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Vera Regina Beltrão Marques

História da Educação

Edição revisada

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2012
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Marques, Vera Regina Beltrão


História da educação / Vera Regina Beltrão Marques. - 1.ed., rev. - Curitba, PR : IESDE
Brasil, 2012.
100p. : 28 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3030-9

1. Educação - História. I. Título.

12-5839. CDD: 370.9


CDU: 37(09)

15.08.12 22.08.12 038208


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Capa: IESDE Brasil S.A.


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Sumário
Introdução à História da Educação.......................................................................................5
Da História da Pedagogia à História da Educação...................................................................................5

A Educação na Antiguidade Clássica....................................................................................9


Grécia........................................................................................................................................................9

Roma.....................................................................................................................................17
Entrando pela história...............................................................................................................................17
Educando à romana...................................................................................................................................17
A educação grega revisitada.....................................................................................................................19

Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média...................................21


Como se educava o povo?........................................................................................................................21
Dos colégios às universidades..................................................................................................................22
Por que ir à universidade?.........................................................................................................................24
A formação dos ofícios.............................................................................................................................25

A modernidade educativa: o humanismo..............................................................................27


Histórias que cumpre contar.....................................................................................................................27
O Renascimento na Educação..................................................................................................................29

Os inícios da Pedagogia Moderna.........................................................................................33


Escolas reformadas...................................................................................................................................33
Educação da Contrarreforma....................................................................................................................35

A Educação da Contrarreforma aporta no Brasil..................................................................37


As escolas dos jesuítas: a formação dos clérigos e dos curumins............................................................37
As indígenas reivindicavam saber ler e escrever......................................................................................38

Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII....................................................41


As ciências chegam à escola.....................................................................................................................42
A escola moderna e a formação do homem civil......................................................................................44

No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas..................................................................47


Ainda entre clérigos..................................................................................................................................47
E as mulheres coloniais?...........................................................................................................................48
“Mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família saiba pouco ou saiba nada”.....49
Os conventos educavam as mulheres.......................................................................................................50

As luzes na Educação e o homem novo................................................................................53


A Educação dos cidadãos..........................................................................................................................54
Como deve ser a escola do homem novo?................................................................................................54
A criança entra para a história..................................................................................................................55
A quem cabia educar no Brasil setecentista?........................................................................57
Jesuítas expulsos, professores régios são contratados:
inicia-se o lento processo de laicização educacional................................................................................57
Os colégios-seminários: a Educação vetada aos judeus, negros,
mulatos e aos filhos de “uniões ilícitas”...................................................................................................59
Corporações de ofício: homens brancos
e livres aprendiam atividades manuais.....................................................................................................60

O século da Pedagogia e os vínculos


com a sociedade: a Educação oitocentista............................................................................61
Novos sujeitos passíveis de serem educados............................................................................................61
As escolas para crianças pobres; escolas para o povo..............................................................................62
A Educação dos pequenos........................................................................................................................64

Os anos Oitocentos no Brasil:


cabe derramar a instrução para todas as classes....................................................................65
Cabia formar professores..........................................................................................................................67
O ensino que profissionaliza.....................................................................................................................68
Escolas para os pequeninos......................................................................................................................68

A República sustenta o direito à Educação?.........................................................................71


Educação: questão nacional......................................................................................................................71
Templos da civilização: os grupos escolares............................................................................................71
Imigrantes e Educação..............................................................................................................................73

A Educação higienizada........................................................................................................75
A ordem médica chega às escolas.............................................................................................................75
A escola higiênica e as propostas eugenizadoras......................................................................................75
Saúde, moral e trabalho: máximas para todos..........................................................................................76

Nos tempos da Escola Nova.................................................................................................79


O manifesto, novos métodos, novos programas escolares:
o aluno está no centro do processo educativo...........................................................................................79
As classes populares tiveram acesso à Educação?...................................................................................81

Sob a Ditadura Militar..........................................................................................................85


A Educação na Constituição de 1967.......................................................................................................85
E a escola da Ditadura?.............................................................................................................................86

As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos..................................................89


Faculdades e universidades.......................................................................................................................89
Incluídos e excluídos das hostes universitárias........................................................................................91

Referências............................................................................................................................95
Introdução à História
da Educação

Da História da Pedagogia à História da Educação

A
disciplina História da Educação tem seu começo, diferentemente do que poderia se supor, no
campo da Pedagogia, e não como uma especialização temática da História. Esse procedimen-
to teria se originado na Europa e nos Estados Unidos, vinculado às Escolas Normais e aos
cursos formadores de professores. E os historiadores, até muito recentemente, pouco se debruçaram
sobre problemas alusivos à educação.
Por que isso teria acontecido?
Reportando-nos aos inícios da história da pedagogia (séculos XVIII e XIX), é possível detectar
as causas desse vínculo primeiro. Os estudos históricos realizavam-se a partir da escola, orientados
por objetivos de (con)formar técnicos e cidadãos, em duas vertentes: educação-instrução e matrizes
teóricas. História persuasiva e teoricista unificava classes sociais, pouco abordando as instituições
educativas em suas singularidades. Assim, a educação patrocinada por diferentes instituições – famí-
lia, escola, fábrica, exército, prisão, manicômios, igreja etc. – foi tratada sem que houvesse qualquer
distinção, abordada através de modelos ideais nos quais passava a caber, amparada nos grandes mes-
tres da filosofia. Contemplava-se, em especial, a história das ideias pedagógicas (CAMBI, 1999).
Já desde o segundo pós-guerra, porém, difundiam-se novas orientações historiográficas, também no campo peda-
gógico, e, ao mesmo tempo, entravam em crise alguns pressupostos daquele modo tradicional de fazer a história
da pedagogia. Iniciava-se, assim, um longo processo que levou à substituição da história da pedagogia pela mais
rica, complexa e articulada história da educação, que só em anos recentes aparece definitivamente constituída
como modelo-guia para a pesquisa histórica em educação e pedagogia. (CAMBI, 1999, p. 23)

Com essa nova orientação contribuíram saberes de outras ciências, e, como salientava Lucien
Febvre, em Combates pela História, seus estudiosos precisam ser menos historiadores e mais sociólo-
gos, juristas, geógrafos, antropólogos e não podem encarar a história como uma necrópole adormeci-
da “onde só passam sombras despojadas de substância”. É preciso penetrar na história animado pela
vontade de lutar e combater, “avivando as luzes e restabelecendo o barulho”. E convém lembrar: “o
historiador não é um juiz, nem sequer um juiz de instrução. E a história não é julgar, mas compreen-
der – é querer compreender” (FEBVRE, s.d., p. 167).
Assim, a metodologia histórica sofre, por sua vez, uma transformação radical: articula-se segundo muitos âmbitos
de pesquisa, acolhe uma multiplicidade de fontes, organiza-se em setores especializados, e cada vez mais espe-
cializados, de modo a dar vida a subsetores de pesquisa doravante reconhecidos e reconhecíveis pela autonomia
de objetos e métodos que os marca, assim como pela tradição de pesquisa que os une”. A pesquisa histórica da
educação passa a contemplar a história das teorias e das instituições escolares e formativas, a história da didática,
da infância, das mulheres ou ainda do imaginário, fosse de adultos, jovens ou crianças. (CAMBI, 1999, p. 24)

Estão assim alterados: os métodos empregados (quando se perdeu a “certeza do método”); o


tempo histórico e não mais o tempo do relógio (o qual conta pouco como, por exemplo, quando tem
as mentalidades como tema de pesquisa, e cuja mudança só é apreendida na longa duração); os docu-
mentos (não como monumento, mas efeito de interpretações) (LE GOFF, 1994).
5
Introdução à História da Educação

Modo novo de fazer a história dos eventos pedagógico-educativos, “toman-


do a noção de educação seja como conjunto de práticas sociais seja como feixe de
saberes”. Verdadeira revolução historiográfica que redesenha “o domínio históri-
co da educação e todo o arsenal da sua pesquisa” (CAMBI, 1999, p. 24).
Para que tal revolução ocorresse, em muito contribuiu a escola dos Annales.
Inspirada no marxismo,
enriqueceu e matizou sua lição ao introduzir o estudo de estruturas (ou infraestruturas)
não só econômicas, como a mentalidade, tendo em vista uma história por inteiro, que
leve em conta todos os fatores e aspectos de um momento ou de um evento histórico. Os
Annales sublinharam, assim, o pluralismo da pesquisa histórica e o jogo complexo das
muitas perspectivas que acabam por constituí-la, relacionando-a com as diversas ciências
sociais”. (FEBVRE, S.d.)

