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2003

A INVENÇÃO DA POLÍTICA
por Francis Wolff
Resumo

Nós e eles. O interior e o exterior. O amigo e o inimigo. De um lado, a paz (idealmente); de outro,
a guerra (pré-concebida) – o que, se define a comunidade como tal, ainda não a define
politicamente. Do contrário, para que crenças, mitologias, ideologias? Tudo isso que prova que,
em política, não há “peixe dentro d’água”; antes, esforço e coerção. Eis o paradoxo mesmo, aliás:
o pertencimento político à sociedade, que deveria ser natural, pressupõe, entre outros fatores, a
coerção, como se necessária fosse uma segunda natureza. Mais: ela traz, em seu coração, a questão
do poder – assim como deve ser para que tal sociedade continue existindo.

Daí que, mesmo sendo os homens sociáveis, é preciso forçá-los a entrar em sociedade, a
acomodar-se em meio a seus semelhantes.

Contraditória essência, que impede de concluir se o político define-se pelo laço social ou pelo
mando, conceitos presentes em todas as obras de filosofia política, seja, nelas, o mando um bem ou
um mal (necessário). É isso ou uma sociedade em que entre ela e o poder houvesse uma fusão. Ou
seja: em que a totalidade regulasse sua própria existência.

Ora, há sentido nisso?

Isso, ao menos, já aconteceu?

Sim. E duas vezes. Na Grécia clássica e no Brasil pré-cabralino. A começar por este.

Bem, o chefe indígena. Por mais presente que fosse, não agia por meio da coerção. Isso porque a
função de tal chefe era apaziguar querelas, regular discórdias, nunca por meio da força, mas da
influência, equidade e palavra.

Segundo Pierre Clastres, “a propriedade essencial desse tipo de sociedade é exercer poder absoluto
sobre tudo que a compõe, ou seja, coibir a autonomia de qualquer um dos subconjuntos que a
compõem, de modo a manter todos os movimentos internos que alimentam a vida social,
conscientes e inconscientes, dentro dos limites e da direção desejada pela sociedade”.

Já na Atenas clássica – que data do século V a.C. –, vigia a democracia. Muito diferente da que se
pratica hoje, inclusive nos atributos comuns entre ambas, que são a soberania do povo e a
igualdade política, ela não se realizava por meio da representação, mas imediatamente, isto é, na
Assembleia do Povo, onde qualquer cidadão podia pronunciar-se, debater e votar.

E quanto à máquina estatal? Ou seja: os magistrados, os membros do conselho e dos tribunais


populares. Eles eram eleitos por sorteio, um mecanismo menos irracional do que parece; afinal, os
candidatos não só eram voluntários como submetidos a exames acerca das virtudes cívicas.

Assim, o grego de então aprendia tanto a governar quanto a ser governado, assim como notou
Aristóteles.

Enfim, se nenhuma sociedade inventou a vida política, as duas sociedades em questão inventaram,
por meios bem diversos, o político, isto é, a fusão entre comunidade e poder.
Quando, há alguns meses apenas, em Paris, meu amigo Adauto Novaes propôs que eu
abrisse este terceiro ciclo de conferências consagradas à descoberta do Brasil com uma
exposição sobre a Grécia clássica intitulada “A invenção da política”, logo achei a ideia
excelente e senti-me tão honrado com a proposta que aceitei de pronto. Foi depois (tarde
demais!) que me pus a pensar. Afinal, perguntei-me eu, para que falar da Grécia quando se
trata da origem do Brasil? E, sobretudo, por que falar da invenção grega da política? Não
teria qualquer povo, à sua maneira, inventado a política e, entre eles, por que não, os
índios da América de antes de Cabral? É verdade que os gregos são sólidos inventores em
todos os domínios (na mesma época, inventam a ciência física, a demonstração
matemática, a pesquisa histórica, a reflexão filosófica, para não falar dos cânones estéticos
e da tragédia). E isso é verdade também no campo político: uma boa parte de nosso
vocabulário político vem do grego — “tirania, “monarquia”, “democracia”, “aristocracia”,
“oligarquia” e em particular a palavra “política”, derivada da Polis grega. Além disso, é
claro que os primeiros pensadores políticos foram gregos, sejam eles historiadores
(Heródoto, Tucídides), sofistas (Protágoras) ou filósofos (Platão, Aristóteles). Mas entre
inventar palavras ou conceitos e inventar a coisa, a política ela mesma, há um abismo.
Refletindo melhor, essa ideia de atribuir-lhes a invenção da política pareceu-me mesmo
tão perigosa, quanto falsa.

Ideia perigosa porque etnocêntrica. Seria, me parece, fazer do político privilégio de um só


povo e em particular do povo do qual a civilização ocidental vangloria-se de ser herdeira.
Seria relegar à sombra do apolitismo ou do pré-político todas as formas de vida em
comum anteriores aos gregos e sobretudo exteriores à civilização europeia. Porém, o que
poderia fundamentar a superioridade desse modelo de poder para que tenhamos o direito
de qualificá-lo, e a ele só, de “político”?
Ideia falsa porque isso seria confundir a vida política com uma de suas formas. Ora, todos
os povos vivem politicamente. A partir do momento em que houve humanidade em
alguma parte da terra, houve política. E isso todos nós sabemos… desde os gregos! A
primeira sociedade particular na qual se reconheceu que a política não é característica de
uma sociedade particular, mas do homem em geral, foi a sociedade particular grega.
Assim, Protágoras explica que os homens devem viver politicamente, pois lhes faltam as
qualidades biológicas de que dispõem as outras espécies animais para poder sobreviver na
luta pela vida, e devem, portanto, se unir e dar prova das virtudes necessárias à
cooperação e à vida em comum.

Platão explica a vida política a partir da insuficiência dos homens para satisfazer
individualmente as próprias necessidades e da necessidade da divisão do trabalho.
Aristóteles vê no homem um “animal político” por definição, isto é, um ser que vive
naturalmente em comunidades políticas e que não pode ser feliz senão nessa vida com
seus semelhantes.

Era, portanto, à natureza em geral, ou pelo menos à natureza do homem, e não ao gênio
grego em particular, que os pensadores gregos atribuíam a invenção da vida política.
Sempre se pode, é claro, “ser mais realista que o rei” e atribuir aos gregos um privilégio
que nem eles mesmos se concediam! Ou então dizer que a invenção particular dos gregos
é justamente essa: a consciência de que eles nada têm de particular, o reconhecimento da
universalidade do político, mas seria ainda uma vez confundir a reflexão política e a vida
política, o conceito e a coisa. Mais vale concluir: ser fiel aos gregos, a seu gênio único, é
dizer que o político é constitutivo do homem. Não existem inventores do político. Ele está
na natureza do homem, que não o inventou…

E eu não deveria ter aceitado esta conferência.

E deveria menos ainda por situar-se ela no quadro de um ciclo consagrado à descoberta do
Brasil. Ora, se todos os homens sempre viveram politicamente, esse é em particular o caso
dos índios do Brasil de antes da descoberta. E era precisamente o que os descobridores
europeus recusavam-se a reconhecer. Das tribos tupinambás, ele diziam com desprezo:
“Sociedade sem fé, sem lei, sem rei”.

