Você está na página 1de 35

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO


CURSO SUPERIOR DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA

Jonatas Costa Cavalcante

Castanhal/PA
2023
Jonatas Costa Cavalcante

Trabalho apresentado como requisito parcial de


avaliação da disciplina de Geografia Econômica
do curso de Licenciatura Plena em Geografia da
Universidade do Estado do Pará.
Orientadora: Prof. DRa. Mariana Neves Cruz
Mello

Castanhal/PA
2023
FICHAMENTO

HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções. 9.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996

Capítulo 2 – A Revolução Industrial e Capítulo 9 – Rumo ao Mundo Industrial

“Foi somente na década de 1830 que a literatura e as artes começaram a ser


abertamente obsedadas pela ascensão da sociedade capitalista, por um mundo no qual
todos os laços sociais se desintegravam exceto os laços entre o ouro e o papel-moeda”

“Só a partir da década de 1840 é que o proletariado, rebento da revolução industrial, e


o comunismo, que se achava agora ligado aos seus movimentos sociais — o espectro
do Manifesto Comunista —, abriram caminho pelo continente.”

“O que significa a frase “a revolução industrial explodiu”? Significa que a certa altura da
década de 1780, e pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os
grilhões do poder produtivo das sociedades humanas...”

“Este fato é hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a “partida para o
crescimento auto-sustentável”.”

“De fato, a revolução industrial não foi um episódio com um princípio e um fim. Não tem
sentido perguntar quando se “completou”, pois sua essência foi a de que a mudança
revolucionária se tornou norma deste então.”

“Sob qualquer aspecto, este foi provavelmente o mais importante acontecimento na


história do mundo, pelo menos desde a invenção da agricultura e das cidades. E foi
iniciado pela Grã-Bretanha.”

“Mas parece claro que até mesmo antes da revolução a Grã-Bretanha já estava, no
comércio e na produção per capita”

“Uma relativa quantidade de proprietários com espírito comercial já quase


monopolizava a terra, que era cultivada por arrendatários empregando camponeses
sem terra ou pequenos agricultores.”

“As atividades agrícolas já estavam predominantemente dirigidas para o mercado; as


manufaturas de há muito tinham-se disseminado por um interior não feudal.”
“Um considerável volume de capital social elevado já estava sendo criado,
principalmente na construção de uma frota mercante e de facilidades portuárias e na
melhoria das estradas e vias navegáveis. A política já estava engatada ao lucro.”

“No geral, todavia, o dinheiro não só falava como governava. Tudo que os industriais
precisavam para serem aceitos entre os governantes da sociedade era bastante
dinheiro.”

“o sucesso britânico provou o que se podia conseguir com ela, a técnica britânica podia
ser imitada, o capital e a habilidade britânica podiam ser importados.”

“Alemanha. Entre 1789 e 1848, a Europa e a América foram inundadas por


especialistas, máquinas a vapor, maquinaria para processamento e transformação do
algodão e investimentos britânicos.”

“a Grã-Bretanha possuía uma indústria admiravelmente ajustada à revolução industrial


pioneira sob condições capitalistas e uma conjuntura econômica que permitia que se
lançasse à indústria algodoeira e à expansão colonial.”

“Mais barato que a lã, o algodão e as misturas de algodão conquistaram um mercado


doméstico pequeno porém útil.”

“a exportação britânica de tecidos de algodão aumentou mais de dez vezes. Assim, a


recompensa para o homem que entrou primeiro no mercado com as maiores
quantidades de algodão era astronómica e valia os riscos da aventura tecnológica.”

“Pois dentro destas áreas a indústria britânica tinha estabelecido um monopólio por
meio de guerras, revoluções locais e de seu próprio domínio imperial.”

“Mas como o interesse industrial estabelecido prevaleceu na Grã-Bretanha, os


interesses mercantis da índia Oriental (para não mencionar os dos próprios indianos)
foram empurrados para trás.”

“A primeira indústria a se revolucionar foi a do algodão, e é difícil perceber que outra


indústria poderia ter empurrado um grande número de empresários particulares rumo
à revolução.”

“Com isto não se pretende subestimar as forças que introduziram a inovação industrial
em outras mercadorias de consumo, notadamente outros produtos têxteis, alimentos e
bebidas, cerâmica e outros produtos de uso doméstico”
“Esse primeiro tropeço geral da economia capitalista industrial reflete-se numa
acentuada desaceleração no crescimento, talvez até mesmo um declínio, da renda
nacional britânica nesse período.”

“Suas mais sérias consequências foram sociais: a transição da nova economia criou a
miséria e o descontentamento, os ingredientes da revolução social.”

“Do ponto de vista dos capitalistas, entretanto, estes problemas sociais só eram
relevantes para o progresso da economia se, por algum terrível acidente, viessem a
derrubar a ordem social.”

“O mesmo não ocorria com a decrescente margem de lucros, que a indústria algodoeira
ilustrava de maneira bastante clara. Inicialmente esta indústria beneficiou-se de
imensas vantagens.”

“Em primeiro lugar, a revolução industrial e a competição provocaram uma queda


dramática e constante no preço dos artigos acabados mas não em vários custos de
produção.”

“Eis por que, até mesmo hoje, o mais abalizado índice isolado para se avaliar o
potencial industrial de qualquer país é a quantidade de sua produção de ferro e aço.”

“De fato, o capital encontrou as ferrovias, que não podiam ter sido construídas tão
rapidamente e em tão grande escala sem essa torrente de capital”

“Traçar o ímpeto da industrialização é somente uma parte da tarefa deste historiador.


A outra é traçar a mobilização e a transferência de recursos econômicos, a adaptação
da economia e da sociedade necessárias para manter o novo curso revolucionário.”

“Era bem mais difícil recrutar ou treinar um número suficiente de trabalhadores


qualificados ou tecnicamente habilitados, pois que poucas habilidades pré-industriais
tinham alguma utilidade na moderna indústria”

“Ao lado desse problema de fornecimento de mão-de-obra, os de fornecimento de


capital eram insignificantes.”

“E tanto a Grã-Bretanha quanto o mundo sabiam que a revolução industrial lançada


nestas ilhas não só pelos comerciantes e empresários como através deles”
“Nada poderia detê-la. Os deuses e os reis do passado eram impotentes diante dos
homens de negócios e das máquinas a vapor do presente.”

“Em 1848, somente uma economia estava efetivamente industrializada — a inglesa —


e Conseqüentemente dominava o mundo.”

“A primeira destas mudanças foi demográfica. A população mundial — e em especial a


população do mundo dentro da órbita da revolução dupla — tinha iniciado uma
"explosão" sem precedentes”

“O extraordinário aumento da população naturalmente estimulou muito a economia,


embora devêssemos considerá-la antes como uma consequência do que uma causa
exterior da revolução econômica”

“A segunda maior mudança foi nas comunicações”

“Também não devemos subestimar a melhoria da velocidade e da capacidade de carga


assim alcançadas.”

“A terceira grande mudança foi, naturalmente, no volume do comércio e da emigração.”

“Mas, tomando-se o mundo da revolução dupla como um todo, o movimento de homens


e mercadorias já tinha o ímpeto de um deslizamento de terra.”

“O que foi mais relevante, depois de 1830 — o ponto-chave que o historiador de nosso
período não pode perder, qualquer que seja seu campo de interesse particular —, é
que o ritmo de mudança social e econômica acelerou-se visível e rapidamente.”

“Só um grande obstáculo atrapalhava a conversão dos Estados Unidos na potência


econômica mundial em que logo se tornaria: o conflito entre o norte agrícola e industrial
e o sul semicolonial.”

“De todas as consequências econômicas da época da revolução dupla, esta divisão


entre os países "adiantados" e os "subdesenvolvidos" provou ser a mais profunda e a
mais duradoura.”

“Até que os russos tivessem desenvolvido, na década de 1930, meios de transpor este
fosso entre "atrasado" e "adiantado", ele permaneceria imóvel, intransponível, e mesmo
crescendo, entre a minoria e a maioria dos habitantes do mundo.”
Polanyi, Karl. A grande Transformação.