Mas o próprio marxismo, os aportes da psico-história americana, o estru-


turalismo, entre outros, não podem ficar de fora quando se aborda essa revolução
historiográfica (CAMBI, 1999, p. 24-26).
E como teria começado a história da educação no Brasil?
Warde também localiza no terreno da educação os começos dessa história.
Nossos renovadores da educação a partir da década de 1930 buscaram estabelecer
as “singularidades teóricas e práticas da educação brasileira” e para tal lança-
ram mão das matrizes científicas que a amparavam. Nesse contexto, a história da
educação foi inserida como ciência auxiliar, abordada como enfoque. As matri-
zes conferidoras do estatuto de ciência foram buscadas na Biologia, Psicologia e
Socio­logia. A História da Educação foi incorporada como matéria formadora de
natureza disciplinar, mas com o intuito de despertar valores humanos na prática
educacional. Assim a “História da Educação foi conformada para ser útil, para
oferecer justificativas para o presente e não para interpretar ou reinterpretar os
processos históricos específicos da educação brasileira” (WARDE, 1990).
O fato de a trajetória da História da Educação estar relacionada à Pedagogia e ao ensino
dificultou sua constituição como uma área de pesquisa propriamente dita. É muito recente
o movimento no Brasil, concretizado na fundação de associações, grupos de trabalho,
periódicos especializados, que insistiu na necessidade de realização de pesquisas em ar-
quivos e no tratamento historiográfico das fontes. (LOPES; GALVÃO, 2001)

Ademais, eram os próprios educadores os responsáveis pelo desenvolvimen-


to das pesquisas históricas, tarefa para a qual não tinham a formação necessária,
nem suficiente.
É claro que todo esse movimento no campo da História da Educação trouxe
também dilemas ao professor. Como ensinar aos alunos a História da Educação
dos gregos aos nossos dias, da Europa e da América, aos estudos e pesquisas hoje
desenvolvidos no Brasil?
Realizar qualquer tentativa de abarcar tamanha complexidade por meio de
um único livro, ou manual, se revestiria de uma tentativa fracassada. Fadado ao
insucesso, nosso libelo também poderia ser taxado de herético!
Heresias à parte, esse guia, em 18 lições, pretende apontar pistas, caminhos
a trilhar para o entendimento dessa importante área que é a História da Educação,

6
Introdução à História da Educação

indicando bibliografia e filmes. Logo, tenha-o como referência e leia a bibliografia


recomendada.
Este livro está elaborado a partir dos sujeitos da educação: quem tinha aces-
so às escolas em diferentes períodos históricos e como as instituições educativas
organizavam o ensino. Na educação grega e romana, “carreguei nas tintas” do
contexto histórico, pois aí estão fincadas as matrizes da pedagogia ocidental. A
escola é uma invenção da educação grega. O humanismo renascentista também
teve seu período e cenário mais detalhados, afinal marca a volta do homem para o
palco da história. O teocentrismo (Deus como centro) é substituído pelo antropo-
centrismo (homem adquire centralidade) na visão e explicação do universo e das
relações entre homem-Deus-natureza-sociedade. Claro que são transformações
que não se dão por etapas ou linearmente. Há idas e vindas: há rupturas, mas
também permanências. Lembre-se disso.
Bom estudo!

UMA CIDADE sem passado. Direção de: Michel Verhoeven. Alemanha: Globo Vídeo, 1990.

7
Introdução à História da Educação

8
A Educação na
Antiguidade Clássica
Grécia

A
civilização grega é o resultado de um amplo processo de relações socio-
culturais estabelecidas principalmente a partir de 2000 a.C.
Sobre um território estéril, de topografia montanhosa, levas sucessi-
vas de povos indo-europeus foram estabelecendo-se. Agrupando-se em pequenas
comunidades primitivas, esses povos (aqueus, jônios, eólios, dórios) ao longo do
tempo, premidos pela necessidade de novas áreas cultiváveis para a produção de
alimentos e impulsionados por movimentos de conquistas de novos territórios,
espalharam-se ao longo do Mediterrâneo.
A Grécia antiga – chamada Hélade – ocupando o sul da Península dos Bal-
cãs, as ilhas do Mar Egeu e Jônio e o litoral da Ásia Menor, constituiu um mosaico
de pequenas comunidades independentes.
Os grupos humanos dividiram-se em extensas famílias – os genos – cujos
membros, mais do que formarem uma associação natural, devido aos laços con-
sanguíneos, constituíam uma associação religiosa.
Os gregos, no entanto, não foram um povo unitário étnica e culturalmente.
A formação de reinos isolados e independentes, favorecida pela própria formação
geográfica, não impediu a elaboração de uma profunda unidade espiritual que
deu vida a uma civilização comum. “Embora geograficamente dispersa, a Gré-
cia antiga mantém uma vida cultural relativamente homogênea, que se manifesta
numa língua comum, em formas de organização política semelhantes e em mes-
mas crenças religiosas” (VALVERDE, 1987, p. 16).
Ao conformar os agrupamentos humanos em formações sociais cujas men-
talidades estavam impregnadas de crenças em divindades, a criação de mitos,
deuses e heróis daria sustentação à constituição de uma estrutura hierárquica, que
por longo espaço de tempo dominou o modo de vida da sociedade grega.

A Educação do guerreiro não é a do povo


As obras homéricas, como muitas lendas e mitos gregos, trazem à tona im-
portantes aspectos de uma Grécia arcaica, dividida em reinos independentes, social-
mente estratificados que exercitavam práticas religiosas, comerciais e culturais sob 1 A Ilíada, de Homero,
narra eventos finais da
o poder monopolizado pela aristocracia, abrigada sob o manto dos reis-guerreiros. guerra de Troia nos quais se
envolve o guerreiro Aqui-
São essas obras que dão esteio à educação heroica esboçada tanto na Ilíada quanto les e, a Odisseia, ­descreve o
retorno do herói Ulisses que
na Odisseia, voltadas aos adolescentes aristocráticos, abrangendo “tanto o aspecto vaga após a derrota de Troia
por dez anos pelos mares até
físico-esportivo quanto o cortês-oratório-musical” (CAMBI, 1999, p. 77)1. chegar a Ítaca, sua terra.

9
A Educação na Antiguidade Clássica

Esses poemas dão testemunhos da existência de um intenso vigor cultural.


São, portanto, produtos de “séculos de poesia oral, composta, recitada e transmi-
tida por bardos de profissão”, sem o auxílio da escrita (FINLEY apud CAMBI,
1999, p. 76), o que evidencia uma profunda unidade espiritual do povo grego2.
Delineando nestes escritos um ocaso dos costumes mais antigos, aponta
para a “afirmação de uma sociedade menos brutal e mais racional, que se organiza
em torno dos valores de força e da persuasão, da excelência física e espiritual, das
armas e da palavra”, elaborando um novo modo de viver e de pensar (CAMBI,
1999, p. 76). Assim, os poemas homéricos servirão – por séculos – de textos de
formação das classes dominantes.
Já em Os trabalhos e os dias, do poeta Hesíodo, outro destacado poeta do
século VIII a.C., encontramos importantes aspectos da educação voltados ao povo.
Descrevendo as difíceis condições de vida dos pequenos agricultores à mercê dos
grandes proprietários rurais e dos usurários, defende em seu poema a “necessi-
dade do trabalho como condição humana”, apontando para o papel crucial das
práticas de iniciação “para o crescimento e inserção social das jovens gerações
na sociedade adulta, sancionando uma futura maturidade do indivíduo”, como
assinala Cambi (1999, p. 77).
Em Teogonia, Hesíodo explica a criação do mundo, “ordena os vários mi-
tos contraditórios entre si, explicando os fenômenos da natureza e da história”.
Mostra que os deuses amam, traem e lutam entre si e que após a vitória de Zeus
­instalam-se no Olimpo liberando o homem de suas maquinações. A justiça de
Zeus premia ou castiga os homens, em conformidade com seus atos e responsabi-
lidades – o homem já é livre para pensar por sua conta.