Mas era só porque eles não reconheciam sua fé, sua lei, seu rei, e porque identificavam o
político com sua realização nas sociedades de onde eles próprios vinham, nas quais
reinavam monarquias “absolutas” e “de direito divino”. Ao pretender falar, em um ciclo
consagrado à descoberta do Brasil, da invenção grega do político, eu iria não somente ser
infiel à mensagem grega a respeito da política, mas repetiria os mesmos erros da
descoberta do Brasil.

Todavia, tendo aceitado, devo continuar. Devemos, portanto, nos deter um instante nessa
descoberta grega da universalidade do político. O que significa aqui “político”? O que
seria esta vida política constitutiva da vida humana, segundo os gregos?
De ordinário, o termo “político” não evoca de forma alguma um caráter geral da vida
humana, mas certos homens em particular (os “políticos”, deputados ou ministros, ou os
militantes), certos aspectos determinados da vida humana (ambição, popularidade, lutas
pelo poder…), certos momentos privilegiados da vida pública (campanhas eleitorais,
manifestações), ou ainda certos setores da vida social (por oposição à economia, à cultura,
à educação…). É preciso romper com essas imagens para compreender a essência do
político e sua ligação com o humano em geral. É preciso também mudar de método: não
mais enumerar empiricamente aquilo que é político, mas deduzir a priori o seu conceito,
esforçando-se para imaginar o que aconteceria sem política.

Duas coisas seriam possíveis. Poderíamos imaginar, para começar, o homem vivendo
como a maioria dos animais, em estado isolado ou em casais erráticos que se formariam
de maneira mais ou menos sazonal, quem sabe em pequenos grupos familiares mais ou
menos estáveis. Sabe-se que esse não é nunca o caso. Além dos indivíduos, dos casais, dos
grupos de consanguíneos, existe sempre outra comunidade que os inclui, uma comunidade
que tem uma permanência no tempo transgeracional e uma identidade no espaço
transfamiliar.

Em outras palavras, existem comunidades políticas. Eis então um ponto acertado. Dizer
que o homem vive politicamente é dizer que, de fato, vive e que, de direito, ele não
poderia, indubitavelmente, viver fora dos laços que o unem a essa comunidade
relativamente estável que transcende as relações biológicas. Uma comunidade política
assim tende efetivamente a conservar sua unidade mantendo-se como espaço de
coexistência, como meio de troca de bens reais ou simbólicos — as mercadorias, as
palavras ou as mulheres, para retomar a tricotomia de Lévi-Strauss — e como recinto de
uma experiência histórica idêntica, passado e porvir, real e imaginária. Nunca é somente o
laço biológico que reúne os homens, embora às vezes os mitos originários que eles
transmitem ou a ideologia nacionalista (a do sangue) que circula entre eles façam com que
acreditem descender, todos, de um ancestral comum, fundador longínquo da linhagem ou
pai da comunidade: esse tipo de ilusão, como qualquer outro laço simbólico, tende a
soldar a comunidade e mantê-la unida. Concluamos este ponto: uma tribo, uma Cidade
antiga, uma nação moderna, um império, uma federação são comunidades políticas;
aqueles que fazem parte dela têm uma memória comum e um sentimento de pertinência,
distinguindo o interior (nós) e o exterior (eles), muitas vezes até, mais radicalmente, o
amigo e o inimigo, o civis do hostis.
O interior é, ou antes, deveria sempre ser, a paz. O exterior é, ou antes, sempre poderia
ser, a guerra. A vida política é, portanto, a vida dessa comunidade enquanto tal, o que faz
com que ela seja e permaneça sendo uma comunidade, além de todos os riscos internos
(desordens, dissensos) ou ameaças externas (agressões, guerras).

Contudo, o comunitário não é suficiente para definir o político. Aliás, o próprio fato de
que sejam necessários, por exemplo, as crenças, os mitos ou as ideologias que acabamos
de evocar para garantir o laço politico, mostra bem que a vida política não é natural ao
homem como a respiração o é. Os homens não vivem na comunidade como um peixe na
água. Eles vivem todos e sempre de modo político, mas isso não quer dizer que tal
aconteça sem esforço nem coerção. Eis o paradoxo: eles vivem necessariamente em
comunidades políticas, mas não podem fazê-lo sem coerção, isto é, sem política,
justamente. E viver politicamente é isso. É como se a natureza os obrigasse a viver contra
a sua natureza. E essa dupla natureza é o político.

Expliquemo-nos. Perguntávamos há pouco o que aconteceria em um mundo onde seres


em tudo semelhantes aos homens vivessem sem política. Nesse mundo, dizíamos, esses
homens, que homens não seriam, poderiam viver dispersos, ou seja, fora de qualquer
comunidade política. Mas existe outra possibilidade. Nesse outro mundo, seres que não
seriam mais homens do que os precedentes poderiam viver nessas mesmas comunidades,
mas sem política. Eles viveriam serenamente, harmoniosamente, no mais perfeito
entendimento, sem conflito, estariam na comunidade, no seio de seus semelhantes como
um peixe na água; a comunidade se manteria por si só em sua unidade e se reproduziria
sozinha. Nenhuma necessidade de rei, de regras, de proibições, de castigos, de uma
polícia, de um governo, em suma, de uma instância política para assegurar a
sobrevivência da comunidade contra ela mesma ou contra as agressões exteriores, para
evitar ou regrar os conflitos etc. Em uma palavra, nenhuma necessidade de um poder.
(Esta quimera de uma comunidade sem poder, ou pelo menos dotada de um poder não-
coercitivo, sem exército nem polícia, alimentou inúmeras utopias desde T. More até certas
teorias “anarquistas” ou “comunistas”. Pode-se compará-la com um outro mito, o do
paraíso como lugar imaginário onde os homens poderiam viver sem trabalhar. Como as
utopias comunistas imaginavam um lugar onde as comunidades políticas poderiam viver e
se perpetuar satisfazendo as próprias necessidades sem a obrigação do trabalho. Sem
dúvida, o trabalho é para o homo economicus o que o poder é para o homo politicus. Eles
são, um e outro, as duas faces da maneira humana de viver aqui embaixo.)
A política define-se, portanto, por dois traços essenciais. É preciso uma comunidade e é
necessário que, no próprio seio dessa comunidade e não fora dela, exista uma instância de
poder. Existe política a partir do momento em que uma comunidade se coloca a questão
do poder ou desde que o poder exercido por alguns (tais indivíduos, tais castas ou tal
classe social) se exerça no quadro de uma comunidade e tendo em vista o seu modo de
vida. Dissemos poder e não hierarquia, autoridade ou comando. Talvez existam
comunidades não-hierarquizadas, pode-se discutir essa possibilidade. Mas é certo que
existem certas comunidades hierarquizadas, nas quais alguns homens comandam outros
homens, mas que não têm poder político propriamente dito. Dessas comunidades, pode-se
dizer que têm uma política, mas não que sejam comunidades políticas. É o caso, por
exemplo, de uma universidade ou de uma empresa. Uma empresa moderna é uma
comunidade fortemente hierarquizada, onde existem relações de autoridade, onde
decisões são tomadas, ordens são dadas: logo, existe nesse sentido uma “política da
empresa”. Mas não é uma comunidade política porque, nesta, as ordens e decisões só
podem ser aplicadas, pelo menos normalmente, se forem garantidas pelo direito ou pela
força do Estado, isto é, pelo poder propriamente político.
Tais são, portanto, os dois aspectos opostos e complementares constitutivos do político: de
um lado, o comunitário, de outro o poder. Não há política sem a ideia de uma comunidade
separando o “nós” e o “eles”. Mas também não há política sem um poder que assegure, e
geralmente pela força, a continuidade da existência da comunidade.

