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A IMPORTÂNCIA DA CIÊNCIA POLÍTICA

Abelardo F. Montenegro
Do Instituto Cearense de Ciência Polític.l

I. O FENÔMENO POLíTICO

A alma do homem não está desencarnada e sim ligada ao


corpo. A vida dêsse corpo leva o homem para os problemas
sociais e políticos. Eis por que o filósofo, no dizer de Pierre
Lachiêze-Rey, acaba por se tornar um teórico da política e
que, conforme as circunstâncias favoráveis, se transforma em
prático. São as necessidades corporais e as exigências das
partes inferiores da alma que determinam o aparecimento do
Estado e presidem sua organização (').
O político, como afirma Georges Burdeau, é produto do
social, sendo inconcebível que o modo de ser da sociedade não
repercuta no estilo de sua ordem política. (')
O marxismo estabelece a correlação entre a estratificação
social e a diferenciação política. A classe econômicamente mais
poderosa tende a controlar o poder político. Eis por que a vida
política não passa de competição em tôrno do poder.
Se há ordem de atividade humana que se acomode mal
com as idéias puras, diz François Goguel, é a política, pois
elas não são, apenas, idéias, mas também interêsses, sendo
umas e outros contraditórios. (")
O homem não pode ser fechado na câmara de gás das
Idéias Puras, pois não se compreende a política por meio de
abstrações. O político está ligado a cousas reais tais como
pão, habitação, educação, dificuldades sociais. Não é possivel
considerá-lo uma categoria do espírito autônomo, porque a

(1) «Les Idées Morales. Sociales et Politiques de Platom>. I'á~. 105. Paris. 1951.
(2) «Méthode de la Science Poli tique». pá,!!. 228. Paris. 1956.
(3) «La Politique des Partis sous la III République». pá;::. 26. Paris. 1946.

Re'". Dir. Públ. c Ciêncil PolítiCJ - Ric) de .hne;c/l - Vol. 2. 0(' .::! - jul./dez. IC)')9
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política implica na ação do homem sôbre o mundo e a histó-


ria. (')
Os temas políticos são fornecidos p2las situaçõ2s reai3 da
vida política. A antiguidade greco-~omana, afirma Nelson de
Sousa Samr:aio, não ~ode dar-nos estudos sôbre Eistema de
~artidos, propaganda política e opiniEo pública. (")

N2.o se po::e, portanto, deixar de assinalar, como fêz


Gcttd, a íntima r::l2.ção entre o pen:::2.IDcnto ~olíti~o de um
dder!ninado pe~ío:o e as condiçc2s política:> nêles exis~entes.
As teor:as justificam ou crldcam a autoridade, exp::essando o
antagonismo das classes sociais em luta.
O fenômeno político é, assim, um fenômeno social. Não
surge do nada, n2111 cai do céu por descuido. Recenta da so-
ciedade hUlrana e recebe a coloração das classes em que se
divide essa sociedade.
O fenômeno po:ítico acaba por se ternar dominante no
mundo da fenonologia social, porque a área em que eclode é a
que está ligada à alavanca de comando da própria sociedade.
O homem verifica afinal que a única maneira de exprimir
a opinião no grupo e, consequentemente, influir sôbre a atitude
política de outros cidadãos, é desempenhar um papel polí-
tico. C)
Há, po~anto, interêsse em integrar a clas32 política. A
psicologia política dirá qual o verdadeiro móvel que impele
o hemem para tal classe. Pode ser a ambição, o interêsse
econômico, a vaidade ou a fôrça d2 convicção ou outro motivo
dominante.
Numa área de sêca e de fome, integrar a classe política
s!~niflca
estacilidac1e. É o institnto de segurança que impele
o homem para a classe política, objetivando a conquista do
Poder.
Classe po!ítica, na definição de Bu!"deau, é o conjunto de
p::rsonalidades ou de grupos que participam dos princípios
ligados ao ascendente político (')

(4) «Partis Politiques et Re31ités Soe; ::Ies», G. Lav:m, pág. 56, Paris. 1953.
(5) Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 3, págs. 10 e 20, Belo Hori·
zonte, 195').
(6) Ch. Celier, «lntroduction à la Seiencia Poli tique», fase. III, pág. 485.
Paris, 1955.
(7) Burdeau, obr. cit., pág. 451.

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São os homens ou os grupos que vão lutar pela conquista


do poder, ou seja, do "direito de tomar decisões que valerão
como regras para a coletividade" .
Êsses homens ou êSS2S grupos não se preocupam, apenas,
com seus problemas individuais ou de clam.e, mas, J,umbém,
com os da coletividade. Eis por que formam - homens e gru-
pos - a sua cultura política.
Em sua expressão mais genérica, a cultura política, como
define Themístocles Brandão Cavalcanti, "será precisamenV~
o conllecimento básico das noções ess:mciais do mecanismo do
Estado,do seu funcionamento, da filosofia de um povo e de
u~a época." C)

A cultura política, afirma ainda o politicólogo brasi!eiro,


"rressupõe conhecimento de teoria e fatos e capacidade de
formar juízo, assentar diretrizes e prover as consequências
dessa ou daqueia orientação. (')
Da cultura política, "depende a capacidade de cada um
organizar a sua cidade e de escolher os homens melhores para
governá-la" .
A juventude, já na escola, carece de familiarizar-se com
o fenômeno político.
"Se a Escola continua a descurar os fatos sociais, a não
esclarecer a juventude sôbre os problemas correntes, diz A.
Carneiro L~ão, iremos ver demagôgos e aventureiros audazes
procurarem interpretá-los a seu talante, confundindo tudo,
envenenando a opinião pública para dominarem". ('0)
Varange considera a nossa era mais po:ítica, porque a
totalidade de nossas formas de vida estão agora em função
do poder. Do mesmo modo, pensa o juiz norte-americano
Vandercilt que prefere o qualificativo de político ao de atômico
para o nosso tempo. E Cândido Mota Filho afirma que estamo::!
vivendo a época do Estado.
Para os marxistas, entretanto, o econômico tem a prima-
zia. O político, no dizer de Eça de Queiroz, é o coneco, cujo
cordel é manejado pelo banqueiro. Nesse caso, o regime polí-
tico seria a máscara da oligarquia econômica, na definição
de Monnier.

(8) «Carta Mensal da C. N. c., pág. 16, out., Rio, 1957.


(9) Rev. cit., pág. 10
(10) «Panorama Sociológico do Brasi!», pág. 53, Rio, 1958.

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A classe política age honestamente e faz ciência política e
age desonestamente e faz politicalha que, na definição de Rui
Barbosa, é "a indústria de explorar a benefício de interêsses
pessoais". Fazer política significa agir a serviço do bem co~
mum. Eis por que Louis Barthou estabelece a diferença entre
politiqlle e politicien. Enquanto o primeiro pode enganar-se,
o segundo engana os outros, alheio que está aos interêsses
gerais.
O politicien de Barthou é o politicante de Leroy-Beaulieu,
ou seja, "aquele que sem preparação, sem se submeter a ne-
nhuma condição de tirocínio, de etapas hierárquicas, faz pro-
fissão do manejo de eleições. É o micróbio das sociedades
contemporâneas". (")
O político pode desvalorizar-se em consequência da con-
fusão e crise dos conceitos capitais e fórmulas práticas da
política. O desinterêsse pelas cousas políticas, então, benefi-
ciará os políticos profissionais. A recuperação do valor político
estaria na sua identificação com o mundo social humano atual
e não com a sociedade ideal, utópica. (")
"Os problemas políticos hodiernos têm um conteúdo rea-
lístico e humano, diz José Duarte, uma objetividade e um prag-
matismo que exigem constante influição dos fatos, um perma-
nente contacto com os fenômenos, uma interpretação contínua
do ambiente, das ações e reações que conduzem a vida". (U)
Se o homem vive não só na sociedade, mas também dentro
de uma comunidade nacional, assevera Segismundo Royo-
Villanova, nada que afeta a ela lhe será estranho. Não pode
ser indiferente à política. Fugir da política seria, na compa-
ração de Carl Schmitt, querer fugir do Estado (")
O papel da ciência política, portanto, será o de fornecer
elementos de conhecimento do mundo real em ação ampla que
supera o simples atavismo ou mera militância.
Ê por estar ligada umbelicalmente ao real que a política
adquire transcendental importância para o homem. Ê por não
desviar a atenção das cousas reais, por não tolerar mistifica-
ções, que ela se afirma como ciência imprescindível.

( 11) "L'Economiste Français», 23·11-1889)


(12) Adolfo Posada. «Estado e Ciência Política», p;Í~s lOl (; !lh, Sah-a-
dor. 1957_
(13) «Diário do Con"resso ~acionai», 24-1-1955_
(1-1) Prólogo, in Manud Fraga Iribarne, «La Crisis deI Estado». Madri, 1955_

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II. A CIÊNCIA POLíTICA

Há ou não há ciência política? Para responder afirmati-


vamente, é preciso reconher que, no campo político, há uma
ciência específica que observa os fatos, generaliza as hipóteses
de trabalho e testa-as, elevando-as ao estado de leis científicas.
Para haver ciência política, é preciso que realize descri-
ção, interpretação e crítica dos fenômenos específicos. (lO).
O conhecimento obtido indutivamente e organizado siste-
màticamente é o que peculiariza a ciência.
A ciência se constitui de fatos, assim como uma casa de
tijolos. Ninguém, porém, dirá que ciência é um aglomerado de
fatos, nem que casa é um montão de tijolos. (Poincaré).
A física astronômica não é um catálogo das posições das
estrêlas, nem a biologia é uma condensação de resultados de
uma série de experimentos embriológicos. CC)
Há ciência política, porque há sistematização, visão ge-
ral dos temas políticos sob todos seus aspectos (t;)
No campo político, ocorrem fatos que podem ser observa-
dos, registrados e descritos, dentro de um sistema. Podemos.
alicerçados nesses fatos, generalizar e levantar hipóteses su-
jeitas a prova mediante predições. C")
A ciência política é considerada ciência do Estado. Essa
expressão - Ciência do Estado - é muito vaga, embora como
reconhece Orlando M. Carvalho, englobe tudo o que se refere
à poUs. ("Curso de Teoria Geral do Estado", segundo notas
taquigráficas) .
Para Zacharias, há ciência política porque ela sistematiza
os princípios básicos que orientam a organização do Estado
e o exercício de seu poder soberano.
Há, entretanto, quem negue o caráter de ciência à políti-
ca. G. E. Lavau afirma que, atualmente, não existe ciência
política, não tendo ela a menor autonomia. Os fatos políticos

(15) G. E. La\3.u, OI'. cit.. ri;. 155.