Segunda Parte – Ascensão e queda da economia de mercado: I. O moinho satânico (página 49 –


98)

“No coração da Revolução Industrial do século XVIII ocorreu um progresso miraculoso


nos instrumentos de produção, o qual se fez acompanhar de uma catastrófica
desarticulação nas vidas das pessoas comuns.” (p. 51)

“As verdades elementares da ciência política e da arte de governar foram primeiro


desacreditadas, e depois esquecidas.” (p.51)

“O liberalismo econômico interpretou mal a história da Revolução Industrial por que


insistiu em julgar os acontecimentos sociais a partir de um ponto de vista
econômico.(...). Ao evocar a desgraça do povo provocada pelos cercamentos e
conversões, nosso propósito será, de um lado, demonstrar o paralelo existente entre
as devastações causadas pelos cercamentos, finalmente benéficos, e as que
resultaram na Revolução Industrial e, de outro lado - de uma forma mais ampla-,
esclarecer as alternativas enfrentadas por uma comunidade no paroxismo de um
progresso econômico não-regulado.” (p.52)

“A terra cercada valia duas ou três vezes a não-cercada. Nos lugares onde se
continuou a cultivar a terra, não diminuiu o emprego e o suprimento de alimentos
aumentou de forma marcante.” (p.52)

“Os cercamentos foram chamados, de uma forma adequada, de revolução dos ricos
contra os pobres. Os senhores e os nobres estavam perturbando a ordem social,
destruindo as leis e os costumes tradicionais, às vezes pela violência” (p.53)

“O tecido social estava sendo destruído; aldeias abandonadas e ruínas de moradias


humanas testemunhavam a ferocidade da revolução” (p.53)

“os cercamentos eram muito mais propriedade de ricos agricultores e mercadores do


que dos senhores e nobres.” (p.53)

“Mais recentemente, um economista como Heckscher enfatiza a sua convicção de que


o mercantilismo, no seu cerne, deveria ser explicado através de uma compreensão
insuficiente” (p.54)

“Um prevalecimento tão fácil de interesses privados sobre a justiça é visto, muitas
vezes, como um sinal certo da ineficácia da legislação” (p.55)
“A crença no progresso espontâneo pode cegar-nos quanto ao papel do governo na
vida econômica. Este papel consiste, muitas vezes, em alterar o ritmo da mudança,
apressando-o ou diminuindo-o, conforme o caso.” (p.55)

“Entretanto, não fosse a política conseqüente mantida pelos estadistas Tudors e os


primeiros Stuarts, o ritmo desse progresso poderia ter sido ruinoso, transformando o
próprio desenvolvimento em um acontecimento degenerativo” (p. 55)

“As leis de mercado só são relevantes no cenário institucional de uma economia de


mercado; não foram os estadistas da Inglaterra dos Tudors que se afastaram dos fatos
e sim os economistas modernos, cujas observações a respeito deles deixaram
implícita a existência anterior de um sistema de mercado.” (p.56)

“trabalho necessário e a matéria-prima. Esses dois elementos combinados, sob as


instruções do mercador, mais o tempo de espera em que ele poderá incorrer, resultam
em um novo produto.” (p.59)

“A transformação da economia anterior para esse sistema é tão completa que parece
mais a metamorfose de uma lagarta do que qualquer alteração que possa ser
expressa em termos de crescimento contínuo e desenvolvimento.” (p.60)

“Na verdade, a produção das máquinas numa sociedade comercial envolve uma
transformação que é a da substância natural e humana da sociedade em
mercadorias.” (p.61)

“Uma economia, de mercado significa um sistema auto-regulável de mercados, em


termos ligeiramente mais técnicos, é uma economia dirigida pelos preços do mercado
e nada além dos preços do mercado.” (p.62)

“Acontece, porém, que, anteriormente à nossa época, nenhuma economia existiu,


mesmo em princípio, que fosse controlada por mercados.” (p.62)

“como ele colocou, da "propensão do homem de barganhar, permutar e trocar uma


coisa pela outra". Esta frase resultou, mais tarde, no conceito do Homem Econômico.”
(p.63)

“Max Weber foi primeiro entre os historiadores da economia moderna a protestar


contra o fato de se deixar de lado as economias primitivas como irrelevantes para a
questão das motivações e mecanismos das sociedades civilizadas.” (p.65)
“não age desta forma para salvaguardar seu interesse individual na posse de bens
materiais, ele age assim para salvaguardar sua situação social, suas exigências
sociais, seu patrimônio social.” (p.65)

“A execução de todos os atos de troca como presentes gratuitos cuja reciprocidade é


aguardada, embora não necessariamente, pelos mesmos indivíduos” (p.66)

“Do ponto de vista econômico, é parte essencial do sistema vigente de divisão do


trabalho, do comércio exterior, da taxação para finalidades públicas, das provisões de
defesa.” (p.68)

“As Ilhas Trobriand pertencem a um arquipélago que forma aproximadamente um


círculo, e parte importante da população desse arquipélago despende um proporção
considerável do seu tempo em atividades do comércio Kula.” (p.69)

“não existe nenhuma disputa ou controvérsia, e nem barganha, permuta ou troca.


Todo o processo é regulado inteiramente pela etiqueta e pela magia.” (p.69 a 70)

“Na prática, isto significa que o produto da sua atividade é partilhado com as outras
pessoas que estão vivendo com eles. A idéia da reciprocidade prevalece até este
ponto;” (p.70)

“Obviamente, as conseqüências sociais de um tal método de distribuição podem ser


de longo alcance, uma vez que nem todas as sociedades são tão democráticas como
as dos caçadores primitivos.” (p.71)

“Todas as economias desta espécie, em grande escala, foram dirigidas com a ajuda
do princípio da redistribuição.” (p.71)

“No que diz respeito aos registros etnográficos, não devemos presumir que a
produção para a própria pessoa, ou para um grupo, seja mais antiga que a
reciprocidade ou a redistribuição.” (p.73)

“A necessidade de comércio ou de mercados não é maior do que no caso da


reciprocidade ou da redistribuição.” (p.73)

“Dentro dessa estrutura, a produção ordenada e a distribuição dos bens era


assegurada através de uma grande variedade de motivações individuais, disciplinadas
por princípios gerais de comportamento” (p.75)
“A permuta, a barganha e a troca constituem um princípio de comportamento
econômico que depende do padrão de mercado para sua efetivação” (p.76)

“Na verdade, foi crucial o passo que transformou mercados isolados numa econômica
de mercado, mercados reguláveis num mercado auto-regulável.” (p.77)

“À luz do nosso conhecimento atual, podíamos quase reverter a seqüência do


argumento: o verdadeiro ponto de partida é o comércio de longa distância, um
resultado da localização geográfica das mercadorias” (p.79)

“Chegamos à conclusão, assim, de que embora as comunidades humanas nunca


tenham deixado de lado, inteiramente, o comércio exterior, esse comércio nem
sempre envolvia mercados, necessariamente.” (p.80)

“No que se refere ao suprimento de alimentos, a regulamentação envolvia a aplicação


de métodos tais como a publicidade obrigatória das transações e a exclusão de
intermediários, a fim de controlar o comércio e impedir a elevação dos preços.” (p.85)

“Na prática, isto significa que as cidades levantaram todos os obstáculos possíveis à
formação daquele mercado nacional ou interno pelo qual pressionava o atacadista
capitalista.” (p.86)

“A agricultura era suplementada, agora, pelo comércio interno - um sistema de


mercados relativamente isolados, inteiramente compatível com o princípio da
domesticidade ainda dominante no campo.” (p.88)

“O rápido esboço dos sistemas econômicos e dos mercados, tomados em separado,


mostra que até a nossa época os mercados nada mais eram do que acessórios da
vida econômica.” (p.89)

“A auto-regulação significa que toda a produção é para venda no mercado, e que todos
os rendimentos derivam de tais vendas.” (p.90)

“A formação dos mercados não será inibida por nada, e os rendimentos não poderão
ser formados de outra maneira a não ser através das vendas.” (p.90)

“O mercantilismo, por mais que tivesse insistido enfaticamente na comercialização


como política nacional, pensava a respeito dos mercados de maneira exatamente
contrária à economia de mercado” (p.92)
“Estamos agora em posição de desenvolver, numa forma mais concreta, a natureza
institucional de uma economia de mercado, e os perigos que ela acarreta para a
sociedade.” (p.93)

“Em primeiro lugar, procuraremos descrever os métodos através dos quais o


mecanismo de mercado fica capacitado a controlar e dirigir os elementos reais da vida
industrial;” (p.93)

“A extrema artificialidade da economia de mercado está enraizada no fato de o próprio


processo de produção ser aqui gozado 'sob a forma de de compra e venda."” (p.95)

“A propósito, aquele que comprava e vendia provia também a produção - não era
preciso uma outra motivação” (p.96)

“Agora eles tinham que ser organizados para a venda no mercado - em outras
palavras, como mercadorias.” (p.97)

“A história social do século XIX foi, assim, o resultado de um duplo movimento; a


ampliação da organização do mercado em relação às mercadorias genuínas foi
acompanhada pela sua restrição em relação às mercadorias fictícias.” (p.98)

“A sociedade se protegeu contra os perigos inerentes a um sistema de mercado auto-


regulável, e este foi o único aspecto abrangente na história desses período.” (p.98)
HARVEY, David. Producao Capitalista Do Espaco, a. Annablume, 2005.

