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Militarização e milicianização da
Segurança Pública no Rio de
Janeiro1
Carlos Henrique Aguiar Serra2
Luís Antônio Francisco de Souza3
RESUMO
O presente artigo pretende argumentar que há uma nova tendência da militarização da segurança pública
no Brasil. A militarização da segurança e a policialização das forças armadas fazem com que estas
instituições percam sua especificidade constitucional. Trata-se de uma continuidade da ditadura de 1964-
1985 em que ocorreu a politização dessas instituições. O artigo argumenta, a partir de uma revisão
bibliográfica e do debate público, que o eixo deste processo se encontra na violência policial, na ausência
de accountability das polícias e na maior presença de grupos paramilitares organizados nas periferias
urbanas. No caso específico do Rio de Janeiro, observa-se que a militarização se coaduna com o processo
de milicianização da segurança pública. Esta milicianização se potencializa em larga escala a partir da
segunda metade dos anos 1990, no Rio de Janeiro. Assim sendo, pretende-se discutir no contexto da
tomada do poder pela extrema-direita no Brasil, esta “milicianização” das polícias militares, mas também,
da segurança pública no Rio de Janeiro. Por fim, argumenta-se que há uma rotinização do estado de
exceção, segundo inspiração teórica de Giorgio Agamben.
Introdução
1
GT 13 - CONTROLE SOCIAL, SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS.
2
Doutor em História. Professor adjunto do Departamento de Ciência Política e da Pós-Graduação em
Ciência Política da UFF. E-mail: chaserra@id.uff.br.
3
Doutor em Sociologia. Professor livre-docente do Departamento de Sociologia e Antropologia e do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unesp, campus de Marília. E-mail:
luis.af.souza@unesp.br.
certamente, como queima de arquivo. Ainda não se apurou adequadamente quem foram
os mandantes da execução (RAMALHO, DEMORI, 2018; RODRIGUES, 2020).
Estas são cenas corriqueiras de abuso e violência por parte de policiais militares,
agindo como membros de gangues urbanas ou de milícias. Além das chacinas, das
ameaças e de toque de recolher, as polícias e as milícias desenvolvem ações muito
parecidas. No final de 2019, a presidência da república enviou um Projeto de Lei ao
Congresso que amplia as circunstâncias em que militares que atuam em Operações de
Garantia da Lei e da Ordem podem matar civis sem serem punidos. O que é conhecido
juridicamente como excludentes de ilicitude, ou seja, as circunstâncias que autorizam a
morte sem que isso seja considerado homicídio diante da lei.
A propositura de uma lei que na prática normaliza a exceção é um dos
componentes essenciais de um estado de exceção. Porque, na verdade, trata-se de inserir
na lei a impunidade que já ocorre na prática. Por exemplo, desde 2010, nenhum militar
foi condenado pela morte ou lesão de civis em ações autorizadas pelas GLO. O quadro
da milicianização da segurança pública se completa com o desmantelamento dos órgãos
de controle, como as ouvidorias de polícia. Os casos de violência por parte da polícia
militar, por parte de militares em ações de policiamento e de milicianos demostram os
dois padrões clássicos de atuação criminosa do Estado: a) a vítima da violência policial
torna-se algoz, sendo enquadrada legalmente como tendo cometido crime contra os
policiais; b) a chamada resistência seguida de morte ou auto de resistência, em que a
pessoa assassinada pela polícia torna-se responsável pela sua morte, porque a polícia
instaura procedimento para investigar a responsabilidade do morto(!) Mutatis mutandis,
este é o modelo que estamos vendo se reproduzir em todas as ações das milícias e nos
discursos dos políticos, dos comandantes das forças e de pastores neopentecostais que
as apoiam.
Considerações finais
Referências
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