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Maiara Amorim Muniz

Psicologia,

Multiculturalismo e

Diversidade de

Gênero
MÓDULO III - GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL.

MÓDULO IV - SOCIEDADE, PSICOLOGIA E

DIVERSIDADE: O PAPEL DA PSICOLOGIA.


MÓDULO III
GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL
Módulo III: gênero e diversidade sexual

Para início de conversa: Olá, estudante! Vamos continuar nossa


disciplina Psicologia, Multiculturalismo e Diversidade de Gênero! Estávamos
construindo uma linha de discussão que nos situa sobre a construção dos modos
como nos enxergamos neste mundo. O modo como construímos nossa “visão de si”
e também como nos inserimos nas relações do mundo.
Dentro desse cenário, existe uma vasta seara que contempla as relações,
conceitos e vivências que traçamos com os nossos corpos e com os corpos alheios -
tudo aquilo que envolve o complexo campo da sexualidade humana. Como os
demais tópicos discutidos ao longo dessa disciplina, nosso Módulo III também traz
conteúdos densos. Isso posto, convidamos mais uma vez você, estudante, a
aprofundar os estudos de forma autônoma, a partir dos direcionamentos apontados
no material.
Nessa jornada, estudaremos questões referentes a diversidade de gênero
e diversidade sexual, fazendo um breve passeio histórico sobre a construção do
campo da sexualidade humana, passando por importantes conceituações e
chegando a discussões e reflexões contemporâneas. Vamos lá?
Sexualidade humana: um pouco de história

Dos diferentes modos e pontos de partida para iniciarmos nossas


reflexões sobre a sexualidade humana, consideramos relevante recordar os estudos
de Foucault (1994). O autor destaca que até o início do século XVII, não existiam
muitas reservas quanto às práticas humanas. As palavras eram proferidas sem
muitos filtros, não existiam muitos códigos que limitassem o que era obsceno ou
grosseiro... e nesse mesmo cenário figuravam as relações afetivo-sexuais. Assim, as
práticas não eram disfarçadas, consideradas ilícitas ou vergonhosas e os indivíduos,
de modo geral, vivenciavam sua sexualidade sem muitos pudores.
Ainda, neste contexto, o modelo de sexualidade vigente no mundo
ocidental era o one-sex-model, o qual preconizava que só existia um sexo. A mulher
era entendida como um representante inferior desse único sexo, que possuía uma
hierarquia corporal. Existia uma escala de perfeição, que se iniciava com o corpo da
mulher e no topo figurava o corpo do homem, considerado como o grau máximo de
perfeição. Nesse sentido, a mulher era considerada um homem invertido e inferior.
Vale mencionar, por exemplo, que sequer os órgãos sexuais femininos tinham
nomes próprios. Ovários eram chamados de testículos e o clitóris foi nomeado
“pênis de fêmea” (LAQUEUR, 1996; MARTINS-SILVA et al., 2012; SOUZA,
CARRIERI, 2010).

Para refletir: Lembremos dos estudos sobre a Grécia Antiga e a


estruturação daquela sociedade. Em Atenas, era comum que os meninos jovens
tivessem uma relação afetiva-sexual com um homem mais velho. Inclusive os
rapazes que não eram escolhidos como amantes por um outro mais velho eram
motivo de vergonha

Entretanto, dali em diante a sexualidade foi conduzida para dentro dos


lares, para dentro do campo da família conjugal, passando a absorver a função una
de reprodução. O modelo passou a ser o two-sex-model, no qual a mulher passou a
ser vista como o inverso complementar do homem e o casal (cis e heterossexual1)
passou a deter e a ditar a norma, a regra. A diferenciação sexual homem/mulher
1 Entede-se por “pessoa cis” alguém cuja identificação de gênero é alinhada e condizente com aquela atribuída
ao nascer. Entende-se por “pessoa heterossexual” alguém cuja direção do afeto e desejo sexual se direciona
para pessoas do gênero oposto ao seu. Esses conceitos serão melhor trabalhados em seção posterior.
criou e justificou diferenças morais aos comportamentos ditos femininos e ditos
masculinos (FOUCAULT, 1994; LAQUEUR, 1996; SOUZA, CARRIERI, 2010). Isso
teve um impacto significativo nas demais formas de manifestações de sexualidade.
Lembremos das nossas discussões anteriores, baseadas tanto no próprio Foucault
(2009a, 2009b,1994) quanto em outros autores como Silva (2000) e Sousa (2007)
que nos falam sobre como certas identidades são centralizadas, normalizadas, e
todas as demais são postas em relação a esta. Foucault (1994, p. 9-10) traz que

O casal, legítimo e procriador, dita a lei. Impõe-se como modelo, faz reinar a
norma, detém a verdade, guarda o direito de falar, reservando-se o princípio
do segredo. No espaço social, como no coração de cada moradia, um único
lugar de sexualidade reconhecida, mas utilitário e fecundo: o quarto dos
pais. Ao que sobra só resta encobrir-se; o decoro das atitudes esconde os
corpos, a decência das palavras limpa os discursos. E se o estéril insiste, e
se mostra demasiadamente, vira anormal: receberá esse status e deverá
pagar as sanções.

Aquilo que não se encaixa é, então, expulso, negado e relegado ao


silêncio. Mais do que não existir, não deve existir e isso significa que qualquer
mínima manifestação precisa ser silenciada (FOUCAULT, 1994). Essas reflexões
não se distanciam daquilo que já vínhamos dialogando nos módulos anteriores.
Mais adiante no curso histórico, o Movimento Higienista ganhou força,
preconizando uma sociedade mais “limpa” e livre de tudo aquilo que era considerado
desviante, anômalo e indesejável. Apesar dos hábitos e práticas serem os mesmos
que ocorriam desde sempre, pode-se dizer, o olhar científico e classificador que
recaiu sobre eles ali pelo século XIX tinha a finalidade de compreendê-los, estudá-
los e controlá-los. Nesse sentido, aquilo que antes eram meros desdobramentos,
facetas do comportamento humano, agora passou a ser enquadrado em categorias
de oposição - normal/anormal (MOREIRA, 2012; PRATA, 2007).
No campo da sexualidade humana não foi diferente. Pessoas não-
heterossexuais tiveram sua existência lançada para o campo da ciência,
embebecida pelos preceitos higienistas. Passaram então à tutela da ciência médica
e da jurídica, para cura e punição em caso de resistência. Ou seja, estuda-se para
saber, sendo que esse saber é utilizado para controlar, curar e punir (FOUCAULT,
1994; MOREIRA, 2012). Em outras palavras, o que está sendo dito é que isso
sempre existiu, como parte da expressão da diversidade humana que é. Porém, é
por volta do final do século XIX que se desenhou com mais força a preocupação em
nomear, classificar e em consequência rotular como desvios e/ou patologias as
demais sexualidades.

Figura 1 - Imagem do Hospital Colônia de Barbacena, hospital psiquiátrico palco de atrocidades na


história do nosso país. Entre os pacientes, muitos homossexuais.

Fonte: retirado de https://correiodeminas.com.br/2016/11/17/filme-retrata-o-holocausto-


brasileiro-que-matou-mais-de-60-mil-pessoas-no-manicomio-de-barbacena/

Assim, podemos destacar alguns marcos em um breve recorte 2 da


história da homossexualidade:
➢ 1869: Primeira menção ao termo homossexualismo.
➢ 1870: Homossexualidade classificada como doença mental, pelo neurologista e
psiquiatra alemão Carl Friedrich Otto Westphal, no intuito de descriminalizá-la
para possibilitar tratamento. Assim, deixava de ser passível de punição para
poder ser curada, iniciando-se assim tratamentos variados como a hipnose,
eletrochoque e medicação.

2 Foram usadas diferentes referências para essa construção como CFP (1999), Guimaraes (2009), Moreira, 2012), Muniz
(2014).
➢ 1871: No parágrafo 175 do Código Criminal Germânico, que perdurou até 1994,
a Alemanha criminalizou a homossexualidade, sendo responsável, assim, por
enviar milhares de homossexuais para os campos de concentração nazistas.
➢ 1886: Richard Von Krafft-Ebing lança o livro “Psicopatia sexual, com especial
referência ao instinto sexual contrário – um estudo médico-legal”, que classifica
a homossexualidade (aqui tratada como homossexualismo, com ênfase no
sufixo –ismo e sua conotação patológica) como desvio patológico, obra que veio
influenciar o meio médico de sobremaneira.
➢ 1948: Primeira menção à possibilidade do comportamento sexual humano não
estar restrito somente à conduta heterossexual ou à homossexual, com Alfred
Kynsey.
➢ 1973: A Associação Americana de Psiquiatria finalmente retira a
homossexualidade do rol de doenças mentais, deixando de ser utilizado o termo
homossexualismo.
➢ 1985: No Brasil, o Conselho Federal de Medicina, a partir do movimento
americano, passa a não considerar a homossexualidade como um desvio
patológico.
➢ 1991: A Organização Mundial de Saúde retira a homossexualidade da lista de
doenças mentais.
➢ 1991: A discriminação aos homossexuais passa a ser considerada violação dos
direitos humanos pela Anistia Internacional.
➢ 1999: O Conselho Federal de Psicologia lança a Resolução CFP nº01/99, que
determina que não cabe a profissionais da Psicologia no Brasil o oferecimento
de qualquer tipo de prática de reversão sexual, uma vez que a
homossexualidade não é patologia, doença ou desvio.

