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A ERA DA GRANDE REFORMA POLICIAL: O FIO DA MEADA45

Lúcio Emílio do Espírito Santo46


Amauri Meireles47

Qualquer estudo sobre violência e criminalidade neste país terá necessariamente que considerar os anos
setenta como marco inicial de uma nova era, a partir da qual se podem observar mudanças nos padrões da
delinquência e mudanças nos padrões sociais. Em outras palavras, a década de setenta permite visualizar um
antes e um depois, dois momentos bastante distintos, marcados por uma era que agonizava e por um novo tempo,
com suas conquistas, mas também com suas mazelas.
Uma vista "aérea" sobre esse período de pouco mais de três décadas nos permite encontrar pelo menos
dois "pontos de virada", que aqui serão utilizados como marcos históricos.
O primeiro - e os que o viveram sabem que não houve outro mais difícil na história recente do país -
foi a ruptura da ordem institucional em 1964 e o radicalismo bilateral dos anos 1967/ 68/69, em que a tensão
política entre esquerda e direita levou à supressão das liberdades constitucionais. Em meio a essa turbulência,
dá-se a implantação de um novo modelo de segurança pública, a chamada Grande Reforma Policial, nome
atribuído ao movimento em favor de mudanças institucionais deflagrado naquele triênio, que consistiu
basicamente na quebra do pluralismo policial e consequente absorção de corporações policiais civis (Guarda
Civil, Corpo de Fiscais de Trânsito) pelas polícias militares, as quais, por sua vez, se deu exclusividade para o
exercício do policiamento ostensivo fardado, ressalvadas as missões das Forças Armadas. Essa primeira fase
(ver ilustração a seguir), aqui denominada de implantação de um novo modelo de segurança pública, inicia-se em
1967, ano em que foi editado o Decreto-Lei 317.
O segundo momento abrange a primeira transição democrática, período em que se estabelece um
conjunto de mudanças visando à instalação de um governo democrático (O'DONNELL, Op. cit.).

Ciclo da Grande Reforma Policial de 1967

45 ESPÍRITO SANTO, Lúcio Emílio e MEIRELES, Amauri. Entendendo a nossa Insegurança. Minas Gerais. João Pessoa: Ideia
Editora, 2020. p. 165-177. O texto não sofreu alterações para a publicação neste periódico por se tratar de uma seção específica
sobre capítulos de livro, no entanto, foi necessário adequá-lo ao formato desta revista eletrônica.
46 Coronel Veterano, ex-comandante de Batalhão e Chefe do Estado-Maior do Comando de Policiamento da Capital. Pós-graduado
em Teoria e Método em Ciências Sociais. Co-autor do livro Entendendo a nossa insegurança. E- mail: lucio@bdonline.com.br
47 Coronel Veterano da PMMG, foi Comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG) Possui graduação em Educação
Física pela Escola de Educação Física do Exército (1996) e graduação em Curso Superior de Polícia - Polícia Militar do Estado
de Minas Gerais (1983). http://lattes.cnpq.br/4655808219545440. E-mail: amauri.meireles.cel@gmail.com
VIGILANTIS SEMPER – Revista Científica de Segurança Pública (RCSP)
Natal: PMRN, volume 2, número 2 , p. 85 – 120 fev./jun. 2022.
Lúcio Emílio do Espírito Santo
e-ISSN: 276-43069 Amauri Meireles

É conveniente ressaltar que a Reforma habilidade pelos estrategistas políticos do regime


Policial de 1967 não foi motivada pela ameaça do militar.49
aumento da criminalidade comum, mas pelo Superadas nos anos seguintes as ameaças da
agravamento das tensões políticas internas. De um luta armada, as mudanças introduzidas pela Grande
lado, era preciso retirar das forças públicas estaduais Reforma Policial se revelaram de muita utilidade,
o seu “poder militar”, promover o seu porque, ao eclodir a violência urbana, sobretudo nas
desarmamento e desmobilização, que tantos áreas metropolitanas recém-formadas ou em
problemas políticos haviam gerado no equilíbrio formação, já havia, pelo menos em tese, um sistema
federativo48. Até então, pairava o perigo da contra capaz de responder a esta nova ameaça.
insurgência de algum governador, que certamente A fase seguinte, aqui chamada de consolidação
faria uso de sua força pública ou para atacar outro do modelo, começa em 1979, ocasião em que a
Estado ou para desafiar o poder central. Estavam chamada "violência urbana" apresenta contornos
bem presentes na mente dos estrategistas militares preocupantes, e vai até 1988, ano em que é
exemplos, como os de 30, 32 e a própria Revolução promulgada a nova Constituição brasileira,
de 64, em que os "pequenos exércitos estaduais" marcando definitivamente o retorno do país à
tiveram participação decisiva. De outro lado, a normalidade democrática. A ideologia da Grande
reação, inclusive armada, contra o Regime, havia Reforma, se não é totalmente abandonada, perde
levado ao Ato Institucional nº 5, com o fechamento força, caracterizando a fase de exaustão do modelo. A
do Congresso e a supressão das liberdades partir daí, são notáveis as mudanças
democráticas. Houve um esboço de reação à comportamentais da instituição-polícia e das
desmobilização das polícias militares em várias comunidades, ficando clara a decadência progressiva
unidades da federação, mas a situação é logo do modelo implantado em 1967.
contornada, sobretudo porque o policiamento Em síntese, a partir dos anos 90, sobreveio a
ostensivo geral - a verdadeira vocação dessas crise gerada pelo fim de uma onda de mudanças,
instituições - estava sendo considerado sua missão patrocinada por uma concepção autoritária, e pelo
primordial, além de ampliado com outras início de uma outra, antagônica à anterior, fundada
competências específicas, como o policiamento de nos princípios da liberdade e da participação
trânsito, rodoviário e florestal. Aquele espírito popular. Coerentes com o nosso ponto de vista, o
civilista, tão bem analisado pela socióloga Heloísa estudo desse ciclo ajuda a entender a insegurança.
Fernandes (1973), foi explorado com muita Na verdade, estávamos com a "casa desarrumada",
em reforma, em reconstrução, situação que às vezes é

48 ESPÍRITO SANTO, José. A PM vinculada a um tempo histórico e a uma estrutura de poder. In Polícia Militar e Constituição.
Visão de estadistas, políticos, juristas e profissionais de segurança pública. Belo Horizonte, PMMG, 1987. Conferir também Armas
da Cidadania. Belo Horizonte: Academia da Polícia Militar, 1995. Ver especialmente os artigos "Polícia Militar como polícia de
segurança pública” e “Quem somos nós?".
49 A socióloga Martha K. Huggins apresenta provas documentais de que a Seção de Segurança Pública do Governo Americano
(OPS) trabalhou discretamente nos bastidores procurando assessorar os membros da polícia brasileira na redação e
implementação do Decreto 667 e que a finalidade dessas mudanças era dotar o governo central federal dos meios para enfrentar
qualquer desafio potencial à sua autoridade. Essa questão merece maior exame, sobretudo para evitar a tese, a nosso ver,
insustentável, de que houve “militarização” das polícias estaduais para melhor combater a subversão. O mais correto seria dizer
que as polícias estaduais foram desmilitarizadas, lançadas na defesa anti-infracional, distanciadas da política, como forma de
prevenir principalmente a subversão dessas forças. Não poderia haver complicação maior para o regime que a contrainsurgência
de força militar de algum Estado. Até aquele momento os embates tinham sido contra grupos armados sem treinamento militar,
o que dava uma larga vantagem ao regime. (Ver f, Martha K. Polícia e Política: Relações Estados Unidos/América Latina.
Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo, Cortez, 1998).

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confundida com descaso, desorientação ou delitos, ficou com a Polícia Militar e toda atividade
incompetência, mas é um momento muito rico e cartorial, burocrática, de investigação e de
decisivo, que deveria carrear uma mobilização identificação de autoria de delitos, ficou com a
popular e um interesse político muito maiores do Polícia Civil. Os órgãos de polícia administrativa não
que o que temos visto. foram sequer citados, enquanto os Corpos de
Bombeiros foram incluídos na segurança pública. A
Implantação do modelo da grande competência das forças estaduais era exclusiva, ou
reforma policial (1967 - 1979) seja, não se admitia nenhum outro órgão atuando no
policiamento ostensivo. Em consequência, foram
A renúncia do presidente Jânio Quadros em
extintas a Guarda Civil, o Corpo de Fiscais de
1961 inaugura um novo período de turbulência
Trânsito e a Polícia Rodoviária do Departamento
política, que vai desaguar na Revolução de 1964. O
Estadual de Trânsito. Eis a íntegra do mencionado
novo regime, de feitio autoritário, introduz inúmeras
artigo:
mudanças nas instituições, adequando-as ao projeto
"Art. 2o - Instituídas para a manutenção da
político que intenta concretizar. Infelizmente, como
ordem pública e segurança interna nos Estados.
não poderia deixar de ser num regime que exclui
Territórios e Distrito Federal, compete às Polícias
desde logo a cidadania e a participação popular, as
Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições":
mudanças pecam pela concentração de poderes e
a) Executar com exclusividade, ressalvadas
pela orientação vertical.
as missões peculiares das Forças Armadas e os casos
Na área da proteção em geral, têm primazia
estabelecidos pela legislação específica. o
à segurança nacional, conceito universal ao qual os
policiamento ostensivo. fardado, planejado pelas
demais se filiam e se subordinam. O valor maior é a
autoridades policiais competentes, a fim de assegurar
defesa do Estado contra o inimigo externo
o cumprimento da lei, a manutenção da ordem
(comunismo internacional) e contra o inimigo
pública e o exercício dos poderes constituídos;
interno (partidários e simpatizantes do regime
b) Atuar de maneira preventiva, como força
comunista).
de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se
No final dos anos 60. com o
presuma ser possível a perturbação da ordem; c)
recrudescimento da violência política e
Atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação
comprometimento da Revolução, produziu-se uma
da ordem, precedendo o eventual emprego das
reforma, que se pretendia no sistema de segurança
Forças Armadas:
pública, mas que foi além, no sistema de defesa social,
d) Atender à convocação do Governo
através de vários diplomas normativos, dos quais o
Federal em caso de guerra externa ou para prevenir
mais importante foi o Decreto-lei 317, de 13 de
ou reprimir grave perturbação da ordem ou ameaça
março de 1967, modificado pelo Decreto-lei 667, de
de sua irrupção, subordinando-se ao Comando das
02 de julho de 1969, que reorganizou as polícias
Regiões Militares para emprego em suas atribuições
militares e os corpos de bombeiros militares dos
específicas de polícia militar e como participante da
Estados, Territórios e Distrito Federal. O seu Art. 2º
Defesa Territorial."50
trazia o novo modelo policial, guiado pelo ideal da
A leitura deste e de outros diplomas
unificação e concentração. Toda atividade policial
normativos da época desfaz a ideia pré-concebida de
ostensiva fardada de prevenção e repressão de
que a legislação do Regime Militar (legislação

50 BRASIL. Decreto Lei n. 667, de 02 de julho de 1969. Outros diplomas normativos da época são: Dec. Lei 1072, de 30 de dezembro
de 1969 ; Decreto 2010, de 12 de janeiro de 1983, alterando o Dec. Lei 667 e o Decreto n. 88.777, de 30 de setembro de 1983,
aprovando o Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R-200).

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revolucionária) "militarizou" as forças policiais destruição em massa jamais vistos, paradoxalmente


estaduais, que passaram a tratar delinquentes alternados com períodos de extraordinário
infratores como inimigos. Conforme sustentamos crescimento econômico e transformações sociais.
acima, houve, na verdade, a desmilitarização bélica Ainda de acordo com HOBSBAWM, a instabilidade
das forças públicas estaduais por motivos que política e social - com seu inevitável custo em sangue
convinha à manutenção do poder e à monopolização - gerou o quase desaparecimento das instituições da
da força pela União. Depreende-se, portanto, que a democracia liberal entre 1917 e 1942, levando ao
afirmativa de que as forças estaduais foram avanço do fascismo e seu corolário de movimentos
militarizadas ou criadas pela Revolução de 64 é e regimes autoritários. Por estes motivos, as forças
equivocada, quando não demagógica e, quem as faz, públicas estaduais, além de exercer o policiamento
demonstra desconhecer a própria história do ostensivo através de destacamentos, mantinham
Brasil.51 efetivos aquartelados, em condições de emprego
Em primeiro lugar, porque qualquer exame emergencial em caso de guerra externa. Até mesmo
isento revelará que as forças policiais estaduais o criticado controle das forças públicas pelo
sempre estiveram presentes no cenário nacional Exército, uma constante no período republicano, é
como forças destinadas à manutenção da ordem fruto de estratégias militares que remontam aos anos
pública, conceito doutrinário republicano que inclui que precedem a I Guerra Mundial, ocasião em que
a defesa anti-infracional. Toda a cultura dessas se esboçam os primeiros rudimentos de uma
instituições está sedimentada na secular prática do doutrina de segurança nacional.
policiamento ostensivo ou, conforme lição de Em segundo lugar, é possível que o equívoco
SOARES (1974), referindo-se à força pública de tenha origem na interpretação errônea do Art. 20 do
Minas Gerais, "sempre houve uma constante Decreto-lei 317, que criou a Inspetoria Geral das
axiológica a guiar a Polícia Militar na sua Polícias Militares (IGPM). Ao contrário do
verticalidade histórica. A manutenção da ordem pessimismo do primeiro momento, quando, à época,
pública como objeto e objetivo fundamentais, desde imaginou-se que seria uma autoritária e impenetrável
a sua criação em 10 de outubro de 1831. perde-se central de controle das forças militares estaduais, é
além desse limite para confundir-se com os de se admitir e registrar a extraordinária contribuição
primeiros povoados da então Capitania do Ouro.52 dada por aquele órgão no surgimento de uma
Isso quer dizer que o preparo e emprego genuína doutrina policial-militar brasileira, através de
dessas Corporações em atividades genuinamente interligação de conhecimentos, de métodos, de
militares, fruto de situações conjunturais de táticas e de técnicas policiais. Ao contrário do que
gravíssimas perturbações da ordem, sempre alguns pensam, o grande mérito da IGPM foi,
contrariam a sua natureza. O século XX, conforme permanentemente, catalisar o que de positivo,
bem mostrou HOBSBAWM (1998), é um breve criativo, inovador encontrava em alguns Estados,
espaço de tempo que se comprime entre dois sobre defesa social, irradiando, repassando a outros.
grandes conflitos mundiais, marcados por mortes e A grade curricular, para formação profissional,

51 Teresa Pires do Rio Caldeira, em sua obra já citada, diz textualmente: "A polícia militar atual foi criada pelo regime militar em 1969
e está encarrega- da do policiamento uniformizado de rua". Vários outros cientistas sociais têm incidido no mesmo equívoco. Isso
vem mostrar a realidade do desconhecimento das instituições policiais, por parte dos pesquisadores, fato já assinalado por Antônio
Luiz Paixão (A Organização Policial numa Área Metropolitana, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol 25, n. 1, 1982,
P:63); Marcos Luiz Bretas (A Guerra das Ruas. Povo e Polícia na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
1997, especialmente o Capítulo I, A polícia como objeto, pp. 19-34), dentre outros. Fora do Brasil.
52 SOARES, Waldyr. O policiamento e sua evolução nos últimos vinte anos. In Minas Gerais, Suplemento Especial da Polícia Militar.
Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1974.

