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POLÍTICA
(/TEMA/POLÍTICA)
! MILITAR DO EXÉRCITO
FOTOGRAFA OPERAÇÃO MILITAR
NO RIO DE JANEIRO
Na primeira metade da
década de 1990, os
primeiros governos depois
da Constituição usaram os
militares em momentos de
caos e violência,
principalmente no Rio de
Janeiro. Mas ainda se
buscava entender o que
seria a garantia da lei da
ordem, que é o que hoje
chamamos de GLO.
O governo Fernando
Henrique [Cardoso] criou o
Ministério da Defesa, que é
o que define o controle civil
das Forças Armadas, e a
tradição, até o governo
[Michel] Temer, era que
esse cargo fosse exercido
por um civil. O governo
[Luiz Inácio] Lula seguiu na
busca de tentar determinar
como seria a atuação das
Forças Armadas, por meio
do ex-ministro da Defesa
Nelson Jobim,
normatizando as GLOs.
Quais os impactos de
usar as Forças
Armadas como forças
policiais? Por que
esses impactos
ocorrem?
NATALIA VIANA No meu livro
“Dano colateral”,
argumento que houve três
impactos do aumento do
uso das GLOs e do Exército
como polícia. O primeiro
foram as mortes e as
violações de direitos
humanos. Eu contabilizei 35
mortes diretas pelo Exército
em GLOs até 2019, mas elas
são só a ponta de um
iceberg. Porque, além das
mortes, tem centenas de
denúncias de violações de
direitos humanos, algumas
gravíssimas como tortura
dentro da Vila Militar, com
evidências materiais, com
exame de corpo de delito.
Três procedimentos foram
abertos na Justiça Militar,
sem conclusão. É um custo
de vidas humanas e de
violações de direitos
humanos.
Depois, tem uma segunda
camada que é o fato de os
militares se tornarem cada
vez mais similares à polícia,
por conta da falta absoluta
de punição a essas violações
que descrevi. Na primeira
operação, sob Nelson
Jobim, tinha uma certa
supervisão da Justiça
Comum, e depois eles
conseguiram modificar a
legislação para jogar todos
os abusos para a Justiça
Militar, onde ninguém é
punido. Houve uma única
punição, que é o caso do
músico Evaldo Rosa, que foi
fuzilado [dentro do próprio
carro]. Mas houve recurso e
os autores do crime
continuam soltos. Então os
militares de baixa e alta
patente vão ficando cada
vez mais abusados. E isso é
a essência do que é a
palavra corrupção. Como
não há punição, as Forças
Armadas vão se
corrompendo.
Como a criação da
Comissão Nacional da
Verdade mexeu na
relação entre militares
e os governos petistas?
NATALIA VIANA A Comissão
Nacional da Verdade foi um
ponto crucial para o
esgarçamento das relações
entre as Forças Armadas e o
governo Dilma. Na lei que
criou a comissão, havia a
perspectiva de que se
apurasse também os crimes
cometidos pelas guerrilhas
de esquerda, mas o primeiro
ato dos membros eleitos foi
deixar claro que eles se
debruçariam apenas sobre
crimes de Estado.
Com Bolsonaro, já é um
governo de militares. Não
um governo militar nem um
governo civil, mas um
governo de militares. Uma
parte significativa de
generais são próximos do
governo, e aqueles que não
apoiam foram sendo
ostracizados. O Bolsonaro
foi muito inteligente em
manobrar isso. Há uma
proximidade muito grande
entre os generais que
ocupam o Ministério da
Defesa e o Exército, num
uso político para
amedrontar não só as forças
opositoras, mas também o
Judiciário, apoiando
discursos golpistas contra as
eleições.
A intervenção na
segurança pública do
Rio de Janeiro em
2018 foi o ápice do
protagonismo militar
em missões de GLO?
Como os militares
saíram daquela
intervenção, em
termos políticos e no
que se refere à
imagem diante da
opinião pública?
NATALIA VIANA Foi o auge
da GLOs, porque foi
praticamente um ano em
que toda a segurança
pública do estado do Rio de
Janeiro ficou na mão de um
militar, o general [Walter]
Braga Netto, que sai como
candidato a vice-presidente
para a reeleição de
Bolsonaro [em 2022]. O uso
do Braga Netto no governo
Bolsonaro tem o mesmo
significado político do [ex-
juiz da Lava Jato Sergio]
Moro como ministro [da
Justiça]. São dois servidores
públicos com proeminência
em momentos-chave da
nossa sociedade sendo
usados na política e
apostando depois em
carreiras políticas. É um
desvirtuamento tanto da
Lava Jato quanto da
intervenção.
Nas palavras do
Etchegoyen, a intervenção
no Rio de Janeiro foi “um
banho de loja”, um choque
de gestão numa situação
caótica da segurança
pública. Houve um
investimento enorme e os
militares reorganizaram a
força de segurança do
estado. Foram mais de 200
incursões em favelas. Os
militares controlaram um
pedaço do Rio.