Atenção: esses são alguns marcos, mas a história de lutas e conquistas


é bem maior do que isso. As questões mais específicas vinculadas à Psicologia e ao
Conselho Federal de Psicologia serão trabalhadas no próximo módulo.

Diversidade de gênero: mas afinal, o que é gênero?

Para início de conversa: para alguns pode ser difícil pensar em um


mundo que não esteja dividido da forma binária homem/mulher partindo do
referencial sexual. Mas como vimos na seção anterior, nem sempre o referencial
binário da forma como vemos hoje foi o que governou o mundo ocidental. Os
estudiosos do assunto discorrem que a necessidade de diferenciar homens e
mulheres veio do interesse filosófico, moral e político de encontrar justificativas para
a inferioridade política, jurídica e moral da mulher (SOUZA; CARRIERI, 2010).
Vamos buscar entender um pouco mais disso a seguir

Não há uma só definição sobre “gênero”. Iremos trazer aqui reflexões que
partem de pontos de vista que ajudam a tecer a compreensão da linha de diálogo
que temos traçado. Estávamos discutindo como as relações estabelecidas foram
moldando a forma como a sexualidade humana foi categorizada ao longo do tempo,
e entre isso há a categorização e diferenciação de homens e mulheres.
O conceito “gênero” surge a partir do movimento feminista como uma
categoria de descrição e também de análise das interações sociais que se contrapõe
ao determinismo biológico que está implícito em termos como “sexo” e “diferença
sexual”. É um conceito que se aplica às relações estabelecidas, aos diferentes
papéis sociais atribuídos a homens e mulheres (ZANELLO; SILVA, 2012).
Olhando de perto: em uma forma mais simplificada, podemos fazer a
seguinte analogia: o sexo diz respeito ao aparato biológico visível ao nosso
nascimento. O gênero seria tudo aquilo que vem depois disso, tudo aquilo
que a sociedade vinculou às definições “sou homem” e “sou mulher”. Tudo
o que se espera de um homem, e tudo que se espera de uma mulher.

“Esses papéis e valores são relacionais, assimétricos e completamente


imbricados. As relações de gênero são, a priori, relações permeadas de
poder. Em nossa cultura, o gênero é marcado pelo sistema patriarcal das
sociedades ocidentais, onde a mulher é historicamente colocada à
margem. Exemplos de papéis e valores atribuídos aos gêneros podem ser
facilmente dados” (ZANELLO; SILVA, 2012, p. 268)

Vamos pensar em exemplos no nosso cotidiano? O que vêm à sua mente


quando pensa em “brinquedo de menino”? E “brinquedo de menina”? Agora vamos
para o campo profissional: pensemos em uma ocupação historicamente associada a
mulheres - o cozinhar. A cozinha, o trato com a comida, tudo isso em nossa
sociedade é facilmente atribuído como uma tarefa maioritariamente feminina. Mas
por que, então, a alta gastronomia é um espaço masculino? Por que enquanto
atividade “informal” e “cotidiana” o espaço é dA cozinheirA e quando isso entra no
campo da profissão, da ciência gastronômica, das técnicas e etc, o espaço é dO
chef de cozinha, homem? Claro que sabemos que há chefs mulheres renomadas,
mas o que queremos trazer para reflexão é a mudança que há nos espaços
socialmente determinados.

Figura 2 - Primeiros resultados de pesquisa de imagem "brinquedo de menino"


Fonte: retirado do site de pesquisa Google

Figura 3 - Primeiros resultados de pesquisa de imagem "brinquedo de menina"

Fonte: retirado do site de pesquisa Google


O fio condutor dessa reflexão repousa na ideia de que gênero é algo
historicamente construído, de acordo com as relações sociais (e que são relações
de poder) estabelecidas em uma determinada época. Nesse sentido, a própria
diferenciação sexual pelo biológico em si se dá por conta das possibilidades
culturais atreladas a este ou aquele aparato. O gênero seria então esse compilado
de ações e posicionamentos sociais, uma espécie de performance que se repete
historicamente (BUTLER, 1990; SOUZA; CARRIERI, 2010; ZANELLO; FIUZA;
COSTA, 2015; ZANELLO; SILVA, 2021).
É possível que você se recorde de ensinamentos lá da sua infância de
certas normas sociais que lhe diziam o que fazer, como, quando e onde, atreladas à
informação que lhe disseram de que “você é menina” ou “você é menino”. Talvez até
recorde de coisas que lhe passaram como “homens são assim e mulheres são
assim” porque é “sua natureza”.
Louro (2018) faz uma analogia interessante com a nossa construção das
identidades de gênero e nossa sexualidade com a ideia de uma viagem. De certo
modo, quando pensamos em uma viagem, pensamos em algo que tem um ponto de
partida e um ponto de chegada. Para o autor

A declaração “É uma menina!” ou “É um menino!” também começa uma


espécie de “viagem”, ou melhor, instala um processo que, supostamente,
deve seguir determinado rumo ou direção. A afirmativa, mais do que uma
descrição, pode ser compreendida como uma definição ou decisão sobre
um corpo (LOURO, 2018, p.15).

Esse ato de nomear o corpo (homem/mulher, menino/menina) se baseia


em uma lógica que supõe o sexo como algo já anteriormente dado, algo que
antecede a própria cultura e que portanto é imutável, reforçando a tríade sexo-
gênero-sexualidade. Essa nomeação, essa afirmação “é um menino” ou “é uma
menina” inicia todo um processo de masculinização ou feminização que precisa ser
cumprido pelo sujeito para ocupar seu lugar como sujeito legítimo (LOURO, 2018).
O convite então é para que desnaturalizemos certas diferenças que nos
habituamos a ter como intrínsecas, ligadas a um biológico que levaria à sua
inevitabilidade e à assunção de uma tríade sexo-gênero-sexualidade. Nessa trilogia,
haveria uma relação natural de causa e efeito, na qual sexo define gênero que por
sua vez define a sexualidade e a orientação do desejo (SOUZA; CARRIERI, 2010;
ZANELLO; SILVA, 2021).
Ampliando as ideias: identidade de gênero e orientação sexual3

Mas então se estamos refletindo que a tríade sexo-gênero-sexualidade


precisa ser desnaturalizada como algo simplesmente dado, em uma relação de
causa e efeito, como devemos entender isso tudo? Identidade de gênero e
orientação sexual são a mesma coisa? Para tentar tornar mais didática essa
explicação, traremos uma imagem que consideramos que resume bem essas
questões, apesar de serem necessárias algumas considerações a mais:

Figura 4 - Infográfico "Biscoito Sexual"

3 As explicações desta seção estão apoiadas por referências diversas como CFP (2011), Furtado (2018), Jesus
(2012), Pardini e Oliveira (2017).
Fonte:retirado de https://medium.com/apostila-crise/bloco-g%C3%AAnero-aula-iii-diversidade-de-
g%C3%AAnero-833de0dc1dab