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unificada, respeitada peculiaridade regional, por centralismo e não admitiam forças policiais
proposta das forças estaduais, não contemplava concorrentes com as polícias militares. Defendiam
matérias de formação bélica mas, sim, de preparação políticas retributivas, entendendo que "a missão da
para a proteção e o socorro públicos. Aos poucos, a polícia é lutar contra a desordem e o crime, não
verdade sobre a multissecular força estadual vem importando a classe social daquele que viola a lei."54
sendo restabelecida. Os publicistas, posto que não descartam o
caráter militar, enfatizavam o lado policial, já que a
A arte da controvérsia: no páreo, grande ameaça provinha da violência e da
militaristas, politicistas e moderados. criminalidade. Acreditavam que as estruturas
militares clássicas somente causam embaraço ao
A experiência do policiamento ostensivo nas
trabalho na rua e junto da comunidade. Defendiam
mais variadas áreas e o volume e a natureza dos
a extinção da Justiça Militar dos Estados e uma
problemas nele envolvidos, quase todos polêmicos e
polícia civil, dirigida por bacharéis.
sem uma solução única, obrigaram comandantes e
No que tange ao relacionamento da polícia
subordinados a identificarem situações em que era
com o público, ressaltaram o fato de que a polícia é
aceitável a flexibilização de alguns dos princípios da
uma instituição de defesa indistinta de direitos de
instituição militar típica, dentre os quais a
todas as pessoas que vivem sob a tutela de um
necessidade de recebimento de ordens para o
determinado Estado. "Quem tem que correr riscos é
cumprimento irrestrito da missão ou a aceitação
o policial e para isso deve ser treinado. Exemplo
pura e simples de genéricas diretrizes superiores,
disso é a coragem e determinação do policial
independentemente do contexto. Cedo se
americano que se arrisca nas perseguições
compreendeu que as novas missões das polícias
espetaculares, nas abordagens à delinquentes
militares não seriam cumpridas a contento sem que
armados e em milhares de outras situações
os envolvidos se habilitarem a exercer a arte da
extremamente perigosas. Age com absoluto respeito
controvérsia, da discussão e do diálogo, o que não se
pelo cidadão, raramente se excede no uso da força,
constituiu, em absoluto, afronta à disciplina e a
sobretudo a letal." 55
hierarquia militar.
Os moderados acreditam que é possível
O espírito crítico, apesar de estar a obra da
encontrar um termo médio entre as posições dos
desmilitarização bélica apenas começando, tomou
militaristas e policistas. Acreditavam que a liberdade
grande impulso. As correntes mais antigas dos
e a igualdade se inscrevem dentre os grandes sonhos
militaristas e dos publicistas (FILOCRE, 1974), soma
da humanidade e vem guiando o homem ao longo
se uma posição intermediária, a dos moderados, todas
da história. Uma polícia moderna (em suma,
combativas, porém unidas pelo ideal comum de
qualquer instituição pública) deveria eleger como
prestar às comunidades o melhor serviço. 53
princípios pétreos a promoção da liberdade humana
Os militaristas, diante da desmobilização e
e a realização da igualdade.
mudança das atribuições das polícias militares,
Toda a doutrina sedimentada ao longo dos anos da
defendiam a preservação integral do caráter militar,
Grande Reforma Policial é fruto da maneira como
sua vinculação com as forças armadas, embora sem
subordinação. Eram também partidários do

53 A categoria moderados foi incluída aqui arbitrariamente, como forma de identificar a terceira via, a que tem prevalecido na Polícia
Militar de Minas Gerais, cuja filosofia é a compatibilização eficaz, independentemente da ortodoxia dos militaristas e do
radicalismo policista.
54 Entrevista, Coronel.
55 Entrevista, Delegado de Polícia.

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estrategistas dessas três correntes de opinião viam a modelagem desse sistema, já que a força policial
sociedade, a polícia e a ordem. militar vivia sob permanente estado de prontidão
nos quartéis, na expectativa de mobilização para
O pluralismo policial como ideal republicano. operações militares.
A lógica da "unificação" imposta pelo
O chamado modelo brasileiro de segurança
governo revolucionário consistia em atribuir a uma
pública, seguindo a cultura dos colonizadores, sempre
única instituição toda tarefa que requeria o uso da
se estruturou em duas vertentes: uma corporação
força e o treinamento adequado para esse tipo de
militar, com o caráter de força. totalmente ligada ao
missão. Tudo aquilo que não requeria força nem
Executivo, e uma entidade civil, ligada tanto ao
uniforme, toda atividade meramente burocrática foi
Executivo (polícia administrativa) como ao
atribuída a uma entidade, que aglutinou a polícia
Judiciário (polícia judiciária). A vertente policial
cartorial, a polícia de investigação, a polícia técnico-
militar começa com as Ordenanças, Auxiliares,
científica, os departamentos de trânsito, os serviços
Milícias. Dragões, passando por regimentos
de identificação, a medicina legal, dentre outras
regulares de cavalaria, no período colonial, e chega
atribuições.
às Guardas Municipais Permanentes, a pé e a cavalo,
Este órgão, que em vários Estados tinha a
dos tempos imperiais, origem moderna das forças
denominação de Polícia de Carreira, através de
estaduais. A vertente civil encontra nos
movimento nacional, muito bem articulado,
Quadrilheiros, nos Intendentes de Polícia e seus
recebeu, a partir de 1969, a designação de Polícia
delegados, na Colônia, passando depois pelos juízes
Civil. E de se pressupor que a denominação da nova
de paz, chefes de polícia e delegados do Império, os
entidade, como que em oposição simétrica à Policia
marcos importantes de sua evolução histórica.
Militar, aproveitou uma forte militofobia, que à
As organizações uniformizadas de estatuto
época já se esboçava, objetivava buscar aceitação,
civil, para atender às demandas conjunturais do
para farinar-se junto à sociedade. E de se pressupor,
regime republicano, se destinam precipuamente ao
ainda, que o resultado produzido por essa
exercício de missões ligadas ao sistema de defesa
denominação talvez não tenha sido previsto por seus
anti-infracional, que não demandam o uso de força,
autores: a difusão da ideia de que no Estado existiam
senão eventual e excepcionalmente. A Guarda Civil
somente duas polícias independentes e
surge em 1904 com a finalidade de auxiliar a Polícia
concorrentes.
Militar nas missões de manutenção da ordem
Uma característica relativa às guardas civis e
pública. A presença desse segmento civil fazia com
fiscais de trânsito era o "rosto municipalista", local,
que o modelo de segurança pública se aproximasse dos
que possuíam, apesar de serem organizadas, dirigidas
modelos pluralistas existentes no bloco continental
e pagas pelo Estado. A extinção desses guardas não
europeu, em que organizações policiais civis atuam
só significou um duro golpe nesse aspecto
em coordenação com as forças policiais militares,
municipalista comunitário, da prevenção criminal,
sobretudo nas capitais e grandes cidades. Os
como também devolveu às polícias militares sua
constantes motins, revoltas, agitações, conflitos
competência natural para atuar na defesa anti-
armados, inclusive duas grandes guerras mundiais,
infracional.
conforme já assinalamos, têm um enorme peso na

Adaptação ao sistema da exclusividade

Os efeitos da nova legislação logo se fizeram sentir. As forças estaduais se mobilizaram, adaptaram sua
estrutura organizacional segundo o modelo estabelecido pela legislação federal.

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Em 1969, em Minas Gerais, são promulgados o Estatuto do Pessoal da Polícia Militar (EPPM) e o
Regulamento Geral da Polícia Militar (RGPM), que abrem caminhos para a desmilitarização bélica da instituição
e o seu consequente emprego na atividade de proteção e socorro, com maior destaque no policiamento
ostensivo, a partir daí definido como sua atividade-fim. Uma das mais importantes mudanças trazidas pelo
RGPM foi a reestruturação da atividade operacional, através da criação da Diretoria de Operações em
substituição à anterior Diretoria de Policiamento Militar. Sua função era estabelecer "orientação e controle das
operações policiais na capital e no interior do Estado, além de funcionar como elo entre a Polícia Militar e a
Secretaria de Segurança Pública do Estado."56Procurando incorporar toda a tecnologia então disponível, o novo
órgão dispunha de "aparelhos de rádio, cartas de operação, mapas, telefones, intercomunicadores em escuta
permanente com a polícia rodoviária federal e estadual, mantendo sistemas de alarme bancário."57

Crescimento das Ocorrências Policiais durante a Era da Grande Reforma Policial (Região
Metropolitana de Belo Horizonte)
Fontes: Para os dados de 1969 a 1973. Polícia Militar 143 anos. Suplemento Especial Belo Horizonte:
Imprensa Oficial. 1974. Dados de 1974 a 1977 não disponíveis. Dados de 1977 a 1984. Polícia Militar de
Minas Gerais. Comportamento da PMMG face à Violência Urbana, 1984. Dados de 1985 a 1988 não estão
disponíveis.
(Imagens).

Foram criados o Batalhão de Trânsito na Capital e, transformou no Batalhão de Radiopatrulha. Foi feita
nas unidades do Interior, frações com a missão de uma reestruturação dos órgãos de direção, apoio e
executar o policiamento de trânsito: a companhia de execução operacional. A par de mudanças
policiamento rodoviário e o contingente de emergenciais para cobrir as necessidades imediatas,
vigilância rural: o esquadrão de radiopatrulha se

56 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Resumo de Atividades da Polícia Militar através de suas Diretorias, após a vigência
do Decreto 11.636, de 29 de janeiro de 1969 (Regulamento Geral da Polícia Militar). In Polícia Militar, 143 anos , op. cit.).

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uma intensa atividade de planejamento dominou os contrária à ética expressamente declarada nas
anos que se seguiram. DPO/70.
Em 1970, são promulgadas as Diretrizes do No final de 1972 é elaborado o primeiro
Policiamento Ostensivo (DPO), com a finalidade de Plano Quinquenal de Desenvolvimento da PMMG.
estabelecer normas para a execução dos serviços Em 1973 é criada uma Comissão Especial de
policiais a cargo da Polícia Militar e fixar os critérios Pesquisa , visando apresentar projetos específicos
em que o mesmo seria executado. Neste documento, para modernização de atividades nas áreas de
em face das grandes transformações no sistema de Pessoal, de Operações, de Logística, de Assuntos
proteção social, sobretudo em face da incorporação Civis e de Orçamento. O planejamento, ferramenta
da Guarda Civil, são definidas as missões da Polícia implementada em todos os setores da Corporação,
Militar e a forma como se organizaria para exercer o ganha maior destaque. O primeiro plano estratégico
policiamento ostensivo. As DPO/70 fundamentam surge em 1974, quando a Polícia Militar edita as
sua filosofia de trabalho num dos pontos vitais para "Diretrizes de Ação de Comando,"59 secundado pelo
fiscalizar o cumprimento dos planos e coordenar a Programa de Ação de Comando, visando levar
atividade-fim - a Central de Operações Policiais, adiante a tarefa de implantar, em toda a sua extensão,
inegável fator de eficiência da nova política de um novo modelo de participação na segurança pública.
proteção social. As DPO/70 trazem ainda um Já era consensual a ideia de que a
minucioso plano de policiamento a pé e motorizado, modernização administrativa faria surgir uma Polícia
em que estão disciplinados procedimentos quanto Militar mais eficiente, flexível e de todo adaptável às
ao uso da força letal (somente em legítima defesa e mudanças mais significativas, compatibilizando a
estrito cumprimento do dever legal) e prescrições satisfação de interesses pessoais com o atingimento
relativas à compostura policial e trato com o público. de suas metas.
Até então, o famoso livro do Coronel Antônio I. Não é bastante crescer num ritmo
Norberto dos Santos58 era uma espécie de bíblia do vegetativo, evolucionário, é preciso desenvolver
policiamento ostensivo, dada a sua praticidade e revolucionariamente, agindo hoje em bases que
devido à escassez de manuais técnicos naquela darão os parâmetros do amanhã (PATROCÍNIO,
época. 1986)."
As DPO/70, com destaque para as variáveis A época, surgiram alguns questionamentos que não
do policiamento ostensivo, constituíram-se em tiveram respostas claras: a violência começava
documento pioneiro de conteúdo operacional- realmente a aumentar ou aumentava o
doutrinário, além de auxiliar os comandantes na conhecimento acerca de sua incidência, em razão da
elaboração de micros e macros planejamentos ampliação do policiamento nas ruas e facilitação do
operacionais. acesso da população aos serviços policiais? Essa é
É um documento de extrema riqueza e uma questão que sempre surge por ocasião das
importância para a compreensão do momento reformas policiais, sobretudo aquelas que elevam o
histórico então vivido pelas polícias militares. percentual de policiais por habitantes (MONET,
Muitos mitos, como o da violência institucional, são 2003). De qualquer forma, as mudanças
desfeitos com a análise do conteúdo dessas contribuíram para que aflorasse uma visão mais
prescrições. A instituição jamais permitiu - ao exata das dimensões e do comportamento do
contrário, sempre proibiu - qualquer conduta fenômeno criminal na nova conjuntura.

