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Naturalismo no Brasil
O NATURALISMO
NO BRASIL
volume 82
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NELSON WERNECK SODRÊ
O NATURALISMO
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Exemplar 1443
1965
A APARECER
Origens do Naturalismo 13
O Naturalismo em Portugal 40
Eça de Queiroz 62
e o Naturalismo Brasileiro 127
O Naturalismo no Brasil 158
Conclusões 201
Notas 239
Bibliografia 245
O Naturalismo no Brasil
ORIGENS DO NATURALISMO
A Expansão Burguesa
Realismo e Naturalismo
Posição de Zola
Balanço do Naturalismo
A Questão Coimbrã
As Conferências do Cassino
Advento do Naturalismo
Uma Revisão
Romantismo e Naturalismo
A Iniciação
O Anticlericalismo
O Meio Literário
As Raízes da Ironia
Impacto do Naturalismo
A Crítica de Machado
Antiguidade da Técnica
Um Episódio
Influências
A Época
A Renovação
A Controvérsia
A Iniciação
A
Adúltera e sobretudo com os seus contos, obras da mocidade
só mais tarde reunidos em volume — dos quais se destaca “O
hóspede” — Lúcio de Mendonça se inclui entre os precursores
do realismo” . 177 Quanto a outros pretensos precursores, Lúcia
Miguel Pereira assim se define: ‘‘A melhor prova da atuação in
direta de Sílvio Romero no naturalismo é não ter êste partido
de romancista do seu grupo — Franklin Távora, Carneiro Vi
lela e Celso Magalhães, todos ainda tão presos aos moldes ro
mânticos. Um Estudo de Temperamento, de Celso Magalhães,
parcialmente publicado na Revista Brasileira — não consta que
o tenha sido depois em livro — só parece, a julgar pelo que co
nhecemos, ter de naturalista o nome. Certo, será leviano deci
dir sôbre o sentido de uma obra inacabada, mas como a parte
conhecida não é pequena — perto de duzentas páginas — pode
dar uma idéia da execução, que é inteiramente romântica” . 178
A figura que aparece com mais freqüência, na disputa de
prioridade naturalista, é a de Inglês de Sousa. E aqui se cons
tata, concretamente, como cabe ao público, na realidade, a de
cisão de tais problemas, e os julgamentos soberanos e definiti
vos. Porque, sem a menor dúvida, tomados os dois livros iso
ladamente, isto é, sem considerar a decisão do público, O Co
ronel Sangrado, de Inglês de Sousa, publicado em 1877, revela
muito mais traços naturalistas do que O Mulato, aparecido qua
tro anos depois e aceito como marco inicial da nova escola en
tre nós. Mesmo O Cacaulista, de 1876, revela em Inglês de
Sousa a intenção e o domínio de técnicas e processos natura
listas que Aluísio não revela no seu livro tão conhecido. Ro
mancista de recursos apreciáveis, que não merece o esqueci
mento em que foi colocado — só O Missionário, de seus ro
mances, alcançou reedição — Inglês de Sousa não conseguiu,
entretanto, estabelecer o contato, a comunicação, com o públi
co, e permaneceu pràticamente esquecido por longos anos, em
bora a crítica do tempo o tivesse considerado na medida de suas
qualidades. Escreveu os seus primeiros livros antes da voga de
Zola e Eça de Queiroz no Brasil, de sorte que êles se distin
guem do último, O Missionário, pelo fato de que, neste, a bus
ca da ortodoxia é acentuada.
