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Cidadania e Ética

Cidadania e Ética

1ª edição
2019
Autoria Francesco Napoli
Parecerista Validador Homero Nunes Pereira

*Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência.

Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte


desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos
direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Unidade 5
5. Sistemas Políticos

Para iniciar seus estudos


5
Nesta unidade, veremos uma série de temas que frequentam nossas
timelines nas redes sociais: direita, esquerda, democracia e contrato social.
Como lidar filosoficamente com esses termos? Prepare-se para conhecer
mais sobre os sistemas políticos do ocidente.

Objetivos de Aprendizagem
• Contrastar os espectros políticos de direita e esquerda a partir de
suas formulações históricas.

• Diferenciar as teses contratualistas a partir de seus contextos


históricos.

• Identificar o conceito de democracia de uma perspectiva


iluminista.

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Introdução da unidade
Nesta unidade, você conhecerá os sistemas políticos do ocidente por meio de um estudo que, inicialmente,
aborda as teses de contrato social de autores como Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau, Friedrich Nietzsche
e Sigmund Freud. Buscaremos compreender as origens históricas dos conceitos de esquerda e direita a partir da
Revolução Francesa, além de entender como esses termos aparecem na sociedade brasileira atual. Para tal, faz-se
imprescindível compreendermos o conceito iluminista de democracia, que é a base de nossos sistemas políticos.

5.1 Sistemas políticos

5.1.1 O contrato social – natureza e cultura

Figura 23 – Pinturas pré-históricas

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Os ancestrais do homo sapiens viviam, como todas as outras espécies, inseridos na natureza e se comportando
de modo semelhante ao de qualquer primata. Em algum momento, nossos ancestrais desceram das árvores e
constituíram as civilizações. Não se trata, porém, de um único evento, que teria acontecido de uma só vez, mas,
sim, de um processo muito longo, repleto de descontinuidades, complexo e muito difícil de ser compreendido.
Esse processo é um elemento essencial para compreendermos o conceito de “contrato social”.

Vários autores propõem possibilidades de explicações para esse tema, que são conhecidas como teses
contratualistas, ou seja, teorias que tentam explicar como se deu esse processo de ruptura com a natureza. Se os
ancestrais do ser humano, assim como todas as outras espécies, estavam inseridos em um contexto selvagem,
agindo conforme seus instintos, por meio de violência, tentando disfarçar os predadores e surpreender suas

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presas, hoje, o que define a conduta de todos os Homo sapiens do planeta Terra é a cultura. Então, podemos dizer
que houve, em certa medida, um processo de ruptura com a natureza em direção à cultura.

Charles Darwin (1809-1882), naturalista britânico, conseguiu demonstrar que sua tese – a teoria da evolução
– seria a melhor maneira de compreender a origem das espécies e convenceu a comunidade científica da
ocorrência da evolução, propondo que ela se dá por meio da seleção natural e da adaptação. Esse fato corroborou
as teses contratualistas que passaram a ser interesse de várias áreas das ciências humanas, desde a filosofia até a
antropologia, a psicologia e a sociologia.

5.1.2 O contrato social de uma perspectiva clássica

Figura 24 – Thomas Hobbes (1588-1679)

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

A ideia de que o homem já esteve inserido na natureza antecede Darwin. Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo
inglês do século XVII, já concebia uma condição em que os homens, antes do contexto civilizatório, viveriam em
um estado de natureza, no qual o homem seria o lobo do homem. Esta famosa frase aparece em uma de suas
principais obras, Leviatã, na qual Hobbes utiliza essa metáfora, de um monstro bíblico, para simbolizar o poder
de um governo centralizador, que reuniria o Estado e a Igreja. Como a Idade Média representou um longo período
de fragmentação política, fazia-se necessário, naquele momento histórico vivido por Hobbes, um discurso que
exaltasse o conceito de Estado nacional. Na medida em que a ideia de Estado laico só apareceria posteriormente,
a concepção de Estado que se desenvolve, desde o renascimento, é sempre a de uma monarquia, que tem o
rei como um representante de Deus na Terra. De qualquer forma, o argumento hobbesiano quer conceber um
Estado que seja produto dos próprios homens, e não da ação divina. Nesse sentido, é possível afirmar que Hobbes
dá as bases para aquilo que, no Iluminismo, se chamará Estado laico, pois ele quer ressaltar o aspecto humano da
ideia de Estado, ou seja, algo que foi criado pelos homens para os homens, sem origem divina.