Embora os dois polos do político estejam sempre associados nas sociedades humanas,
como as duas faces de uma mesma moeda, é importante notar que conceitualmente eles
são perfeitamente distintos. E, em certo sentido, até antagonistas. É o que prova o
estranho laço que mantêm com a natureza do homem. É como se esta última fosse
contraditória. Se, de fato, os homens pudessem viver naturalmente em harmonia, sem
paixões egoístas, o poder seria supérfluo, a vida política seria espontaneamente uma vida
comunitária; então seria possível uma comunidade sem poder, uma sociedade sem polícia;
em outras palavras, uma vida política sem política. Se, inversamente, a concórdia fosse
contranatura para os homens, se eles não pudessem viver juntos, se fossem por natureza
rebeldes a qualquer sociedade, viveriam isolados, e a vida política reduzir-se-ia à
violência e à guerra, isto é, não haveria nenhuma diferença entre a comunidade (onde
reina, em princípio, sempre a paz) e seu exterior (onde pode sempre reinar a guerra).
Ainda aqui, seria o fim do político. Os homens, são, portanto, de uma natureza tal, que
querem viver em comunidade, no entanto só podem fazê-lo sob coerção. Eles são
essencialmente sociáveis, mas é preciso forçá-los a entrar em sociedade e a acomodar-se
aos outros. É o que Kant, em célebre fórmula, chamava de “insociável sociabilidade”.
Essa natureza contraditória do homem traduz a dupla essência do político — a menos que
seja o inverso. E é por isso que a história da filosofia política parecia hesitar bastante entre
esses dois conceitos do político: ou o político é definido a partir do laço social — e o
poder é então um simples meio de garanti-lo; ou é definido a partir das relações de
coerção, de comando e de luta — e a comunidade é um simples meio de realizar sonhos
de poder ou a perpetuação amortecida de uma violência originária. Ora as filosofias
políticas são teorias da sociedade e do bem comum e ao mesmo tempo projetos de
sociedades melhores; ora são teorias do poder (como alcançá-lo, conservá-lo), do bom
governo (como comandar os homens, administrar as coisas) e de excelência da ação
(oportunidade, decisão). As duas tendências, bem entendido, estão mais ou menos
presentes em todos os autores, mas sua preponderância determina todavia estilos teóricos
distintos. Não é difícil ver que os primeiros muitas vezes pintam o politico sob uma
claridade luminosa, vendo nele a realização do Bem, enquanto os segundos insistem na
inelutável perfídia do político, vendo nele um mal necessário.

Tais são, portanto, a essência contraditória do político e sua ligação com a natureza
contraditória do homem. Eis por que todos os homens sempre viveram politicamente, do
bando primitivo ao Estado moderno. Nenhuma sociedade é mais política que a outra.
Nenhum homem inventou a política… E nenhuma razão justifica que eu lhes fale aqui da
invenção da política.

No entanto, se houvesse uma sociedade na qual os dois conceitos opotos que definem o
político — de um lado a comunidade, de outro o poder — se encontrassem reunidos a
ponto de serem confundidos, indistinguíveis, poder-se-ia dizer de tal sociedade que ela, a
seu modo, fundou a possibilidade da unidade do político e inventou, de certa maneira, seu
conceito — um conceito único e não duplo. Se houvesse uma comunidade que, em lugar
de manter-se por meio de um poder distinto dela mesma (uma instância organizada para
esse fim, um chefe todo-poderoso, um grupo dirigente, uma classe dominante, um
Estado), se conservasse em sua unidade apenas por sua própria potência, uma sociedade
na qual o poder político só pudesse ser localizado na comunidade política em seu
conjunto, poderíamos dizer dessa sociedade que ela realizou a ideia do político. Tal
conceito de político, no qual se confundem os dois polos da comunidade e do poder, tem
um sentido? Alguma vez existiu uma sociedade que realizasse esse conceito? Creio que
sim. E vejo até duas — e nenhum delas é qualquer uma. Vejo justamente a Grécia clássica
e… os índios do Brasil de antes da descoberta!

Consideremos, de fato, as sociedades indígenas da floresta, tais como descritas por P.


Clastres (La société contre l’État).
Existe, é claro, uma instância política, encarnada nos chefes (os mburuvicha). Mas, salvo
algumas exceções — atestadas por alguns grupos arawak localizados no Noroeste, onde
as chefias são organizadas em castas eles não gozam de nenhum poder coercitivo; o papel
do chefe é “apaziguar as querelas, regular as discórdias, não através do uso de uma força
que ele não possui e que não seria reconhecida, mas fiando-se apenas nas virtudes de seu
prestígio, de sua eqüidade e de sua palavra. Mais que um juiz que sanciona, ele é um
árbitro que procura reconciliar”.

