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Democracia semidireta

Referendo, plebiscito, iniciativa popular e legislação


participativa

Alexandre Navarro Garcia

Sumário
Considerações iniciais; 1. Democracia se-
midireta; 1.1. Referendo; 1.2. Plebiscito; 1.3.
Iniciativa popular; 2. Mecanismos e registros
anotados; 3. A participação da vontade popu-
lar e dos grupos de pressão; 4. Experiência bra-
sileira e legislação participativa; Conclusões.

Considerações iniciais
O exercício da democracia direta remon-
ta as cidades-Estado da Grécia antiga, entre
os séculos IV e V a. C. No século XIII, os
suíços já realizavam os Landsgemeinde1, hoje
ainda praticados nos cantões de Appenzell,
Glaris e Unterwald. Na Nova Inglaterra (séc.
XVIII), os puritanos realizavam as assem-
bléias municipais.
A partir dos movimentos revolucionários,
iniciados no fim do século XVIII e princípio do
século XIX, por meio do contratualismo rus-
seauniano2 e da filosofia dos jusnaturalis-
Alexandre Navarro Garcia é Chefe da As- tas3, esses princípios de democracia semi-
sessoria Parlamentar do Ministério da Ciência direta ou participativa ganharam maior
e Tecnologia, professor de Processo Legislati- dimensão e filiados.
vo do Centro de Formação da Câmara dos De- A partir dessas experiências, consuma-
putados e especialista em Assessoria Parlamen- das na prática, foi que as formas atuais mais
tar pela Universidade de Brasília. aperfeiçoadas de democracia semidireta –
Trabalho final apresentado ao Curso de Es-
basicamente referendo e iniciativa direta –
pecialização em Direito Legislativo realizado
pela Universidade do Legislativo Brasileiro – difundiram-se na Suíça, Itália, França e Es-
UNILEGIS e Universidade Federal do Mato tados Unidos, por meio da espécie de legis-
Grosso do Sul – UFMS como requisito para lação direta, notadamente no Estado da
obtenção do título de Especialista em Direito Califórnia, caso mais estudado.
Legislativo. Orientador: Prof. ALEXANDRE Para Bobbio (1987, p. 459), democracia
PAIVA DAMASCENO. direta engloba “todas as formas de partici-
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pação no poder”, com prevalência do agen- e cultural, incorporando instrumentos de
te popular sobre o político. Diferentemente, participação direta, reconhecimento de par-
na democracia semidireta, repousa um sis- tidos e associações como relevantes agentes
tema mais bem-sucedido, pois contempla de dinamização democrática.
equilíbrio pela operação, de um lado, da re- Na definição de Pimenta Bueno (1958,
presentação política e, de outro, da sobera- p. 475), permite ao cidadão o exercício con-
nia popular direta. creto da liberdade de participação nos ne-
Maria Victoria Benevides 4 (1996, p. 15) gócios políticos do Estado – inclusive ofere-
sublinha: “a expressão democracia direta, cimento de proposições para fomento de atos
quando utilizada isoladamente – e sem ou- e espécies legislativas –, conferindo-lhe atri-
tras referências históricas – pode prestar-se butos da cidadania e inserindo-o no
a equívocos”. “status activae civitae: prerrogativas,
Bonavides (2003, p. 275) reforça a ação atributos, faculdades, ou poder de in-
equilibrada da democracia semidireta di- tervenção dos cidadãos ativos no go-
zendo que sua prática limita a “alienação verno de seu país, intervenção direta
política da vontade popular”. Nessa esfera, ou indireta, mais ou menos ampla,
“a soberania está com o povo, e o governo, segundo a intensidade do gozo des-
mediante o qual essa soberania se comuni- ses direitos. São o jus civitatis, os direi-
ca ou exerce, pertence ao elemento popular tos cívicos, que se referem ao Poder
nas matérias mais importantes da vida pú- Público, que autorizam o cidadão ati-
blica”. vo a participar na formação ou no exer-
No Brasil, a Constituição de 1988 intro- cício da autoridade nacional.”
duziu três mecanismos de democracia se- O referendo, o plebiscito e a iniciativa
midireta: referendo, plebiscito e iniciativa popular exprimem o desejo de complemen-
popular (art. 14). Figuras que se situam no tar a democracia representativa com ele-
campo da participação política, como orien- mentos de democracia semidireta, podendo
tadores dos princípios fundamentais da haver, até mesmo, o desejo de substituir a
República brasileira e compõem o binômio democracia representativa por esses elemen-
representação-participação, também deno- tos de democracia.
minado princípio democrático: “todo o po- Esses institutos, diferentemente de sua
der emana do povo, que o exerce por meio execução internacional, enfrentam no Brasil
de representantes eleitos, ou diretamente, resistências de aplicação. De uma lado, as-
nos termos desta Constituição” (art. 1 o, pa- pectos estruturais como as desigualdades
rágrafo único). sociais e os limites colocados pela cultura
são obstáculos ao incremento da participa-
1. Democracia semidireta ção popular. De outro, a própria autoriza-
ção legal para seu exercício que, no mais
O termo democracia, mais voltado para das vezes, cria obstáculos formais intrans-
o exercício democrático dos antigos gregos poníveis. Esse ou aquele terminam colabo-
e o seu contemporâneo, democracia semidi- rando para uma tendência dos representa-
reta, aplicados em maior ou menor instân- dos de dar ampla legitimidade aos repre-
cia, fornecem, para as Estados atuais, os sentantes, que acabam deliberando sobre
meios mais importantes para ampliação da questões públicas com reduzida consulta a
participação popular. seus eleitores.
Direcionam para um Estado atuando sob
a vigilância da coletividade, impondo o alar- 1.1. Referendo
gamento do princípio democrático a dife- O referendo representa a forma clássica
rentes formações da vida social, econômica e tradicional de exercício direto de poder.

