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CRISE ECOLÓGICA, BIOTECNOLOGIA E

IMPERIALISMO
Osvaldo Coggiola
Por “crise ecológica” deve entender-se o comprometimento dos mecanismos e ciclos
naturais que possibilitam a produção e reprodução da vida (inclusive a vida humana) na
Terra; não só, portanto, o seu aspecto mais imediatamente visível e espetacular, as
mudanças climáticas, com sua seu seqüela de catástrofes no período mais recente. Refere-
se, portanto, não apenas ao campo coberto pela geologia ou a geografia (as “ciências da
Terra”), mas também ao coberto pelo conjunto das disciplinas que se referem ao homem
enquanto ser natural e social.
Na atual “economia ambiental neoclássica” aparece o conceito de externalidade, e também
a controversa valoração monetária da natureza e a aplicação da noção de custo-benefício
aos danos provocados pela produção. O conceito chave é o de “capacidade de suporte dos
ecossistemas”, referido à troca ecologicamente desigual que acontece quando os produtos
são comerciados por preços que desconsideram os custos ambientais.
Já é consenso, na comunidade científica, que a ação humana sobre o meio natural está
provocando efeitos destrutivos de longo prazo, suscetíveis de pôr em risco a reprodução de
vários ciclos naturais e de várias formas de vida, e de afetar decisivamente a vida humana.
A idéia já foi admitida oficialmente pelos Estados, faz parte da chamada “opinião pública”
e, claro, dos “formadores de opinião”.
Certamente, desastres naturais têm acompanhado a atividade humana desde o início da
civilização. É impossível se proteger completamente de desastres naturais, como sabem
muito bem as companhias de seguros: a indústria mundial de seguros tem sofrido perdas
nos últimos 50 anos, e só em 2004 perdeu cerca de U$ 115 bilhões. Mas os furacões sobre
o Atlântico têm sido mais freqüentes do que no passado, na última década e, ao que tudo
indica, é o aquecimento global a causador dos eventos anômalos.
Grandes inundações se tornaram também mais freqüentes na China, na Alemanha, na
Europa Oriental, e até no Brasil: “As evidências até agora não são definitivas, mas o
aquecimento global causado pelo efeito estufa parece ser a causa. O aquecimento global (da
superfície, dos oceanos, do ar e do solo) é indiscutível e a temperatura média da Terra já
subiu quase um grau centígrado nos últimos cem anos. O problema é saber se ele é
realmente a causa das atividades climáticas "extremas" que estamos presenciando, ou se
elas se devem a variações naturais. A grande maioria dos cientistas acredita na primeira
opção”. 1
Há um consenso em que a medida mais importante seria a de reduzir as emissões de gases
emitidos pelo consumo (queima) de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural). A
classe capitalista mundial encarou o problema através do Protocolo de Kyoto, que
estabeleceu um cronograma para tal, mas o maior emissor mundial - os EUA - se recusou a
assiná-lo, devido à pressão dos produtores de carvão e empresas de petróleo. O protocolo
estabeleceu que os países industrializados teriam de reduzir suas emissões de gases

1
José Goldemberg. Clima, tsunamis e furacões. O Estado de S. Paulo, 20 de setembro de 2005.

1
responsáveis pelo efeito estufa em 5,2%, relativamente ao nível de emissões de 1990, até
2012.
Os países “em desenvolvimento” ficaram isentos destas reduções, considerando que suas
economias precisam crescer e que limitações às emissões impediriam seu desenvolvimento.
Outros pontos de vista sustentam que não há incompatibilidade entre crescimento
econômico e redução de emissões danosas ao meio ambiente, desde que tecnologias
modernas sejam incorporadas ao processo de desenvolvimento industrial, evitando repetir
os erros cometidos no passado, em que, se diz, o crescimento era a meta a ser atingida a
qualquer custo, e a poluição, um problema a ser corrigido depois. A receita que os EUA
têm defendido para enfrentar o problema do aquecimento global é o de adaptar-se a ele. Se
o aquecimento fosse lento e gradativo, com a temperatura subindo pouco a cada ano, bem
como a conseqüente elevação do nível do mar, isso até poderia ser feito em muitos países.
O desastre de Nova Orleans destruiu essas idéias: o aquecimento global provoca grandes
instabilidades climáticas, e não é possível prever onde elas vão acontecer. Prevenir-se
contra elas exigiria uma organização da ocupação do território do mundo muito diferente
do que ela é hoje. Por estas razões, as preocupações com o tema estão aumentando, para
superar a indiferença dos Estados Unidos e alguns de seus aliados, que lançaram
recentemente uma coalizão que estimula o uso do carvão.
O Alarme Katrina
Por ocasião do desastre provocado pelo furacão Katrina no sul dos EUA (Louisiana), o
principal jornal desse país comentou, em editorial intitulado A vingança da natureza, que
“os danos que causa um furacão como Katrina se denominam habitualmente como desastre
natural, mas também se trata de algo antinatural, no sentido de auto-infligido. Nova Orleans
não é uma exceção. Seus políticos e planejadores devem recolocar-se uma política que
contribuiu para a vulnerabilidade da cidade... Não ajudou a sistemática destruição, durante
anos, de locais úmidos na costa, devido ao desenvolvimento urbano, nem a extração
sistemática de gás e petróleo. O delta do Mississipi afundou 90 centímetros em um
século”.2
Indo mais longe, o ensaísta Jeremy Rifkin, disse que “primeiro foi o rugido de Katrina que
açoitou a costa do golfo dos EUA. Agora, o pavoroso silêncio, enquanto emergem as
vítimas. Parece que todo o Washington oficial contém o fôlego para que não escape o
segredo sujo: que Katrina é o castigo pelo aumento das emissões de CO2 e o aquecimento
global. Os científicos nos advertem já faz anos. Disseram que tínhamos que estar atentos ao
Caribe, que seria o primeiro lugar onde os efeitos da mudança climática se fariam
evidentes, mediante furacões muito fortes, inclusive catastróficos. E assim foi. Katrina será
lembrado como "momento chave" da era do combustível fóssil, o ponto em que a opinião
pública estadunidense começou a rejeitar o cômodo mito de que o fim da era do petróleo e
dos efeitos cataclísmicos do aquecimento global eram um futuro remoto...
“Katrina não foi má sorte. Nós criamos a tormenta monstruosa. Faz quase uma geração que
estamos inteirados do possível impacto do aquecimento global. Mas continuamos
acelerando-o, como se não nos importasse. Quê esperávamos? 52% do total dos veículos
dos EUA são de alta cilindrada, cada um significa um motor letal que lança quantidades