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Estado laico é aquele que tem uma posição que busca sempre a neutralidade no campo
religioso, não apoiando, nem discriminando nenhuma religião, de modo que todas possam
coexistir em suas diferenças, e as leis sejam feitas para todos, independentemente da
religião, título ou classe social. Para aprofundar sobre o tema, pesquise A Laicidade do
Estado Brasileiro, de Joana Zylbersztajn.

Como você sabe, todas as formas de organização humana, da mais primitiva aldeia até a mais cosmopolita
cidade, sempre tiveram elementos mitológicos e religiosos mesclados às suas regras e leis, ou seja, aos seus
contratos sociais.

Em outras palavras, as formas de organização social sempre foram mediadas por tradições e costumes que
envolvem valores religiosos. O Iluminismo veio apresentar um discurso antimonárquico e pró-republicano em
busca de um Estado que permita a coexistência de várias formas de manifestação religiosa por meio da liberdade
de crença. Mesmo depois dessa ruptura entre Estado e Igreja, ainda há muito a se trilhar na busca por um Estado
efetivamente laico.

Por mais que os países ocidentais tenham saído da condição de monarquias e aderido, de
várias formas, ao ideal republicano, há uma mescla de elementos tradicionais ligados aos
costumes que adentram as legislações por meio do próprio sistema democrático e ameaçam
esse aspecto tão caro à democracia que é a laicidade do Estado. No Brasil, por exemplo,
temos uma bancada evangélica que, muitas vezes, age de modo antirrepublicano ao querer
impor valores religiosos e conservadores à sociedade.

Faremos agora uma rápida comparação entre os pensadores Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau (1712-
1778). Hobbes concebe o contrato social a partir da ideia segundo a qual o homem, em um estado de natureza,
seria violento e se comportaria de modo selvagem. Nesse contexto, o homem exerce um tipo de liberdade que o
permite fazer o que quiser por meio de seus instintos, sem considerar a existência de seu semelhante. O Estado
seria o “Leviatã”, esse monstro que estaria em todos os lugares, regulando a conduta dos indivíduos, de modo
que, mesmo sozinhos e distantes do olhar dos outros, continuem se comportando de acordo com as leis do
contrato social. Já para o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, o Estado, ao invés de ser o mediador da ordem,
seria a própria fonte da corrupção humana.

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Figura 25 – O Leviatã

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Se, para Hobbes, o homem é essencialmente mau, pois, no estado de natureza, prevalece a selvageria e a guerra
de todos contra todos, para Rousseau, o homem inserido na natureza seria essencialmente bom e a própria
civilização o teria corrompido. Ambos partem do pressuposto de que existiria um estado primitivo, originário, que
antecederia a civilização. Para Hobbes, porém, esse estado seria um verdadeiro caos, no qual homens viveriam
uma guerra constante; para Rousseau, haveria uma harmonia nesse estado primitivo, por meio da qual o homem
viveria em comunhão com a natureza.
Como você sabe, os povos indígenas brasileiros, antes da chegada dos europeus, não tinham o conceito de
propriedade privada. Para um indígena, não havia sentido dizer que a terra poderia pertencer a determinado
homem. O indígena, ao contrário de se sentir dono da terra, se sentia, na verdade, pertencente à terra. Essa outra
perspectiva de pertencimento se chocava de modo brusco com a noção de propriedade e individualidade da
cultura judaico-cristã europeia. Rousseau dizia que, quando o primeiro homem, ainda no estado de natureza,
cercou um pedaço de terra e afirmou “isso me pertence!”, se iniciou a causa de todas as mazelas humanas. A
propriedade privada seria, para Rousseau, o elemento decisivo de ruptura entre natureza e cultura e, ao mesmo
tempo, o início da civilização e, consequentemente, da corrupção desse bom selvagem que amava a natureza e
convivia em harmonia com ela.
Rousseau é considerado o pai do romantismo. Ele influenciou Marx e representa uma perspectiva diferente entre
seus contemporâneos iluministas.