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Para Darcy Azambuja, o referendo “é o que cionar leis”, cabendo ao Parlamento apenas
mais aproxima o Governo da democracia elaborar a lei e à população a capacidade
pura, mas também é o mais complexo, tanto de torná-la juridicamente perfeita e obriga-
por sua intimidade com outros instrumen- tória, depois de sua aprovação por sufrá-
tos, como o plebiscito e o veto popular, como gio.
pelas diferentes classificações que abriga” A respeito desse modelo, o contestador
(AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. Bobbio (1983, p. 69) referendou:
27. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1988. p. 228 “Creio que, hoje, ninguém pensa em
apud OLIVEIRA, Régis Fernandes de; contestar a importância e utilidade de
FERREIRA, José Rodrigues, 1996, p. 97). um tal modo de se obter decisões cole-
Em sentido lato, consiste na consulta à tivas, e nem mesmo sua legitimidade
população sobre emendamentos constitucio- democrática, ainda que algumas res-
nais ou até sanção de leis ordinárias, quan- trições possam ser feitas à concepção
do esta inferir sobre interesse público nacio- atomizante do corpo eleitoral, no qual
nal. o instituto do referendum se baseia, e
Como lembra Dalmo de Abreu Dallari a dificuldade de reunião através da
(1998, p. 154), a origem do referendum se en- discussão política”.
contra nas antigas Dietas das Confedera- Inobstante sua posição geralmente con-
ções Helvéticas, que reservava a certas loca- tundente, nesse caso, não há margem para
lidades suíças, como os cantões de Valais e contradições, mesmo partindo de Bobbio.
Grisons, desde o século XV, a capacidade Como fato inconteste, anote-se que um dos
de aprovar todas as leis “ad referendum do mais importantes eventos históricos italia-
povo. Em certos casos, as Constituições de nos, na sua longa história, decorre do refe-
alguns Estados modernos exigem que se faça rendo pré-constitucional de junho de 1946
o referendum, sendo ele considerado obri- (convocado pelo Conselho de Libertação
gatório, o que se dá quase sempre quanto a Nacional, composto por seis partidos anti-
emendas constitucionais; em outros, ele é facistas), para o qual a população foi con-
apenas previsto como possibilidade, fican- vocada para decidir sobre a forma do regi-
do a cargo das assembléias decidir sobre sua me: monarquia ou república. Dessa pergun-
realização, sendo ele chamado de facultati- ta nasceu a República Italiana, com 54,3%
vo ou opcional”, como no caso brasileiro. dos votos.
Sobre essas espécies, Santi Romano
(1977, p. 318) vincula a obrigatoriedade a 1.2. Plebiscito
apenas alguns tipos de leis e seu exercício Para Bonavides (2003, p. 154), a espécie
fundado por algumas constituições dos Es- plebiscito (da antiga Roma, onde a plebe
tados Unidos e nos cantões suíços, onde a votava sobre determinado assunto, por con-
lei somente abrigará perfeição após a deci- vocação do tribuno) consiste numa “consul-
são dos cidadãos. Até a decisão popular ta prévia à opinião popular”, perante a qual,
permanece como simples projeto. Ao tipo dependendo de seus resultados, adotar-se-ão
facultativo coaduna-se o instituto do veto, providências legislativas ficando reserva-
mecanismo pelo qual, “dentro de um deter- das dificuldades para sua diferenciação de
minado prazo, um certo número de cida- referendos.
dãos declara opor-se a uma lei deliberada Diferentemente do Brasil, onde referen-
pela Assembléia Legislativa”, cabendo a do e plebiscito encontram-se em fases pro-
estes, então, a decisão final sobre sua apro- cessuais distintas e inversas de consulta,
vação ou rejeição. aquele convalidando ou não decisões im-
Para Bonavides (2003, p. 282), “com o plementadas pelo Congresso e este criando
referendum, o povo adquire o poder de san- espaço para a aferição do sentimento popu-

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lar, nos países onde surgiram se confundem sido submetido” (§ 1 o); “O referendo é con-
e não têm aplicação definida entre as dife- vocado com posterioridade a ato legislativo
rentes classificações, como anota Bobbio ou administrativo, cumprindo ao povo a
(1995, p. 937): respectiva ratificação ou rejeição”(§2o).
“a noção de plebiscito é controversa.
É, pois, uma vontade popular sobre 1.3. Iniciativa popular
assuntos de relevância constitucional, Para o tipo iniciativa popular, Bonavides
sendo, por isso, um instrumento de (2003, p. 290) sinaliza que, “de todos os ins-
democracia direta, se bem que, como titutos da democracia semidireta o que mais
todos os dispositivos deste tipo, pos- atende às exigências populares de partici-
sa ser instrumentalmente usados por pação positiva nos atos legislativos é talvez
correntes autoritárias ou totalitárias a iniciativa”, o que, a partir do autor, repre-
para legitimar o seu poder autocráti- senta um modelo que confere ao cidadão
co. Ora, tal definição poderá parecer maiores condições para participar da pro-
parcial e incompleta, já que não per- dução legislativa.
mite estabelecer uma clara distinção Configura-se, assim, num direito do elei-
entre plebiscito e um instituto análo- torado de propor ao Poder Legislativo, pro-
go, o referendum. O dois termos são, a jetos de lei, iniciando, ao lado de outros agen-
rigor, sinônimos. Apenas pode-se ob- tes políticos (presidente da República, Tri-
servar uma certa diferença histórica bunais Superiores, deputados e senadores),
no uso de um ou outro termo”. o processo legislativo.
Seguindo a interpretação nacional, Pelo quadro constitucional brasileiro,
Marcello Cerqueira (2001, p. 138), apartado entretanto, nem o referendo nem a iniciati-
da opinião que mistura referendo e plebis- va popular permitem aos cidadãos introdu-
cito, julga que é mais correto situar o plebis- zir mudanças na Constituição ou vetar leis
cito como “o elemento propulsor da ativi- ordinárias. Podem ocorrer mudanças cons-
dade interna constitucional (adesão a de- titucionais mediante plebiscito, porém, só o
terminada forma de governo, a designação Congresso pode convocá-lo (o Executivo
de uma dinastia ou de quem irá reinar, por pode, no máximo, enviar mensagem ao Par-
exemplo), enquanto o referendo é emprega- lamento propondo a convocação, mas é o
do para ratificar as leis já aprovadas pelo Legislativo que decide se convoca ou não).
Legislativo”. Devido à complexidade do processo de
Pela linha da anterioridade, também se participação, que engloba redação do texto
pronunciam Régis Fernandes de Oliveira e (moção, projeto de lei ou emenda constitucio-
José Rodrigues Ferreira (1996, p. 97): “é, as- nal), coleta de assinaturas, controle de cons-
sim, uma consulta anterior à formalização titucionalidade e aprovação da matéria, o
do ato ou à conduta a ser adotada pelo Esta- sucesso varia muito, visto que são materia-
do. O texto constitucional reforça esse en- lizadas itens como questões culturais e ní-
tendimento. Sempre que se refere ao plebis- vel de democratização da informação (cf.
cito, deixa claro que deve ocorrer antes da BENEVIDES, 1996, p. 157).
medida que se pretende adotar”, o que fica Paolo Biscaretti di Ruffia, por sua vez,
consolidado pelo artigo 2o da Lei no 9.709, registra a existência, no direito comparado,
de 1998, que disciplinou os incisos da de- de duas modalidade de iniciativa popular:
mocracia semidireta, na forma do artigo 14 “a simples e a formulada. Na simples, tam-
da Constituição Federal: “O plebiscito é con- bém chamada pura, o eleitorado apresenta
vocado com anterioridade ao ato legislativo apenas uma moção ao Parlamento, para que
ou administrativo, cabendo ao povo, pelo aprove lei com determinado conteúdo; na
voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha formulada, o projeto é elaborado pelas cida-