2
The New York Times, 30 de agosto de 2005.

2
enormes de CO2 na atmosfera terrestre. Como explicar que os estadunidenses representam
menos de 5% da população mundial, mas devoram mais da quarta parte do combustível
fóssil que se produz anualmente no mundo? Quando nossos vizinhos da Europa e do
mundo perguntam porquê os estadunidenses foram tão hostis a darem prioridade ao tema
do aquecimento global mediante a firma do Protocolo de Kyoto sobre mudanças climáticas,
quê dissemos? É uma vergonha que os EUA e outros países tenham privilegiado seus
caprichos imediatos em detrimento do bem-estar do planeta” (grifo nosso).3
No Golfo do México, onde o furacão demonstrou grande parte de seu poder destrutivo, se
produz 30% do petróleo e 20% de todo o gás natural dos Estados Unidos. Ali se encontra,
ainda, cerca de 10% da capacidade de refinamento do petróleo. Sobre um total de 14
refinarias nove estão fechadas. O furacão Katrina tem lugar no marco de uma escalada dos
preços do petróleo e de uma crescente demanda internacional. Em curto e médio prazo a
economia mundial enfrentará uma forte tendência de alta do petróleo, da gasolina e outros
derivados. O déficit insustentável dos Estados Unidos torna impossível a reconstrução de
Nova Orleans.
Mas a corporação Halliburton, participante de primeira linha no massacre iraquiano, e
presidida até o ano 2000 pelo vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, já recebeu um
contrato de 12 milhões de dólares para reconstruir alguns portos devastados pelo Katrina e
espera outro de 500 milhões por parte da Armada. Provavelmente também teria sido
destinado ao grupo Bechtel, propriedade de George Bush pai, beneficiário de um contrato
multimilionário para a construção de moradias temporárias. A Fundação Heritage e o
Instituto Cato, atribuem abertamente a lentidão da ajuda – ou sua ausência – e a instauração
de uma ditadura militar em Nova Orleans, a fato de que 30 % da população da cidade viver
abaixo da linha de pobreza e 84 % dos pobres serem negros. Essas instituições sustentam
que não teria ocorrido o mesmo se o Katrina houvesse golpeado um subúrbio rico ou
branco de Boston.
Um fenômeno natural desnuda a hipocrisia capitalista; o primeiro Estado opressor do
mundo, que interveio militarmente no Afeganistão e Iraque se mostra impotente para ajudar
a seus próprios compatriotas com os serviços mínimos (água, alimentos e atendimento
médico) de subsistência, sequer se fala em soluções para os problemas de moradia e
subsídios para os atingidos que se contam aos milhares. O principal contaminador do
planeta se chama EUA: com seus produtos químicos e testes nucleares destroem a camada
de ozônio e provocam o aquecimento global, o que leva a que se produzam estas catástrofes
naturais.
Nova Orleans é uma cidade construída abaixo do nível do mar, uma espécie de remoinho
rodeado de água até as bordas. Apesar de todas as previsões, os muros de contenção que lhe
serviam de defesa (leeves), tanto sobre o lago Pontchartrain como sobre o rio Mississipi, se
encontravam criminosamente abertos, de modo que a água entrou sem obstáculos por duas
frentes. Ao final de 2001 a Agência Federal de Administração de Emergências (Fema)
3
Jeremy Rifkin. El fin de la era del combustible fósil. Clarín, Buenos Aires, 5 de setembro de 2005. Ponto de
vista semelhante foi defendido por Ross Gelbspan: Hurricane Katrina’s real name. International Herald
Tribune, 31 de agosto de 2005; assim como pelo meteorologista italiano Vittorio Canuto: Mari troppo caldi,
rischio uragani in Europa. Corriere della Sera, Milão, 3 de setembro de 2005. Poucos dias antes do desastre
nos EUA, outro importante veículo da “comunidade dos negócios” publicava o seguinte artigo: Fiona
Harvey. Science rises to the challenge of global warming. Financial Times, Londres, 23 de agosto de 2005.

3
havia advertido que o Katrina poderia provocar um dos piores desastres sofridos pelos
Estados Unidos, incluindo o ataque às torres em 11 de setembro desse ano. Entretanto, 44
por cento dos fundos destinados a melhorar as defesas e prevenir a catástrofe foram
destinados à guerra contra o Iraque. Mesmo antes, em 1990, uma força-tarefa federal havia
avaliado os danos que poderia sofrer Nova Orleans diante da chegada de Katrina.
Também a revista Nature, em outubro de 2004, tratou da iminência do desastre, porém
nada se fez. E agora se produz o paradoxo: as forças militares de Louisiana especializadas
em emergências e catástrofes estão no Iraque fazendo frente como podem à resistência do
povo iraquiano contra a ocupação, de forma que houve a necessidade de transportar, à zona
do desastre, tropas recém chegadas, precisamente, do Iraque.4
Aquecimento Global e Kyoto
Estudos recentes revelam que as condições meteorológicas extremas que têm atingido a
Europa - secas e incêndios nos países do sul e chuvas torrenciais nos Alpes e na bacia do
rio Danúbio - são de fato resultado da mudança climática “provocada pelo modelo
energético escolhido pelos seres humanos” (sic), segundo a organização ambiental WWF
(Fundo Mundial para a Natureza). O relatório Mudança Climática e Fatores
Meteorológicos na Europa, divulgado pelo WWF, mostra como os desastres dos últimos
anos no continente se encaixam nas previsões mais pessimistas sobre as conseqüências do
aquecimento global.
A concentração de dióxido de carbono na atmosfera cresceu 36% em relação à era pré-
industrial. No último século, a temperatura média do planeta aumentou 0,6º C, enquanto a
da Europa subiu 0,95º C. De acordo com os registros históricos, o aquecimento parece
progressivo. Os dados mostram que os oito anos mais quentes da história da Europa se
concentram no período dos últimos 15 anos.
O aumento da temperatura é geral, porém mais forte no sul do que no norte do continente.
A variação se traduz em um comportamento “esquizofrênico” das chuvas. Enquanto na
Espanha, na Itália e em Portugal as chuvas diminuíram 20% durante o último século, no
norte da Europa elas aumentaram entre 10% e 40%. As projeções científicas citadas pelo
WWF indicaram que esse contraste é mais extremo no verão.
Nessa época, as secas são mais severas e há maior risco de incêndios, além da diminuição
das colheitas no sul e de chuvas torrenciais mais freqüentes em direção ao interior do
continente. "Nunca teremos 100% de certeza sobre a relação direta entre esses fatos e a
mudança climática. Mas já há exemplos claros dos cenários que os meteorologistas
previram nos últimos anos", diz o relatório. O documento fala em uma deterioração cada
vez maior da situação, caso as emissões de CO2 não sejam reduzidas.
Para o WWF, a primeira tarefa deve ser a troca do modelo energético e a substituição dos
processos produtivos baseados em combustíveis fósseis --carvão, petróleo ou gás natural--
por fontes mais limpas e tecnologias mais eficientes. Os países da UE, desde 1º de janeiro

4
Resumimos nos parágrafos precedentes os seguintes artigos: Jorge Guidiño. El Katrina y la economía
mundial. Prensa Obrera n° 917, Buenos Aires, 15 de setembro de 2005; Alejandro Guerrero. La pudrición
que develó Katrina. Prensa Obrera n° 917, Buenos Aires, 15 de setembro de 2005; Alejandro Guerrero. El
huracan Katrina: la guerra de Irak en los Estados Unidos. Prensa Obrera n° 916, Buenos Aires, 8 de setembro
de 2005.

4
de 2005, estabeleceram limites para a emissão de gases que provocam efeito estufa em
distintos setores, inclusive o energético, como preparação para o cumprimento do Protocolo
de Kyoto. Mas a organização ambiental acredita que os limites máximos impostos são
"frágeis" diante da dimensão do problema, e critica a falta de empenho real das autoridades
e empresas européias na mudança do modelo com urgência.
Como exemplo, cita os planos estratégicos da companhia energética alemã RWE. "O maior
contaminador climático europeu, a RWE, planeja abrir novas centrais energéticas de
carvão, que elevam o aquecimento global. Os governos europeus podem e devem detê-lo",
afirmou a diretora do Programa sobre Mudança Climática do WWF, Jennifer Morgan, em
nota pública. "O aquecimento global começou a aumentar a freqüência e a intensidade das
catástrofes meteorológicas. Os políticos europeus devem cortar as emissões do setor
energético já", disse o chefe da unidade de Mudança Climática do Escritório Europeu do
WWF, Oliver Rapf. 5
Em relação à devastação de Nova Orleans, os cientistas avisaram: o mundo inteiro pode
esperar mais furacões como o Katrina de agora em diante, por causa da mudança climática.
Foi realizado o primeiro levantamento de furacões em todas as bacias oceânicas do planeta
nos últimos 35 anos, quando esses fenômenos começaram a serem detectados por satélite.
A conclusão é que, embora o número total de eventos esteja estável ou até diminuindo, a
quantidade de furacões nas categorias 4 e 5 - os mais intensos, como o Katrina e o Jeanne,
que atingiu o Haiti em 2004 - vem mostrando uma tendência ao aumento. "Eu acredito que
a tendência seja induzida pelo aquecimento global", disse o meteorologista Peter Webster,
do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA), em estudo publicado no periódico Science.6
Até pouco tempo atrás, a declaração de Webster seria considerada blasfêmia por qualquer
climatologista sério - embora um aumento no número de eventos climáticos extremos até
2100 fosse um dos efeitos previstos pelos cientistas como conseqüência do aquecimento
global. Afinal, as interações entre oceano e atmosfera, que dão origem a fenômenos
meteorológicos extremos como os furacões, dependem de uma série de fatores complexos.
Não é fácil entender como o simples aumento da temperatura média global influencia esse
jogo. E não existia uma série histórica de registros que pudesse incriminar o aquecimento
global: o que parece ser uma "tendência" em dez anos pode muito bem não se verificar na
década posterior.
O cientista e seus colegas ressaltaram que ainda há muita incerteza na pesquisa. Mas
observavam que, pelo menos nas últimas três décadas, o número de furacões nas categorias
4 e 5 praticamente dobrou, e no mundo todo. "Não há dúvida de que há um aumento
substancial", disse a Greg Holland, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos EUA.
A tendência foi verificada numa série de dados de satélite que é confiável ao longo desses
35 anos. E confirma um estudo publicado na revista Nature (www.nature.com) pelo
climatologista Kerry Emanuel, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), que
previa um aumento na intensidade dos furacões no Atlântico Norte devido ao efeito estufa.
"Isso é preocupante e mostra que em razão do aquecimento global das águas do mar a
humanidade precisa estar preparada para enfrentar fenômenos climáticos cada vez mais