Logo, segundo a expressão de R. Lowie ele é um “fazedor de paz”, uma instância


moderadora do grupo — e isso graças unicamente à sua palavra: é por isso que somente
um bom orador pode ascender à chefia. O dever do chefe não é comandar, mas falar. Ele
não dispõe de nenhum domínio direto das coisas ou dos homens, mas somente das
palavras. Sua palavra tem como função restabelecer a ordem interior lá onde a desordem
ameaça, reacomodar a unidade do grupo cada vez que o tecido social estiver correndo o
risco de esgarçar. Mas esse tecido social e essa unidade da comunidade, não está em seu
poder criá-los, assim como não dispõe de nenhuma arma, de nenhuma polícia ou milícia
para garantir a ordem; o chefe tem autoridade, mas não tem poder; a unidade e a ordem
não emanam dele, mas da própria sociedade: confundem-se com ela. Não é ele, portanto,
quem exerce o poder sobre ela, é ela que exerce o poder sobre ela mesma através e por
intermédio da palavra do chefe — pelo menos em tempo de paz, pois durante as
expedições guerreiras o chefe adquire poder soberano e autoridade absoluta sobre todos.
Falar para fazer a paz, comandar para fazer a guerra, estas são as duas funções opostas do
chefe indígena — e, por assim dizer, as duas maneiras de garantir a existência da
comunidade. Em tempo de paz, a coletividade é a fonte de todo poder, e o chefe lhe é
subordinado, não tendo senão uma função mediadora; em tempo de guerra, o chefe é a
fonte de todo poder, exerce um função de comando, e os membros da coletividade lhe são
subordinados.
Assim, ao contrário de um poder que se exerce do exterior sobre a sociedade, um poder
que, a exemplo do Estado moderno, dispõe do monopólio do direito e da força, para fazer
de um monte de indivíduos um todo, é a própria coletividade que exerce, sem nenhuma
violência, obrigação ou coerção, se não a sua própria existência, um poder absoluto sobre
todos os seus membros, sobre todos aqueles que a compõem e que ela reúne em uma
unidade. É assim que, como escreve ainda uma vez P. Clastres, a “propriedade essencial
da… sociedade primitiva é exercer um poder absoluto sobre tudo aquilo que a compõe, é
proibir a autonomia de qualquer um dos subconjuntos que a compõem, é manter todos os
movimentos internos que alimentam a vida social, conscientes e inconscientes, dentro dos
limites e da direção desejada pela sociedade” (La société contre l’État, p. 180). Todo o
esforço da sociedade volta-se para impedir a constituição de um poder autônomo e
estranho a ela mesma. Podemos ver o que opõe esse tipo de sociedade primitiva às
sociedades modernas dotadas de um Estado. A sociedade primitiva resiste à possibilidade
de nascimento do Estado concentrando em si mesma todo o poder possível, na
coletividade como tal: nada de individual escapa ao império do coletivo. É o inverso do
Estado moderno: o Estado define-se como poder absoluto e autônomo em relação à
sociedade e como única autoridade legítima que a controla. Mas, em compensação, essa
exterioridade do Estado em relação à “sociedade civil”, ou seja, essa onipotência do
Estado em detrimento da coletividade permite, mais ou menos, a existência de uma esfera
de liberdade para os indivíduos, deixa uma margem de independência, variável mas certa,
às pessoas, às famílias ou aos grupos e garante um “jogo” para os movimentos
multidirecionais da sociedade e para as ações centrípetas de seus membros, suas opiniões
ou seus interesses. Ao concentrar no Estado, isto é, fora dela mesma, todo o poder, a
sociedade moderna renuncia à onipotência da coletividade sobre os indivíduos e os grupos
sociais. Inversamente, ao concentrar nela mesma todo o poder, que a cada instante só se
exerce na palavra precária e desarmada do chefe, a sociedade primitiva renuncia a toda
forma de violência legal, mas renuncia ao mesmo tempo a toda forma de lei, que é o que
define o livre jogo da ação individual, garantindo-a. É nos regimes totalitários, nazismo
ou stalinismo, onde são reduzidas a nada a identidade e até a existência da sociedade civil,
que o Estado, por assim dizer, absorve o poder que, de ordinário, é exercido pela
coletividade enquanto tal sobre os indivíduos e os grupos, e concentra, por assim dizer, as
duas onipotências, aquela que é habitualmente sua, o monopólio da força e do direito, e
aquela que, nas sociedades sem Estado, cabe à comunidade, a potência de unidade e de
conformidade ao coletivo enquanto tal (até mesmo, como é o caso do nazismo, com o
mito da unidade de proveniência original própria das sociedades primitivas). Assim, o
Estado totalitário moderno aparece com a absolutização de um poder exercido contra a
sociedade, assim como a sociedade indígena aparece, simetricamente, como a
absolutização do poder exercido pela sociedade sobre ela mesma. À “sociedade contra o
Estado” dos tupis-guaranis, respondeu, cinco séculos mais tarde, “o Estado contra a
sociedade” dos regimes totalitários.

Percebe-se, portanto, em que sentido é possível dizer que os índios do Brasil de antes da
conquista inventaram de certa forma a ideia do político. Justamente no sentido em que são
“sem fé, sem lei, sem rei”. Isso não é sinal de que vivem de maneira não-política,
conforme a interpretação dos conquistadores, mas, ao contrário, de que realizam a
essência do político, sem a mediação de uma fé para garantir sua autoridade, de uma lei
para fazer reinar a ordem e de um rei para ordenar. Não há necessidade de uma fé para
acreditar na palavra do chefe, não é um livro sagrado que dá fundamento ao poder, que
não precisa ser fundamentado, pois se confunde com a existência mesma do grupo. Não
há necessidade de rei comandando seus súditos, nem mesmo de uma instância
enunciadora das leis para viver politicamente. É através dessas ausências, que não são
faltas e sim recusas inconscientes da sociedade, que se define a unidade do político. Pois a
instância comunitária, longe de ser, como é o caso na maioria das sociedades, distinta da
instância coercitiva, forma com ela uma só, que é a própria instância política.

Existe outra sociedade histórica que, por vias totalmente diversas, realizou ela também a
unidade das duas instâncias políticas opostas, aquela pela qual os homens vivem juntos e
aquela pela qual eles se submetem uns aos outros. Trata-se da Cidade grega, mais
exatamente da Atenas clássica do século V.

É sabido, com efeito, que os gregos inventaram uma forma de vida em comum na qual o
poder político é exercido pela própria comunidade política. Trata-se da “democracia”? De
fato, costuma-se dizer que os gregos inventaram a democracia. Mas se entendemos por
democracia aquele regime sob o qual vivemos desde, por alto, o século XVIII, então isso
é falso. O regime que conhecemos sob esse nome tem uma origem histórica bem diferente
daquela da Grécia — foi tecido por três revoluções: a inglesa, a americana e a francesa —
e repousa sobre princípios totalmente diversos daqueles da democracia ateniense, que
aliás não se chamava a si mesma de “democracia”, mas de “isonomia” (= lei igual ou
distribuição igual [do poder]).
Há, no entanto, entre os dois regimes, a “democracia” antiga e a moderna, dois princípios
gerais comuns, aliás complementares. O princípio de soberania do povo e o princípio da
igualdade política de todos os membros da comunidade política. Esses princípios comuns
são suficientes para que se diga que, nos regimes que hoje chamamos de democráticos, é a
coletividade que exerce o poder sobre ela mesma? Não, pois esses dois princípios gerais
encontram-se completados e realizados em nossos dias em dois princípios particulares que
têm justamente como objetivo, ou pelo menos como efeito, garantir a exterioridade entre a
comunidade e o poder, enquanto na democracia antiga, ao contrário, esses dois princípios
gerais vêem-se completados e realizados em dois princípios particulares que têm como
finalidade garantir a mais completa identidade possível entre as duas instâncias
constitutivas do político.