(15) «Teoria dei Estado». Heller, pág. 22, México, 19c!i.
(16) «La Economia dei Bienestan>, pág. li..Madrid, 1946.
(17) «Ideologia e Ciência Política». Nelson de Sousa Sampaio. pá~. 309.
Bahia, 1953.
(18) «Los Maquia\elistas», James Burnham, págs. 260/~61. Buenos Aires. 1953.

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são explicados graças ao concurso de diferentes ciências: his-


tória, direito, sociologia, geografia, ciência econômica e finan-
ceira, estatística e demografia. (19)
Outros negam a existência da ciência política, porque os
fatos políticos se peculiarizam p2lo azar que nêles impera, por
sua irregularidade e pelo irracionalismo do espírito humano
em face d03 fenômenos. Seria uma obj:;ção român~ica.
Para revestir a política de cunho cÍ2ntífico, devemos si-
tuá-I?. nam qu&dro cO~lceptual homogêneo susc;:'tível de englo-
1::ar a tot2.li~;::de elos fellGmenOS r;clíticos C').
A políCÍca é considerada uma arte e, como tal, ensina o
modo de o Estado realizar seus objetivos.
Valéry prdere considerá-la "a arte de reconstituir ca-
tástrofes" .
Há os que vêem na política ciência e arte, pensamento e
ação. MareeI de la Bigne de Villeneuve define-a como a ciên-
cia e a arte de govêrno das nações.
Essa concepção da política remonta à divisão holtzendor-
ffiana de Staatskunst (arte do Estado) e Staatswissenschaft
(ciência do Estado).
Bismark via, na política, uma arte. Afirmava que Lessing,
mestre dos críticos de arte, jamais se atreveria a fazer um
Laocoonte.
Segismun:::o Royo-Villanova, entr2tanto, afirma que o
exemplo de Bü:mark comprova que a política é ciência. O
estaàista alemão, no palácio de Schoenhausens, prepa~ ou-se
para as árduas funções de es~adista, lendo muitos livros da
bibliote~a.

D2pois, acrescenta Royo-Vill3i!OVa, na nossa época, não


se poc1eI'ia compreend2r uma política que não fôsse científica.
A vida do Estado cont:mporâneo se complicou de tal modo
que não é possível ao político dominá-la empiricamente (").
A desp:::ito dü:so, James Burnham já observou que há
pouca disposição dos homens para adotar atitude científica
no estudo dos sucessos políticos e sociais. Os poderosos pro-

(19) Obro cito pág. 6.


(20) G. Burdeau, op, cit., pág. 42.
(21) Prólogo, cito

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curam evitar a aplicação dos métodos científicos à política,


não facilitando a aqui.sição do autêntico conhecimento políti-
co. Temem o debilitamento de seu poder. A descoberta da
verdade é uma subversão desde os sofistas gregos. C')
Em setembro de 1948, cientistas políticos reuniram-se na
sede da UNESCO e decidiram empregar a expressão ciência
política no singular. Delimitaram-lhe o campo que pas::ou a
abranger: a) teoria política; história das idéias políticas;
b) Instituições políticas (constituição, govê.rno, administra-
ção); c) Partidos, grupos de opinião pública; d) Relações
internacionais (poEtica, organização e direito internacionais).
2 - A política encontra certo número de obstáculos no
caminho que a conduz à autonomia científica.
O cientista político não conta com as vantagens do cien-
tista natural. O primeiro não se aventura a predizer aconte-
cimentos futuros senão com grande cautela e a curto prazo,
pois podem surgir, como reconhece H. B. Mayo, distúrbios
imprevisíveis nas variáveis classificadas ceteris paribus. O
cientista físico-natural pode confiar nas condições constantes.
O meteorologista, porém, pode prever tão mal o futuro como
o cientista político C').
O cientista político faz proposições condicionais compa-
ráveis a qualquer outra em ciência natural. Não dá certeza,
mas pode dar gradações variáveis de probabilidade ou tendên-
cias. C')
O cientista político não poderá experimentar como °
cientista natural. Mas, mesmo êste último também não pode
experimentar livremente, usando por exemplo o povo como
cobaia.
O cientista político sofre de um complexo de inferioridade
diante do sábio das ciências físicas, pois sente que as desco-
bertas dês te último revolucionam o conhecimento do universo,
enquanto êle, por não oferecer igual contribuição, não conquis-
taria para sua disciplina o direito de classificar-se na hierar-
quia das ciências. (")
Na verdade, nas ciências naturais, o observador serve-se
da experimentação para reproduzir o fenômeno que deseja
(22) Ob. cit .• pág. 261.
(23) «Democracy and MarxislTI», pág. 149. New York. 1955.
(24) H. B. Mayo, OP. cit .. pág. 194.
(25) Burdeau. op. cit. págs. 171·172.

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estudar. Na ciência política, não seria possível ao politicólogo


produzir artificialmente regime análogo ao vigorante na União
Soviética com o fim exclusivo de observar o funcionamento
prático, diz G. Mosca. C';)
Lord Hugh Ceci! afirma que o cirurgião, antes de agir
sôbre o corpo vivo, faz dissecações em corpos mortos, e, antes
de operar sêres humanos, opera animais.
Pigou, por sua vez, observa que o mecânico, antes de cons-
truir a máquina de tamanho natural, constrói um modêlo e o
submete à prova, Em economia, onde se observa o homem
livre e vivo, são difíceis os experimentos diretos devidamente
controlados, O mesmo se pode dizer da política. (")
Naturalmente que os obstáculos que surgem diante da
pesquisa dos fatos políticos, lhe diminuem o grau de certeza.
Ora, já vimos que a ciência é feita de proposições positi-
vas e generalizações imparciais e não de proposições norma-
tivas ou juízos de valor, Só o que é positivo pode ser verifi-
cado. (')
No campo político, a despeito das dificuldades, podemos
afirmar o grau de exatidão de uma teoria. Ela é verdadeira
se pode: a) explicar processos ou fenômenos; b) obter resul-
tado prático; c) predizer acontecimentos. C')
Para atingir essa exatidão almejada, a teoria não deVe
ser elaborada antes dos fatos perquiridos, nem os fatos devem
ser escolhidos, apenas, quando favoráveis e, assim mesmo,
para ilustrar e não testar a teoria. ('")
A teoria não é verdadeira pelo simples fato de ser expres-
sa em lindas frases, mas sem substância e sem o preenchi-
mento dos requisitos acima mencionados. A teoria exposta
com pompa verbal, mas dessorada, seria como o parlamenta·
rismo italiano na crítica de Enrico Ferri: regime de bela cabe-
leira, mas sem cérebro.
Georges Burdeau assevera que, em ciência política, as
idéias sôbre os fatos são mais importantes do que os próprios
fatos. As idéias de Montesquieu sôbre a separação de poderes

(26) «Hist(J[i.t J~, Dvt!trin"s Polítila,,'. r:t,C:. 25~, Ri" 195:';.


(27) Op, cit., pá~. s.
(28) H. B ..Ma}'o, úp. lit., pág. 192.
(29) lUém. 0;0, cit. pdt;. 190.
(30) H. B. Mal'O, uf li!. pá,:':. 202.

Rt\,. Dir. PúH. e Cii:nc ,3 P"lític.l -- Riu de Janeiru -- Vu1. _. r..': -- jul. Idez. 1~5)i
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tem pesado mais fortemente na evolução política do que <J


regime inglês que êle acreditava dar conta. (21)
Êsse modo de pensar do conhecido tratadista francês não
quer dizer que a ciência política fuja da realidade e da ação.
Ao contrário, o cientista político precisa evitar a preponde-
rância do mo:lêlo abstrato em detrimento da realidade proteica.
Não estamos em face da sociedade civil rousseauniana ou
das criações utópicas, mas em face da sociedade humana.
Sieyes afirma que a ciência política não é a ciência do
que é, mas do que deve ser. Henry Puget declara que a opção
do nosso tempo se operou em favor do empírico. ('"')
Karl :Mannheim não compreende ciência política sem ação
por parte dos homens que devem compreender até seus adver-
sários à luz de motivos reais e de seu lugar na situação his-
tórico-social. (J)
O conhecimento é exame crítico e prepara caminho para
a ação política.
G. E. Lavau segue a linha mannheimiana, quando salienta
que tôda atividade científica que se desvia da ação desemboca
na mistificação da pureza, na falsificação da realidade. C').
3 - Gert von Sygern sugere que se denomine a ciência
política de politologia. Georges Burdeau propõe o vocábulo
politicologia por ser melhor formado. Cientista político é o
que se dedica a qualquer das ciências políticas, enquanto poli-
ticólogo é o que estuda ciência política. ("c')
Os norte-americanos chamam de policy sC"ience ao conhe-
cimento concernente à decisão política; e poZitical science ao
que se relaciona com o govêrno das sociedades.
A clareza vocabular é essencial a uma ciência. Eis por
que Voltaire dizia: quando discutires comigo, define os têrmos.
N a esfera política, há confusão em tôrno de certas pala-
vras. Ê o que observa Massimo Salvadori em relação às pala-
vras liberdade, democracia, paz. Nos últimos quinze anos, diz

(31) Op. cit .. p.í.~. 3-1.


(32) In <,La Pt"nséé politiqut" t"t lonstitutiondk dt" Montesquieu. Bicmtemirc
clt; l"E,prit de, !oi"" pág. 37, Paris. 1952.
(33) «Ideologia e Utopia". pá.~s. 151/1T. Pôrt" Alt".ul"t". 19511.
(34) Op. Cit., pá.:.:. ](;5.
(5) Op. cit .. pat:o 2:.