58 O Coronel Antônio Norberto dos Santos é um dos pioneiros do policiamento ostensivo, preventivo, na Capital.
59 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Diretrizes para Ação de Comando. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973.

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O grande objetivo era alcançar a maior Os aspectos administrativos, definidos como


eficiência e eficácia da Polícia Militar no desencargo base em que se assentam os padrões operacionais,
de suas novas missões. Para a consecução desse foram alvo de grandes cuidados, com a previsão de
objetivo, alguns pressupostos foram estabelecidos. novas formas de capacitação dos recursos humanos,
O primeiro dizia respeito ao ajustamento de valorização profissional, de melhor recrutamento,
comportamental dos integrantes da corporação. seleção, formação, preparação e aperfeiçoamento
Procurou-se estabelecer uma relação de troca, na dos profissionais de segurança pública. O programa
qual o policial entrava com o seu engajamento no deixa claro que toda a preocupação, todo o esforço,
projeto e a instituição com os incentivos necessários, todo o trabalho visa suprir as operações dos
tais como formação moral e profissional adequada; múltiplos recursos para seu melhor desempenho.
obtenção de remuneração justa: reconhecimento do Define o suporte operacional como o tripé: pesquisa
mérito: proteção; orgulho pela Corporação: prestígio de operações, sistema de informações e sistema de
pessoal próprio e decorrente do prestígio da PM; comunicações. No campo da pesquisa operacional
desenvolvimento do sentimento de solidariedade: prevê atividades como seminários de assuntos
valorização pessoal do subordinado (comunicar-lhe operacionais: reuniões para debates sobre relevantes
os objetivos e instruções: informá-lo; ouvir-lhe a ocorrências; estudo de caso: pesquisa e análise das
opinião; debater com ele, na forma correta, os operações como um todo. O programa fala na
assuntos compatíveis com seu nível; respeitá-lo): criação de um verdadeiro laboratório, em que seriam
favorável ambiente de trabalho; redução, ao mínimo, dissecados e estudados todos os pormenores da
dos conflitos e tensões; delegação de atribuições. atividade operacional, mediante levantamento e
deixando ao subordinado campo à iniciativa e análise de dados (relação viatura/homem a pé):
sensibilidade a seus anseios. viatura/população: volume de atendimento; áreas de
O segundo pressuposto era uma ampla maior e menor índice de criminalidade: medidas de
reforma da estrutura, processos, métodos e rendimento do serviço operacional; definição dos
procedimentos administrativos, inspirada nos efetivos de unidades em função das variáveis
princípios do planejamento, descentralização e pertinentes, dentre outras medidas. Tal
profissionalização, buscando sobretudo a redução procedimento, dizia o programa, "permitirá
dos custos operacionais; modernização da interpretações plausíveis, baseadas no método científico,
organização; homogeneidade da ação: de divorciadas do empirismo que, muitas vezes, determina nossas
emperramento da burocracia; valorização do grau decisões".
hierárquico e fortalecimento da disciplina; unidade As mudanças impostas pelo regime militar,
de doutrina e prestígio da Corporação. Especial depois de alguma resistência e desconfiança, natural
destaque se deu à eficácia operacional, que de certa ao clima então reinante no país, foram aos poucos
forma seria o coroamento de todo o esforço da conquistando a adesão dos dirigentes da
organização. organização. O programa as saúda como "primeiro
Por fim, impunha-se erigir a melhor imagem e vigoroso passo no sentido de definir competências
da Corporação, às vezes desconhecida, às vezes e estabelecer uma doutrina própria de polícia
dilapidada e, em muitos casos, negativamente pré- militar." De fato, durante quase todo o período
concebida. O programa encareceu a necessidade de republicano, pelas razões já expostas, a polícia
fazer com que a imagem pública do policial militar não tinha uma identidade definida, nos
associado às ideias de autoridade, protetor, guardião períodos de agitação política atuava como força de
e amigo. repressão, dando-se a hipertrofia de seu aspecto
militar: nos períodos mais calmos, era às vezes

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lançada no policiamento, sem que isso significasse eram questões cruciais, verdadeiros desafios que o
sua desmobilização bélico-militar. programa teve que enfrentar, por meio de várias
Definida como polícia ostensiva, estratégias, como a busca da efetividade do sistema
eminentemente preventiva, tratou de criar um operacional, solidariedade e participação
"sistema operacional", elegendo a integração, a comunitária.
primazia da finalidade, a flexibilidade e a Através da criação das seções de "Assuntos
padronização como atributos fundamentais. A Civis", em 1975, as polícias militares procuraram
intenção de mudar a filosofia militar guerreira, até estabelecer reciprocidades com as comunidades,
então praticada, era reiterada a todo instante. Como fixando normas éticas para o procedimento policial.
garantir que a Corporação, uma vez definida como De uma concepção militarista, contida nas
eminentemente policial, não retroceder, não recaísse Instruções para implementação das 5as Seções de
no militarismo bélico que havia marcado sua Estado-Maior, baixadas pela Inspetoria Geral das
trajetória republicana? Como garantir sua eficiência Polícias Militares, esta atividade evoluiu para as
no desencargo de suas novas e ingentes missões, formas mais modernas de gerenciamento de
numa sociedade que se transformava celeremente, interação comunitária, como a comunicação social
com graves problemas sociais e conflito político (SANTOS, 1987). Em Minas Gerais, programas de
ainda aberto? Como conquistar a confiança, a relações públicas envolviam a realização de
credibilidade, o apoio da comunidade, naquele campanhas publicitárias de grande alcance, como foi
contexto de repressão, supressão das garantias e a memorável campanha do "PM, amigo legal".
direitos individuais e de regime autoritário? Essas

Impasse: a sociedade é urbana e a violência também

Processos, fenômenos, crises, casos, com uma medo, insegurança e a sensação de estar vivendo
duração prolongada e que polarizam a atenção do naquele ambiente de onde provinha a notícia, um
público, costumam ser designados pela mídia por fenômeno que se convencionou chamar de ilusão de
uma expressão peculiar, um nome de batismo, que isotopia 61 . Tratava-se evidentemente da questão
facilite e oriente o tratamento diário da questão. Em criminal que sempre existiu em nossa sociedade,
1978/79, a imprensa brasileira cunhou a expressão porém com novos ingredientes, uma nova
"violência urbana" para designar a escalada de crimes roupagem, um novo perfil. Que novos ingredientes
violentos que alarmava a população nas grandes são esses? O que é que distinguia essa criminalidade
cidades naquele período60. Nessa ocasião, os meios daquela vivenciada até então? Numa visão
de comunicação de massa acabavam de criar os panorâmica, o período que vai de 1964 a 1979,
telejornais ao vivo para todo o Brasil. Com enorme marcos do regime militar, pode ser considerado
audiência, esses telejornais passaram a noticiar como sendo o da entrada definitiva do país na era
crimes e a estampar cenas de violência, gerando industrial moderna. A sociedade brasileira no

60 A expressão gera alguma polêmica. Rubens George Oliven discorda dessa denominação, afirmando que o aumento da violência
se deu tanto no campo quanto na cidade e "nesta perspectiva ideológica o problema não seria brasileiro mas universal". Além
disso, "as causas do fenômeno, nesta vi- são, não seriam sociais, mas essencialmente ecológicas, já que se imputa ao meio ambiente
chamado cidade a capacidade per se de gerar violência. Por isto, optar pelo termo violência na cidade implica em preservar a ideia
de que a violência tem raízes sociais, manifestando-se em contextos diferentes que não podem, entretanto, ser considerados como
seus causadores." (Cf. Violência e Cultura no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1986)
61 MEIRELES, Amauri e ESPÍRITO SANTO, Lúcio Emílio. Síndrome da Violência Urbana, op. cit.

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período, sem considerar os contrastes regionais, gráfico a seguir ilustra muito bem a conexão entre a
alinhava-se com as mais adiantadas do mundo. explosão da violência e a concentração urbana. No
O fato mais significativo, no entanto, ano de 1979 dava-se a virada demográfica histórica -
quando se trata de criminalidade violenta, é a a população urbana supera a população rural.
concentração da população no ambiente urbano. O

Brasil: População Urbana X População Rural

Como agravante, a concentração urbana se dava sem Os municípios de Nova Iguaçu, Caxias, Nilópolis e
a correspondente e necessária infraestrutura. Cada São João do Meriti se transformaram em cidades-
pessoa que aporta à cidade significa em tese mais dormitório da grande massa de trabalhadores que
uma moradia, mais uma vaga no transporte coletivo, aportava ao Rio de Janeiro, polo industrial em
mais um leito hospitalar, mais um emprego, mais expansão acelerada. As características desses espaços
uma vaga na escola e assim por diante. Em geral, esse são a falta de urbanização (arruamentos,
crescimento supera em muito a capacidade do iluminação); expansão do comércio: ausência de
Estado ou de outros órgãos de suprirem ou de se serviços públicos (saúde, transporte, moradia e
anteciparem a essas demandas. Numa outra direção, educação) e desemprego ou subemprego. Somando-
o rápido crescimento da população, se esses ingredientes à falta de efetivos e às
desacompanhado do correspondente crescimento incipientes concepções táticas incapazes de gerar o
em serviços como policiamento, prestação mínimo de ordem, o resultado é a escalada da
jurisdicional, vagas em estabelecimentos violência. Crescem assustadoramente os
correcionais, leva a um quadro de impunidade que assassinatos, chacinas, execuções sumárias atribuídas
por sua vez retroalimenta a violência. a grupos de extermínio, a corrupção, os assaltos e a
Já no início dos anos 70, a Baixada impunidade. Em estudo realizado pela UNESCO -
Fluminense se torna exemplo dos espaços urbanos ONU, abrangendo 95 países, Belford Roxo foi
degradados e conflagrados que as regiões considerado o lugar mais violento do mundo62.
metropolitanas em formação iam espalhando em Em suas reflexões sobre essas mudanças,
torno das capitais da maioria dos Estados brasileiros. VENTURA (1994) sustenta que esse processo de
Em apenas três décadas (1950-1970), a população na urbanização cavou um abismo entre as classes
região da Baixada saltou de 300.000 para 1,6 milhão. sociais no Rio de Janeiro, gerou um verdadeiro

62 SOUZA, Percival. A maior violência do mundo – Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. São Paulo: Traço Editora, 1980.

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apartheid, isolando o mundo dos pobres do mundo pouco potencial ofensivo e violações graves,
dos ricos e, mais tarde, colocou em guerra o éden da mascarando o fenômeno da violência, uma realidade
gente civilizada e o inferno dos bárbaros alarmante na vida do cidadão. "O índice de violência
destituídos. O fenômeno da violência é análogo ao índice de criminalidade, com a
urbana, em Belo Horizonte, começou a apresentar diferença básica de abranger apenas aqueles crimes
contornos preocupantes em 1978, quando seu índice em que a ação violenta é um componente necessário
63
superou em 73,1 % aquele anotado no ano anterior . (homicídio, tentativa de homicídio, estupro, assalto,
Essa constatação levou a Corporação a aperfeiçoar roubo e sequestro). O índice de violência deriva da
seus instrumentos de medida dos fenômenos com relação matemática entre o número de crimes
que se deparava. Estava claro que alguns tipos de violentos registrados em determinado espaço de
crimes, tais como homicídio, latrocínio, tentativa de tempo na área geográfica e o número de habitantes
homicídio, estupro, assalto, roubo e sequestro, considerados por grupos de mil" (PMMG, 1984;
tinham decisiva influência na sensação de SANTA CECÍLIA, 1986).
insegurança da comunidade. Para uma melhor O número de homicídios em São Paulo, Rio
avaliação desses crimes, criou-se o "índice de de Janeiro e Belo Horizonte, mostra que os efeitos
violência", que, junto com o tradicional "índice de da Grande Reforma variaram de acordo com a
criminalidade", passou a orientar as ações realidade cultural de cada Estado. Em Minas Gerais,
preventivas e repressivas da instituição. Representou as taxas se mantiveram estáveis, em torno de
uma grande inovação em termos de avaliação de 10/100.000 habitantes.
conjuntura, já que o índice de criminalidade envolvia
uma vasta gama de eventos, agregando crimes de
A ilustração a seguir mostra que, no período de consolidação da Grande Reforma, de 1979 a 1983,
aproximadamente, as taxas anuais de homicídio se mantiveram praticamente estáveis nos três maiores Estados
brasileiros, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A partir de 1983, quando se inicia a exaustão do
movimento da Grande Reforma, as taxas tendem a crescer, exceto em Minas Gerais. Também mostra que o
Rio de Janeiro experimentou uma verdadeira escalada das taxas de homicídio, que praticamente dobraram no
período.