A formação do cidadão
A estrutura política consolidada na Grécia antiga a partir das invasões dos
dórios no século XI a.C., ou seja, reinos independentes e territoriais, passa por
gradativas, mas profundas, mudanças. A intensificação das trocas comerciais com
o desenvolvimento de uma economia monetária, a expansão dos contatos com o
exterior favorecendo o aparecimento de novas ideias e técnicas, a conformação de
novas classes sociais, apontavam para a desagregação irreversível das formações
humanas fundadas com base na organização gentílica da sociedade.
A unidade política estabelecida em torno da figura do rei sofre profundos aba-
los diante do acirramento dos conflitos entre os diversos grupos sociais, entre as pró-
prias famílias aristocráticas, e entre essas e as camadas mais pobres da população.
As transformações econômicas, sociais, políticas e culturais decorrentes
dessa permanente tensão culminaram no desaparecimento da realeza e ascensão
2 Se Homero retrata acon-
tecimentos que teriam
ocorrido por volta de 1260 e
ao poder político por parte de uma aristocracia de ricos proprietários de terra,
1250 a.C., período anterior dando origem a uma nova forma de organização política e social – a pólis.
ao por ele vivido, sua difusão
se dá em Atenas por volta Surgida em meados do século VIII a.C., no final da época homérica, a
do século V a.C., após a sua
morte. ­­­cidade-Estado (pólis) busca responder aos desafios colocados pela evolução dos

10
A Educação na Antiguidade Clássica

acontecimentos históricos. Consolidando-se com uma “forte unidade espiritual


(religiosa e mitopoética) que organiza um território, é sobretudo aberta ao ex-
terior (comércio, emigração, colonização)” (CAMBI, 1999). As cidades-Estados
gregas eram independentes entre si. Governadas por regimes ora monárquicos,
ora oligárquicos, ora tirânicos, ora democráticos. Com frequência, envolviam-se
em acirradas disputas, somente estabelecendo frágeis alianças quando enfrenta-
vam um inimigo em comum.
Sua intensa vida comunitária influiu de maneira decisiva no desenvolvi-
mento do pensamento humano, resultando numa verdadeira revolução da menta-
lidade e da política, cujas principais características, segundo o historiador francês
Jean-Pierre Vernant (apud VALVERDE, 1987), são:
o caráter público de todas as decisões políticas, com a elaboração de leis
escritas, para que todos pudessem conhecê-las;
a ampliação do culto, perdendo a religião o caráter de saber secreto,
transformando-se numa religião de Estado, acessível a todos;
a supremacia do logos (significando palavra ou razão), retirando da
condição social e econômica o poder decisório sobre assuntos da pólis,
­transferindo-o para a força das palavras e capacidade de argumentação
dos oradores.
Esse formato de organização social e política desembocou na construção
da democracia, possibilitando a todos os cidadãos – isto é, menos às mulheres,
crianças, estrangeiros e escravos aos quais a cidadania era negada –, reunidos em
assembleias, deliberarem sobre questões de âmbito público, além de, ao estruturar
um saber que buscava explicar os diversos fenômenos sem o concurso das forças
místicas e divinas, fazer surgir a Filosofia.

As práticas e os modelos educativos


Nesse cenário, por volta do século VI a.C., começam a tomar forma as
­primeiras ideias sobre as quais se assentaria o pensamento ocidental.
A família é o primeiro espaço de socialização do indivíduo, na qual adquire
regras de comportamento, assimila sistemas de valores e concepções do mundo.
Nela as mulheres exercem um papel secundário e submisso ao homem. Sua vida
se desenvolve no interior do òikos (casa), onde fia e tece, organizando a vida da
casa entre nascimentos, casamentos e mortes, porém sob a chancela e olhares
atentos do homem. Suas funções públicas se resumem a participações em fune-
rais para lamento e choro dos mortos, para a partida e retorno do guerreiro, como
portadora do kanòun (cesto sacrificial) nos sacrifícios e nas festividades dançando
ou integrando o coro (CAMBI, 1999).
A infância é pouco valorizada em toda a cultura grega, vista como uma
“idade de passagem, ameaçada por doenças, incerta nos seus futuros”, como sa-
lienta Ariès. A criança controlada pelo “medo do pai”, que pode reconhecê-la ou
abandoná-la, é alvo de poucos investimentos afetivos (CAMBI, 1999).

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A Educação na Antiguidade Clássica

Quanto aos cidadãos, sua consciência é, sobretudo, influenciada pelas leis


que fixam ações e proibições e pelos ritos e mitos que, ao estipularem padrões
comportamentais e oferecerem uma interpretação para a complexidade do mun-
do, exercem um importante papel regulatório.
Entre os gregos, o teatro e os jogos agonísticos – ginásticos – masculino e
feminino ocupam destacado lugar na educação comunitária. Os principais autores
tea­trais (Ésquilo, Sófocles, Eurípedes) por intermédio de dois gêneros dramáticos, a
tragédia e a comédia, elegem o teatro como lugar de representações das contradições
que permeiam o corpo social, fustigam e ridicularizam comportamentos, fomentando
a reflexão e auxiliando a comunidade a educar-se a si mesma. Os jogos agonísticos,
através dos desafios e disputas, buscam alcançar, pelo uso da inteligência, da comu-
nicação e da imaginação, a excelência formativa, aspirando atingir com o domínio do
corpo uma harmoniosa e precisa atividade espiritual (CAMBI, 1999).
Esparta e Atenas ocupam papel de destaque entre as pólis gregas gerando
modelos políticos, sociais e culturais distintos entre si, mas que se consolidaram
como referência original no desenvolvimento de toda a cultura ocidental.
Nelas, dois ideais de educação vieram à luz: um, o de Esparta, desenvol-
vendo-se numa perspectiva militarista de “formação de cidadãos guerreiros, ho-
mogêneos à ideologia de uma sociedade fechada e compacta”, o outro, de Atenas,
basea­do na “concepção de paideia, de formação humana livre e nutrida de experi-
ências diversas, valoriza o indivíduo e suas capacidades de construção do próprio
mundo interior e social” (CAMBI, 1999, p. 82).
O Estado espartano constituído por volta do século IX a.C., após a inva-
são do Peloponeso pelos dórios, compreendia cinco aldeias desprovidas de mu-
ralhas rigidamente organizadas em comunidades gentílicas, localizadas no vale
formado pelo Rio Eurotas. Ao fundar diversas colônias e em busca de novas áre-
as de colonização, por volta do século VIII a.C. conquistou a vizinha Messênia,
­submetendo-a. Em meados do século VII a.C., os dórios adotaram uma política
de isolamento restringindo o contato com outros Estados além de reforçarem a
separação entre a minoria governante e os povos conquistados. “No final do sé-
culo VI a.C., depois da conquista da Messênia, o Estado espartano completou sua
organização, transformando-se em verdadeiro ‘acampamento militar” (AQUINO
et al., 1985, p. 186).
“Na verdade, toda a sociedade e a educação espartanas estavam voltadas
para a guerra”. Nesse sistema educativo, delineado pelo mítico Licurgo, as crian-
ças do sexo masculino, a partir dos sete anos, eram retiradas da família e entregues
ao Estado para que este cuidasse de sua educação. Inseridas em escolas-ginásios
rece­biam, até os 16 anos, uma formação do tipo militar que deveria favorecer a
aquisição da força e da coragem.
Das letras aprendiam apenas o indispensável; toda a educação restante dizia respeito a
bem obedecer a ordens, resistir a fadigas e vencer em combate. Por isso, ao chegar a idade,
a exercitação era mais extensa; seus cabelos eram cortados rente e habituavam-se a mar-
char descalços e a brincar quase sempre nus. Aos doze anos passavam a viver sem túnica,
recebiam um manto por ano, andavam sujos, desconhecendo o banho e os unguentos [...]
(PLUTARCO apud AQUINO, p. 187)