Nos regimes modernos, de fato, o primeiro princípio, o da soberania popular, se exerce e


se realiza por meio de representantes (os deputados, os senadores, talvez os ministros) —
o que é uma ideia perfeitamente estranha aos gregos e totalmente estranha à tradição
democrática. Recordemos os propósitos severos de Rousseau contra a ideia de
representação: “A Soberania não pode ser representada, pela mesma razão que não pode
ser alienada…”; e o povo que vive sob este regime [o povo inglês] “pensa ser livre; está
muito enganado, ele só o é durante a eleição dos membros do parlamento; tão logo estes
são eleitos, ele se torna escravo, ele nada é. Nos curtos momentos de sua liberdade, o uso
que faz dela bem merece que ele a perca” (Do Contrato Social, III, XV). E, como mostra
B. Manin em seu livro Principes du gouvernement représentatif, o regime de
representação destinava-se justamente, no espírito de seus fundadores, a afastar os
membros da própria comunidade das decisões políticas e a reservá-las para alguns
cidadãos particularmente selecionados. Ao contrário, na democracia o princípio de
soberania popular se realiza imediatamente, e essa soberania se exerce na Assembleia do
Povo, a Ekklesia, que é responsável em conjunto pelas principais decisões tomadas pela
comunidade e para esta, a Polis: lá, as proposições são feitas por qualquer cidadão, e,
depois de debatidas, as decisões são tomadas por maioria de votos. Pode-se perceber que
em um dos casos a ideia de soberania popular não impede a constituição de um órgão de
poder independente da própria comunidade (o Parlamento) e a constituição de um grupo,
aquele dos “homens políticos”, especializado nos negócios de todos, enquanto, no outro
caso, todo o esforço da instituição política parece destinado a garantir o exercício real do
poder político por todos aqueles que fazem parte da comunidade política.
Nos dois regimes — “democracias” antiga e moderna — o princípio geral de soberania
popular é completado por um segundo, a igualdade política de todos os membros da
comunidade. Mas ainda uma vez, tal princípio se realiza de duas maneiras opostas. Entre
nós, os Modernos, essa igualdade se realiza essencialmente na operação de escolha dos
governantes, a eleição dos representantes segundo o princípio do sufrágio universal; uma
cabeça, uma voz. E nada nos parece mais democrático que esse princípio. Não era assim
entre os gregos, para quem a eleição é, por definição, um princípio antidemocrático, o
princípio do governo que eles mais frequentemente opõem à democracia: a oligarquia. De
fato, no espírito de seus defensores, a eleição serve para selecionar a priori aqueles que,
no entendimento geral, são mais competentes para exercer determinados cargos dirigentes
essenciais. Portanto, o duplo pressuposto da eleição é: de um lado, apenas “alguns”
(oligoi), os melhores, devem exercer as funções de comando; em outras palavras, os
interesses de todos dizem respeito à competência de alguns (pressuposto “tecnocrático”:
poder da competência); de outro, uma competição entre os pretendentes a tal cargo deve
permitir que se escolham os melhores — é a eleição, na qual intervêm nascimento,
influência, autoridade, reputação pela experiência do passado, proposições para o futuro e
outras considerações (pressuposto “aristocrático”: poder concedido aos melhores). Mais
uma vez, é possível ver que o funcionamento dos regimes pseudodemocráticos modernos
tem como efeito, se não por fim, confiar a alguns os interesses de todos, reservar o
domínio político para uma elite especializada, ou seja, separar a instância do poder
daquela da comunidade.

Muito diferente era o que acontecia com os antigos, entre os quais o princípio de
igualdade não se realizava no sufrágio universal, mas em três instituições complementares
que realmente completam o princípio de soberania popular: a isègoria ou igual direito de
todos à palavra política, a rotatividade dos cargos e o sorteio — instituição absolutamente
oposta à eleição, e verdadeiramente definidora da democracia antiga.

Comecemos então por ele. Na democracia ateniense a seleção dos políticos se fazia
essencialmente através do sorteio.
À primeira vista, isso parece absurdo, ainda mais porque o sorteio diz respeito a
numerosas e importantes funções: são escolhidos dessa forma não somente a maioria dos
“magistrados”, isto é, os funcionários da administração pública (cerca de 600 dos 700
magistrados do século V), mas também os 500 membros do Conselho (a Boulè,
Assembleia que prepara as reuniões e aplica as decisões da Assembleia do Povo), assim
como todos os membros dos tribunais populares, os 6.000 heliastas que dispunham de
importantes funções políticas, pois a Heliéia acabava funcionando como uma espécie de
“Conselho Constitucional” encarregado de controlar a legalidade das decisões da
Assembleia. A eleição, que está no princípio do regime aristocrático, é a exceção na
democracia e não concerne senão os cargos públicos que necessitavam, aos olhos dos
atenienses, de competências especiais, essencialmente as funções militares (em particular
os “estrategos”, o que valeria a Péricles a eleição para tal magistratura quase vinte vezes)
— às quais virão se juntar no século IV as magistraturas financeiras. Como explicar essa
instituição do sorteio, que parece politicamente enigmática e mesmo irracional, pois,
conforme observavam os antigos adversários da democracia, Xenofonte e Platão, permite
que qualquer um, não importa quais sejam as suas aptidões, exerça uma função pública?

O sorteio democrático por muito tempo pareceu tão irracional para os historiadores
modernos, que outrora eles o explicavam por razões religiosas. A sorte, diziam eles, não
era para os gregos um acaso cego, mas vontade divina: são os deuses e não os homens que
escolhem aqueles que desejam colocar à frente da Cidade. Essa interpretação é, hoje,
unanimemente rejeitada. Observa-se primeiramente que a aparente irracionalidade da
instituição é temperada pelas seguintes considerações: não poderiam ser escolhidos senão
os candidatos voluntários, o que, tendo em conta o peso dos encargos e dos riscos incursos
em caso de má gestão, implicava uma auto-seleção severa; depois os candidatos eram
submetidos a um exame — a dokimasia — não de suas competências, mas de suas
virtudes cívicas; em seguida, todos os cargos sorteados eram assumidos colegialmente, o
que diminuía os efeitos nefastos de escolhas infelizes e conferia um papel determinante à
deliberação coletiva; por fim, cada magistrado poderia ser suspenso em curso de mandato
por um voto da Assembleia, sob a simples acusação de qualquer cidadão, e deveria de
todas as formas, ao final do mandato, “prestar contas” publicamente de sua gestão.
Mas não basta que a irracionalidade do sorteio seja temperada por essas condições de
aplicação para que possa ser justificada politicamente. Ele se torna, contudo, facilmente
explicável e perfeitamente legítimo na medida em que se guardam na memória os
conceitos que destacamos: o sorteio é o sistema mais eficaz para impedir a constituição de
uma instância do poder distinta da instância da comunidade — e em última instância
oposta a ela; é também o único sistema que permite que todos os membros da
comunidade, enquanto tais e não como políticos especializados, participem de seu
governo. Examinemos essa questão mais de perto.

Para compreender melhor a razão de ser do sorteio, é preciso aproximá-lo de um outro


princípio do funcionamento da democracia, o princípio da “alternância dos cargos”, que
significa duas coisas: para começar, negativamente, que ninguém poderia exercer por duas
vezes o mesmo cargo — o que implica, dado o número de postos a preencher em relação
ao número de cidadãos, que uma proporção importante deles deveria ser levada, mais dia
menos dia, ao exercício de uma função pública; mas o princípio de alternância implica
também, positivamente — é um ponto sobre o qual os democratas gregos insistiam —,
que todo o cidadão deveria ser alternadamente “governante e governado”.

