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Os meios de comunicação de massa, ao selecionarem os assuntos aos quais dão

maior importância em sua programação noticiosa, influenciam na escolha dos


temas que serão debatidos pelas pessoas em suas vidas cotidianas. Esse poder
de pautar as discussões que permeiam o dia a dia da população é chamado, no
campo dos estudos da comunicação, de agenda setting.
A cobertura da imprensa sobre a operação Lava Jato é um exemplo paradigmático
do alcance – e da capacidade destrutiva – do agenda setting. Uma simples
operação policial foi transformada em um verdadeiro reality show, inclusive com
seus heróis e vilões bem delimitados em cada matéria, reportagem ou opinião
emitida.
Essa cobertura exaustiva sobre a Lava Jato contribuiu decisivamente para
resultados políticos nada modestos, como a derrubada do governo Dilma e a
eleição de Jair Bolsonaro. Percebe-se que o agendamento às vezes ocasiona os
resultados esperados pelos principais veículos de comunicação, como no caso do
golpe de 2016, e em outras não, como nas eleições de 2018, quando Bolsonaro
não era o candidato preferido de veículos como Globo e Folha.
O sucesso do punitivismo primitivo da Lava Jato é, de certa forma, uma
continuação da popularidade alcançada pelos programas policialescos que
integram as programações televisivas há décadas. O incentivo à violência
policial/judicial sempre grassou livre nos meios de comunicação, sendo que sua
regulamentação jamais foi sequer cogitada no Brasil.
A violência é prioridade absoluta na agenda da mídia.
A eleição de Bolsonaro, um armamentista despreparado para administrar sequer
uma pequena venda, é a consequência mais trágica da cultura punitiva inoculada
na população por anos à fio pela serpente midiática. Na esteira da vitória do ex-
capitão, uma série de políticos truculentos foi eleita nas últimas eleições.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, é um destes. No último sábado
(04), Witzel participou de uma operação policial a bordo de um helicóptero. Antes
de embarcar no veículo, Witzel gravou um vídeo e divulgou no seu Twitter. No
vídeo, o governador diz, em estado de exaltada excitação, que a operação iria
“acabar de vez com essa bandidagem”. Anunciou, triunfante, que “acabou a
bagunça, vamos colocar ordem na casa”.
Tiros disparados do helicóptero atingiram um ponto de apoio para peregrinação de
evangélicos, o qual foi confundido com uma casamata do tráfico. “Aos sábados,
cerca de 30 pessoas sobem o morro para orar. Algumas passam a noite
acampadas ali. Poderia ter sido uma tragédia”, disse o diácono da Assembleia de
Deus Shirton Leone.
Das duas, uma.
Talvez tenhamos descoberto o tipo perfeito de governante para o combate à
criminalidade. Neste caso, nas próximas eleições quem sabe devamos eleger o
Rambo. Mesmo sendo um personagem fictício, sua habilidade com a metralhadora
certamente será mais útil que os vídeos de Witzel para “colocar ordem na casa” e
magicamente acabar com a “bandidagem”.
A outra hipótese é que o debate público foi de tal maneira envenenado pelo
discurso punitivo que governantes sentem-se impelidos a agirem desta forma
estúpida, grotesca, irracional, inútil – insira aqui seu adjetivo.
Se a grande mídia escolhe os assuntos que pretende transformar em pauta, por
consequência define também, em boa medida, quais serão escamoteados do
debate público.
Um bom exemplo é o recorde de liberação de agrotóxicos levado à cabo pelo
governo Bolsonaro. São 166 novos produtos liberados nos primeiros 4 meses de
governo. Uma das substâncias liberadas foi uma variante do glifosato, que é
associado por diversos estudos à incidência de câncer. Outro pesticida dos mais
consumidos no país, a atrazina, é associado à malformação fetal e é proibida na
União Europeia.
A liberação sem precedentes de agrotóxicos atinge praticamente toda a
população, excetuando-se apenas aqueles que alimentam-se exclusivamente de
produtos orgânicos. Mesmo diante de tamanho potencial danoso, a questão é
abordada apenas lateralmente pela imprensa tradicional.
Imagine uma cobertura sobre o tema nos moldes da realizada sobre a Lava Jato.
Uma avalanche diária de matérias, entrevistas com pesquisadores e médicos,
reportagens sobre os trâmites governamentais para liberação dos produtos ou
sobre a maior incidência de casos de leucemia e linfoma em Mato Grosso, estado
que mais consome agrotóxicos no país.
Possivelmente, o fato de estarmos consumindo alimentos com tamanho potencial
nocivo seria assunto nacional e permearia as conversas cotidianas da população.
O provável resultado seria uma maior intensidade da pressão sobre o governo
para que agisse em defesa da população.
A mídia é muitas vezes chamada de quarto poder, o que é uma imprecisão: sua
força, especialmente levando em conta a asfixiante concentração de mídia
brasileira, a coloca, atualmente, acima do Executivo, do Legislativo e do Judiciário
na capacidade de influenciar o país. A consequência de tamanho poder nas mãos
de um punhado de cidadãos ricos e reacionários é a catástrofe política e social na
qual estamos mergulhando com exasperante rapidez.

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