12
A Educação na Antiguidade Clássica

As mulheres, a quem era delegada a responsabilidade de gerar filhos sadios,


também deveriam, através da ginástica, robustecer o próprio corpo.
Além da educação dos jovens o Estado espartano impunha rígida vigilância
sobre a vida familiar dos cidadãos, preocupando-se com o casamento, e por meio
da Lei Atímica impunha penas para os celibatários.
Já o modelo ateniense de educação seguia outras premissas. A ocupação da
Ática pelos jônios, a partir do século X a.C., culminou na ­cria­ção de Atenas. Pe-
netrando pacificamente na região, miscigenaram-se com os antigos habitantes e se
estabeleceram em aldeias fortificadas, vivendo sob o regime de comunidade gen-
tílica. Segundo o historiador Tucídides, imputa-se ao rei Teseu a responsabilidade
pela fusão dos povoados da Ática e formação do Estado ateniense. Em Plutarco
(Vidas paralelas), havia em Atenas três classes sociais distintas entre a população
livre: os eupátridas (a aristocracia agrária); os geomores (pequenos proprietários
rurais) e os demiurgos (artesãos), que viviam de seu próprio trabalho. As duas
últimas classes constituíam o povo. Um grande número de estrangeiros (metecos),
atraídos pelo desenvolvimento das trocas comerciais, também se fixou em Atenas.
Esses comerciantes, pessoalmente livres, não possuíam direitos civis ou políticos
(AQUINO et al., 1985).
Com o crescimento do comércio e diversificação da produção artesanal, as
­novas camadas sociais – comerciantes, assalariados (urbanos e rurais) – além dos
camponeses e artesãos, assumiram uma importância econômica cada vez maior,
sem a correspondente participação no poder político.
Diante desse quadro, a acirrada luta de classes elevou-se de patamar quan-
do, no século VII a.C., o movimento de colonização grega atingiu o apogeu e teve
início a cunhagem de moeda.
Ameaçados de perder o monopólio político, a classe dominante – repre-
sentada pela aristocracia agrária – viu-se obrigada a implementar uma série de
reformas exigidas pela massa urbana. Assim é que em 621 a.C. foram publicadas
as primeiras leis escritas, obrigatórias para todos, redigidas pelo Arconte Drácon
(AQUINO et al., 1985).
Mesmo com os avanços obtidos, a situação das classes subalternas não mu-
dou substancialmente, dando prosseguimento às tensões sociais.
Fortalecidos economicamente com a colonização, os ricos comerciantes
conseguiram, em 594 a.C., com a eleição de Sólon, realizar importantes reformas
socioeconômicas e políticas, exaurindo a organização gentílica de sociedade. Do-
ravante uma sucessão de novos regimes políticos foram sucedendo-se (Plutocra-
cia, Tirania, Democracia Escravista), espelhando um maior nível de organização
e participação política.
Assim, ao findar-se a Época Arcaica e iniciar-se o século V a.C.– período da maior pros-
peridade de Atenas, em particular, e da Grécia, em geral –, vamos encontrar uma grande
parte das cidades-Estados gregas vivendo sob o regime da Democracia Escravista. (AQUINO
et al., 1985, p. 196)

Nos séculos V e IV a.C., “a cultura grega caracterizada agora pelo papel he-
gemônico de Atenas entra numa fase de crise e de transformação em paralelo com
13
A Educação na Antiguidade Clássica

a profunda mudança da sociedade em seu conjunto”. A pólis, como organismo


educativo, entra em crise; a ela se contrapõe o indivíduo, o sujeito, que vive uma
profunda desorientação e é levado a buscar uma nova identidade.
Delineia-se uma cultura mais crítica em relação ao saber religioso e mitopoético e mais
técnico-científica, que exalta a dimensão livre e o livre exercício da razão próprio de cada
indivíduo e disposto a submeter à analise qualquer crença, qualquer ideal, qualquer prin-
cípio de tradição. (CAMBI, 1999, p. 85)

A escrita difundiu-se por todo o povo; os cidadãos livres passaram a se de-


dicar à oratória, à filosofia, à literatura, desprezando o trabalho manual e comer-
cial. As mulheres também passaram a participar da vida cultural.
Afirmou-se um ideal de formação mais culto e civil, ligado à eloquência e à beleza [...] ca-
paz de atingir os aspectos mais próprios e profundos da humanidade [...], que em particu-
lar a filosofia e as letras conseguiam nele fazer emergir e amadurecer. Assim, a educação
assumia em Atenas um papel-chave e complexo, tornava-se matéria de debate, tendia a se
universalizar, superando os limites da pólis. (CAMBI, 1999, p. 84)

A ideia harmoniosa de formação que inspirava o processo educativo pre-


via que os jovens atenienses, numa primeira fase, frequentassem “a escola e a
palestra, onde eram ensinados através da escrita, da música e da educação física,
sob a direção de três instrutores: o grammatistes (mestre), o kitharistes (profes-
sor de música), o paidotribes (professor de gramática). O rapaz (pais) era depois
acompanhado por um escravo que o controlava e o guiava; o paidagogos”. Havia
também uma grande preocupação com o cuidado com o corpo, para torná-lo belo
e sadio. Aos 18 anos o jovem era efebo (auge da adolescência) e se inscrevia numa
circunscrição (demo), após a realização de uma cerimônia, na vida de cidadão e
prestando, depois, dois anos de serviço militar (CAMBI, 1999, p. 84).
Na consolidação da democracia de Atenas, a afirmação de uma educação
voltada à formação de cidadãos aptos à vida pública revela-se como preocupação
central. O emprego da palavra como instrumento de ação política ressalta a neces-
sidade de bons oradores, que saibam argumentar em público; os quais os sofistas
se encarregariam de formar.
Mestres em retórica, iam de cidade em cidade, fazendo conferência sobre
diversos assuntos, sendo pagos para isso. Dedicando-se aos grupos sociais emer-
gentes, criticavam a moral tradicional – para Trasímaco, “a Justiça é simplesmen-
te o interesse do mais forte” – , tendo alguns de seus seguidores desenvolvido
teo­rias a respeito da legitimidade ou não da existência do Estado. Os princípios
democráticos por eles defendidos entrechocavam-se com as ideias reacionárias da
aristocracia territorial.
Os sofistas (literalmente, sábios) estudando as relações entre a Natureza e a
sociedade, deram um grande impulso à ciência e à Filosofia.
Nem vilões, nem heróis, homens de seu tempo, o que os sofistas fazem é tentar acumular
conhecimentos e técnicas sobre as mais variadas atividades humanas, que se diversificam
cada vez mais, mesmo que isso signifique ser superficial. (VALVERDE, 1987, p. 46)
Os sofistas, portanto, indicam uma dupla virada na cultura grega: uma atenção quase
exclusiva para o homem e seus problemas, como também para suas técnicas, a partir do
discurso; além da cultura tradicional, naturalista e religiosa, cosmológica, que é submeti-
da a uma dura crítica. (CAMBI, 1999, p. 85)

14
A Educação na Antiguidade Clássica

E “a transmissão dessa cultura” torna-se “a tarefa fundamental da atividade


educativa” (VEGETTI apud CAMBI, 1999, p. 86).
No entanto, Platão, Aristófanes dedicaram-lhes ferozes críticas, “tanto que
os sofistas nem são tidos como filósofos, e atualmente ‘sofista’ virou sinônimo de
‘demagogo’, e ‘sofisma’ de falso argumento”3 (VALVERDE, 1987, p. 46).
Sobre o universalismo da cultura grega e sua influência, poderíamos con-
cluir com Isócrates:
De tal modo a nossa cidade se distanciou dos outros homens, no que toca ao pensamento
e à palavra, que os seus alunos se tornaram mestres dos outros, e o nome de Gregos já
não parece ser usado para designar uma raça, mas uma mentalidade, e chamam-se Helenos
mais os que participam da nossa cultura do que os que ascendem a uma origem. (AQUINO
et al., 1985, p. 215)