Vamos então destrinchar um pouco o infográfico, com algumas


considerações. Existem muitos modelos desse mesmo infográfico, alguns com
algumas diferenças nas nomenclaturas ou informações extras. Vale mencionar que
a sexualidade humana é complexa e que existem outros pontos para além dos
marcados no infográfico Biscoito Sexual, mas ele é um bom ponto de partida para
pensarmos no assunto.
O primeiro ponto que temos aí é a identidade de gênero, que após todas
as reflexões realizadas ao longo desse módulo (e com o suporte dos anteriores que
discutimos sobre criação de identidades), podemos compreender que esse ponto diz
respeito à ideia que temos de nós mesmos no que tange a sermos homens,
mulheres, os dois ou até mesmo nenhum dos dois. Quando a identidade de gênero
de alguém é condizente com o gênero que lhe foi atribuído socialmente quando
nasceu, dizemos que esta é uma pessoa cisgênero. Quando essa identidade não é
condizente com o gênero atribuído ao nascer, dizemos que esta pessoa é
transgênero. Há também pessoas que não se identificam dentro do espectro
binário. A expressão de gênero é a forma como externalizamos isso socialmente nos
nossos atos, vestimentas, dentro daquilo que é circulado na nossa sociedade do que
compõe cada uns desses papéis de gênero.
O sexo biológico, indicado nesses infográficos geralmente ali na área
genital, diz respeito a características biologicamente mensuráveis como órgãos
sexuais de reprodução e cromossomos. Em algumas imagens consta a divisão
homem/mulher/intersex, mas por entendermos que os conceitos de “homem e
mulher” são socialmente construídos, optamos pelo gráfico que traz os termos
fêmea e macho. Há pessoas que possuem características biológicas de ambos os
sexos, intersex. Já orientação afetivo-sexual diz respeito a orientação do nosso
desejo, o nosso interesse afetivo-sexual. Diz respeito a quem nos interessamos, por
quem nos apaixonamos.
Assim, quando pensamos na orientação sexual, podemos vislumbrar
algumas possibilidades a partir dessas categorias que vínhamos definindo. Quando
uma pessoa tem desejo e atração por alguém do gênero oposto ao seu, dizemos
que essa pessoa é heterossexual. Quando é alguém que possui essa atração
direcionada para alguém do mesmo gênero, essa pessoa é homossexual. Pessoas
que se identificam como mulheres e sentem atração por mulheres são lésbicas e
pessoas que se identificam como homens e que sentem atração por outros homens
são gays.
A bissexualidade é a orientação sexual de pessoas que sentem atração
tanto por homens quanto por mulheres. Já uma pessoa pansexual é alguém que
sente atração por homens, mulheres e também por pessoas que não se encaixam
no espectro binário. Vale mencionar que algumas discussões na área colocam no
espectro bissexual o entendimento da atração por pessoas de qualquer gênero e
identidade. Como muitos conteúdos trazidos aqui, essa é uma discussão longa,
impossível de ser exaurida somente nesse material.
Há ainda pessoas que não sentem atração/desejo sexual por outras - são
pessoas assexuais. Essa falta de atração pode ser total, parcial ou ainda
condicional, dependendo de algumas circunstâncias. O termo pode ser entendido
como um termo guarda-chuva, pois dentro do espectro assexual existem algumas
sub-orientações. Um outro termo guarda-chuva frequentemente visto na área é o
termo queer, que designa pessoas que politicamente se identificam como pessoas
fora da normatividade de gênero e sexualidade e que continuadamente questionam
os padrões de heteronormatividade e cisgeneridade.

Figura 5 - Significado das letras da sigla LGBTQIA+

Fonte: retirado de https://blog.polen.com.br/wp-content/uploads/2021/06/siglas-lgbtqia-capa.jpg

Ampliando as ideias: algumas reflexões sobre interseccionalidade

Uma outra reflexão importante é aquela que se debruça sobre questões


referentes à opressões de gênero e raça, e como elas se sobrepõem, sinalizando as
diferenças existentes nas experiências de mulheres brancas e negras.
(CRENSHAW, 1989; JUVENIL et al s/a;). Ao longo dessa disciplina, podemos
perceber que as construções identitárias dependem de relações que são histórico e
socialmente construídas. Isso posto, compreendemos que os sujeitos podem ter
múltiplas identidades sociais que se relacionam com múltiplas estruturas de poder.
Assim, algumas dessas identidades acabam se baseando em privilégios e outras em
opressões.
Mas como assim?
Lembremos um pouco do que já discutimos sobre identidades
hegemônicas, sobre norma, sobre padrões e sobre como quem está “de fora” disso
tudo é lançado para as margens. Por exemplo, um homem cisgênero, hétero e
branco possui diversas identidades sociais alinhadas com estruturas de privilégio. Já
uma mulher negra, cisgênero e lésbica, possui 3 estruturas de opressão em suas
identidades - o ser mulher, o ser negra e o ser lésbica. Quando se fala em
“privilégios” não estamos dizendo que essas pessoas fizeram ou fazem algo que as
tornem melhores do que as demais, mas sim de que elas enfrentam bem menos
barreiras sociais pelo simples fato de serem quem são.
Um exemplo cotidiano conhecido de como as opressões de raça e gênero
se sobrepõem é o fato de mulheres negras receberem salários menores, fato
comprovado com estudos e levantamentos na área. Um dos últimos dados mostra
que no segundo trimestre de 2022, o salário médio de uma mulher negra equivalia a
46% do ganho de homens brancos de acordo com uma pesquisa feita pela
Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial.

Figura 6 - Rendimento médio salarial dos brasileiros

Fonte: retirado na íntegra de https://exame.com/esg/escolaridade-de-mulheres-negras-aumenta-mas-


disparidade-salarial-continua-aponta-pesquisa/

Nesse contexto, um conceito importante a ser considerado (em especial


no campo da Psicologia) é o de Estresse de Minoria. Essa teoria foi desenvolvida
por Winn Kelly Brooks, em 1981, e preconiza que indivíduos pertencentes a minorias
são expostos a uma série de estressores específicos, de forma cumulativa ao longo
da vida. Quando se fala em “minorias”, nos referimos a grupos que, quando
comparados a outros grupos privilegiados, apresentam uma série de prejuízos por
conta de estigmas que lhe são associados (JUVENIL et al, s/a; PAVELTCHUK;
BORSA, 2020). A ideia é que certas pessoas, ou certos grupos, para além dos
estressores comuns cotidianos que afetam a população em geral precisam também
lidar com estressores específicos, vinculados com aspectos relacionados a
estigmas.
Por exemplo: a busca por emprego na vida adulta é algo que pode ser um
agente estressor comum na vida de um adulto jovem. No entanto, para além da
preocupação com o estar ou não empregado, se esse adulto jovem for um homem
negro trans, soma-se a essa preocupação aspectos que giram em torno dos
possíveis preconceitos e barreiras que ele enfrentará. O dossiê “Assassinatos e
violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021”, lançado pela
Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA) mostra um
alarmante dado de pelo menos 140 assassinatos de pessoas trans, sendo a maioria
delas pretas ou pardas.
Atividades

1) VUNESP - TJ SP(2022) Aplicando-se a perspectiva de análise foucaultiana


das formas de legitimação e das formas de dominação às questões de gênero,
pode-se afirmar que as relações de gênero

a) estão inscritas em uma matriz biológica que define a priori sua formatação, mas
que é passível de modificação pela cultura.
b) sempre estarão sujeitas aos jogos de saber/poder, dado que as formas de
resistência não têm vigor suficiente para suplantar as formas de dominação
c) são constituídas nos jogos de saber/poder em que os indivíduos estão imersos,
que produzem os corpos e as formas assumidas pelas relações.
d) estão relacionadas a formas cristalizadas de dominação praticamente
inalteráveis, tomadas como verdade naturalmente legitimada no nível inconsciente.

2) FCC - TRT 17 (2022) “Todas as mulheres são passivas e dependentes; todos


os homens são agressivos e independentes”. Essa afirmação, no âmbito da
perspectiva do desenvolvimento de gênero, é denominada de
a) papel de gênero
b) tipificação de gênero
c) pensamento limitante de gênero
d) estereótipos de gênero

3) (UFAL 2012, adaptado) De acordo com a evolução dos estudos na área da


sexualidade huamana, a partir do que foi discutido nesse Módulo, marque a
opção correta:
a) Indiscutivelmente, há uma razão natural para que o sexo biológico, a identidade
de gênero e a orientação sexual estejam relacionados.
B) Até certo ponto, há uma razão natural para que o sexo biológico, a identidade de
gênero e a orientação sexual estejam relacionados.
C) Indiscutivelmente, não há uma razão natural para que o sexo biológico, a
identidade de gênero e a orientação sexual estejam relacionados.
D) Até certo ponto, há uma razão natural para que o sexo biológico e a orientação
sexual estejam naturalmente relacionados.
E) Indiscutivelmente, há uma razão natural para que o sexo biológico e a identidade
de gênero estejam relacionados.