Rev. Dir. PúhI. t' Citnc!J Políticl - Ril) JI," ]Jneiro - Vol. _. n') - jul./dez. l()"-)
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êle, receberam o rótulo de democracia verdadeira todos os


novos sistemas que não passam de despotismos eficientes. ( .. )
Éric Weil critica a falta de clareza na discussão, pois to-
d03 empregam as palavras democracia e liberdade. Há termo
formal e lermo real. ('õ)
Idêntica crítica faz Marcel de la Bigne de Villeneuve.
Peguy refere-se à linguagem política dos eleitos e à linguagem
política dos eleitores. Entre eleito e el2itor, há um falso en-
tendimen:o e não propriamente um desentendimento ou um
mau ent2ndimento.
A lJNESCO já chegou a realizar inquérito em tôrno da
ambiguidade de que é alvo a democracia, que é uma palavra-
-chave para o exame dos problemas mundiais de nossa épo-
ca. (''')
4 - A atividade política exerce-se dentro da ordem so-
cial regulada pelo direito.
Não se afa~tando da realidade social, a finalidade da ciên-
cia política ou da politicologia consiste em fazer luz sôbre os
problemas do poder e a prática do melhor govêrno dos homens.
Harold D. Lasswell vê, na melhoria da prática da demo-
cracia, a finalidade da ciência política nos Estados Unidos C")
O fim da ciência política é, sem dúvida, a de conseguir o
bem comum, tal como a razão o entende, por meio de medidas
razoáveis tomadas por homens razoáveis. (")
Buscar o bem particular por meio da política é perver-
tê-la. Não pode existir bem particular, sem bem comum da
nação.
A ciência política é, portanto, a mais nobre, porque o seu
fim é o mais digno.
Plutarco afirmava que o homem não pode adquirir virtude
e ciência maiar::s do q'le a política. Badin cor..siderava-a a
Princesa das ciências.
A ciência política, incantestàvelmente, tem um papel ar-
quitetônico em relação às demais ciências.

(36) «Democracia Liberal», págs. 9 e 10, Rio, 1958.


(37) «Hegel et l'I:tat», pá,g, 110, Paris, i950,
(38) Sérgio Buarque de Holanda, in «Diário de Notícias», Supl. lit" 19/6/49.
(39) «Lcs Sciences de la Politique aux Etats Unis», pág. 18, Paris, 1951.
(40) Charles E. Merriam. «Prólo,go a la Ciência Política», pág. 134, México,
1941.

Rev. Dir. Públ. e Ciência Política _. Rio de Janeiro .- Vo!. 2, n' - jul./dez. [959
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Buscando o bem comum, a ciência política, em último ter-


mo, tem por objeto o homem. E as verdades só serão geral-
mente obrigatórias se afirmarem constantes idênticas através
das mudanças histórico-social. E a natureza humana é a mais
substancial dessas constantes, no dizer de Heller. Eis por que
a ciência política é a chave do conhecimento do homem.
Carl J. Friedrich concorda com êsse conceito helleriano,
quando vê, na ciência política, uma espécie de fábrica de an-
dadeiras que ajudam o seu avanço rumo ao domínio da criação
mais assombrosa da natureza: o homem. E a crença no homem
deve estar sujeita à investigação da realidade, pois o homem
não é puramente racional e não egoista, como o qualifica a
democracia. (41)
A imparcialidade da ciência política sofre os impactos da
posição oculípada pelo observador. O seu aparelho observacio-
nal não permanece acima do conflito, reconhece Karl Ma-
nnheim. C')
O membro da Sociedade política, na assertiva de Harold
Laski, infere os fins desta do julgamento baseado na própria
experiência. (U)
Opera-se, então, na afirmativa de Ch. Celier, a sublima-
ção, a elaboração mítica dos interêsses. Os homens tenderr..,
por isso, a universalizar e despersonalizar os móveis de sua
ação. (")
A despeito dêsse esfôrço de universalização, surgem ten-
sões oriundas da diversidade de representação da ordem social
desejável. De um lado, estão as fôrças que defendem o poder
estabelecido, e de outro lado as fôrças que querem substituí-lo.
E a repres.entação da ordem social sofre a influência da situa-
cão econômica do indivíduo. Afirma-se a solidariedade entre
~ comportamento político e a situação material de classe. Dai
a representação s~r fator dissociativo e a dinâmica política
resultar dos choques de interêsses. (")
O marxismo não admite ciência política imparcial, nen
teoria pura no campo político, porque por trás estão os inte-
rêsses de classe.

(41) (Teoria y Realidad ue la organización constitucional demu,rática», págs.


568-571, México. 1946.
(42) Op. cit., pág. 108.
(43) «A Grammar of Politics», pág. V, London, 1951.
(44) Op. cit., pág. 493.
(45) G. Burueau. op. cit., págs. 135/193.

Jtn. Dir. Públ. e Cilnci. Política - Rio de Janeiro -- Vol. 2. n9 - jul./dez. 19~9
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A atitude dar caráter esotérico à política é peculiar a tôda


classe dominante. Daí Burke, na Inglaterra, afirmar que a
ciência de construir uma república, como tôda ciência expe-
rimental, não pode ser ensinada a priol'i e que não basta breve
experiência para instruir sôbre ciência política. C")
Charles A. Bcard provou que os homens que fazem polí-
tica estão identificados, através de sua experiência pessoal,
com certo tipo de propriedade, e não trabalham guiados por
meros princípios aCstratos de ciência política. Exemplificou
com a Constituição norte-areericana que não é uma peça de
legislaç~o atstrata, em que S2 não reflete interêsse algum de
gl'UpO e não se reconhece qualquer antagonismo econômico.
Ao contrário, os homens que a elaboraram tinham na balanç.l
os seus direitos de propriedade. (")
A defesa dos interêsses, às vêzeE, assume forma brutal.
É o caso de Spengler, para quem, no mundo das decisões po-
líticas, os conceitos e os sisterr..as não têm cabimento, valendo
mais uma boa porretada do que um bom raciocínio. Daí o
desprêzo com que o político olha a criatura meditativa que
pensa esteja a história do mundo a serviço da ciência. (")
Para Spengler, na história real, o soldado que matou Ar-
quimedes, na tomada de Siracusa, tem mais importância do
que o próprio Arquimedes.
Contestando a afirmativa spengleriana, Heller diz que
Arquimedes, mesmo admitindo a decadência de nossa cultura
ocidental, exerceu, na herança cultural, influxo incomparàvel-
mente maior do que o de seu adversário. ('9)
Pareto considera tôdas as doutrinas políticas péEsima
metafísica. A elite serve-se da ideologia para triunfar na luta
pelo poder. Ora, raciocina Heller, se todo pensamento huma-
no é só expressão de situação individual histórico-social, a
ciência teórica não seria mais do que o instrumento das ideo·
logias. Como haver ciencia política sem conexão entre gera-
ções, sem constantes idênticas subtraídas à relatividade his-
tórico-sociológica? ("')

(46) Karl Mannheim, op. cit., pág. 111.


(47) «Una interpretación economica de la Constitución de los EstJdos Unidos.
pág. 185, B. Aires, 1953.
(48) «La Decadencia de Occidente», vol. 11, págs. 35/36, Buenos Aires, 1952.
(49) Op. cit. pág. 29.
(50) Op. cit., págs. 26/28.

Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. 2, n9 2 - jul./dez. '959-
- 217

Arturo Enrique Sampay, por sua vez, nega à clencia po-


lítica o caráter de ideologia ou mito que envolva situações d~
poder e constelações de interêsses. Afirma, porém, seu caráter
de ciência em sentido estrito, porque ela extrai dos supremos
princípios morais evidentes conclusões universais. (51)
Ernesto Palacio define ideologia como a especulação ra-
cionalista que ergue no vazio construções teóricas sem possi-
bilidade de realização prática. E o escritor argentino opõe o
homem de Estado ao ideológico. Enquanto o último agrava os
problemas pelas reações contrárias que provoca nos princípios.
o primeiro impõe princípios mitigados pela experiência. Co)
5 - Roger Labrousse identifica a ciência política com a
sociologia política que analisa as instituições e as compra em
sua estrutura (estática) ou em sua evolução (dinâmica) com
o fim de determinar as causas ou as condições em que se pro-
duzem. Difere a sociologia política da filosofia política, por-
que a primeira é explicatit:a e considera as relações políticas
em seu ser, enquanto a segunda é normativa e considHa as
relações políticas em seu dever ser. (~j)
Marcel de la Bigne de Villeneuve prefere chamar a ciêr.-
cia política de estatologia geral ou sociologia estatal. Lame'l-
ta que, sendo a sociologia política a mais alta, complexa e
difícil das disciplinas humanas, esteja entregue à improvisa-
ção, à incompreensão pretensiosa e à profunda inépcia de
indivíduos, constituindo isso uma das aberrações mais deplo-
ráveis e um dos mais intoleráveis escândalos intelectuais de
nossa época. (")
Gaston Bouthoul não acredita que a ciência ou a arte
política faça grande cousa, enquanto as ciências sociais e a
sociologia geral, que as resume, não estiverem mais avançCl.-
das (''')
A sociologia influi cada vez mais nas doutrinas políticas,
o que concorre para a expulsão da mentalidade mágica. As
causas dos acontecimentos políticos serão procuradas nas mo-
dificações estruturais de ordem geográfica e técnica, nas flu-

(51) Op. cit., pág. 17.


(52) «Teoria dei Estado», pág. 39. Buenos Aires, 1949.
(53) «Introducción a la Filosofia Politica», pág. 12, Buenos Aires, 1953.
(54) «Principes de Sociologia Politique et Statologie Génerale, págs., 3/4, Pa-
ris, 19~7.
(55) «As Doutrinas Políticas desde 1914», in «História das Doutrinas Políti-
cas», pág. 373, Rio, 1958.

