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Castanhal/PA
2023
Jonatas Costa Cavalcante
Castanhal/PA
2023
FICHAMENTO
HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções. 9.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996
“O que significa a frase “a revolução industrial explodiu”? Significa que a certa altura da
década de 1780, e pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os
grilhões do poder produtivo das sociedades humanas...”
“Este fato é hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a “partida para o
crescimento auto-sustentável”.”
“De fato, a revolução industrial não foi um episódio com um princípio e um fim. Não tem
sentido perguntar quando se “completou”, pois sua essência foi a de que a mudança
revolucionária se tornou norma deste então.”
“Mas parece claro que até mesmo antes da revolução a Grã-Bretanha já estava, no
comércio e na produção per capita”
“No geral, todavia, o dinheiro não só falava como governava. Tudo que os industriais
precisavam para serem aceitos entre os governantes da sociedade era bastante
dinheiro.”
“o sucesso britânico provou o que se podia conseguir com ela, a técnica britânica podia
ser imitada, o capital e a habilidade britânica podiam ser importados.”
“Pois dentro destas áreas a indústria britânica tinha estabelecido um monopólio por
meio de guerras, revoluções locais e de seu próprio domínio imperial.”
“Com isto não se pretende subestimar as forças que introduziram a inovação industrial
em outras mercadorias de consumo, notadamente outros produtos têxteis, alimentos e
bebidas, cerâmica e outros produtos de uso doméstico”
“Esse primeiro tropeço geral da economia capitalista industrial reflete-se numa
acentuada desaceleração no crescimento, talvez até mesmo um declínio, da renda
nacional britânica nesse período.”
“Suas mais sérias consequências foram sociais: a transição da nova economia criou a
miséria e o descontentamento, os ingredientes da revolução social.”
“Do ponto de vista dos capitalistas, entretanto, estes problemas sociais só eram
relevantes para o progresso da economia se, por algum terrível acidente, viessem a
derrubar a ordem social.”
“O mesmo não ocorria com a decrescente margem de lucros, que a indústria algodoeira
ilustrava de maneira bastante clara. Inicialmente esta indústria beneficiou-se de
imensas vantagens.”
“Eis por que, até mesmo hoje, o mais abalizado índice isolado para se avaliar o
potencial industrial de qualquer país é a quantidade de sua produção de ferro e aço.”
“De fato, o capital encontrou as ferrovias, que não podiam ter sido construídas tão
rapidamente e em tão grande escala sem essa torrente de capital”
“O que foi mais relevante, depois de 1830 — o ponto-chave que o historiador de nosso
período não pode perder, qualquer que seja seu campo de interesse particular —, é
que o ritmo de mudança social e econômica acelerou-se visível e rapidamente.”
“Até que os russos tivessem desenvolvido, na década de 1930, meios de transpor este
fosso entre "atrasado" e "adiantado", ele permaneceria imóvel, intransponível, e mesmo
crescendo, entre a minoria e a maioria dos habitantes do mundo.”
Polanyi, Karl. A grande Transformação.