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dãos, que já o apresentam de forma articu- da, além da iniciativa de projeto completa-
lada” (BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. mente redigido, a solicitação de revisão par-
Derecho constitucional. Madrid : Tecnos, 1965. cial de legislação vigente. Se as Câmaras
p. 421 apud OLIVEIRA, Régis Fernandes de; concordarem com a revisão, o projeto é “sub-
FERREIRA, José Rodrigues, 1996, p. 95). metido à aprovação do povo e dos cantões;
se, ao invés disso, não existir tal acordo, a
2. Mecanismos e registros anotados proposta é apresentada ao povo e, se este o
aprova, a revisão é feita, em conformidade
Na Suíça, país que começou a utilizar o com tal aprovação, pela Assembléia Fede-
referendo em 1848, a Constituição dizia que ral” (ROMANO, 1977, p. 312).
toda decisão nacional importante deveria Maria Victoria Benevides (1996, p. 170)
ser submetida ao voto popular, através de ressalva que essa postulação, entretanto, que
uma dupla maioria: maioria dos votantes e proponha uma revisão legislativa, parcial
dos cantões. ou total, somente pode ser solicitada, geral-
Embora o marco date do século XIX, tan- mente, quatro anos após a promulgação da
to o referendo como a iniciativa legislativa lei, enquanto a coleta de assinaturas deve
popular (modelo diferenciado no Brasil), estar encerrada em dezoito meses. Para de-
começaram a ser usados com maior intensi- cisão da revisão a Assembléia tem três anos.
dade no final do século XX (1970). Ultrapassado esse prazo, o Conselho Fede-
A partir de 1975, o referendo tem sido uti- ral é chamado para realizar a consulta po-
lizado principalmente vinculado a questões pular sobre a mudança pleiteada; “se a res-
de soberania nacional e para a política inter- posta for negativa, a iniciativa é abandona-
na dos países envolvidos, onde tendem a pro- da; se for positiva, o Parlamento é obrigado
ver decisões políticas a curto prazo ou ques- a elaborar projeto permitindo a realização
tões ad hoc, e não como um mecanismo per- de outra votação”.
manente do processo de tomada de decisão. Roberto Rosas (1970, p. 35), abordando
Em relação às limitações formais das ini- a iniciativa popular na Itália, assevera que
ciativas, Santi Romano (1977, p. 317) lem- o instituto está, como no Brasil, no próprio
bra que, nos cantões suíços, num andar pa- texto constitucional (art. 71), exigindo dos
ripassu entre iniciativa (primeiro estágio) e cidadãos italianos, para apresentação de
referendo (segundo estágio), os populares proposituras formuladas e articuladas,
podem dirigir-se à Assembléia, por meio de apoio mínimo de cinqüenta mil pessoas,
assinaturas de cem mil cidadãos, solicitan- metade do quorum cobrado dos suíços. Ad-
do que esta elabore determinada lei sobre mite, ainda, a Constituição Italiana (art. 75),
matéria específica. Se a deliberação legisla- desde que apoiada por 200 mil eleitores ou
tiva for pela rejeição, caberá à votação po- por cinco Conselhos Regionais, a convoca-
pular decidir se a lei deverá ou não ser edi- ção de referendos - mecanismo usual - para
tada, referendando-a ou não (arts. 138-142, revisões, totais ou parciais, ou revogação de
Constituição Suíça). leis aprovadas pelo Parlamento e regula-
Com escopo mais amplo, em alguns Can- mentos administrativos de caráter local, em
tões, “os cidadãos podem apresentar um caráter ab-rogatório.
projeto completamente redigido e então a Na França, a Constituição de 1958 (art.
Assembléia legislativa é obrigada a subme- 11) retirou do Parlamento o poder sobera-
tê-lo à aprovação do povo”, devendo apre- no, transformando-o em poder constituinte,
sentar os motivos de sua oposição ou até com competência constitucional limitada.
encaminhar um novo texto. Em contrapartida, acentuando a importân-
Assim, na Suíça, onde o povo, ao qual cia da participação semidireta, confere ao
está reservada a aprovação final, é permiti- “referendum popular não somente a permis-