5
Agência EFE. Aquecimento Global causa Desequilíbrio na Europa. Bruxelas, 26 de agosto de 2005.
6
(www.sciencemag.org).

5
severos, como já vem acontecendo", disse o climatologista Alexandre Pezza, da
Universidade de Melbourne (Austrália).
Pezza publicou, com Ian Simmonds, na revista científica Geophysical Research Letters, um
estudo sugerindo que o aquecimento global também tornará mais comuns fenômenos como
o Catarina, o primeiro furacão registrado no Brasil, que se abateu sobre o litoral catarinense
em março de 2004. Furacões são eventos caóticos, mas com uma coisa em comum: eles
dependem de temperaturas altas na superfície do oceano para acontecer. É o calor que
fornece "combustível" para as tempestades. Entre 1970 e 2004, a temperatura média da
superfície do mar aumentou 0,5C no globo. Esses eventos extremos também respondem a
ciclos naturais.
No caso do Atlântico Norte, esses ciclos são influenciados por fenômenos como o El Niño.
A cada 25 anos, em média, há um pico no número de furacões. Globalmente, no entanto,
não há evidência desses ciclos. E o registro obtido pelo grupo de Webster compreende um
intervalo maior que qualquer oscilação natural. "A temperatura da superfície do oceano está
aumentando em toda parte, não só no Atlântico", disse o pesquisador, segundo o qual,
quanto mais as temperaturas continuarem subindo, mais fenômenos como o Katrina
ocorrerão. “Furacões levam calor embora dos oceanos. Talvez sejam necessários furacões
cada vez mais fortes para compensar o aquecimento”.7
A emissão crescente de CO2 não é privilégio norte-americano, tendo também a Europa e a
China como grandes responsáveis. Segundo o Protocolo de Kyoto, os países centrais
industrializados, responsáveis históricos pela poluição ambiental, se comprometeram a
reduzir um percentual do total de suas emissões de carbono em 1990. As metas eram
diferentes para cada país, com prazos entre 2008 e 2012, e buscam alcançar uma
diminuição global de 5,2% das emissões de carbono. O nó da questão é o enorme custo
financeiro desse processo, que demandaria das indústrias mudanças radicais para se
adaptarem aos limites estabelecidos, e adotarem tecnologias energéticas “limpas”.
A comercialização internacional de créditos de seqüestro ou de redução de gases
causadores de efeito estufa foi a “solução” encontrada para diminuir o custo global do
processo. Países ou empresas que conseguirem reduzir o volume de emissão de gases acima
do valor estipulado como suas metas obterão créditos, que podem ser vendidos para outro
país ou empresa que não conseguir atingir os resultados previstos no Tratado. A modéstia
dos objetivos traçados revela que em Kyoto, na melhor das hipóteses, definiu-se só um
paliativo, assim como em reuniões precedentes, contrariando ao reclamo de setores
científicos que estimam necessária uma redução de 60% nas emissões de gás carbônico,
definiu-se apenas o objetivo de estabilizar esse patamar nos níveis de 1990.8
A crise política mundial suscitada em torno da assinatura do Protocolo de Kyoto é um
aspecto da crescente disputa inter-imperialista, e remonta aos primeiros eventos
internacionais em que a questão de uma diminuição concertada das emissões de gases
poluentes foi evocada, tal como a reunião de Rio-92. A pesar da enorme publicidade
montada em torno dela, a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
(ECO-92) acabou indo por água abaixo.

7
Claudio Angelo. Aquecimento produzirá novos Katrinas. Folha de S.Paulo, 16 de setembro de 2005
8
Cf. Dave Treece. Why the Earth Summit failed. International Socialism n° 56, Londres, outono 1992.

6
Segundo o Financial Times, "seria um milagre equivalente à salvação de Noé do dilúvio se
a cúpula da Terra, no Rio, alcançar os objetivos dos organizadores". 9 Para Martin Peng, do
Centro de Pesquisas para o Desenvolvimento Internacional (Canadá) “não haveria qua1quer
resultado real no Rio”, pois os pontos-chave da questão ambiental sequer foram pontos da
pauta de negociação na reunião preparatória (Prepcom).10 Correu-se até o risco de que a
declaração de princípios do evento (a "Carta da Terra") fosse adiada para 1995. Essa foi a
realidade daquela que Leonel Brizola (então governador do Rio de Janeiro, sede do evento)
chamou pomposamente “a reunião mais importante da história da humanidade”.
O Fracasso da ECO 92
O comissário para Meio Ambiente da Comunidade Econômica Européia, Carlo Ripa
Meana, não teve papas na língua: a negativa dos EUA em discutir metas e prazos de
redução na emissão de dióxido de carbono foi "uma tentativa de afundar a ECO/92".11 A
negativa constava de um texto emitido pela própria Casa Branca. Os EUA se opuseram à
proposta européia da carbon tax, taxa a ser paga pela emissão dos gases que provocam o
efeito-estufa. Mais ainda, Bush Sr., então presidente dos EUA, anunciou, logo depois da
ECO/92, a desobrigação de automóveis e caminhões fabricados nos EUA serem dotados de
dispositivos anti-poluição, o que foi definido como "um presente de um bilhão de dólares à
indústria de Detroit" (completamente falida).12
A carbon tax seria de fato um imposto cobrado pelos capitalismos europeu e japonês sobre
o norte-americano, toda vez que a indústria e os transportes dos EUA são os maiores
emissores mundiais desse gás poluente, principal causador do aquecimento da atmosfera da
terra pelo efeito estufa.
Segundo o Secretário-Geral da ECO-92 "medidas ambientalistas são compatíveis com a
vitalidade econômica. Japão, por exemplo, usa metade da energia que os EUA para cada
unidade de produção industrial. Isto dá aos japoneses uma vantagem competitiva de 5% no
mercado dos EUA".13 Os conselheiros ambientalistas de Bush prepararam um pretexto que,
bem analisado, era quase uma confissão: “O debate adquiriu tons ideológicos. Respeitáveis
cientistas, no entanto, negam que esteja havendo qualquer esquentamento mensurável, se
levado em conta um período de tempo bastante longo. Os atuais modelos de computador
para o esquentamento não explicam as tendências da temperatura durante o ultimo
século”.14
A afirmação contrariava evidência científica já bastante alarmante: "O ano de 1991 foi o
segundo ou terceiro mais quente desde que as temperaturas médias da Terra começaram a
ser registradas, há 140 anos. O escritório de meteorologia da University of East Anglia

9
Financial Times, Londres, 6 de março de 1992.
10
Folha de S. Paulo, 26 de março de 1992.
11
Idem, 27 de março de 1992.
12
Le Monde, Paris, 17 de março de 1992.
13
Maurice Strong. Eco-92. Critical challenges and global solutions. Journal of International Affairs n° 44 (2),
Nova Iorque, inverno de 1991.
14
C. Boyden Gray e D. B. Rivkin. A no-regrets environmental policy. Foreign Policy n° 83, Washington,
verão 1991.