4) Jorge é um adolescente de 15 anos, com muitas dúvidas sobre sexualidade


humana. Em suas pesquisas na internet, Jorge encontrou informações
diversas. Assinale a alternativa que contém informações CORRETAS
a) a orientação sexual é a experiência emocional, a autopercepção psíquica e social
que a pessoa tem sobre seu desejo, que pode ou não corresponder ao sexo
designado ao nascer.
b) o termo “homem trans” se refere a um indivíduo que nasceu em um corpo dito
masculino, mas não tem uma identidade de gênero fixa, transitando entre os
gêneros.
c) identidade de gênero é a mesma coisa de diferenciação sexual - diz respeito à
divisão sexual entre homem e mulher.
d) cisgênero corresponde à pessoa cuja identidade de gênero se identifica com o
sexo biológico, aquele atribuído no nascimento baseado na genitália externa como o
pênis para os homens e a vagina para as mulheres.

5) (FUNDATEC 2021) Em nossa cultura, é comum aprender, desde cedo, que a


única sexualidade lícita, correta, aceitável, é o modelo heterossexual. Ou seja,
a cultura é heterossexista. As expressões da sexualidade que não se encaixam
no modelo hegemônico são ________________ e até mesmo tratadas como
_______________. O modelo homossexual de viver a afetividade e a
sexualidade faz parte das sexualidades ditas desviantes. Esse valor negativo,
assim como o positivo em relação às heterossexualidades, é introjetado pelo
sujeito em constituição. O discurso social constrói as referências simbólicas
do masculino e do feminino e dita os parâmetros que definem a sexualidade de
“normal”. Consequentemente, o sujeito homossexual, marcado pelos ideais da
sociedade, se sente “desviante”, posto que excluído do discurso dominante.
(...) O silêncio acerca da existência das diversidades pode fazer com que uma
corrente libidinal passe a ser sentida pelo sujeito como desviante. Ao
sublinhar uma determinada forma de manifestação pulsional, o imaginário
social, no qual a escola está imersa, está não apenas impedindo o curso sadio
das pulsões sexuais, mas talvez – e isto pode ser _________ – direcionando a
futura orientação sexual da criança. Discutir e desconstruir os argumentos que
sustentam a existência de uma sexualidade normal é a única maneira de
propiciar um enfrentamento à patologização e à homofobia (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011).
Assinale a alternativa que preenche, correta e respectivamente, as lacunas do
trecho acima.

a) respeitadas - direito de expressão - perverso


b) descartadas - doenças - perverso
c) respeitadas - doenças - sadio
d) descartadas - direito de expressão - sadio

6) (ENEM)
TEXTO I

Ela acorda tarde depois de ter ido ao teatro e à dança; ela lê romances, além
de desperdiçar o tempo a olhar para a rua da sua janela ou da sua varanda;
passa horas no toucador a arrumar o seu complicado penteado; um número
igual de horas praticando piano e mais outra na sua aula de francês ou de
dança.

Comentário do Padre Lopes da Gama acerca dos costumes femininos [1839]


apud SILVA, T. V. Z.Mulheres, cultura e literatura brasileira. Ipotesi — Revista
dos Estudos Literários, Juiz de Fora, v. 2. n. 2, 1998.

TEXTO II

As janelas e portas gradeadas com treliças não eram cadeias confessas,


positivas; mas eram, pelo aspecto e pelo seu destino, grande gaiolas, onde os
pais e maridos zelavam, sonegadas à sociedade, as filhas e as esposas.
MACEDO, J.M. “Memória da Rua do Ouvidor [1878]”. Disponível em:
www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 20 maio 2013 (adaptado).

A representação social do feminino comum aos dois textos é o(a)


a) submissão de gênero, apoiada pela concepção patriarcal de família.
b) acesso aos produtos de beleza, decorrência da abertura dos portos.
c) ampliação do espaço de entretenimento, voltado às distintas classes sociais.
d) proteção da honra, medida pela disputa masculina em relação às damas da corte.

7) Sobre a assexualidade, é correto afirmar que


a) aparece como uma orientação sexual somente por questões didáticas, uma vez
que pessoas assexuais não sentem desejo sexual
b) não é uma orientação sexual e sim uma identidade de gênero, pois diz respeito a
pessoas que não possuem órgãos sexuais
c) é uma orientação sexual que se encontra dentro do espectro da não-binarieadade
d) é um termo guarda-chuva, que contempla pessoas que não sentem
atração/desejo sexual por outras. Essa falta de atração pode ser total, parcial ou
condicional.

8) (FGV 2022) Em 1999, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), levando em


conta o consenso científico internacional e os direitos humanos, publicou a
Resolução CFP nº 0001/1999, que estabelece normas de atuação para os
psicólogos em relação à questão da orientação sexual. É correto afirmar que a
resolução:

a) permite tratamento de reorientação sexual nos casos em que houver demanda do


paciente que sofre preconceito em seu meio familiar e social
b) considera que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da
identidade do sujeito, sendo a conduta e o desejo homoafetivo manifestações da
sexualidade humana em sua diversidade;
c) impede tratamentos que associam homossexualidade à patologia, mas não
impede a participação de psicólogos em pronunciamentos públicos que reforçam
preconceitos sociais;
d) colocou-se na vanguarda na medida em que a homossexualidade continuou a ser
considerada patologia no DSM-IV e no CID-10;
9) A sigla LGBTQIA+ passou a incorporar além de orientações sexuais
algumas identidades de gênero. No que se refere à letra Q (queer), marque a
alternativa que melhor define seu significado
a) são pessoas que sentem atração por pessoas de todos os gêneros.
b) são pessoas binárias que sentem atração e se relacionam exclusivamente por
pessoas não-binárias.
c) são pessoas que transitam entre as noções de gênero, e defendem que a
orientação sexual e a identidade de gênero são uma construção social.
d) são pessoas que não se identificam com o sexo designado no nascimento

10) Sobre a história da sexualidade humana e como as compreensões


ocidentais sobre os corpos e as expressões de sexualidade foram sendo
construídas, é correto afirmar que
a) as manifestações dos diversos tipos de possibilidades de envolvimentos afetivo-
sexuais passaram a surgir a partir do século XIX.
b) o modelo two-sex-model preconizava a existência de dois sexos, sendo que a
mulher era considerada uma espécie de homem invertido e inferior.
c) o modelo one-sex-model preconizada a existência de um sexo apenas, sendo que
a mulher era considerada o oposto complementar do homem, mas não uma
categoria sexual à parte
d) A partir do século XIX, pessoas não-heterossexuais passaram então à “tutela” da
ciência médica para cura e da jurídica para punição em caso de resistência
Proposta de fórum
Assistam ao documentário “Marginais: Vozes de Resistência LGBT em
Imperatriz”, de 2017. Discutam suas impressões sobre as temáticas levantadas,
tentando fazer articulações com o conteúdo desse módulo.

Link: https://www.youtube.com/watch?v=00gNtf9s8Sc
Ficha técnica do documentário: “Marginais: vozes de resistência LGBT em
Imperatriz” é um produto audiovisual na categoria Projeto Experimental (TCC) que
foi apresentado ao curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade
Federal do Maranhão – Imperatriz por Kelver Padilha como requisito para a
obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social/Jornalismo. Direção e roteiro:
Kelver Padilha. Produção: Kelver Padilha, Rubem Rodrigues, Suzete Gaia, Isabel
Lima e Ariel Rocha.
Referências
BENEVIDES, Bruna G. (org). Dossiê assassinatos e violências contra travestis e
transexuais brasileiras em 2021. Brasília: Distrito Drag, ANTRA, 2022.

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MÓDULO IV
SOCIEDADE, PSICOLOGIA E DIVERSIDADE: O PAPEL DA PSICOLOGIA
Módulo IV: Sociedade, Psicologia e diversidade: o papel da Psicologia

Bem-vindos ao nosso último módulo da disciplina Psicologia,


Multiculturalismo e Diversidade de Gênero! Ao longo dos nossos módulos,
discutimos noções sobre construção de identidades, grupos identitários,
multiculturalismo, diversidade de gênero e sexual. Vimos que se tratam de
temáticas extensas, complexas, densas e que nos convidam a uma abertura
para (re)descobrirmos coisas que por vezes consideramos que estão ali,
simplesmente dadas e naturais.
Neste quarto Módulo abordaremos a relação da Psicologia com as
temáticas trabalhadas, com foco na práxis profissional. O questionamento
que inicia essa discussão é: de que forma a Psicologia pode contribuir para a
construção de uma sociedade mais plural, mais diversa, mais respeitosa e
mais empática?
Partir desse questionamento já direciona o tom que levaremos as
discussões desse Módulo - o do compromisso da Psicologia com a
diversidade, não havendo espaço, portanto, para reproduções das lógicas de
exclusão já tão presentes no nosso cotidiano.
Vamos lá?

