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Onde os bilionários buscam consolo

Visita, na Suíça, às clínicas de reabilitação para super-ricos. Entediados e


incapazes de convívio social, eles exigem fausto e cuidado de uma multidão de
profissionais. Semana custa R$ 500 mil. Sob imensuráveis contas bancárias, o
abismo existencial

OutrasPalavras

Publicado 28/02/2023 às 19:34 - Atualizado 01/03/2023 às 09:10

Por Sophie Elmhirst em The Guardian | Tradução: Maurício Ayer

Se o céu estiver claro, pode-se debruçar nas janelas da Paracelsus Recovery, uma
luxuosa clínica de reabilitação em Zurique, e deixar o olhar vagar pelo lago até os
Alpes ao longe. É o tipo de paisagem, de águas azuis e picos brancos, cuja
contemplação promete um rejuvenescimento imediato, uma pureza próxima da
santidade. A clínica, por sua vez, oferece tratamentos mais elaborados a um custo
entre 95 mil e 120 mil francos suíços (R$ 538 mil a R$ 667 mil) por semana para
uma estadia típica de seis a oito semanas.

Eu não era exatamente a típica pessoa esperada na clínica Paracelsus, batizada


em homenagem ao médico suíço do século 16 que, ao contrário da opinião corrente
em sua época, acreditava que quem sofria de doenças mentais não era um possuído
por espíritos malignos e merecia um tratamento humano. Minha mochila estava
cheia de velhas manchas de café e meu casaco tinha um buraco na parte de trás, por
onde as penas ficavam escapando. A equipe aqui está acostumada com pessoas que
não carregam sua própria bagagem e para quem 1 milhão em qualquer moeda é uma
soma negligenciável. Os clientes típicos são membros de famílias reais do Oriente
Médio, novos bilionários, atores famosos ou estrelas do esporte, e os filhos
problemáticos de todas essas figuras, de quem herdam a riqueza e os fardos a ela
inerentes.

Mais impressionante do que o luxo material das instalações da Paracelso, com


seus altos tetos e corredores de orquídeas brancas, é a quantidade de atenção
dispensada assim que eu entrei por suas portas. Eu não estava ali para receber
qualquer tratamento, apenas ia ficar hospedada em um dos apartamentos enquanto
entrevistava a equipe. Mesmo assim, enfermeiros, médicos, administradores e
nutricionistas muito bem-vestidos surgiam de todos os cômodos, sempre com um
sorriso sábio nos lábios, desses que a gente costuma encontrar nos rostos de clérigos
e psicoterapeutas, ou de qualquer um que acredite ter acesso a uma verdade capaz
de aliviar a dor.

Assomando por trás deles estava Jan Gerber, o diretor-executivo, alto e radiante
como o prado dos pampas, com um lenço de seda amarrado no pescoço e exalando
o tipo de afeto controlado de alguém que construiu um negócio de sucesso cuidando
da angústia confidencial dos super-ricos. Seguindo-o, desfolhando um florilégio de
boas maneiras, estava Pawel Mowlik, o sócio-gerente: um homem que ganhou
milhões em fundos de hedge quando tinha 20 e poucos anos, sucumbiu à
dependência em cocaína e álcool por vários anos, internou-se em diversas clínicas
de reabilitação e, após três meses de profundo trabalho psicológico na Paracelsus,
descobriu que seu propósito na vida era ajudar pessoas como ele.

Mowlik, 39 anos, é o tipo de pessoa que narra sua vida enquanto a vive, um sinal
claro de alguém que passou por muita terapia. Sabendo que eu vinha de Londres,
ele me disse que morou em vários locais da cidade: Covent Garden, Bayswater, as
docas de St. Katharine. Ele gostava de se movimentar, inquieto por natureza. “Hoje
acredito que não existe casa”, disse ele. “Casa é um sentimento.”