7
acredita que a temperatura média mundial de 1991 foi 34 centésimos de grau centígrado
acima da média de 14,5° registrada entre 1951 a 1980".15
Contrariava também as evidências da degradação do meio ambiente, visíveis a olho nu. As
pesquisas científicas não conseguiam avaliar a magnitude do problema (e muito menos as
saídas), justamente a pesquisa que, nos próprios países avançados, estava tendo as suas
verbas sistematicamente cortadas. No informe oficial preparatório da ECO-92 se insistia
sobre o paradoxo do impressionante desenvolvimento científico das últimas décadas, em
contraste com o descontrole cada vez maior da depredação do meio ambiente pela
sociedade humana, chegando a afirmar que "no passado nos preocupamos com os impactos
do crescimento econômico sobre o meio ambiente. Agora temos de nos preocupar com os
impactos do desgaste ecológico (degradação de solos, regimes hídricos, atmosfera e
floresta) sobre nossas perspectivas econômicas".16
Em 1876, Friedrich Engels, como veremos, alertava para o fato da sociedade não controlar
os efeitos a longo prazo ("remotos") de suas conquistas sobre a natureza, dando como
exemplo o desmatamento dos Alpes. Mais de um século depois, o século em que a ciência
avançou mais do que em todos os séculos passados reunidos, a sociedade não controla
sequer os efeitos da sua atividade produtiva.
A ciência, portanto, com seu fantástico desenvolvimento recente, corre, no entanto, atrás da
destruição provocada pela produção capitalista, cuja velocidade de desenvolvimento é
maior (é isto que se admite ao se referir à "ignorância cientifica" sobre o efeito estufa). Este
é um índice profundo do anacronismo histórico do modo de produção capitalista
(propriedade privada dos meios de produção, e anarquia da produção), e a evidência mais
assustadora da catástrofe que ameaça a humanidade. Um dos efeitos mais dramáticos, como
é sabido, é o buraco na camada de ozônio na biosfera, que ameaça provocar centenas de
milhares de casos de câncer só nos EUA, e milhões no mundo inteiro.
No entanto, “se o esgotamento do ozônio por explosões nucleares ou qualquer outra causa
não poderia provocar um dramático desaparecimento da vida, inclusive da vida humana,
sobre a Terra, essa pergunta é daquelas que não podem ser respondidas com confiança,
dado o estado presente de nosso conhecimento. Mesmo as estimativas da perda de ozônio
que seria acarretada por holocaustos de diferentes tamanhos são altamente incertas”. 17 Mas
se o estudo das e dos mecanismos é dramaticamente anacrônico, as conseqüências são,
segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), bem palpáveis: 75% dos 49 milhões de
pessoas que morrem todos os anos são vitimas de doenças relacionadas a questões
ambientais.18
Segundo o Prepcom, o investimento mínimo necessário para encarar a questão ambiental se
situava, em 1992, entre 120 e 160 bilhões de dólares. Os EUA, aqui junto ao Japão e à
CEE, lideravam a recusa de pagar essa fatura, isto apesar de serem esses paises
responsáveis por quase 90% dos danos ambientais mundiais. Os paises imperialistas, por

15
Aconteceu n° 583, São Paulo, CEDI, 24 de janeiro de 1992.
16
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro, FGU,
1988, p. 5.
17
Jonathan Schell. O Destino da Terra. Rio de Janeiro, Record, 1984, p. 89.
18
Folha de S. Paulo, 5 de março de 1992.

8
outro lado, exigem a adoção de tecnologia "limpa" (não poluente) pelos paises atrasados,
mas recusam a proposta de transferência sem lucros dessas tecnologias (ela deveria ser feita
a preços do mercado). Eis a “ecologia” transformada em mais um meio de extorsão dos
países oprimidos.
Além disso, deve-se levar em conta que os países do outrora chamado Terceiro Mundo
“ainda continuam como grandes fornecedores de recursos naturais para os países
desenvolvidos. Se observarmos que os EUA e o Japão diminuíram drasticamente sua
produção de alumínio [dado o caráter extremamente poluente dessas indústrias, OC], e este
último e a Itália têm fechado as suas siderúrgicas, podemos nos perguntar como vão suprir
a demanda. A resposta: não só na substituição desses produtos por novos materiais, mas no
grande aumento da produção e da exportação de alumínio e de aço (por exemplo, pelo
Brasil)”. 19
Mas os recursos naturais não são objeto do mesmo tratamento reservado a transferência de
tecnologia do Primeiro para o Terceiro Mundo, em especial na questão vital da
biodiversidade (lembremos que quatro países latino-americanos – Brasil, Colômbia,
Equador e Peru - são os maiores reservatórios mundiais de espécies vegetais e animais
originais): "A maioria dos países do Terceiro Mundo não aceita patentes sobre plantas, mas
quer consagrar como seu patrimônio (e ser remunerado) as espécies selvagens que
fornecem matéria-prima para o melhoramento genético. As indústrias de bio - tecnologia
rejeitam a remuneração sobre esse patrimônio natural, mas querem patentes para seus
próprios produtos (sementes, bactérias modificadas geneticamente e outros)".20
Ora, segundo Peter Raven, secretário da Academia de Ciências dos EUA, a extinção de
plantas, animais e micro-organismos é o maior problema ecológico atual, seguido do efeito
estufa e de destruição da camada de ozônio.21 Segundo Angela de Oliveira Harkavy, da
International Task Force for the Earth Charter, "os paises em desenvolvimento querem
fazer valer interesses econômicos nacionais em detrimento de princípios ambientalistas
universais". 22 A "conscientizada" senhora não ocorria que os paises imperialistas
estivessem fazendo o mesmo. Na verdade, todos os mecanismos da espoliação imperialista
são fronte de depredação ambiental, inclusive os subsídios agrícolas praticados pelos EUA
e pela CEE. Um relatório do já desaparecido GATT (Acordo Mundial sobre Tarifas
Comerciais) afirmava que “a política agrícola da CEE, fortemente protecionista, está
impondo sérios danos ambientais ao planeta. Países menos desenvolvidos, como Argentina,
Austrália e Tailândia, usam menos de 10% dos fertilizantes químicos por hectare que são
usados pelos europeus”. 23
Mas, se o atraso agrário é a fonte histórica da miséria da América Latina, isto não a poupa
da poluição e da degradação ambiental, confirmando a análise de que os paises atrasados
sofrem simultaneamente pelo seu desenvolvimento capitalista e pela ausência dele: "Os
países latino-americanos enfrentam dois desafios ambientais cruciais na década de 1990: a

19
W. A. do Amaral. A questão florestal e suas interações. Tempo & Presença n° 261, São Paulo, fevereiro de
1992.
20
Folha de S. Paulo, 20 de março de 1992.
21
Clarin, Buenos Aires, 26 de janeiro de 1992.
22
Folha de S. Paulo, 28 de março de 1992.
23
Idem, 13 de fevereiro de 1992.

9
destruição de seus recursos naturais renováveis e a poluição das suas cidades. Enquanto os
EUA e o Canadá podem se dar ao luxo de enfrentar cada um desses desafios
separadamente, a América Latina os enfrenta simultaneamente, em meio a uma severa
depressão econômica".24
Parafraseando Trotsky, pelo desenvolvimento combinado das suas economias, os países
atrasados unem o pior do atraso agrário e industrial com a última palavra da poluição. Um
informe confidencial do Banco Mundial afirmou, sem a menor vergonha, que "numerosos
países da África encontram-se muito sub-contaminados (limpos) pelo que seria lógico que
recebessem industrias sujas e resíduos industriais".25 Isto inclui resíduos nucleares, e
também diz respeito à América Latina (na década de 1990, o governo Menem, da
Argentina, por exemplo, foi suspeito internacional de ter vendido espaços do país para
descarregar lixo nuclear dos países “desenvolvidos”): as colônias e semi-colônias do
imperialismo são literalmente o esgoto do capitalismo mundia1.
Quais foram, então, as preocupações “ecológicas" que levaram à convocação da ECO-92?
O "Grupo dos 7" (composto pelos EUA, Canadá, Europa) rejeitou expressamente a
implementação de um fundo para a solucionar os problemas ambientais. E, quanto ao
"dinheiro novo", já fora, por exemplo, reduzido de US$ 1,5 bilhão para US$ 250 milhões o
montante consagrado à defesa da floresta tropical amazônica.26
Além disso, a "ajuda" estava condicionada à realização, logo depois da ECO 92, de
“convenções” sobre assuntos específicos: “Segundo o representante de um governo do G-
77 (países do Terceiro Mundo), a idéia de uma convenção sobre florestas, com ênfase nas
tropicais, serviu em parte para desviar a atenção da ECO 92 sobre alterações climáticas.
Nesta área, os EUA já disseram que não iriam tomar as medidas necessárias para o controle
do CO2”.27 Os EUA propuseram então o “monitoramento internacional” (leia-se EUA) da
Amazônia, e uma "convenção" semelhante para a Antártida, ou seja, o avanço sobre a
soberania nacional dos países atrasados.
Um Fracasso após Outro
Oito anos depois, no Foro Mundial de Ministros de Meio Ambiente, celebrado em Malmoe
(Suécia), assistido por representantes de governos de mais de 100 países, a declaração final
teve que reconhecer que apesar dos múltiplos compromissos e declarações celebrados até
agora, fracassaram todos os intentos por frear a mudança climática. O informe Perspectivas
del Medio Ambiente Mundial GEO 2000 assinala que a voracidade capitalista levará à
degradação do meio ambiente a proporções inusitadas. Entre outras coisas, durante os
próximos 50 anos as emissões tóxicas atmosféricas se triplicarão, duplicará o gasto de
energia, reduzirão drasticamente as reservas de água doce e desapareceria 17% da massa
florestal em todo o planeta.
Destroem-se as selvas tropicais a uma velocidade de uma superfície equivalente a um
campo de futebol por minuto; o ar, a terra, os rios e os mares estão cada vez mais

24
The Inter-American Dialogue. The environmental challenge. In: The Américas in 1989: Consensus for
Action. Nova Iorque, 1989, p. 41.
25
Clarin, Buenos Aires, 8 de fevereiro de 1992.
26
O Estado de S. Paulo, 11 de março de 1992.
27
Folha de S. Paulo, 30 de março de 1992.