63 MINAS GERAIS, PMMG. Comportamento da PMMG face à violência urbana. Palestra do Comandante-Geral. Cel Leonel
Archanjo Affonso, aos estagiários da Escola Superior de Guerra. Belo Horizonte, 1984.

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ERA DA GRANDE REFORMA POLICIAL E HOMICÍDIOS EM SÃO PAULO,


RIO DE JANEIRO E MINAS GERAIS

Outro ingrediente do fenómeno da população de 75-93 milhões de habitantes


"violência urbana" era a presença dos meios de (REVISTA VEJA, 1998, apud THÉRY, 2001).
comunicação de massa que transportavam a Por outro lado, a percepção de um conjunto
"imagem e o fato às mais longínquas regiões, na de sinais e sintomas mostrava que a vida na cidade
velocidade da luz, espalhando a notícia de crime com não era mais a mesma de alguns poucos anos atrás.
a mesma eficácia com que veiculava mensagens Começa então a mudar o comportamento das
comerciais64." Essa divulgação maciça de crimes, em pessoas diante da triste realidade da ousadia e
até então desconhecidas redes nacionais, levava o violência dos bandidos e de um Estado atônito,
medo e o clima de insegurança aos pontos mais incapaz de cumprir sua função primordial que é
distantes e culturalmente diferenciados do território prover a proteção individual e comunitária. Não é
nacional, gerando o que a própria Corporação mais possível sair de casa à noite nem caminhar com
chamou de "síndrome da violência urbana65." Nessa tranquilidade pelas ruas infestadas de assaltantes.
época, se dá não apenas o crescimento quase Muros altos e intransponíveis, grades com pontas
exponencial do número de aparelhos de televisão afiadas, cães de guarda, trancas reforçadas nas portas
nos lares brasileiros, como também são criados os e janelas, porteiros físicos nos prédios, olhos
"jornais nacionais", difundindo para o todo o Brasil mágicos, prosperam as empresas de equipamentos
notícias do Rio e São Paulo, basicamente. Em quatro de segurança. Percival de Souza refere-se à Baixada
anos, de 1966 a 1970. o número de televisores Fluminense como o lugar em que "os ladrões vivem
literalmente dobrou, passando de 2 milhões e 300 soltos e os comerciantes, atrás das grades 66 ". A
mil para 4 milhões e 600 mil aparelhos, para uma divulgação de crimes violentos produziu também
uma mobilização social nunca vista contra a

64 MINAS GERAIS. PMMG. O comportamento da PMMG face à violência urbana, op. cit.
65 MEIRELES, Amauri e ESPÍRITO SANTO, Lúcio Emílio. Teoria da Síndrome da Violência Urbana, op. cit.
66 SOUZA, Percival. op. cit.

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violência. Sociólogos, cientistas políticos, juristas, como causas ou "explicações" para esses delitos: a
universidades e vários outros segmentos desinformação e a falta de acesso à participação
representativos da inteligência brasileira abrem social e política de amplas camadas populares que
linhas de pesquisa, promovem seminários, dão vivenciam uma situação de marginalidade
entrevistas, acendem polêmicas, vislumbram econômica e social: o descrédito na eficácia da
soluções. polícia e na ação da justiça, pelo envolvimento da
Os trabalhos então produzidos, dentro da polícia com os criminosos, por um lado, e pelo
variedade de enfoques, parecem convergir para um sentimento de que "há uma justiça para o pobre e
único ponto: a criminalidade havia se tornado, de outra para o rico" por outro, configurando o
forma irreversível, problema público prioritário, a radicalismo da desigualdade social no tocante à
grande ameaça conjuntural, e urgia a adoção de cidadania; explosão patológica da "psicose coletiva",
medidas terapêuticas. exacerbada pelo crescente sentimento de pânico
As próprias forças policiais promoveram devido ao aumento da criminalidade violenta e
intensos estudos destinados à identificação das manipulação ideológica desses fatos e percepções; a
causas dessa violência que aterrorizava as grandes absorção dos métodos violentos da polícia pelos
cidades brasileiras, avaliando seus efeitos e criminosos e pela população, que é alvo constante de
programando sua atuação com base nessa avaliação. sua atuação repressiva e a consequência natural da
Dentre as causas mais importantes, foram exacerbação da repressão e do arbítrio em vários
identificadas, à época, as seguintes: migração interna níveis, favorecendo a impunidade de alguns e a
desordenada; menor carente ou abandonado: estigmatização de muitos.
desemprego e subemprego; crescimento É comum também nessas épocas, no Brasil
populacional descontrolado e superpopulação: e em outros países, a instalação de comissões
despreparo das polícias: proliferação do uso e tráfico governamentais para estudo de problemas
de drogas: facilidade do cidadão em se armar; a não emergentes e proposição de políticas68. Em meados
aplicação da lei das contravenções penais; de 1979, o governo federal nomeou um grupo de
deficiências estruturais do Poder Judiciário; falhas trabalho de juristas e outro de cientistas sociais para
no sistema prisional e dificuldades do organismo "proceder a estudos sobre toda a problemática da
policial. criminalidade, compreendendo manifestações de
Uma outra faceta dessa nova violência ficou violência atual, o aprimoramento da justiça criminal,
visível na prática dos "linchamentos" que se por meio, inclusive, da reorganização do
tornaram frequentes naquele contexto de crise aparelhamento policial, e da reestruturação do
política e social. De acordo com BENEVIDES e sistema penitenciário, tudo visando à prevenção e à
FISCHER 67 , somente no período de setembro de repressão da criminalidade." Entretanto, esse
1979 a fevereiro de 1982, a grande imprensa noticiou trabalho, de qualidade muito aquém daquela que dele
82 ocorrências: 38 linchamentos com vítimas fatais se esperava, em que pese a sua significação política e
e 44 tentativas. Aquelas pesquisadoras apontam a seleta escolha de seus membros, apenas fomentou

67 Benevides. MARIA VICTORIA e FISCHER, Rosa Maria. Respostas populares e violência urbana: o caso de linchamento no
Brasil (1979 - 1982). In Crime, Violência e Poder, op. cit.
68 Algumas comissões, instituídas pelo governo americano nas décadas de 60 e 70, ficaram famosas, não só pela nova orientação
que conseguiram dar aos sistemas policiais, mas por terem chamado a atenção para a necessidade de se conhecer melhor instituição
policial. De fato, após a publicação dos relatórios de comissões como a President's Comission on Law Enforcement and Administration
of Justice - The Challenge of Crime in a Free Society, em 1967, cresce espantosamente o número de cientistas políticos e sociólogos
interessados em estudar polícia. Os grupos de trabalho aqui mencionados foram instituídos pela Portaria Ministerial n. 689, de 11
de julho de 1979 e Portaria n. 791 de 14 de agosto de 1979. Os relatórios foram publicados pelo Ministério da Justiça, em 1980.

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a discussão de uma pseudo-dicotomia, não produziu Em Minas Gerais, em meados de 79, em


nenhum fruto e os relatórios caíram logo no razão de uma onda grevista que começava a assolar
esquecimento, como tantos outros documentos o país, é criado o Batalhão de Choque. Dentro de
produzidos pelo Executivo. Contrapondo-se à visão sua inovadora doutrina de emprego, destaca-se, aqui,
pouco criativa dos Grupos de Trabalho, em Minas a "parlamentação", que consiste em dialogar com as
Gerais é apresentada, algum tempo depois, a "Teoria partes envolvidas em ocasionais conflitos,
da Compatibilização Eficaz", definida como um abordando responsabilidades das partes, legalidade,
conjunto de conhecimentos rigorosos e moralidade, acatamento às decisões de autoridades
sistemáticos, acerca da compatibilidade entre uma constituídas, repercussões dos fatos e outros temas.
polícia militarizada e o preenchimento das Pode-se afirmar, com certeza, que esse inédito
necessidades comunitárias de segurança69. procedimento do diálogo evitou que inúmeros
conflitos se transformassem em confrontos.
Consolidação do modelo da grande reforma A articulação e o desdobramento do efetivo
policial (1979-1988) tornaram-se condizentes com as características
locais e regionais, com a priorização da área-fim, o
Como se pode deduzir, muito antes da
enxugamento da área-meio e com a abertura de
eclosão da violência e da criminalidade, a Grande
oportunidade para a mulher. A criação da Polícia
Reforma Policial já estava em curso, porém sem ser
Feminina resultou da necessidade de dar melhor
uma real prioridade para o governo. Indícios de que
atendimento à própria mulher, já que, naquela fase
a situação poderia fugir ao controle levaram as
de nossa industrialização, sua participação no
autoridades governamentais a acelerarem o processo
mercado de trabalho ou no movimento criminoso,
de mudanças institucionais. Associadas à escalada da
como vítima ou como agente, crescerá de forma
violência, surgiam as greves operárias no ABC
significativa. Através do Decreto n. 21 336, de 28 de
paulista, num claro sinal de que novos sujeitos
maio de 1981, foi criada uma companhia de polícia
políticos haviam emergido e novos períodos de
feminina, com o efetivo de 113 integrantes.
turbulência social se divisavam no horizonte.
A Grande Reforma Policial só vai atingir sua A nova ideia-força: "Tudo e todos voltados para
plenitude no triênio 1979/80/81, como reação à o policiamento ostensivo"
conjuntura de violência já descrita, quando urna
verdadeira reengenharia trouxe grandes inovações A intenção de que a PM deixasse de ser,
em todas as frentes de trabalho da força policial, definitivamente, uma tropa aquartelada na Capital
muitas delas descritas em relatórios de comando, fez com que todo o peso do efetivo fosse lançado
exposições, palestras e outros documentos do nas ruas. Buscava-se melhorar a compatibilidade de
período 70 . Em linhas gerais, essas inovações uma estrutura militar e a prática eminentemente civil
afetaram a forma como a polícia se articulava e do policiamento. Sob esta égide, foram adotadas as
distribuía seus efetivos no terreno, o modo de seguintes medidas para o incremento da
organizar e executar o policiamento e a forma de a operacionalidade:
força interagir com a comunidade. Redução de atividades administrativas - O
pessoal empregado na atividade-meio das unidades

69 MEIRELES, Amauri e ESPÍRITO SANTO. Teoria da Compatibilização Eficaz. In "O Alferes" n. 14, 1987.
70 As principais fontes para análise dessas transformações são os Boletins Gerais do Comando Geral, Boletins Internos dos
Batalhões, Relatórios dos Comandantes-Gerais e Estudo de Estado-Maior, no período, além de inúmeras dissertações e teses dos
cursos de especialização de PMMG.

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operacionais passou a dar sua contribuição na estupro, foram instituídas as Rondas Táticas
atividade de policiamento, uma vez por semana e Metropolitanas (ROTAM), a cargo do Batalhão de
nos períodos críticos. Choque.
Jornada de trabalho - Regulou-se a jornada Redução de viaturas administrativas - A
de trabalho, tanto para a área-meio, quanto para a redução da frota e a restrição do uso de viaturas
área-fim, fixando-se a carga horária de trabalho em, administrativas proporcionaram o remanejamento
no mínimo, quarenta horas semanais. de motoristas e mais recursos materiais para a área
Redução do pessoal da área-meio - Os efetivos operacional.
autorizados para a atividade-meio foram Desativação de barbearias - Havia um número
redimensionados levando em conta a considerável de policiais exercendo nos quartéis o
disponibilidade de pessoal civil para atividades que ofício de barbeiros, resquício da velha estrutura
não exigiam formação militar. bélico-militar. A extinção das barbearias contribuiu
Desativação das bandas de música - Sem para o esforço que se fazia para aumentar o grau de
prejudicar os aspectos culturais que moldam o operacionalidade da polícia.
caráter da instituição, as bandas de música, antes Formação e treinamento de pessoal - Um
com efetivos incompletos e dispersas pelas várias novo sistema de recrutamento e seleção de pessoal
unidades, ficaram reduzidas a apenas três, que, que privilegiava a regionalização. além da
juntamente com a Orquestra Sinfónica, passaram a reorganização dos cursos e a revisão curricular,
ser administradas pela Ajudância Geral. permitiram colocar à disposição das comunidades
Extinção dos encargos de estafetas - Um homens melhores treinados e mais motivados para o
grande número de policiais era empregado na penoso serviço policial71.
entrega de correspondência. O desenvolvimento dos O policiamento ostensivo, eminentemente
serviços dos correios, transformados em Empresa preventivo, das áreas metropolitanas sofreu radical
Brasileira de Correios e Telégrafos, permitiu a transformação com a criação do Comando de
supressão desse oneroso encargo. Policiamento da Capital, com especial destaque para
Alunos da Academia de Polícia Militar no o despacho computadorizado de patrulhas e
policiamento - O policiamento de eventos no coordenação do policiamento metropolitano, no
Mineirão e no Mineirinho consumia enormes Centro de Operações Policiais Militares (COPOM),
efetivos, desguarnecendo vários outros locais de em 82. Com esse sistema, é revitalizado o uso do
risco em toda a cidade. A transferência desse tipo de telefone 190, fator decisivo para o incremento da
policiamento para os alunos da academia, além de ter eficiência operacional, sobretudo no atendimento a
reflexos positivos na operacionalidade, ainda emergências policiais. É um telefone de fácil
contribuía para a aprendizagem profissional. memorização, que dispensa o uso de fichas nos
Pessoal de direção e apoio no policiamento - telefones públicos e que liga o cidadão
O pessoal da área-meio passou a contribuir com uma imediatamente a um conjunto de rádio operadores
ou mais companhias por semana (170 homens) para encarregados de despachar as patrulhas, agilizando o
o incremento da operacionalidade. atendimento. O telefone 190 já vinha sendo usado
Ampliação das missões do Batalhão de Choque - desde o início dos anos 70, porém sem a
Para lidar com a criminalidade violenta, infraestrutura que o novo Centro de Operações
especialmente o roubo, o furto qualificado e o oferecia em termos de informatização de todo o

71 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Polícia Militar de Minas Gerais, 1981 - 1982. Comando Coronel PM Jair Cançado
Coutinho. Belo Horizonte, 1982.