Para o cliente típico da Paracelsus, o lar é geralmente uma de suas várias


mansões, quem sabe até um palácio. Eles vêm a Zurique para uma forma particular
de tratamento, conhecida como reabilitação de cliente único, ou “um cliente de cada
vez”, pela qual a cidade se tornou mundialmente conhecida entre os ultra-ricos.
Assim como a Paracelsus, Zurique abriga a Kusnacht Practice, onde o conceito se
originou. Ao contrário de outras casas de reabilitação conhecidas – Meadows no
Arizona, Betty Ford na Califórnia, Priory no Reino Unido – nas clínicas de Zurique,
os clientes nunca veem ou interagem com qualquer outro cliente. Não há terapia de
grupo, nem área comum. Os clientes ficam em sua própria mansão ou apartamento
e têm seu próprio motorista, governanta, chef e terapeuta residente, além de sessões
individuais diárias com uma equipe de 15 a 20 psiquiatras, médicos, enfermeiros,
professores de yoga, massagistas, nutricionistas, hipnoterapeutas e terapeutas de
trauma que informam uns aos outros sobre o estado e o progresso do cliente após
cada consulta. Embora possa haver três ou quatro clientes hospedados em
residências diferentes na clínica, a qualquer momento, seus horários são
organizados de modo a assegurar a impressão de que cada um é o único foco da
instituição inteira. Além da equipe, ninguém jamais saberá que eles estão lá.

É assim que deve ser, disse-me Gerber. Não é que a dor dos super-ricos seja mais
complicada do que a de qualquer outra pessoa. Certamente, eles têm experiências
únicas, de acordo com o campo emergente da “psicologia da riqueza”, como os
problemas da “riqueza repentina” ou o fardo de uma vasta herança. Mas ansiedade,
depressão, dependência e distúrbios alimentares dificilmente são exclusivos desse
grupo demográfico. Todo mundo usa drogas e álcool; é que para os ricos, “as drogas
são mais caras”, disse a Dr.ª Anna Erat, diretora médica da Paracelsus. (A
necessidade de cocaína, por exemplo, que custa milhares de dólares por semana,
em vez de dependência em vodca barata.)

Mesmo assim, insistiu Gerber, a reabilitação regular simplesmente não


funcionaria. Os clientes geralmente são mundialmente famosos e desejam total
discrição. Mas além do desejo de privacidade, a riqueza extrema tem um estranho
efeito separador. “Se você colocar um bilionário em um ambiente de grupo, mesmo
com pessoas abastadas de classe média, eles não conseguirão se relacionar uns com
os outros”, disse Gerber. Essa gente não é como o resto de nós; suas vidas e mentes
foram transformadas por suas fortunas.

***

Em Zurique, até a luz do sol parece cara. As montanhas e o lago emprestam-lhe


um brilho dourado que reflete as joias nas vitrines das lojas de grife na
Bahnhoffstrasse e as imaculadas velas brancas dos barcos que singram o lago. O
custo de vida da cidade é o mais alto da Suíça e o sexto maior do mundo. Uma
“costa dourada” se estende além da cidade, à margem do lago. No final das ruas
que levam às águas, há praias onde babás trazem crianças pequenas para brincar e
homens de sunga nadam antes de, presumivelmente, irem para casa verificar seus
investimentos. Descendo uma das ruas principais, passei pelo Algonquin, um
castelo murado, para o qual Tina Turner se mudou ao se aposentar em 2009.
Aparentemente, quando ela vai ao supermercado local, ninguém se vira para olhar.
Zurique é um bom lugar para os ricos e famosos se esconderem em paz, devido,
como disse um morador, à “peculiar falta de ânimo dos suíços”.

A uma curta caminhada da casa de Tina Turner, no bairro à beira do lago de


Kusnacht, fica a casa de Carl Jung, uma grande mansão cor creme onde o analista
viveu a maior parte de sua vida. No final da década de 1920, Jung tratou um
empresário americano alcoólatra, Rowland Hazard III, ao longo de vários meses.
Depois que Hazard começou a beber novamente, Jung disse que ele só se
recuperaria se tivesse algum tipo de despertar espiritual. Em resposta, Hazard
procurou uma irmandade cristã evangélica chamada Oxford Group, parou de beber
e depois orientou um velho amigo na lida com o seu alcoolismo. Esse velho amigo,
por sua vez, foi o mentor de Bill Wilson, que fundou a espiritualizada Alcoólicos
Anônimos em 1935.

