina em Uruk, os habitantes, inconformados, com seus


abusos resolvem queixar-se a deusa Ishtar. Um herói rival Enkidu é
criado para mantê-lo ocupado, deixando em paz os cidadãos. Enkidu
nasce inocente, vive entre os animais selvagens como um deles, e
cuida em livra-los sempre que pode das armadilhas dos caçadores.

24
MESQUITA, op. cit, p. 9.
25
JUNIOR, op. cit, p. 72.
26
Idem, p. 73.
27
FURTADO, Antonio Luz. Mitos e lendas: heróis do Ocidente e do oriente. Rio de Janeiro: Nova Era,
2006, p. 21.
Agora são esses que se queixam... Gilgamesh manda uma prostituta
seduzir Enkidu. Ele perde a inocência, os animais passam a evitá-lo. A
prostituta, certa em agir em benefício dele, convence-o a aderir à
civilização e a procurar Gilgamesh. Os dois lutam, Gilgamesh o
vence, tornam-se amigos inseparáveis.Realizam juntos várias façanhas
[...] a deusa Ishtar contempla Gilgamesh vitorioso e se apaixona por
ele, mas o herói a rejeita e Enkidu zomba dela. Nada podendo contra o
semideus, Ishtar causa a morte de Enkidu.28

Nessa oportunidade não pretendemos abordar de forma estreita os


acontecimentos da Mesopotâmia, nos convém descrever o cenário de alguns episódios
importantes. Basicamente a descrição de Furtado sintetiza o épico. No entanto, com o
desenrolar do enredo, Gilgamesh demostra vários aspectos de afetividades homoeróticas
com relação à Enkidu. Relata um suposto sonho erótico; minha mãe, eu tive um sonho
na noite passada: lá apareceram as estrelas no céu (...) e eu fiquei atraído por ele como
por uma mulher,29 em certo momento Gilgamesh beija Enkidu como um selo de
amizade, “Eles beijaram um ao outro e formaram uma amizade”30 e lamenta
profundamente a ocasião da morte de sua companheiro, Enkidu, “quem eu amei demais
... agora se foi para o destino da humanidade! Dia e noite eu tenho chorado por ele. Não
vou entregá-lo para o enterro [...] desde sua passagem eu não encontrei a vida [...]”31.

Percebe-se que, o afeto que Gilgamesh emprega para relatar certos


acontecimentos com Enkidu, em alguns casos o lamento a perda ou até mesmo o beijo
entre eles, tem todos os aspectos de uma relação homoerótica, que necessariamente não
esta atrelada a presença de ato sexual explícito, no entanto, submersa na amizade selada
com contatos corporais práticos do cotidiano, ou seja, o beijo entre ambos.

Além disso, a partir da morte de seu amigo e o rompimento do relacionamento


homoerótico, a vida de Gilgamesh muda totalmente de direção, “após a morte de seu
melhor amigo, Gilgamesh sofre um grande abalo, que o leva a buscar outra atitude para
recomeçar a vida, iniciando um novo caminho, o da busca da imortalidade.”32

28
Idem, p. 22. Além de recomendarmos a leitura da obra para aprofundamento no enredo da epopeia,
orientamos a leitura de, BUGDE, E. A. Wallis. A versão Babilônica sobre o dilpuvio e a epopéia de
Gilgamesh. São Paulo: editora Madras, 2004, ANONIMO. A epopéia de Gilgamesh. São Paulo: editora
Martins Fontes, 2001.
29
SILVA, Fernando Candido. Homossexualidade na bíblia hebraica ou uma historiografia bicha?.
Revista trilhas da história. Três Lagoas: v. 1, nº1, 2011.
30
Ibidem, p.8 apud PRITCHARD, p.79.
31
Ibidem, p. 89-90.
32
AGUIAR, Adriana. Grete: A infância perdida. Colóquio Nacional Poéticas do Imaginário da
Cátedra Amazonense de Estudos Literários, Amazonas, n I, p. 8 – 22, 2009.
Em meio a outros aspectos com características homoeróticas no mundo antigo,
nem sempre o discurso mítico foi o sitz im leben desses relacionamentos. Quando
entramos em “solo firme”, esse chão nem sempre foi tão firme quanto à aceitação
desses contatos. O rastro que podemos seguir e remontar o cenário da aceitação é as
proibições sexuais das sociedades do antigo oriente próximo.33

Das inúmeras produções do mundo antigo que alcançam nosso tema, relativos a
códigos legais, são indispensáveis citar uma das extintas referências a possíveis contatos
homoeróticos provenientes do código de Hammurabi.