Capítulo VII: A geografia do poder de classe e Capítulo VIII: A arte da renda (página 191 – 239)

“É imperativo reacender as paixões políticas que cobrem o Manifesto comunista. É


um documento notável, pleno de insights, rico em significados e repleto de
possibilidades políticas.” (p.193)

“A crescente acumulação de riqueza, por um lado, e a produção de uma “ralé


penuriosa”, mergulhada nas profundezas da miséria e do desespero, por outro lado,
criam o cenário para a instabilidade social e a guerra entre classes” (p.194)

“Em primeiro lugar, Marx procura mostrar como a burguesia, por meio das políticas
defendidas nas colônias, contradiz seus próprios mitos no que diz respeito à origem e
natureza do capital” (p.195)

“Se os trabalhadores podem voltar a uma vida genuinamente não- alienada por meio
da migração para alguma região de fronteira, então o controle capitalista sobre a
oferta de mão-de-obra é solapado” (p.196)

“então o que isso representa para a teoria de Marx e sua prática política associada de
buscar transformações revolucionárias no núcleo da sociedade civil no aqui e agora?”
(p.197)

“Por um lado, as questões de urbanização, transformação geogràfica e globalização”


ocuparam um lugar proeminente na argumentação” (p. 197)

“Através desses meios geográficos, a burguesia ignorou e suprímiu os poderes


feudais associados ao local.” (p.198)

“Em primeiro lugar, é importante reconhecer (como o Manifesto faz táo claramente)
os modos pelos quais os reordenamentos geográficos, as estratégias espaciais de
reestruturação, os desenvolvimentos geográficos desiguais etc.” (p.200)

“A geografia da acumulação do capital merece um tratamento baseado muito mais em


princípios do que o esboço difusionista proporcionado pelo Manifesto.” (p.201)
“É purgante refletir a respeito das diversas revoluções socialistas ao redor do mundo
que acabaram cercadas e esmagadas pelas estratégias geopolíticas de um poder
burguês ascendente.“ (p.202)

“Em terceiro lugar, talvez uma das maiores carências do Manifesto seja sua
desatenção em relação à organização territorial do mundo, em geral, e do capitalismo,
em particular.” (p.203)

“Em O capital, Marx considera a moeda universal de outro modo, ou seja, como uma
representação de valor que, resultante da relação dialética entre a particularidade das
atividades materiais” (p.204)

“Em quinto lugar, o argumento de que a revolução burguesa subjugou o campo em


favor da cidade, como, de modo semelhante, subjugou os territórios num estágio
inferior de desenvolvimento em favor daqueles num estágio mais avançado” (p.205)

“além do crescimento do comércio mundial, alimentado ,em parte, pela redução dos
custos de movimentação, mas também pela onda de liberalização comercial e pelo
aumento considerável dos fluxos internacionais de investimento direto.” (p.209)

“As condições materiais que inflamam o ultraje moral que envolve o Manifesto não
desapareceram.” (p.213)

“O movimento socialista tem de considerar essas grandes transformações


geográficas, desenvolvendo táticas para lidar com as mesmas. Isso não diminui a
importância do brado final do Manifesto em favor da união” (p.215)

“A maneira de construir um movimento político, em diversas escalas espaciais, como


resposta às estratégias geográficas e geopolíticas do capital, é um problema que, em
esboço ao menos, o Manifesto articula de modo evidente.” (p.219)

“É inegável que a cultura se transformou em algum gênero de mercadoria. No entanto,


também há a crença muito difundida de que algo muito especial envolve os produtos e os
eventos culturais” (p. 221)

“A contradição, nesse caso, é que, quanto mais facilmente negociáveis se tornem tais
itens, menos únicos e especiais eles se afiguram.” (p. 223)
“Admite-se, ampla mas equivocadamente, que o poder monopolista do tipo supremo e
culminante seja mais evidentemente sinalizado pela centralização e concentração do
capital em megaempresas.” (p.225)

“embora a remoção das barreiras institucionais ao comércio (protecionismo) também


tenha reduzido as rendas monopolistas a ser obtidas por esse meio.” (p. 226)

“Os conflitos recentes no negócio do vinho fornecem um modelo útil para o


entendimento de diversos fenômenos na fase contemporânea da globalização.” (p. 229)

“Há muita evidência de desenvolvimento geográfico desigual (numa variedade de


escalas) e, ao menos, alguma teorização convincente para entender sua lógica
capitalista.” (p. 231)

“O propósito é gerar sinergia suficiente no processo de urbanização, para que se criem


e se obtenham rendas monopolistas tanto pelos interesses privados como pelos
poderes estatais.” (p.232)

“Pois o que está em jogo é o poder do capital simbólico coletivo, isto é, o poder dos
marcos especiais de distinção vinculados a algum lugar, dotados de um poder de
atração importante em relação aos fluxos de capital de modo mais geral” (p. 233)

“a perda de outros poderes monopolistas por causa do transporte e comunicação


fáceis, e a redução de outras barreiras para o comércio, a luta pelo capital simbólico
coletivo se tomou ainda mais importante como base para as rendas monopolistas.” (p.
233)

“a indústria do conhecimento e do patrimônio, a produção cultural, a arquitetura de grife


e o cultivo de juízos estéticos distintivos se tornaram poderosos elementos constitutivos
da política do empreendedorismo urbano” (p.235)

“Há muito a conquistar, por exemplo, por meio do apelo à moda (de modo
interessante, ser um centro da moda é uma maneira das cidades acumularem
considerável capital simbólico coletivo).” (p.237)

“É um dos espaços chave de esperança para a construção de um tipo alternativo de


globalização, em que as forças progressistas da cultura se apropriam dos espaços
chave do capital em vez do contrário.” (p.239)
HARVEY, David. O Enigma do Capital: e as crises do capitalismo. Tradução de João
Alexandre Peschanski. São Paulo, SP: Boitempo, 2011.
Capítulo 7: A Destruição Criativa da Terra e Capítulo 8: Que Fazer? E Quem Vai Fazê-lo?
(página 151 – 209)

“O chamado “ambiente natural” é objeto de transformação pela atividade humana. Os


campos são preparados para a agricultura; os pântanos, drenados; as cidades,
es- tradas e pontes, construídas; as plantas e os animais são domesticados e criados;
os habitats, transformados; as florestas, cortadas; as terras, irrigadas; os rios,
represados; as paisagens, devastadas (servindo de alimento para ovinos e caprinos);
os climas, alterados.” (p. 151)

“A longa história de destruição criativa sobre a terra produziu o que é às vezes


chamado de “segunda natureza” – a natureza remodelada pela ação humana. Há
muito pouco, ou nada, da “primeira natureza”, que existia antes de os seres humanos
povoarem a terra” (p. 151)

“É melhor pensar não em dominação, portanto, mas no desenvol- vimento de práticas


humanas em relação ao mundo físico e à teia da vida ecológica, que mudam a face
da terra de maneira muitas vezes dramática e irreversível.” (p. 152)

“A geografia da acumulação do capital e da destruição criativa da terra não pode ser


introduzida com qualquer tipo de olhar, nem é possível sem uma análise cuida- dosa
da dinâmica do aperfeiçoamento do controle sobre a coevolução em diferen- tes
lugares.” (p. 153)

“Os capitalistas e seus agentes se envolveram na produção de uma segunda


natu- reza, a produção ativa de sua geografia, da mesma maneira como produzem
todo o resto: como um empreendimento especulativo, muitas vezes com a conivência
e a cumplicidade, se não ativa colaboração, do aparelho do Estado.” (p. 154)