5.1.3 O contrato social de uma perspectiva contemporânea

Na contemporaneidade, outros pensadores desenvolveram teorias contratualistas. Um autor contemporâneo


que se aventurou no universo das teses contratualistas é Friedrich Nietzsche (1844-1900), que, no texto
intitulado Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, tenta explicar a origem do impulso à verdade, que

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levou homem a buscar respostas para as questões filosóficas. Segundo Nietzsche, o elemento de ruptura entre
natureza e cultura seria o surgimento do intelecto na espécie humana. Nietzsche concebe o intelecto como um
meio de conservação da espécie, ou seja, assim como todas as demais espécies desenvolvem suas soluções de
sobrevivência, o homem, ao invés de ter garras e dentes, desenvolveu a capacidade de enganar seus predadores
por meio do intelecto. A linguagem seria um recurso produzido pelo intelecto humano, por meio da qual se
deram os contratos sociais. Ou seja, toda nossa moral e busca pela verdade das coisas têm, como origem, esse
recurso evolutivo – que chamamos de intelecto –, que surgiu com o intuito de enganar o predador por meio de
inúmeras artimanhas. Nietzsche, em tom de denúncia, nos chama a atenção para este fato: buscamos a verdade
das coisas por meio de algo que evoluiu para enganar.

O intelecto, como um meio para a conservação do indivíduo, desdobra suas forças mestras no
disfarce; pois este é o meio pelo qual os indivíduos mais fracos, menos robustos, se conservam,
aqueles aos quais está vedado travar uma luta pela existência com chifres ou presas aguçadas
(NIETZSCHE, 1978).

O intelecto humano, portanto, não teria nenhuma missão mais vasta que o conduzisse para além da vida
humana. Nietzsche nos chama a atenção para o fato de que essa atitude demasiadamente antropocêntrica é
extremamente prepotente, audaciosa e arrogante, já que o homem é guiado, muitas vezes, apenas pela vaidade.
Segundo Nietzsche, todo homem quer ter seu admirador, desde um carregador de carga até o mais vaidoso dos
homens: o filósofo (que se coloca como centro do mundo para tentar explicá-lo). Segundo Nietzsche, a vaidade
seria o principal impulso que levaria o homem à busca pela verdade, deslegitimando essa busca. Portanto, a ideia
de civilização, da qual tanto nos gabamos, não passaria de mais uma forma de comportamento das espécies, que
tem semelhanças com os modos como os demais animais se portam. Só que nós, ao invés de usarmos garras e
dentes para nos relacionarmos, usamos o intelecto.

Figura 26 – A mitologia egípcia

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

O recurso que Nietzsche utiliza é a analogia do homem com o resto dos animais; assim, ele descreve o intelecto
de forma naturalista, como um meio para a conservação do indivíduo. Nietzsche ainda diz que o intelecto
está a serviço de uma falsificação. Rogério Antônio Lopes (2006), especialista em Nietzsche, afirma que essa
falsificação, da qual o intelecto está a serviço, desencadeia uma sucessão de equívocos que se dão inicialmente

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em uma esfera epistêmica, ou seja, do conhecimento, e, posteriormente, na esfera moral. Nietzsche nos diz que
o homem desenvolveu o intelecto para conseguir sobreviver, enganando seus predadores e surpreendendo suas
presas; a partir daí, por meio do intelecto, o homem cria a linguagem. Veja que a linguagem é sempre falha e
nunca consegue abarcar a complexidade do mundo. Então, segundo Nietzsche, o intelecto nos daria uma visão
simplificada dos processos naturais, fazendo com que possamos manipular o real conforme nossos interesses
vitais. Dessa forma, uma segunda falsificação se faz presente: já que o homem compreende a si mesmo a partir
das mesmas categorias ficcionais e estas não são vistas como instrumentos, mas, sim, como a essência última
das coisas, o homem acaba por inventar suas perguntas e respostas, verdades e mentiras.