Os aspectos formais do problema da prioridade, no caso
do naturalismo, assumem proporções um pouco paradoxais des
de que se constate o fato de que O Mulato, aceito como inau-
gurador da nova escola, pelo consenso do público, carece de
caracterização naturalista, sendo um hibrido de romantismo e
naturalismo, muito mais acentuado no texto da primeira edição,
a de 1881, que marcou o início do naturalismo, dO' que no texto
refundido das que se seguiram. Em novembro daquele ano, na
Gazeta da Tarde, do Rio, Araripe Júnior, anunciando o apare
cimento do romance, já denunciava tal hibridismo: “Ali há pá
ginas tão suaves, tão doces, tão cheias da claridade rosicler,
alencariana, que sou levado a crer que o mergulho dado pelo
poeta nas águas encapeladas do Estige da nova escola foi ape
nas à superfície. ( . . . ) O nôvo romancista apresentou-se fran
camente como é; no período de transição, de lutas, de vacila
ções. O seu livro, em que se encontra cenas admiráveis, pode-se
dizer a crisálida de uma obra realista. Nem lagarta, nem borbo
leta” . 179 Em 1888, escrevendo no Novidades, o crítico cearense
reafirmaria o julgamento anterior: “N’ O Mulato existe, em ger
me, o Aluísio Azevedo que depois se manifestou na Casa de
Pensão, na Filomena Borges, n’0 Coruja, NO Homem; e as
qualidades que ali esplendem são as mesmas que lhe têm criado
tropeços na execução de alguns livros não contidas em fórmulas
de sua índole; são as mesmas que já anunciavam, em dois de
seus romances, um observador de raça, e que farão á’0 Cortiço,
segundo as probalidades, um romance nacional, na verdadeira
acepção da palavra” . 180
Em outro artigo, no mesmo jornal e no mesmo ano, Ara
ripe prefere acentuar, em Aluísio, o que não estava de acordo
com o modelo externo: “Aluísio Azevedo, constituindo-se o
corifeu do naturalismo em sua terra, não cometeu o êrro de co-
piá-lo servilmente; êle compenetrou-se, primeiro, do espírito da
revolução operada pelo mestre; mas, organicamente diferente
de Zola, impelido pela fôrça de sua índole, talvez mais do que
êle pensa, enveredou pela trilha única que o há de levar ao acam
pamento triunfante” . 181 Tratando de Casa de Pensão, repisará
tais argumentos: “É verdade que há, no livro, uma coisa que
de vez em quando empece a propulsão das máquinas, é o espí
rito da crítica, de que estava mais que muito saturado o ro
mancista, quando se propôs a escrevê-lo”. Para completar:
“Quanto a mim, até o momento atual, é esta, dentre as obras
de Aluísio Azevedo, a que mais cabalmente afirma a sua vis
naturalista e descritiva. Todos os talentos denunciados NO Mu
lato aí aparecem no estado adulto, senão em quase completa
maturidade” . 183
Note-se a insistência com que o crítico, desde o apareci
mento de O Mulato até que o romancista oferecesse outros e
melhores livros, insiste em ver naquele apenas um ensaio, uma
obra incompleta, heterogênea, híbrida, insuficiente, mero marco
e traço de iniciação, esboço do que viria a ser a obra de uma
autêntica personalidade. Até nos tipos: “Aluísio, neste livro,
propôs-se a traçar a monografia do histerismo. Essa idéia de his
terismo, já desde a Ana Rosa, d ’O Mulato, que o tentava doida
mente”. As insuficiências dêste romance e, principalmente, as
insuficiências de escola, foram proclamadas por todos os críti
cos e historiadores da literatura, os contemporâneos como os
posteriores. Assim Lúcia Miguel Pereira confirma: “O ano de
1881 foi dos mais significantes e importantes para a ficção no
Brasil, pois que nêle se publicaram as Memórias Póstumas de
Brás Cubas de Machado de Assis (saídas na Revista Brasileira,
no ano anterior) e O Mulato de Aluísio Azevedo. ( . . . ) No
momento, impressionou muito mais a novidade do Mulato —
sob muitos aspectos tão prêso ainda às deformações românti
cas — do que a do Brás Cubas, muito mais completa e auda
ciosa” . 183
O Mulato, realmente, é muito menos naturalista do que se
supõe em geral. Basta recordar-lhe a estrutura, segundo o texto
definitivo: Raimundo, personagem central, é filho de português
com uma escrava; enriquecendo, o pai casa-se com mulher de
alta situação e péssimo procedimento, que se torna amante de
um padre; surpreendendo-os, o português mata a mulher e é
assassinado pelo padre; o menino fôra enviado a Portugal e lá
se fêz homem, sem conhecer suas origens; regressa ao Brasil,
com vinte e seis anos e vai ao Maranhão liquidar os bens dei
xados pelo pai, ansioso de conhecer aquelas origens; hospeda-
se na casa de um tio, cuja filha, Ana Rosa, por êle se encanta,
entrega-se e confessa à família sua gravidez; nem assim obtém
o consentimento para casar-se com Raimundo, sendo obrigada
a fazê-lo com um empregado do pai; o romance envereda por
outras complicações quando, por artes do padre que assassina
ra o pai de Raimundo êste vem a ser vítima do caixeiro ena
morado de Ana Rosa; cinco anos depois da morte de Raimun
do, Ana Rosa está casada com o assassino dêste, feliz e com
três filhos. A estrutura é, pois, inconfundivelmente romântica,
c do pior romantismo, das descrições, das situações, da lingua
gem, do diálogo.