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são de rejeitar uma lei votada pelo parla- Nos Estados Unidos, o primeiro Estado
mento, mas ainda de realizar uma reforma a adotar o modelo de legislação direta foi
legislativa” (ROSAS,1970, p. 37). O chama- South Dakota, em 1898, porém a primeira
mento, entretanto, para a consulta refenda- unidade federativa americana que a efeti-
tória, é prerrogativa do presidente da Repú- vou foi o Estado de Oregon, em 1904. Entre
blica ou das duas Câmaras congressuais. esses dois Estados, Butler e Ranney (1978,

Adoção da iniciativa popular nos Estados Unidos, por Estado


Estado Ano
South Dakota 1898
Utah 1900
Oregon 1902
Oklahoma 1907
Maine, Missouri 1908
Arkansas, Colorado 1910
Arizona, Califórnia, Montana, Novo México 1911
Idaho, Nebraska, Nevada, Ohio, Washington 1912
Michigan 1913
North Dakota 1914
Kentuky, Maryland 1915
Massachussetts 1918
Alaska 1959
Wyoming 1968
Illinois 1970
Florida 1972
Fonte: Iniciative and Referendum: Its Status in Wisconsin and Experiences in Select States, Informa-
tional Bulletin 76-Ib-4 (Madison, Wis.; Legislative Reference Bureau, State of Wisconsin, 1976)

p. 70) incluem o aparecimento da unidade Em termos de mecanismos de legislação


de Utah, em 1900, como segue: direta, a Califórnia, que os utiliza desde o
Dalmo de Abreu Dallari (1998, p. 154) início dos anos 70, é o caso mais importan-
encontra dois tipos desse instituto nos Es- te. Lá, os instrumentos de legislação direta,
tados Unidos, quando é conferido a um de- criados em 1911, já previam os quatro tipos
terminado número de eleitores a possibili- de mecanismos de legislação direta, mas o
dade de oferecer emendas constitucionais referendo destinado a introduzir mudanças
ou leis ordinárias, quais sejam: na Constituição estadual foi o mais usado
“iniciativa direta, pela qual o proje- pelos eleitores.
to de constituição ou de lei ordiná- Entre 1970 e 1976, cento e quatro inicia-
ria contendo a assinatura de um tivas de mudanças na legislação ordinária
número mínimo de eleitores deve, foram submetidas ao voto popular na Cali-
obrigatoriamente, ser submetido à fórnia, tendo como principais temas as ques-
deliberação dos eleitores na próxi- tões governamentais e relativas ao processo
ma eleição; e iniciativa indireta, que político (21%), impostos e questões morais
dá ao Legislativo estadual a possi- – aborto – (19%), direitos trabalhistas (17%),
bilidade de discutir e votar o proje- saúde, habitação e previdência social (14%)
to proposto pelos eleitores antes que e direitos civis (5%).
ele seja submetido à aprovação No Estado (art. 2o, seção 8), o processo
popular”. de iniciativa popular começa com a reda-

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ção do texto pelos populares. A segunda por cento em North Dakota e quinze por cen-
fase cabe ao Procurador-Geral do Estado, to em Wyoming. Para legislação ordinária
que escreve o título e faz um resumo da su- local, North Dakota exige apenas dois por
gestão, para serem usados na campanha e cento. Adepto do mecanismo desde 1914, o
no horário eleitoral. Para essas despesas os Estado registrou, de 1950 a 1970, setenta e
responsáveis pela iniciativa pagam US$ 200. cinco ocorrências de textos ordinários. Na
Iniciada a divulgação da iniciativa, os pro- Califórnia, são necessários, para alteração
motores têm, pelo menos, cento e trinta e um legislativa local, cinco por cento do eleitora-
dias para conseguir as assinaturas. Após do que votou nas últimas eleições para go-
esse prazo são conferidas as assinaturas e, vernador. Se a mudança for constitucional
vencidas as limitações formais (número e o quorum é de oito por cento.
período), o Secretário do Estado sujeita o tex-
to à votação estadual, que decide o processo 3. A participação da vontade popular e
por maioria simples. dos grupos de pressão
Sua Constituição prevê que o referendo,
solicitado por projeto formulado de iniciati- O processo, contudo, gera, para alguns,
va, pode tanto convalidar como rejeitar leis descrença em relação ao resultado material
ou partes de leis, com exceção daquelas de das iniciativas. Como argumento contrário,
natureza urgente, eleitorais, de despesas centralizam as discussões nos Estados Uni-
orçamentárias correntes ou instituidoras de dos e na Suíça a capacidade de grupos su-
alíquotas de tributos. Como regra, uma vez perorganizados, privados, sindicalizados
publicada a lei, a população têm noventa ou de lobby, influírem na apresentação, por
dias para apresentar o projeto peticional com meio da manipulação da coleta de assina-
o apoio de cinco por cento dos eleitores (art. turas mínimas para proposição, mediante a
2 o, seção 9). cooptação o convocação de grupos sociais
Ademais, os mecanismos de legislação organizados que apoiem a medida, que nem
direta têm sido antídoto para o imobilismo sempre atende ao interesse daquele grupo.
ou paralisia relativa do legislativo local. Se Sobre isso, a professora Elisabeth Gerber,
levarmos em conta que, além da iniciativa, da Universidade da Califórnia (San Diego),
os californianos contam com instrumentos em recente estudo publicado sobre a ação
de reforma constitucional ao seu dispor, de grupos de interesse e aplicação de dinhei-
pode-se afirmar que o potencial da legisla- ro no processo de iniciativa concluiu que,
ção direta adquire uma importância real- independentemente das vastas somas em-
mente extraordinária . pregadas em campanhas políticas, no
Independentemente do Estado, uma ini- intuito de influenciar o resultado de uma
ciativa constitucional somente pode ser al- iniciativa na votação popular, geralmente
terada por outra da mesma espécie. Mesmo esses artifícios não são bem sucedidos. Es-
podendo ser emendada, exige maioria para sas impressões estão baseadas em exames
o aditamento e nova apreciação popular extensivos das atividades e movimentações
dessa alteração. de grupos de interesse e em registros de fi-
Com variações em função do eleitorado nanças de cento e sessenta e oito campa-
de cada Estado, o número de assinaturas nhas de legislação direta em oito Estados
necessárias para iniciativa nos Estados americanos. No estudo, Elisabeth Gerber
Unidos, diferentemente da Suíça, onde o to- descobriu que as iniciativas abarcadas por
tal é único, pode ter como base um valor fixo grupos de interesses econômicos são menos
ou o número de votantes nas últimas elei- bem sucedidas, em aprovação, do que aque-
ções na circunscrição. Para apresentação de las apoiadas por grupos da sociedade civil.
iniciativas constitucionais, exige-se quatro Uma análise de cinqüenta e sete votações,