Rev. Dit. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. 2, n. 2 - jul./dez. 1959
218 -

tuações, nos deslocamentos e arritmias dos equilíbrios sociain


nos seus aspectos econômicos, técnicos, demográficos e ideo-
lógicos. (")
Se alguns identificam sociologia política com ciência po.
litica, outros não sabem separar a ciência política da teoria
geral do Estado.
Para Kelsen, a teoria geral do Estado pergunta: que ~.
como é o Estado e quais suas formas fundamentais e conteú··
dos essenciais? A ciência política indaga: deve ser o Estado,
qual a melhor de suas possibilidades?
Se a ciência política é normativa, pergunta Lourival Vila-
nova, então não é ela ciência positiva. Mas, se é ciência posi·
tiva então coincide com a teoria geral do Estado. (")
Como superar os campos de estudo da teoria geral do
Estado e da ciência política?
Heller não julga tarefa fácil, porque não existe acôrdo
geral sôbre nomenclatura e repartição de competências. AB
fronteiras são, por isso, imprecisas. ("")
Essa imprecisão é que leva tratadistas a incluírem maté-
ria de uma ciência como objeto de outra.
Estamos em face da complementariedade científica, em
que a abstração de uma ciência seria como que reduzir a ma-
téria estudada a um esqueleto impossível de ressuscitar, den-
tro da comparação jellinekiana.
O que distingue uma ciência social de outra, para William
Robson, é a maneira de selecionar os fatos. O centro de inte-
rêsse do cientista político está na luta pelo poder, por sua
pOSEC, retenção, exercício e influências e resistências. CO)
6 - A afirmação de uma ciência política implica no pro-
blema do melhor govêrno.
Antes de afirmar-se a ciência política, o problema do me-
lhor govêrno encontrava solução na aplicação de um ideal po-
lítico a priori. Com a ciência política, aplicou-se o método

(56) G. Bouthoul, op. cit., págs. 415/416.


(57) «O Problema do Objeto da Teoria Geral do Estado,), págs. 277/31/69,
Recife, 1935.
(58) Op. cit .. pág. 72.
(W) "O Ensino Universitário das Ciências Sociais. Ciência Política», pág. 21,
Rio, 1958.

Rev. Dir. Públ. e Ciência Polltica - Rio de Jan~iro .- Vol. >. n" - ;ul./de'Z. tQ5Q
- 219-

científico e a pesquisa objetiva das leis que regulam a boa


ordem das sociedades. Daí, na primeira fase, a atitude dos
utopistas que pensavam numa sociedade ideal e não na socie-
dade real. (''')
A ciência política não é, apenas, corpo de conhecimentos
especializados, mas, também, método científico, por meio do
qual aquêles conhecimentos são obtidos.
Assim é que, pelo método comparativo, se determinam
constantes que nos conduzem à formulação das leis políticas.
(Georges VedeI. ('I)
O que distingue a afirmação do cientista político da asser-
tiva do homem da rua é a consciência do método, declara Carl
J. Friedrich. ("')
A verdade repousa no processo mediante o qual foi lacan-
çada. Daí a necessidade de verificação, comprovação. A uti-
lidade do método é fruto da experiência.
O dirigente político empírico desconfia do cientista polí-
tico justamente porque o julga fora da realidade. Ora, o diri-
gente político adquiriu experiênci no trato dos homens e dos
problemas. O cientista político atinge o âmago das questões
por meio do método aprovado pela experiência.
Na maioria dos países, não há Faculdades de Ciências
Políticas que formem seus próprios especialistas. Não há
ensino autônomo da ciência política.
Nas Faculdades de Direito, observa William Robson, o
ambiente não é favorável ao cultivo da ciência política, por-
que prepondera, entre professôres e estudantes, o interesse e
formação mental jurídicos. C')
Na Alemanha, são organizados cursos destinados a orien-
tar os estudantes nas questões políticas. Ao lado do conhe-
cimento específico, o estudante recebe educação política.
Nas universidades inglêsas, as atividades políticas fazem
parte da vida social. Há clubes políticos e organizações par-
tidárias.

(60) Pierre Duelos, «L'holution des Rapports Politique depuis 1750,), pág.
10, Paris, 1950.
(61) Géorges Vedei, «Revista de Direito Público e Ciência Política», n' 1,
pág. 71, Rio, 1958.
(62) Op. cit., pág. 546.
(63) Op. cit., pág. 84.

Jlev. Dit. Públ. f Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. 2. n' 2 .- jul./dez. 19)9
- 220-

São os trabalhos práticos que põem o estudante em con-


tacto direto com as realidades políticas, estabelecendo a liga-
ção entre o mundo das leituras e o mundo d03 fatos e facili-
tando, assim, a descoberta da verdade.
Desde a antiguidade clássica, existe a ciência política co-
mo corpo de princípios racionais, e isso falando em têrmos
gerais. Só, porém, no século XIX (exceção da Suécia), surgiu
como disciplina universitária. Poucos paí.ses, hoje, a desco-
nhecem. Em muitos, é quase expressão sem sentido. ("')
O desenvolvimento da ciência política em cada país de-
pende de seu reconhecimento como ciência autônoma, do nível
de S2U ensino e do grau de desenvolvimento político da comu-
nidade. ("')
A ausência de ensino autônomo e o irrealismo do ensino
da ciência política, é que levaram William Robson a afirmar
que wciólogos, historiadores e geógrafos estão mais capaci-
tados a ensinar ciência política do que passarem os profes-
sôres de direito público que passaram a vida dando cursos
sôbre Constituição e Administração do ponto de vista pura-
mente legal. ("lÇ)
O ensino da ciência política, diz ainda William Robson,
não visa, tão somente, a formação de estreita elite de funcio-
nários. Deve, por isso, constituir matéria de cultura geral. (")
Na fase de transição por que passa o mundo, quando sis-
temas políticos se renovam e as conquistas técnicas e cientí-
ficas exigem novos sistemas, é de transcendental importância
o ensino da ciência política.
"Quem ensina ciência política, nos nossos dias, diz Ma-
nuel Fraga Iribarne, sente, às vêzes, a sensação da vertigem.
O seu pensar não pode revestir-se da serenidade das estátua8
que representam os sábios clássicos; mas, ao contrário, ex-
pressa o atormentado e miguelangelesco do Pensador, de Ro-
din, entre o galopar de apocalípticos corcéis que desbordam da
imaginação de um R.G. Wells". E Fraga cita a Donoso
Cortez, quando êste só considera revestidos da toga da virili-
dade os homens que vivem no meio das tormentas. (.. )

(64) William Robson. op. cit., pág. 17/18.


(65) W. Robson, idem, pág. 17.
(66) Op. cit., pág. 31.
(67) Op. cit., pág. 58.
(68) Op. cit., pág. 9.

Rev. Dir. Públ. e Ciência Polltica - Rio <k Janeiro -- Vol. 2, n. 2 - jul./de"l. 1959
- 221 -

8 - Foi com Maquiavel que a política se separou da mo-


ral. A partir daí, tenderá a política a explicar os fenômenos
por causas também políticas.
Para tomistas e neo-tomistas, entretanto, a política con-
tinua subordinada à Teologia, porque, como assevera Arturo
E. Sampay, o bem estudado pela primeira se liga à perfeição
ao nomem que está na bemaventurança. ("")
Num mundo tão impregnado pelo espírito racionalista
como o nosso, otserva Karl Mannheim, seria anomalia cho-
cante não se desenvolver a ciência política. CO)
O desenvolvimento da ciência política não foi rápido como
o das ciências naturais. Em política, o pensamento antigo está
tão certo como o atual, o que significa pouco progresso tenha
feito o conheciemnto político. (")
Essa lentidão não autoriza, entretanto, a procurar o es-
tudioso da ciência política refúgio no desconhecido antes de
haver chegado aos recessos do cognoscível. C')
O politicólogo tem que fazer luz sôbre os problemas, dizer
porque os efeitos seguem as causas e formular as leis. Não
é só pesquisador da verdade, mas orientador dos fenômenos
que eclojem na sua área de estudo.
Como observam Roberto Merton e Daniel Lerner, a escola
européia Ee interessa pelas definições políticas na única me-
dida em que elas conduzem a sistemas e a suas relações com
a estrutura social.
A escola norte-americana sente-se atraída pelas crenças
políticas difusas na medida em que permitem ao pesquisador
clasúficá-Ias numa categoria geral e lhe possibilitam relacio-
ná-las com a estrutura social. (")
Ê pelo fato de a politicologia estar em condições de sus-
tentar os conceitos criadores da organização e ordenação da
vida humana na sociedade contemporânea, que Adolfo Posada
fala em crise da ciência política, C')

(69) Op. cit., pág. 392.


(70) Op. cit., pág. 102.
(71) H, B. Mayo, op. cit., pág. 191.
(72) R. M. Maciver, "o Estado», pág. 82, São Paulo, 194).
(73) "Les Sciences de la Politique aux ~tats Unis». pág. 251, Paris. 1951.
(74) Op. cit., pág. 98,

Rev. Die. Públ. e Ciência Polltica - Rio de Janeiro - VaI. 2. n" 2 - iul./dez. '959
-- 222 -

Depois da Grande Guerra n? 2, os cientistas políticos tive-


ram mais oportunidade de ocupar posições executivas e con-
sultivas: comissões, delegações, projetos de pesquisas, juntas
de arbitragem. A assistência técnica aos países subdesenvol-
vidos por parte das Nações Unidas ampliou o raio de ação do
politicólogo. C')
As atividades governamentais são cada vez maiores em
razão da expansão do Estado. Há, portanto, necessidade de
conhecer a forma de funcionamento das legislaturas, a psico-
logia das autoridades públicas e dos partidos políticos e reação
do público aos serviços sociais. C")
O progresso técnico no setor bélico colocou os povos no
dilema: coexistência ou guerra nuclear. A coexistência vai
operar a superação da soberania nacional. (Adolfo Berle Jr.)
A ciência política, então, é chamada a apresentar novas ins-
tituições compath'eis com as novas relações internacionais.
A ciência política é, assim, uma ciência rígida, e o cien-
tista político é Príncipe, como já o considerava Platão. C')
A ciência política só encontra campo para desenvolver-se
numa sociedade democrática, porque, diz Nelson Sousa Sam-
paio, se "o destino político de cada qual já se encontra pré-
-traçado pelo sangue ou pelo nascimento, poucos se interessa-
rão pela ciência política. Quando, porém, os postos de mando
podem ser alcançados por qualquer cidadão, pelo seu mérito
pessoal ou pela arte de conquistar a preferência dos eleitores,
então o conhecimento da vida política passa a ser olhado como
um útil instrumento de orientação na vida pública". (")
l!; natural que o politicólogo encontre campo mais livre
numa sociedade democrática do que numa sociedade organi-
zada totalitàriamente, pois, nesta última, nem tôda investiga-
ção pode ser conduzida livremente.
Como poderá o politicólogo investigar a verdade cientí-
fica se há o temor de ofender as instituições dominantes? ~le
acabaria inibido. (")

(75) W. Robson, op. cit.. pá,;. 117


(76) Idem, págs. 122·123.
(77) A. E. Sampay. oro cit., págs. ·193·509.
(78) "Revista Brasileira de Estudos Políticos». n" 3, pá,!;. 17, 1958.
(79) H. B. Maro, op. cit., pág. 200.

Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. 2, n" 2 - jul./dcz. 195'>
- 223 --

São condições de existência da democracia, de acôrdo com


G. Field: a) interêsse pela vida política e pública; b) liberda-
de de opinião; c) nível de educação.
São essas as condições ideais para o desenvolvimento da
ciência política.
"A única coisa que parece historicamente segura, no
mundo incerto, declara Harold Laski, é que o progresso nasce
do desacôrdo e da discussão". CO)
Ora, se é assim, todo sistema que se ergue sôbre o mêdo
é fatal ao desenvolvimento das faculdades criadoras do ho-
mem (")
A ciência política, numa sociedade que não respira o ar
da liberdade, acaba por ,se chocar com as tendências autocrá-
ticas ou despóticas.
Napoleão I suprimiu as classes de ciências morais e polí-
ticas. Tentou impedir tôda pesquisa científica independente
de índole política para que não surgisse oposição.
Os tiranos ,sabem que só em ambiente livre a razão faz
uso de suas faculdades críticas e o espírito adquire maior
flexibilidade na busca das soluções.
A rapacidade de inventar é incompatível com as inibições
resultantes do mêdo. "O espírito criador é realmente frutífero
quando dispõe de suficiente segurança para empenhar-se no
processo de erros e acertos". ("")

IH - TEORIA E PRÁTICA

1 - O pensamento é um processo de abstração dos aspec-


tos irrelevantes de uma questão, a fim de concentrar-se nos
essenciais, já disse alguém.
"Quanto mais cousas temos que olhar, tanto maior deve
ser o foco de nossa lente conceptual. A teoria é o magnífico
invento mediante o qual podemos focalizar muito mais fatos
por meio de uso de conceitos gerais". ('3)

(80) «EI Probl<:ma de la Soberania», pág. 169, B. Aires. 1947.


(81) Harold Laski, «EI Estado ModernQ», tomo I. pág. 176. Barcelona. 1952
(82) H. Salvadori, op. cit., págs. 42/45.
(83) Carl J. Friedrick, op. cito pág. 559.

Rev. Dir. Públ. e Ciência Polltic. - Rio de Janeiro .- Vol. 2, n9 2 - jul./dez. '95!>
- 224-

No campo político, é a teoria que inspira confiança aos


movimentos que lhes serve de fanal, que lhes empresta vigor
e que ajuda a elucidar o processo e a direção.
Os princípios que fundamentam a teoria foram, entre-
tanto, confirmados pela observação. Tôda teoria que não en-
contra justificativa na experiência, não é teoria e, sim, utopia.
(Harold Laski).
O estudo da ciência política não ensina a maneira de nos
servirmos do que aprendemos, podemos dizer parafraseando a
Bacon. Se o profe.:õsor nunca teve oportunidade de adquirir
experiência prática ou assumir responsabilidades do mundo
dos negócios públicos acaba por se tornar livresco. (''')
Nem sempre a teoria pode ser posta em prática. O dezem-
brista russo M. S. Lunin observava: "Para empreender uma
organização política antes de que a basewcial esteja garan-
tida, é equivalente ao alargamento de um edifício com a falta
de qualquer fundamento".
O fascismo não dá a menor importância à teoria "como
meio de compreensão científica da esfera politica que envolve
a previsão do futuro". (")
A teoria torna-se insubsistente quando tenta divorciar él
nossa atitude de abordar os problemas da experiênda vivida.
Ê o perigo assinalado por Mannheim nos círculos acadêmi-
C03. C")

A nossa atenção, na opinião de Pigou, na espera das


ciências sociais, é despertada menos pela teoria do que pelos
resultados práticos. (").
Spinoza critica os filósofos que concebem o homem não
como êste é na realidade, mas como queriam que fôs::e. Tal
filosofia parece mais sátira do que ética. (''Tractatus Polí-
ticus" )
O resultado disso não poderia deixar de ser o divórcio
entre teoria e prática, ou seja, a prefiguração intelectual da
sociedade ideal ao invés de resultados próximos.
2 - Ê pela prática política que o homem se aperfeiçoa
infinitamente. A experiência política, utilizando uma imagem
(84) W. Robson, op. cit., pág. 114.
(85) Karl Mannheim, op. cit., pág. 134.
(86) Op. cit., pág. 160.
(87) Op. cit., pág. 4.

Rev. Dir. Públ. e Ciéncia Política - Rio de Janeiro - Vol. 2, n9 2 - jul./dez. I9~9
- 225 -

de Marco Aurélio, assemelha-se a um trofeu composto de todas


as armas que nos feriram. Eis por que os políticos têm escri-
to sôbre política com mais acêrto do que os filósofos. Ê que
têm por mestre a experiência e não aprenderam nada que fôsse
inaplicável.
O brasileiro, que atingiu a sociologia por meio da filosofia,
sofre de uma espécie de retardamento da vi2ão da realidade,
ressalta A. Carneiro Leão. (OS)
Alberdi não lobriga na tradição do desenvolvimento filo-
sófico um requisito indispensável para se alcançar o desen-
volvimento político e social. Cita o exemplo dos Estados Uni-
dos que prescindiram da metafísica na construção da nova
ordem social.
James Bryant assinala que não é, na esfera do pensa-
mento abstrato que o norte-americano participa no desenvol-
vimento da civilização.
Isso ocorre, porque, como explica Bertram 'Volfe, as teo-
rias importadas da Europa diferiam das condições de vida.
norte-americana, de um povo jovem, de colonos e pioneiros
que deslocavam fronteiras. Era natural que dessem priori-
dade às exigências e não se preocupassem ems.aber que é a
teoria que lança luz sôbre o processo.
No campo político, o teórico subordina a vontade de poder
à vontade de conhec2r, enquanto o homem prático só reveste
o saber de importância se pode ajudá-lo na luta pelo poder. (''')
É a prática que dá aos homens o modo de podem em
ação os princípios. O político, porém, pode sentir-se impotente
pela falta de conhecimento científico.
3 - Diante do exposto, teoria e prática :2ão necessárias
e a ciência política só terá a lucrar com a sua harmonização.
Só assim, a politico~ogia fornecerá medidas práticas aos go-
vernantes, que retirariam dos ensinamentos dos politicólogos
a orientação, assim como Marconi aproveitou as descobertas
de Hertz. C·)
A obra constitucional .será ineficaz se não se orientar a
sua aplicação por critérios científicos, pelos princípios da ci-
ência política.

(88) Op. cito pág. 45.


(89) Heller, op. cit., pág. 79.
(90) Pigou, op. cit., pág. 9.

Rev. Dir. PúbI. e Ci!ncia Polltica - Rio d. Janeito - Vol. ,. Q' - ;ul./de%. 1959
- 226-

Do labor do administrador depende o êxito ou fracasso


das instituições. Os administradores são homens atarefados
que não dispõem de tempo de traduzir sua experiência em re-
gras. Harod Laski, que isso nos assegura, acrescenta que
poucos são os campos àa política em que seja preciso tanta
investigação. A pesquisa das funções dos administradores e
sua redução a um corpo de princípios gerais constitui uma
das tarefas mais necessárias que temos pela frente. (Ol)
Prática e teoria devem harmonizar-se. Quando o princí-
pio teórico é ultra-teórico intraduzível na prática, esta deve
oferecer solução condizente com o princípio.
Carlos Sparallo dá-nos um exemplo, quando se refere ao
auto-govêrno no regime democrático. Seria o princípio impra-
ticável. Veio, então, a delegação de podêres resolver o pro-
blema. (")
O politicólogo aborda o tema com uma tendência à ordem
e à esquematização, enquanto o homem político busca orien-
tação apoiado na ação. ("3) Daí o problema da teoria e da
prática ser diversamente concebido. C')
O marxismo defende a sincronização da teoria e da prá-
tica. A teoria marxista, na opinião de Lenine, tem por fim di-
reto a descoberta de tôdas as formas de antagonismo de clas-
ses e de exploração do homem na sociedade moderna; o estudo
de sua evolução e a demonstração de seu caráter transitório
e da iminência da mutação de uma forma social em outra, a
fim de servir assim ao proletariado, para que êste possa liqui-
dar tôda exploração mais rápida e fàcilmente possível".
Já se disse que sem ciência a política é cega e fraca, en-
quanto que com a ciência não será cega e poderá ser forte.
"Embora teoria sem prática constitua especulação impro-
fícua, a prática sem teoria é intransmissível. As duas devem
ser cultivadas conjuntamente, se quisermos aprender pela ex-
periência e estar em condições de transmitir o que aprende-
mos". (F. J. Rotblisberger).
4 - Os princípios da ciência política são aplicados por
"organizações definidas por diversos fins políticos". Como

(91) «El Peligro Je Sd Gentleman e Otros Ensayos». pág. 68, B. Aires, 1949.
(92) «Constituições Democráticas», págs. 26/27. Rio. 19·[6.
(93) Karl Mannheim, op. cit., pá,!!. 160.
(94) Idem, pág. 108.