Mas o esplendor da hegemonia ateniense teria um alto preço: o crescimento


da rivalidade com Esparta vai culminar, em 431 a.C., com a Guerra do Peloponeso.
O regime democrático que já se encontrava debilitado por intrigas, conspirações
e corrupção, cede com a capitulação de Atenas, em 404 a.C., ao governo dos cha-
mados Trinta Tiranos.
Com as rivalidades entre os Estados gregos, os divisionismos políticos in-
ternos da Grécia possibilitaram, no século IV a.C., que o exército de Felipe II, rei
da Macedônia, ao derrotar as forças aliadas de Tebas e Atenas, impusesse unidade
à Grécia, submetendo-a ao seu domínio.
A Macedônia iniciou na época de Felipe II um movimento de expansão rumo
à Ásia. A partir de 336 a.C., com o assassinato de Felipe II, seu filho Alexandre
deu prosseguimento ao movimento expansionista derrotando os persas na Ásia
Menor, em 334 a.C., conquistando as cidades gregas aí localizadas. Em 333 a.C.,
novamente vencem os persas, conquistando a Fenícia e a Palestina.
No Egito, Alexandre empreendeu a fundação da cidade de Alexandria, no
delta do rio Nilo, que logo se projetaria como importante centro comercial, além
de se tornar polo irradiador de cultura, com suas construções públicas, palácios,
templos, museus e sua monumental biblioteca.
Estabelecendo sua capital na Babilônia, a Macedônia constituiu-se, a partir
de Alexandre, em núcleo de um vasto Império, que somente seria superado em
extensão pelo Império Romano, séculos mais tarde.
Alexandre desenvolveu uma hábil política de relacionamento com os persas
conquistados, antes submetidos aos persas, apresentado-se como seu libertador.
As instituições políticas e religiosas foram respeitadas, sendo inclusive os jovens
persas, educados no idioma, nos costumes e nas técnicas militares dos gregos e
incorporados ao exército grego-macedônico.
A cultura grega foi amplamente difundida, tendo como centros as cidades
fundadas ou conquistadas no decorrer das campanhas militares (Alexandria, Pér- 3 Na história do pensa-
mento, raros pensadores
devem ter sido tão odiados
gamo). A fusão de elementos culturais gregos e orientais deu origem a uma nova como os sofistas.

cultura, que caracterizaria, daí em diante, as regiões do Império de Alexandre – a


cultura helenística”. (AQUINO et al., 1985, p. 260).

15
A Educação na Antiguidade Clássica

Apesar da presença desses elementos, a cultura helenística foi profunda-


mente original e marcante; muito mais do que uma simples transposição da tradi-
ção grega para um cenário mais amplo.
Assim como outros povos se adaptaram aos valores helênicos, passando
a adotar a língua, a arte e o pensamento gregos, a própria cultura grega sofreu
modificações. Isso implicou uma grande virada na compreensão que os gregos
tinham de si mesmos. Na medida em que a pólis sucumbiu ao Império, a condição
de cidadão referida basicamente ao homem grego perdeu seu fundamento; agora
todos – gregos e bárbaros– igualam-se na condição de súditos.
Do mesmo modo, a cultura helenística não é mais grega ou “bárbara”: prevalecem os valo-
res gregos, mas já mesclados com as mais diversas tradições e culturas à sua volta – é uma
cultura cosmopolita [...], não mais de uma pólis, mas da cosmópolis, a cidade universal.
(AQUINO et al., 1985, p. 102)

Todos os campos das humanidades sofreram influências. A religião polite-


ísta tolerante em relação aos demais cultos viu novas práticas mágico-religiosas
serem introduzidas, produto da mistura dos cultos gregos com os orientais. O
Teatro – com a Nova Comédia –, as Artes Plásticas, a Arquitetura e a Escultura
deixaram registros significativos.
Porém, as maiores realizações intelectuais ocorreram no campo das
Ciências: a Filosofia, a Astronomia, a Matemática, a Geografia, a Botânica e a
Zoologia obtiveram significativos avanços.
O Império macedônico, todavia, não resistiu à morte de Alexandre, em 323
a.C., mas suas notáveis realizações foram duradouras e desempenharam impor-
tante papel no progresso das sociedades posteriores.

16
Roma

Entrando pela história

E
ntre os séculos IX e VIII a.C., a Itália primitiva encontrava-se dividida em vários territórios
ocupados por povos de origens diversas. Latinos, sabinos, équos, entre outros, que possuíam
diferentes níveis de vida material e cultural.
Os etruscos, de origem controvertida, fixados na fértil planície da Etrúria provavelmente desde
o século IX a.C., iniciaram em VIII a.C. um movimento de expansão ao sul, resultando no domínio
sobre Roma.
Desde o século VIII a.C., havia povoações latinas espalhadas nas colinas da margem esquerda
do rio Tibre, as maiores situadas no Palatino e no Esquilino. Roma se constituiu da junção dessas
povoações em uma única comunidade. Embora resultante de um longo processo de expansão e fusão
dessas cidades, alguns historiadores, confirmando a tradição, aceitam o ano de 753 a.C. como o da
fundação de Roma.
A tradição romana que nos chega através da obra de Tito Lívio – historiador romano do século I a.C. – narra a fun-
dação como tendo sido realizada por um par de gêmeos, Rômulo e Remo. Pela descrição de Tito Lívio, verifica-se
que a fundação da cidade obedeceu a ritos etruscos: tomada dos auspícios (meio de conhecer a vontade dos deu-
ses), traçado dos limites sagrados da cidade, com arado, por exemplo. Por essas e outras razões os historiadores
afirmam ter sido a fundação de Roma obra dos etruscos. (AQUINO et al., 1985, p. 227)

O “caráter agrário de toda a civilização arcaica de Roma” era marcado, até então, por uma forte
cultura “tradicionalista, pelo intercâmbio de mercadorias agrícolas, pela constituição de latifúndios,
por um estilo de vida frugal e por uma religiosidade ligada à terra, às estações do ano, à produção
agrícola” (CAMBI, 1999, p. 104).

Educando à romana
Em seu arcaico modelo cultural, o centro da vida social era ocupado pela família. Nesta, os
elementos constituintes, denominados patrícios, submetiam-se à autoridade absoluta do pai (pater
familias), o qual possuía plenos poderes, inclusive “de vida e de morte” sobre os filhos, podendo
reconhecê-los ou rejeitá-los, governá-los, inclusive na plena maturidade e ao qual se devia, ao mesmo
tempo, uma atitude de reverência e temor (CAMBI, 1999, p. 104).
Nesse modelo, a tradição – “o espírito, os costumes, a disciplina dos pais” – ocupava papel cen-
tral. As relações sociais típicas de uma sociedade agrícola atrasada enfatizavam as virtudes públicas
e privadas: “a frugalidade, o sacrifício, a dedicação à coisa pública, o desinteresse, o heroísmo”, como
“exemplares ao jovem romano e ao cidadão em geral” (CAMBI, 1999, p. 104), situando-se entre os
objetivos primários da educação arcaica romana.
Na Roma etrusca, no entanto, apenas os patrícios (cujo nome deriva de pater), detentores do
poder econômico e militar, eram contemplados na sua plenitude; os plebeus, embora homens livres
e que compunham a maioria da população, não participavam das decisões políticas, assim como os
17
Roma

clientes (geralmente estrangeiros sob proteção jurídica de uma família patrícia).