É justamente o que define, para Aristóteles, a virtude cívica; “ser capaz de bem comandar
e bem obedecer” (Pol. III, 1277-27). Só pode comandar bem, deleitavam-se os gregos em
repetir, quem obedeceu.

Conforme observa B. Manin: “A alternância dos cargos fundamentava assim a


legitimidade do comando. O que conferia títulos de comando era o fato de ter ocupado a
outra posição” (Principes du gouvernement représentatif, p. 46). E tem mais: “na medida
em que aqueles que comandavam num dia haviam obedecido anteriormente, eles tinham a
possibilidade de levar em consideração, em suas decisões, o ponto de vista daqueles a
quem as decisões eram impostas(…) Melhor ainda (…): aquele que comandava num dia
era dissuadido de tiranizar seus subordinados porque sabia que teria, em outro dia, que
obedecer-lhes” (ibid., p. 47).

O princípio da alternância e o princípio do sorteio formam, portanto, um sistema e


definem um regime que visa à mais perfeita adequação entre aqueles sobre os quais se
exerce o poder — ou seja, a comunidade — e aqueles que o exercem, a mais perfeita
identidade entre os dois polos do político.
Mas esse princípio do sorteio democrático — oposto ao princípio oligárquico da eleição
— forma um sistema sobretudo com a instituição complementar que realiza a igualdade
dos membros da Cidade democrática, a isègoria. Sabe-se que, na Assembleia do Povo,
órgão da soberania popular, todos os cidadãos são convidados a se levantar para opinar
sobre a decisão a ser tomada ou a lei a ser votada. De forma que a democracia implica não
apenas que se tomem decisões em maioria, mas sobretudo que a elas se chegue por meio
do debate público, isto é, da defesa argumentada das posições opostas. E lá onde
prevalece a autoridade da deliberação coletiva domina a persuasão e, portanto, a retórica.
É o que acontece em todos os lugares políticos em que se joga coletivamente a sorte da
Cidade: tribunais, assembleias populares ou reuniões comemorativas. É o que observa
Aristóteles, que assim nos leva a distinguir três tipos de retóricas, nas quais se opõem o
justo e o injusto, a fim de julgar o que foi feito no passado (retórica judicial do tribunal); o
útil e o inútil, a fim de julgar o que convém fazer no futuro (retórica política da
Assembléia do Povo); ou o bem e o mal, a fim de que a Cidade possa lembrar seus valores
presentes (retórica epidíctica das reuniões cívicas).

Mas isso leva Aristóteles a fundar o caráter naturalmente político do homem em sua
aptidão para a palavra, pois o homem está não somente predisposto a viver em sociedade
(apto a viver em comunidade, como outras espécies gregárias) — o que, segundo a análise
que propusemos, é apenas uma das duas condições do político —, mas também a nela
viver politicamente, isto é, a colocar justamente a questão do poder — o que constitui para
nós o outro polo do político. Essa aptidão para o poder, no entanto não se manifesta de
modo algum, para Aristóteles, na capacidade natural de certos homens para comandar, por
exemplo, mas precisamente na aptidão de todos para falar — a falar não para dar ordens
aos outros ou para expor-lhes a ordem do mundo, mas para argumentar, opor prós e
contras, dizer o bem e o mal, o justo e o injusto.
Ora, o que é notável é que essa ligação entre o político e a linguagem está inscrita na
instituição mesma da isègoria: todos os homens, e todos os homens igualmente,
simplesmente na medida em que falam, estão aptos a viver em comunidade e,
precisamente porque falam e podem dizer o justo e o injusto, a participar do poder da
referida comunidade. Encontra-se no funcionamento da isègoria até mesmo uma
aplicação do princípio igualitário idêntica àquela que se encontra na instituição do sorteio.
De um lado, o órgão supremo da decisão política, a Assembleia: através da instituição da
democracia direta, ela está aberta igualmente a todos os membros da Cidade, e, pela
instituição da isègoria, a palavra é dada a todos os cidadãos voluntários, de modo que
todos aqueles que querem colocar sua opinião a serviço da Cidade podem pesar
igualmente na decisão, qualquer que seja a sua competência a priori; o funcionamento é
no fundo análogo para as magistraturas, órgãos do governo e de administração pública:
elas são abertas igualmente a todos os membros da Cidade e, através da instituição do
sorteio, a tarefa é confiada a todos os cidadãos voluntários, de modo que todos aqueles
que queiram colocar as próprias qualidades a serviço da administração pública possam
pesar igualmente, qualquer que seja a sua competência a priori.
Pode-se ver, portanto, como a Cidade grega e seu regime isonômico, bem melhor que as
ditas democracias modernas, aplicam, em seus princípios de funcionamento, os princípios
gerais de soberania popular e de igualdade de todos. A democracia moderna aplica o
princípio da soberania popular por meio de representantes e não dá igualdade a todos
senão como direito de eleger os próprios representantes. Tudo se passa como se esse
regime se esforçasse para constituir, fora da comunidade política da qual ela deveria
emanar, uma instância separada encarregada de exercer sobre ela o poder e de governá-la
do exterior. A democracia antiga, ao contrário, aplica o princípio de soberania popular por
intermédio da isègoria, e além disso dá, através do sorteio, direito igual a todos de
participar da administração pública. Tudo se passa como se esse regime se esforçasse para
impedir qualquer dicotomia entre a comunidade e o poder e para reconciliar as duas
instâncias do político. De modo que, a despeito de seus dois princípios aparentemente
comuns, a democracia antiga e a democracia moderna são na verdade dois sistemas
opostos. A democracia parlamentar permanece sendo um regime politicamente “bipolar”
entre comunidade e poder, entre governados e governantes, entre coletividade de todos
aqueles que vivem politicamente e a casta estreita daqueles que vivem da política, mesmo
que — por oposição a todos os outros regimes — a ideia de representação pareça oferecer
a garantia de que o segundo polo saiu do primeiro, que é um seu reflexo depurado,
filtrado, como que ideal. Por oposição, a Cidade democrática oferece um dos raros
exemplos de regime “unipolar”, em que nenhum grupo particular da coletividade
monopoliza o político e onde nenhum setor particular da vida pública é excluído da vida
política. É como se tudo o que fosse comum fosse político porque todos aqueles que
participam do comum são políticos. É por isso que a Atenas democrática nos parece uma
das raras sociedades a não viver politicamente, seria o caso de todas, mas a inventar uma
maneira política de viver baseada na essência una do político.
Desse ponto de vista, e a despeito do abismo que separa as duas sociedades, suas
dimensões, seu modo de produção econômica, suas relações sociais, seu estágio de
desenvolvimento técnico, sua cultura, sua história, existe justamente uma analogia entre a
tribo tupi-guarani de antes da descoberta do Brasil e a Cidade ateniense. Tudo se passa
como se uma e outra se esforçassem para impedir a constituição de uma esfera do poder
político autônoma. Sem dúvida, nos dois casos verifica-se certamente o exercício de uma
função propriamente política e órgãos encarregados de exercê-la: o chefe entre os índios,
as Assembleias e magistrados em Atenas. Mas, a despeito das aparências, nem um nem os
outros são distintos da sociedade. Eles não têm, por eles mesmos, nenhum poder, sua
autoridade depende de um poder que está na própria sociedade, a coletividade tribal de um
lado, a Cidade reunida do outro. O chefe indígena não tem outro poder se não aquele de
que a coletividade dispõe sobre seus próprios membros e que ele se limita a relembrar em
seu discurso. Assim também, o que permite que os órgãos políticos governem Atenas não
é o seu próprio poder, pois eles não são, em sua composição como em seu modo de
funcionamento, mais do que a comunidade, ela mesma sendo atriz de sua própria vida,
sujeito e objeto do político. E, assim como P. Clastres pode falar da tribo indígena como
de uma “Sociedade contra o Estado”, pode-se dizer que Atenas era uma “Cidade contra o
Estado”, se entendemos por Estado o aparelho que, nas sociedades modernas, monopoliza
o poder político, isto é, o direito e a força que se impõem a todos.