Sociedade, Psicologia e diversidade: o papel da Psicologia

Para início de conversa: iniciaremos nossas reflexões tomando


como ponto de partida a seguinte prerrogativa, presente no Código de Ética
Profissional do Psicólogo:

Segundo o Código de Ética Profissional do Psicólogo, o


psicólogo deve basear seu trabalho “no respeito e na promoção
da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser
humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração
Universal dos Direitos Humanos” (CFP, 2005, p. 7).
Mas o que isso quer dizer? A execução de um trabalho tendo por
base os valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos
quer dizer uma atuação que respeite e promova a liberdade, promova
saúde e qualidade de vida, não compactue com situações de violência e
opressão e exercite a responsabilidade social.
É uma atuação que está eticamente compromissada com o social,
com a transformação de situações que possam servir de base para práticas
que diminuam as pessoas em sua dignidade humana. Os Princípios
Fundamentais dispostos no Código de Ética do Profissional Psicólogo
amarram logo de início esses compromissos. Nesse sentido, é uma atuação
que precisa levar em consideração essa trama que compõe os processos
identitários e os atravessamentos culturais presentes em nossa sociedade.
Parece um tanto quanto óbvio que uma ciência que se ocupa da
subjetividade humana precise minimamente reconhecer as múltiplas
possibilidades de ser e estar nesse mundo, mas ao longo do estudo da
história da Psicologia podemos perceber que esta já foi bastante utilizada
com preceitos adaptacionistas e remediativos.
Uma busca rápida pelas notícias da internet e é possível encontrar
diversas matérias que infelizmente demonstram uma realidade preocupante
para a área. Abaixo, temos alguns exemplos:

Figura 1 - Notícia sobre falso psicólogo que oferecia “cura gay”


Fonte: retirado de https://www.metropoles.com/distrito-federal/falso-psicologo-
que-oferecia-cura-gay-e-denunciado-pelo-mpdft

Figura 2 - Notícia sobre relato de racismo cometido por psicólogo

Fonte: retirado de https://www.geledes.org.br/meu-psicologo-disse-que-racismo-nao-existe/

Afinal, qual o papel da Psicologia no que diz respeito às pautas


identitárias?

Psicologia e o público LGBTQIA+

O compromisso da Psicologia brasileira com as questões


concernentes à população LGBTQIA+ tem se intensificado nas últimas
décadas, acompanhando o próprio desenrolar das lutas e conquistas dos
movimentos sociais da causa. Nesse caminho, podemos destacar alguns
pontos1:

➢ 1999: Resolução CFP n° 1, de 22 de Março de 1999: normas de atuação


em relação à questão da Orientação Sexual.
➢ 2011: lançamento da publicação “Psicologia e diversidade sexual:
desafios para uma sociedade de direitos”, pelo Conselho Federal de
Psicologia (CFP).

1 As informações podem ser encontradas nos sites do CFP e dos Conselhos regionais citados
➢ 2011: lançamento da publicação “Psicologia e diversidade sexual:
caderno temático”, pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
(CRP-SP).
➢ 2011 e 2012: no Relatório do Ano Temático de Avaliação Psicológica do
Sistema Conselhos de Psicologia, houve a seguinte recomendação: “Que
o Sistema Conselhos recomende um Grupo de Trabalho (GT) na
Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (Apaf), para
discutir a elaboração de Resolução que normatize a atuação das(os)
psicólogas(os) no atendimento a transexuais e transgêneros,
especialmente no que se refere à avaliação do processo psicológico
transexualizador no SUS”.
➢ 2013: lançamento de Nota técnica (CFP) sobre processo transexualizador
e demais formas de assistência às pessoas trans.
➢ 2015: criação de Grupo de Trabalhos em Diversidade Sexual do
Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG).
➢ 2018: Resolução nº 1, de 29 de janeiro de 2018: normas de atuação em
relação às pessoas transexuais e travestis
➢ 2018: Resolução nº 10, de 27 de março de 2018: Inclusão de nome social
na carteira profissional.
➢ 2018: O Conselho Federal de Psicologia (CFP) assina carta internacional
pelos direitos das pessoas LGBTQIA+, a Declaração e Compromissos da
International Psychology Network for Lesbian, Gay, Bisexual,
Transgender and Intersex Issue (IPsyNet).
➢ 2019: lançamento da publicação “Tentativas de aniquilamento de
subjetividades LGBTIs (CFP)”.
➢ 2019: lançamento da publicação “Psicologia, Gênero e Diversidade
Sexual: saberes em diálogo (CRP MG).

Partiremos agora para tecer comentários sobre alguns desses


tópicos. O ponto de partida é a Resolução 01/99 que inaugura a
regulamentação no que diz respeito à proibição de oferecimento, por parte
dos psicólogos, de qualquer tipo de terapia de reversão de sexualidade, dado
o entendimento que a homossexualidade não é considerada uma patologia.
Os demais desdobramentos se deram a partir dessa Resolução.
Figura 3 - banner em respeito à diversidade do CRP-PR

Fonte: CRP/PR, retirado de https://crppr.org.br/nao-ha-cura-para-o-que-nao-e-


doenca-2/

As publicações citadas dos Conselhos Regionais de São Paulo e o


de Minas Gerais são frutos de Grupos de Trabalho, debates na área e
eventos científicos sobre a temática dos direitos e acolhimento às pessoas
LGBTQIA+. Os materiais visam ampliar as discussões e orientar
possibilidades de atuação de profissionais da psicologia no campo da
sexualidade humana.
Já preocupação com as questões da população trans comparece
mais fortemente a partir do ano de 2011, culminando em 2018 com
Resoluções importantes que traçam orientações para a atuação junto a esse
público. Vale mencionar também que no ano em questão o CFP assinou a
carta internacional pelos direitos das pessoas LGBTQIA+. Esse documento
estabelece os princípios gerais de atuação de profissionais da Psicologia com
pessoas LGBTQI+, no intuito de não perpetuar e reproduzir situações de
discriminação e os estereótipos que podem potencializar o abuso à saúde
física e mental.
Uma das publicações com bastante impacto no que tange à
discussão do papel da Psicologia com a pauta LGBTQIA+ é o livro
“Tentativas de aniquilamento de subjetividades LGBTIs”, lançado pelo CFP
em 2019. Logo em sua introdução, está presente uma discussão que
encontra correspondência com aquelas feitas ao longo da nossa disciplina, e,
portanto, consideramos importante trazer aqui na íntegra:

“Neste livro, o termo aniquilamento desperta no mínimo


curiosidade. A sua etimologia, do latim annihilare, remete ao
sentido de redução. Reduzir alguma coisa ao nada até tornar-
se algo nulo. A combinação da palavra “aniquilamento” com
o vocábulo “subjetividade” aponta para práticas de anulação
de formas diversas e plurais de existir e de ser no mundo. A
expressão “aniquilamento de subjetividades” refere-se, então,
aos processos de destruição, de dilaceramento e de extermínio
que tratam os sujeitos como se não tivessem valor” (CFP, 2019,
p.13).

Ou seja, fala-se de tentativas de fazer desaparecer, de diversas


modos, essas formas de ser e de existir no mundo. O livro é composto por
trechos de narrativas de pessoas LGBTQIA+ que retratam experiências
cotidianas de violações, violências, tentativas de silenciamento e também
relatos de enfrentamentos, resistências, autoafirmação e acolhimentos
conseguidos. Vários capítulos da obra trazem relatos sobre tentativas de
“reversão sexual” e outros “tratamentos”, sendo que um dos capítulos é
voltado para narrativas que apontam indícios de falhas éticas por parte de
profissionais da psicologia (CFP, 2019). Vejamos alguns desses relatos:
“Sou gay, homem cis, negro e tenho 24 anos de idade

Ele (o psicólogo) dizia que a minha homossexualidade teria


advindo de uma relação inadequada com o meu pai. Segundo
ele, quando a criança do sexo masculino deixava de se
identificar com pai, ou se o relacionamento da criança com pai
fosse um relacionamento ruim, ele não iria conseguir se
identificar com o masculino e, portanto, ia passar a buscar esse
masculino em outros homens. À medida que isso não
acontecesse, se tornaria um desejo sexualizado, e daí (surgiam)
os desejos homossexuais. Então, era uma sensação de
insuficiência na minha masculinidade, na visão dele, que
causaria essa busca, esses desejos homossexuais.” (CFP,
2019, p. 58)