Nenhum dos mais antigos códigos legais da Mesopotâmia. Como as


leis de Urukagina, as leis de Ur-Nammu, as Leis de Eshnumma, e as
leis de Hammurabi proíbem atos homossexuais (homoeróticos). Não
há evidência legal n Egito. Nem as Leis Hititas, em as Leis da Assíria
Média proíbem a penetração homem em homem sem qualificação. A
única possível referencia a homossexualidade (Homoerotismo) é uma
providência no Código de Hammurabi relacionadas a filhos adotados
por eunucos do palácio, e não há certeza que esses últimos estavam
engajados nas práticas homossexuais.34

Não existe muito conteúdo aberto em primeiro plano no código de Hammurabi.


Segundo o parágrafo 187, podemos encontrar o seguinte, o filho de uma concubina a
serviço do palácio ou de uma hierodula não pode ser pedido de volta. Nada além desse
paragrafo chega tão perto do homoerotismo, podendo variar quase universalmente a
interpretação desse paragrafo.

Na antiga mesopotâmia, podemos encontrar em paralelo à legislação de


Hammurabi, as Leis da Assíria Média. Segundo Montalvão, essas leis tem origem no na
metade do segundo milênio e poucas posturas referentes ao homoerotismo são adotadas
em suas linhas.35 O que encontramos esta no paragrafo 18 que cita um possível caso de
calunia envolvendo dois homens,

33
Montalvão propõe a partir de Olyan que existe uma orda de povos que integram a concepção de Antigo
Oriente Próximo, babilônicos, assírios, egípcios e outros povos vizinhos. Cf. MONTALVÃO, S. A. A
homossexualidade na Bíblia Hebraica: um estudo sobre a prostituição Sagrada no Antigo Oriente
Médio. Dissertação (mestrado em letras) – Faculdade de filosofia, Letras e ciências humanas,
universidade de São Paulo, SP, 2009.
34
MONTALVÃO, op. cit, p. 35 – 36. As ênfases em negrito foram acrescentadas por nós, devido fato
que esclarecemos anteriormente, referente à caducidade e incomensurabilidade do termo homossexual,
todavia, optamos por essa forma com o intuito de manter o texto integral do autor. Quanto as referencias
dadas as leis dos imperadores nos remetem as seguintes datas; Urukagina aproximadamente 2357 a.C,
Ur-Nammu aproximadamente 2100, Eshnunna aproximadamente 1750 a.C e Hammurabi
aproximadamente 1726 a.C.
35
Ibidem, op. cit., loc. cit.
Se um proprietário começar um rumor contra seu vizinho em
particular ao dizer: “pessoas têm deitado com ele repetidamente” ou
dizer a esse vizinho em uma briga na presença das (outras) pessoas,
“pessoas têm deitado com você repetidamente; eu te processarei”,
desde que não seja capaz de processá-(lo) (e) não processá-(lo), eles
chicotearão este proprietário cinquenta (vezes) com madeiras (e) ele
deverá trabalhar para o rei durante um mês inteiro; e eles o castrarão e
ele também pagará um talento com antecedência.36

Essencialmente, o que encontramos na região do Antigo Oriente próximo que se


tem interpretado e pensado sobre o contato homoerótico presente na legislação são essas
proibições e sentenças, que são o ponto de partida para os demais povos que se
aparelham na geografia mesopotâmica, incluindo o Antigo Israel.