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atendimento 72 . A criação de subsistemas de crivados de alfinetes multicoloridos, uma


logradouros reduziu ainda mais o tempo de espera - antecipação das modernas tecnologias de
espaço de tempo entre o chamado telefônico e a geoprocessamento.
chegada de uma radiopatrulha ao local da ocorrência.
O subsistema de estatística permitiu a produção de Teoria da malha protetora do policiamento
estatísticas on line, tornando disponíveis dados ostensivo
importantes para o planejamento, a fiscalização, a
Por volta de 1981, visando alcançar melhores
coordenação e o controle, como os variados tempos
resultados contra a criminalidade, principalmente a
(de espera, de transmissão, de despacho, de chegada,
violenta, a Polícia Militar de Minas Gerais pôs em
dentre outros), alocação de viaturas, número de
execução um novo plano de policiamento para a
ocorrências por área, período e natureza. O novo
Região Metropolitana de Belo Horizonte. O
COPOM, como foi chamado à época, teve como
desenho tático era o resultado da superposição de
origem o sistema então utilizado pela polícia de
cinco esforços que diminuíssem, gradual e
Washington-USA. Equipe de oficiais de Minas
sucessivamente, o tamanho da malha de uma virtual
Gerais estudou, ampliou, aperfeiçoou e o adaptou a
rede de proteção, distendida sobre a cidade. Esse novo
nossa realidade, com excelentes resultados,
conceito de operação fundava-se no princípio de que
passando a ser visitado por oficiais de outras polícias
"a ocupação dos espaços vazios de segurança" tinha
militares, bem como a ser referência para criação de
a propriedade de suprimir as oportunidades para a
COPOM's em outros Estados.
atuação dos malfeitores. "A prevenção do delito,
O sistema de estatísticas imediatas permitiu
numa diuturna ação de presença, obstaculizando
um acompanhamento permanente, minuto a
oportunidades ou dissuadindo a vontade de
minuto, da marcha da criminalidade na Capital,
delinquir, e a repressão dos delitos, coibindo ou
ensejando economia de meios, mais objetividade e
prendendo os infratores," eram objetivos que só
proatividade. Além das reuniões de avaliação
poderiam ser alcançados com o recobrimento de
semanal, envolvendo todos os comandantes de
vulnerabilidades, a articulação de esforços e a
unidades do Comando de Policiamento da Capital,
combinação dos vários processos de policiamento73.
aqueles setores que apresentavam problemas
Dentro da nova estratégia de policiamento, o
específicos eram orientados a atacá-los, acionando
primeiro esforço consistiu na distensão básica da
os vários planos de prevenção disponíveis, tais como
malha "pelas unidades de área, através de suas
o Pára-Pedro (Plano de Prevenção de Assaltos a
subunidades descentralizadas e destacadas, atuando
Táxis), o PEPRACO (Plano Especial de Prevenção
nos espaços físicos de responsabilidade operacional,
de Assaltos a Coletivos), o PRABAN (Plano de
no policiamento a pé ou motorizado, além da
Prevenção de Assaltos a Bancos), dentre outros.
ocupação dos locais de risco, segundo estudos
Buscou-se, mesmo com os meios
continuados de situação. Este primeiro esforço
rudimentares, vincular a incidência criminal a
caracteriza-se pela predominância das atuações
espaços urbanos, a horários e dias da semana, o que
preventivas e visam criar na comunidade um clima
dava mais efetividade ao esforço de antecipação e à
psicológico de segurança74."
contenção (SANTA CECÍLIA, 1984). Os centros de
coordenação das operações passaram a exibir mapas

72 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Resumo das atividades. Op. cit.


73 REIS, Marco Antonio Marco, Antonio Gomide. A evolução do policiamento ostensivo - sua execução na Capital. In "O Alferes"
n.° 13, 1987.
74 REIS, op.cit.

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A finalidade desse primeiro esforço é a política e da cultura institucional laboram contra os


ocupação de espaços e maior ostensividade da que procuram cumprir a lei e contra aqueles que
polícia, mas o seu principal efeito é o sensível querem inovar. O tratamento que se dá a pessoas
aumento da sensação de segurança, redução do com esse perfil, em Nova York e em Belo
medo de crime, maior interação da polícia com a Horizonte, é bem diferente.
comunidade e maior rapidez no atendimento. Os Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York,
demais esforços se ligam aos aspectos emergenciais e o policial americano William Bratton, então seu
e situacionais como operações-presença, planos chefe de polícia, são bastante conhecidos nos meios
especiais de combate a surtos criminais localizados, policiais brasileiros. Segundo a jornalista PATRICIA
batidas policiais, policiamento de grandes eventos DECIA (1997), ambos implantaram o programa
desportivos, artísticos, espetáculos, dentre outros. A Tolerância Zero, tendo como um dos suportes a
criminalidade violenta (homicídios, assaltos à mão teoria da janela quebrada, que consistia basicamente
armada, estupro, sequestros etc.) recebia, através do em combater pequenos delitos, isto é, em "matar o
quarto e último esforço, um tratamento específico mal pela raiz", o que reduziu consideravelmente a
através do lançamento de parte do efetivo da tropa criminalidade naquela cidade. Ainda, segundo a
de choque nas respeitadas Rondas Táticas jornalista, em 1996, em relação a 1995, "os roubos
Metropolitanas - ROTAM. de carros caíram 29%. Os assassinatos e
Simultaneamente, a Corporação produziu arrombamentos com finalidade de roubo tiveram
um vasto material doutrinário, cujo somatório queda de 15% e os estupros diminuíram 3%".
despertou a motivação, na busca da melhor Bratton acreditou também, na prevalência da
qualificação profissional, e o orgulho, do soldado ao atuação preventiva e na interação comunitária.
coronel, de estar na atividade-fim, de estar na área Aqui, traços característicos do método
operacional, de estar na linha de frente, de estar na Bratton:
"malha". Foi um período, também, em que se • A polícia deve ser tratada como se fosse uma
intensificaram as visitas aos comandos empresa;
subordinados, as inspeções programadas e • A polícia deve ser tratada como se fosse
inopinadas, as supervisões, noturnas principalmente, uma empresa;
as reuniões semanais de controle da • Devem-se buscar objetivos mais ambiciosos
operacionalidade, os ECO (Encontro da quando se trata de definir o percentual de crimes que
Comunidade de Operações), os BEO (Boletins se quer reduzir;
Estatísticos Operacionais), o diálogo com • É preciso buscar pessoas que querem de fato
representantes das comunidades, da sociedade civil, se comprometer com as metas, lutando por elas;
além de outros procedimentos que ensejaram um • A estrutura da organização tem a ver com os
período áureo para a arte e a ciência da defesa anti- resultados e deve ser adaptada aos objetivos; Para
infracional em áreas metropolitanas. dinamizar a tomada de decisões é preciso delegar o
máximo de responsabilidades;
Em Belo Horizonte, em Nova York • O acompanhamento diário da performance
permite ações oportunas de correção de aspectos
Quebrando uma espécie de protocolo deste
negativos e reforço dos positivos;
livro que busca seguir a estruturação cronológica,
• Reuniões de avaliação são absolutamente
não poderíamos deixar de aproveitar esse momento
necessárias.
para ressaltar a importância da Teoria da Malha para a
A estruturação do policiamento de Belo
preservação da ordem em metrópoles e ao mesmo
Horizonte e Região Metropolitana, na consolidação
tempo mostrar como alguns traços da cultura

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da Grande Reforma Policial, a cargo do Coronel se no "policial mais famoso do mundo" (assumiu
Klinger Sobreira de Almeida, nos anos 80, já deram recentemente a chefia do Departamento de Polícia
passos semelhantes. Belo Horizonte foi de Los Angeles, um das mais importantes polícias
considerada uma das capitais mais seguras do país. dos Estados Unidos).
Suas taxas de homicídio se mantiveram estáveis até Quando da enorme propaganda feita pelo prefeito
1995. O número de assaltos a banco e sequestros, de Nova Iorque, Rudolph Giulliani, em torno do seu
por ano, em Minas Gerais, correspondia à cifra diária CompStat, ficou-se a imaginar o grau de sofisticação
de Rio e São Paulo. do Sistema-CPC, que há mais de duas décadas
O Policiamento Distrital, precursor do que utilizava estratégias ainda hoje consideradas
hoje é conhecido como Policiamento Comunitário, avançadas e eficazes. "Paraquedistas, sem conhecer a
baseado em premissas e condições culturais da história das instituições policiais, se metem a dar-lhes
sociedade mineira, foi recebido com reservas e lições, expondo-se ao ridículo75."
incredulidade, não obstante o reconhecimento de
parte da mídia local. Verifica-se que foram três A polícia militar se reencontra consigo mesma
métodos de indiscutível êxito conseguido com
A ideologia da operacionalidade rendeu
profissionalismo, inteligência, dedicação, liderança e
copiosos frutos. Foi possível exercer um eficiente
espírito público. Cada um de seus idealizadores, a
controle sobre ocorrências em Belo Horizonte e
seu tempo, formou sua equipe, priorizou prementes
Região Metropolitana. O Centro de Belo Horizonte,
necessidades, identificou a faceta do problema-
alvo preferido dos assaltantes, trombadinhas e
origem em que a força de polícia poderia atuar,
trombadões, tornou-se um lugar seguro graças à
compatibilizou esforços institucionais e a
estratégia da malha protetora do policiamento
fundamental participação comunitária, otimizou a
ostensivo, que reduzia drasticamente os espaços
capacidade de resposta para contextos e realidades
disponíveis para delinquentes agirem. A população
culturais peculiares. Conforme a teoria das
mineira não tardou a perceber as mudanças e os seus
realidades culturais diferentes (MEIRELES e
efeitos positivos.
ESPÍRITO SANTO, 1989). variando qualquer uma
Em 1982 foi lançado, em todas as polícias
das coordenadas - ambiente físico, sociedade, tempo
militares brasileiras, o Manual Básico de
- haverá respostas diferenciadas para os diversos
Policiamento Ostensivo, produzido em Brasília, na
tipos de necessidades.
Inspetoria Geral das Polícias Militares, por
De passagem, consta que o Coronel Klinger
representantes das PM de São Paulo, Rio Grande do
foi preterido, na escolha para comandante-geral da
Sul e Minas Gerais. Este documento pioneiro veio
PMMG, por pressões políticas (prendeu,
corrigir uma deficiência crônica das polícias
pessoalmente, o cunhado de um influente
militares, que era a falta de fontes doutrinárias
embaixador), o policiamento distrital foi desativado
essencialmente policiais. Até então, os manuais do
em 1991 (alguns meses após seu idealizador deixar o
Exército eram usados na formação e treinamento
serviço ativo) e Bratton, dizia o jornal, transformou-
dos efetivos policiais, dada a característica militar das

75 A reengenharia (ou revolução gerencial, para usar a expressão utilizada por Luiz Eduardo Soares, em Meu Casaco de General, Rio
de Janeiro: Companhia das Letras, 2000), da instituição policial militar foi um dos pontos altos da Grande Reforma Policial e
todas as estratégias agora apregoadas por Bratton já eram rotineiras no nosso Sistema CPC (complexo de unidades especializadas
na preservação da ordem pública em espaços metropolitanos), nos anos 80. O mal é a falta de senso de historicidade,
acompanhado do preconceito de que as polícias brasileiras são atrasadas e pouco evoluídas. "Quando o antropólogo chegou com
o milho, pelo menos em Minas, já estávamos com o fubá, há muito tempo." (Entrevista, Coronel PM).