“Sou gay, homem cis, branco e tenho 46 anos de idade

Até um tempo desses – posso até procurar, não sei se tenho


mais–, eu tinha uma apostila dela (psicóloga). Na época, ela
tinha uma apostila de como a gente se libertar. Então, a
intervenção dela era de que aquilo ali tinha sido colocado na
minha cabeça, devia ter sido influência do meu pai ausente, da
mãe mandona, essas coisas. Primeiro, nem o meu pai era
ausente, nem a minha mãe era mandona. Aí, ela colocava coisa
na cabeça da gente para a gente chegar à nossa própria
conclusão, mas na realidade ela induzia você a chegar àquela
conclusão de que aquilo ali era por conta de alguma coisa que
aconteceu na família.” (CFP, 2019, p. 58)
“Sou lésbica, mulher cis, negra e tenho 25 anos de idade”

Para mim, foi horrível. Antes, eu já tinha saído da igreja quando


cheguei a fazer as consultas, mas para mim foi um baque. Eu era
uma menina de 22 anos, então, ela (a psicóloga) chegar, e meio
que confirmar o que toda congregação religiosa falava, que
lésbica é coisa de demônio, e eu estava achando que o castigo
era meu, que eu, de alguma forma, era amaldiçoada, e que eu
tinha castigo. Ela (a psicóloga) falando que era coisa do
demônio, ou que não era o que Deus queria na minha vida.
Como eu, tradicionalmente, fui criada por uma família cristã, eu
acarretava aquilo tudo e ficava me sentindo culpada. Eu até
tentei me suicidar uma vez, depois disso tudo, porque para mim é
uma coisa que você não consegue reverter” (CFP, 2019, p.155).

Pelos relatos, é possível perceber que a atuação dos profissionais


da psicologia contribuiu, de diversas formas, para a reprodução de
mecanismos de exclusão e preconceitos, tendo impactos na saúde mental
dessas pessoas. Em uma sociedade na qual a heterossexualidade é lida
como norma, pessoas LGBTQIA+ são consideradas minorias sexuais e são
expostas a uma série de estressores específicos adicionais aos estressores
cotidianos (MEYER, 2003; PAVELTCHUK; BORSA, 2020)
O Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005) prevê
que é vedado aos psicólogos, entre outras coisas:

a) Praticar ou ser conivente e omisso a quaisquer atos que violem a


dignidade humana, quaisquer atos que se caracterizem como algum tipo de
negligência, violência ou discriminação.
b) Utilizar os conhecimentos e técnicas psicológicas para qualquer finalidade
violenta.

Isso posto, podemos perceber que as pessoas dos relatos


anteriores, além de não encontrarem o devido acolhimento, ainda foram
expostas a situações de violência. Lembremos que o psicólogo deve prestar
seus serviços baseados em conhecimentos, princípios e técnicas que tenham
reconhecida fundamentação dentro da ciência psicológica (CFP, 2005). Ou
seja, o psicólogo precisa fundamentar suas práticas em questões que são
cientificamente reconhecidas pela Psicologia. Isso significa dizer que
possíveis crenças ou fundamentos pessoais do psicólogo não podem
comparecer em sua prática profissional, enquanto este a intitular como
prestação de serviços de psicologia.

Figura 4 - Manifestantes em São Paulo, em protesto contra a "cura gay"

Fonte: Imagem de Nelson Almeida, retirada de


https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/23/politica/1506125381_227089.html

Psicologia e as questões étnico-raciais

No início desse Módulo trouxemos alguns prints de notícias com


denúncias de condutas de psicólogos. Entre eles, há uma notícia intitulada
“Meu psicólogo disse que racismo não existe”. Para iniciarmos nossas
reflexões sobre o papel da Psicologia no que tange às relações étnico-raciais,
traremos a seguir um pouco dos relatos presentes na matéria em questão.
Os trechos estão retirados na íntegra de https://www.geledes.org.br/meu-
psicologo-disse-que-racismo-nao-existe/:
Marília Lopes, mulher negra e professora universitária de 38 anos,
procurou uma psicóloga porque sofria com depressão há muitos anos.
Sentia que precisava de ajuda e que seu trabalho estava sendo
severamente prejudicado. Na primeira sessão de psicoterapia, sentiu a
necessidade de falar sobre as diversas situações em que sofreu racismo,
contando de sua infância trabalhando como empregada doméstica e babá
sob o pretexto de que estava “brincando com a filha da patroa”, até casos
mais recentes, em que fora seguida dentro de lojas onde fazia compras.
Ao final, a psicóloga – que era branca – afirmou que Lopes precisaria
mudar o comportamento de “se vitimizar e transformar acontecimentos
normais em racismo”.
Em busca de sua segunda psicóloga, Lopes chegou a fazer cinco sessões
de psicoterapia, quando finalmente começou a falar do racismo que lhe
causava sofrimento. “A psicóloga ficou visivelmente impaciente e
desconfortável e me perguntou se eu achava mesmo que racismo ainda
existia nos tempos de hoje”, relata Lopes. “Saí de lá arrasada, estava
pagando muito caro por cada consulta e nunca imaginei que uma
profissional fosse questionar a veracidade do meu sofrimento, do racismo,
daquela forma. Nunca mais voltei a procurar terapia, hoje ainda luto contra
a depressão e apenas faço uso de medicamentos”, completa.

Na mesma matéria, há outro relato. Vejamos a seguir, para


fomentar nossas discussões:

O caso da professora Marília Lopes não está isolado da


experiência de outras pessoas negras brasileiras. Para a
bióloga Tereza Amorim, as consequências do despreparo
profissional foram graves: “Comecei a fazer terapia com um
psicólogo e tudo corria bem até que comecei a perceber que
muitas das coisas que eu passava na vida aconteciam porque
as pessoas eram racistas e me tratavam de forma
discriminatória pelo fato de eu ser negra. Quando passei a falar
sobre isso com meu terapeuta, ele primeiro começou a negar
que aquelas coisas fossem racismo. Meu psicólogo disse que
racismo não existe e depois passou a dizer que não existe mais
racismo no Brasil, porque as ‘mulatas’ são valorizadas”.

Bento (2016) discorre que a elite branca brasileira, ao se colocar


como referência legitima a supremacia econômica, política e social com
relação aos demais. Há a construção de um imaginário negativo com relação
aos negros que veem sua identidade racial ser solapada, tem sua autoestima
danificada e ainda são culpabilizados pela própria discriminação sofrida.
Ocorre uma lacuna de reflexão sobre o papel do branco nas desigualdades
raciais, que termina por reiterar que estas são um problema exclusivamente
do negro. Aliado a isto, há a representação imaginária de que o nosso país,
por sua extensa e intensa história de miscigenação, é uma pátria
naturalmente diversa na qual há uma convivência harmoniosa entre brancos
e não-brancos (BENTO, 2016; CFP, 2017).

Para saber mais: leia sobre “mito da democracia racial no Brasil”


para entender como essa suposta harmonia e igualdade de oportunidades
entre brancos e negros serviu (e serve) para perpetuar desigualdades. Uma
sugestão de leitura é o artigo “O mito da democracia racial e a mestiçagem
no Brasil (1889-1930)”, de Petrônio Domingues.”

Em 2002 o CFP publicou a Resolução CFP N.º 018/2002, que


estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação ao preconceito
e à discriminação racial, que reforça pontos já defendidos no Código de Ética
Profissional do Psicólogo e elenca norma específicas para as questões
raciais. Entre os artigos, podemos destacar (CFP, 2002):

➢ Art. 1º - Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão


contribuindo com o seu conhecimento para uma reflexão sobre o
preconceito e para a eliminação do racismo.
➢ Art. 2º - Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a
discriminação ou preconceito de raça ou etnia.
➢ Art. 3º - Os psicólogos, no exercício profissional, não serão coniventes e
nem se omitirão perante o crime do racismo.
➢ Art. 4º - Os psicólogos não se utilizarão de instrumentos ou técnicas
psicológicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas,
estereótipos ou discriminação racial.

Em 2007 o CFP lançou o documento “Relações Raciais:


Referências Técnicas para atuação de psicólogas/os”, elaborado no âmbito
do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas
(Crepop). Na apresentação do documento, está disposto que este é mais do
que uma referência para atuação profissional - é também uma resposta às
demandas do movimento negro para o incremento de produções que
contribuam para a superação do racismo, preconceito e diferentes formas de
discriminação. O documento traz ainda três grandes dimensões em que o
racismo opera: institucional, interpessoal e pessoal.
O racismo institucional (termo cunhado pelos ativistas
integrantes do grupo Panteras Negras, Stokely Carmichael e Charles
Hamilton, em 1967) refere-se ao nível político-programático das instituições.
está vinculado a ações amplas, na coletividade, e que o impacto no sujeito é
posterior à ação maior, é uma consequência desta (CFP, 2017). Como
assim? Estamos falando de ações/escolhas amplas que acabam por infligir
condições desfavoráveis de vida aos sujeitos negros e indígenas, e que
também contribuem para a construção do imaginário social de que essas
populações são, de algum modo, inferiores.