“A reorganização drástica da paisagem geográfica da produção, da distribuição e do


consumo com as mudanças nas relações de espaço não é apenas uma ilustração
dramática da ten- dência do capitalismo para a aniquilação do espaço no decorrer do
tempo, mas também implica ataques ferozes de destruição criativa” (p. 155)

“Os interesses da classe capitalista e dos desenvolvedores são conscientes dessa


dimensão e procuram mobilizá-la por meio do apoio à comuni- dade ou à cidade e da
promoção deliberada de um sentido de identidade local ou regional, fundamentando-
se às vezes com sucesso sobre as sensibilidades populares derivadas das fortes
relações com a terra e o lugar.” (p. 158)

“Para fins de ação coletiva, as pessoas e organizações se unem para formar


asso- ciações territoriais que visam gerir os espaços e lugares sob sua égide e, assim,
dar a seu lugar no mundo um caráter distintivo. Fazem-no de acordo com as suas
pró- prias histórias culturais distintas e crenças, bem como de acordo com suas
próprias necessidades materiais, vontades e desejos.” (p. 158)

“A formação do Estado tem sido parte integrante do desenvolvimento capitalis- ta. Mas
os detalhes desse processo não são fáceis de analisar. Para começar, o proje- to de
territorializar arranjos institucionais e administrativos não é determinado por suas
relações com todas as outras esferas de atividade.” (p. 160)

“Os sistemas políticos e os compromissos e lealdades que as pessoas têm com seus
países ou os lugares em que habitam são, obviamente, não apenas um subpro- duto
dos processos de acumulação do capital.” (p. 162)

“As guerras entre os Estados na geografia histórica do capitalismo têm sido episódios
retumbantes de destruição criativa. Não só infraestruturas físicas são destruídas, mas
também são dizimadas as forças de trabalho, devastados os am- bientes,
reinventadas as instituições, interrompidas as relações sociais e criados to- dos os
tipos de novas tecnologias e formas organizacionais” (p. 164)

“Os imperialismos, as conquistas coloniais, as guerras intercapitalistas e as


discri- minações raciais têm desempenhado um papel dramático na geografia histórica
do capitalismo. Nenhuma narrativa das origens do capitalismo pode evitar o
confron- to com o significado de tais fenômenos.” (p. 166)

“Segue-se que o poder político e militar que se agrega no interior do Estado também
pode ser usado para facilitar, espionar ou mesmo suprimir o uso do poder do dinheiro
que se acumula nas mãos da iniciativa privada por meio da acumulação do capital.”
(p. 168)

“É nesse mundo que o lado mais sombrio do pensamento geopolítico pode flo- rescer
com facilidade e efeitos potencialmente letais. Uma vez que os Estados são
considerados, por exemplo, organismos distintos que requerem uma base (e não
formas abertas de organização política no âmbito de uma colaboração internacio- nal)”
(p. 170)

“O desenvolvimento geográfico desigual não é uma simples barra lateral de como o


capitalismo funciona, mas é fundamental para sua reprodução. O enten- dimento de
sua dinâmica não é fácil.” (p. 172)

“o colapso da colaboração internacional, o descenso a rivalidades geopolíticas e a


vas- ta tragédia de um dos maiores do todos os episódios de destruição criativa na
his- tória da humanidade, a Segunda Guerra Mundial” (p. 174)

“O capitalismo será capaz de sobreviver ao presente trauma? Sim, é claro. Mas a que
custo? Essa pergunta encobre outra. A classe capitalista poderá reproduzir seu poder
em face do conjunto de problemas econômicos, sociais, políticos e geopolí- ticos, além
das dificuldades ambientais?” (p. 175)

“Uma vez que boa parte desses fenômenos é imprevisível e os espaços da econo- mia
global são tão variáveis, as incertezas quanto aos resultados se intensificam em
períodos de crise.” (p. 176)

“Em boa parte do mundo capitalista, passamos por um período surpreendente em que
a política foi despolitizada e mercantilizada. Apenas agora em que o Estado entra em
cena para socorrer os financistas ficou claro para todos que Estado e capi- tal estão
mais ligados um ao outro do que nunca, tanto institucional quanto pes- soalmente. Vê-
se agora claramente a classe dominante, mais do que a classe política que age como
sua subordinada, dominando.” (p. 178)

“Enquanto isso, o poder do dinheiro exercido por poucos prejudica todas as for- mas
de governança democrática. Os lobbies farmacêutico, de seguro de saúde e de
hospitais, por exemplo, gastaram mais de 133 milhões de dólares no primeiro
tri- mestre de 2009 para se certificar de que as coisas sairiam como eles querem na
re- forma da saúde nos Estados Unidos.” (p. 179)

“A crescente monopolização transfronteiriça (pública e empresarial) fará com que o


sistema econômico seja menos vulnerável à “concorrência arruinadora”.” (p. 180)

“A diferença entre o socialismo e o comunismo é digna de nota. O socialismo visa gerir


e regular democraticamente o capitalismo de modo a acalmar seus exces- sos e
redistribuir seus benefícios para o bem comum. Trata-se de distribuir a riqueza por
meio de arranjos de tributação progressiva, enquanto as necessidades básicas –
como educação, saúde e até mesmo habitação – são fornecidas pelo Estado, fora do
alcance das forças de mercado.” (p. 182)

““postos de co- mando” da economia (energia, transportes, aço, até mesmo


automóveis). A geogra- fia do fluxo de capital é controlada por intervenções do Estado,
mesmo que o comércio internacional se desdobre em silêncio por acordos
comerciais.” (p. 182)

“Com efeito, a revolução neoliberal conseguiu privatizar a produção do ex- cedente.


Liberou os produtores capitalistas de limitações – incluindo restrições geográficas – e,
nesse processo, destruiu o caráter progressista de redistribuição das funções do
Estado.” (p. 182)

“Uma vez que o objetivo de Marx era mudar o mundo e não apenas entendê-lo, ideias
tinham que ser formuladas com certa intenção revolucionária. Isso significa,
inevitavelmente, um conflito com modos de pensamento mais úteis e fáceis de se
conviver para a classe dominante.” (p. 192)

“A terceira grande tendência advém da transformação que vem ocorrendo na


organização do trabalho tradicional e nos partidos políticos de esquerda, variando
desde tradições social-democratas até trotskistas mais radicais e formas comunis- tas
de organização de partidos políticos.” (p. 205)

“O comunismo é, infelizmente, um termo tão carregado que é difícil reintroduzi-lo,


como agora alguns querem fazer, no discurso político. (p.209)

“Na medida em que a indignação e o ultraje moral se constroem em torno da economia


da despossessão que de modo tão claro beneficia uma classe capitalista
aparentemente toda-poderosa, movimen- tos políticos necessariamente tão diferentes
começam a se fundir, transcendendo as barreiras do espaço e do tempo.” (p. 209)
consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2009.
consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2009
SANTOS, M. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal.
Rio de Janeiro - São Paulo: Record, 2000.
Capítulo I: Introdução Geral e Capítulo II: A Produção da Globalização (página 09- 18)

“É a maneira como, sobre essa base material, se produz a história humana que é a
verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era
globalizada. Quando tudo permite imaginar que se tornou possível a criação de um
mundo veraz, o que é imposto aos espíritos é um mundo de fabulações, que se
aproveita do alargamento de todos os contextos (M. Santos, A natureza do espaço,
1996) para consagrar um discurso único.” (p. 09)

“De fato, se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado é
verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção enganosa,
devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só.” (p. 09)

“É como se o mundo se houvesse tornado, para todos, ao alcance da mão. Um


mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o
planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca
de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos
unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal.
Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado.” (p. 09)

“Todavia, podemos pensar na construção de um outro mundo, mediante uma


globalização mais humana. As bases materiais do período atual são, entre outras, a
unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento do planeta. É
nessas bases técnicas que o grande capital se apóia para construir a globalização
perversa de que falamos acima.” (p. 10)

“Fala-se, igualmente, com insistência, na morte do Estado, mas o que estamos vendo
é seu fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de outros grandes
interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja vida
se torna mais difícil.” (p. 09 à 10)

“De fato, para a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo
como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A
pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio
tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes.” (p. 10)

“Considerando o que atualmente se verifica no plano empírico, podemos, em primeiro


lugar, reconhecer um certo número de fatos novos indicativos da emergência de uma
nova história. O primeiro desses fenômenos é a enorme mistura de povos, raças,
culturas, gostos, em todos os continentes.” (p. 10)