Zurique, portanto, tem a cura em sua história. É a origem do maior programa


gratuito e interpessoal de tratamento de dependência do mundo e também, no outro
extremo da escala, do mais exclusivo. A primeira clínica “um cliente de cada vez”
começou aqui, em 2009, por uma enfermeira e seu então marido, um conselheiro
de dependentes químicos. O casal, Christine Merzeder e Lowell Monkhouse,
decidiu se dedicar a ajudar um amigo alcoólatra. Em vez de encaminhá-lo a uma
clínica de reabilitação estabelecida, acharam um apartamento para ele,
transformaram seu próprio quarto vago em um consultório e contrataram os
serviços de um professor de ioga.

Merzeder achou o tratamento diário com foco em um único cliente mais


satisfatório e eficaz do que a abordagem padronizada das instituições públicas, mas
demandava trabalho intensivamente. O filho de Merzeder, Jan Gerber, percebeu aí
uma oportunidade. Desde que se formou na London School of Economics (LSE),
Gerber trabalhou como consultor financeiro para bancos de investimento e abriu
várias empresas, incluindo uma clínica de cirurgia estética para homens em
Zurique. Ele conhecia os hábitos dos muito ricos, e também os seus problemas. Ele
sabia que haveria muitas pessoas dispostas a pagar.

Juntos, eles fundaram a Kusnacht Practice em 2011. No início, o sucesso vinha


do boca a boca. De acordo com Moustafa Hammoud, que trabalhou na Kusnacht
fazendo a ponte com a clientela do Oriente Médio, um cliente da Arábia Saudita
enviou pelo menos três de seus filhos, todos em luta contra a dependência química
ou a depressão. Hammoud estimou que cerca de 70% dos clientes iniciais da
Kusnacht vieram da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Egito.
Famosos em casa, muitos clientes buscaram ajuda no exterior para evitar que a
“vergonha” de sua angústia fosse descoberta. Muitos, disse ele, vieram algumas
vezes. “Eles se recuperavam, tinham uma recaída, voltavam.” A clínica cresceu
rapidamente, contratando mais funcionários e alugando mais mansões para os
clientes. Em 2013, Gerber saiu e montou a Paracelsus. Monkhouse, por sua vez,
vendeu a Kusnacht para uma empresa de private equity. Hoje ela é administrada
por um empresário brasileiro e oferece diversos tratamentos médicos, incluindo
“restauração biomolecular”, além de reabilitação. A Paracelsus continua menor –
“mais boutique e personalizado”, segundo Gerber.

Desde o início, disse-me Merzeder, os clientes apresentaram desafios que ela


nunca havia enfrentado durante sua carreira no sistema público de saúde da Suíça.
Frequentemente, eles chegavam com várias prescrições, consequência de um
excesso de tratamento com médicos particulares concorrentes que não liam as
anotações uns dos outros. Ela se lembra de uma paciente mais jovem, “uma
princesa”, que foi atendida pelo melhor professor americano de psiquiatria
pediátrica e apareceu “carregada de comprimidos”. Uma abordagem que
racionalizasse todos os aspectos do cuidado físico e psicológico seria
transformadora, acreditava Merzeder. “Nunca me interessei pelo desenvolvimento
de negócios ou pelo resultado financeiro”, acrescentou. “Eu estava apenas
interessada em resultados clínicos.” Gerber, sentado ao lado dela, sorriu: “É por
isso que formamos uma boa equipe!”.

Gerber conhece seu mercado e sabe que ele está crescendo. De 2019 a 2021, o
número global de indivíduos com patrimônio líquido ultraelevado, aqueles com
mais de US$ 50 milhões (R$ 260 milhões), cresceu de 174.800 para 264 mil. De
acordo com Gerber, as pessoas nessa faixa de riqueza, apesar de estarem
financeiramente resguardadas contra inúmeras dificuldades, têm três a cinco vezes
mais chances do que a média de sofrer de uma doença mental ou de um problema
relacionado a abuso de substâncias. Dado que a Paracelsus aceita apenas 30 a 40
clientes por ano, o mercado é claramente grande o suficiente para manter a clínica
ocupada.

O tratamento de saúde mental ultraexclusivo é uma das muitas novas


microindústrias que surgiram para atender os super-ricos. O Spears 500, um guia
anual de serviços de consultoria, agora assessora especialistas em tudo, desde a
aquisição de vinhedos até o gerenciamento de cripto-reputação. A Dr.ª Ronit Lami,
uma “psicóloga especializada em patrimônio líquido ultraelevado” com
consultórios em Los Angeles e Londres, disse-me que quando ela começou a
trabalhar, em 2000, ninguém sabia muito sobre esse público. Agora, seus clientes
querem profissionais especializados que entendam as complexidades específicas do
planejamento sucessório e da transferência de riqueza geracional. O que desejam é
similar a muitos de seus outros desejos: um serviço que seja prestado de forma
personalizada e exclusiva, um jato particular em vez de uma companhia aérea
comercial.