Na sua avaliação, as
Forças Armadas, como
instituição, abriram as
portas para Bolsonaro
nos anos que
precederam as
eleições de 2018?
NATALIA VIANA Sim. voltou a
se permitir que Bolsonaro
fizesse proselitismo,
pregação e pedisse votos
dentro do Exército. Além
disso, os colegas do
Bolsonaro chegaram às
graduações superiores.
Quem foi colega dele na
Aman [Academia Militar
das Agulhas Negras] chegou
nessa época a general. É o
caso do general [Luiz]
Eduardo Ramos [ex-
ministro de Bolsonaro], que
passou a fazer parte do Alto
Comando do Exército e a
convencer os demais de que
não havia nada demais em
deixar o Bolsonaro fazer
política nos quartéis.
Foi um momento
absolutamente fora das
quatro linhas da
Constituição, como eles
adoram falar. O próprio
Villas Bôas reconhece no
livro dele que ele acha que
saiu barato. Quer dizer, foi
um momento em que o
Exército se afirmou como
força política, e o primeiro
passo para eles se
engajarem no governo do
Bolsonaro. Um momento
muito triste e um marco da
derrocada da nossa
democracia.
O impeachment da Dilma é
de 2016, bem antes desse
tuíte [do Villas Bôas].
Também nessa época,
houve pelo menos dois
jantares em que estiveram
Temer, Etchegoyen e o
Villas Bôas. É algo que é
descrito pelo próprio Temer
no seu livro de memórias.
Os militares participaram
ativamente de um acordão
pelo impeachment. O tuíte
de 2018 escancara
publicamente o papel que o
Exército quis assumir.
Na sua avaliação, por
que Dias Toffoli, então
presidente do
Supremo, levou
militares para dentro
da estrutura do
tribunal em 2018?
NATALIA VIANA O Dias
Toffoli tinha uma percepção
de que os militares estavam
tendo um papel de
estabilização depois do
impeachment da Dilma. Ele
deixou isso muito claro, mas
apostou erroneamente que
poderia se fazer uma aliança
positiva. Ele acredita nisso,
que as Forças Armadas têm
um papel crucial na
estabilização da nossa
democracia. Mas não sei se
ele faria a mesma coisa
hoje.
Antes da posse de
Bolsonaro, os
militares eram vistos
como uma espécie de
freio a eventuais
arroubos extremistas
de Bolsonaro. Esse
papel chegou a ser
exercido em algum
momento?
NATALIA VIANA Segundo a
apuração do repórter
Vasconcelo Quadros
[colaborador da Agência
Pública], houve um
momento, no começo da
pandemia, que os militares
tentaram manter o [ex-
ministro da Saúde Luiz
Henrique] Mandetta no
cargo. Os generais
acreditam na ciência, eles
têm uma educação
sofisticada. Há uma cena
que nos foi descrita segundo
a qual os militares
chegaram a emparedar o
Bolsonaro nesse sentido,
mas ele conseguiu reverter
essa situação com uma
campanha de
desinformação e de
assassinato de reputação do
Mandetta via redes sociais,
criando uma demanda
social que não existia.
Com Bolsonaro no
governo, as Forças
Armadas voltaram a
exaltar oficialmente o
golpe de 1964,
associando aquela
ruptura a um
movimento
“democrático”. Como
isso é possível?
NATALIA VIANA A principal
lição dos últimos dez anos é
que tudo é possível. Cria-se
narrativas para justificar
tudo e basta você ter uma
massa de pessoas que
acreditam e apoiam sua
versão para que isso seja
verdade. É o caso da
justificativa de que o golpe
de 64 foi dado para acabar
com a corrupção que
vicejava, na visão dos
militares, no governo João
Goulart e frear um pretenso
avanço comunista no país.
De que foi algo democrático,
que duraria inicialmente
pouco tempo mas acabou
durando 21 anos para
defender o Brasil e a
sociedade.
Depois de todos os
absurdos, torturas,
execuções, enfim, depois
que ficou muito mais claro
que foi uma ditadura, um
golpe em que um grupo
sobrepujou outro, essa
justificativa foi superada
historicamente.
A retórica do Bolsonaro
confunde muito, de
propósito, diferentes
argumentos em prol da
democracia. Por exemplo,
atacar as urnas eletrônicas,
um sistema ilibado, sob o
argumento de preservar a
integridade do voto, de
preservar a democracia.
Com a eleição de
Bolsonaro, os
militares da ativa e da
reserva passaram a
ocupar cada vez mais
postos na máquina
pública. A que se deve
o fato de Bolsonaro ter
apostado tanto nas
Forças Armadas, pelo
menos inicialmente,
para gerir o país?
NATALIA VIANA Na origem
do ethos bolsonarista, há o
pensamento de um homem
educado dentro do Exército,
durante a ditadura militar,
segundo o qual os militares
são gestores eficientes. E,
principalmente, que não são
corruptos. Essa ideia dos
militares como bons
gestores cresce durante a
democracia e o primeiro
passo para ela se
corporificar é justamente a
intervenção no Rio de
Janeiro.