“No plano teórico, o que verificamos é a possibilidade de produção de um novo


discurso, de uma nova metanarrativa, um novo grande relato. Esse novo discurso
ganha relevância pelo fato de que, pela primeira vez na história do homem, se pode
constatar a existência de uma universalidade empírica. A universalidade deixa de ser
apenas uma elaboração abstrata na mente dos filósofos para resultar da experiência
ordinária de cada homem.” (p. 11)

“A globalização é, de certa foma, o ápice do processo de internacionalização do


mundo capitalista. Para entendê-la, como, de resto, a qualquer fase da história, há
dois elementos fundamentais a levar em conta: o estado das técnicas e o estado da
política.” (p. 12)

“Só que a globalização não é apenas a existência desse novo sistema de técnicas.
Ela é também o resultado das ações que asseguram a emergência de um mercado
dito global, responsável pelo essencial dos processos políticos atualmente eficazes.”
(p. 12)

“É a partir da unicidade das técnicas, da qual o computador é uma peça central, que
surge a possibilidade de existir uma finança universal, principal responsável pela
imposição a todo o globo de uma mais-valia mundial. Sem ela, seria também
impossível a atual unicidade do tempo, o acontecer local sendo percebido como um
elo do acontecer mundial. Por outro lado, sem a mais-valia globalizada e sem essa
unicidade do tempo, a unicidade da técnica não teria eficácia” (p. 13 a 14)

“Um elemento da internacionalização atrai outro, impõe outro, contém e é contido pelo
outro. Esse sistema de forças pode levar a pensar que o mundo se encaminha para
algo como uma homogeneização, uma vocação a um padrão único, o que seria
devido, de um lado, à mundialização da técnica, de outro, à mundialização da mais-
valia.” (p. 15)

“Com a globalização e por meio da empiricização da universalidade que ela


possibilitou, estamos mais perto de construir uma filosofia das técnicas e das ações
correlatas, que seja também uma forma de conhecimento concreto do mundo tomado
como um todo e das particularidades dos lugares, que incluem condições físicas,
naturais ou artificiais e condições políticas. As empresas, na busca da mais-valia
desejada, valorizam diferentemente as localizações” (p. 16)

“A história do capitalismo pode ser dividida em períodos, pedaços de tempo marcados


por certa coerência entre as suas variáveis significativas, que evoluem
diferentemente, mas dentro de um sistema. Um período sucede ao outro, mas não
podemos esquecer que os períodos são, também, antecedidos e sucedidos por crises,
isto é, momentos em que a ordem estabelecida entre as variáveis, mediante uma
organização, é comprometida.” (p. 16)

“Defrontamo-nos, agora, como uma subdivisão extrema do tempo empírico, cuja


documentação tornou-se possível por meio das técnicas contemporâneas.” (p. 17)

“O uso extremado das técnicas e a proeminência do pensamento técnico conduzem


à necessidade obsessiva de normas. Essa pletora normativa é indispensável à
eficácia da ação.” (p. 18)

“Mas não é propriamente de política que se trata, mas de simples acúmulo de


normatizações particularistas, conduzidas por atores privados que ignoram o interesse
social ou que o tratam de modo residual. É uma outra razão pela qual a situação
normal é de crise, ainda que os famosos equilíbrios macroeconômicos se instalem.”
(p. 18)
SANTOS, Milton. Economia espacial: críticas e alternativas. Edusp, 1987
Capítulo 1: Planejando o Subdesenvolvimento e a Pobreza e Capítulo 5: Espaço e Dominação:
Uma Abordagem Marxista
“A lista das causas do subdesenvolvimento e da pobreza no Ter-ceiro Mundo não
pode estar completa antes que se de a devida ênfase à importância do papel
desempenhado pelo planeja-mento” (p. 13)

“Até a década de 1930, a teoria econômica postulava que, numa situação competitiva
de mercado, a alocação. de recursos seria espon-taneamente otima, isto é, seria
equilibrada. Portanto, a inter-venção na economia era considerada prejudicial.” (p. 14)

“Este tipo de planejamento não é ciência. “A ciência se perde quan-do a ideologia


começa” lGodelier, 1960). Além do mais, esta assim chamada teoria do planejamento
toma por premissa uma definição de necessidades estranha à sociedade em questão,
tornando impossível, por este próprio fato, qualquer modelo de desenvolvimento
nacional.” (p. 15)

“Foi assim que se aplainou o caminho para o endividamento perma-nente e


cumulativo, e para a distorção de toda a economia, uma vez que, para pagar as
importações ou o serviço da dívida, riquezas mine-rais tiveram de ser alienadas e a
agricultura teve de ser canalizada para 0 a produção de exportação.” (p. 15)

“A nova ciência espacial deveria, portanto, basear suas reflexões numa ciência
económica a-espacial’. Foi assim que se chegou ao paradoxo de uma ciência regional
desprovida da natureza e do homem. Seja ela chamada de análise regional, de ciência
regional, de economia espa-cial, de geografia ou de urbanismo, o capitalismo dela se
beneficia.” (p. 20)

“Uma das funções atribuídas ao planejamento regional é a de racio- nalizar a estrutura


interna de dominaçao e dependência, a fim de ajusta-la aos interesses do sistema e
não exclusivamente aos interesses de região dominante (Boisier, 1972, p, 119).” (p.
21)

“Sabendo-se que a estrutura dos investimentos tem um controle de-cisivo sobre o


estrutura da produção, torna-se fácil compreender como este tipo de política pode
levar a um tipo de dependência duradoura: a * política de consumo está ligada à da
produção e não se pode conceber p um sistema socioeconómico redistributivista que
não possua os meios ; de oferecer uma estrutura de produção adequada.” (p. 25)

“A segunda fase é marcada pelo desenvolvimento de monopólios na sua forma


transnacional, sendo tanto uma consequência como uma causa do aumento da
concentração de capital. A revolução tecnológica, isto é, a nova revolução científica,
aparece como essencial.” (p. 29)

“Tendo a transferência de tecnologia sido acusada, corretanienre, de alimentar o


subdesenvolvímento e a pobreza, um substitutivo foi em-coitrado sob a forma do que
é chama do de “tecnologias intermediá-rias”.” (p. 30)

“Hoje todas as condições parecem ajudar os esquemas do grande capital


internacional. Por um lado há apenas dois países, os Estados Unidos e a União
Soviética [o original é de 1978], que, graças aos milagres da navegação espacial e do
progresso técnico, conhecem a extensão de seus próprios recursos, assim como a
dos de outros países.” (p. 32)

“Neste momento crítico, a batalha de idéias é essencial. Um escárnio terrível, agora


que as idéias são manufaturadas e impostas . A perda de sentido para a vida
profissional não está restrita à profissão. Ela atingiu o próprio coração da
universidade". Torna-se claro, disse Norbert Wiener, o inventor da cibernética, quando
rompeu com os militares em 1947, que a degradação da posição do cientista, de traba-
lhador e pensador independente a lacaio moralmente irresponsável de uma fábrica-
manufatureira-de-ciência[...]” (p. 34)

“Isto começa pelo homem “local”, senhor e prisioneiro de urna área limitada. Na aurora
dos tempo históricos, o homem dependia direta-mente do espaço circundante para a
reprodução de sua vida. Era ne-cessa rio conhecer seus segredos para sobreviver.
Desta for na, as pri- meiras técnicas — invenção do próprio homens local — foram
elaboradas no contato íntimo com a natureza.” (p. 137)

“No início do período capitalista, os modelos de utilização dos re-cursos ainda eram
múltiplos, sobretudo em escala mundial. À medida que o capitalismo se desenvolveu,
o número de modelos se reduziu, a margem de escolha se tornou cada vez mais
estreita. Depois da Segun-da Guerra Mundial, com a instauração do capitalismo
tecnológico, nem sequer se pôde continuar a falar de uma escolha: impõe-se um só
modelo de tecnologia, de organização, de utilização do capital etc.” (p. 138)

“Os capitais necessários ao empreendimento agrícola podem ser esquematicamente


classificados sob três rubricas: capitais fixos, em-pregados na criação de infra-
estruturas de uso coletivo (ao menos teo-rica mente}; capitais fixos, destinados a criar
ou de renovar os meios de produção; e capitais variáveis, ri plicados seja na esfera
da produção.” (p. 140)