Alguns ex-funcionários da Kusnacht já exportaram a ideia da reabilitação de


cliente único para todo o mundo, abrindo clínicas semelhantes em Mallorca (The
Balance), Irlanda (Rosglas) e outra em Zurique (Calda). O primeiro centro de luxo
para um cliente único em Londres, o Addcounsel, foi aberto por um empresário
chamado Paul Flynn, que vendeu sua empresa de recrutamento e iniciou a clínica
em 2016, depois que um amigo que trabalhava na Kusnacht sugeriu a ideia. Flynn
me disse que o negócio cresceu 300% no ano passado e espera um crescimento
semelhante em 2023. A miséria dos super-ricos é um mercado como qualquer outro,
e há uma lacuna. Nos próximos anos, disse ele, “acho que veremos muitas
atividades de fusões e aquisições neste setor”.

***

É preciso se esforçar muito para não se seduzir pelo luxo. Gerber me mostrou o
apartamento onde eu ia ficar na Paracelsus, uma sequência de quartos de cobertura
à beira do lago, onde tudo parecia brilhar: mesas de vidro, castiçais de prata,
superfícies de mármore. No quarto, os lençóis tinham uma brancura luminosa e
nítida, impossível de alcançar quando você lava sua própria roupa. Uma bandeja de
minicanelones de ricota e berinjela, feitos na hora, foi servido na mesa de centro,
apenas por precaução.

A aspiração é que tudo pareça se produzir sem esforço, toda essa opulência,
então todo o trabalho que permite que ela aconteça é mantido invisível. A
governanta, Izabela Borowska-Violante, e o chef, Moritz von Hohenzollern,
costumam aparecer para trabalhar antes que o cliente acorde. Enquanto eu vagava
pelos quartos perfeitos, tentando não tocar em nada, e desejando que minha mochila
não estivesse tão suja, eles surgiram dos aposentos de funcionários no apartamento
como se estivessem lá esperando em repouso. Gerber me disse que a equipe podia
se comportar conforme a preferência do cliente, mais interativa e tagarela ou
invisível. De qualquer forma, os funcionários devem ser os “silenciosos e bons
espíritos da casa”, quase como uma família, embora não se assemelhe a nenhuma
família que eu tenha conhecido. “Quanto a mim, tudo se resume a ficar quieto”,
confirmou Von Hohenzollern, a menos que o cliente queira companhia. Apesar
dessa política precavida, ele nem sempre conseguia conter o entusiasmo. “Receba
as grandes boas-vindas de nossa parte aqui da gastronomia!”, se exaltou ele ao me
ver chegar.

A princípio, me meti em confusão, sem entender direito os termos da relação.


Agradecia a todos constantemente, ao ponto de me irritar. Por constrangimento,
tentei fazer as coisas sozinha, como buscar minha própria água, até que Von
Hohenzollern me lembrou que esse era o trabalho dele. Na primeira manhã, ele me
perguntou se eu gostava de cogumelos. Oh sim, eu menti educadamente. Mais tarde,
ele fez cogumelos para o jantar e eu comi todos. No dia seguinte, durante uma
sessão demonstrativa com a nutricionista, ela me perguntou se havia algo que eu
não gostava muito de comer. Cogumelos, eu disse. Antes mesmo de eu voltar para
o apartamento, a nova informação já havia circulado entre a equipe. Von
Hohenzollern ficou mortificado. Por que ele não tinha sido informado antes? Como
ele poderia fazer seu trabalho corretamente se não estivesse me servindo o tempo
todo exatamente o que eu desejava?

O cliente típico estaria acostumado a tais serviços, é claro. Na verdade, o


apartamento da Paracelsus – com sua cozinha e sala de jantar, e uma grande área
privada para o cliente – provavelmente devia ser apertado em comparação com suas
próprias casas. A clínica queria criar um ambiente seguro, semelhante a um casulo,
ideal para a recuperação, explicou Gerber. A Kusnacht Practice, por sua vez, a 10
minutos de carro dali, abriga seus clientes em enormes mansões. Quando me
mostraram uma delas, com três andares de banheiros de mármore, uma piscina
externa e um amplo terraço na cobertura, notei o retrato de um homem olhando
diretamente para fora da moldura. O zelador me disse que eles poderiam removê-
lo se o cliente achasse incômodo ser olhado, mesmo por uma pintura.