Talvez seja possível levar mais longe o paralelo. Vimos que a tribo indígena é política
justamente ao ser, como, sem perceber, bem diziam os primeiros colonos, “sem fé, sem
lei, sem rei”. Assim também, mutatis mutandis, para a Cidade grega. É claro, como os
índios, os gregos são religiosos; seus deuses são até deuses cívicos. Mas, como observa
M. Finley, “a religião não fornecia nenhuma justificação doutrinal ou ética, no sentido
próprio, nem para a estrutura do sistema [político] como um todo, nem para as ações
realizadas ou projetadas pelo poder”.
Da mesma forma, os gregos clássicos não têm um monarca — é, aliás, o que chocava os
seus visitantes estrangeiros na antiguidade, assim como chocava os conquistadores
ocidentais dos índios no século XV. Ao arauto de Tebas que se espanta com tal ausência,
Teseu responde, em As Suplicantes: “Esta cidade não é governada por um só homem; ela
é livre. Nela o povo é rei; cada um recebe o poder alternadamente por um ano. Ela não
concede nenhum privilégio à fortuna, mas os pobres e os ricos nela possuem direitos
iguais (404-408).” Por fim, sem dúvida, os gregos dispõem de leis, ao contrário dos índios
— eles talvez até sejam os inventores da ideia moderna de lei, fórmula geral que
determina direitos e deveres sem distinção de pessoa. Mas não dependem de nenhuma lei
anterior nem exterior a seu próprio poder absoluto de legiferar, não obedecem a nada além
das leis que conscientemente deram a si mesmos, e enquanto eles próprios não se dotarem
de outras. Conforme observa C. Castoriadis, no caso da Grécia antiga, existe um
“reconhecimento do fato de que a fonte da lei é a própria sociedade, de que nós fazemos
nossas próprias leis, de onde resulta a abertura da possibilidade de colocar em causa e em
questão a instituição existente da sociedade, que não é mais sagrada”.

Nesse sentido, o nomos grego, que no século V significava apenas “costume” e opunha-se
à necessidade, à constância e à universalidade da natureza, é tão frágil e precário quanto a
palavra do chefe indígena. Em todo caso, nada que o iguale ao absoluto de uma lei
fundamental, à onipotência de um texto canônico ou à idéia moderna de “lei da natureza”,
necessária e universal. De modo que, do ponto de vista do fundamento de suas instituições
políticas, pode-se muito bem dizer que os gregos, eles também, são “sem fé, sem lei, sem
rei”.
Eis então o primeiro princípio, aquele da soberania: nossas duas sociedades, indígena e
grega, têm soberania absoluta sobre si mesmas. Mas existe um segundo princípio
fundamental necessário à unidade do político, aquele da igualdade de todos os membros
do corpo social diante do poder. Vimos como todo esforço das instituições
governamentais atenienses era de preservação. Pode-se mesmo acrescentar outra
instituição estranha e típica da democracia grega, o ostracismo, que permitia excluir da
Cidade por dez anos qualquer cidadão cuja reputação eminente ou cujas qualidades
excepcionais pareciam constituir uma ameaça à democracia e um risco de retorno à
tirania. Com isso, a Cidade parecia dizer a quem queria ser chefe: lembra-te de que não és
mais que os outros. Encontra-se o mesmo igualitarismo entre os índios. P. Clatres escreve:
“Em virtude mesmo do estreito controle ao qual a sociedade submete, como todo o resto,
a prática do líder, raros são os casos de chefes colocados em situação de transgredir a lei
primitiva: tu não és mais que os outros.” Pois em sua relação normal com seus
semelhantes, o chefe não se faz de chefe. Esse é o testemunho do cacique Alaykin, chefe
de uma tribo abipone do Chaco argentino, respondendo “a um oficial espanhol que queria
convencê-lo a lançar sua tribo em uma guerra que ela não desejava: ‘os abipone, por uma
ordem recebida de seus ancestrais, fazem tudo de seu jeito e não do jeito de seu cacique;
se eu usasse as ordens ou a força com meus companheiros, logo eles me voltariam as
costas. Prefiro ser amado por eles e não temido por eles’” (La société contre l’État, op.
cit., p. 177).
Existe ainda um último ponto comum entre nossas duas sociedades. Vimos que, segundo
sua função ordinária, o chefe deve garantir a unidade e a perenidade do grupo
apaziguando os conflitos internos unicamente através da autoridade de sua palavra. Mas o
chefe tem também uma função excepcional em caso de agressão exterior. Essas duas faces
da vida política encontram-se em todas as sociedades, conforme já observamos, mas na
Atenas clássica elas se apresentam da mesma maneira que entre os indígenas. De fato, os
textos antigos que descrevem a vida política associam frequentemente os dois tipos de
líderes da Cidade em uma expressão única, “os oradores e os generais”, uma fórmula que
reunia, por assim dizer, os dois meios políticos de garantir a existência da comunidade: a
palavra entre amigos (os cidadãos) e a guerra com os inimigos. Recordemos, além disso,
que os militares, e notadamente os estrategos, fazem parte das raras magistraturas eleitas,
isto é, daquelas que supõem uma competência e sobretudo uma autoridade reconhecida e
aceita por todos (como aquela do chefe militar das sociedades indígenas). É como se as
duas sociedades inventoras do conceito de política colocassem em evidência em suas
instituições as duas relações possíveis entre a comunidade e o poder. No interior, em
tempo de paz, o poder vem da comunidade, pois quem quer que seja, chefe indígena ou
orador ático, não dispõe senão da força persuasiva de sua palavra, e suas opiniões não têm
efeito, exceto quando encontram a adesão coletiva. No exterior, em tempo de guerra, o
poder vem do exterior da comunidade, do guerreiro indígena ou do estratego ateniense: é
como se ela lhe delegasse por um tempo, aquele em que sua própria existência se encontra
ameaçada, seu próprio poder, um poder do qual, de ordinário, ela não abria mão e que se
confunde com a potência de falar para convencer.