A prática de racismo institucional pode ser considerada a principal


responsável pelas violações de direitos dos grupos raciais
subalternizados. Efetivada em estruturas públicas e privadas do
país, essa prática é marcada pelo tratamento diferenciado,
desigual. Indica, pois, a falha do Estado em prover assistência
igualitária aos diferentes grupos sociais (CFP, 2017, p. 48, grifo
do autor).

Alguns exemplos para pensarmos como o racismo institucional


opera: diferença salarial entre brancos e não-brancos que ocupam o mesmo
cargo, sub-representação de negros e indígenas em cargos de poder, menor
representatividade de negros e indígenas nas instituições de ensino superior,
entre outras.
Para refletir: tente elencar quantos médicos(as) não brancos(as)
você já visitou ao longo da sua vida. Quantos professores(as) não brancos?
Quantos negros ou indígenas você conhece em cargos de liderança? Em
contrapartida, qual a cor dos corpos que você mais vê ocupando
subempregos?
O racismo interpessoal diz respeito aos processos de
desigualdade e discriminação com base na raça/cor que ocorrem entre os
sujeitos em interação. São situações que ocorrem, por exemplo, dentro das
organizações diretamente nas relações entre os indivíduos. Alguns exemplos
que podemos citar são: tratamentos diferenciados a pacientes negros nos
sistemas de saúde, situações nas quais profissionais negros têm sua
capacidade questionada em comparação a outros profissionais, pessoas
brancas que se relacionam afetivamente com pessoas negras e não as
apresentam publicamente como suas companheiras e etc. Importante
mencionar que frequentemente nessas e em outras situações o tratamento
diferenciado não é atribuído ao fenótipo negro, tendo em vista que de modo
geral as pessoas não admitem que o motivo de suas atitudes é o racismo
(CFP, 2017).
Já o racismo pessoal diz respeito à internacionalização e
reprodução por parte de pessoas negras de condutas racistas. Os modelos
de pensar e agir que alimentam as representações de uma pretensa
superioridade e inferioridade entre raças acabam sendo interiorizadas.

Para saber mais: o Sistema Conselhos tem outras publicações


importantes no que diz respeito ao compromisso da Psicologia brasileira com
a diversidade humana. Como exemplo, temos as publicações “Referências
Técnicas para atuação de psicólogas(os) com Povos Tradicionais” (CFP,
2019) e as “Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) junto aos
povos indígenas” (CFP, 2022).
Atividades

1) (CFP-2022) Em um abrigo para acolhimento da população trans em


situação de rua, a equipe técnica constrói um combinado dos pontos
que devem orientar o cuidado com essa população. Qual princípio não
deve orientar a atuação do psicólogo?

a) Reconhecer que tal população é atravessada por múltiplas violências,


que estas estão relacionadas ao modo de produção social.

b) Priorizar ações de articulação de redes intersetoriais que busquem a


produção de um cuidado integral que considere as múltiplas dimensões
da produção cotidiana da vida.

c) Reconhecer o protagonismo da pessoa na construção do seu


processo de cuidado, sendo este partilhado todo o tempo.

d) Reconhecer que tal identidade de gênero é consequência de


sofrimentos infantis e que é fundamental oferecer um atendimento
terapêutico que ajude a superar esses traumas e, assim, reverter a
situação.

2) (INSTITUO AOCP-2020) São objetos da atuação da Psicologia Social,


em relação à orientação sexual:

a) contemplar a diversidade e o respeito à livre orientação, defendendo a


subjetividade dos indivíduos.

b) proporcionar tratamento ou ação de ‘cura’ à homossexualidade.

c) dissipar práticas homoeróticas, pois nem toda forma de manifestação


da sexualidade deve fazer parte da existência humana.
d) afrontar as lutas da categoria pela defesa da diversidade, promovendo
os direitos humanos

3) (CFP-2022) As questões raciais estão cada vez mais presentes na


atuação dos psicólogos sociais. Se pensarmos que a maioria do
povo brasileiro é composta de negros, considerando a soma de
pessoas pretas e pardas que vivem no país, devemos:

a) apoiar os movimentos negros como alternativa viável para a


construção da democracia racial.

b) considerar que questões raciais são muito importantes, mas não


fazem parte da realidade da ação da Psicologia.

c) incentivar que os temas de defesa da cultura afrodescendente e da


história dos povos africanos estejam presentes na formação das
psicólogas e dos psicólogos brasileiros.

d) ajudar a promover a ideia de que o racismo não faz parte da índole


cordial dos brasileiros.

4) (FADENOR-2021) Leia o texto a seguir para responder à questão:

Entretanto, para as visões que consideram o racismo um fenômeno


institucional e/ou estrutural, mais do que a consciência, o racismo como
ideologia molda o inconsciente. Dessa forma, a ação dos indivíduos, ainda
que conscientes, "se dá em uma moldura de sociabilidade dotada de
constituição historicamente inconsciente". Ou seja, a vida cultural e política
no interior da qual os indivíduos se reconhecem enquanto sujeitos
autoconscientes e onde formam os seus afetos é constituída por padrões de
clivagem racial inserida no imaginário e em práticas sociais cotidianas. Desse
modo, a vida "normal", os afetos e as "verdades" são inexoravelmente
perpassados pelo racismo, que não depende de uma ação consciente para
existir. (grifos do autor)
Fonte: ALMEIDA, Sílvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli
Carneiro; Pólen, 2019.

Considerando-se a atuação do psicólogo diante do que o excerto acima


apresenta como ideia central, pode-se afirmar que:

a) É importante que o psicólogo seja capaz de compreender o seu lugar de


poder diante do racismo, pois, ao abordar o inconsciente, esse profissional
consegue fazer com que o sujeito racista entenda os atos que comete.
b) O psicólogo deve ser capaz de perceber que seu trabalho contra o
preconceito e a discriminação cotidianos deve basear-se nas práticas sociais
tidas como normais, em que os indivíduos que segregam o fazem
conscientemente.
c) É necessário que o psicólogo compreenda os processos estruturais que
levam ao fenômeno da discriminação racial a partir dos padrões sócio
historicamente formados e que se tornaram inconscientes no cotidiano de
quem segrega.
d) O psicólogo que compreende que o racismo no Brasil é estrutural é capaz
de agir no inconsciente coletivo, em busca de reconstruir afetos ideológicos e
proporcionar ações institucionais capazes de mitigar o preconceito.

4) O modelo familiar com base na relação conjugal heterossexual e


cisgênera está presente na compreensão social de como devem se
estruturar as relações afetivas. Pessoas que não se enquadram
nessa referida norma podem experienciar sofrimento psíquico pelas
diferentes vivências violentas as quais são expostas. Diante desse
contexto, cabe ao psicólogo

a) compreender que as relações e escolhas privadas dos sujeitos são de


sua inteira responsabilidade, trabalhando então para que estes saibam
lidar com as consequências de suas escolhas
b) atuar de modo que compreenda as diferentes formas de expressão
humana, prezando pelo respeito à dignidade humana e não reproduzindo
opressões

c) compreender que gênero é um constructo cultural, assim sendo muda


de acordo com a sociedade em questão. Assim, de atuar de modo a
auxiliar que os sujeitos melhor se enquadrem dentro de cada situação
social.

d) manter uma atuação neutra com relação a esses tópicos.

5) (CONTEMAX-2021, adaptado) Algumas explicações das diferenças de


gênero entre homens e mulheres centralizam-se nas diferentes
experiências e expectativas sociais que meninos e meninos encontram
quase desde o nascimento. Isso significa que:

a) meninos e meninas possuem lugares sociais distintos, baseados em suas


capacidades naturais dadas ao nascer
b) homens e mulheres escolhem voluntariamente quais expectativas irão
atender, assim que tomam consciência social.
c) Os comportamentos, interesses, atitudes, habilidades características de
homens e mulheres são culturalmente construídos e partilhados
d) Os estereótipos de gênero ajudam a organizar a sociedade, ao definir bem
quais os papeis cada indivíduo deve cumprir.

6) (COLÉGIO PEDRO II- 2019) O documento Relações raciais:


referências técnicas para a prática da(o) psicóloga(o) foi elaborado no
âmbito do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas
Públicas e apresentado à categoria e à sociedade pelo Conselho Federal
de Psicologia. Esse trabalho indica três dimensões em que o racismo se
apresenta. Em relação a uma dessas dimensões, o documento
apresenta alguns exemplos.
Analise os dois exemplos a seguir, extraídos do referido documento:

• O não reconhecimento por parte de psicólogas(os) da existência do


sofrimento psíquico oriundo do racismo em processos terapêuticos.