“O espaço agrícola é, seletivamente, o receptáculo de dois tipos de capital: um capital


novo, valorizado, que escolhe lugares privilegiados onde, ajudado pelo Estado, pode
reproduzir-se melhor e mais rápida-mente; e um capital desvalorizado, velho, que
deve se refugiar nas ati-vidades menos rentaveis, prejudicado ainda pela irá qualidade
ou mês-mo pela inexistência de infra -estruturas.” (p. 142)

“As zonas de produção de forte intensidade de capital distorcem a seu favor a


utílízação dos meios de transporte. Elas podem pagar mais, por unidade de tempo,
distância, volume e peso.” (p. 142)

“De fato, quanto mais as forças produtivas se desenvolvem, mais se encontram


agricultores e mesmo trabalhadores agrícolas com rendas reais superiores àquelas
de um grande número de habitantes urbanos, tanto nos países desenvolvidos corno
nas regiões mais evoluídas dos países em vias de desenvolvimento’".” (p. 147)

“Se a cidade tem fim poder de atração sobre o excedente engendrado no conjunto do
território, ela não o faz por conta própria, nem para o reter, mas funciona antes
componente de retransmissão do sistema econômico e financeiro mundial.” (p. 149)

“Como vimos, o capital não se distribui uniformemente por todo um país ou uma
região. Para interpretar corretamente este aspectos das igualdades geográficas, a
análises especial deve ter como ponto de par-tida global existente na formação
socioeconômica por excelência - o Estado-nação.” (p. 150)

“Pode-se, sem dúvida, objetar que o Estado, por intermédio dos im-postos, torna-se
capaz de guardar uma parte do excelente produzido, podendo, assim, redistribuí-la.
Ora, o que se constata por quase toda a parte é a redução daquilo que se domina de
“os benefícios”, “o lu-cro”, do Estado em comparação com os lucros do setor privado,
cuja parte mais significativa vai paga as firmas multinacionais.” (p. 153)

“Aborda-se,pois, o problema de uma nova política de demanda as-sociada a uma nova


política de produção. A demanda deve adaptar-se a necessidade reais da população,
nos limites do produto socialmente realizado. A produção deve organizar-se em
função da demanda social assim redefinida. É preciso, pois, aí eu a sociedade global,
representada pelo Estado, possa decidir acerca das formas de
utilização do excelente.” (p. 157)

“Estes fatos, universalmente reconhecidos por nossa época, são os seguintes: uma
necessidade ampliada de acumulação do capital, acom-panhada de sua concentração
e da necessidade de uma circulação em escala mundial; o domínio da produção e do
consume por empresas Multinacionais, e isto em escala internacional, pela mediação
do monopólio, da pesquisa e de uma publicidade toda-poderosa.” (p. 159)
GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

Pagina 82 - 122

“Alguns autores estimam que não menos de meio milhão de nordestinos sucumbiu às
epidemias, ao impaludismo, à tuberculose ou ao beribéri na época do apogeu da
borracha. “Este sinistro ossário foi o preço da indústria da borracha”.” (p. 82)

“Conquistado o Acre, o Brasil dispunha da quase totalidade das reservas mundiais da


borracha; a cotação internacional estava altíssima e os bons tempos pareciam
infinitos. Os seringueiros não os desfrutavam, por certo, embora lhes tocasse sair a
cada madrugada de suas choças, com vários recipientes atados às costas por
correias, e se encarapitar nas árvores, as gigantescas hevea brasiliensis, para sangrá-
las.” (p. 82)

“Alheia, inclusive, para o próprio Brasil, que não fez outra coisa senão ouvir o canto
de sereia da demanda mundial de matéria-prima, mas sem participar minimamente do
verdadeiro negócio da borracha: o financiamento, a comercialização, a
industrialização, a distribuição. E a sereia ficou muda. Até que, durante a Segunda
Guerra Mundial, a borracha da Amazônia teve um novo empuxo transitório.” (p. 84)

“Nas últimas décadas do século XIX, desencadeou-se a glutonaria dos europeus e


norte-americanos pelo chocolate. O progresso da indústria deu um grande impulso às
plantações de cacau no Brasil e estimulou a produção das antigas plantações da
Venezuela e do Equador. No Brasil, o cacau fez seu impetuoso ingresso no cenário
econômico ao mesmo tempo em que a borracha e, como a borracha, deu trabalho aos
camponeses do Nordeste.” (p. 85)

“Como a cana-de-açúcar, o cacau trouxe consigo a monocultura e a queimada das


matas, a ditadura da cotação internacional e a penúria sem trégua dos trabalhadores.
Os proprietários das plantações, que vivem nas praias do Rio de Janeiro e são mais
comerciantes do que agricultores, proíbem que uma só polegada de terra seja
destinada a outras culturas.” (p. 85)

“Jorge Amado escreveu vários romances sobre o tema. Ele assim recria uma etapa
da alta dos preços: “Ilhéus e a zona do cacau nadaram em ouro, banharam-se com
champanhe e dormiram com as francesas que chegavam do Rio de Janeiro. No
Trianon, o cabaré mais chique da cidade, o coronel Maneca Dantas acendia charutos
com notas de 500 mil-réis, repetindo o gesto de todos os fazendeiros ricos do país
nas altas anteriores do café, da borracha, do algodão e do açúcar”[3]. ” (p. 86)

“Os excedentes agrícolas norte-americanos, como se sabe, resultam dos robustos


subsídios que o Estado outorga aos produtores; a preços de dumping e como parte
de programas de ajuda exterior, os excedentes se derramam no mundo. Assim, o
algodão foi o principal produto de exportação do Paraguai, até que a concorrência
ruinosa do algodão norte-americano o excluiu dos mercados, e a produção paraguaia,
desde 1952, reduziu-se à metade.” (p. 88)

“Nos anos prósperos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, a voracidade dos
cafeicultores determinou a virtual abolição do sistema que permitia aos trabalhadores
das plantações cultivar alimentos por conta própria. Agora, só podem fazê-lo em troca
de valores que pagam trabalhando sem receber. Além disso, o latifundiário conta com
colonos contratados que têm permissão para plantar e em troca têm de iniciar novos
cafezais.” (p. 91)

“Na Colômbia, o café desfruta da hegemonia. Segundo um informe publicado pela


revista Time em 1962, os trabalhadores recebem, em salários, 5 por cento do preço
total que o café obtém em sua viagem da mata aos lábios do consumidor norte-
americano[1].” (p. 92)

“A baixa de um centavo na cotação do café implica uma perda de 65 milhões de


dólares para o conjunto dos países produtores. Desde 1964, como o preço continuou
caindo até 1968, tornou-se maior a quantidade de dólares usurpados do Brasil, país
produtor, pelo país consumidor, os Estados Unidos.” (p. 93)

“No entanto, o consumidor norte-americano não pagava menos pelo seu café, mas 13
por cento a mais. Entre 64 e 68, portanto, os intermediários abocanharam estes 13 e
aqueles 30: ganharam nas duas pontas. No mesmo período, os valores que
receberam os produtores brasileiros por cada bolsa de café estavam reduzidos à
metade[2].” (p. 93)

“O auge dos preços, contudo, não têm melhores consequências. Incrementa grandes
semeaduras, um crescimento na produção, uma multiplicação da área destinada ao
cultivo do produto afortunado. O estímulo funciona como um bumerangue, pois a
abundância do produto derruba os preços e provoca o desastre.” (p. 95)
“Pouco tempo depois eclodiu a violência. Os elogios ao café, na verdade, não tinham
interrompido, como num passe de mágica, a longa história de revoltas e repressões
sanguinárias na Colômbia. Desta vez, e durante dez anos, entre 1948 e 1957, a guerra
camponesa abarcou minifúndios e latifúndios, desertos e semeadas, e vales e matas
e páramos andinos, compeliu ao êxodo comunidades inteiras, gerou guerrilhas
revolucionárias e bandos de criminosos, e transformou o país num cemitério: calcula-
se que deixou um saldo de 180 mil mortos[2].” (p. 96)

“Em plena violência, havia um oficial que dizia: “Não me tragam histórias, tragam-me
orelhas”. A ferocidade da guerra e o sadismo da repressão poderiam ser explicados
mediante razões clínicas? Resultaram da maldade natural dos protagonistas? Um
homem que cortou as mãos de um sacerdote, prendeu fogo no corpo e na casa dele
e logo o despedaçou e o jogou num cano de despejo, gritava, quando a guerra acabou:
“Eu não sou culpado!” (p. 97)