O escravo considerado como coisa, era objeto de propriedade de um patrício.
A organização social, no entanto, já no período da realeza (753-509 a.C.) pas-
sava por um profundo processo de mudanças. A antiga forma gentílica de associa-
ção foi desintegrando-se em famílias restritas, acompanhando o desenvolvimento
da economia, a evolução política e a expansão territorial.
As transformações operadas nos modelos éticos-civis passaram a incorpo-
rar as demandas das camadas subalternas, em constante ebulição.
Esse é o caso das primeiras leis escritas, em 450 a.C., conhecidas como Lei
das Doze Tábuas. Antes do período republicano, os antigos códigos de conduta
pautavam-se nos costumes baseados nos preceitos religiosos, cujo monopólio do
conhecimento e interpretação estava nas mãos dos patrícios. As primeiras leis
escritas, gravadas sobre doze tábuas de bronze e fixadas no fórum para conhe-
cimento de toda a população, passaram a abranger “o direito civil, o privado, o
penal e aspectos do direito público, e que de modo geral equiparava juridicamente
os plebeus aos patrícios” (AQUINO et al., 1985, p. 139).
Segundo Cícero, “o texto-base de educação romana foi por muito e muito tem-
po o das Doze Tábuas” que “fixavam a dignidade, a coragem, a firmeza como valo-
res máximos, ao lado, porém, da pietas e da parcimônia” (CAMBI, 1999, p. 105).
A educação romana, sobretudo na época arcaica, era investida de um
caráter prático, familiar e civil, destinada a formar em particular o civis romanus, superior
aos outros povos [...], formado antes de tudo em família pelo papel central do pai, mas
também da mãe, por sua vez menos submissa e menos marginal na vida da família em
comparação à Grécia. (CAMBI, 1999, p. 106)
A mãe romana foi educatrix de seus filhos no sentido mais amplo da palavra, que abarca
campos semânticos indicando tomar conta de alguém nas suas exigências tanto mate-
riais como espirituais: da nutrição à criação, da instrução, ao sustento; em suma, de seu
­crescimento físico e moral. (FRASCA apud CAMBI, 1999, p. 106)

Diferente, entretanto, é o papel do pai, cuja autoridade destinada a formar


o futuro cidadão, é colocada no centro da vida familiar e por ele exercida com
dureza, abarcando cada aspecto da vida do filho (desde a moral até os estudos,
as letras, a vida social), usando inclusive o porrete. A educação para as mulheres
era direcionada no intuito de preparar-lhes para exercerem seu papel de esposas
e mães,
mesmo se depois, gradativamente, a mulher tenha conquistado maior autonomia na so-
ciedade romana. O ideal romano de mulher, fiel e operosa, atribui a ela, porém, um papel
familiar e educativo que não tem nada de marginal.
Marginais, pelo contrário, são as crianças, totalmente fechadas no âmbito da vida fami-
liar, sujeitas a doenças e à morte precoce, às vezes mimadas e cuidadas, em geral, porém,
brutalizadas e violentadas, submetidas ao duplo regime do “medo do pai” e da orientação
ética da mãe, além da vigilância dos pedagogos e do autoritarismo dos mestres. (...) as
crianças romanas, através de sua educação familiar, entram em contato com os valores e
os princípios da vida civil, incorporando-os como valores comuns e modelos de compor-
tamentos. (CAMBI, 1999, p. 106)

A introdução dos filhos nos meandros da vida civil se dava pelo acompa-
nhamento dos pais nos tribunais e até nas sessões do Senado; ao completarem 16
18
Roma

ou 17 anos, “o jovem abandonava a toga pretexta para adotar a toga viril. Então
entrava no exército e na vida pública” (AQUINO et al., 1985, p. 60), não sem an-
tes ter passado um ano, geralmente acompanhado de um político experiente, na
aprendizagem da vida pública.
A educação romana primitiva caracterizava-se por um “espírito de sobrie-
dade e austeridade, operosidade e disciplina” em cujo conteúdo tinha um duplo
aspecto: “de um lado, a educação física, com caráter pré-militar mais que espor-
tivo e, de outro, a educação jurídico-moral, baseada na Lei das Doze Tábuas”
(AQUINO et al., 1985).
Sempre ameaçada por povos vizinhos, a partir do século IV a.C., a política
romana tornou-se mais agressiva, levando Roma às guerras de conquista. A ex-
pansão romana pelo Mediterrâneo até alcançar seu domínio completo, culminou
num vasto Império que no seu auge, nos séculos I e II d.C., abrangeria a quase
totalidade da Europa ocidental, o norte da África e a Ásia Menor.
Dessas conquistas, no entanto, decorreriam importantes mudanças na po-
lítica interna de Roma. O controle de todo o Império impunha uma melhor pre-
paração dos quadros burocráticos, ao lado de uma maior centralização do poder,
necessária também para conter as contínuas conspirações e agitações aguçadas
em decorrência da acentuada divisão entre a minoria economicamente poderosa e
a massa proletária cada vez mais empobrecida, porém politicamente mais forte.
Como consequência da riqueza excessiva de alguns e da pobreza e miséria de muitos, ins-
talaram-se o luxo e o desregramento dos costumes nas famílias aristocráticas e nas dos Ca-
valeiros, enquanto que a massa da população, aglomerada em grandes habitações coletivas,
convivia com a promiscuidade, as doenças e a ignorância. (AQUINO et al., 1985, p. 237)

As transformações socioeconômicas operadas produziram mudanças nos


costumes da população, notadamente nas cidades. “As antigas formas de vida
foram dando lugar a novos hábitos e à dissolução dos antigos costumes”, a despei-
to de inúmeras manifestações, como a do Censor Catão, opondo-se “à crescente
influência da cultura grega na sociedade romana” (AQUINO et al., 1985).

A educação grega revisitada


A influência da cultura helênica foi marcante nesse período, principalmente
a partir do século II a.C., quando Roma anexou a Grécia e a Macedônia. “O co-
nhecimento do idioma grego tornou-se necessário ao comércio e também símbolo
de prestígio social: as famílias aristocráticas encarregavam preceptores gregos
(geralmente escravos) da educação de seus filhos” (AQUINO et al., 1985).
Reflexo dessa influência é o desenvolvimento ou fundação de escolas, ain-
da que em caráter particular. As raras existentes eram muito elementares; sendo
que a assimilação do universo cultural helênico estimulou a sua proliferação. A
princípio havia duas classes de escolas: uma que ensinava em grego, outra em que
predominava o latim. Em ambas estruturou-se três graus que mais tarde se torna-
riam clássicos no ensino: elementar, médio e superior.

19
Roma

Frequentadas por meninos e meninas, logo mista a partir dos sete anos, a es-
cola primária “tinha um programa muito elementar, consistente em leitura, escrita
e cálculo, com algumas canções, disciplina muito rigorosa e frequentes castigos
físicos” (LUZURIAGA, 2001, p. 61).
Na escola secundária foi onde mais se fez sentir a influência da cultura gre-
ga. Estudava-se gramática latina e grega, com base nos clássicos e nos poemas
de Homero; igualmente estudava-se retórica, oratória e matemática. A música e a
ginástica recebiam pouca atenção, ao contrário dos estudos jurídico-políticos. Os
alunos começavam a frequentá-la com 12 anos, permanecendo até os 16. Nessa
fase, meninos e meninas se separam. Elas, se pertencerem a uma família abasta-
da, passam a aprender com preceptores, eles continuam na escola. Vale lembrar
que uma menina aos 14 anos já era considerada adulta (VEYNE, 1991).
Como salienta Veyne, os meninos não estudavam para se tornar bons cida-
dãos, nem para adquirir algum ofício. “Em Roma não se ensinava matérias for-
madoras nem utilitárias, e sim prestigiosas e, acima de tudo, a retórica” (VEYNE,
1991, p. 33).
No terceiro grau escolar, uma espécie de escola de direito destinada à
minoria governante, ao lado do estudo jurídico-político cultivava-se a retórica,
especial­mente a oratória inspirada na filosofia grega.
A educação romana, na época imperial, difere da anterior mais pela or-
ganização que pelo conteúdo, ao ultrapassar os limites da educação particular e
alcançar a esfera da educação pública.
A criação de escolas municipais no século I a.C., demarca essa transfor-
mação, com o Estado intervindo com subvenções e certa inspeção; mais tarde,
arvora-se como legislador e diretor do processo.
A determinação em ampliar as oportunidades de acesso por meio de au-
mento do número de escolas fez com que os imperadores estimulassem as munici-
palidades a criarem escolas públicas, não só em Roma, mas em todo o Império.
À permanente necessidade do Império de funcionários com formação su-
perior, adicionou-se a preocupação com a universalização da cultura romana, em
particular da língua latina e do direito romano. A escola seria o principal veículo
a suportar essas importantes funções, transformando-se em um instrumento es-
sencial da romanização do mundo (GIARDINA, 1994).
Ainda que os teóricos da educação romana não alcançassem a proeminência
atingida pelos educadores gregos, a contribuição de seus principais pensadores,
entre eles: Catão (234-149 a.C.); Marco Terêncio Varrão (116-27 a.C.); Marco Tú-
lio Cícero (106-43 a.C.); Marco Fábio Quintiliano (35-96 d.C.); Sêneca (4 a.C.-65);
Plutarco (46-119 d.C), seria projetada na futura escola ocidental.
E é na Antiguidade Clássica, nas culturas grega e romana que estão fincadas
as raízes da pedagogia ocidental.