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entre 1988 a 1992, revelou que somente trin- vimentos antifumo, antiusinas nucle-
ta e um por cento das iniciativas encampa- ares ou por reformas nos serviços pú-
das por grupos econômicos foram aprova- blicos” (MAGLEBY, David B. Direct
das, contra cinqüenta e um por cento das legislation. Baltimore/London : The
campanhas defendidas por cidadãos. John Hopkins University Press, 1984
Para fazer frente a isso, os próprios gru- apud BENEVIDES, Maria Victoria,
pos de pressão, como observa Elisabeth 1996, p. 100).
Gerber, passaram, com o aprendizado das Maria Victoria Benevides (1996, p. 177)
derrotas, a se valer de proposituras de inici- lembra que, na Suíça, como contraponto
ativas que atendessem relativamente bem os dessa interferência:
grupos civis e, em amplitude maior, a seus “existe um rigoroso controle sobre to-
interesses. Além de fortalecer laços sociais, dos os aspectos formais da proposta e
encontram militância e autoria para suas da credibilidade dos promotores, mas
propostas, convalidando seus interesses. a coleta de assinaturas é facilitada ao
Exercem, ainda, pressão sobre legisladores extremo. No plano local – justamente
estaduais que se posicionem previamente para evitar o monopólio da coleta por
contra suas iniciativas. grupos organizados – existe um pra-
Mandatos em Estados onde existe legis- zo de seis meses para instalação de
lação direta, incluindo Califórnia, aprovam pontos de coleta em praças públicas;
leis diferentes daqueles onde não há o po- e o eleitor pode votar até pelo correio.
der de iniciativa. Essas diferenças reprodu- Nos Estados Unidos, as assinaturas
zem-se, notadamente, nas matérias relativas são conferidas por amostragem, quan-
a taxação, transporte, seguro de saúde e cri- do a margem de segurança é muito
me ambiental. Nas unidades federativas pequena. Mas, em caso de dúvida, a
onde não existe iniciativa, a materialização averiguação é rigorosa: em 1982, vin-
desses assuntos conduz a legislações mui- te e cinco mil assinaturas foram anu-
to mais próximas do interesse privado do ladas no Colorado sob suspeita de
que do interesse da sociedade, mesmo na- fraude e o processo foi denunciado”.
quelas votações onde é visível a operação Na verificação de Elisabeth Gerber, em
de algum grupo particular sobre a iniciati- comparação à de Maria Victoria Benevides,
va de populares. com controle judicial, ou na de Magleby, com
Magleby, posicionado entre os descren- predomínio da pressão organizada e viés
tes para com a soberania do povo em casos econômico, percebe-se uma relação não es-
de legislação direta, sentencia: tanque, mas paralela, agindo, de um lado,
“o poder efetivo cabe àqueles que es- as parcelas sociais e, de outro, as políticas
tabelecem a agenda de questões a se- de Estado. Pedro Sampaio Malan (1981, p.
rem decididas pelo eleitor nas próxi- 113) concebe essa interdependência: “o Es-
mas eleições. Manda, mesmo, quem tado não é o único local de conflito, nem
resolve, em primeira instância, aque- tampouco a única arena da dominação de
las propostas que serão apresentadas classe. Há várias outras funções mediado-
ao eleitor, para aprovação ou rejeição. ras, que em certa literatura assumem o nome
Daí pode resultar que as questões le- de aparelhos ideológicos de Estado (parti-
vadas à votação não sejam aquelas dos, imprensa, universidades, associações
que o povo elege como seus proble- de classe etc.), os quais são também, eles
mas cruciais – como inflação, desem- mesmos, arenas de luta política e ideológi-
prego, questões econômicas em geral ca”.
– mas, sim, aquelas do interesse dos Tomado isoladamente, o poder organi-
grupos mais organizados, como mo- zativo e econômico pesa na definição da