10
contaminados; os habitats dos peixes se esgotam rapidamente; a terra cultivável se reduz
como fruto da erosão, enquanto os desertos avançam sem cessar; milhões e milhões de
seres humanos se vêm atirados à fome e à miséria, enquanto degradam-se seus meios de
subsistência. A presidente da Fundación Entorno, Cristina García Orcoyen, declarou: “Há
algo que não funciona, porque nos últimos anos foram adotados meios para frear a
degradação sem êxito: as políticas chegam tarde ou são mais lentas que os processos de
destruição do planeta”.
No último meio século a emissão de CO2 foi multiplicada por quatro. Na atualidade são
lançados na atmosfera mais de 6 milhões de toneladas de carbono anualmente. Em 1860,
em plena revolução industrial, a atmosfera terrestre continha 280 ppm (partes por milhão de
CO2), agora a concentração é de 360, significa dizer, quase 30% mais, algo como um
incremento de 0,4% anual. No mesmo período de tempo, a temperatura média mundial
subiu meio grau. Há que se levar em consideração que o sistema climático mundial é
interativo, a atmosfera, os continentes, os oceanos e os ecossistemas conformam um
equilíbrio dinâmico. Modificá-lo, mesmo que seja pouco, aumentando a temperatura média,
desencadeia mudanças de imprevisíveis conseqüências. Os padrões climáticos atuais serão
seriamente alterados nas próximas décadas. A proliferação em todo o mundo de desastres
naturais, como os furacões, as secas ou as inundações em todo o mundo, é um exemplo.
Os cientistas calculam que ao ritmo atual de acumulação de gases na atmosfera, ao final do
século XXI, a temperatura média do planeta haverá subido entre um e 3,5ºC. Isto significa
que o nível dos oceanos se elevará meio metro. Ao longo do século XX o nível do mar
subiu entre 10 e 20 cm. Milhões de pessoas em zonas como Bangladesh, Paquistão ou Egito
se verão deslocadas pela subida das águas. Tudo isto afetará profundamente a exploração
dos recursos naturais, alimentação e obtenção de água potável para amplas camadas da
humanidade. Os deltas dos rios se erodem com a correspondente perda de terras cultiváveis
e os depósitos de água doce se salinizarão progressivamente, impossibilitando-se seu uso
para o consumo humano e a agricultura.
Alguns territórios terão pior sorte. Países como as Maldivas, a ilha de Tuvalu (no Pacífico
Meridional, onde vivem 90.000 polinésios), o Kirivati (ao norte de Tuvalu onde habitam
64.000 micronésios), haverão de ser apagados dos mapas. Cidades como Veneza, Gênova
ou Nápoles terão a mesma sorte. Atualmente 1,7 bilhões de pessoas no mundo (de uma
população total de 6 bilhões) têm escassez de água. Um estudo da ONU estima que dentro
de 25 anos, a escassez afetará a 5 bilhões (o mundo contará então com 8 bilhões de seres
humanos).
Como já ocorre na Ásia Menor e Oriente Próximo, o controle da água se converterá cada
vez mais em um objetivo para as guerras entre os países. A mudança climática também se
deve ver através do incessante avanço dos desertos. Robert Watson, presidente do Painel
Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC) declarou que “As zonas áridas e
semi-áridas serão mais áridas ainda e sofrerão reduções de precipitações no sul da Europa,
no norte e no sul da África, Oriente Próximo, México e parte da América do Sul”. Calcula-
se que o aumento das temperaturas fará com que se desloquem ao norte uns 500 km. Este
fenômeno pode ser particularmente grave na densamente povoada bacia mediterrânea.
Grandes zonas do sul da Europa correm o risco de transformar-se em imensos desertos,
causados pela diminuição continuada das chuvas e o retrocesso das zonas úmidas. Alguns
advertiram que o século XXI ameaça ser o século das grandes migrações. Não é uma

11
afirmação gratuita, na década de 1990, o número de desalojados por desastres naturais
superou os desalojados por guerras. A rapidez das mudanças não só afetará a população
humana, a flora e a fauna também sofrerão as conseqüências. Muitas espécies, incapazes de
adaptar-se à rapidez das mudanças climáticas, se extinguirão.
Os sintomas do aquecimento global são múltiplos e variados. O gelo das calotas polares
diminui sem cessar. Não é estranho ler nos jornais a aparição de enormes icebergs no pólo
sul, desgarrados do continente antártico. O mesmo ocorre com o gelo de montanhas em
todo o mundo. A vegetação das zonas frias (siberiana e canadense) se desloca até o norte,
enquanto algumas espécies de insetos aparecem em latitudes em que há apenas alguns anos
não existiam. A mudança climática terá também seu efeito na saúde, com o aumento das
doenças infecciosas, como a malária, a febre amarela, a dengue ou o cólera.
Merece uma especial atenção o tema da rápida destruição da massa florestal em todo o
planeta. O Fundo Mundial para a Natureza advertiu sobre a ameaça que isto impõe. Só em
1997, a Indonésia perdeu 9,5 milhões de hectares de selvas. O corte indiscriminado e os
incêndios (espontâneos ou provocados pela queima de terrenos, para prepará-los para a
agricultura) causaram uma coluna de fumaça que afetou 70 milhões de pessoas. Em 1997-
98 se perderam 3,3 milhões de hectares no Brasil, no México e América Central 1,5
milhões, na Rússia 2 milhões.
Mas a destruição não só afeta aos países subdesenvolvidos, nos EUA e Canadá cinco
milhões de hectares foram afetados pelas chamas. Na zona mediterrânea ardem cada ano
600.000 hectares. “Em todo o mundo 22 milhões de hectares de terras cultiváveis, florestas
e bosques registraram incêndios que afetaram a saúde de mais de 130 milhões de
pessoas”.28 Na deflorestação intervém o apetite dos países imperialistas pelas madeiras
tropicais e a necessidade dos países coloniais e semi-coloniais para obter divisas.
Tampouco há que se duvidar dos efeitos da pecuária (somente na América Central entre
1961 e 1978 as terras dedicadas a este trabalho aumentaram em 53%, enquanto que a selva
foi reduzida em 39%).
Nos países industrializados os bosques também foram afetados pela chuva ácida e a
contaminação. A massa florestal absorve cerca de 25% de CO2 que é jogado na atmosfera.
A medida que o corte e a queima incontrolada se estendem diminui também a capacidade
deste importantíssimo mecanismo natural de contenção. Calcula-se que desde 1860, a
destruição dos bosques lançou à atmosfera entre 90 e 180 milhões de toneladas de carbono,
em comparação com os 150-190.000 da queima de combustíveis fósseis. Crê-se que
atualmente a deflorestação anual seja responsável por cerca de 1000 e 2.600 milhões de
toneladas. Com os incêndios não só diminui a capacidade de absorção dos gases
atmosféricos, mas que também o CO2 liberado em um ano equivale à terceira parte das
emissões provocadas pelos combustíveis fósseis.
As conseqüências do “efeito estufa” também afetam a península ibérica. Nos últimos 100
anos a temperatura média aumentou 1,6ºC. Até o ano 2050 a temperatura pode aumentar
entre 1,4 e 3,8ºC; o regime de chuvas diminuirá entre 5 e 15%. Sintomaticamente no último
século os verões mais calorosos foram os de 1989, 1995 e 1997, e as estiagens invernais
mais severas em 1988-89, 1991-92 e 1992-93. A proliferação dos incêndios florestais,