“A terra cercada valia duas ou três vezes a não-cercada. Nos lugares onde se
continuou a cultivar a terra, não diminuiu o emprego e o suprimento de alimentos
aumentou de forma marcante.” (p.52)
“Os cercamentos foram chamados, de uma forma adequada, de revolução dos ricos
contra os pobres. Os senhores e os nobres estavam perturbando a ordem social,
destruindo as leis e os costumes tradicionais, às vezes pela violência” (p.53)
“Um prevalecimento tão fácil de interesses privados sobre a justiça é visto, muitas
vezes, como um sinal certo da ineficácia da legislação” (p.55)
“A crença no progresso espontâneo pode cegar-nos quanto ao papel do governo na
vida econômica. Este papel consiste, muitas vezes, em alterar o ritmo da mudança,
apressando-o ou diminuindo-o, conforme o caso.” (p.55)
“A transformação da economia anterior para esse sistema é tão completa que parece
mais a metamorfose de uma lagarta do que qualquer alteração que possa ser
expressa em termos de crescimento contínuo e desenvolvimento.” (p.60)
“Na verdade, a produção das máquinas numa sociedade comercial envolve uma
transformação que é a da substância natural e humana da sociedade em
mercadorias.” (p.61)
“Na prática, isto significa que o produto da sua atividade é partilhado com as outras
pessoas que estão vivendo com eles. A idéia da reciprocidade prevalece até este
ponto;” (p.70)
“Todas as economias desta espécie, em grande escala, foram dirigidas com a ajuda
do princípio da redistribuição.” (p.71)
“No que diz respeito aos registros etnográficos, não devemos presumir que a
produção para a própria pessoa, ou para um grupo, seja mais antiga que a
reciprocidade ou a redistribuição.” (p.73)
“Na verdade, foi crucial o passo que transformou mercados isolados numa econômica
de mercado, mercados reguláveis num mercado auto-regulável.” (p.77)
“Na prática, isto significa que as cidades levantaram todos os obstáculos possíveis à
formação daquele mercado nacional ou interno pelo qual pressionava o atacadista
capitalista.” (p.86)
“A auto-regulação significa que toda a produção é para venda no mercado, e que todos
os rendimentos derivam de tais vendas.” (p.90)
“A formação dos mercados não será inibida por nada, e os rendimentos não poderão
ser formados de outra maneira a não ser através das vendas.” (p.90)
“A propósito, aquele que comprava e vendia provia também a produção - não era
preciso uma outra motivação” (p.96)
“Agora eles tinham que ser organizados para a venda no mercado - em outras
palavras, como mercadorias.” (p.97)
Capítulo VII: A geografia do poder de classe e Capítulo VIII: A arte da renda (página 191 – 239)
“Em primeiro lugar, Marx procura mostrar como a burguesia, por meio das políticas
defendidas nas colônias, contradiz seus próprios mitos no que diz respeito à origem e
natureza do capital” (p.195)
“Se os trabalhadores podem voltar a uma vida genuinamente não- alienada por meio
da migração para alguma região de fronteira, então o controle capitalista sobre a
oferta de mão-de-obra é solapado” (p.196)
“então o que isso representa para a teoria de Marx e sua prática política associada de
buscar transformações revolucionárias no núcleo da sociedade civil no aqui e agora?”
(p.197)
“Em primeiro lugar, é importante reconhecer (como o Manifesto faz táo claramente)
os modos pelos quais os reordenamentos geográficos, as estratégias espaciais de
reestruturação, os desenvolvimentos geográficos desiguais etc.” (p.200)
“Em terceiro lugar, talvez uma das maiores carências do Manifesto seja sua
desatenção em relação à organização territorial do mundo, em geral, e do capitalismo,
em particular.” (p.203)
“Em O capital, Marx considera a moeda universal de outro modo, ou seja, como uma
representação de valor que, resultante da relação dialética entre a particularidade das
atividades materiais” (p.204)
“além do crescimento do comércio mundial, alimentado ,em parte, pela redução dos
custos de movimentação, mas também pela onda de liberalização comercial e pelo
aumento considerável dos fluxos internacionais de investimento direto.” (p.209)
“As condições materiais que inflamam o ultraje moral que envolve o Manifesto não
desapareceram.” (p.213)
“A contradição, nesse caso, é que, quanto mais facilmente negociáveis se tornem tais
itens, menos únicos e especiais eles se afiguram.” (p. 223)
“Admite-se, ampla mas equivocadamente, que o poder monopolista do tipo supremo e
culminante seja mais evidentemente sinalizado pela centralização e concentração do
capital em megaempresas.” (p.225)
“Pois o que está em jogo é o poder do capital simbólico coletivo, isto é, o poder dos
marcos especiais de distinção vinculados a algum lugar, dotados de um poder de
atração importante em relação aos fluxos de capital de modo mais geral” (p. 233)
“Há muito a conquistar, por exemplo, por meio do apelo à moda (de modo
interessante, ser um centro da moda é uma maneira das cidades acumularem
considerável capital simbólico coletivo).” (p.237)
“A formação do Estado tem sido parte integrante do desenvolvimento capitalis- ta. Mas
os detalhes desse processo não são fáceis de analisar. Para começar, o proje- to de
territorializar arranjos institucionais e administrativos não é determinado por suas
relações com todas as outras esferas de atividade.” (p. 160)
“Os sistemas políticos e os compromissos e lealdades que as pessoas têm com seus
países ou os lugares em que habitam são, obviamente, não apenas um subpro- duto
dos processos de acumulação do capital.” (p. 162)
“As guerras entre os Estados na geografia histórica do capitalismo têm sido episódios
retumbantes de destruição criativa. Não só infraestruturas físicas são destruídas, mas
também são dizimadas as forças de trabalho, devastados os am- bientes,
reinventadas as instituições, interrompidas as relações sociais e criados to- dos os
tipos de novas tecnologias e formas organizacionais” (p. 164)
“Segue-se que o poder político e militar que se agrega no interior do Estado também
pode ser usado para facilitar, espionar ou mesmo suprimir o uso do poder do dinheiro
que se acumula nas mãos da iniciativa privada por meio da acumulação do capital.”