Pois é evidentemente pelo papel central, e por assim dizer único, que nossas duas
sociedades, indígena e grega, concedem à arte retórica, na vida política, que elas são as
mais próximas uma da outra. Sabe-se que, na Atenas clássica, o nascimento e o
desenvolvimento da retórica estão ligados ao nascimento e ao desenvolvimento da
democracia. E é bem natural: se é o povo que é soberano, e não um homem ou uma casta,
o poder real vem não daquele que fala, mas daqueles a quem ele se dirige. São eles que
decidem. A única competência possível, nessa concepção do político onde não existe
competência política, é a arte de persuadir, a retórica. Por isso, pode-se dizer que Atenas é
uma “civilização da palavra pública”. Tudo que deriva do comum, isto é, da comunidade
política, deve ser colocado em comum, isto é, comunicado pela palavra. O mesmo
acontece, conforme vimos, com o chefe indígena. Como ele não tem outro poder que não
aquele que lhe vem de todos, não tem outra função a não ser a de falar, e uma só
competência exigida, a retórica.
Mas façamos um resumo. Eu deveria, no quadro de um ciclo sobre a descoberta da Brasil,
falar-lhes da invenção da política na Grécia. Mas todas as sociedades, não importa quais
sejam, parecem inventar a política à sua maneira, pois todos os homens, sempre, vivem
politicamente, ou seja, em comunidades políticas e em conformidade com relações de
poder, sendo os dois constituintes heterogêneos do político. Eu não deveria, portanto, ter
aceitado esta conferência. No entanto, percebemos que existem sociedades cujas
instituições inventam a ideia do político, pois conseguem reunir os dois polos opostos – e
trata-se justamente das sociedades indígenas dos tempos do descobrimento e das Cidades
democráticas gregas. Em certo sentido, portanto, fiz bem, finalmente, em aceitar o
desafio. Com a condição de frisar que a Atenas antiga, a despeito da inventividade
extraordinária de suas instituições políticas, não gozava, no plano dos princípios, de
nenhuma exclusividade, pois parecia apenas ter reencontrado a intuição primeira de certas
sociedades primitivas, notadamente as indígenas, e inscrito em suas instituições o seu
princípio fundamental: a comunidade é o princípio e o fim de todo poder;
consequentemente, a coletividade é soberana, e todos os seus membros o são igualmente.
Tal seria então a invenção do político.

Invenção do político, talvez. Mas trata-se da invenção da política? Não haveria, desse
ponto de vista, um privilégio dos gregos?

Retomemos o último ponto comum entre os índios tupis-guaranis e a Atenas clássica, a


onipotência da retórica, e vejamos de fato como ela se realiza nos dois casos. O que faz o
chefe indígena para persuadir os eventuais criadores de tumulto a se acalmarem? P.
Clastres observa que “os meios do chefe limitam-se ao uso exclusivo da palavra nem
sequer para arbitrar as partes, pois o chefe não é um juiz e não pode, portanto, tomar
partido de um ou de outro, mas para tentar, armado unicamente de sua eloquência,
persuadir as pessoas de que é preciso apaziguar-se, renunciar às injúrias, imitar os
ancestrais que sempre viveram em bom entendimento” (La société contre l’État, p. 176).
Assim, a palavra do chefe “não é feita para ser ouvida”. Ritualizada, ela diz,
cotidianamente e em horas fixas: “Nossos antepassados estavam bem vivendo como
viviam. Sigamos o seu exemplo e, dessa maneira, levaremos juntos uma vida agradável”
(ibid., p. 135). Oporemos essa retórica àquela dos oradores áticos.
Três traços as distinguem. Enquanto a palavra do chefe é uma palavra essencialmente
repetitiva, ritualizada, cujo conteúdo é mais ou menos sempre o mesmo, não importa
quem sejam os ouvintes ou a situação crítica, é rompendo com todas as formas rituais de
discurso que nasce a retórica. O orador de Assembleia deve inventar argumentos sem
cessar, modelá-los para seu público particular e sobretudo adaptá-los à situação presente e
à crise singular que a Cidade enfrenta. É por isso que é tão difícil ser um bom orador;
também é por isso que, desde a aparição da retórica no século V, proliferam Manuais
retóricos que tentam inferir os procedimentos de persuasão dos auditórios. Mas nenhum
deles, nem mesmo o de Aritóteles, vai conseguir enunciar receitas gerais de sucesso, fixas
e certas, pois a regra de ouro do discurso é aquela do misterioso kairos, regra sem regra,
princípio de oportunidade e de ocasião.

Há uma segunda diferença entre os dois usos da retórica, o do chefe indígena e o dos
oradores antigos. O discurso do chefe é, por assim dizer, dele para a comunidade. Não é
assim entre os gregos. Sem dúvida, por oposição à dialética, que é a arte da argumentação
dialogada, a retórica antiga é uma arte do discurso monológico. O orador grego fala
sozinho; portanto, para a comunidade reunida. No entanto, seu discurso opõe-se, de
direito e freqüentemente de fato, a outro discurso que sustenta — ou poderia sustentar —
a tese contrária. É assim nos tribunais, na Assembleia ou nas reuniões cívicas. Trata-se
sempre de sustentar uma tese contra outra, de opor os prós e os contras: é justo ou injusto
condenar Sócrates, é útil ou nocivo à Cidade construir longos muros, é feio ou bonito
vingar-se dos inimigos? Em outras palavras, a retórica grega é sempre virtualmente
antilógica — e é por isso que ela permite, como diz Aristóteles, “concluir os contrários”
(Ret. I, 1355 a 33). Pode-se ver, desse ponto de vista, tudo que a contrapõe à arte oratória
do chefe indígena. Este não precisa saber concluir os contrários, não tem necessidade de
opor o pró e o contra, sua argumentação não se choca com nenhuma argumentação que
deveria ser refutada. De fato, ele se contenta em invocar a necessidade de fazer cessar a
discórdia entre membros da comunidade. Mas o que o orador faz é justamente o inverso!
A Cidade grega coloca em cena incessantemente a oposição de teses, põe em evidência a
contradição no discurso, representa na palavra a oposição trágica dos contrários. A
retórica, e também a política grega, imita a guerra na palavra. Ela representa o máximo de
contradição no mínimo de violência, pois toda oposição se exprime e se resolve na
linguagem. No interior da Cidade, só conta o logos; entre cidadãos, só vale a luta dos
argumentos, enquanto no exterior o combate é real, a luta armada. É como se nessa
disputa interna, que causa tanto temor aos membros da sociedade primitiva a ponto de
eles fazerem tudo para apaziguá-la, para negá-la, a sociedade grega se deleitasse em
afirmá-la, em exacerbá-la — jogá-la politicamente para evitar que se torne apolítica.
E há uma terceira diferença entre as duas retóricas, e não se refere mais à forma do
discurso ou a seu contexto, mas à sua mensagem. O chefe indígena tem um argumento
essencial para manter a ordem: a imitação dos ancestrais: como estes últimos permitiram
que a sociedade se perpetuasse tal como era até a sociedade tal como é, deve-se voltar à

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