Rev. Dir. Públ. e Ciêncü Politica - Rio de )aoc;ro -- VaI. >, 09 , jul.idez. '9)Y
- 227-

reconhece Kelsen, o indivíduo isolado carece completamente


de existência política positiva por não poder exercer qualquer
influência efetiva na formação da vontade do Estado.
Entre essas organizações, está o partido político que é
"associação organizada para apoiar um princípio ou uma po-
lítica, fazendo dêle ou dela a determinante do Govêrno" ( .. )
Há princípios básicos na esfera política. Sem a sociedade
apoiar-se nêles, pode afundar-se no atascal das opiniões e
fatos contraditórios. CO)
Os partidos têm objetivos ideológicos e concretos. Eis
por que não lutam só em nome de princípios, mas pela con-
cessão de vantagens aos correligionários.
O partido que realizasse campanha eleitoral em nome
Unicamente de princípios políticos não seria partido político,
mas, antes, sociedade de propaganda de determinada idéia. C')
O partido pode ter programa, doutrina e ideologia. Pro-
grama é a enumeração das medidas que devem ser tomadas
pelos públicos podêres. Doutrina é o corpo de pensamentos
coerentes, lógicos e justificáveis pela razão. Ideologia é o
apêlo aos mitos. C· )
Na verdade, como pensa Wallas, é o partido político "o
intento mais vigoroso que já se fêz no sentido de adaptar a
forma de nossas instituições políticas aos fatos reais da na-
tureza humana".
A influência do partido político, "a sua soberania velada
é muito mais perigosa do que a soberania ostensiva do eleito-
rado que é variável e intermitente e sem aquela influência não
passa, no dizer de Finer, de massa de homens e mulheres num
vil estado de natureza.
Os grupos de pressão influem nos partidos políticos que
adotam solução pragmática ao invez de agirem na linha de
coerência com a doutrina ou o programa.
Há desconfiança em tôrno dos partidos políticos, quando
êstes refletem as aspirações de minorias ou grupos; quando

(95) R. M. 1fach'er, op. cit. pág. 268.


(96) G. A. Steiner, «À Função do Govêmo na Vida Econômica», pá.:;. 20,
Rio, 1956.
(97) Mirkine-Guetzevitch, «Modernas Tendencias dei Oerecho Constitucional».
pág. 15, Madri, 1954.
(98) Ch. Celier, op. cit., pág. 487.

11.". Dit. Públ. e Ci~nci. Política - Rio de ]an";ro - Vol. 2, n9 2 - jul./del. I9~<)
- 228-

não ajudam à massa a se transformar em povo e formar opi-


nião pública.
Isso ocorre através do tempo e do espaço, porque o homem
é imperfeito em tôda parte. A prática política está condicio-
nada à natureza humana susceptível, naturalmente, de aper-
feiçoamento. Se existisse associação me que a totalida::1e de
S2US membros estivesse inteiramente anir.c.ada de sua finali-
dade, seu~ m2rübros não seriam homens e, sim, santos. ("')
É exercendo a atividade política que se pode mais fàcil-
mente coopen~r para a elevação do nível mental, moral e mate-
rial do povo. Foi o que compreendeu a Frente de Renovação
Nacional, quando seu Presidente Juarez Távora recomendou a
atuação dentro dos partidos políticos como linha de ação mais
eficaz. ('~)
Na França, temos o exemplo dos ressemblements, ou se-
jam, grupos de ação política fora e acima dos partidos. Tive-
ram êles que atuar como agremiações políticas ou abandonar
a cena política. (101)

IV - CIENCIA POLíTICA E DESENVOLVIMENTO

1 - Quer nos países coloniais ou semi-coloniais, quer nos


países subdesenvolvidos, a ciência política assume transcen-
dental importãncia.
Na Ásia, onde os povos lutam por sua independência ou
por sua consolidação, os líderes políticos nacionalistas preo-
cupam-se com a escolha do sistema político que deve ser ado-
tado por seus povos.
Os sistemas políticos democráticos sofrem hanclicap, por-
que a democracia política está associada ao capitalismo e à
propriedade privada, idéias que se associam, na mente do na-
cionalista asiático, ao domínio estrangeiro e à exploração eco-
nômica. As idéias democráticas, quando não são olhadas com
suspeita despertam, pelo menos, pouco entusiasmo. ('0').
Nesses países coloniais e semi-coloniais, o problema da
estrutura do poder ganha enorme importância.

(99) A. D. Lindsay, "El Estado Moderno», pág. 62, México, 1945.


(100) Abelardo F. Montenegro, O Povo (Fortaleza - Ceará), fev., 1959.
(101) M. F. Iribarne, op. cit., pág. 191.
(102) William Holland. «Asian Nationalism and the West», págs. 66/7, New
York, 1953.

Rev. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vo1. 2, n- 2 - ;ul./de%. 1959
- 229-

No mundo ocidental, prepondera o ideal político da demo-


cracia parlamentarista ou presidencialista. Na Ásia e na Áfri-
ca, tôda oposição legal à autoridade constituída é interpretada
como prova de debilidade desta última. (''')
Devemos notar que as bases culturais da ciência política
nos países coloniais e semi-coloniais são ocidentais em sua
origem e conteúdo. Quando o país supera a sua condição colo·
nial ou semi-colonial, seus politicólogos revelam maior inde-
pendência intelectual. Têm êles que resolver 03 problemas
susci tados pela independência polI tica. ('''')
Nesses países coloniais, o movimento nacionalista é inicia-
do pela classe média.
Na Ásia há, entretanto, uma exceção. Trata-se do Japão,
cuja velha classe dirigente compreenàeu que, para viver no
mundo regulado pela ciência e pela técnica, teria que adaptar-
-se de modo a não perder o contrôle político.
A clasz:e dominante japonesa não adotou princípios e ins-
tituições ocidentais que podessem concorrer para arrebatar-
-lhe o contrôle político. Retardou o mais que pôde a adoção
do individualismo e da liberal democracia. Aproveitou, apenas.
as conquistas ocidentais nos setores industrial, tecnológico e
militar. Sonai Hashimoto, líder político, declarou, antes da
Restauração Meiji: "Maquinaria e técnica nós tomaremos dê-
les (ocidentais) , mas virtudes morais nós temos entre
nós". ('05)
2 - Nos países subdesenvolvidos, a mediocridade de re·
cursos econômicos é uma das camas do regime autoritário.
A pobreza do país gera tensões internas favoráveis às
soluções extra-l(~gais. A dependência da economia do país dos
mercados externos produz ressentimentos e manifez:tações ou
explosões nacio:1alistas. São combatidos os capitais estran-
geiros e magnificados os ideais autárquicos.
Nos países subdesenvolvidos, onde não há capacidade de
exploração das riquezas nacionais, o capital estrangeiro nêles
penetra, provocando reação nativista.

(103) W. Holland, op. cit., pág. 259.


(104) W. Robson, op. cit., pág. 38.
(105) W. Roland, op. cit., pág. 21.

Rev. Dir. Públ. e Ciência Polftica - Rio de Jan.iro - Vol. 2. n9 .- jui./dez. 195"
-- 230 -

Nos países subdesenvolvidos, há uma classe social inte-


ressada nesse subdesenvolvimento e ligada às fôrças repre-
sentativas àa economia líder.
Êsses paí~;es sofrem os impactos dos sistemas de poder.
Não têm liberdade de decidir livremente sôbre suas institui-
ções.
As instituições da democracia representativa não se adap o

tam bem aos problemas de um país pobre, pelo fato de exigir


pessoal político numeroso e competente. A competência é fru-
to da cultura. A cultura é fruto do lazer. O lazer é fruto da
riqueza coletiva. Ora, nada disso há nos países subdesenvol-
vidos. C (6
)

"Nenh 1lIll país subdesenvolvido e do tipo sulameriean~


pode suportar, por muito tempo, em regime normal, um pro-
cesso inflacionário agudo e progressivo. As reações dos órgãos
constitucionais são demasiado lentos e inadequados e, em
períodos anormais, se exigem ações rápidas, precisas e ime-
diatas. Eis porque se se quiser prescrever a ordem constitu-
cional, será necessário encontrar os meios e processos de ace-
lerar a ação e aumentar o rendimento do mecanismo consti-
tucional. E não apenas isso Será necessário que os que con-
o

trolam êsse mecanismo tenham previsto e se disponham a


executar um sistema de soluções que sejam racionalmente
inspirados e tragam, portanto, recomendações da ciência eco-
nômica e social. Govêrno, hoje em dia, deve ser ciência, téc-
nica e sistema e não um conjunto de processos demagógicos
em busca de popularidade facial e escorregadia". CO')
Há uma correlação entre a técnica e a mentalidade polí-
tica. Nas nações escandinavas e na Suiça, observa Burdeau,
há resistência oferecida pelas constituições democráticas o

N esses países, a indústria está voltada para produção delicada


(mecânica de precisão) e a agricultura intensiva se prolonga
em produção industrial (conservas, criação racional, produtos
leiteiros) COS )
Nos países subdesenvolvidos, a Constituição não oferece
tal resistência. São países produtores de matérias primas, sem
indústrias de base. São países sem capacidade de defesa em
face da concorrência de outras nações mais bem aparelhadas,
ou em face da pressão dos monopólios e do capital financeiro.

(106) Go Burdeau, op. cito. págso 292/293.


(107) Diário do Congresso Nacional. 22/9/1955.
(lOS) 01'. cit., pág. 399.