(p. 168)
“É nesse mundo que o lado mais sombrio do pensamento geopolítico pode flo- rescer
com facilidade e efeitos potencialmente letais. Uma vez que os Estados são
considerados, por exemplo, organismos distintos que requerem uma base (e não
formas abertas de organização política no âmbito de uma colaboração internacio- nal)”
(p. 170)
“O capitalismo será capaz de sobreviver ao presente trauma? Sim, é claro. Mas a que
custo? Essa pergunta encobre outra. A classe capitalista poderá reproduzir seu poder
em face do conjunto de problemas econômicos, sociais, políticos e geopolí- ticos, além
das dificuldades ambientais?” (p. 175)
“Uma vez que boa parte desses fenômenos é imprevisível e os espaços da econo- mia
global são tão variáveis, as incertezas quanto aos resultados se intensificam em
períodos de crise.” (p. 176)
“Em boa parte do mundo capitalista, passamos por um período surpreendente em que
a política foi despolitizada e mercantilizada. Apenas agora em que o Estado entra em
cena para socorrer os financistas ficou claro para todos que Estado e capi- tal estão
mais ligados um ao outro do que nunca, tanto institucional quanto pes- soalmente. Vê-
se agora claramente a classe dominante, mais do que a classe política que age como
sua subordinada, dominando.” (p. 178)
“Enquanto isso, o poder do dinheiro exercido por poucos prejudica todas as for- mas
de governança democrática. Os lobbies farmacêutico, de seguro de saúde e de
hospitais, por exemplo, gastaram mais de 133 milhões de dólares no primeiro
tri- mestre de 2009 para se certificar de que as coisas sairiam como eles querem na
re- forma da saúde nos Estados Unidos.” (p. 179)
“Uma vez que o objetivo de Marx era mudar o mundo e não apenas entendê-lo, ideias
tinham que ser formuladas com certa intenção revolucionária. Isso significa,
inevitavelmente, um conflito com modos de pensamento mais úteis e fáceis de se
conviver para a classe dominante.” (p. 192)
“É a maneira como, sobre essa base material, se produz a história humana que é a
verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era
globalizada. Quando tudo permite imaginar que se tornou possível a criação de um
mundo veraz, o que é imposto aos espíritos é um mundo de fabulações, que se
aproveita do alargamento de todos os contextos (M. Santos, A natureza do espaço,
1996) para consagrar um discurso único.” (p. 09)
“De fato, se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado é
verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção enganosa,
devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só.” (p. 09)
“Fala-se, igualmente, com insistência, na morte do Estado, mas o que estamos vendo
é seu fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de outros grandes
interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja vida
se torna mais difícil.” (p. 09 à 10)
“De fato, para a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo
como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A
pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio
tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes.” (p. 10)
“Só que a globalização não é apenas a existência desse novo sistema de técnicas.