Nietzsche, portanto, supõe que, em algum momento da história natural do homem, o intelecto era usado
somente de forma “privada”, havendo, então, um processo de estabelecimento de um mundo comum, mediado
pela linguagem. É em meio a esta mera convencionalidade que o predicado “verdadeiro” teria sido utilizado pela
primeira vez. Para Nietzsche, nós, humanos, inventamos a linguagem e, portanto, ela é tão falha quanto tudo o
que é humano. O contrato social seria fruto do intelecto, algo que foi concebido naturalmente. Essa perspectiva,
de alguma forma, insere o homem na natureza novamente, ao ampliar o conceito de natureza e problematizar a
dicotomia entre natureza e cultura.

Um dos muitos pensadores contemporâneos que tiveram influência de Nietzsche foi o pai da psicanálise,
Sigmund Freud (1856-1939). Esse autor também dialoga com as teses contratualistas. Em sua obra intitulada
Totem e tabu, Freud, a partir de Darwin, faz uma inferência, segundo a qual o homem, em um estado primitivo,
se comportaria sexualmente como a maioria dos outros animais, ou seja, um único macho alfa copularia todas as
fêmeas. Dessa forma, o elemento de ruptura entre natureza e cultura seria o incesto, por meio do qual o indivíduo
se vê obrigado a reprimir seu instinto e abrir mão de sua filha para que outro macho a copule. Freud imagina que
os homens, em algum momento, percebem que aquele macho alfa, que representa a liderança e a segurança da
horda, que defende todos os outros e que também é o primeiro a comer a caça, satisfaz seus instintos de modo
pleno, em detrimento de todos os outros indivíduos, que, para tal, teriam de enfrentar esse líder e, por meio de
força, destituí-lo, matando-o ou expulsando-o do bando, para assumir seu lugar. A ruptura que Freud imagina é
o momento em que os outros machos não mais assumem esse lugar do macho alfa ou “pai de todos” e instituem
uma primeira regra civilizatória, que seria o tabu do incesto. Dessa forma, os homens iniciariam um processo de
repressão de seus instintos, originando aquilo que virá a ser o superego, esta instância do aparelho psíquico que
representa a lei e a razão. A civilização, portanto, seria, segundo Freud, fruto de um longo processo de repressão
de nossos instintos.

Figura 27 – Sigmund Freud

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

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Segundo Freud, a psique ou o aparelho psíquico humano é formado por três estruturas
designadas id, ego e superego. O id seria o inconsciente, essa herança arcaica que carregamos
conosco, que busca sempre o prazer. O ego é o princípio de realidade, nosso eu, que está
em constante construção, cujo objetivo principal é satisfazer os desejos do id, de modo
socialmente aceitável. O superego representa a própria lei e tem a função de supervisionar e
reprimir, por meio de punição ou sentimento de culpa, qualquer impulso que seja contrário
às regras e ideais por ele ditados, mantendo a relação com a realidade e forçando o ego a se
comportar de acordo com a moral.

5.2 A esquerda e a direita

5.2.1 Revolução digital, futebol e política

O que é direita e esquerda em política? O que é ser conservador? O que é ser liberal? O que significa socialismo?
O que é comunismo?

Figura 28 – Manifestação contra a ditadura – Brasil 1970

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Aqui no Brasil, desde junho de 2013, quando aconteceram as jornadas de manifestações por todo o país, vemos
as redes sociais sendo utilizadas de um modo diferente, bem mais politizado. Antes do Facebook, houve uma rede

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social a qual assistimos o surgimento e o desaparecimento, o Orkut, que tinha um aspecto mais lúdico e menos
sério. Fazíamos depoimentos para nossos amigos e familiares e compartilhávamos piadas e imagens agradáveis,
até acontecer uma quebra desse comportamento e as pessoas ressignificarem as redes politicamente. Em nossa
história recente, essa ruptura coincidiu com o que alguns historiadores chamam de segunda fase da revolução
digital, quando a internet passou a ser acessada por meio de dispositivos móveis, como os Iphones e Androids.
A partir daí, todas as pessoas se viram obrigadas a posicionarem-se politicamente, por meio de uma espécie de
“efeito futebolístico”. No Brasil, o futebol tem um papel muito importante na constituição de sentimentos de
pertencimento e identidades. A Copa do Mundo, de alguma forma, promove esse encontro entre nacionalidade
e paixão pelo futebol.

