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Se o céu estiver claro, pode-se debruçar nas janelas da Paracelsus Recovery, uma
luxuosa clínica de reabilitação em Zurique, e deixar o olhar vagar pelo lago até os
Alpes ao longe. É o tipo de paisagem, de águas azuis e picos brancos, cuja
contemplação promete um rejuvenescimento imediato, uma pureza próxima da
santidade. A clínica, por sua vez, oferece tratamentos mais elaborados a um custo
entre 95 mil e 120 mil francos suíços (R$ 538 mil a R$ 667 mil) por semana para
uma estadia típica de seis a oito semanas.
Assomando por trás deles estava Jan Gerber, o diretor-executivo, alto e radiante
como o prado dos pampas, com um lenço de seda amarrado no pescoço e exalando
o tipo de afeto controlado de alguém que construiu um negócio de sucesso cuidando
da angústia confidencial dos super-ricos. Seguindo-o, desfolhando um florilégio de
boas maneiras, estava Pawel Mowlik, o sócio-gerente: um homem que ganhou
milhões em fundos de hedge quando tinha 20 e poucos anos, sucumbiu à
dependência em cocaína e álcool por vários anos, internou-se em diversas clínicas
de reabilitação e, após três meses de profundo trabalho psicológico na Paracelsus,
descobriu que seu propósito na vida era ajudar pessoas como ele.
Mowlik, 39 anos, é o tipo de pessoa que narra sua vida enquanto a vive, um sinal
claro de alguém que passou por muita terapia. Sabendo que eu vinha de Londres,
ele me disse que morou em vários locais da cidade: Covent Garden, Bayswater, as
docas de St. Katharine. Ele gostava de se movimentar, inquieto por natureza. “Hoje
acredito que não existe casa”, disse ele. “Casa é um sentimento.”
É assim que deve ser, disse-me Gerber. Não é que a dor dos super-ricos seja mais
complicada do que a de qualquer outra pessoa. Certamente, eles têm experiências
únicas, de acordo com o campo emergente da “psicologia da riqueza”, como os
problemas da “riqueza repentina” ou o fardo de uma vasta herança. Mas ansiedade,
depressão, dependência e distúrbios alimentares dificilmente são exclusivos desse
grupo demográfico. Todo mundo usa drogas e álcool; é que para os ricos, “as drogas
são mais caras”, disse a Dr.ª Anna Erat, diretora médica da Paracelsus. (A
necessidade de cocaína, por exemplo, que custa milhares de dólares por semana,
em vez de dependência em vodca barata.)
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Gerber conhece seu mercado e sabe que ele está crescendo. De 2019 a 2021, o
número global de indivíduos com patrimônio líquido ultraelevado, aqueles com
mais de US$ 50 milhões (R$ 260 milhões), cresceu de 174.800 para 264 mil. De
acordo com Gerber, as pessoas nessa faixa de riqueza, apesar de estarem
financeiramente resguardadas contra inúmeras dificuldades, têm três a cinco vezes
mais chances do que a média de sofrer de uma doença mental ou de um problema
relacionado a abuso de substâncias. Dado que a Paracelsus aceita apenas 30 a 40
clientes por ano, o mercado é claramente grande o suficiente para manter a clínica
ocupada.
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É preciso se esforçar muito para não se seduzir pelo luxo. Gerber me mostrou o
apartamento onde eu ia ficar na Paracelsus, uma sequência de quartos de cobertura
à beira do lago, onde tudo parecia brilhar: mesas de vidro, castiçais de prata,
superfícies de mármore. No quarto, os lençóis tinham uma brancura luminosa e
nítida, impossível de alcançar quando você lava sua própria roupa. Uma bandeja de
minicanelones de ricota e berinjela, feitos na hora, foi servido na mesa de centro,
apenas por precaução.
A aspiração é que tudo pareça se produzir sem esforço, toda essa opulência,
então todo o trabalho que permite que ela aconteça é mantido invisível. A
governanta, Izabela Borowska-Violante, e o chef, Moritz von Hohenzollern,
costumam aparecer para trabalhar antes que o cliente acorde. Enquanto eu vagava
pelos quartos perfeitos, tentando não tocar em nada, e desejando que minha mochila
não estivesse tão suja, eles surgiram dos aposentos de funcionários no apartamento
como se estivessem lá esperando em repouso. Gerber me disse que a equipe podia
se comportar conforme a preferência do cliente, mais interativa e tagarela ou
invisível. De qualquer forma, os funcionários devem ser os “silenciosos e bons
espíritos da casa”, quase como uma família, embora não se assemelhe a nenhuma
família que eu tenha conhecido. “Quanto a mim, tudo se resume a ficar quieto”,
confirmou Von Hohenzollern, a menos que o cliente queira companhia. Apesar
dessa política precavida, ele nem sempre conseguia conter o entusiasmo. “Receba
as grandes boas-vindas de nossa parte aqui da gastronomia!”, se exaltou ele ao me
ver chegar.