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iniciativa, mas não é condição única, como sitórias, estabelecia: “Art. 2 o No dia 7 de se-
infere Malan. Grupos de voluntários da tembro de 1993 o eleitorado definirá, atra-
Califórnia têm obtido resultados positivos vés de plebiscito, a forma (república ou mo-
nas disputas pela aprovação de iniciativas, narquia constitucional) e o sistema de go-
como nos casos da fixação do inglês como verno (parlamentarismo ou presidencialis-
língua nacional (proposta 63) e tratamento mo) a vigorarem no País.”
de aids (64) – que chegaram à qualificação Essas experiências são, na maioria das
final para urnas em novembro de 1986. Três vezes, importantes, pois mostram que os
anos antes, em São Francisco, militantes plebiscitos são quase sempre um meio de
antitabaco venceram a disputa com pode- promover o apoio ou rejeição da opinião
rosas empresas de cigarro, mesmo estas apli- pública em relação a um determinado es-
cando dez vezes mais recursos na campa- quema de poder. Diferentemente dos refe-
nha. rendos, que se integram à dinâmica de fun-
Como demonstração de força deste ins- cionamento do processo político, os plebis-
tituto, entre 1980 e 1986, os cidadãos da citos são feitos ad hoc e não foram consuma-
Califórnia apresentaram cento e quarenta e dos para ampliar a participação, mas ape-
sete propostas de iniciativa popular. Des- nas para canalizá-la em um determinado
sas, vinte e duas foram qualificadas para momento.
votação, doze aprovadas e dez rejeitadas. Em relação à iniciativa popular, os cons-
Elisabeth Gerber recorda que, na Califórnia, tituintes brasileiros, apartados dos movi-
as introduções políticas mais importantes mentos externos, estabeleceram no texto
da última década – questões referentes à nacional o instituto nas três esferas de go-
imigrações, ação afirmativa e instrução bi- verno: estadual; federal; municipal.
língue – foram decididas pelo processo de Nos Estados, a Constituição (art. 27, §
iniciativa. 4 o) cobra lei ordinária para regular a inicia-
tiva popular. Em alguns Estados a iniciati-
4. Experiência brasileira e va já está regulamentada, assim, a Consti-
legislação participativa tuição paulista prevê a possibilidade de sua
alteração por proposta de cidadãos, medi-
No Brasil, a experiência plebiscitária de ante iniciativa popular assinada por, no
1963 sobre o parlamentarismo, configurou- mínimo, um por cento dos eleitores do Esta-
se como um expediente com vistas a impe- do. Na Bahia (art. 31), Alexandre de Moraes
dir a posse de João Goulart, que era evitado (2003, p. 1109) diz que a Carta local “au-
por grupos militares e forças conservado- menta a possibilidade de participação social,
ras. Por vias adversas ao intuito de uma con- pois permite a iniciativa para propositura
sulta popular, buscou-se limitar, com o par- de emendas à Constituição estadual e para
lamentarismo, a ação do presidente refor- projetos de lei”.
mista. Nos municípios e na União, diferente-
Diferentemente disso, restaurar o presi- mente, o exercício da iniciativa popular in-
dencialismo era reforçar o impulso em dire- depende de norma regulamentadora, posto
ção às reformas econômicas, sociais e polí- que num ou noutro caso as limitações for-
ticas que ele desejava introduzir. Foi assim mais e materiais já estão postas. Podem os
que o eleitorado interpretou a situação ao populares do município apresentar propo-
votar maciçamente pelo retorno do presiden- sições às Câmaras de Vereadores sobre as-
cialismo. suntos locais, desde que obtenham assina-
O plebiscito de 1993 já estava previsto turas de cinco por cento dos eleitores.
na Constituição de 1988, cujo artigo 2o, do Na União, inobstante não pedir regula-
Ato das Disposições Constitucionais Tran- mentação para detalhar limitações,

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materiais, formais ou circunstancias, pois o ra de entidades da sociedade social organi-
artigo autorizador já contém os requisitos, o zada apresentarem ao Legislativo proposi-
texto do dispositivo de iniciativa, ao cobrar turas de lei.
uma matéria já formulada, com esboço ao Comparando com o instituto de iniciati-
Parlamento, apõe uma extenuante limitação va, conforme texto constitucional e a possi-
formal para sua consecução: assinatura de bilidade do exercício da democracia por via
um por cento do eleitorado nacional, distri- dessa Comissão, assim se pronunciou a de-
buído ao menos por cinco Estados, com não putada Luiza Erundina (primeira presiden-
menos de três décimos por cento de eleitores te do órgão):
em cada um deles (cf. SILVA, 1995, p. 498). “Chegou a hora, portanto, de colocar
Diferentemente dos exemplos externos em prática o que dispõe a Constitui-
anotados, nos Estados Unidos e na Suíça, a ção Federal de 1988, que consagra, em
autorização brasileira para apresentação à seu artigo 1 o, parágrafo único, o prin-
Câmara dos Deputados de projeto de inici- cípio da soberania popular pelo qual
ativa popular não alcança matéria consti- todo o poder emana do povo, que o
tucional, apenas legislação ordinária e com- exerce por meio de representantes elei-
plementar. tos ou diretamente, e que, também, es-
Como lembram Luciana Botelho Pacheco tabelece mecanismos de participação
e Paula Ramos Mendes (1998, p. 145-146), popular, como, por exemplo, a Inicia-
esse amontoado de rubricas deve passar, tiva Popular Legislativa. Não obstan-
internamente, após ordenação por Municí- te essa importante conquista incorpo-
pio, Estado, Território e Distrito Federal, pelo rada ao texto constitucional, muitas
crivo da conferência, uma a uma, com legi- são ainda as barreiras que impedem
bilidade e registro de identificadores eleito- sua plena e total concretização. Daí o
rais confirmados. extraordinário significado da recém-
Sobre essa transposição, Manoel Gonçal- criada Comissão Permanente de Le-
ves Ferreira Filho (2002, p. 207) vaticinou: gislação Participativa, que possibili-
“Sendo rigorosas essas exigências, não será ta que associações e órgãos de classe,
fácil sejam apresentados projetos de lei de sindicatos e entidades da sociedade
iniciativa popular. Trata-se de instituto de- civil apresentem Sugestões de Inicia-
corativo”. tiva legislativa” (GARCIA, 2001, p. 15).
Passados quinze anos da promulgação Independentemente de passar por pro-
da Carta, esse mecanismo não transformou- cesso de reestruturação regimental na Câ-
se em um “instituto decorativo”, mas forte- mara, a CLP avançou, sobremaneira, em re-
mente limitado, pois apenas uma proposi- lação à iniciativa popular constitucional, em
ção, oriunda da Comissão de Justiça e Paz a amplitude, oportunidade e flexibilidade
Confederação Nacional dos Bispos Brasi- processual, conquanto exige do cidadão e
leiros, referente ao apenamento para com- suas associações procedimentos céleres e
pra de votos, foi aprovada. Outra, criando o mais simples para apresentação de propo-
Fundo Nacional de Moradia Popular conti- sições ao Congresso Nacional (leis ordiná-
nua em apreciação, desde 1991. Dessa es- rias, complementares e até emendas à lei
pécie, mesmo sendo diferente o agente, já orçamentária anual).
que não requer assinaturas de um número Na Câmara de Vereadores de São Paulo,
volumoso de cidadãos, caso da iniciativa assim como em outras doze Assembléias,
popular constitucional, surgiu, tanto na municipais ou estaduais, onde já existe a
Câmara Federal, inicialmente, como no Se- Comissão de Legislação Participativa, por
nado Federal, a Comissão Permanente de decorrência federal, já é admitido esse mo-
Legislação Participativa (CLP), autorizado- delo mais fluido de democracia semidireta:

18 Revista de Informação Legislativa


“todas as iniciativas que se enquadrem na soas comuns no Brasil ainda não estão pre-
competência das comissões permanentes da paradas para participar do processo de to-
Câmara Municipal de São Paulo, ou seja, mada de decisões, buscando lembrar que a
projetos de emenda à Lei Orgânica, projetos tradição política brasileira leva a crer que
de resolução e emendas ou substitutivos à tais iniciativas não terão o apoio popular
qualquer projeto que esteja tramitando na necessário para mudar o sistema político,
Câmara Municipal, inclusive à Lei Orça- além de os mecanismos enfraquecem os prin-
mentária Anual”. cípios representativos.
Diferentemente da previsão constitucio- Apesar de apresentarem vantagens e
nal de iniciativa, as sugestões legislativas desvantagens, os modelos representam o
poderão ser apresentadas diretamente à caminho mais efetivo de participação po-
Comissão por associações e órgãos de clas- pular. No caso levantado, a Comissão da
se, sindicatos, organizações não-governa- Câmara, com pouco mais de dois anos de
mentais, demais entidades organizadas da funcionamento, já se mostrou representati-
sociedade civil e mesmo órgãos oficiais que va e efetiva processualmente, transforman-
disponham, em seus conselhos, paridade de do-se em instrumento de consecução de de-
representação entre civis e servidores. Bas- mocracia semidireta, sem os obstáculos da
tando, para isso, a apresentação de docu- iniciativa popular. Nesse período, de noven-
mentos que confirmem a atuação e o regis- ta e duas sugestões apresentadas, trinta fo-
tro da entidade. ram aprovadas e vinte e duas viraram pro-
No Senado Federal, a CLP, inobstante posições legislativas.
mais recente, já foi capaz de prever, no pró- Dez das sugestões apresentadas, ora re-
prio regulamento de funcionamento, a pos- ferenciadas, são emendas à lei orçamentá-
sibilidade de recebimento de propostas po- ria, destinando recursos a entidades como
pulares de emenda à Constituição (art. 6o), o Movimento Nacional de Meninos e Meni-
conquanto cumpram as limitações formais nas de Rua (MNMMR), Centro de Desen-
previstas no artigo 60 da Carta Federal. volvimento e Capacitação Profissional da
Além disso, já receberam deliberações favo- Paraíba (Cenpa), Conselho Nacional dos
ráveis, por parte do Plenário da Comissão, Direitos da Criança e do Adolescente
seis sugestões, dentre as quais um projeto (Conanda), Centro em Defesa da Vida (CDV),
que estabelece diretrizes e normas para a Cáritas Barasileira e União de Negro por
assistência de crianças em quadro de des- Igualdade (Unegro). Os valores aprovados
nutrição e outro que estipular o oferecimen- totalizaram R$ 37 milhões. Para o próximo,
to de passe livre para idosos com idade su- aguardam decisão da Comissão Mista de
perior a sessenta e cinco anos. Orçamento, mais R$ 475,6 milhões.
Não obstante restrições à implementa- Das oitenta e duas proposições em tra-
ção, um ou outro mecanismo apresenta van- mitação, a primeira delas, proposta pela
tagens. Primeiramente, criam a possibilida- Associação dos Juízes Federais (Ajufe), foi
de efetiva de se alcançar a legitimidade re- aprovada em menos de nove meses pelo ple-
querida pelo processo de tomada de deci- nário da Câmara e já encontra-se no Senado
sões relevantes num regime democrático. Em Federal para apreciação. Depois da análise
seqüência, permitem que o povo intervenha dos Senadores, a matéria será mandada à
sem mediações nos assuntos de seu interes- sanção presidencial e permitirá a comuni-
se. Por fim, combatem a apatia e alienação cação de atos e a transmissão de peças pro-
políticas. cessuais por meio eletrônico na esfera da
No caso brasileiro, em oposição, os ad- Justiça brasileira.
versários das três iniciativas ou pessoas in- No Senado da República, em apenas um
diferentes às mesmas, ressaltam que as pes- ano, receberam deliberações favoráveis, por