28
El País, Madri, 25 de julho de 2000.

12
agravados pela seca, é uma ameaça que a política dos distintos governos apenas tem
conseguido conter. Em 1998 o Estado espanhol teve 21.460 incêndios que afetaram
121.490 hectares (41.240 eram de bosque).
Da Eco 92 a Kyoto
Apesar do panorama que nos mostram os cientistas continua a irracionalidade capitalista, os
governos de todo o mundo continuam empantanados numa inacabável série de congressos e
conferências nos quais se discute o que se irá discutir. Na cúpula do Rio de Janeiro,
celebrada em 1992, 154 países firmaram a Convenção sobre a Mudança Climática, na qual
se aceitava um mais que modesto (e totalmente insuficiente) plano: estabilizar as
concentrações atmosféricas de gases estufas ao nível de 1990. A cúpula teve como destaque
a oposição dos EUA e das multinacionais a reconhecer a existência de perigo.
Suspeitosamente o objetivo final do acordo não ia acompanhado das medidas necessárias
para conseguí-lo.
O Painel Inter-Governamental sobre a Mudança Climática (IPCC) da ONU, na I
Conferência das Partes reunida em Berlim, denunciou que se não forem adotadas as
medidas oportunas, a temperatura média da Terra aumentará 0,3ºC cada dez anos. O
mesmo informe precisava que para conter a elevação a níveis não traumáticos (0,1º C cada
década), era necessário que se reduzissem as emissões de CO2 entre 50 e 70%. Os
participantes da Conferência estipulavam como objetivo a aprovação de um protocolo que
limitasse a emissão de gases de efeito estufa. O prazo terminaria na histórica convenção de
Kyoto, dois anos depois.
A reunião de Kyoto, apesar das declarações dos representantes dos principais países foi um
retumbante fracasso. Nela foram evidenciados os interesses enfrentados e irreconciliáveis
da burguesia internacional. Para os EUA e seus aliados num organismo integrado pelos
países industrializados não pertencentes à UE (Suíça, Canadá, Austrália, Noruega e Nova
Zelândia) qualquer correção em sua política de emissões estava condicionada a que os
países coloniais e semicoloniais fizessem o mesmo. EUA, o principal país contaminador do
mundo (22%) declarou que não estava disposto a ir mais além de uma mera estabilização.
Os países coloniais e semicoloniais, junto da China, organizados no G77 + China, por sua
vez, declararam que eram os países industrializados os que haviam causado o problema, e
que seriam eles portanto, os que deviam carregar o peso das medidas.
A AOSSIS (que agrupa aos pequenos Estados insulares que vêm ameaçada sua existência
pela elevação do nível do mar) propôs uma redução de 20%. A UE, pressionada por sua
opinião pública, aceitou uma redução de 15% das emissões para 2010. Por conseguinte,
qualquer diminuição estaria condicionada à reduções norte-americanas (do contrário as
empresas européias ficariam em uma situação de desvantagem em relação aos seus rivais).
Helmut Kohl anunciou que a Alemanha faria uma redução de 25%.
Graças à “bolha européia”, a diminuição dos gases não deveria ser feita país por país, senão
globalmente. Isto permitiu que países como Espanha pudessem continuar aumentando a
contaminação, cumprindo os acordos. Alemanha viu reduzir suas emissões sem fazer o
mais mínimo esforço, graças ao desmantelamento da indústria da antiga Alemanha
Oriental, produzido depois da unificação, puderam cumprir os acordos e todavia ceder uma
parte de sua capacidade contaminadora a outros países da UE. Japão aceitou a contragosto
uma redução de 5% criticando o cinismo europeu.

13
O resultado da cúpula de Kyoto não foi mais do que uma declaração de boas intenções,
vendida de forma triunfalista à opinião pública dos distintos países, apesar de sua
inutilidade. No Protocolo final, os países industrializados se comprometiam a estabilizar e
reduzir as emissões em um minúsculo 5,2 e não antes de 2010. Os estudos realizados
consideram que se os gases se estabilizarem a esse nível, seriam registradas perdas
consideráveis nas selvas sul-americanas e aumentaria a escassez de água em alguns países
europeus e no Oriente Próximo. Contudo, se forem cumpridos os modestos objetivos de
Kyoto, representará somente 0,1º C a menos o aumento das temperaturas dentro de um
século. Os governos que firmaram o documento eram conscientes de que não estavam
obrigados a cumprir seus compromissos, enquanto o Protocolo não chegasse a ser posto em
prática.
Em 1998, um ano depois de Kyoto, os representantes dos países voltavam a se reunir, desta
vez em Buenos Aires. O objetivo era iniciar e dar continuidade ao Protocolo de Kyoto.
Enquanto a cúpula se perdia em intermináveis discussões e negociações, a ameaça de
mudança climática refletia-se nas trágicas conseqüências do furacão Mitch que na
oportunidade arrasava vários países da América Central. A reunião de Buenos Aires foi um
novo fracasso. Não houve avanços significativos. Todas as questões importantes foram
mais uma vez adiadas.
Em outubro de 1999, os representantes dos governos se reuniram novamente em Bonn para
continuar embaraçando o que já estava embaraçado, na V Conferência das Partes da
Convenção Marco da ONU sobre a Mudança Climática. O objetivo era desobstruir as
conversações sobre o Protocolo de Kyoto. Algo como negociar o que se irá negociar.
Prontamente se comprovou que entre 1990 e 1997, países como Canadá e EUA haviam
aumentado suas emissões em 20%.
Não foram os únicos. Outros como Holanda, Nova Zelândia, Áustria, Espanha e Japão,
entre outros, continuavam aumentando suas emissões contaminadoras. Entre os temas que
se discutiram e que estavam condenados a não avançar estava o dos mecanismos
sancionadores que deveriam ser criados para os países que descumprissem o Protocolo.
Debate por si só inútil porque dos 84 países que firmaram o famoso documento (inclusos a
UE e EUA) somente 19 haviam-no ratificado, e dentre eles nenhum país imperialista.
EUA exigiu que se liberassem todos os mecanismos do protocolo que ficaram delimitados e
que não se pusessem limites a sua utilização. A UE, por sua parte, exigiu que se fixasse
uma porcentagem de utilização dos mesmos para que uma parte do controle de emissão se
fizesse por cada país. O G77 + China, fortemente dividido, reivindicou que primeiro se
resolveriam os mecanismos para um progresso limpo, o que quer dizer, pediam em
contrapartida a transferência de tecnologia por parte dos países mais industrializados.
Dentro desse bloco, os países exportadores de petróleo obstaculizaram todas as medidas
que pudessem representar um efeito negativo para suas economias. Mahamad Al Sabban,
delegado da Arabia Saudita, declarou que a OPEP poderia perder até 63 bilhões de dólares
anuais, caso fosse aplicado o Protocolo: “o aumento dos impostos sobre os combustíveis
provocaria uma diminuição da demanda que nos faria retroceder, nos próximos anos, à era
primitiva em que vivíamos no passado”.
Como contraste diante de tanto impasse, um dos acordos que mais avançou desde a cúpula
de Kyoto foi o da criação de um comércio internacional de emissões. Um país que não

