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Bolsonaro, Trump, Duterte… O crescimento de um

carbofascismo? // Jean-Baptiste Fressoz


Bolsonaro, Trump, Duterte… O crescimento de um carbofascismo?, por Jean-
Baptiste Fressoz

(Link para o original: https://www.liberation.fr/planete/2018/10/10/bolsonaro-trump-


duterte-la-montee-d-un-carbo-fascisme_1684428)

tradução: Rondinelly Gomes Medeiros


revisão: Vinícius Alves

A ascensão das extremas-direitas representa também uma ameaça à luta contra o


aquecimento global e à defesa do meio ambiente.

A provável vitória[1] de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais brasileiras parece


confirmar uma nova regra da política internacional: os partidos de extrema direita,
apressadamente classificados com o inofensivo rótulo de “populistas”, são verdadeiras
catástrofes ambientais.

Os indícios destilados por Bolsonaro durante sua campanha são aterrorizantes: a saída do
acordo de Paris, o puro e simples desmantelamento do Ministério do Meio Ambiente,
cujas prerrogativas migrariam para o Ministério da Agricultura, “desenvolvimento” da
Amazônia através de rodovias, barragens, desmatamento, soja transgênica e,
correspondentemente, a supressão dos direitos dos povos indígenas sobre seus territórios.
O lobby da carne e os grandes latifundiários estão abrindo seus champanhes. A Bolsa de
Valores de São Paulo subiu quase 6% na segunda-feira (08/10), um dia após Bolsonaro
ter obtido 46% dos votos no primeiro turno.

Inclinações autoritárias

Bolsonaro é o ápice de um novo eixo autoritário e climatocético que atravessa o globo:


de Donald Trump que quer revitalizar o carvão e lutar contra a “burocracia” ambiental, a
Scott Morrison, seu sósia climatocético australiano que debocha, em plena sessão
parlamentar, dos trabalhistas que teriam medo de um simples pedaço de carvão, passando
ainda, claro, pelas petromonarquias do Golfo Pérsico.

Na Europa encontramos essa mesma afinidade entre o carbono e a extrema direita. Na


Polônia, um governo com inclinações autoritárias defende com unhas e dentes as minas
da Silésia. Na Alemanha, o partido nacionalista AfD apoia as minas de carvão. Seu líder,
Alexander Gauland, duvida até mesmo que “o homem possa contribuir para a mudança
climática”. Na Grã-Bretanha, os arautos do “Hard Brexit”, Boris Johnson, Jacob Rees ou
Nigel Farage são todos climatocéticos.

Em muitos desses países que passaram às mãos de uma direita extremista e carbonífera,
o apoio às indústrias poluidoras é frequentemente acompanhado da violência contra os
defensores do meio-ambiente. Dos 207 ambientalistas assassinados em 2017, em geral
pequenos agricultores ou representantes de comunidades indígenas, mais da metade eram
do Brasil e das Filipinas. A maioria das mortes é obra de milícias armadas ou agentes
não-estatais, embora o Exército e a polícia ocupem um lugar cada vez mais importante
neste tipo de violência, segundo a ONG Global Witness, que realiza essa triste contagem.

Nas Filipinas de Rodrigo Duterte, onde o assassinato de oito camponeses opostos a um


grande empreendimento agrícola pelo Exército causou um escândalo, 90% das mortes de
ativistas são atribuídas às forças do governo. E mesmo onde não atua diretamente, o
governo dá rédea solta às ameaças e intimidações do agronegócio ou da indústria de
mineração, através da liberalização do porte de armas e do incentivo a se fazer justiça
com as próprias mãos. Estas são medidas semelhantes às defendidas por Bolsonaro e que
já despertam o medo nas comunidades expostas à pressão dos grandes proprietários de
terra.

Nos anos 90, foi moda na França denunciar o espectro do “ecofascismo”, a “nova ordem
ecológica” e o anti-humanismo dos ecologistas. Intelectuais como Luc Ferry e Marcel
Gauchet denunciaram as inclinações autoritárias dos ambientalistas em seus negócios
midiáticos. Como explicado em um artigo de Gauchet, “sob o amor da natureza” estaria
na verdade “o ódio do homem”. Trinta anos depois é exatamente o oposto que está
acontecendo: a onda cinzenta que se derrama sobre o mundo se nutre de carvão.

Jean-Baptiste Fressoz é historiador das ciências, pesquisador do Centre Nationale de


Recherche Scientifique (CNRS) e do Centre Alexandre Koyré-École des Hautes Études
en Sciences Sociales (CAK/EHESS).

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[1] O texto original foi publicado duas semanas antes do segundo turno da eleição
presidencial, que resultou na vitória de Jair Bolsonaro, com 55% dos votos válidos,
sobre o candidato do PT, Fernando Haddad, com 45% (Nota do blog).

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