Re\'. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. >. nQ 2 -- jul./dez. I9)Q
- 231 -

Nos países subdesenvolvidos, o ensino universitário da


ciência política é rudimentar. Há fortes interêsses que defen-
dem a imaturidade política do povo. Os estudantes, por isso,
não são estimula:los a participar do processo de govêrno, nem
lhes é dado conhecimento sólido e racional das instituições
políticas.
Nos países subdesenvolvidos, há uma classe política que
controla o poder, apoiada nos seus privilégios econômicos.
Nas crises políticas, essa classe encaminha as discussões em
tôrno dos sistemas (presidencialismo, parlamentarismo, etc.),
conservando fora dos debates a estrutura econômica.
No campo da investigação científica penetra, assim, o
jôgo político, quando a ciência deve ser imparcial.
Êsse jôgo político conseguiu impor-se em virtude da inex-
periência política das demais classes.
Na elaboração de uma Constituição, nesses países sub-
desenvolvidos, é quando melhor se aprecia a conduta da classe
política dirigente.
"A elaboração de uma Constituição é, no dizer de MareeI
de la Bigne de Villeneuve, uma das operações mais amplas e
complicadas que possa conceber e empreen:1er uma nação, pois
põe em movimento questões mais graves e mais profundas da
sociologia política. A paz, a f2licidade e a existência da nação
estão em foco. Os po~íticos profissiomlis vêem aí chance para
o triunfo de seus interêsses particulares. A massa eleitoral
é vítima dos demagôgos". ('00)
Nos países subdesenvolvidos é onde sofrem mais distor-
ções as relações entre a teoria e a prática em ciência política.
Essas relações se processam mais freqüentemente por
meio dos partidos políticos.
Aos partidos, caberia lutar no sentido de elevar o nível
mental, moral e material do povo, tornando mais efetiva a
participação dêste na vida política.
Nos países sub:1esenvolvidos, a maioria do povo é de anal-
fabetos que não estão em condições intelectuais de compreen-
der 03 princípios científicos.

(109) Op. cito pág. 2.

Rev. Dit. Públ. e Ci!ncia PoHtica - Rio de Janeiro - Vol. 2, 09 2 - iul./de%. t9~9
- 232-

Em cada par:ido, há 03 teóricos e os homens práticos.


Enquanto 03 primeiros pugm,m pela pr-eponderância de certos.
princípios, os segundos se prco~upam, apenas, em resguardar
as suas posiçôes.
A inf:uência doutrinária fl,~O ch~ga in camadas ~opulares
das cidade::J 0:1 dos campos, poque a eção d03 t:ó::Ícos é neu~
tralizada pelos homens ~ráti~cs que, em s~u favor, co!1tam
co~n a ignor5.nc:a e a in~0:13c12:1~;a daquelas camadas.

Há, den~ro do partido, surda hostilidade entre teóric03 c


hom::ns p:áticos, E uma antipatia ir.s:in:iva, r:o:que é uma
proj:ção do s:::mtimsnto de sc?urança.
No partiJo, entretanto, êsse Dntagonismo tende a se exa-
cercar, porque 03 homens uovos, sintónic03 com o espírito do
tempo e por~a~vozes legídmo'3 das asp:raçc2s populares que
àespon'.am, se esforçam por -.ontrolar a máquina partidária.
Ê:::ses jovens meneurs têm a consciência do desenvolvi-
mento econômico e político do país.
Teme-se a industrialização. Alega-s3 que as emprêsas in-
dustriais produtoras de granJes fortunas só se poderiam man-
ter à custa do protecionismo aduaneIro e que as lutas par~i­
dárias poderiam ser dominada, pelos interêss::s dos industriais
poJerosos e não pelas idéias polítIcas. (Joaquim Murtinho,
Rela:ório c!e 1897).
A luta tem que travar-se no âmbito d03 partidos, porqu2,
no r2gime demo~rático, só por intermédio dêles s:: exerce
influência na orlen~ação da pojtica nacional.
Os partidos expressam as tensões sociais que ocorrem
nos países subdesenvolvidos. Não nos referimos, aqui, às t::n-
sões salutares) tão sàmente, e qlle são "as que se verificam
dentro d03 quadros cons~itucionaI!'l e são por êles assimilados.
São as qu:: modificam o equilíbrio em função dos dados novos".
Refe~oimo-nos, tamtém, às tensõe3 patológ:c::Ls) ou sejam, as
que não são assimiladas pela ordem vigente. A sua energia,
então, não sendo canalizada pp-lo ~parelho governam3ntal, pro-
voca a ruptura do equilíbrio pomico anterior". ("0)
Num país sub::1esenvolvido, ao; tensões patológicas expres-
sam, muitas vêzes, 0.3 anseios independentistas, as aspirações

(110) G. Burdeau, op. cit., págs. 313/314.

Rrv. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. 2, n9 2 - jul./dez. '9~9
- 233-

de d~s~nvo:vimento nac:onal cortadas pela class~ política


dominante.
AS3im como o homem em condições desfavoráveis não
deixa d~ imaginar, procuran:o meios de sair da situação de
insuficiência, do mesmo modo, no país sutdesenvolvido, ;1
imaginação ganha profunda t:olo_'açio política.
A'E clas3c3 ligadas ao desenvdvimento nacional sentem-s~
tolhidas pela clas!J8 r:olítica dirl3:en~e. O progresso do país
está entravado. A ação política é a única capaz de criar con-
d:çccs ao desenvolvimento, ao pregresso. Só por meio dela, o
esfôrço humano o~'ganizado se to:na eficaz para agir sôbre a
estrutura econômico-social.
Nos paíse:, subdc:o~nvolvidos, os mterê3ses que fun:lamen-
tam a lega~idade democrática estão lig-adas à industrialização
das matérias l-rlmas, à expansão do mercado in~erno, ao au-
mento de emprêgo, à elevação de produtividade e à naciona-
lização da agricultura.
Nos paíse3 subdesenvolvidos há, portanto, necessidade
de difusão da ciência política, na tormação de qua::lro3 d~
cientis~as políticos, mormente quando mencionada ciência no:.;
equipou com conhecimento que não existia outrora.
É a política que "desempenha a tarefa de exprimir a von-
tade, o conjunto de aspiraçõeJ e mterêsses da maioria da {:o-
pulação ou das classes dominantes". A administração é "exe-
cução fiel e bal da política pela operação dos órgãos encarre-
gado3 do desempenho dos serviços públicos". ('")
Política e a:!ministração são funções correspondentes aos
dois ó~'gãos esta~ais. Política, sendo" decisão acêrca do que
deve ou não d ?ve fazer-se em flet<>rminadas situações", no país
sul:d:senvolvido, o sub::le:::envohimento é atribuído ao fator
político, por excelência.
O político serve de articulação entre a técnica de admi-
nistração e a opinião pública. ~ o órgão de comando que
escolhe e impõe. "O técnico ofeI'ece várias soluções e o polí-
tico escolhe uma delas, que, no dizer de Ch. Celier, nem sem-
pre é a tecnicamente mais recomen:lável, porque o político não
leva em conta só o aspecto técmco mas também os aspectos
humanos, sociais, econômicos, psicológicos e propriamente po-
líticos de uma decisão". ( 112)
(11l) Aliomar Baleeiro. ({A Política e a Mocidade», págs. 99/101, Bahia, 1954.
(1l2) Op. cit., pág. 480.

Rev. Dir. Públ. e Ciência Polltica - Rio de Janeiro - Vol. 2, n" 2 - jul./dez. 1959
- 234 --

Numa área de sêca e de fome, em pais subdesenvolvido,


as relações entre a política e a administração sofrem os rudes
golp2s das condições sociais gerais pelos fenômenos anômalos
da meteorologia.
Certa vez, Rodrigues Alves, eleito pela segunda vez, go-
vernador de São Paulo, em 1912, reuniu seu secretariado e,
depois de expor-lhe o plano de govêrno e métodos de adminis-
tração, concluiu assim: "Bem sei que os senhores são políticos
e têm aspirações; mas a boa política, aquela que eleva os
homens e edifica as nações, deve ser escrava e nunca a senhora
dos administradores. Se fôsse po:osível reduzir-se a uma fór-
mula aritmética as relações entre a política e a administração,
eu lhes aconselharia que, na gestão de suas pastas, reservas-
sem vinte por cento, no máximo, para as exigências indecli-
náveis da política, garantidos, em qualquer hipótese, os res-
tantes oitenta por cento para os encargos da administração".
Numa área de sêca e de fome, os governantes pressiona-
dos pelos partidos que o elegeram ou por serem homens de
partido, dedicam 80% à política e, apenas, 20% à adminis-
tração.
Nessa área, o partido no poder não pensa em conciliar
seus interêsses com os da região. O seu objetivo é proteger
os partidários, atender ao seu predominante desejo de segu-
rança num mundo de incertezas. Eis por que todo fim de
govêrno se cal'acteriza pelo aquinhoamento dos amigos, dos
que serviram lealmente a situação.
"A razão do desentendimento entre êles (os partidos) é
uma questão econômica. Os cargos públicos, à custa dos quais
vivem os profissionais da política, não dão margem à colo-
cação de todo'! os candidatos das duas facções. Em pequeno
número, principalmente nas épocas de aperturas financeiras,
os lugares de administração não comportam tojos 03 preten-
dentes que surgem. Com o aumento das dificuldades cresce
proporcionalmente a avalan~he dos descontentes. São êstes
os que empreitam o dissídio, os que arrastam os Govêrno3 e
os partidos a essas lutas de farr..intos em tôrno de ossos a
roer", diz J. Matos Ibiapina. A concorrência feroz é que dá
margem à indústria dos rompimentos políticos. (''')
O mesmo jornalista, com a lucidez que caracteriza os seus
artigos, apreciando a imaginação do cearense, afirma: "A

(113) O Ceará (Fortaleza), 21/10/1925.