No Brasil, os principais rituais cívicos se dão diante da Seleção Brasileira de Futebol. Em época
de Copa do Mundo, todos os brasileiros costumavam pintar as ruas e hastear a bandeira do
Brasil. Por isso, o jogo no qual o Brasil perdeu para a Alemanha por 7 x 1 é um marco em nossa
forma de percepção de identidade nacional e explicita como é complexa essa identidade.

Figura 29 – Torcedoras brasileiras

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Esse modo eminentemente passional de lida do torcedor com seu time do coração foi transferido para a política,
promovendo uma falsa polarização. Nesse momento, passam a aparecer termos políticos, ampliando o vocabulário
dos frequentadores das redes sociais. Direita, esquerda, conservadorismo, liberalismo, socialismo, comunismo
etc. passam a frequentar nossas timelines, praticamente obrigando a todos que se posicionem politicamente. Há
alguns anos, não ter um time de futebol era algo quase inaceitável, e esse fenômeno transferiu-se para a política.
Nesse momento são reveladas as posições de quem já tinha um pensamento politizado e também daqueles que
nunca haviam pensado nisso e que agora escolhem suas posições a partir de uma polarização forjada. Vamos
entender primeiramente de onde vieram as expressões “esquerda” e “direita” em política.

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5.2.2 Esquerda e direita

O uso político dos termos esquerda e direita é oriundo da Revolução Francesa, quando, em 1789, dois grupos
políticos rivais – os liberais, conhecidos como girondinos, e os extremistas, conhecidos como jacobinos –
sentaram-se, respectivamente, à direita e à esquerda no salão da Assembleia Nacional da França. Nesse contexto,
os girondinos, que eram a elite, não quiseram se misturar aos jacobinos, que representavam os mais pobres.
Dessa forma, os girondinos, que se posicionaram à direita, defendiam que a Revolução Francesa fosse liberal,
ou seja, antimonárquica, com o fim dos privilégios da nobreza e do clero, por meio de igualdade perante a lei,
possibilitando o bem-estar individual. Já os jacobinos, além de também defenderem o fim dos privilégios do clero
e da nobreza, defendiam os direitos dos trabalhadores e dos mais pobres, por meio de uma noção de bem-estar
coletivo e uma radical investida contra os ricos. Como os girondinos derrotaram os jacobinos, prevaleceu, no
mundo ocidental, um tipo de liberalismo que colocou os interesses das classes dominantes hierarquicamente
posicionados como prioridades em detrimento das classes mais pobres. Podemos dizer que esse movimento da
Revolução Francesa deu as bases do modo como os sistemas políticos se comportariam no mundo ocidental.
Por isso dizemos que a direita é tida como conservadora e tradicional, enquanto a esquerda é vista como
revolucionária e progressista.

Figura 30 – Fonte intitulada Monumento aos Girondinos – França

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

Posteriormente, um significado mais associado ao senso comum partia do pressuposto segundo o qual a direita
seria o poder estabelecido e a esquerda seria a oposição. No Brasil, essa concepção caiu por terra quando, em
2002, um partido tido como de “esquerda” assume o Poder Executivo e se torna um dos maiores partidos políticos
do Brasil. Para o filósofo político Norberto Bobbio (1909-2004), embora os dois lados busquem realizar reformas,
uma diferença crucial seria que a esquerda busca promover a justiça social, enquanto a direita empreende uma
busca pela liberdade individual.