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forças estaduais. Na esteira do Manual Básico, qualidade e efetividade". Tratava-se de introduzir a


surgiram outros manuais que ajudaram a criar uma ideia de que o papel da polícia é proteger as pessoas,
cultura propriamente policial, ficando interpondo-se como escudo diante das ameaças e
paulatinamente relegadas a segundo plano as práticas seu dever era o de procurar fazer isso com o mais
militares. elevado padrão de qualidade.
A instituição, com uma responsabilidade tão A Corporação não parou de crescer. Além de
grande, necessitava do suporte de políticas de novas unidades de policiamento, o emprego de
valorização do homem e de atendimento a suas novas táticas como o policiamento montado,
necessidades sociais. Assim, houve uma melhoria lançado nos centros comerciais, a proteção do
considerável na pensão paga às viúvas de policiais patrimônio histórico e artístico, o patrulhamento
militares e do seguro de vida em grupo, já que os com motocicletas, a implantação de postos de
riscos de acidentes cresceram sensivelmente. Um policiamento móveis com traillers, davam outra
programa habitacional acertado entre a Polícia dinâmica às tarefas de controlar a escalada da
Militar e a Secretaria de Obras proporcionou violência em Minas Gerais.
moradia a milhares de policiais. Impunha-se também Estas mudanças continuaram tendo impacto sobre
a assistência judiciária para defesa do militar as taxas de criminalidade, mantidas em parâmetros
processado por crime praticado em razão do serviço considerados aceitáveis e uma relativa retração da
policial. Os salários também se tornaram o ponto sensação de insegurança e medo do crime, situação
crucial das reformas que se implantavam, evoluindo que perdurou até os primeiros anos da década de 90.
de uma média de 1.5 do salário-mínimo, em 1972, Cedo, porém, se verificou que aquela violência e
para 2,5 em 1989. taxas criminais não eram algo cíclico ou mero
Com o passar do tempo, dando um passo além, a modismo, mas fenômeno com forte tendência de
Polícia Militar lança a ideologia da efetividade, que crescimento e de difícil controle.
se traduzia em outro lema - "Proteger e socorrer com
Ondas ocasionais levavam os governos a esboçarem algum tipo de reação, como o Mutirão contra a
Violência, que inaugura a fase das cruzadas sazonais.

Brasil: Ciclo da Grande Reforma X Homicídios Por mil.

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Pensamento científico e sistema de defesa social

Os teóricos da Grande Reforma sempre enfatizaram positivo ao conhecimento dos fenômenos sobre os
a necessidade de que fossem os estudos sobre a quais se debruça" (MEIRELES, 1988).
defesa anti infracional submetidos aos estatutos da Os primeiros passos para a constituição de
ciência (RESENDE, 1983; SANTA CECÍLIA, uma ciência que tivesse como objeto de estudo a
1983; MACHADO, 1984). Cunharam a expressão instituição-polícia e o conjunto dos fenômenos que
"triângulo da excelência", que correlaciona os três lhe são imediatamente correlatos foram dados
pontos fundamentais de toda a ideologia que durante as décadas de 70 e 80, ocasião em que a
desejavam construir. A ciência leva à eficiência e esta, comunidade, órgãos de polícia e as forças estaduais
por sua vez, garante a sobrevivência. Criticavam (polícias militares), se defrontaram com índices
abertamente a forma como a segurança pública era alarmantes e persistentes de criminalidade,
tratada na mídia e nas casas legislativas, em que particularmente a violenta, e outros assim chamados
ficava patente a ignorância a respeito do assunto. "efeitos colaterais" do nosso desenvolvimento
"Para debater-se um tema é necessário conhecê-lo. industrial. A orientação então existente a respeito de
É necessário, no mínimo, afinarem-se conceitos para como lidar com a questão era baseada
que haja compreensão. Verifica-se que, ao longo do predominantemente no bom senso, na intuição ou
tempo, debates, discussões, seminários, comissões na tarimba de antigos companheiros, afeitos,
governamentais, abordando o tema segurança, entretanto, ao combate a uma criminalidade bastante
produziram muito pouco. É que, acreditamos, por diferente, em quantidade e qualidade, daquela com
mais brilhantes que tenham sido os debatedores, por que seus sucessores tinham que lidar76. Os hábitos
mais lógicas e inteligentes que tenham sido as ideias de escrever, refletir, sistematizar e pesquisar eram
e a argumentação, resultados não eram alcançados, praticamente inexistentes. Os conhecimentos
ou eram incorretos, inadequados, fantasiosos, práticos, transmitidos pela tradição oral, não
despropositados. Porquê? Porque, quase sempre, os ofereciam nenhuma garantia de efetividade, dadas as
pressupostos estavam errados, fruto de características inteiramente novas dos problemas
desconhecimento de causas da insegurança, das emergentes. A falta de uma doutrina definida,
imperceptíveis variações de sua manifestação, de uniforme e sistemática levava algumas vezes a ações
opaca correção de seus efeitos. O momento não malsucedidas e erros primários, tanto na concepção
exige apenas pesquisas isoladas, não aceita que o quanto na execução de ações e operações policiais.
tratamento seja dado somente com experimentos O primeiro impulso vem no sentido de
esparsos: 0 momento já se ressente de uma nova sistematizar um corpo de doutrina a respeito das
ciência, a Policiologia, com tudo aquilo que a várias atividades cotidianas destinadas a consumo
pesquisa sistemática e rigorosa pode trazer de imediato, principalmente daqueles que se postavam
na linha de frente, mais vulneráveis a falhas.

76 Isso não quer dizer que não existisse um saber policiológico. A preocupação com o aprimoramento intelectual, com o ensino
técnico-profissional e a capacitação de seus quadros sempre esteve presente na história das forças públicas estaduais brasileiras.
Em Minas Gerais, datam do início do século XX os primeiros esforços para criar escolas profissionalizantes. Um dos marcos
mais importantes nessa evolução foi a criação do então chamado Departamento de Instrução, em 1934, que passou a se encarregar
da formação e aperfeiçoamento dos recursos humanos da PMMG. Hoje, a legendária escola foi transformada em Instituto de
Educação em Segurança Pública, com um papel destacado na geração de novos conhecimentos na área policiológica. Ver a este
respeito: ESPÍRITO SANTO, Lúcio Emilio. Apontamentos para a História da Policiologia. Belo Horizonte: Instituto Brasileiro
de Policiologia, 2002.

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Os primeiros delineamentos da necessidade e assuntos correlatos como violência, criminalidade,


de se criar um suporte científico para a atuação da políticas, estratégias e táticas de policiamento
polícia militar aparecem no Programa de Ação de (CARVALHO. 1984). Um extenso programa de
Comando e nas Diretrizes para Ação de Comando. edição de manuais técnicos sistematiza e consolida a
Já em agosto de 1974, é realizado o primeiro de uma doutrina de emprego de procedimentos individuais
série de Seminários de Assuntos Operacionais, e coletivos dos profissionais de defesa social no
versando sobre a criação de modelos matemáticos exercício de suas atividades.
que possibilitassem empregar o homem em função Já existia um consenso de que o concurso da
de dados, números e índices, previamente universidade era imprescindível à geração de novos
determinados, a fim de que se mantivesse "um conhecimentos acerca da defesa anti-infracional.
serviço adequado regido não por conclusões do bom Formula-se, então, a teoria da "polícia na
senso, muitas vezes subjetivas, mas segundo uma universidade e universidade na polícia", como forma
dotação, em função de uma demanda tecnicamente de "passar do método intuitivo para o método
levantada77." Esses seminários se justificavam pela dedutivo e racional, baseado em evidências
"necessidade de uma constante inter-relação entre empíricas 78 ". Essa relação, costumavam dizer os
teoria, pesquisa e ação. Teoria visando a novos ideólogos da Grande Reforma, não era de
modelos para desempenho eficiente das diversas subordinação, nem do intelectual ao policial, nem do
missões. Ação, sedimentando, na prática, o policial ao intelectual, mas de cooperação e
delineamento da teoria. A teoria indicando como complementaridade entre ambos. Críticas acerbas
ajustar a ação: esta redefinindo aquela" (RACHIDE eram dirigidas aos que imaginavam resolver o
BITAR, 1974). problema da violência sem ouvir os profissionais de
A revista "O Alferes", fundada em 1983, defesa social, muitas vezes receitando remédios que
recebeu, inicialmente, apenas a produção intelectual nada tinham a ver com as verdadeiras causas da
da oficialidade, submetendo questões cruciais da escalada de crimes79.
atividade policial militar a análises críticas, Através de um convênio com a Fundação
sedimentando a doutrina, criando novas João Pinheiro, os cursos de aperfeiçoamento
perspectivas para o emprego na defesa social, com passaram a ser gerenciados por aquela instituição,
destaque na defesa anti-infracional, basilarmente concretizando um projeto que vinha desde meados
através do policiamento ostensivo. Em pouco da década de 70 80 . Mudanças curriculares
tempo, passou a receber, e ainda recebe, redirecionaram tais cursos para uma visão atualizada
colaborações do público externo à Corporação, dos problemas de segurança da comunidade. Como
sobretudo magistrados, promotores, cientistas forma de gerar novos conhecimentos e ampliar os
sociais, jornalistas, dentre outros. existentes, foi introduzida a obrigatoriedade de
A pesquisa científica recebe, em 1985, um apresentação de um trabalho monográfico, como
grande impulso com a criação da Divisão de requisito para aprovação naqueles cursos (que hoje
Pesquisa na Academia da Polícia Militar, que passa a são cursos de pós-graduação).
apoiar interessados em estudar a instituição policial

77 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Seminário de Assuntos Operacionais. I Grupo de Encontro. Teses (Redação Final).
Belo Horizonte, de 7 a 10 de agosto de 1974.
78 Idem, p.19.
79 A relação cientista social e polícia é sempre muito tensa, mesmo em países desenvolvidos, como os Estados Unidos. Muitos
integrantes da comunidade científica sofreram perseguições, repressão violenta, tortura e morte durante o regime militar, sem a
reparação conveniente desses danos.
80 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Resumo de atividades... (op. cit.)

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Encontrados os caminhos para lidar com a A Crônica policial desse período, estampada
crescente onda de violência, pelo menos nos jornais, mostra uma sociedade ainda perplexa
momentaneamente, as forças estaduais passaram a diante da extrema violência de seu cotidiano e a
submeter todo esse corpo doutrinário a uma análise impropriedade dos meios então disponíveis de
crítica, depurando daí teorias mais duradouras e controle. Surgem distorções graves que as
universais a respeito dos mais variados temas. instituições policiais procuram inibir, porém a
Um passo adiante é dado em 1985, quando se chega pressão dessa criminalidade em ascensão assume o
à conclusão de que uma Policiologia, não só era caráter de verdadeira guerra. As caçadas policiais, a
possível, como também absolutamente necessária invasão de barracos, o pânico se misturando à
(MEIRELES e Espírito SANTO, 1989)81. O ângulo revolta da população, tornam-se cenas rotineiras na
pelo qual se abordava a autoridade de polícia, o vida do policial. O uso da força letal também passa
poder de a força de polícia era peculiar e não se a ser acompanhado de perto, já que os confrontos
confundia com as Perspectivas de ciências afins com troca de tiros se tornaram frequentes.
como a sociologia, a antropologia, o direito, a ciência O que mais preocupa, entretanto, é a ação
política, a criminologia, dentre outras. dos chamados "esquadrões da morte", grupos
formados por pistoleiros, contraventores e
Violência policial e violência contra o policial comerciantes que passam a justiçar ladrões,
criminosos comuns ou apenas desafetos, diante
A estratégia de ocupação dos espaços vazios
evidentemente da violência dos bandidos e da inércia
de segurança, como vimos, implica o lançamento de
ou impotência do poder público. Percival de Souza,
grandes contingentes policiais nas ruas. A conquista
Hélio Bicudo e outros descrevem a formação desses
desses espaços não se deu de forma pacífica, porque
grupos e o aumento das execuções de delinquentes,
tal conquista consistia, em última análise, na
em São Paulo, a partir de 1968. Segundo esses
imposição da lei e da ordem em ambientes
autores, nos anos seguintes, a ação dos grupos se
desacostumados a qualquer tipo de controle por
torna mais efetiva e ostensiva, vitimando um
parte do poder público. As forças estaduais (as
número incalculável de pretensos marginais. Ainda
Polícias Militares), estreantes no policiamento
segundo eles, muitas dessas vítimas eram retiradas
ostensivo, ainda não haviam completado o
das carceragens e mortas em lugares ermos no
treinamento de seus efetivos para o exercício dessas
entorno de São Paulo. Vários crimes eram praticados
missões naturalmente complexas. O quadro se
como queima de arquivo ou vingança. Tornaram-se
tornava mais crítico à medida em que crescia a
muito conhecidas as caçadas a assassinos de
reação popular contra o regime autoritário. Estado e
policiais, como foi o caso do investigador de polícia
sociedade civil se colocavam em campos opostos. O
Agostinho de Carvalho, em 1970, em São Paulo, e a
policial e a comunidade ainda se estranharam,
vingança pela morte do detetive Le Cocq, da Polícia
porque, no imaginário dessas populações, a
Civil do Rio de Janeiro 82 . Grupos como o Mão
instituição encarnava o poder absoluto e violento do
Branca, Bombril. Scuderie Le Cocq. Cravo Vermelho, se
Estado. Os casos de prisões arbitrárias, disparos
formavam em praticamente todas as capitais e
intimidativos, espancamentos, maus tratos, até
ficaram famosos pelas dezenas de presuntos que
mesmo a tortura e execuções sumárias aumentavam
desovavam nas vielas ermas dos bairros pobres e pela
de forma preocupante.
extrema violência com que praticavam suas chacinas.

81 MEIRELES, Amauri e ESPÍRITO Santo. Teoria Introdutória à Policiologia. In “O Alferes", v. 6, n. 18, 39 trimestre, 1988.
82 Ver a este respeito SOUZA. Percival, op. cit. BICUDO, Hélio. Meu depoimento sobre o "Esquadrão da Morte." Pontifícia
Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, 1977; SENADO FEDERAL, CPI da Violência Urbana.