“Na concepção geopolítica do imperialismo, a América Central não é nada mais do


que um apêndice natural dos Estados Unidos. Nem mesmo Abraham Lincoln, que
também pensou em anexar seus territórios, conseguiu escapar dos preceitos do
“destino manifesto” da grande potência em relação às suas áreas contíguas.” (p. 101)

“As terras ficavam tão exaustas quanto os trabalhadores: das terras roubavam o
húmus, dos trabalhadores os pulmões, mas sempre havia novas terras para explorar
e mais trabalhadores para exterminar.” (p. 102)

“Igualmente em El Salvador explodiram as tensões em consequência da crise. Quase


a metade dos trabalhadores da banana de Honduras eram salvadorenhos e muitos
foram obrigados a retornar a seu país, onde não havia trabalho para ninguém.” (p.
105)

“Em 1944, Ubico caiu de seu pedestal, varrido pelos ventos de uma revolução de
cunho liberal, encabeçada por alguns jovens oficiais e universitários de classe média.
Juan José Arévalo, eleito presidente, pôs em marcha um vigoroso plano educacional
e ditou um novo código do trabalho para proteger os trabalhadores do campo e das
cidades.” (p. 107)

“A repressão indiscriminada era parte da campanha militar de “cerco e aniquilação”


de movimentos guerrilheiros. De acordo com o novo código em vigência, os membros
das forças de segurança não tinham responsabilidade penal por homicídios, e os
comunicados policiais ou militares eram considerados provas plenas em juízo.” (p.
108)

“A violência não cessou depois. Ao longo do tempo de desprezo e cólera inaugurado


em 1954, a violência foi e continua sendo uma transpiração natural da Guatemala.
Continuaram aparecendo, um a cada cinco horas, os cadáveres nos rios ou à beira
das estradas, os rostos irreconhecíveis, desfigurados pela tortura, que jamais serão
identificados; também continuaram, e com maior intensidade, as matanças mais
secretas: os corriqueiros genocídios da miséria.” (p. 108)

“A intervenção estrangeira terminou com tudo. A oligarquia ergueu a cabeça e se


vingou. Em seguida a legislação passou a desconhecer a validade das doações de
terra feitas por Artigas. De 1820 até fins do século foram desalojados, a tiros, os
patriotas pobres que tinham sido beneficiados pela reforma agrária.” (p. 112)

“Nos rancherios à margem das estâncias se acumulam, miseravelmente, as reservas


sempre disponíveis de mão de obra. O gaúcho das estampas folclóricas, tema de
pinturas e poemas, têm pouco a ver com o peão que trabalha em extensas e alheias
terras. As alpargatas desfiadas tomaram o lugar das botas de couro; um cinto comum,
ou às vezes uma simples corda, substituiu o largo cinturão com enfeites de ouro e
prata.” (p. 113)

“Exatamente um século depois da regulamentação da terra de Artigas, Emiliano


Zapata pôs em prática, em sua comarca revolucionária do sul do México, uma
profunda reforma agrária.” (p. 114)

“A reforma agrária se propunha “destruir na raiz e para sempre o injusto monopólio da


terra, para construir um estado social que garanta plenamente o direito natural que
todo homem tem sobre a extensão de terra necessária à sua subsistência e a de sua
família”. Restituíam-se as terras às comunidades e aos indivíduos despojados a partir
da lei de desamortização de 1856, fixavam-se os limites máximos de terra segundo o
clima e a qualidade natural, e se declaravam de propriedade nacional os prédios dos
inimigos da revolução.” (p. 116)

“A produção agropecuária por habitante na América Latina é hoje menor do que na


véspera da Segunda Guerra Mundial. Transcorreram 30 longos anos. No mundo, a
produção de alimentos, nesse período, cresceu na mesma proporção em que diminuiu
em nossas terras. A estrutura do atraso do campo latino-americano opera também
como uma estrutura do desperdício: desperdício da força de trabalho, da terra
disponível, dos capitais, do produto e, sobretudo, desperdício das esquivas
oportunidades históricas de desenvolvimento.” (p. 119)

“A ditadura militar que usurpou o poder no Brasil em 1964 em seguida tratou de


anunciar sua reforma agrária. O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, como
observou Paulo Schilling, é um caso único no mundo: em vez de distribuir terra aos
camponeses, dedica-se a expulsá-los, para restituir aos latifundiários as extensões
espontaneamente invadidas ou expropriadas por governos anteriores.” (p. 120)

“A reforma agrária que, desde 1969, o governo do Peru pôs em prática, está a mostrar-
se como uma experiência de mudança em profundidade. E quanto à expropriação de
alguns latifúndios chilenos por parte do governo de Eduardo Frei, é justo reconhecer
que abriu caminho para a reforma agrária mais radical anunciada pelo novo
presidente, Salvador Allende, enquanto escrevo estas páginas.” (p. 122)
MAURICE, Godelier. O enigma do dom. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001

Página 05 a 17 e Capítulo 01: O Legado de Mauss

“Por que este livro? Por que empreender uma nova análise do dom, de seu papel na
produção e reprodução do laço social, de seu lugar e de sua importância mutáveis
nas diversas formas de sociedade que coe- xistem nos dias de hoje na superfície
desta nossa terra ou que se suce- deram no decorrer do tempo?” (p. 05)

“Enquanto em outros lugares é preciso pertencer a um grupo para viver, a um clã, a


uma comunidade aldeã ou tribal, e que esse grupo o ajude a viver, em nossa
sociedade pertencer a uma família não dá a cada um, para a vida, as condições de
existência, qualquer que seja a solidariedade existente entre seus membros. “ (p.07)

“Sem dinheiro, sem recursos, não há existência social nem mesmo, afinal, qualquer
existência, material, física. Esta é a raiz dos proble- mas. A existência social dos
indivíduos depende da economia e os in- divíduos perdem muito mais do que um
emprego quando perdem seu trabalho ou não encontram um.” (p. 08)

“Pois a sociedade laicizou-se e a caridade, se está de volta, não se apresenta mais


como uma virtude teologal, gesto de um fiel, de um crente. Ela é vivida pela maioria,
crentes e não-crentes, como um ges- to de solidariedade entre seres
humanos.” (p. 10)

“O dom tornou-se um ato que liga sujeitos abstratos, um doador que ama a
humanidade e um donatário que encarna por alguns meses, o tempo de uma
campanha de donativos, a miséria do mundo. Estamos longe do que acontecia ainda
ontem em nossas sociedades industriais e urbanizadas.” (p. 12)

“Então, o dom estava espremido entre duas potências, a do merca- do e a do Estado.


O mercado — mercado do trabalho, mercado de bens ou de serviços — é o lugar das
relações de interesses, da contabi- lidade e do cálculo. Do Estado é o espaço das
relações interpessoais de obediência e de respeito à lei.” (p. 12)

“A segunda idéia, inspirada em Lévi-Strauss, era a de que a socieda- de funda-sp


sobre a troca e só existe através da combinação de todos os tipos de trocas — de
mulheres (parentesco), de bens (economia), de representações e de palavras
(cultura etc.).” (p. 15)

“As coisas prolongavam as pessoas, e as pessoas se identificavam com as coisas que


possuíam e que trocavam. Mauss descrevia mundos em que “tudo vai e vem, como
se houvesse troca per- manente de uma matéria espiritual compreendendo coisas e
homens, entre os clãs e os indivíduos, repartidos entre as categorias, os sexos e as
gerações”. “ (p. 22)

“Logo, o dom é um ato voluntário, individual ou coletivo, que pode ou não ter sido
solicitado por aquele, aquelas ou aqueles que o rece- bem. Na cultura ocidental
valoriza-se os dons não-solicitados. Mas esta atitude não é universal. Em muitas
sociedades, e ontem mesmo em certos meios da nossa, quem deseja esposar uma
mulher deve pedir aos representantes de sua família e eventualmente de
seu clã. “ (p. 23)

“Dar parece instituir simultaneamente uma relação dupla entre aque- le que dá e
aquele que recebe. Uma relação de solidariedade, pois quem dá partilha o que tem,
quiçá o que é, com aquele a quem dá, e uma relação de superioridade, pois aquele
que recebe o dom e o aceita fica em dívida para com aquele que deu.” (p. 23)