Portanto, tanto a direita quanto a esquerda têm origem na Revolução Francesa, mas, após a queda do muro de
Berlim em 1989, um novo e diverso cenário político se abriu. Os termos esquerda e direita passaram a não mais
dar conta da complexidade e diversidade política do século XXI.

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Podemos dizer que são de esquerda pessoas que se interessam pela eliminação das desigualdades sociais. Já o
discurso de uma pessoa de direita parte do pressuposto de que as desigualdades seriam naturais e, enquanto tal,
não seriam elimináveis. Uma pessoa que se posiciona no espectro político de direita afirma que as desigualdades
sociais poderiam ser diminuídas, favorecendo a competitividade geral, minimizando, assim, a proteção social e
maximizando o esforço individual. Já uma pessoa que se posiciona à esquerda no espectro político vai dizer que o
Estado precisa proteger o cidadão da competição social, pois a solidariedade viria sempre antes da competitividade.

O pressuposto principal da perspectiva da direita, em termos de economia, seria aquele segundo o qual quem
melhor se adaptaria ao meio ambiente econômico enriqueceria, sempre dando continuidade à sua dinastia. Por
isso, o indivíduo de direita tem uma tendência a se preocupar com a defesa da tradição, herança e costumes
conservadores.

Já o pressuposto principal da perspectiva da esquerda seria aquele segundo o qual a condição humana seria
fundada pela negação da herança natural. Marx afirmava que a modernidade nos deu a oportunidade de
“tomarmos as rédeas da história”, ou seja, o sistema capitalista é fruto de um processo histórico que não foi
necessariamente pensado e planejado, mas, sim, produto de uma série de acontecimentos históricos à revelia do
homem. Portanto, a modernidade seria o momento em que tomaríamos consciência desse fato e passaríamos a
controlar a história e, por meio da razão, eliminaríamos a pobreza, fornecendo vida digna para todos os homens
do planeta.

No Brasil, a polarização entre esquerda e direita se fortaleceu após o Golpe Militar, em 1964. Aqueles que se
diziam contra o Golpe eram tidos como de esquerda, e os que o apoiavam eram de direita. Hoje, o espectro
político é bem mais amplo e abrange várias nuances (extrema-esquerda, esquerda, centro-esquerda, centro,
centro-direita, direita e extrema-direita). Na extrema-esquerda, há aqueles que ainda defendem a ideia marxista
de ditadura do proletariado e outros que defendem a ideia de combate à autoridade, vinda do anarquismo. A
extrema-esquerda reúne igualitarismo e autoritarismo. Quanto à extrema-direita, temos como exemplos o
nazismo e o fascismo.

Figura 31 – Campo de concentração em Auschwitz - Alemanha

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

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Como o regime nazista é algo extremamente desumano, é normal que a direita queria
se desassociar de qualquer coisa que se refira a ele. Inclusive, há um discurso que tenta
classificar o nazismo como sendo de esquerda. De qualquer forma, atualmente, os grupos
neonazistas e supremacistas brancos se dizem de extrema-direita, e tanto o fascismo quanto
o nazismo tinham aversão ao comunismo, defendendo, assim, a moral e os bons costumes –
conservadorismo típico da direita.

No meio dessas tendências, localizados mais à direita, encontramos conservadores, democratas-cristãos, liberais
e nacionalistas e, localizados mais à esquerda, socialistas democráticos, progressistas e ambientalistas. Há ainda
o centro, que defende o capitalismo ao mesmo tempo em que se preocupa com o lado social. É o que chamamos
de terceira via, um conceito que pretende superar a esquerda e a direita.

Outro fator que aparece nos discursos da esquerda e da direita é o papel do Estado. A esquerda tende a defender
um Estado que dê conta das demandas sociais, como saúde, educação e segurança; já a direita defende um
Estado mínimo e que essas demandas, como saúde, educação e segurança, deveriam ser fornecidas à população
por meio da iniciativa privada.