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parte do Plenário da Comissão, seis suges- apenas ensejam a expectativa de realização
tões, dentre as quais um projeto que estabe- de referendo sobre o assunto. Resulta disso,
lece diretrizes e normas para a assistência a inexigência do ato processual. A própria
de crianças em quadro de desnutrição e ou- Assembléia se incumbe de regular aquele
tro que reduzia a idade para oferecimento assunto, sem a necessidade de consulta.
de passe livre a idosos, matéria essa poste- Nos Estados Unidos, não obstante a pre-
riormente acatada pelo Estatuto do Idoso. sença constante de grupos econômicos,
como inserem Magleby e Elisabeth Gerber,
Conclusões resultados expressivos têm sido alcançados
por meio da legislação direta, notadamente
Os instrumentos de democracia semidi- em questões ambientais, antitabaco, emigra-
reta, como apostos atualmente, são resulta- tórias e linguísticas.
do não só de construções políticos-proces- No Brasil, em compensação à limitada
suais. Perpassam limitações formais ou utilização de institutos como o plebiscito e
materiais e exigem, como pressuposto, até referendo, a capacidade de iniciativa popu-
para se fazê-la consecutar, de formação so- lar, como texto originário, e a apresentação
cial consistente, em toda sua complexida- formal mais célere por meio da legislação
de, agindo como mecanismo indutor e con- participativa, apresentam mecanismos para
trolador, impetrando meios de freios e con- construção de uma cultura popular de de-
trapesos, de accountabillity5, nesse via de mocracia semidireta.
exercício da cidadania, afora o tripé de Po- Como instrumento inovador de enge-
deres constituídos. nharia parlamentar, até para os parâmetros
Essa construção social, até pela ampli- europeus e americanos, dada sua limitação
tude de história, é mais facilmente notada e formal reduzida, a legislação participativa,
exercitada em países europeus, Suíça, com oriunda da Câmara Federal e já presente no
seus Landsgemeinde, prática inveterada des- Senado da República e em várias Assem-
de o século XIII, Itália e França, depurado- bléias Estaduais e Câmaras de Vereadores
res iniciais das tarefas de democracia dire- poderá, além de fortalecer a organização e
ta. A posteriori, e por decorrência do apren- presença popular no Legislativo, responder
dizado europeu e base grega, os america- a um dos maiores gargalos da democracia
nos, com sua legislação direta, hoje medida contemporânea, qual seja a incapacidade,
reincidentes no exercício de democracia se- numa sociedade de massas, de aproximar
midireta. os representantes do representado, o eleito
Seu exercício, nesses países, ultrapassa do eleitor.
a premissa de oferecimentos de projetos, O então deputado Aécio Neves, mentor
petições, veto populares por meio de refe- da criação da Comissão abalizou:
rendos ou alterações constitucionais. Ser- “Quando assumi o compromisso de
vem, quando não usados diretamente, como criá-la, ainda como candidato à Pre-
instrumento para fazer com que proposições sidência da Câmara, guiava-me por
sociais ou, em muitas vezes, postulações um mandamento não-escrito e só ig-
privadas, sirvam de instrumento de pres- norado pelo autoritários: o de que,
são para fazer expresso algum direto alie- muitas vezes, os representantes estão
nado. à frente de seus representantes. Inspi-
Como lembram David Butler e Austin rou-me, também, a lição histórica de
Ranney, em muitas oportunidades, na Suí- que, aprisionada em suas rotinas e
ça, os casos mais bem sucedidos do uso re- divorciada da vontade popular, a re-
ferendo são daqueles que não ocorrem. Os presentação parlamentar serve ao es-
círculos que defendem a modificação legal vaziamento da política, à descrença

20 Revista de Informação Legislativa


em seus atores e, por decorrência, ao política de freios e contrapesos, e pela própria po-
enfraquecimento da democracia” pulação.
(GARCIA, 2001, p. 15).
Mesmo apresentando resultados efeti-
vos, do ponto material e, principalmente, Referências
pela sua disseminação pelas demais Câma-
BENEVIDES, Maria Victoria. A cidadania ativa: re-
ras, a concretização desse postulado de de- ferendo, plebiscito e iniciativa popular. 2. ed. São
mocracia, que torna a lei cinza, exige, ain- Paulo: Ática, 1996.
da, o envolvimento da sociedade civil, que,
BOBBIO, Norberto. Qual socialismo?: debate de uma
por falha de comunicação do Congresso alternativa. Tradução de Iza de Salles Freaza. Rio
Nacional, não foi informada da sua capaci- de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
dade de promover alterações em seu bojo e _______. Estado, governo, sociedade. São Paulo: Paz
nas práticas de seus parlamentares, ação e Terra, 1987.
essa que, desencadeada, trará ao represen-
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PAS-
tando, como anotou Aécio Neves, não o fal- QUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 8. ed.
so antagonismo entre sociedade e Parlamen- Brasília: UnB, 1995.
to, nem a utopia ingênua de que a revolução
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São
tecnológica aposta por uma sociedade mi- Paulo: Malheiros, 2003.
diática ressuscitará uma espécie de demo-
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Re-
cracia direta informativa, mas, sim, uma atu-
gimento Interno da Câmara dos Deputados: aprovado
alização da democracia representativa. pela Resolução no 17, de 1989. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2003.
BRASIL. Congresso. Senado Federal. Regimento In-
Notas terno: Resolução no 93, de 1970. Brasília, Senado Fe-
deral, 1999.
1
Assembléias populares instituídas pelo Pacto
da Confederação Helvética em 1921 que são, até BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Repú-
hoje, realizadas na Suíça como instituto de demo- blica Federativa do Brasil. Texto constitucional de 5
cracia direta. Como no modelo dos antigos gregos, de outubro de 1988. Brasília: Câmara dos Deputa-
a população decide sobre vários assuntos, votando dos, Coordenação de Publicações, 1998.
leis, modificando mecanismos de varrição e limpe-
za pública, nomeando servidores públicos e até ele- BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análise
gendo parlamentares. da constituição do império. Rio de Janeiro: Nova Edi-
2
Doutrina decorrente do pensamento do filóso- ção, 1958.
fo francês, nascido na Suíça, Jean-Jacques Russeau, BUTLER, David; RANNEY, Austin. Referendus: a
que defende um Estado baseado na associação en- comparative study of pratice and theory. Washing-
tre cidadãos livres, regulado por um contrato re- ton: American Enterprise Institute, 1978.
sultante do consenso geral.
3
Doutrina segundo o qual existe e pode ser CAETANO, Bruno. A lei é participar: cartilha co-
conhecido um “direito natural”, ou seja, um siste- missão de legislação participativa. São Paulo: Câ-
ma de normas de conduta intersubjetiva diverso mara Municipal, Secretaria das Comissões, 2002.
do sistema constituído pelas normas fixadas pelo DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria ge-
Estado (direito positivo). Este direito natural tem ral do Estado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
validade em si, é anterior e superior ao direito posi-
tivo e, em caso de conflito, é ele que deve prevalecer. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do proces-
4
Professora titular da Faculdade de Educação so legislativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
(Departamento de Filosofia da Educação e Ciências
GARCIA. Alexandre Navarro et al. Cartilha: comis-
da Educação) da Universidade de São Paulo (USP)
são permanente de legislação participativa. Brasília:
e membro titular do Conselho da Cátedra Unesco/
Câmara dos Deputados, Coordenação de Publica-
USP de Educação para a Paz, os Direitos Huma-
ções, 2001.
nos, a Democracia e a Tolerância.
5
Mecanismos de fiscalização e responsabiliza- GERBER, Elisabeth. Well-heeled interest groups usually
ção das instituições oficiais, por elas próprias, numa don’t succeed in buyng elections, says UC San Diego Po-

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22 Revista de Informação Legislativa

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