20
Sob as asas dos ensinamentos
cristãos: a Educação
na Idade Média

P
ara o medievalista Jacques Le Goff, a longa Idade Média
é o momento da criação da sociedade moderna, de uma civilização moribunda ou morta sob as formas campo-
nesas tradicionais, no entanto, viva pelo que criou de essencial nas nossas estruturas sociais e mentais. Criou a
cidade, a nação, o Estado, a universidade, o moinho, a máquina, a hora e o relógio, o livro e o garfo, o vestuário,
a pessoa, a consciência e finalmente a revolução. (Le Goff, 1993, p. 12)

Tempo de grande impulso criador, cortado por crises, graduado por deslocações no espaço e no
tempo, escreve o historiador.
E ele tem o cuidado de salientar: não se trata de contrapor a modernidade como se fosse uma
lenda dourada à lenda negra medieval. E sim considerar a longa Idade Média em todos os aspectos que
compõem esse sistema, que funciona desde o Baixo Império Romano até a Revolução Industrial dos
séculos XVIII e XIX.
Aí deve ser buscada a nossa modernidade para entender as transformações que são o fundamento
da história como ciência e experiência vivida. E esse domínio do passado, detido pelos historiadores, é
tão indispensável aos contemporâneos quanto a física e a biologia quando dominam a matéria e a vida
(Le Goff, 1993).
A Educação, como outros aspectos da vida na sociedade medieval, foi marcada pelos princípios
do cristianismo, porém um cristianismo que foi sendo reatualizado de diferentes formas ao correr da
longa Idade Média. Contemplaremos neste texto a educação do povo, tendo como recorte o período
que se estende do século V ao início dos anos mil e a partir daí abordaremos a criação da universidade
e a formação nas corporações de ofício.

Como se educava o povo?


“Como já ocorria no mundo antigo e como havia sido teorizado por Platão em A República, a edu-
cação do povo se cumpria, essencialmente, pelo trabalho”, afirma Cambi (1999, p. 166). A criança já co-
meçava aprender na oficina: sob a direção do mestre, copiando e reproduzindo seu saber, submetendo-se
à sua autoridade. “A Educação que se realizava no local de trabalho era uma Educação da reprodução,
das capacidades técnicas, das classes e das relações sociais, sem valorizar realmente a inovação”.
Além do tempo do trabalho, no tempo do lazer também se ensinava. Os sermões eram memo-
ráveis e complementavam as leituras litúrgicas da missa. Enquanto o bispo falava do púlpito, a pa-
lavra ouvida tinha a função de prover a “abertura da alma” para a grandiosidade, tanto arquitetônica
e plástica como da inteligência e da palavra. Mais pastoral do que retórico, o discurso apoiava-se
na sensibilidade e na memória da Bíblia, alimentando a inteligência, a conduta, a moral e a vida
interior dos fiéis (Lauand, 1998).
21
Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

Poucas pessoas liam, logo a memória era tudo: sermões mais lembravam verda-
des já sabidas do que transmitiam novos conhecimentos, seguindo a missão de educa-
dora do povo, tomada pela Igreja desde o fim da Antiguidade. Imbuída como a grande
escola de formação humana e moral, os pregadores, entre eles Agostinho, realizavam
seus sermões atuando “sobre o ouvinte como os slogans da publicidade, com a dife-
rença de que eram espontaneamente procurados pelo destinatário, não em busca do
fútil consumo, mas da transcendência” (Lauand, 1998, p. 13).
Havia ainda as festas religiosas que adentravam o imaginário popular atra-
vés de símbolos e signos que ao mesmo tempo em que exaltavam figuras e com-
portamentos, também geravam temores e expectativas (Cambi, 1999).
Lembremos que por volta do ano 1000, portanto na primeira fase da Idade Mé-
dia, houve quase que um total desaparecimento das escolas públicas na Antiguidade
romana. Os mosteiros passaram a monopolizar a educação. Ensinando as Sete Artes
Liberais divididas em Trivium (gramática, retórica e lógica) e Quadrivium (aritmé-
tica, geometria, astronomia e música) somente propunham-se a preparar clérigos
para o ingresso na carreira eclesiástica, privilégio de poucos naquele período.
A educação medieval desenvolve-se em comunhão com a Igreja e suas ins-
tituições, à exceção do ensino direto dos ofícios; são elas as educadoras por ex-
celência. “Da Igreja partem os modelos educativos e as práticas de formação,
organizam-se as instituições e programam-se as intervenções, como também nela
se discutem tanto as práticas como os modelos. Práticas e modelos para o povo,
práticas e modelos para as classes altas [...]” (Cambi, 1999, p. 146).
A própria escola tal qual a conhecemos hoje é um legado da Idade Média. A
figura do professor que ensina a um determinado número de alunos, respondendo
por sua atividade, seja disciplinar ou de avaliação, tem sua origem nas escolas-
-catedrais e nas universidades (Cambi, 1999). É também no período medieval
que nossas modernas universidades fincam suas raízes.
A partir dos séculos XII e XIII, as universidades começam a tomar corpo
tanto por meio de comunidades de alunos, como as de professores, ou ainda, por
intervenção do poder público.

Dos colégios às universidades


A historiografia francesa e italiana não têm dúvidas no que tange aos co-
meços da universidade: os colégios teriam sido a semente inicial. Claro que não
­seriam quaisquer colégios e sim aqueles em funcionamento permanente junto às
grandes catedrais: as denominadas escolas-catedrais.
1 As escolas monásticas
foram criadas a partir Da passagem de escolas-catedrais à universidades, o tempo e as necessida-
do século VI, escolhendo
crianças e exigindo dos clé­
des se encarregariam.
rigos certos conhecimentos.
Dotadas de biblio­teca e ateliê Trabalhando como escolas ativas, haviam sido criadas para formar clérigos
de cópias de manuscritos. En-
fatizavam o apren­di­zado da instruídos já que as escolas monásticas1 encontravam-se em declínio. As primei-
gramá­tica (latim) que capaci-
tava para o aprendizado das
ras funcionaram nas cidades de Orléans, Paris, Chartres, entre outras.
Escrituras, além do canto e do
cálculo (VERGER, 2001). E o que se aprendia nestas escolas?