Historicamente, a tese liberal que se desenvolveu no iluminismo, de um Estado que não deve intervir na
economia, se mostrou falha com a crise de 1929, na qual, após um grande crescimento econômico nos Estados
Unidos, na década de 1920, houve um desequilíbrio entre ofertas e demandas e, em um efeito dominó, várias
empresas entram em processo de falência. A solução para a crise foi a intervenção estatal na economia. O termo
neoliberalismo apareceu no vocabulário do senso comum no início da década de 1980, quando os governos de
Ronald Reagan e Margareth Thatcher se valeram de políticas de privatização de empresas públicas e de cortes em
programas sociais a fim de atingir um equilíbrio fiscal, naquele contexto de crise econômica do petróleo. Vimos
o discurso do Estado de bem-estar social declinar e o chamado Estado mínimo, com gastos enxutos, se tornar o
discurso predominante.

Valores morais, costumes e crenças também são fatores que podem ser observados nas posições de esquerda e
direita. Modificações na legislação em termos de direitos civis e temáticas como legalização do aborto, casamento
homoafetivo e legalização das drogas são entendidas como temas defendidos pela esquerda. Já a direita tende
a defender a família e os valores tradicionais. No entanto, esses temas da esquerda também são defendidos por
partidos tidos como centro-direita. Já a extrema-direita tem uma tendência a rejeitar tudo que é associado à
esquerda, levando o patriotismo ao extremo e assumindo posturas explicitamente contra os direitos humanos,
como xenofobia, antissemitismo, racismo e homofobia.

Vale lembrar que nosso ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso é de um


partido de centro-direita e defende a legalização da maconha.

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Figura 32 – Fernando Henrique Cardoso

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

5.3 Democracia

Figura 33 – Participação popular

Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.

A democracia é uma invenção grega, mas é sempre bom lembrar que o conceito de democracia que
compartilhamos na atualidade é iluminista. A democracia grega nos parece algo estranho nos dias de hoje, pois
nela não há o conceito iluminista de igualdade, oriundo do Estado laico. Democracia grega é aquela exercida

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por um grupo específico de indivíduos. Para ter voz na democracia grega, é necessário ser homem (mulheres
não têm voz), não pode ser muito novo, nem muito velho, não pode ser estrangeiro, não pode ser escravo e não
pode ser louco, ou seja, a cidadania era algo restrito. Já o conceito contemporâneo de democracia vem de uma
concepção de cidadania, que parte da divisão dos poderes em três partes. Não mais um único rei vai criar a lei
(legislar), executar a lei (gerir) e julgar, estando acima da própria lei, ou seja, nosso conceito de democracia nasce
a partir de um discurso antimonárquico e republicano. Montesquieu (1689-1755), filósofo francês iluminista,
criou a divisão dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – para que todos possam estar abaixo da lei e
o Estado não seja mais personificado na figura do rei, mas, sim, uma coisa pública gerida pelo povo, por meio da
representatividade.

Saiba mais

A origem etimológica do termo “república” nos revela essa característica do Estado que
passa a ser uma coisa. Rem, em latim, significa “coisa”, e publicae é aquilo que pertence a
todos, ou seja, a república passa a ser uma coisa, que vai ser gerida por cidadãos que serão
eleitos para representar seus iguais.

Portanto, praticamente todas as democracias ocidentais nascem de um contexto monárquico, no qual a dinastia
real, sempre tendo a Igreja a seu lado, exerce um regime autoritário, chamado de absolutismo. Nesse regime, a
relação com o rei se dá de modo passional, como que uma adoração e, então, temos uma mistura entre Estado e
Igreja. As esferas pública e privada também se misturam. É comum vermos em contos de fadas ordens arbitrárias
de reis que decretam leis, como “é proibido cortinas amarelas no reino, pois o rei não gosta mais dessa cor”. Então,
todos os súditos, por admirarem e adorarem o rei, aderem a esse gosto pessoal. Isso é uma ficção, mas coisas
semelhantes aconteceram nas monarquias europeias. Quando o rei Henrique VIII quis se separar de sua esposa
e casar-se com sua amante, o Papa não permitiu, e ele, do alto de sua autoridade absoluta, rompeu com a Igreja
católica, seguindo a tendência de reforma religiosa que ocorria no século XVI, criou uma religião cristã chamada
Anglicanismo e se autointitulou autoridade máxima dessa nova Igreja, que, inclusive, se apropriou de todas as
terras que a Igreja católica tinha na Inglaterra. Diante da conversão do rei, todos os súditos deveriam, também, se
converter. Houve perseguições religiosas que, inclusive, motivaram famílias de classe média a migrarem para as
treze colônias inglesas, que futuramente seriam os EUA, onde não havia tal perseguição.