Rev. Dir. Públ. e Cibcia Política - Rio d. Janeiro - Vol. 2, n. 2 - jul./dez. '9W
- 235-

inexcedível pobreza do meio cearense, tornando demasiado


áspera a luta pela existência, aumenta-nos a fertilidade da
imaginação, dotando-nos de recursos que se não encontram
em nenhum outro povo do Brasil. Vivendo em uma das terras
mais pobres do mundo, e, apesar disso, proliferando como
ratos, os cearenses são coagidos a inventar processos de viver
absolutamente inéditos. Os políticos, êS2es resolvem fàcil-
mente o problema, amparando, à custa dos podêres públicos,
as suas pessoas e os parentes pobres. Raro é o ci::Iadão que
conquista uma posição de de2taque que não cogite logo de
conseguir para os seus alguns lugares mais ou menos rendo-
sos em que os abrigue da miséria. O espírito oligárquico entre
nós é imposto pelas contingências do m2io, pela fatalidade
geológica. Ês.õ:cs privilegiados são, porém, a minoria. o resto
da populaçã.o vive em uma luta tremenda, sem tréguas, em
que tojos os estratagemas, mesmo os mais condenáveis, são
postos em prática pelas exigências da fome. A dificuldade de
vida tem originado indústrias que não passariam jamais pelo
cérebro de nenhum outro povo. A divisão de um couro de
bode em dois, a fabricação de sabão com pedra, a manufatura
de cigarros com excremento, a indústria das prisões ... " (llf)
Nessa área, o govêrno só presta quando governa com
gente de sua grei, de seu partido. Não S2 justifica a conduta
do governante que, mesmo por hábil manobra política, venha
a beneficiar adversários políticos. Não se julga mesmo reco-
mendável o procedimento do governante que quer governar
pacificamente, não permitindo a explosão dos rancores par-
tidários.
O sentimento de segurança, nessa área, colore de tal modo
o senso de moralidade administrativa que se torna difícil a
posição das facções. Não se pode precisar se há espírito públi-
co, ou se há, apenas, interê2se partidário, sentimento de opo-
sição de quem não participa da divisão do bôlo.
Ocorrem atritos entre a liberdade e a autoridade. As
facções ( orientadas às vêzes rapozàceamente, agem por meio
de agentes provocadores. A tática é puramente diversionista.
Sob color de difundir a liberdade ameaçada pela autoridade,
a oposição está defendendo os seus interesses privados. E as
provocações são coroadas de sucesso, porque o clima é propí-
cio ao ressentimento, ao oposicionismo.

(114) O Ceará (Fortaleza), 5/7/1925.

R.v. Dir. Públ. e Ci!ncia Palltica - Rio d. Janoiro - VaI. 2. n' 2 - jul./dez. 19~9
- 236-

Em parte alguma, a animoJidade contra a oligarquia é


tão grande como numa área de sêca e de fome. O domínio de
um clã desperta. a fúr1a dos que ficaram d~ fo::,a, deôprotegido3.
Pode ser citado, como exemplo, o rabelismo no Ceará, onde
se transformou em fôrça popular de grande repercussão his-
tórica.
A sociedade, n::.ssa área, admite qee haja governantes e
governados, ch2fes e subordinados. O que êle repele, diz
Georges Burdeau, é que haja predes~inação política.
O caráter oligárquico do POler Fovoca anirrosidade,
porque cria exceção em fac2 da regra geral. O clã benJfic:ado
está sob o clocd do Poder, enquanto Os outros ficam ao desam-
paro.
Georges Burdeau observa que a riqu~za do país autoriza
cada in:livíduo a manter esperança de participar na prosperi-
dade geral. A estratificação social é flexível, permitindo a
ascensão dos menos favor2cidos.
Onde reina a abundância, o homem não tem necessidade
do Poder. No.:; Estados Unidos, até 1929, não tinham 03
indivíduos necessidade do Estado. Só depois da grande cris3
de 1929 é que, no dizJr do Burdeau, se revelou à consciência
política norte-americana a idéia do Estado.
No Ceará, a pobreza do meio levou, no campo político, ao
unitarismo, ao anti-federalismo. Aí está o jo:nal Unitário,
fundado por João Brígido.
Na área de sêca e de fome, acredita-se na estrêla do indi-
víduo. A sua estréIa pode ser boa ou má, levando-o ao triunfo
espetacular ou ao redondo fracasso. Aí, porém, entra em jôgo
fôrça extra-humana, astrológica.
SJ êsse homem, guiado pela boa estrêla, tentar levar ao
Poder, a03 carg08 mais polpudos, os membros de sua família,
então o sentimento popular se transmula. Ê a hostilidade
à oligarquia.
No pais subdesenvolvido, a reforma política é, portanto,
mais importante do que a reforma econômica, já que a pri-
m3ira comanda a segunda. A reforma econômica, numa demo-
cracia, será realizada por vias constitucionais. Logo, é a refor-
ma política que vai ensanchá-Ia pelo fornecimento do neces-
sário instrumental.
Há os que acreditam no poder político para modificar e
melhorar o sistema econômico corrente. São 0.3. que crêem n:l
Rev. Dit. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. 2, n9 2 - jul./dez. '959
- 237-

ciência política como capaz de orientar os povos subdesenvol-


vidos na conq üista de sua verdadeira independência e no seu
desenvo:vimento.
Há, entretanto, os que reputam futil a ação política para
construir uma livre e justa sociedad3. São 03 que iden:ificam
a ciência política com domínio de classe e, por tal motivo, pre-
gam a sua destruição.
A e.;sêncla do parlamentarismo bruguês, na opinião de
I..enine, consiste em escolher os membros da classe dominant~
que vão reprimir e oprimir o povo através do Parlamento.
Ora, uma ciência política que se id:ntifica com a opressão
de uma classe por outra, deve desaparecer quando a classJ
oprimida fôr libertada.
"Todo sistema político é a expressão de fôrças econômi-
cas e uma ten+.ativa para administrá-las. Lenine estava muito
c3rto ao aflrmar que a política é a eoonom~~ concentrada",
diz Milovan Djilas. ('lá)
Stalin, entretanto, alterou o princípio, de acôrdo com cuja.
alteração passa a economia a ser a política concentrada. A
produção é subordinada à política que tem papel quase decisi-
vo na economIa. (M. Djilas, obro cit.).
Pensamos que, no país subde:::envolvido, é no campo po-
lítico, ond3 se travam os combates decisiv03 em prol do desen-
volvimento econêmico e da ascensão das classes trabalhado-
ras ao Poder.
E isso é tão verdadeiro que, embora a intenção do libera-
lismo fô:::se, como salienta An2urin Bevan, conquistar o poder
para as novas formas de proprbdade criadas pela revolução
mdustrial, sua realização foi a conquista do poder polUco
para o povo, f!eIr. nenhuma ligação com a propriedade". (116)
Naturalmente que nos referimos ao país sul::d2senvolvido,
onde há liberdade indivilual e política, cnd3 há democracia,
mesmo de tipo inferior. Só assim, as classe3 dirigidas poderão,
pela ação política, conquistar o Poder.
Não é p03sívd, portanto, negar a transcendência da ciên-
cia política nos países subdesenvolvidos de govêrno repres€n-
tativo.

(115) «A nova Classe», págs. 150-173, Rio, 1958.


(116) «In Place Df Fear», New York, 1952.

Rcv. Dir. Públ. e Ciência Política - Rio de Janeiro - Vol. 2, n. 2 - jul./dez. '959
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Se, por meios constitucionais, é po:::sível às classes con-


quistar o Poder, então há dúvida que a ação política é a mais
importante.
A clas3e que se identifica com o progresso e o desenvol-
vimento eC.:mÔmico terá que politizar-se.
Se as instituiç6es políticas, nos países subdesenvolvidos,
não se elevam a grandes alturas, é porque brotam de povo
analfabeto, inconsciente e despolitiza::lo.
Ê aqui onde se exige a r::sponsabilidade das elites políticas
que são aquelas que se preparam para as funções governa-
mentais.
N os países subdesenvolvidos, e!:sas elites políticas r 2ves-
tem-se da maior importância, porque, como disse Leão XIII em
Carta de 16-2-1892 aos Bispos de França", "na prática, a
qualidade das leis depende mais da qualidade de tais homens
(legisladores) do que da forma de govêrno".
Essas elites serão verdadeiramente missionárias se con-
correrem para a educação política das massas e, consequente-
mente, para sua normal participação no poder.
Devem as elites políticas lembrar-se do seguinte: "Ou vós
introduzireis o povo na cidadela do Estado, e êle a defenderá,
ou estará de fora e assaltá-Ia-á" .
Nos países subdesenvolvidos, as massas não se elevaram
à categoria de povo. A função das elites s::rá, como reconhece
Anibal Teixeira, a de suprir, com ação e técnica objetivas, essa
imaturidade. (''')
Nesses países, a atividade política é a mais digna do ho-
mem, porque é pelo exercício dela que êle concorre para o de-
senvolvimento nacional.
Charles Maurras entendia que todo inteiedual, sob pena
de traição, devia fazer política. Julien Benda, ao contrário,
considerava traidor o intelectual que fizesse política. Tristão
de Athayde, apreciando o dilema, admite uma terceira posição:
"participação vocacional-proporcional na vida pública", em que
cada um faz ou procura fazer o seu dever. (''')
A classe política dominante, nos países subdesenvolvidos,
incentiva o absenteismo político. Tem mêdo do povo.

(117) «Elites e Massas», pág. 45. Belo Horizonte.


(118) Diário de Kotícias, Suplem. (Rio), 13/3/1955.

Rev. Di,. Púb!. e Ciência PoJ1tica - Rio de Janeiro - Vol. 2, n9 2 - jul./dez. '9~9
- 239-

Bernard Shaw afirma que o branco faz do negro engra~


xate e, por isso, considera-o inferior. A classe dirigente con-
serva o povo na ignorância e, depois, julga-o incapaz de pra-
ticar democracia.
"O povo tém reações estúpidas, diz Gustavo Corção, porque
os poderosos e bem aquinhoados montaram usinas de estu!>idi-
ficação" .
"Nas nações são o que delas fazem as suas elites. Se uma
nação não tem elite, se não compreende mais elementos nobres,
torna-se ignobil. E a ignomínia precede a deliquescência e do
desaparecim2nto". (''')
Nas elites políticas conscient2s, que têm a patriótica co-
ragem de desmascarar a classe po~ítica dirigente quando esta
atraiçoa os legítimos interês~es coletivos, é que repousa a
esp2rança de superação de atraso econômico e primarismo
político.

(119) Mareei de la Bigne de Villeneuve, op. cito

Rev. Dir. Públ. e Ci!ncia Política - Rio de Janeiro - Vol. 2, n9 , - jul./uez. '9;')

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