Ela é também o resultado das ações que asseguram a emergência de um mercado
dito global, responsável pelo essencial dos processos políticos atualmente eficazes.”
(p. 12)
“É a partir da unicidade das técnicas, da qual o computador é uma peça central, que
surge a possibilidade de existir uma finança universal, principal responsável pela
imposição a todo o globo de uma mais-valia mundial. Sem ela, seria também
impossível a atual unicidade do tempo, o acontecer local sendo percebido como um
elo do acontecer mundial. Por outro lado, sem a mais-valia globalizada e sem essa
unicidade do tempo, a unicidade da técnica não teria eficácia” (p. 13 a 14)
“Um elemento da internacionalização atrai outro, impõe outro, contém e é contido pelo
outro. Esse sistema de forças pode levar a pensar que o mundo se encaminha para
algo como uma homogeneização, uma vocação a um padrão único, o que seria
devido, de um lado, à mundialização da técnica, de outro, à mundialização da mais-
valia.” (p. 15)
“Até a década de 1930, a teoria econômica postulava que, numa situação competitiva
de mercado, a alocação. de recursos seria espon-taneamente otima, isto é, seria
equilibrada. Portanto, a inter-venção na economia era considerada prejudicial.” (p. 14)
“A nova ciência espacial deveria, portanto, basear suas reflexões numa ciência
económica a-espacial’. Foi assim que se chegou ao paradoxo de uma ciência regional
desprovida da natureza e do homem. Seja ela chamada de análise regional, de ciência
regional, de economia espa-cial, de geografia ou de urbanismo, o capitalismo dela se
beneficia.” (p. 20)
“Isto começa pelo homem “local”, senhor e prisioneiro de urna área limitada. Na aurora
dos tempo históricos, o homem dependia direta-mente do espaço circundante para a
reprodução de sua vida. Era ne-cessa rio conhecer seus segredos para sobreviver.
Desta for na, as pri- meiras técnicas — invenção do próprio homens local — foram
elaboradas no contato íntimo com a natureza.” (p. 137)
“No início do período capitalista, os modelos de utilização dos re-cursos ainda eram
múltiplos, sobretudo em escala mundial. À medida que o capitalismo se desenvolveu,
o número de modelos se reduziu, a margem de escolha se tornou cada vez mais
estreita. Depois da Segun-da Guerra Mundial, com a instauração do capitalismo
tecnológico, nem sequer se pôde continuar a falar de uma escolha: impõe-se um só
modelo de tecnologia, de organização, de utilização do capital etc.” (p. 138)
“Se a cidade tem fim poder de atração sobre o excedente engendrado no conjunto do
território, ela não o faz por conta própria, nem para o reter, mas funciona antes
componente de retransmissão do sistema econômico e financeiro mundial.” (p. 149)
“Como vimos, o capital não se distribui uniformemente por todo um país ou uma
região. Para interpretar corretamente este aspectos das igualdades geográficas, a
análises especial deve ter como ponto de par-tida global existente na formação
socioeconômica por excelência - o Estado-nação.” (p. 150)
“Pode-se, sem dúvida, objetar que o Estado, por intermédio dos im-postos, torna-se
capaz de guardar uma parte do excelente produzido, podendo, assim, redistribuí-la.