Qual é a dimensão
atual do engajamento
militar ao
bolsonarismo? Em que
medida a base e a
cúpula estão com o
presidente?
NATALIA VIANA São
perguntas infelizmente
impossíveis de responder,
porque os militares não
falam muito. Grupos
organizados de militares da
base estão descontentes,
com sindicatos apontando
que Bolsonaro traiu a base
para se aliar aos generais. É
uma turma que vê uma
grande diferença de
tratamento das altas
patentes para as baixas
patentes. Quem se
beneficiou com a reforma
da Previdência foram os
militares da alta patente,
muito mais. Os militares de
baixa patente e
principalmente os
temporários são
maltratados no Brasil.
No entanto, há um
alinhamento de todo o
extrato militar com valores
de direita, como
militarismo, patriotismo,
família, propriedade. As
Forças Armadas são
homofóbicas e misóginas,
não tem nenhuma
possibilidade de uma
mulher ser general em um
futuro próximo.
Em agosto de 2021, a
Câmara avaliou a
criação do voto
impresso. Ao mesmo
tempo, as Forças
Armadas desfilavam
do lado de fora. Qual o
simbolismo daquele
momento? Por que as
Forças Armadas
aceitaram desfilar ali?
NATALIA VIANA O
simbolismo desse momento
é extremamente forte, assim
como em todos os atos em
que Bolsonaro busca colar
sua imagem à do Exército.
Ele trabalha por
manipulação de discursos e
da realidade através de
narrativas e simbolismos.
As Forças Armadas estavam
com comandantes novos,
para quem não era uma
opção não acatar as ordens
de Bolsonaro. E acabou não
sendo sequer uma
demonstração de força, mas
de decadência moral e
fraqueza real das nossas
Forças Armadas, com
aqueles tanques soltando
fumaça.
O dia 7 de setembro de
2021 foi cercado de
temores de um
eventual golpe, algo
que não ocorreu. Na
sua avaliação, havia ali
algum risco real de
ruptura institucional?
Como avalia o papel
das Forças Armadas
naquele momento?
NATALIA VIANA Discordo da
visão de que havia um
temor de algo que não se
realizou. Houve ações
seríssimas, com
caminhoneiros bloqueando
estradas pelo Brasil. Houve
um grupo que acampou e
tentou invadir o Supremo.
Isso é bastante sério e essas
pessoas não foram punidas.
As manifestações foram
também bastante grandes.
O Bolsonaro fez um teste e
voltou atrás com o auxílio
da turma do deixa disso,
Temer e seus aliados. Mas
foi um grande ensaio. Foi
uma demonstração maciça
de intento de ruptura
institucional real que não
foi punida.
É um papel de
desestabilização da nossa
democracia vindo de dentro
das Forças Armadas. É uma
situação absurda que
deveria ser punida. O
ministro da Defesa e os
generais que se meteram
nisso têm que ser
penalizados.
É engraçado porque, na
doutrina das Forças
Armadas, sempre se falou
de inimigo interno. Hoje em
dia elas que são o inimigo
interno da democracia.
Em 2022,
organizações ligadas a
generais da reserva
lançaram o
documento “Projeto
de Nação”, em que
vislumbram cenários e
propõem políticas
públicas a serem
implementadas no
país ao longo dos
próximos 13 anos. O
texto emula ideias
geopolíticas do
escritor Olavo de
Carvalho, reproduz
teses
antiambientalistas do
bolsonarismo, reforça
críticas presidenciais à
atuação do Judiciário
e propõe planos
economicamente
liberais como cobrar
mensalidade nas
universidades públicas
e por atendimento no
SUS. Em que medida
esse texto representa o
pensamento das
Forças Armadas
brasileiras?
NATALIA VIANA Esse é
projeto de um grupo
político próximo ao Villas
Bôas que teve uma atuação
política muito grande no
começo do bolsonarismo. É
o mesmo grupo que fez a
articulação pró-
impeachment de Dilma e a
transição para o governo
Temer. São generais
influentes, mas não acho
que o documento
representa o pensamento
das Forças Armadas
brasileiras como um todo.
Na sua avaliação, o
que levou essa geração
de generais a buscar
um protagonismo
político tão grande
após o período de
submersão pós-
ditadura?
NATALIA VIANA As Forças
Armadas brasileiras
receberam um grande afago
da imprensa na democracia.
Quando lançamos a Agência
Pública em 2011, havia
pouquíssimas investigações
sobre crimes da ditadura.
Por isso, essa foi uma das
nossas prioridades nos
primeiros anos. Além disso,
os nossos governos,
incluindo Lula e Dilma,
deram proeminência
política a alguns generais.
Tem também o fato de
vivermos um período de
instabilidade política que
começou em 2013. Os
militares, com sua
autoconcepção de
fundadores da nação e
tutores da nossa
institucionalidade, sentiram
que eram os mais
preparados para superar
esse momento. E eles têm a
convicção que o Brasil é um
país conservador, e que os
militares foram chamados
para responder aos anseios
da nação.
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