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A impunidade era o motor desses bárbaros crimes. impedia o policial de concorrer à promoção por
Alguns se tornam emblemáticos como o assassinato merecimento ou por antiguidade, se estivesse
de Paulo, fuzilado com treze tiros em Vila Paulina, indiciado em inquérito ou sub judice. Como se sabe,
Rio de Janeiro. O caso ficou famoso em razão da mesmo ocorrendo as excludentes de criminalidade
determinação e coragem de sua irmã, Marli Pereira (legítima defesa própria ou de terceiros, estrito
Soares, que enfrentou ameaças e toda estrutura de cumprimento do dever legal ou estado de
poder para identificar os matadores, entre os quais necessidade), o policial é preso em flagrante, ficando
um policial militar. à disposição da Justiça, acarretando para ele a perda
Por outro lado, o crescimento do número de de alguns direitos, o que representava uma situação
policiais mortos ou gravemente feridos em ação injusta, além de ser fator de desestímulo, mais um
policial era uma realidade em todo o país, com "espinho agudo" da área operacional. Surge então a
destaque especial para São Paulo e Rio de Janeiro. Lei n. 8.190 de 13 de maio de 1982, que introduz a
Essa situação nova impôs algumas mudanças na figura da "ação policial legítima", isto é, aquela
legislação específica das polícias militares, tanto para situação em que o policial tem o dever legal de agir
proteger a sociedade contra o mau policial, como para defender direito seu ou de outrem. O crime que
para garantir melhores condições de trabalho para o vier a cometer nessa situação, devidamente apurado
policial correto. Estava claro que essa violência era em inquérito policial militar, será objeto de ação
um fenômeno extremamente grave e fazia vítimas penal militar, mas não seria mais impeditivo para a
em meio à população civil, provocava muitas mortes promoção por merecimento ou antiguidade83. Ainda
e ferimentos em delinquentes e produzia centenas de como consequência da atividade profissional no
baixas nas fileiras das forças policiais. Diante desse contexto da violência urbana, a morte do policial
aumento de risco, procurou-se cercar de garantias o militar, a invalidez e as moléstias decorrentes de ação
trabalho policial. As Justiças Militares estaduais, policial-militar legítima foram consideradas motivos
através da Emenda Constitucional n. 7, de 1977, para a promoção por ato de bravura84.
passaram a julgar os chamados crimes militares, ou Conforme atestam os registros internos, a
seja, aqueles praticados por policiais em razão da tradição escrita e oral da Polícia Militar de Minas
função. Gerais, o problema da violência policial jamais
Os Estados procuraram introduzir outras deixou de ser combatido. No entanto, em nenhum
modificações em suas leis e regulamentos, outro período histórico a questão assumiu uma
ajustando-os à dura realidade do clima de violência e saliência como nos anos 80. A resposta institucional
desordem que imperava nas ruas. ao problema veio através de inúmeras medidas,
Em Minas Gerais, novas normas disciplinares foram sendo as principais: completa remodelação do
estabelecidas com a substituição do Regulamento processo de recrutamento e seleção de policiais;
Disciplinar do Exército (RDE) pelo Regulamento reformas curriculares, nos quais foram introduzidas
Disciplinar da PM (RDPM). Na verdade, a estrutura matérias como relações humanas, administração de
do RDE permaneceu. havendo sido feitas apenas as conflitos, condução de ocorrências policiais;
adaptações necessárias a uma força policial. O pesquisas científicas sobre o problema, suas causas e
Estatuto do Pessoal da Polícia Militar (EPPM) solução; sensibilização do policial para a grave

83 Toda a gênese da chamada ação policial legítima pode ser encontrada em CASTRO, Sebastião Moreira. Da ação policial militar
legítima seu entendimento e sua aplicação. In Revista "O Alferes," n. 21, ano 7, 1989.
84 Ver MINAS GERAIS. Decreto n. 22.237, de 06 de agosto de 1982, e Decreto 22.238, da mesma data.

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questão e a realização de seminários, congressos e No que tange ao sistema policial, diante da


encontros para análise do assunto. derrocada do regime militar, lança-se a tese da
Essas atividades redundaram na formação de extinção das polícias militares, sob a justificativa
um corpo doutrinário, cujos princípios (declarada) de que essas instituições eram violentas e
fundamentais foram sistematizados por inúmeros ineficientes e a (não declarada) de que a sua ligação
policiólogos, dando origem a documentos com a estrutura de poder em queda viabilizar
normativos de grande importância. A prática da politicamente a sua permanência. Sob pressão das
violência policial, conforme bem acentua polícias civis e ao mesmo tempo temerosa com
ALMEIDA (1987), é uma das três faces negras do relação à proposição da extinção pura e simples das
organismo policial, ao lado do despreparo técnico- polícias militares, a Comissão adotou uma solução
profissional e a corrupção. "A concorrência dos três salomônica. Criou uma polícia civil para atuar como
fatores, ou a interatividade de um deles, corrói os polícia ostensiva, preventiva e judiciária, mas
alicerces da organização, levando-a ao autorizou os Estados a criarem e manterem a polícia
esboroamento total. Em suma, a corporação policial militar, caso julgassem necessário, com a missão de
que existe em razão de um papel social deixa de força dissuasória, corpo de bombeiros e
cumpri-lo, é repudiada pelo povo, cai no vácuo, policiamento ostensivo, quando insuficientes os
tende a desaparecer para dar lugar a uma nova agentes uniformizados da polícia civil (IB Silva, op.
instituição que saiba oferecer a resposta social." A cit.).
erradicação da violência policial é desde então A Assembleia Nacional Constituinte iniciou
colocada como política indispensável à permanência seus trabalhos em 1987. Ficou a cargo da
e aceitação pública da Corporação. Subcomissão IV. b - Da defesa do Estado, da sociedade
civil e de sua segurança todos os assuntos relativos à
Nova constituição: novo estado, nova estrutura do sistema de segurança pública e suas funções.
sociedade? Infelizmente, os constituintes não tinham eles
próprios um projeto para a defesa anti infracional no
O movimento em favor de uma nova
país. Permaneceram sob o fogo cerrado das
Constituição começa a surgir já nos primeiros anos
corporações. Os grupos de pressão das polícias civis
da década de 80. A redemocratização total da
tentaram de todas as formas impor a tese da extinção
sociedade, segundo seus defensores, passava
das polícias militares. As polícias militares por sua
necessariamente pela elaboração de uma nova
vez, se mobilizaram para reverter o quadro adverso,
Constituição, já que a de 67 havia sido moldada para
conscientes de que as regras do jogo democrático
servir aos propósitos da Revolução de 1964. Em 3
impunham como arma argumentos lógicos e
de setembro de 1985, materializando a ideia do
racionais. A fim de obter esses argumentos realizou-
Presidente Tancredo Neves, foi instituída a
se em Belo Horizonte, no período de 8 a 14 de
Comissão de Estudos Constitucionais, a Comissão
fevereiro de 1987, o III Congresso de Policiais
dos Notáveis, presidida pelo jurista Afonso Arinos
Militares do Brasil, cuja abertura foi presidida por
de Melo Franco, destinada "a elaborar uma proposta
Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia
de Constituição que pudesse servir de base à
Nacional Constituinte. Esse grande evento foi
Assembleia Nacional Constituinte, a se instalar com
decisivo para a sistematização das inúmeras questões
a legislatura do ano seguinte [1986) no Congresso
envolvidas na ampla reforma do sistema de defesa
Nacional" (IB SILVA, 1992). Já nesse ensaio de
social, muitas delas ocultadas ou desconhecidas
trabalho constituinte foi possível vislumbrar a luta
daqueles que se impunham a tarefa de remodelar o
entre corporações e corporativismos em que se
sistema. Mais uma vez o nosso legislador evitou os
transformaria a futura Assembleia Constituinte.

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grandes problemas do sistema de defesa anti novo regime constitucional. As inovações são
infracional e procurou acomodar os interesses muitas, com especial destaque para os direitos sociais
corporativos. e garantias fundamentais. A fórmula encontrada
A tão aclamada Constituição, promulgada pelos constituintes parece perfeita - de um lado,
em 5 de outubro de 1988, acabou revelando-se, em procuram fortalecer a cidadania e, de outro, reduzem
muitos aspectos, uma magnífica carta de intenções, drasticamente o poder do Estado. Um aspecto
fadada a nunca se transformar em medidas sempre negligenciado, a proteção do trabalho contra
concretas. Ademais, as grandes contradições a exploração e oscilações da economia, ganha realce
internas, que nossos legisladores não puderam nos direitos sociais da proteção da relação de
perceber ou resolver, dificultaram a sua eficácia. Já emprego, seguro-desemprego, fundo de garantia por
prevendo isso, os constituintes se anteciparam e tempo de serviço, salário-mínimo, décimo-terceiro
programaram uma revisão obrigatória do texto no salário, salário-família, jornada de trabalho de oito
prazo de cinco anos (cf. artigo 39. do Ato das horas diárias e quarenta e quatro semanais, licença à
Disposições Finais Transitórias). O que fez com que gestante, licença paternidade, dentre outros.
muitos considerassem a nova Carta como natimorta Como instrumento de correção e como
(LAZZARINI, 1987). programa de ação política, se é que uma Constituição
Do ponto de vista dos defensores de um se presta a isso, a Carta de 88 não deixa escapar
adequado e inovador sistema de defesa social, a nenhum grande sonho do povo brasileiro.
Constituição vem consagrar a concentração e A começar pelo artigo 1º, em que são
centralização, princípios antagônicos aos fins enunciados os fundamentos do nosso Estado
declarados de democratização do poder. A Democrático de Direito: a soberania; a cidadania; a
impressão que ficou e ser o Brasil um Estado dignidade da pessoa humana; os valores sociais do
unitário e não uma federação. Queixam-se de que a trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo político;
União enfeixa em suas mãos todo o poder, limitando todo poder emana do povo. que o exerce por meio
ao extremo a expressão política dos entes de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
federativos. 0s Estados-membros têm pouca da Constituição. O cidadão vota e pode ser votado,
expressão e os municípios quase nenhuma. Todas as pode propor ação popular, tem o direito de
atenções se voltam para Brasília, que, por sua vez, denunciar irregularidades ou ilegalidades e até o de
não precisa nenhuma atenção ao resto do país. Um receber gratuitamente um exemplar da
novo Estado, que se quisesse democrático, deveria Constituição.
inverter essa ordem. dando realce ao município Os quatro objetivos fundamentais da
como célula fundamental de toda a edificação do República, enunciados no Art 3o, pela sua extensão
Estado. Somente o município é real, todos e alcance, teriam que figurar em qualquer agenda dos
os demais entes são ficção jurídica. Entendem que governos nos três níveis federativos. O primeiro dos
não há na Constituição uma concepção nova de objetivos. "construir uma sociedade livre, justa e
Estado. O que aí está foi moldado ainda nos tempos solidária" caso houvesse no poder um número
imperiais, mais precisamente nos tempos do suficiente de pessoas interessadas em alcançar esse
Regresso, em que os estadistas do Império recuaram importante objetivo, já poderia ter mudado o rosto
de seus sonhos liberais e resolveram manter o do Brasil, nestes quatorze anos de vigência da
sistema absolutista da Colônia. Constituição. Os demais objetivos, quando
Entrando numa era de plena e total confrontados com a realidade acerca da qual foram
democracia, sob os auspícios de uma nova estabelecidos, também ainda não saíram do papel.
Constituição, a sociedade se move para adaptar-se ao São eles: garantir o desenvolvimento nacional;

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erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as inquérito será fundamento, dará conteúdo e forma a
desigualdades sociais e regionais; promover o bem todos os demais atos processuais, ainda que tenha
de todos, sem preconceitos de origem. raça, sexo, que ser refeito, anulado, ampliado. Apenas dizer que
cor, idade e quaisquer outras formas de o inquérito não é processo, e sim, um mero
discriminação. procedimento, uma peça informativa, não resolve o
Todos esses objetivos estariam dentro daquele problema.
conceito amplo de justiça, a que nos referimos Já o disposto no artigo 5o, inciso XXV. "a lei não
acima. Como parte integrante da estrutura do excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
Estado, o sistema de desenvolvimento social (a bem ameaça a direito", obriga, em tese, a que toda notitia
da verdade, é, até então, um sistema virtual) teria por criminis seja levada ao conhecimento do Poder
dever resgatar esses objetivos e estruturar suas Judiciário, havendo ou não inquérito. Que são os
atividades de forma a realizá-los em plenitude. boletins de ocorrência, senão comunicação de crime
Os constituintes assimilam as constantes ou contravenção? Se a justiça criminal deseja ou não
críticas dos setores progressistas ao excessivo poder receber todas as comunicações de crime, essa é uma
do Estado frente ao indivíduo e tratam de pôr limites outra questão.
a esse poder. No que tange às garantias A "Garantia de Silêncio", uma das grandes
fundamentais, as principais modificações que afetam conquistas do direito individual público moderno,
profundamente o trabalho policial dizem respeito à consiste no direito do preso de permanecer calado.
proibição da tortura, à discriminação atentatória dos Ninguém é obrigado a produzir provas contra si
direitos e liberdades fundamentais, à garantia de próprio. No entanto, de acordo com o Código de
silencio85, à presunção de inocência, ao habeas-data e Processo Penal, a autoridade policial judiciária deve
ao mandado de injunção. interrogar o indiciado, podendo proceder a
A filosofia do processo penal é inteiramente acareações e a outros atos tipicamente processuais,
nova. Abandona-se o modelo inquisitorial em favor mas que não são assim considerados. Entendemos
do modelo acusatório. São passados quatorze anos, que a lei processual deveria estabelecer o
e não se conseguiu adaptar o Código de Processo procedimento das autoridades policiais judiciárias
Penal às novas regras constitucionais. As garantias para tratar com o indivíduo preso em flagrante ou
processuais, com destaque para as previstas no artigo submetido a inquérito, de forma a garantir-lhe os
5o, incisos LV, XXV, LXII, LXII. LXIV, tornaram direitos processuais previstos na Constituição. É
inconstitucional o inquérito policial. Em primeiro preciso encontrar uma solução para o problema da
lugar, pelo previsto no artigo 5o, inciso LV, aos anacrônica instrução criminal, que deveria passar a
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e atuar em um novo modelo, onde o caminho da
aos acusados em geral, são assegurados o busca da justiça não fosse tão longo e burocrático;
contraditório e ampla defesa, com os meios e onde a polícia judiciária, livre do cumprimento de
recursos a ela inerentes. O inquérito policial é ritos arcaicos, tivesse condições efetivas de realizar
disciplinado pelo Código de Processo Penal, ou seja, investigações e perícias que identificassem as
presume-se que essa figura jurídica seja matéria grandes fontes de criminalidade: a força policial
processual, do contrário, não estaria ali. Esse mesmo atuando em contato direto com as comunidades,

85 Este dispositivo transplantado do direito americano parece já transformado em letra morta. Ver a este respeito ESPÍRITO
SANTO, Lúcio Emílio. Implicações teóricas e práticas da Garantia de Silêncio. Belo Horizonte: Instituto Brasileiro de
Policiologia, 2002.