• Na escola, crianças negras são frequentemente consideradas


“problema”, tendo menor investimento por parte dos educadores. Elas
são frequentemente encaminhadas para atendimento psicológico e, se
a(o) psicóloga(o) clínica(o) ou escolar não estiver atento à temática
racial, tratará a situação como se fosse um problema da criança e de
sua família, negligenciando o racismo, o seu enfrentamento
institucional, interpessoal e intrapsíquico

Esses exemplos se referem ao racismo em sua dimensão

a) histórico-cultural.
b) institucional.
c) interpessoal.
d) pessoal.

7) (UFAM-2016 adaptado) Segundo Martins (2013), as tendências


percebidas nas pesquisas brasileiras que relacionam a Psicologia Social às
relações étnico-raciais são as seguintes:
I. Compreender como ocorre a manifestação do preconceito e do racismo nos
indivíduos e grupos.
II. Investigar os efeitos que o preconceito e o racismo produzem sobre
aqueles indivíduos e grupos aos quais esses estudos se dirigem.
III. Investigar as formas sutis de manifestação desses fenômenos, tendo em
vista que, na atualidade, tais formas são disfarçadas e indiretas.
Assinale a alternativa correta:
a) Somente a afirmativa I está correta
b) Somente a alternativa II está correta
c) Somente I e II estão corretas
d) Todas as afirmativas estão corretas
8) (UFAM-2016 adaptado) A resolução nº 018/02, do Conselho Federal de
Psicologia, que estabelece normas de atuação para o(a) psicólogo(a) em
relação ao preconceito e à discriminação racial. Analise os artigos da
resolução CFP 018/2002 e assinale a alternativa que apresenta o
INCORRETO:
a) ART. 1º - Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão
contribuindo com o seu conhecimento para uma reflexão sobre o preconceito
e para a eliminação do racismo.
b) ART. 2º - Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a
discriminação ou preconceito de raça ou etnia.
c) ART. 3º - Os psicólogos, no exercício profissional, não emitirão opinião ou
juízo de valor perante o crime do racismo.
d) ART. 4º - Os psicólogos não se utilizarão de instrumentos ou técnicas
psicológicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas,
estereótipos ou discriminação racial.
e) ART. 5º - Os psicólogos não colaborarão com eventos ou serviços que
sejam de natureza discriminatória ou contribuam para o desenvolvimento de
culturas institucionais discriminatórias.

9) Suponha que você esteja prestando serviço para uma instituição,


no campo de recrutamento e seleção. Antes de iniciar o trabalho,
você recebe a orientação expressa da empresa para que não sejam
selecionados candidatos negros e indígenas pois estes não se
enquadrariam com os critérios da instituição. Assinale a assertiva
mais adequada, enquanto profissional da psicologia:

a) não é adequado dar prosseguimento ao serviço, uma vez que incorre


em falta ética e ao psicólogo é vedado colaborar em situações de
natureza discriminatória.

b) a situação em questão é de cunho criminal, então desde que sejam


feitas as devidas denúncias, é possível dar prosseguimento ao trabalho
c) não é adequado dar seguimento ao trabalho, visto que pode prejudicar
a imagem pessoal

d) desde que isso não transpareça na atuação, não há problema


continuar o trabalho pois isso não reflete a opinão pessoal e sim algo da
instituição

10) (COESAC-2021, ADAPTADO) “Racismo refere-se a uma ideologia


social de inferioridade, que é usada para justificar o tratamento
diferencial concedido a membros de grupos raciais ou étnicos, por
indivíduos e instituições, usualmente acompanhados por atitudes
negativas de depreciação com relação a esses grupos” (Barata, 2009, p.
65). Coloque verdadeiro (V) ou falso (F) nas afirmações abaixo.

( ) O racismo é um fenômeno estruturado, sancionado socialmente,


justificado por ideologia e expresso por meio de interações entre
indivíduos e instituições. Baseia-se na dominação e visa a manter
privilégios para os grupos dominantes à custa de privação e exclusão
dos demais.

( ) Os integrantes dos grupos étnicos ou raciais discriminados sofrem


vários tipos de desvantagens, acumulando os efeitos da discriminação
econômica, da segregação espacial, da exclusão social, da destituição
do poder político e da desvalorização cultural.

( ) Ninguém pode ser tratado de maneira diferente e negativa com base


nas diferenças. Por isso, as pesquisas em saúde indicam que, no Brasil,
o racismo estrutural não opera no interior das instituições.

( ) Quando se pesquisa a qualidade da assistência pré-natal no Brasil,


percebe-se, com bastante clareza, como o racismo institucional se
manifesta. Por exemplo, mulheres negras recebem menos anestesia
durante o parto do que as parturientes brancas.

a) V,V,F,V
b) F,V,F,F
c) V,F,V,F
d) V,V,F,F
Proposta de fórum

Após a reflexão de pontos importantes que versam sobre o compromisso da


Psicologia com as temáticas da diversidade sexual, diversidade de gênero e
racial, vamos debater um pouco? Abaixo temos duas situações hipotéticas. A
proposta é que vocês debatam sobre possíveis desdobramentos para cada
situação. Como os profissionais poderiam agir?

1 - Ester é psicóloga e atua na clínica. Na esfera pessoal, é atuante


dentro de uma congregação religiosa tradicional de denominação
evangélica. Ao chegar para o atendimento de uma nova cliente, Ester
identifica que a demanda diz respeito a sofrimento psíquico oriundo de
conflitos entre a cliente, que é uma jovem mulher lésbica, e sua família
que não a acolhe. A situação tem se agravado nos últimos tempos com
a insistência dos pais em falar que ela precisa buscar ajuda para se
curar. A psicóloga, neste primeiro atendimento, sente um pouco de
dificuldade de manejar a situação e se questiona como deve agir a partir
dali.

Diante desse relato, como você pensa que Ester deve agir? Quais as
possibilidades, dentro um exercício ético profissional?

2 - Jorge é psicólogo escolar e recentemente iniciou o trabalho em uma


nova escola. Chegou um pouco depois das atividades referentes ao Mês
da Consciência Negra e soube que após o último dia de atividades,
todos os materiais decorativos e informativos que estavam expostos
foram vandalizados e mensagens racistas foram escritas em algumas
paredes. A direção escolar relatou não ter indícios de quem possa ter
cometido tais atos, e Jorge percebeu que a equipe pedagógica, de modo
geral, via o caso como algum tipo de “piada de mau gosto”.

Diante desse relato, como você pensa que Jorge poderia agir? Quais ideias
você tem para possíveis intervenções?
Referências

BENTO,M. A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil In: CARONE, I.


BENTO, M. A. S. Psicologia Social do Racismo: estudos sobre branquitude
e branqueamento no Brasil. Petrópolis, Editora Vozes, 2016.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Código de Ética


Profissional do Psicólogo, 2005.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Psicologia e diversidade


sexual: desafios para uma sociedade de direitos. Brasília: CFP, 2011.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Tentativas de


aniquilamento de subjetividades LGBTIs. Brasília: CFP, 2019

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Relações Raciais:


Referências Técnicas para atuação de psicólogas/os. Brasília: CFP, 2017.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Referências técnicas para


atuação de psicólogas(os) para a atuação de psicólogas(os) com povos
tradicionais / Conselho Federal de Psicologia, Conselhos Regionais de
Psicologia e Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas
Públicas.1. ed.Brasília : CFP, 2019.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Referências Técnicas


para atuação de psicólogas(os) junto aos povos indígenas / Conselho
Federal de Psicologia, Conselhos Regionais de Psicologia, Centro de
Referência Técnica em Psicologia e Políticas Pública. 1. ed. Brasília : CFP,
2022

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Resolução nº 01/1999.


Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da
Orientação Sexual, 1999. Brasília : CFP, 2022

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Resolução Nº 018/2002.


Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação ao preconceito
e à discriminação racial. Brasília: CFP, 2002.

Meyer, I. H. (2003). Prejudice, social stress, and mental health in lesbian, gay,
and bisexual populations: Conceptual issues and research evidence.
Psychological Bulletin, 129(5), 674. https://doi.org/10.1037/0033-
2909.129.5.674

PAVELTCHUK, Fernanda de Oliveira; BORSA, Juliane Callegaro. A teoria do


estresse de minoria em lésbicas, gays e bissexuais. Revista da SPAGESP, v.
21, n. 2, p. 41-54, 2020

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