Por ultimo, gostaríamos de abordar o homoerotismo na esfera livre e coloquial


da Grécia antiga. Dentre as múltiplas formas de propalar e viver relações homoeróticas
na Grécia, em maioria das vezes os contatos corporais entre os do mesmo sexo esta
estritamente relacionada à philía37. Nesse sentido um exemplo relevante a ser citado é a
estrita relação entre o erastes e o eromenos. No solo grego, entendia-se que o homem
mais velho tinha papel fundamental no ensino e na preparação do menino para a vida
adulta, e especialmente essa relação de ensino se dava fora do ambiente familiar, e “é
importante frisar, que esta relação pederástica era aprovada pela família.”38

No modo de pensar o mundo e as afinidades entre os cidadãos gregos, o contato


entre os do mesmo sexo não se resumia em mero prazer, no imaginário tratava-se de

36
Ibidem.
37
O termo philía é comumente traduzido do grego como amizade, no entanto raramente como amor.
Aristóteles em sua obra Retórica define a atividade envolvida na philia como: "querendo para alguém o
que se pensa de bom, e por sua causa e não pelas nossas próprias, e assim estar inclinado, “tão” tempo
quanto “puder”, fazer tais coisas por ele" (1380b36– 1381a2). Informação disponível em,
http://pt.wikipedia.org/wiki/Philia. Z. Rocha vai mais além a respeito do que o termo representa em sua
época, “Na Cultura Ocidental, a palavra ϕιλια geralmente foi traduzida por “amizade”. Todavia, nos
escritos da Grécia Arcaica, o termo tinha uma conotação semântica muito mais ampla e era empregado
para traduzir um vínculo de união ou de interesse entre os homens, quer este fosse devido ao sentimento
de mútua simpatia, quer fosse fruto de uma vantagem específica, ou até mesmo do próprio acaso.”
ROCHA, Zeferino. O amigo, um outro si mesmo: a Philia na metafísica de Platão e na ética de
Aristóteles. Psychê, São Paulo, Ano X, nº 17, p. 65 — 86, 2006, p. 65.
É interessante termos em mente que a amizade entendida por essa raiz, era levada as últimas
consequências saindo da amizade privada e encontrando aberturas no espaço público, ter amizade na
Grécia clássica era envolver-se ou até confundir-se relações intimas com interesses populares. A cerca
disso Sheila Romero expõe o seguinte dado, “na época clássica, esperava-se que todos os cidadãos da
pólisateniense fossem phíloi (amigos) entre si, tanto nas esferas cívica e pública, quanto nas esferas
pessoal e privada. Essa regra, tradicional, ao mesmo tempo em que promovia a coesão social, fazia com
que os interesses particulares se sobrepusessem aos interesses públicos”. ROMERO, Sheila R. A
introdução da Philíanas relações homoeróticas entre Erastês e Erômenos nas obras simpóticas de Platão e
Xenofonte. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, nº 95, p. 1 – 6, 2009.
38
FILHO; MADRID, op. cit, p. 4.
transmissão de conhecimento e experiências profundas. É de se ressaltar, que as
mulheres na sociedade grega em geral não tinham responsabilidades na educação dos
meninos,

Considerando que as mulheres não ocupavam nenhum papel relevante


nesta sociedade, a não ser as cortesãs que se relacionavam de igual
para igual com os homens, não tinham elas nenhuma base para educar
os seus filhos homens, sendo que quando a criança entrava na
adolescência, era de costume que a família deste adolescente
elegesse um homem mais velho, ao qual era passado a obrigação
de educar este adolescente. É importante frisar, que esta relação
pederastica era aprovada pela família, porém não era qualquer um
que seria o Erastes (homem mais velho), já que o candidato
passava pelo crivo de aprovação da família e também dependia
de aceitação do Erômenos (adolescente), para que então o Erastes
viesse a servir como amigo e educador deste adolescente, que
neste processo de aprendizado, o Erômenos se submetia como uma
mulher a esta relação.39

O ensino através da pederastia devia passar também pelo crivo do menino, ou


seja, o ensinado. Além disso, a maior responsabilidade da formação social, por assim
dizer, estava a encargo do homem mais velho, de preparar esse adolescente a
maturidade, e assim a ser após o ciclo de ensino, formador de outros cidadãos aos
moldes do seu aprendizado, que consiste uma espécie de discipulado. Então a partir
disso, “para os gregos, as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo não consistiam
num problema, desde que não fossem realizadas com pessoas de mesma idade.”40 L.
Corino nos oferece sua opinião a esse respeito,

a relação homossexual básica e aceita pela sociedade ateniense se


dava no relacionamento amoroso de um homem mais velho, o erastes
(amante), por um jovem a quem chamavam de eromenos (amado), que
deveria ter mais de 12 anos e menos de 18. Esse relacionamento era
chamado de paiderastia (amor a meninos), ou, como pode ser melhor
compreendido, homoerotismo, e tinha como finalidade a transmissão
de conhecimento do erastes ao eromenos. O que para nos parece
normal, para os gregos era o paradigma da educação masculina, a
paidéia (educação) que somente se realizava pela paiderastia.41