Saiba mais

A sigla F.U.C.K, que originou o termo fuck, em inglês, tem várias explicações de origem, e
muitas são inusitadas. Uma delas nos conta que, na Inglaterra feudal, o rei deveria autorizar
as relações sexuais e dar seu consentimento. Portanto, a sigla significa fornication under
consent of the king, ou seja, fornicação sob o consentimento do rei.

A democracia é um exercício constante que depende do choque de ideias e do convívio de opostos. Os países,
que antes eram monarquias, foram se tornando repúblicas democráticas, e esse processo de adaptação leva

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tempo. Em uma monarquia, estamos acostumados a não ter de tomar decisões, nem de nos preocuparmos com
o governo, pois o rei é visto como uma espécie de pai, que fornece pão e circo ao povo. Como não há participação
em um regime monárquico, o povo tende a ter uma postura passiva e apenas aceita as decisões do rei, que é visto
como um enviado de Deus.

Já na democracia, a responsabilidade pela gestão da coisa pública, ou seja, do Estado, é do próprio povo, por
meio de um sistema de democracia representativa. No entanto, como temos uma forte herança monárquica,
há, em nós, uma tendência de passividade diante das questões políticas. No Brasil, que é uma democracia
recente, costumamos votar em um deputado ou senador e, depois, nem nos lembramos em quem votamos.
Nossa obrigação como cidadãos é acompanhar cada votação de nosso representante direto, tanto no Legislativo
quanto no Executivo e até mesmo no Judiciário. Hoje em dia dizemos que, após o 7 x 1, o brasileiro sabe mais os
nomes dos ministros do Supremo Tribunal Federal do que a escalação da Seleção Brasileira de Futebol. Será que
estamos aprendendo o que é democracia?

Síntese da unidade
Nessa unidade, foram abordados os conceitos de contrato social, direita e esquerda e democracia. Vimos que
nossos ancestrais viviam em um estado de natureza e, em algum momento, firmaram-se os pactos sociais.
Esses pactos dão as bases para aquilo que entendemos por sociedade e suas diversas formas de organização
política. No ocidente, a monarquia e a república são conceitos de sistemas políticos muito importantes para
compreendermos nossa época.

Vimos que a ideia segundo a qual o homem já esteve em um estado selvagem antecede o próprio Darwin e está
presente em muitas teses contratualistas de pensadores como Hobbes e Rousseau. Já na contemporaneidade,
essa temática continua sendo interesse de várias áreas das ciências e de pensadores como o filósofo Friedrich
Nietzsche e o médico psiquiatra Sigmund Freud, que também tentam explicar como se deu a ruptura entre
natureza e cultura.

Os espectros políticos que vão da direita para a esquerda em nosso sistema político também foram elucidados,
de modo que possamos compreender de onde vem cada lugar de fala.

Por fim, vimos que o conceito de democracia tem origem grega, mas o modo como compreendemos esse
conceito na atualidade tem uma influência do Iluminismo e do Liberalismo.

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Considerações finais
Esperamos que você tenha adquirido uma visão ampliada de nosso
sistema político e possa, cada vez mais, tomar consciência da importância
da prática constante da cidadania e do posicionamento político a partir de
seu lugar de fala. A democracia precisa do choque de ideias, do convívio
de opostos e da diversidade. Lembre-se sempre que uma sociedade na
qual todos pensam da mesma forma é algo impossível e sempre que algo
dessa ordem apareceu foi por meio de regimes autoritários. A democracia
é uma bandeira que precisa ser sempre defendida!

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