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solucionando pequenos conflitos (intensificando as público, a defensoria pública e a advocacia como


denominadas ocorrências resolvidas no local). partes integrantes do sistema judicial, mas exclui as
recebendo representações - e em estreito polícias, até mesmo a judiciária, que é o principal
relacionamento, por exemplo. com os Juizados sustentáculo do arranjo que institui, dando o
Especiais Criminais, remetendo-lhes Termos idêntico tratamento à instituição prisional. Manteve
Circunstanciados de Ocorrência (TCO) ou até a polícia vinculada ao Poder Executivo, integrando
mesmo agendando audiências. Uma elementar o defeituoso, até no nome, sistema de segurança pública,
análise de organização e método (O&M) poderá do qual a justiça criminal, por sua vez, está excluída86.
identificar e corrigir, no ciclo de um evento que Ao estabelecer que a segurança pública é dever do
envolve a força policial, o ministério público, a Estado. direito e responsabilidade de todos (sob
polícia judiciária, a justiça criminal, a administração nossa ótica, referindo-se à defesa social). a
prisional, procedimentos burocráticos e defasados, Constituição legitima a participação da comunidade,
caminhos a serem encurtados. possibilidades de abrindo espaço para as modernas concepções de
soluções mais ágeis. Temos a convicção de que um policiamento, que prevém a participação ativa do
especialista em organização e método ajudaria, e cidadão87.
muito, na montagem deste novel sistema de defesa A situação é bastante complicada porque, na
anti-infracional, caracterizado pela interligação entre verdade, há uma contradição entre o modelo de
a justiça criminal, o ministério público, a polícia segurança pública preconizado pela Constituição e o
judiciária, a força pública, a defensoria pública e a que pedem os segmentos favoráveis à
administração prisional. desmilitarização das forças estaduais e sua unificação
A Constituição de 88 dedica um capítulo à com as polícias judiciárias estaduais, ou aquele dos
segurança pública, até então matéria típica das que pedem modernização e agilidade no "imperial"
constituições estaduais. O tratamento que dá à sistema de defesa. Há uma ciranda de propostas de
questão é inadequada porque mistura defesa social emendas constitucionais, que entram no processo
com defesa anti-infracional e, até mesmo, com legislativo e acabam sendo derrotadas, na maioria
defesa nacional. Se a emergência daquelas defesas dos casos, nas Comissões temáticas do Congresso,
como matéria constitucional federal é um ponto sem sequer chegarem ao plenário, porque a própria
positivo, o tratamento que ali é dispensado ao sociedade está em dúvida quanto ao que ela
assunto, deixa muito a desejar, porque, dentre outros realmente quer em termos de sistema de segurança
equívocos, consagra a pseudo-dicotomia entre pública - desmilitarizar a polícia ou, no outro extremo,
polícia civil e militar que se revelou danosa sob colocar o Exército nas ruas. Fica também evidente
muitos aspectos. Por outro lado, a sociedade perdeu que ninguém é suficientemente forte, nem o
uma grande oportunidade de ver instituído um governo, nem qualquer partido político, para impor
sistema de defesa social e de aperfeiçoar o sistema de de cima para baixo mudanças nesse sistema.
defesa anti-infracional, ao manter estanques os Enquanto não se vislumbra uma solução para esses
órgãos que interatuam para prover a proteção. O impasses, a crise só se agrava.
Capítulo IV da Constituição Federal que trata "das A Constituição do Estado de Minas Gerais
funções essenciais à justiça" considera o ministério trouxe também inovações importantes. Dentro da

86 Ver ESPÍRITO SANTO, Lúcio Emílio. Implicações teóricas e práticas da Garantia de Silêncio, op. cit.
87 Ver ESPÍRITO SANTO, Lúcio Emílio. Teoria da Responsabilidade Compartilhada na Constituição de 1988. Belo Horizonte:
Instituto Brasileiro de Policiologia, 2002.

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visão de que a proteção individual e a comunitária órgão ou função que considerou ser do Executivo.
vão além do trabalho policial, criou o Conselho de O autor do Espírito das Leis é no Brasil o maior
Defesa Social, concebendo-o como órgão ideólogo do corporativismo e do isolacionismo das
consultivo do governador, para assessoria no instituições republicanas.
tocante a políticas de defesa social. Recentemente, a
Emenda Constitucional n. 43, de 14 de novembro de Exaustão e crise do modelo da grande reforma
2000, alterou a composição desse Conselho, que policial (1988)
ficou assim constituído: Vice-Governador
Conforme vimos, a Constituição de 88
(presidente): Secretário de Estado da Justiça e
manteve o pretenso modelo de segurança pública
Direitos Humanos: Secretário de Estado da
estabelecido pelo Regime de 64, em meio a inúmeras
Educação: um membro do Poder Legislativo
mudanças de cunho democrático. Das duas uma: ou
Estadual: Comandante Geral da Polícia Militar:
julgaram os legisladores que o modelo do Regime de
Chefe da Polícia Civil: um representante da
64 atendia aos requisitos de um Estado de Direito
Defensoria Pública; um representante do Ministério
democrático ou essa contradição não foi percebida.
Público e três representantes da sociedade civil,
O certo é que a Constituição não apostou na
sendo um da Ordem dos Advogados do Brasil.
inovação, preferindo manter as coisas como
Seção Estado de Minas Gerais, um da imprensa e um
estavam. Deveria ter criado o capítulo dos Sistemas
indicado na forma da lei. Somente no ano 2000. doze
Nacionais de Proteção Nacional e de Proteção
anos após haver sido criado, é que foram
Social, para realizarem respectivamente as defesas
estabelecidas as regras para a organização e
nacional e social, cuja capilaridade atingiria os
funcionamento do Conselho, que não obstante,
municípios. passando pelos Estados; o capítulo dos
permanece inerte.
Sistemas Nacionais de Desenvolvimento Nacional e
Esse Conselho não saiu tal como o
de Desenvolvimento Social: não fez referência
imaginado pela Polícia Militar (Dias, 1988). Em
específica às várias outras modalidades de policiais
primeiro lugar, porque o município, como sempre,
administrativas da União. Estado e município, que
ficou de fora. Conforme bem observa ESPÍRITO
interagem para prover a defesa social; inseriu os
SANTO (1989b). os prejuízos decorrentes dessa
Corpos de Bombeiros na defesa anti-infracional,
omissão só poderiam ser minimizados pela previsão
quando atuava na defesa anti-adversidades.
de iguais conselhos nas leis orgânicas dos
A Constituição não encerrou os debates
municípios, que assegurariam a indispensável
acerca do caráter militar da polícia ostensiva e a
participação destes na formulação de políticas
dicotomia polícia civil-polícia militar. A crítica ao
estaduais de defesa social. O Conselho é estadual,
sistema consagrado pela Constituição acabou
mas "será em nível de administração local que se
gerando estagnação: o modelo vigente não podia ser
efetivarão as medidas concretas para a proteção do
extinto nem podia avançar. Tinha legalidade, mas
cidadão e da sociedade, isto sem dúvida, um
não conseguia se firmar perante a desinformada
interesse da população a ser gerido pelo município".
opinião pública.
Em segundo lugar, é inconcebível que num órgão
Para agravar ainda mais essa situação, a
colegiado para decidir sobre políticas de defesa
aguda crise financeira dos anos 90 vem causar, em
social não tenham assento representantes da justiça
Minas Gerais, o desmantelamento do aparato
criminal e da administração prisional. Dentro da
instituído pela Grande Reforma Policial. A ideia-
concepção atomística, sempre justificada pela teoria
força desse movimento era a ocupação dos espaços
da separação de poderes de Montesquieu, o
vazios de segurança, associada à qualidade e
Judiciário, à época, negou-se a participar de um
objetividade. Essa estratégia pressupunha o

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lançamento maciço dos efetivos no espaço urbano e ainda prevalecem hoje. Numa rápida síntese,
a utilização intensa de viaturas de quatro e duas poderíamos listar como contribuições da Grande
rodas, policiamento a pé, suplementação com cães, Reforma Policial:
cavalaria, helicópteros, bicicleta ou qualquer outra  O crime é mais um problema social
variável necessária ao rendimento operacional. que um problema policial. Entretanto, quaisquer que
As políticas institucionais, em todo o país, sejam as causas e efeitos, o policiamento ostensivo
visavam coroar a obra da Grande Reforma Policial: executado com inteligência e oportunidade, sob a
Dentre as metas estabelecidas para a força estadual égide do princípio da ocupação dos espaços vazios
de segurança, é um dos pilares do ambiente de
de Minas Gerais, estavam a modernização
segurança. Esse policiamento, destinado a proteger
administrativa, um incremento ainda maior dá e socorrer com oportunidade e objetividade, deve
operacionalidade, a profissionalização e a interação ser suplementado com atuação específica em locais
comunitária, envolvendo vultosos investimentos na de maior risco, os hoje denominados "pontos
área da segurança pública 88 . Entretanto, com as quentes", e ações de inteligência policial;
turbulências na área econômica e a incerteza quanto  O ambiente de segurança implica
ao novo regime em gestação, apenas as metas medidas que atendam a aspectos psicológicos,
sobretudo o medo de crime, e medidas objetivas
consideradas emergenciais e inadiáveis receberam
para afastar ameaças. A proteção subjetiva decorre
alguma atenção. Entrava-se num compasso de da crença da ausência de ameaças, de sinais e
espera que ia relegando ao esquecimento e até sintomas de desordem e anomia. E a proteção
mesmo, liquidando algumas das importantes objetiva é a efetiva ausência ou controle real de
conquistas da Grande Reforma. riscos, que decorre da adoção de medidas de defesa;
O movimento da Grande Reforma Policial,  A percepção da ausência ou presença
muito embora fosse algo distinto do sistema de de ameaças por parte da população pode ser
"deformada" por fatores como a divulgação maciça
poder dentro do qual foi criado, sofre pesadas
de crimes pela mídia e pela desinformação a respeito
críticas dos opositores do Regime Militar, sobretudo das ameaças efetivas;
na fase inicial da redemocratização, na década de  As polícias militares são forças
oitenta. públicas, a força de que o Estado necessita para
Quais as contribuições que esse movimento impor-se, e, como tal, controles internos e externos
trouxe para o aprimoramento das técnicas e são imprescindíveis, a fim de que não se volte contra
a sociedade que a instituiu. Entretanto, a
estratégias policiais? E para o sistema de defesa
compatibilização da estrutura com o tipo de missão
social? O inventário dessas contribuições ainda não deve ser permanentemente buscada como forma de
foi feito. Sequer sabemos que princípios, que alcançar a eficácia;
valores, que crenças esposadas pelo velho sistema  Dada a grande complexidade da
ainda prevalecem hoje. Numa rápida síntese, sociedade moderna, todos os esforços devem ser
poderíamos listar como contribuições da Grande canalizados para a criação de um suporte científico
Reforma Policial: para a atuação das forças policiais. A pesquisa
eliminará concepções de senso comum, os
Quais as contribuições que esse movimento
preconceitos e as crenças que comprometem os
trouxe para o aprimoramento das técnicas e resultados. Uma Policiologia, unificando e
estratégias policiais? E para o sistema de defesa sistematizando os saberes a respeito do poder de
social? O inventário dessas contribuições ainda não polícia, força policial e questões afins, será inegável
foi feito. Sequer sabemos que princípios, que fator de melhoria dos serviços. realização dos
valores, que crenças esposadas pelo velho sistema direitos humanos e comunhão das forças vivas da

88 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Políticas do Comandante-Geral. Diagnósticos, Pressupostos e Diretrizes, Belo
Horizonte, 1985.

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comunidade para solução do complexo e grave atuasse nas causas remotas dos fenômenos que
problema da proteção social: produziam os incidentes;
 A atuação sinérgica e sistêmica dos  Em razão do momento em que foi
órgãos de polícia administrativa, da força pública. do instituída, não era possível compartilhar a gestão da
ministério público, da polícia judiciária, da justiça defesa anti-infracional com as comunidades:
criminal, defensoria pública e sistema prisional, é  As instituições policiais ainda se
fato inegável de efetividade; voltam muito para dentro, com estruturas presas à
 A Grande Reforma Policial surge burocracia, rigidez dos controles hierárquicos e
num momento em que ações reativas eram disciplinares internos, pouca liberdade de ação,
prementes, por esta razão, não puderam os pouca permeabilidade à influência externa.
ideólogos conceber força policial mais proativa, que

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