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AO(À) SENHOR(A) DELEGADO(A) DE POLÍCIA DA DELEGACIA ESPECIAL

DE REPRESSÃO AOS CRIMES POR DISCRIMINAÇÃO RACIAL,


RELIGIOSA, OU POR ORIENTAÇÃO SEXUAL OU CONTRA A PESSOA
IDOSA OU COM DEFICIÊNCIA, DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO
FEDERAL – DECRIN/PCDF.

CENTRO BRASILIENSE DE DEFESA DOS DIREITOS


HUMANOS, doravante denominado simplesmente CENTRODH, pessoa jurídica de
direito privado sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ nº 13.404.164/0001-26, vem
respeitosamente à Douta presença de Vossas Excelências, por intermédio dos
representantes abaixo signatários, apresentar o presente

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS

Em especial no que tange às apurações de prática de conduta preconceituosa e


discriminatória (delitos previstos na Lei 7716/89, entre eles, o de “racismo”), em face da
COMPANHIA DO METROPOLITANO DO DISTRITO FEDERAL – METRÔ,
pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.

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I – BREVE SÍNTESE DOS FATOS.

No dia 14/04/2021, por voltas das 13h20min, na estação Feira do metrô, o


cidadão Rafael dos Santos Cruz, foi abordado de forma abrupta, abusiva e agressiva, pelos
agentes de segurança Alexis Germano Grangeiro e Luiz Paulo dos Santos, em condições
nos levam a crer a prática discriminatória do racismo.

Naquelas condições de tempo e espaço, segundo o boletim de ocorrência


2.571/2021-0, da Polícia Civil do Distrito Federal, o cidadão Rafael, negro, foi abordado
pelos referidos agentes de segurança quando teria forçado o embarque em um dos vagões
quando a porta já estava fechada. Na versão dos agentes de segurança, Rafael teria se
recusado a sair do trem após ordem dada e os teria xingado.

Na versão de Rafael, este teria saído do vagão em que estava e adentrado


outro que estava mais vazio, vez que eram aproximadamente 13h, momento em que o
volume de passageiros que se utilizam do serviço público de transportes numa sexta-feira
era de grande volume, e por medo de estar em aglomeração elevada preferiu ocupar carro
com menos passageiros. Ao se dirigir a esse outro carro, as portas começaram o
fechamento e Rafael adentrou rapidamente no vagão onde as portas já estavam se
fechando. Com a nova abertura das portas, os agentes realizaram a abordagem de Rafael
e este teria questionado os agentes por qual razão apenas ele estaria sendo abordado,
momento em que teria levado uma “gravata” (técnica de imobilização), e sido retirado à
força do vagão. Rafael negou qualquer agressão ou xingamento aos agentes.

Ainda que fosse verídica a afirmação dos agentes de segurança – qual narra
o embarque forçoso – a prática é comum em todas as estações de metrô, principalmente
por ciclistas (que impedem a saída dos transportes metroviários com o uso de suas
bicicletas acidentalmente), como também por outros passageiros em situação idêntica ou
similar a que estava Rafael, ainda mais em horário de rush, onde os vagões beiram a
lotação máxima. Desta forma, a abordagem realizada apenas contra Rafael, mesmo que
na suposta situação narrada, traz dúvidas sobre suas reais motivações.

O acontecimento em questão, fartamente noticiado pela imprensa e pelas


mídias sociais, chama a atenção para o fato de que, em razão das justificativas
contraditórias apresentadas pelo Metrô-DF para tentar justificar a abordagem, e o modo

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como essa foi realizada pelos agentes de segurança, o cidadão Rafael possa ter sido
vítima de racismo.

O site do Correio Braziliense1 noticiou que Rafael teria sido retirado do


trem pelos agentes de segurança pois estaria praticando mendicância das dependências
do metrô, o que infringiria o RTTS (Regulamento de Transporte de Tráfego e Segurança).
Já o site G12 noticiou que Rafael teria sido abordado simplesmente por não estar usando
máscara, conforme teria sido informado pelo Metrô-DF. No entanto, um vídeo gravado
pelos passageiros, e juntado nessa última reportagem, mostra que Rafael estava sim
fazendo uso de máscara, logo, não haveria razão para a abordagem realizada pelos agentes
de segurança.

É fato incontroverso que todas as notícias relacionadas ao fato mostram a


indignação e revolta dos demais passageiros com a abordagem realizada.

Rafael dos Santos Cruz é um artista de rua, negro, que ganha a vida
recitando poesias pelas ruas do Distrito Federal. A forma como foi abordado, e as versões
controversas apresentadas pelo Metrô-DF para tentar justificar a abordagem realizada
unicamente a Rafael, nos levam a crer a prática de racismo.

Frise-se que, conforme informação colhida junto à Polícia Civil do Distrito


Federal, chama muito a atenção o fato de que os agentes que praticaram a abordagem
estão envolvidos em mais de 60 ocorrências acontecidas nas dependências do Metrô-DF,
o que requer uma apuração ainda mais cuidadosa dos fatos.

Logo, essa delegacia especializada deve instaurar inquérito policial para


uma melhor apuração e esclarecimento do fato.