“Em todas as sociedades — sejam ou não divididas em catego- rias, castas ou classes
— vemos os humanos oferecendo dons a seres que eles consideram seus superiores:
potências divinas, os espíritos da natu-reza ou os espíritos dos mortos. A eles dirigem
preces, oferendas e às vezes até “sacrificam” bens ou mesmo uma vida. E a famosa
“quarta obrigação” constitutiva do dom que Mauss mencionou sem desenvolver
completamente e que, em geral, foi esquecida por seus comentaristas.” (p. 24 a 25)

“Assim, mesmo nas sociedades em que as relações entre os indiví-duos são cada vez
menos pessoais, os dons conservam ainda bem freqüentemente um caráter “pessoal”,
mesmo que este tenha Se torna-do abstrato; caráter que não está ligado apenas
àqueles que são doado res, mas também àqueles a quem os dons são destinados.”
(p. 26)

“Mas o enigma assim criado lhe parece resolvido pelo fato de que há nas coisas dadas
uma força que as leva a circular e a voltar para seu proprietário. A solução encontra-
se na área dos “mecanismos espirituais”, das razões morais e religiosas, das crenças
que emprestam às coisas uma alma, um espírito que as leva a voltar a seu lugar de
nascimento [...]” (p. 27 a 28)

“[...] para voltar aos polinésios, aos conceitos de hau e mana, porque mesmo que
estes conceitos indígenas sejam “falsos conhecimentos”, eles têm como conteúdo as
práticas nas quais estão implicados o dom, a criação de obri-gações duráveis,
sagradas, a demarcação de diferenças, de hierarquias etc.” (p. 41)

“Em seguida, não seria possível afirmar que o pensamento ultrapassa a linguagem e,
ao mesmo tempo, fazer como se ela se confundisse com ele e com suas estruturas
inconscientes. Aliás, quem pode afirmar que a lin-guagem articulada (pois é ela que
está em questão) emergiu de repente, que antes dela “nada” tinha sentido, e que
depois “tudo” começou a ter?” (p. 42)

“E mesmo se a linguagem articulada emergiu de repente em um de nossos ancestrais


distantes, o homem de Neandertal ou seja quem for, o que nosso ancestral ganhou
de repente foi apenas a possibilidade de pro-duzir fonemas.” (p. 42)

“Mas, por outro lado, Mauss afirma que os espíritos dos mortos e os deuses “são os
verdadeiros proprietários das coisas e dos bens do mun-do. Com eles era mais
necessário trocar e mais perigoso não trocar”. E acrescenta: “Inversamente, com eles
era mais fácil e mais seguro trocar”.” (p. 50)

“Há, no entanto, um paradoxo ao fazer tal escolha. En-tre os baruyas, com efeito, a
prática do dom e do contradom das mulhe-res entre as linhagens é uma forma
desgastada de prestação total; e mesmo tendo uma enorme importância social, não
pode ser encontrada em outros domínios da vida social.” (p. 60)

“O paradoxo é que para analisar a lógica da sociedades organizadas em torno do


potlatch, parti-remos da análise de uma sociedade sem potlatch. Mas, como veremos,
este método é conforme às indicações de Mauss e permite que nos dote-mos dos
meios para determinar as diferenças, as distâncias significativas entre as sociedades
com dom sem potlatch e as sociedades com potlatch.” (p. 60)

“É evidente, pelo menos no que concerne à logica dos dons e contradons não-
agonísticos, que essas duas questões foram, em parte, mal colocadas. De um parte
porque neste tipo de dom nada é realmen-te “devolvido”. “Coisas” e pessoas tomam
o lugar umas das outras e estas transferências produzem, entre os indivíduos e grupos
que são seus protagonistas, relações sociais particulares, fontes de um conjun-to de
direitos e obrigações recíprocas.” (p. 70)

“É aqui, diante da necessidade de explicar a presença de uma “força” nas coisas


dadas, que a análise de Mauss, em nossa opinião, desviou e finalmente derrapou,
abrindo o flanco à crítica de Lévi Strauss. Mauss certamente não ignorava as noções
de inalienabi-lidade de bens e propriedades comuns, mas de maneira bastante curiosa
não permitiu que interviessem em sua explicação do dom. Talvez por duas razões.”
(p. 72)

“De uma certa maneira, assim que pessoas ou coisas começam a circular através das
trocas, Mauss as considera como “bens móveis”, ocultando assim ou empurrando
para o segundo plano o caráter inalienável das coisas trocadas.” (p. 73)

“Bem entendido, como vários chefes aspiram ao mesmo tempo ao mesmo título ou à
mesma posição e como nenhum deles quer nem pode confessar-se imediatamente
vencido, cada um tem que se esforçar para dar mais do que os outros se não quiser
“perder seu prestígio”, sua honra, sua fama.” (p. 91)

“De onde vem então este poder, esta capacidade de produzir rique-zas e de atraí-las?
A resposta é simples: do fato de que estas coisas são “divinas”, dons que espíritos ou
deuses fizeram aos humanos, e do fato de que os espíritos ou deuses continuam
presentes nelas, atuando so-bre os humanos que as possuem hoje por tê-las recebido
de seus ances-trais ou do herói fundador do clã, ao qual fora dada por um espírito.”
(p. 94)

“Ele considera que, em matéria de economia e de direito, os antigos autores russos,


alemães, franceses e ingleses que ele leu e cujas obras remontam a antes de 1870
“ainda são os melhores e seu tempo lhes confere uma autoridade definitiva” (p. 101)

“Mesmo se as coisas sagradas, que não podem ser dadas, e os obje-tos preciosos,
que o podem, parecem habitados por um espírito que faz com que se movam, mesmo
se as mercadorias têm um valor de tro-ca, um preço cujas flutuações escapam à
consciência e ao controle da queles que as produzem ou consomem, estamos, nos
dois casos, diante de universos produzidos pelo homem, mas que se afastaram dele
e se povoaram de duplos fantasmáticos dele mesmo, duplos estes que mui-tas vezes
são benevolentes e vêm em sua ajuda, e muitas vezes também o esmagam, mas em
qualquer caso o dominam.” (p. 110)

“Examinemos agora, bem mais rapidamente porém, o segundo grande exemplo


etnográfico sobre o qual Mauss construiu sua teoria: o kula melanésio. “O ku la”,
escreveu Mauss, “é uma espécie de grande potlatch”, um “sistema de comércio
intertribal e intratribal ” que associa um grande número de sociedades das ilhas do
nordeste da Nova Guiné.” (p. 122)

“Mauss também recolocou o kula e suas rivalidades em um conjun-to muito mais vasto
de trocas, de prestações, no qual não reinava ne-cessariamente o princípio da
rivalidade. Ainda sobre esse ponto, o paralelo com o potlatch (que se articula também
em dons e contradons não-antagonistas) era justificado.” (p. 131)

“Em uma sociedade em que todas as relações são, em última análise, relações
pessoais, em que não há contratos escritos e em que todos os compromissos são
públicos, a propriedade se apresenta necessariamente como um atributo das próprias
pessoas e as relações de propriedade como relações diretas ou indiretas de pessoa
a pessoa.” (P. 141)

“O moka é um sistema de trocas cerimoniais, competitivas, que as-socia e opõe um


conjunto de tribos cujos territórios cercam o mon-te Hagen. A população desses
grupos eleva-se a mais de cem mil pessoas que falam línguas muito próximas.” (P.
147)

“Separamo-nos em parte, portanto, das conclusões de Mauss, sem no entanto aderir


às hipóteses de Lévi-Strauss. E devemos sublinhar que é completando a análise
antropológica de Mauss que pudemos criticar suas limitações sem ficarmos
encurralados no mesmo impasse, sem tomarmos as representações indígenas de
uma realidade como equivalentes àquelas que são construídas por um pensamento
estrangeiro que se quer científico e crítico e não pode [...]” (p. 159)

“Quando a maior parte das trocas passa por um mercado e o valor dos bens e dos
serviços se exprime em uma moeda universal, as dívidas contratadas se anulam, as
coisas compradas ficam em suas mãos. Tal universo deve, no entanto, apresentar
necessariamente outras formas de representação (e de prática), alienadas e
fetichizadas, das relações sociais sobre as quais se fundamenta. Mas isso é uma outra
história.” (p. 163)

Você também pode gostar