14
chegasse a consumir sua cota contaminadora poderia vender seu excedente a outros países.
Rússia e os países do Leste europeu, que teriam visto reduzir suas emissões pelo desfalecer
de suas economias, poderiam barganhar com seus índices de contaminação, com países
como os EUA, interessados em manter os seus. A Rússia pretende vender (e EUA comprar)
a diminuição de emissões imaginárias que a decadência econômica da URSS produziu...
São emissões que nosso sistema climático nunca iria receber e que agora serão introduzidos
por uma porta falsa. Não é uma quantidade de emissões a se ignorar, já que a ruína
industrial da Rússia fizeram com que suas emissões diminuíssem 30% em relação ao nível
de 1990. Isso significa uns 500 milhões de toneladas ao ano, que equivaleriam às emissões
de 90 grandes centrais térmicas ou a metade do que emitem anualmente Alemanha ou
Japão, em torno de 15% das emissões da UE.
A cúpula de Kyoto (e depois a de Buenos Aires) não só se mostraram incapazes de deter o
avanço da contaminação, como se converteram em um órgão criador e regulador de um
novo comércio mundial. Isto explica a mudança de atitude das multinacionais e dos grandes
grupos econômicos, que passaram nos últimos anos de oponentes taxativos de qualquer
regulação sobre a emissão de gases contaminadores a apoiá-las, enquanto se tenham em
conta seus interesses.
Os grandes capitais descobriram na ecologia um novo canteiro de negócios que poderia
dar-lhes benefícios. Compram-se e vendem-se direitos de emissão de CO2 e outros gases de
efeito envenenador em pacotes hot air (ar quente), para quadrar seu comércio de
contaminação ou para vendê-los logo a outro que os necessite. A Câmara Internacional de
Comercio reclamou que o futuro mercado hot air esteja livre de restrições e obstáculos
burocráticos. Não é nenhuma casualidade Tony Blair ter afirmado que reduzir as emissões
de gases de efeito envenenador poderia aumentar a competitividade, o emprego e a
qualidade de vida. Finalmente a ecologia cotiza em Bolsa!
Em julho de 2001, nos EUA, os primeiros resultados dos estudos sobre a capacidade de
absorver CO2 dos sumidouros dos EUA foram um duro revés para as pretensões de George
Bush. O presidente dos EUA usava como argumento fundamental para opor-se ao
protocolo de Kyoto o fato de que boa parte das emissões de CO2 emitidas pelos EUA eram
absorvidos por seus bosques. As estimativas preliminares cifravam a capacidade de
absorver dióxido de carbono pelos sumidouros dos EUA em 1,3 milhões de toneladas.
Tendo em conta esta capacidade, o presidente Bush se desligou do Protocolo de Kyoto e
ofereceu, em contrapartida, medidas supostamente imaginativas para combater a mudança
climática.
Estas medidas eram compostas por dois elementos fundamentais que a administração dos
EUA defendeu na cúpula de Haya, o comércio de emissões e as considerações a respeito da
capacidade dos sumidouros na contabilidade dos gases estufas. A administração Bush havia
investido milhões de dólares na investigação para descobrir a capacidade de absorção de
CO2 dos diferentes tipos de bosques, plantações e ecossistemas vegetais. Os primeiros
resultados destas investigações estimam entre 300 e 600 milhões de toneladas a capacidade
de absorção, cifras muito inferiores às estimadas inicialmente.
Por outro lado deve-se destacar a enorme incerteza que existe nestes cálculos e isto apesar
dos grandes esforços de investigação que estão sendo realizados. Não é este o primeiro
revés científico que recebe a administração Bush, posto que a Academia de Ciências dos

15
EUA já ratificou as conclusões do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança
Climática) sobre o aquecimento mundial, desqualificando as afirmações de Bush, que se
atrevia a questioná-las. O problema da avaliação da capacidade de absorver CO2 dos
diferentes tipos de sumidouros é vital no debate sobre a redução de emissões de gases
estufa.
Os primeiros resultados evidenciam que a capacidade dos sumidouros não pode, pelo
momento, ser um elemento decisivo nestes debates. Se a UE contabilizou a capacidade de
seus sumidouros, com os imperfeitos conhecimentos disponíveis na atualidade, poderia
satisfazer a redução de 5,2% de gases estufas a que se comprometeu em Kyoto,
aumentando suas emissões em 0,6%. Ecologistas em Ação crêem que há muitas incertezas
sobre os sumidouros e que com toda certeza estes foram superestimados, uma vez que o
mais razoável seria centrar-se exclusivamente na questão da redução de emissões.
Magnitude do Problema
A mudança climática é uma ameaça que afeta a todo o planeta. Muitos cientistas de renome
internacional advertem que a situação é muito mais grave do que se diz. Se as emissões de
gases estufas fossem mantidas ao nível de 1990, tal como exige o Protocolo de Kyoto, o
aquecimento da Terra continuaria, porém de forma mais lenta, ou seja, retardaríamos a
catástrofe. Contudo, mesmo com a máquina de contaminação capitalista funcionando a
todo vapor, as vozes críticas do sistema já não exigem a diminuição da contaminação, ou
sequer sua estabilização, alguns pedem somente que não se dupliquem nos próximos anos.
Mas inclusive aqui, podem ser vistas as diferenças entre os países imperialistas e os países
coloniais e semicoloniais. Os primeiros emitem entre 40 e 50 vezes mais per capita, que os
segundos. Earth Action calcula que os países mais ricos do planeta, onde vive 20% da
população, são os responsáveis diretos por 60% das emissões globais.
Por outro lado este é apenas um aspecto do problema, porque uma parte das emissões dos
países mais pobres é conseqüência direta da transferência de tecnologias “sujas”, o que de
dá através do envio das indústrias mais contaminadoras a estes países, onde a legislação é
mais “permissiva”, ou pelo comércio internacional de direitos de contaminação. O sistema
capitalista, preso a suas próprias contradições, não está disposto a frear sua voracidade,
mesmo que seja às custas de provocar mudanças catastróficas e irreversíveis no planeta, e
de arrastar a humanidade à barbárie.
O grande capital necessita continuar se reproduzindo, e não pode aceitar seriamente que
nada ponha travas a sua reprodução. No início dos anos de 1990, os grandes capitais
negavam a existência de uma ameaça climática e tratavam os cientistas que se atreviam a
denunciá-la quase como a terroristas. A Global Climate Coalition, um grupo que se
apresentava como uma organização de associações de comércio, negócios e companhias
privadas, por trás da qual se ocultavam interesses tão inconfessáveis como os das
multinacionais petrolíferas, confundiram a opinião pública através dos meios de
comunicação “independentes”, acusando os cientistas que se atreviam a manter uma
posição independente, de manipular os dados, com o fim de afundar a economia.
Nos últimos anos as multinacionais mudaram sua tática e sua estratégia. Agora já não se
enfrentam diretamente com um quadro da realidade que poucos se atrevem a duvidar,
preferem tomar parte das conversações internacionais. O que é que mudou? A evidência de
que as medidas para fazer frente à mudança climática podem ser não só necessárias no

16
futuro, mas inclusive podem chegar a ser uma nova fonte de negócios. Expressava-o
perfeitamente o estudo realizado em 1999 por uma instituição estadunidense: “Reduzir as
emissões de CO2 ao mesmo tempo que se faz dinheiro”.
Independentemente da certeza ou falsidade do conteúdo, o que se destaca da mensagem é
que a “ecologia” tem que ser rentável (desde o ponto de vista capitalista) para que possa ser
realizável. Os limites do capitalismo e, portanto, sua irracionalidade intrínseca, não são
outros que a necessidade do capital de sobreviver e reproduzir-se. O aumento das emissões
de CO2 é conseqüência de uma política energética de transportes liberalizada, orientada a
proporcionar os máximos benefícios às empresas elétricas, de petróleo, de automóveis e
construtoras, que só consideram o meio ambiente como um objeto decorativo e um
obstáculo para o crescimento econômico, quando não o usam para justificar infra-estruturas
e projetos que são os que provocam o aumento de emissões e a mudança climática.
No capitalismo, os governos, ou seja, os representantes políticos do capital, são
perfeitamente conscientes de quais são os interesses de seus patrões, e seu comportamento
nos eventos internacionais é coerente com isso. Algo parecido ao que está ocorrendo com a
questão da mudança climática ocorreu com o Protocolo de Montreal (1997) a respeito do
buraco na camada de ozônio, onde nada pode ser feito até que os impérios químicos não
tivessem preparado os compostos que iriam substituir os cloroflurocarbonos (CFC), apesar
de o buraco na camada de ozônio na Antártida já ser tão grande quanto a Europa. Um dos
problemas com que agora se deparam é que os substitutos que não prejudicam a camada de
ozônio, aumentam a mudança climática e o efeito estufa. Não importa que na atualidade a
mudança climática possa provocar desastres, que provocariam outros muito maiores num
futuro não muito distante, o que realmente importa é que os capitalistas não vejam
comprometidas suas ganâncias.
Os problemas da mudança climática não deixaram de ser agravados nos últimos anos e a
perspectiva é que a situação piore cada vez mais. Enquanto isso, as prioridades dos
governos é a de limitar-se a administrar os aspectos do meio ambiente que possam ser
rentáveis e benéficos, e deixar para um futuro indeterminado as questões que possam ser
um obstáculo para os interesses do grande capital. Hoje estão sendo tomadas muitas
decisões econômicas e sociais sobre projetos a longo prazo, sobre irrigação e energia
elétrica, a ajuda em casos de seca, o uso agrícola da terra, os projetos de infra-estrutura.
Todos eles partem do pressuposto de que os dados climatológicos passados são uma
indicação confiável para o futuro.
Os governos burgueses de direita ou de esquerda, junto às organizações ecologistas
“responsáveis” através de toda a parafernália dos meios de comunicação, cientistas e
economistas “independentes”, acusam as vozes críticas de estar fora da realidade e de
defender posições utópicas e tresnoitadas, quando defendem a necessidade de uma
mudança radical do modelo energético (que questiona o sistema capitalista). Os argumentos
utilizados são os de que 85% da energia utilizada procede dos combustíveis fósseis e que
uma mudança radical seria um desastre que levaria à perda de milhões de postos de
trabalho e a diminuição da qualidade de vida de toda a sociedade em geral; que as fontes de
energia alternativas renováveis e não contaminadoras seriam demasiado caras e que sua
investigação ainda estaria a cargo de covardes. Por detrás de tais argumentos não se
encontra outra coisa senão os interesses inconfessáveis do grande capital (encarnado nos
grandes impérios petrolíferos, químicos, automobilísticos).