O componente final do apartamento da Paracelsus, ausente durante minha


estada, foi o terapeuta residente: “Uma relação sagrada”, disse Danuta Siemek, que
está no cargo há um ano. Uma vez atribuída a um cliente, ela fica com ele durante
toda a estadia. Ela vai comer com ele, conversar sempre que ele quiser, cuidar dele
se estiver tendo um ataque de pânico às 4 da manhã. É um trabalho intenso e íntimo,
uma dinâmica que surpreendeu outros psicoterapeutas com quem conversei,
acostumados ao formato mais convencional de sessões semanais estritamente
delimitadas de 50 minutos. Para evitar qualquer confusão, os clientes geralmente
recebem terapeutas de uma idade diferente e de um sexo não compatível com sua
preferência. “A vida como a conhecemos acaba”, disse Siemek, a respeito do
trabalho. Eu me perguntei como ela conseguia permanecer sã. “Caminhada forte”,
ela respondeu.

***

Há um efeito particular em ser o centro das atenções de vários profissionais. Eu


mencionei que gostava de nozes. Nozes, suavemente temperadas, chegaram. Se eu
esbarrasse em uma toalha, ela era quase imediatamente dobrada de novo para
parecer intocada. Durante a avaliação do nutricionista, comecei a me perguntar se
meus hábitos alimentares eram de fato tão singularmente fascinantes. Um leve
escorregão para o narcisismo parecia inevitável.

Mas é por isso que o cliente paga: a dedicação exclusiva de toda uma equipe. No
início da estadia do cliente, a prioridade é a estabilização física. A equipe médica
realiza exames de sangue, monitora a pressão arterial e a frequência cardíaca e, em
seguida, produz um relatório de linha de base, mostrando todas as deficiências
possíveis. “Muitos de nossos clientes são bastante orientados por dados”, disse Erat,
a diretora médica. Às vezes, eles ficam um pouco obsessivos em relação aos
relatórios, com seus “selfs” reproduzidos em forma de planilha, como se seus
problemas pudessem ser resolvidos corrigindo um único ponto perdido entre os
dados. Mas, como disse Erat, em termos de recuperação “é apenas um método entre
muitos”.

A recuperação psicológica, seja você extremamente rico ou não, é um trabalho


árduo. O principal psiquiatra da Paracelsus, Thilo Beck, é um dos mais respeitados
em Zurique. Um homem de fala mansa com cabeça raspada, enormes tênis brancos
e um ar frio e inabalável, Beck divide seu tempo entre a Paracelsus e a Arud, uma
das maiores clínicas ambulatoriais para o tratamento da dependência química sem
fins lucrativos da Suíça. Na Arud, ele trata pessoas do outro extremo do espectro
socioeconômico, dependentes químicos que vivem na pobreza ou à beira de não ter
onde morar. Ambos os grupos, observa Beck, são “estigmatizados e marginalizados
de certa forma, e considerados não muito normais”. Ele frequentemente encontra
em ambos uma negligência emocional. Por um lado, o paciente pode ter sido criado
por um pai que trabalha em vários empregos para sobreviver. No outro, o cliente
muitas vezes foi “criado por babás”. Frequentemente, identificava um sentimento,
segundo ele, de que ninguém realmente se importava.