Ora, o que se constata por quase toda a parte é a redução daquilo que se domina de
“os benefícios”, “o lu-cro”, do Estado em comparação com os lucros do setor privado,
cuja parte mais significativa vai paga as firmas multinacionais.” (p. 153)
“Estes fatos, universalmente reconhecidos por nossa época, são os seguintes: uma
necessidade ampliada de acumulação do capital, acom-panhada de sua concentração
e da necessidade de uma circulação em escala mundial; o domínio da produção e do
consume por empresas Multinacionais, e isto em escala internacional, pela mediação
do monopólio, da pesquisa e de uma publicidade toda-poderosa.” (p. 159)
GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
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“Alguns autores estimam que não menos de meio milhão de nordestinos sucumbiu às
epidemias, ao impaludismo, à tuberculose ou ao beribéri na época do apogeu da
borracha. “Este sinistro ossário foi o preço da indústria da borracha”.” (p. 82)
“Alheia, inclusive, para o próprio Brasil, que não fez outra coisa senão ouvir o canto
de sereia da demanda mundial de matéria-prima, mas sem participar minimamente do
verdadeiro negócio da borracha: o financiamento, a comercialização, a
industrialização, a distribuição. E a sereia ficou muda. Até que, durante a Segunda
Guerra Mundial, a borracha da Amazônia teve um novo empuxo transitório.” (p. 84)
“Jorge Amado escreveu vários romances sobre o tema. Ele assim recria uma etapa
da alta dos preços: “Ilhéus e a zona do cacau nadaram em ouro, banharam-se com
champanhe e dormiram com as francesas que chegavam do Rio de Janeiro. No
Trianon, o cabaré mais chique da cidade, o coronel Maneca Dantas acendia charutos
com notas de 500 mil-réis, repetindo o gesto de todos os fazendeiros ricos do país
nas altas anteriores do café, da borracha, do algodão e do açúcar”[3]. ” (p. 86)
“Nos anos prósperos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, a voracidade dos
cafeicultores determinou a virtual abolição do sistema que permitia aos trabalhadores
das plantações cultivar alimentos por conta própria. Agora, só podem fazê-lo em troca
de valores que pagam trabalhando sem receber. Além disso, o latifundiário conta com
colonos contratados que têm permissão para plantar e em troca têm de iniciar novos
cafezais.” (p. 91)
“No entanto, o consumidor norte-americano não pagava menos pelo seu café, mas 13
por cento a mais. Entre 64 e 68, portanto, os intermediários abocanharam estes 13 e
aqueles 30: ganharam nas duas pontas. No mesmo período, os valores que
receberam os produtores brasileiros por cada bolsa de café estavam reduzidos à
metade[2].” (p. 93)
“O auge dos preços, contudo, não têm melhores consequências. Incrementa grandes
semeaduras, um crescimento na produção, uma multiplicação da área destinada ao
cultivo do produto afortunado. O estímulo funciona como um bumerangue, pois a
abundância do produto derruba os preços e provoca o desastre.” (p. 95)
“Pouco tempo depois eclodiu a violência. Os elogios ao café, na verdade, não tinham
interrompido, como num passe de mágica, a longa história de revoltas e repressões
sanguinárias na Colômbia. Desta vez, e durante dez anos, entre 1948 e 1957, a guerra
camponesa abarcou minifúndios e latifúndios, desertos e semeadas, e vales e matas
e páramos andinos, compeliu ao êxodo comunidades inteiras, gerou guerrilhas
revolucionárias e bandos de criminosos, e transformou o país num cemitério: calcula-
se que deixou um saldo de 180 mil mortos[2].” (p. 96)
“Em plena violência, havia um oficial que dizia: “Não me tragam histórias, tragam-me
orelhas”. A ferocidade da guerra e o sadismo da repressão poderiam ser explicados
mediante razões clínicas? Resultaram da maldade natural dos protagonistas? Um
homem que cortou as mãos de um sacerdote, prendeu fogo no corpo e na casa dele
e logo o despedaçou e o jogou num cano de despejo, gritava, quando a guerra acabou:
“Eu não sou culpado!” (p. 97)
“As terras ficavam tão exaustas quanto os trabalhadores: das terras roubavam o
húmus, dos trabalhadores os pulmões, mas sempre havia novas terras para explorar
e mais trabalhadores para exterminar.” (p. 102)
“Em 1944, Ubico caiu de seu pedestal, varrido pelos ventos de uma revolução de
cunho liberal, encabeçada por alguns jovens oficiais e universitários de classe média.