Que há de naturalista no livro, então? Alguns traços que
saltam aos olhos, que pertencem à receita da escola: o anticle-
ricalismo, em primeiro lugar; a pressão do meio, em segundo —
sendo o indivíduo fruto de instituições fundadas na injustiça te
ria de ser mau por fatalidade — e, finalmente, como sinal vi
sível, ostensivo, a conceituação da mulher, prêsa da fisiologia,
submetida sem remédio, vítima de si mesma. Aqui, as observa
ções de Lúcia Miguel Pereira são insubstituíveis: “Já Ana Rosa
é a encarnação da mulher tal como a entenderam em regra os
nossos naturalistas, isto é, tão somente uma fêmea. As preo
cupações científicas, e também a reação contra os românticos,
que só concebiam heroínas de angélica pureza, levaram-nos a
aproveitar — e exagerar — as lições de Charcot sôbre a histe
ria feminina. As funções procriadoras eram as únicas que con
cediam às mulheres. Desde que, apenas formadas, não tivessem
um marido para enchê-las de filhos, tôdas se tornavam nervo
sas, desorientadas, infelizes. Tão forte é' essa concepção que só
uma vez faz Aluísio se tornar indiscreto o púdico Raimundo;
achando a jovem desfeita e pálida, chamou a atenção do tio,
dizendo-lhe que ‘aquela idade é muito perigosa nas mulheres sol
teiras’. Assim sendo, e porque não se casara aos quinze anos,
Ana Rosa tinha esquisitices, ataques histéricos, sentia-se muti
lada. ( . . . ) Essa provincianazinha, criada sob as vistas de uma
avó beata, tinha ousadias absolutamente inverossímeis. Ao ver
num livro de medicina um desenho revelador das relações amo
rosas ‘observou-o com profunda atenção, enquanto dentro dela
se travava a batalha dos desejos. Todo o ser se lhe revolucio
nou; o sangue gritava-lhe, reclamando o pão do amor; seu orga
nismo inteiro protestava irritado contra a ociosidade. E ela en
tão sentiu bem nítida a responsabilidade dos seus deveres de mu
lher perante a natureza, compreendeu o seu destino de ternura
e de sacrifícios, percebeu que viera ao mundo para ser mãe;
concluiu que a própria vida lhe impunha, como lei indefectível,
a missão sagrada de procriar muitos filhos sãos, bonitos, ali
mentados com seu leite, que seria bom e abundante. . . ’ O pri
mo representava para ela um instrumento, e não o bem-ama
do; o que queria era ser fecundada, por isso é, no final, tôda
r
O Apogeu
O Declínio
Herança
A Imoralidade
O Anti-Naturalismo
Caracterização Finai
Deformações Afuais
M. Cavalcanti Proença
N ELSON W ER N ECK SODRÉ
ANALISA IMPORTANTE FASE
DA LITERATURA BRASILEIRA