Beck se formou no mesmo hospital psiquiátrico em Zurique onde Jung


trabalhou. No início de sua carreira, na década de 1990, o tratamento da
dependência química se concentrava na abstinência, que ainda é o método central
do programa de 12 passos do AA. Ele diz não ter tempo para isso. “É paternalista”,
disse. “Vem da ideia de que ‘Nós sabemos o que é certo e temos que pressionar
esses caras para entender o que é bom para eles’.” Beck prefere uma abordagem
mais pragmática, concordando com uma “hipótese de trabalho” com seus clientes
sobre qual é o problema e como eles podem tratá-lo. Ele então implementa uma
série de terapias, incluindo o que ele descreve como tratamentos de “terceira onda”,
como terapia de aceitação e compromisso, cujo objetivo não é combater os
sintomas, mas “recebê-los como convidados em sua vida”. Essa abordagem, disse
ele, frequentemente ajudava os clientes a transformar o que antes consideravam um
problema em uma oportunidade de mudar o curso de suas vidas. Os clientes tendiam
a responder rapidamente, acrescentou, por causa da intensidade do processo. Em
um ambulatório, ele pode ver um paciente uma vez por semana. Na Paracelsus, ele
atende um cliente todos os dias por 90 minutos e pode adaptar seus métodos
rapidamente. “Vemos mudanças acontecendo em um mês ou dois que levariam um
ano em outro formato de atendimento.”

Os clientes dividem-se basicamente em dois grupos: os que nasceram ricos e os


que adquiriram riqueza depois de adultos. Os primeiros muitas vezes se sentem sem
direção, oprimidos pelo sucesso de seus pais e envergonhados pela facilidade de
suas vidas. “Os self-made guys são totalmente diferentes”, disse Beck. “Não quer
dizer que seja mais fácil.” Muitas vezes, sua ética de trabalho era autodestrutiva e
os levava a negligenciar a família, os amigos e a própria saúde. Mas também havia
semelhanças entre os dois grupos. Ambos pareciam sentir que algo estava faltando,
uma “questão de valor” mais profunda, disse Beck, que se resumia a uma pergunta:
“O que eu vim fazer neste mundo?” Há uma ausência de propósito, algo faltante ou
perdido; um vasto vazio que jaz sob o dinheiro.

***

Na minha segunda noite em Zurique, Pawel Mowlik me contou sobre o momento


em que sentiu o vazio. No verão de 2014, ele acordou na suíte presidencial de um
hotel em Mônaco cercado por corpos nus de pessoas que não conhecia. Sua vida
não tinha sentido, ele então percebeu.

Estávamos em um de seus restaurantes favoritos em Zurique, um entre as


centenas que ele frequentou em um único ano, quando gastou mais de R$ 6 milhões
em refeições requintadas. Nascido em uma pequena cidade da Polônia, Mowlik
tinha uma mãe disciplinadora e um pai infeliz. Depois que seus pais se divorciaram,
ele começou a experimentar anfetaminas. Em sua lembrança, certa vez ele ficou
acordado por três dias, conversando com qualquer um que se aproximasse e
quisesse ouvir. Largou a escola aos 15 anos e trabalhou como carregador de malas
no Hotel Atlantic Kempinski em Hamburgo, onde seu charme se tornou tão
conhecido que foi destaque em uma revista local. (Ele mantém uma fotografia do
artigo em seu celular.) Enquanto estudava na escola de administração de hotéis em
Zurique, ele conheceu um gerente de fundos de hedge que lhe ofereceu um emprego
de relacionamento com investidores no escritório suíço. Aos 24 anos, ele ganhou
milhões, mudou-se de Nova York para Londres (“meu auge”) e festejou com força,
como alguém que veio do nada e ganhou tudo. Ele usava ternos Louis Vuitton e
camisas Tom Ford e se tornou, como ele mesmo disse, “um cara tipo James Bond”.
A cocaína, a essa altura, para ele não era mais uma droga, mas uma necessidade
funcional para tocar a vida.

Quando Mowlik percebeu que estava perto da autodestruição, ele buscou


tratamento de reabilitação, primeiro na Flórida, depois seguidamente, várias vezes,
até aterrissar na Paracelsus. Uma vez recuperado, ele se juntou à equipe de Gerber.
A paixão de Mowlik era fazer amizade com os clientes, e muitas vezes viajava com
eles para Provença, Mônaco, Milão. Ele contava sua história e eles compartilhavam
a deles. “Às vezes é engraçado, às vezes é triste”, disse ele, “porque passei por
muitas coisas tristes”. Ele teve overdose, mais de uma vez. Sentiu que todas as suas
amizades haviam sido compradas. “Toda a minha vida me senti meio solitário,
embora conheça tantas pessoas”, disse-me Mowlik. “Há uma diferença entre estar
sozinho e a solidão. Eu me sentia sozinho, sem estar só. E ainda me sinto.” Ele
parecia bastante tranquilo em relação a esse fato, como se fosse simplesmente o
preço de uma vida como a dele. “Não é mais algo que me deixe triste, em
comparação com a época em que eu precisava de drogas e álcool para compensar.
Eu apenas aceito.”