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Mas é por isso que o cliente paga: a dedicação exclusiva de toda uma equipe. No
início da estadia do cliente, a prioridade é a estabilização física. A equipe médica
realiza exames de sangue, monitora a pressão arterial e a frequência cardíaca e, em
seguida, produz um relatório de linha de base, mostrando todas as deficiências
possíveis. “Muitos de nossos clientes são bastante orientados por dados”, disse Erat,
a diretora médica. Às vezes, eles ficam um pouco obsessivos em relação aos
relatórios, com seus “selfs” reproduzidos em forma de planilha, como se seus
problemas pudessem ser resolvidos corrigindo um único ponto perdido entre os
dados. Mas, como disse Erat, em termos de recuperação “é apenas um método entre
muitos”.
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Não que a reabilitação termine quando eles saem. Após o período na Suíça, o
cliente voltará para casa, geralmente com o terapeuta residente a reboque, a um
custo contínuo aproximado de R$ 12.500 por dia. O programa de pós-tratamento,
de acordo com Paul Flynn em Londres, é a chave para o modelo financeiro, sendo
uma fonte de receita recorrente, ao invés da taxa única de reabilitação.
Recentemente, contou Gerber, um cliente levou um terapeuta de volta a Nova York,
hospedou-o em um hotel por uma semana e não o viu nem uma única vez: ele
simplesmente gostava de saber que ele estava lá. “Temos uma terapeuta na faixa
dos 70 anos”, acrescentou, “que praticamente se mudou para a Arábia Saudita”.
Uma configuração, ao que parecia, um tanto em desacordo com a ênfase típica da
psicoterapia na criação de um relacionamento não dependente no qual o cliente
adquire a autoconfiança.
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Thilo Beck descreveu os “pequenos passos” que costumava dar com os clientes,
encorajando-os a “encontrar novos amigos ou um grupo de amigos ou outros
hobbies”. É muito dinheiro gasto, no entanto, para receber a recomendação de
participar de uma aula de desenho vivo. Os médicos, principalmente aqueles que
trabalham com clientes de renda drasticamente baixa, não desconheciam a
disparidade no atendimento. “Eu adoraria”, disse Beck, “poder oferecer isso a
todos”. (Embora tal movimento pudesse desmantelar a alegação de exclusividade
da clínica.)
“Como economista experiente, sei que esta não é uma opção”, disse Gerber, que
argumentou que o trabalho deles produz um efeito cascata. Ajude o cara no topo de
uma grande empresa, ou o jovem de 20 e poucos anos com milhões que nunca
ganhou na conta do banco, e seus “selfs” transformados podem escolher ajudar seus
funcionários, sua sociedade, o mundo. Como frequentemente acontece com essa
retórica da cascata, ela parece expressar mais uma esperança do que uma realidade.
Se a riqueza é uma parte da própria doença, não pude deixar de pensar que a
tributação agressiva talvez ofereça um tipo diferente de cura.
Para Mowlik, que deixou a Paracelsus logo após minha visita, sua experiência
de co-dirigir uma clínica de reabilitação se resumia a algumas verdades simples.
“Acredito honestamente que até a pessoa mais rica do mundo está procurando se
conectar com as pessoas”, disse-me. Quanto ao sucesso do tratamento, dependia
inteiramente da determinação do próprio cliente. “Você tem que estar disposto a
mudar. Nenhum Bentley ou mansão fará a diferença.” Ele passou a pensar que a
abundância de luxo – “toda essa merda, desculpe pelo meu francês” – era
simplesmente uma distração. Estas clínicas eram bolhas, insustentáveis e frágeis,
“é por isso que muitos não encontram as respostas e acabam voltando para seus
velhos estilos de vida tóxicos”. Como sua próxima iniciativa, ele estava decidido a
criar uma fundação de saúde mental sem fins lucrativos. Olhando para trás, Mowlik
sentiu que o período mais autêntico de sua vida até agora foi quando trabalhou como
carregador de malas em Hamburgo. Propósito, serviço, conexão humana: todas as
lições de vida estavam lá.