Juan José Arévalo, eleito presidente, pôs em marcha um vigoroso plano educacional
e ditou um novo código do trabalho para proteger os trabalhadores do campo e das
cidades.” (p. 107)
“A reforma agrária que, desde 1969, o governo do Peru pôs em prática, está a mostrar-
se como uma experiência de mudança em profundidade. E quanto à expropriação de
alguns latifúndios chilenos por parte do governo de Eduardo Frei, é justo reconhecer
que abriu caminho para a reforma agrária mais radical anunciada pelo novo
presidente, Salvador Allende, enquanto escrevo estas páginas.” (p. 122)
MAURICE, Godelier. O enigma do dom. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001
“Por que este livro? Por que empreender uma nova análise do dom, de seu papel na
produção e reprodução do laço social, de seu lugar e de sua importância mutáveis
nas diversas formas de sociedade que coe- xistem nos dias de hoje na superfície
desta nossa terra ou que se suce- deram no decorrer do tempo?” (p. 05)
“Sem dinheiro, sem recursos, não há existência social nem mesmo, afinal, qualquer
existência, material, física. Esta é a raiz dos proble- mas. A existência social dos
indivíduos depende da economia e os in- divíduos perdem muito mais do que um
emprego quando perdem seu trabalho ou não encontram um.” (p. 08)
“O dom tornou-se um ato que liga sujeitos abstratos, um doador que ama a
humanidade e um donatário que encarna por alguns meses, o tempo de uma
campanha de donativos, a miséria do mundo. Estamos longe do que acontecia ainda
ontem em nossas sociedades industriais e urbanizadas.” (p. 12)
“Logo, o dom é um ato voluntário, individual ou coletivo, que pode ou não ter sido
solicitado por aquele, aquelas ou aqueles que o rece- bem. Na cultura ocidental
valoriza-se os dons não-solicitados. Mas esta atitude não é universal. Em muitas
sociedades, e ontem mesmo em certos meios da nossa, quem deseja esposar uma
mulher deve pedir aos representantes de sua família e eventualmente de
seu clã. “ (p. 23)
“Dar parece instituir simultaneamente uma relação dupla entre aque- le que dá e
aquele que recebe. Uma relação de solidariedade, pois quem dá partilha o que tem,
quiçá o que é, com aquele a quem dá, e uma relação de superioridade, pois aquele
que recebe o dom e o aceita fica em dívida para com aquele que deu.” (p. 23)
“Em todas as sociedades — sejam ou não divididas em catego- rias, castas ou classes
— vemos os humanos oferecendo dons a seres que eles consideram seus superiores:
potências divinas, os espíritos da natu-reza ou os espíritos dos mortos. A eles dirigem
preces, oferendas e às vezes até “sacrificam” bens ou mesmo uma vida. E a famosa
“quarta obrigação” constitutiva do dom que Mauss mencionou sem desenvolver
completamente e que, em geral, foi esquecida por seus comentaristas.” (p. 24 a 25)
“Assim, mesmo nas sociedades em que as relações entre os indiví-duos são cada vez
menos pessoais, os dons conservam ainda bem freqüentemente um caráter “pessoal”,
mesmo que este tenha Se torna-do abstrato; caráter que não está ligado apenas
àqueles que são doado res, mas também àqueles a quem os dons são destinados.”