Ela aparece reiteradamente: a solidão. Gerber esboçou um perfil típico de um


filho de bilionários, criado por uma babá cara, enviado para um colégio interno de
elite, e do qual se espera que ele saia para ingressar na empresa da família ou pelo
menos se conformar a um certo tipo de vida. Muitas vezes, não lhes é permitido
casar-se com quem queiram, pois os pais “vão querer se certificar de que não tragam
ninguém para casa, por questões de segurança”.

Surpreendeu-me que as condições da clínica parecessem replicar a solidão que


havia definido a vida de muitos clientes: separados da comunidade, isolados a um
alto custo e afligidos por um injustificado sentimento de serem pessoas muito
especiais. Gerber sempre me dizia que era importante para a recuperação do cliente
que o ambiente fosse familiar e no padrão ao qual estavam acostumados. Mas, como
me disse um ex-terapeuta residente em uma das clínicas suíças: “É uma bênção e
uma maldição. Essencialmente, estamos alimentando essa dinâmica de que você é
a pessoa mais importante da sala.”

***

Sinais preocupantes começaram a surgir. No segundo dia no apartamento, reduzi


radicalmente minha incansável gratidão e me acostumei a ser escoltada por toda
parte, tanto que, na única vez em que tive que me virar sozinha, fiquei trancada do
lado de fora e tive que ligar para uma enfermeira me deixar entrar, indefesa como
uma criança.

O cenário parecia alimentar tal irresponsabilidade pessoal. Frequentemente,


disse-me Hammoud, os clientes não estão acostumados a acordar cedo. “Às vezes
você não tem permissão para acordá-los”, disse ele. “Eles te olham de cima a baixo
e perguntam quem é você para me acordar?” Um cara era verbalmente abusivo com
todos, contou Von Hohenzollern. Jogava o prato de comida no chão. “Nós
atendemos a cada uma de suas necessidades e desejos”, disse o ex-terapeuta
residente. “Eles não têm a experiência de cair na realidade.” Alguns nunca ouviram
um “não” em suas vidas, disse Gerber. Mas ainda são pessoas com muita dor, ele
enfatizou, possivelmente percebendo as ondas de julgamento que se evidenciavam
em meu rosto.

Danuta Siemek, a terapeuta residente, me disse que o princípio de seu


relacionamento com um cliente era tratá-lo com “consideração positiva
incondicional”. Ela os aceita sem julgamento. Isso não quer dizer que um cliente
nunca seja desafiado, mas “quando os desafiamos demais”, explicou Gerber,
“podemos criar uma situação de perde-perde. Eles fazem as malas e vão embora.”
Não é incomum que o piloto do jato particular de um cliente fique instalado em um
hotel próximo de Zurique para que ele possa sair quando quiser. Naturalmente, é
melhor para o balanço da clínica se o cliente ficar.

Não que a reabilitação termine quando eles saem. Após o período na Suíça, o
cliente voltará para casa, geralmente com o terapeuta residente a reboque, a um
custo contínuo aproximado de R$ 12.500 por dia. O programa de pós-tratamento,
de acordo com Paul Flynn em Londres, é a chave para o modelo financeiro, sendo
uma fonte de receita recorrente, ao invés da taxa única de reabilitação.
Recentemente, contou Gerber, um cliente levou um terapeuta de volta a Nova York,
hospedou-o em um hotel por uma semana e não o viu nem uma única vez: ele
simplesmente gostava de saber que ele estava lá. “Temos uma terapeuta na faixa
dos 70 anos”, acrescentou, “que praticamente se mudou para a Arábia Saudita”.
Uma configuração, ao que parecia, um tanto em desacordo com a ênfase típica da
psicoterapia na criação de um relacionamento não dependente no qual o cliente
adquire a autoconfiança.

Na maioria dos casos, no entanto, o terapeuta acabará saindo. A clínica mantém


contato, mas no final das contas, como uma criança transitando para a idade adulta,
o cliente deve aprender a se virar sozinho, com seus próprios motoristas, chefs,
camareiras, terapeutas e psiquiatras.