Nesse tipo de homoerotismo, a prática sexual não era a intenção primeira,


entretanto, era encarada como uma atitude dentro de um universo didático. Mesmo
levando em consideração que a transmissão do saber não era só o único meio onde as

39
Ibidem.
40
KERBER, Karine Studzinski. Literatura, homoerotismo e crítica social: a perspectiva queer em
Caio Fernando Abreu. 2011. 205 f. (Mestrado em letras) - Universidade regional integrada do alto
uruguai e das missões – URI, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, 2011, p. 17.
41
CORINO, Luiz Carlos Pinto. Homoerotismo na Grécia Antiga: homossexualidade e bissexualidade,
mitos e verdades. Biblos, 2006. p. 22.
relações homoeróticas de ensino aconteciam42 o meio de maior naturalidade de fato é
considerado o meio didático grego.

Assim concluímos que, existiu um universo de aspectos e formas de


homoerotismo no mundo chamado antigo, e sempre variando de acordo com o
imaginário que cada povo tinha a cerca das práticas humanas de seu tempo, ou seja,
cada povo viveu ou conviveu com o homoerotismo até onde o limite do imaginário
cultural os permitiu, em cada época, geografia e mentalidade.

42
Nos meios militares encontramos também a presença dos meios de transmissão de conhecimento entre
o amante e o amado. Diversas sociedades de guerra na Grécia antiga, como o exemplo de Esparta, “os
casais de amantes homens eram incentivados por parte do treinamento e da disciplina militar.” Para
consulta indicamos; CORINO, Luiz Carlos Pinto. Homoerotismo na Grécia Antiga: homossexualidade e
bissexualidade, mitos e verdades. Biblos, 2006. p. 1 - 22, PASTORE, Fortunato. O Batalhão Sagrado de
Tebas: militarismo e homoafetividade na Grécia Antiga. Revista Trilhas da História, Três Lagoas, v.1,
nº1 jun-nov 2011, p. 39 – 51.
Compreendia-se que o estreitamento da relação e do contato entre os soldados poderia melhorar
o entrosamento da tropa e a hombridade no campo de batalha, nas horas de confronto e dependência do
companheiro. A de se ressaltar aqui, algo que o amor e a paixão desenvolvidos em alguns casos nos
campos de treinamento e de batalha desencadeiam. Cristina Ternes Dieter expõe a ideia que, quando
contraposto o desempenho dos soldados heterossexuais e os homossexuais percebia-se alterações
consideráveis no rendimento. “Era estimulado pelas forças militares, pois entendiam que um soldado
homossexual, ao ir para guerra, lutaria com muito mais bravura do que um soldado heterossexual, tendo
em vista que estaria lutando não só pelo seu povo, mas também pelo seu amado.” DIETER, Cristina
Ternes. As raízes históricas da homossexualidade, os avanços no campo jurídico e o prisma
constitucional. 2012, p. 2.
Esses incentivos de poder através de Homoerotismo masculino não são peculiar somete do
mundo Grego, encontramos esse tipo de práticas também em outras culturas da antiguidade e ainda na
modernidade. William C.C. Pereira no trabalho intitulado Homoerotismo, cita a obra de Colin Spencer,
Homossexualidade: uma história, a respeito das tribos Marind e Kiman da Nova Guiné, afirmando que
“todo menino, para se tornar homem forte e guerreiro, deveria passar por ritual oral, de felação, que
simbolizava a introjeção do significante do poder, da força, e da estratégia de guerra. PERREIRA,
William Cesar Castilho. Homoerotismo. Janus, Lorena, v. 4, n. 5, p. 101- 116, 2007. (grifo em negrito é
de responsabilidade nosso e não faz parte do texto).

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