1
https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2021/05/4924618-homem-retirado-a-forca-do-metro-
no-df-recitava-poesia-para-sustentar-familia.html. Acesso em 24/05/2021.
2
https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/05/14/video-jovem-e-retirado-de-vagao-por-nao-
usar-mascara-diz-metro-df.ghtml. Acesso em 24/05/2021.
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II – DA FUNDAMENTAÇÃO LEGAL.

Consta como mandado expresso de criminalização no artigo 5°, inciso


XLII, do Texto Magno que o “Racismo é crime inafiançável e imprescritível, sujeito a
pena de reclusão, nos termos da lei”.

Ademais, notório é o conhecimento de que a igualdade constitui-se como


um dos mais relevantes direitos individuais estampados no caput do mesmo artigo 5° da
Constituição, e é tido como um de seus mais importantes princípios.

Embora a Constituição Federal tenha colocado em relevo o tema, na


prática não se tem verificado o devido cumprimento das normas constitucionais acima
referidas, com a ênfase necessários.

O artigo 4º da Lei 8.429/92 estabelece que “os agentes públicos de


qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios
da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são
afetos”. E, em seu artigo 11, a lei diz que “constitui ato de improbidade administrativa
que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que
viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”.

Ora, não podemos olvidar que o bem jurídico tutelado nos crimes de
racismo e nos demais delitos da Lei n. 7716/89 é a IGUALDADE e, por questões culturais
ou mesmo por mero desconhecimento, até, tem sido a questão relegada a um papel
secundário e quase insignificante no meio criminal.

É sabido, repita-se, que o problema não é apenas nosso. Há carência de


aprofundamento nas – muitas vezes – precárias investigações feitas pela polícia, como
também, por vezes, decisões judiciais desfavoráveis ao interesse da causa da igualdade
são proferidas no âmbito do Poder Judiciário.

Em resumo, sob a ótica dos signatários do presente requerimento, há muito


a avançar na melhoria da atuação criminal visando ao combate dos crimes de intolerância.

Incumbe salientar que a cada dia tem sido noticiado pela imprensa mais e
mais crimes de preconceito e de discriminação (inclusive vários casos específicos de
racismo) e também delitos de injúrias qualificadas. Vale ressaltar ser grande o número de

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delitos não comunicados às Autoridades, formando o contingente denominado de
subnotificação.

Assim, faz-se necessária a tomada de medidas candentes e efetivas para


salvaguardar e para melhor atender as vítimas de tão graves condutas, como também para
defesa de uma sociedade mais igualitária.

Convém fixar que a Constituição de 1988, tão cuidadosa em eleger a


dignidade da pessoa humana e o pluralismo dos modos de vida como seus pilares, foi
pródiga na seção dedicada à Cultura (artigos 215 e 216). Cabe ao Estado valorizar a
diversidade sociocultural brasileira, e não impor às pessoas o seu padrão estético.

III – DOS PEDIDOS.

Pelo contexto exposto, o Requerente postula a adoção de providências


urgentes por parte de Vossa Senhoria, no que tange à elucidação dos fatos
supramencionados, requerendo:

1. Que o Metrô-DF para que informe por qual razão, de fato, o cidadão Rafael dos Santos
Cruz foi abordado;
2. Que o Metrô-DF informe se há registros recentes, devidamente detalhados, de outros
cidadãos abordados praticando mendicância;
3. Que o Metrô-DF informe se há registros recentes, devidamente detalhados, de outros
cidadãos abordados em virtude da falta de uso de máscaras;
4. Que o Metrô-DF informe apresente a ficha funcional dos agentes de segurança
envolvidos na ocorrência (Alexis Germano Grangeiro e Luiz Paulo dos Santos);
5. Que seja requerido ao Metrô-DF o afastamento preventivo de funções quem envolvam
o atendimento ao público dos agentes de segurança Alexis Germano Grangeiro e Luiz
Paulo dos Santos, enquanto os fatos não forem efetivamente elucidados;
6. Que sejam apresentadas todas as ocorrências policiais envolvendo os agentes de
segurança Alexis Germano Grangeiro e Luiz Paulo dos Santos inerentes às suas
funções;
7. Que o Metrô-DF informe a periodicidade e metodologia do treinamento dos seus
agentes de segurança, e quando se deu o último treinamento dos agentes envolvidos
na ocorrência;
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8. Que o Metrô-DF informe se realiza campanhas de enfrentamento ao racismo e à
discriminação;
9. Que o Metrô-DF apresente imagens das câmeras de segurança em que conste a
abordagem ao cidadão Rafael dos Santos Cruz;
10. Que, com base em todas as informações, principalmente no tocante à conduta praticada
pelos agentes, que o Metrô-DF seja responsabilizado pela prática de racismo, com a
aplicação das devidas sanções legais;
11. A abertura de inquérito policial para apuração da prática de racismo pelos referidos
agentes de segurança.

Termos em que pede,

E espera deferimento.

Brasília – DF, 24 de maio de 2021.

MICHEL PLATINI GOMES FERNANDES


Presidente do CENTRODH

WESLEY JOSÉ DA SILVA


Advogado – CENTRODH
OAB/DF 57.442

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