***

Mais de uma vez, durante a visita às luxuosas clínicas de reabilitação de Zurique,


ouvi dizer que o momento transformador da experiência de um cliente, seu
despertar espiritual, era uma ida ao supermercado. Em uma versão, um membro de
uma família real do Oriente Médio foi filmado por seus filhos fazendo fila no caixa,
exultantes com a experiência de ter colocado coisas em sua cesta e depois pago por
elas. Ele nunca tinha feito nada parecido antes. Em outro, um jovem cliente parado
no corredor de iogurtes ficou completamente impressionado com a oferta de
iogurtes, porque ele nunca antes tinha tido que ficar em um corredor de iogurtes e
escolher.

Eu me perguntei se, realmente, os clientes precisavam de uma equipe inteira de


médicos para viver uma epifania no supermercado. E, no entanto, da maneira como
a riqueza extrema parece transformar as pessoas em uma mistura problemática de
solitários auto-isolados e crianças indulgentes, talvez eles precisem. (Como disse o
ex-terapeuta residente: “O Lótus Branco realmente retrata com precisão muitos dos
problemas que vejo.”)

Thilo Beck descreveu os “pequenos passos” que costumava dar com os clientes,
encorajando-os a “encontrar novos amigos ou um grupo de amigos ou outros
hobbies”. É muito dinheiro gasto, no entanto, para receber a recomendação de
participar de uma aula de desenho vivo. Os médicos, principalmente aqueles que
trabalham com clientes de renda drasticamente baixa, não desconheciam a
disparidade no atendimento. “Eu adoraria”, disse Beck, “poder oferecer isso a
todos”. (Embora tal movimento pudesse desmantelar a alegação de exclusividade
da clínica.)

“Como economista experiente, sei que esta não é uma opção”, disse Gerber, que
argumentou que o trabalho deles produz um efeito cascata. Ajude o cara no topo de
uma grande empresa, ou o jovem de 20 e poucos anos com milhões que nunca
ganhou na conta do banco, e seus “selfs” transformados podem escolher ajudar seus
funcionários, sua sociedade, o mundo. Como frequentemente acontece com essa
retórica da cascata, ela parece expressar mais uma esperança do que uma realidade.
Se a riqueza é uma parte da própria doença, não pude deixar de pensar que a
tributação agressiva talvez ofereça um tipo diferente de cura.

Para Mowlik, que deixou a Paracelsus logo após minha visita, sua experiência
de co-dirigir uma clínica de reabilitação se resumia a algumas verdades simples.
“Acredito honestamente que até a pessoa mais rica do mundo está procurando se
conectar com as pessoas”, disse-me. Quanto ao sucesso do tratamento, dependia
inteiramente da determinação do próprio cliente. “Você tem que estar disposto a
mudar. Nenhum Bentley ou mansão fará a diferença.” Ele passou a pensar que a
abundância de luxo – “toda essa merda, desculpe pelo meu francês” – era
simplesmente uma distração. Estas clínicas eram bolhas, insustentáveis e frágeis,
“é por isso que muitos não encontram as respostas e acabam voltando para seus
velhos estilos de vida tóxicos”. Como sua próxima iniciativa, ele estava decidido a
criar uma fundação de saúde mental sem fins lucrativos. Olhando para trás, Mowlik
sentiu que o período mais autêntico de sua vida até agora foi quando trabalhou como
carregador de malas em Hamburgo. Propósito, serviço, conexão humana: todas as
lições de vida estavam lá.

No final da segunda noite, me vi vagando sozinha pelo apartamento, à deriva.


Depois de dois dias tendo todas as necessidades antecipadas e todos os aspectos
práticos resolvidos, eu não tinha ideia do que fazer. Na prática, era um luxo, eu
sabia, não ter que cozinhar, limpar ou administrar as mundanidades da logística,
mas também tinha um efeito de esvaziamento distinto. Tudo que eu tinha para
pensar era em mim mesma, uma condição terrível para se estar.

Na manhã seguinte, me despedi de Von Hohenzollern, que me deu alguns


chocolates artesanais para levar para casa. Ele queria me mostrar onde comprar o
almoço, como chegar ao aeroporto, o melhor lugar para comer pão em Zurique. Não
se preocupe, eu disse, vou dar um jeito. Eu estava desesperada para descobrir.
Peguei meu casaco xexelento e corri para fora do prédio como se fugisse de um
incêndio.

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