22
Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

Artes liberais, compostas pelo ensino de gramática, retórica, geometria, ló-


gica aritmética, música e astronomia, além de instruções acerca da Sagrada Escri-
tura (CHARLE; VERGER, 1996).
Muitos dos clérigos formados tornavam-se professores, passando muitas
vezes a atuar nessas escolas. Havia, por exemplo, egressos das escolas-catedrais
ministrando aulas extramuros na cidade de Paris, às margens do Rio Sena. Em
função do prestígio que ultimavam conquistar, logravam aglutinar alunos para
suas aulas, proliferando escolas particulares que passavam a funcionar por meio
da licentia docendi – autorização de ensino conferida pela Igreja católica, por ser
dela o monopólio do ensino escolar. Houve mestres que se tornaram preceptores;
outros se ligaram às autoridades de cidades e burgos (VERGER, 2001).
Vários professores de “bom nome”, agrupados em escolas particulares, firma-
ram contratos com alunos fundando universidades que passaram a atuar autonoma-
mente, sob o crivo da Igreja (CHARLE; VERGER, 1996; VERGER, 2001).
Em Paris, mestres de Artes Liberais passaram a se associar nas primeiras déca-
das do século XIII, constituindo as faculdades de Teologia e Direito, exemplo seguido
em Oxford e depois em Cambridge. Em Montpellier, mestres associados fundam tan-
to a Faculdade de Medicina quanto de Direito (CHARLE; VERGER, 1996).
O mesmo ocorreu nas regiões mais distantes, a exemplo daquelas locali-
zadas além dos Alpes, onde muitos professores passaram a ser contratados por
comunidades de alunos agrupados de acordo com sua nacionalidade (ingleses,
alemães etc) (CHARLE; VERGER, 1996).
A Faculdade de Direito localizada ao norte da Itália, na cidade de Bologna,
e a de Medicina em Salerno, ao sul, foram criadas dessa forma.
Essas comunidades de alunos formaram universidades juramentadas, esta-
belecendo seus estatutos, elegendo seus representantes, criando formas de auxílio
mútuo e regulamentando o exercício autônomo (CHARLE; VERGER, 1996).
Claro que tal avanço só foi possível pelas migrações que se processavam e pelo
franco progresso urbano daquele período favorecendo a vida associativa com novas
oportunidades de emprego, moradia e circulação de moedas (VERGER, 2001).
Nos séculos XIV e XV, as universidades continuavam a expandir-se pas-
sando a ser fundadas por soberanos de vários reinados. No século XIII haviam
sido criadas as universidades da Península Ibérica (Portugal, Aragão e Castela) e
no século XIV as alemãs. Nesse período dissemina-se a ideia de que uma univer-
sidade deveria congregar quatro faculdades: Artes Liberais; Medicina; Direito e
Teologia (CHARLE; VERGER, 1996).
Os sistemas pedagógicos eram então diferenciados, porém o método de es-
tudo baseava-se na escolástica, a escola urbana ancorada na filosofia cristã. A es-
colástica pretendia possibilitar ao homem o entendimento das verdades reveladas.
Logo não se tratava de encontrar a verdade, pois ela já fora revelada por Deus.
Cabia entendê-la, conciliando fé e razão (VERGER, 2001).
Com a onda de traduções das obras de Aristóteles, Avicena e Averroés ex-
pandiam-se os textos estudados para além daqueles de Lógica.

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Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

A universidade oferecia saberes que elaborados na Antiguidade co-


briam o domínio da cultura erudita. As Artes Liberais constituíam as dis-
ciplinas propedêuticas que logo seriam as bases de formação de qualquer
faculdade. Dividiam-se em:
a) Trivium no qual se estudava a gramática, a retórica e a dialética, compon-
do a arte da palavra e do signo;
b) Quadrivium formado pelos conhecimentos da aritmética, geometria, as-
tronomia e música o qual tratava das artes, das coisas e dos números
(CHARLE; VERGER, 1996).
Como se pensava determinado assunto?
1. Leis da linguagem: é o sentido da palavra que elabora o raciocínio.
2. Domínio dos instrumentos: constroem o pensamento.
3. Leis da demonstração: são possíveis pela dialética (recorre a argumen-
tos contrários).
4. Leis da autoridade: conformados pelas fontes cristãs como a Bíblia e os
próprios padres da Igreja.
5. Leis da razão: proporcionam a compreensão mais profunda de todas
as coisas.
6. Leis do pensamento clássico: Platão e Aristóteles.
O método poderia ser aplicado de duas formas: lectio – leitura, comentário e
análise do texto e disputato consistia no debate e em proposições (Le Goff, 1995).

Por que ir à universidade?


As universidades eram centros de formação profissional.
Muitos alunos procuravam-nas movidos pelo simples desejo de saber. Cerca
de 5% da nobreza ali buscava conhecimento. Havia também a aspiração por uma
carreira honorífica ou lucrativa, além da possibilidade de ascender socialmente.
Filhos dos artesãos e comerciantes que haviam enriquecido buscavam esse reco-
nhecimento social e intelectual. Ademais não se pode perder o caráter de corpo
prestigiante, na acepção de Le Goff (1993), atribuído às universidades, como for-
madoras de uma aristocracia intelectual.
Não convém esquecer que o período de formação e desenvolvimento das
universidades correspondeu ao período de crescimento, tecnicização e especiali-
zação dos ofícios públicos, quando então dispor desses formandos na constituição
dos quadros administrativos revelou-se promissor (Le Goff, 1993).
Além disso, por meio das faculdades era possível desenvolver diversas ações
de cunho social. As Faculdades de Medicina, por exemplo, exerceram importante
papel quando se fez necessário resolver questões de salubridade e saúde pública.
Colocadas pelo crescimento das cidades, regras de higiene urbana foram deman-
dadas. Houve também surtos epidêmicos que precisaram ser combatidos, princi-

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Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

palmente após a grande peste, cuja responsabilidade e ação eram competência das
autoridades públicas (Le Goff, 1993).
“Fazer uma universidade” tinha então dois aspectos: por um lado agregava
prestígio intelectual, por outro proporcionava uma formação utilitária que se rea-
lizaria no trabalho do futuro profissional formado.
Além disso, as universidades sempre mantiveram estreitos laços com os po-
deres públicos, o que abria a possibilidade de acesso aos mesmos. No decorrer do
Renascimento chegaram mesmo a andar a reboque destes, formando castas nas
quais prevalecia o nepotismo e a submissão jurídica e econômica. Manteve tam-
bém estreitos vínculos com a Igreja, pois os interesses de ambos convergiam e
como manifesta Le Goff (1993), muitos funcionários públicos são eclesiásticos e
os interesses da Igreja estão em consonância com os dos Estados.
Somente na Revolução Industrial, as universidades tornar-se-iam centros
de uma nova intelectualidade, pondo em causa os poderes públicos e obedecendo
somente quando estivessem em causa princípios e ideais que transcendessem os
interesses do Estado.

A formação dos ofícios


Já nas corporações de ofício, trabalho e aprendizagem encontram-se imbri-
cados. Os aprendizes eram assumidos pelos mestres, sendo que o número daque-
les que eram instruídos variava em função do ofício. Diferentemente do que hoje
chamamos escola do trabalho não havia uma escola, mas um lugar de trabalho no
qual se aprendia. Aos aprendizes não destinavam-se tarefas de produção separa-
das daquelas da aprendizagem.
Para iniciarem seu aprendizado, os pretendentes faziam um exame que
apontava suas qualidades morais e os avalizava para ingressarem no treinamento.
O tempo de preparação do aprendiz variava de quatro a dez anos. No trabalho
adquiria-se habilidades da arte e os conhecimentos necessários para o seu exercí-
cio, estabelecendo-se uma relação educativa (Manacorda, 1989).
Embora os mestres cobrassem, nem sempre os aprendizes podiam pagá-los,
o que acabava redundando em estender o período do aprendizado. Os certificados
eram expedidos pelas corporações e de posse deles os recém-formados buscavam
junto à autoridade competente as credenciais que permitiria exercer o ofício. Ha-
via os regulamentos das artes e todos se empenhavam em trabalhar em conso-
nância com os usos e normas em vigor, não admitindo qualquer transgressão. O
segredo do fazer também era zelosamente guardado, principalmente em relação
aos ajudantes (Manacorda, 1989).
Assim, as corporações de ofício eram muito fechadas, com leis, regras e
administrações próprias e o sistema de aprendizado era minuciosamente estrutu-
rado. Manacorda salienta que os documentos alusivos pouco revelam em relação
à formação do mestre, o que é compreensível. Se os segredos da arte deveriam ser
mantidos, como estampá-los em documentos?

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Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média

O NOME da rosa. Direção de Jean-Jacques Annaud. Alemanha, 1986.

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