(p. 26)
“Mas o enigma assim criado lhe parece resolvido pelo fato de que há nas coisas dadas
uma força que as leva a circular e a voltar para seu proprietário. A solução encontra-
se na área dos “mecanismos espirituais”, das razões morais e religiosas, das crenças
que emprestam às coisas uma alma, um espírito que as leva a voltar a seu lugar de
nascimento [...]” (p. 27 a 28)
“[...] para voltar aos polinésios, aos conceitos de hau e mana, porque mesmo que
estes conceitos indígenas sejam “falsos conhecimentos”, eles têm como conteúdo as
práticas nas quais estão implicados o dom, a criação de obri-gações duráveis,
sagradas, a demarcação de diferenças, de hierarquias etc.” (p. 41)
“Em seguida, não seria possível afirmar que o pensamento ultrapassa a linguagem e,
ao mesmo tempo, fazer como se ela se confundisse com ele e com suas estruturas
inconscientes. Aliás, quem pode afirmar que a lin-guagem articulada (pois é ela que
está em questão) emergiu de repente, que antes dela “nada” tinha sentido, e que
depois “tudo” começou a ter?” (p. 42)
“Mas, por outro lado, Mauss afirma que os espíritos dos mortos e os deuses “são os
verdadeiros proprietários das coisas e dos bens do mun-do. Com eles era mais
necessário trocar e mais perigoso não trocar”. E acrescenta: “Inversamente, com eles
era mais fácil e mais seguro trocar”.” (p. 50)
“Há, no entanto, um paradoxo ao fazer tal escolha. En-tre os baruyas, com efeito, a
prática do dom e do contradom das mulhe-res entre as linhagens é uma forma
desgastada de prestação total; e mesmo tendo uma enorme importância social, não
pode ser encontrada em outros domínios da vida social.” (p. 60)
“É evidente, pelo menos no que concerne à logica dos dons e contradons não-
agonísticos, que essas duas questões foram, em parte, mal colocadas. De um parte
porque neste tipo de dom nada é realmen-te “devolvido”. “Coisas” e pessoas tomam
o lugar umas das outras e estas transferências produzem, entre os indivíduos e grupos
que são seus protagonistas, relações sociais particulares, fontes de um conjun-to de
direitos e obrigações recíprocas.” (p. 70)
“De uma certa maneira, assim que pessoas ou coisas começam a circular através das
trocas, Mauss as considera como “bens móveis”, ocultando assim ou empurrando
para o segundo plano o caráter inalienável das coisas trocadas.” (p. 73)
“Bem entendido, como vários chefes aspiram ao mesmo tempo ao mesmo título ou à
mesma posição e como nenhum deles quer nem pode confessar-se imediatamente
vencido, cada um tem que se esforçar para dar mais do que os outros se não quiser
“perder seu prestígio”, sua honra, sua fama.” (p. 91)
“De onde vem então este poder, esta capacidade de produzir rique-zas e de atraí-las?
A resposta é simples: do fato de que estas coisas são “divinas”, dons que espíritos ou
deuses fizeram aos humanos, e do fato de que os espíritos ou deuses continuam
presentes nelas, atuando so-bre os humanos que as possuem hoje por tê-las recebido
de seus ances-trais ou do herói fundador do clã, ao qual fora dada por um espírito.”
(p. 94)
“Mesmo se as coisas sagradas, que não podem ser dadas, e os obje-tos preciosos,
que o podem, parecem habitados por um espírito que faz com que se movam, mesmo
se as mercadorias têm um valor de tro-ca, um preço cujas flutuações escapam à
consciência e ao controle da queles que as produzem ou consomem, estamos, nos
dois casos, diante de universos produzidos pelo homem, mas que se afastaram dele
e se povoaram de duplos fantasmáticos dele mesmo, duplos estes que mui-tas vezes
são benevolentes e vêm em sua ajuda, e muitas vezes também o esmagam, mas em
qualquer caso o dominam.” (p. 110)
“Mauss também recolocou o kula e suas rivalidades em um conjun-to muito mais vasto
de trocas, de prestações, no qual não reinava ne-cessariamente o princípio da
rivalidade. Ainda sobre esse ponto, o paralelo com o potlatch (que se articula também
em dons e contradons não-antagonistas) era justificado.” (p. 131)
“Em uma sociedade em que todas as relações são, em última análise, relações
pessoais, em que não há contratos escritos e em que todos os compromissos são
públicos, a propriedade se apresenta necessariamente como um atributo das próprias
pessoas e as relações de propriedade como relações diretas ou indiretas de pessoa
a pessoa.” (P. 141)
“Quando a maior parte das trocas passa por um mercado e o valor dos bens e dos
serviços se exprime em uma moeda universal, as dívidas contratadas se anulam, as
coisas compradas ficam em suas mãos. Tal universo deve, no entanto, apresentar
necessariamente outras formas de representação (e de prática), alienadas e
fetichizadas, das relações sociais sobre as quais se fundamenta. Mas isso é uma outra
história.” (p. 163)