17
Capitalismo e Destruição Ambiental
Enquanto os interesses dos grandes capitalistas estiverem em jogo, a demissão de dezenas
de milhares de trabalhadores, e a drástica diminuição do nível de vida nunca contarão para
nada. Em última instância é preciso que essas fontes energéticas abarquem os mesmos
interesses dos capitalistas, tal como ocorre na atualidade com o petróleo. Há somente
alguns anos, estes mesmos senhores defendiam que a energia nuclear era a energia do
futuro. Hoje os governos imperialistas da Europa, Japão e EUA põem em marcha planos de
redução do número de centrais nucleares que se encontram em seus países, com o pretexto
de que são perigosas e caras. Argumentos que não os impedem de vender esta tecnologia
aos países atrasados.
Não existem planos reais de substituição da energia fóssil por energias alternativas e não
contaminadoras, simplesmente porque não interessa aos grandes capitais. Enquanto os
“realistas” dizem se preocupar com o preço que deveria ser pago com a colocação em
marcha de planos “tão ambiciosos”, tem demonstrado que não lhes importa o preço a ser
pago pela emissão de gases contaminadores à atmosfera, se ela continuar ao ritmo
vertiginoso atual.
O capitalismo é cego (no sentido de que menospreza as conseqüências futuras, obcecado
por escapar às suas contradições imediatas), porque não pode ser de outra maneira, não
pode escapar aos seus próprios limites e a sua própria essência, que não é outra que a
reprodução ad infinitum do capital, nem que seja às custas de por em perigo a existência
mesma de vida humana. O preço pelo modelo energético capitalista já está sendo pago na
atualidade, um preço certamente muito caro, mesmo que tentem ocultar-nos através do
“humanitarismo” das ONGs e a “generosidade” dos governos imperialistas.
A fome na África provocada pelas secas, o avanço da desertificação (Sudão, Etiópia,
Eritréa, Somália) e a proliferação de outros desastres naturais em todo o mundo
(inundações em Moçambique, América Central, furacões no Caribe e Sudeste Asiático...).
Muitos são os sintomas do aquecimento do planeta, que estão sofrendo em sua própria
carne as camadas mais despossuídas da humanidade, mas o capitalismo só parece se
importar com sua necessidade de esconder a relação causa – efeito que existe entre sua
voracidade de benefícios e a crescente extensão da miséria e da fome em todo o mundo.
Em 1984, no Quênia, se reuniu uma conferência mundial da ONU, que estudava a séria
ameaça do avanço dos desertos em todo o mundo. Os preocupados conferencistas
reconheciam o fracasso de sua luta: “a meta que havíamos fixado (em 1977) para acabar
com a desertificação em 2000 deve de ser considerada irreal”. Quais foram as causas de tão
retumbante fracasso? A nula vontade dos países imperialistas de investir 4,5 bilhões de
dólares anuais durante 20 anos. A falta deste dinheiro, no mesmo período causará a perda
de nada mais nada menos que 520 bilhões. Chama a atenção que estes senhores contem
seus problemas em milhares de milhões de dólares, não pelo número de tragédias humanas
que essas perdas supõem. Por outro lado sabemos, ademais, e é vox populi, que os gastos
em armamento em todo o mundo, anualmente, convertem em ínfimas, essas quantidades.
Para o capitalismo é muito mais importante os 90 bilhões que deveria investir nessas duas
décadas a fundo perdido, que os 520 bilhões que perdeu a população pobre dos países que
está sofrendo as conseqüências da desertificação (e que se traduz na morte de milhões de
seres humanos, e na generalização da fome e da miséria). Ao fim e ao cabo as perdas não

18
serão suas. A realidade é que graças à cegueira capitalista os desertos avançam cada ano
uma extensão equivalente à metade da superfície da França e são uma ameaça para todos.
Fica claro pois, que quando eles falam de que as energias alternativas são caras, e relegam
até as o infinito sua progressiva implantação em termos reais e significativos, na realidade
estão falando é de seus bolsos, do valor de seus investimentos na Bolsa. Não é certo que na
atualidade não existam alternativas aos combustíveis fósseis, o que não existe na realidade
é a vontade de substituí-los, especialmente quando produzem tão suculentas ganâncias.
Nem os governos, nem as multinacionais, investem na investigação sobre as energias
alternativas, simplesmente porque não os interessa. O capitalismo em sua fase atual se
converte cada vez mais em uma séria ameaça que pode arrastar a humanidade à barbárie.
Requer especial importância a hipocrisia da esquerda capitalista, quando agita a bandeira
do capitalismo civilizado e com rosto humano. A ex-ministra francesa de Meio Ambiente,
a ecologista Dominique Voynet, destacada membro do governo da “esquerda plural”.
defendia não há muito tempo, diante do fracasso do PNUMA (Programa das ONU para o
Meio Ambiente), a necessidade de criar uma Organização Mundial de Comércio, centrada
no tema da mudança climática. Falando em dinheiro: como a ONU fracassou em sua
tentativa de encontrar uma saída satisfatória (por não ter nem orçamento suficiente para
fiscalizar e fazer cumprir os convênios existentes), é necessário que os governos, os
representantes políticos das multinacionais, discutam e negociem diretamente, sem
intermediários, os interesses de seus patrões.
Paradoxalmente, Dominique Voynet teve que reconhecer que “as raízes da destruição
ambiental se transformam em problemas como a pobreza, uma distribuição desigual de
bem-estar e a carga da dívida externa dos países em vias de desenvolvimento”: propõe,
então, que se ponha diretamente o galinheiro nas mãos das raposas.
O capitalismo também aprende “ecologia”. Seus representantes são conscientes da ameaça
que se agiganta para a sobrevivência da humanidade e a vida no planeta, mas não podem ir
mais longe, porque eles mesmos formam parte do mesmo sistema. Eles sabem que a
degradação ecológica supõe um sério perigo para os interesses dos grandes capitais a médio
ou longo prazo, mas também compreendem que o único remédio conseqüente que existe,
para eles, é pior que a enfermidade que pretendem curar. Propor a superação do capitalismo
supõe uma ameaça direta a sua própria sobrevivência como funcionários bem pagos do
sistema.
Ecologia e Luta de Classes
Existe um denominador comum de todas as correntes ecológicas burguesas e pequeno
burguesas: a despolitização da ecologia. Fala-se do meio ambiente e do planeta, como se
fala do tratamento de um enfermo, que se tem de curar, mas em nenhum caso descrevem
que “vírus” provoca a enfermidade. Escondem-se as forças que destroem o meio ambiente,
e também os milhares de milhões de marginalizados, que sofrem as principais
conseqüências. É um discurso pomposo e vazio, com o qual se constrói o mito reacionário
de que, diante da degradação ecológica, toda a humanidade é igual em responsabilidade
(sem distinção de classes ou países) e estaria unida pelos laços indissolúveis de interesses
comuns de sobrevivência.
Fala-se dos recursos comuns da humanidade esquecendo-se que muitos destes estão
vedados para a maioria. Esquece-se quem são os principais beneficiados pelo esbanjamento

19
energético e pelo saque capitalista do meio ambiente (nos últimos 50 anos, só os EUA
consumiram mais combustível fóssil e recursos minerais que o resto da humanidade em
toda a história).
Desta forma, ao falar da diminuição da espessura da camada de ozônio na atmosfera, não se
responsabiliza os interesses empresariais que usam seu poder para generalizar as vendas de
produtos químicos, mesmo sendo prejudiciais, senão a crescente demanda de frigoríficos
nos países coloniais e semi-coloniais. A fome e a miséria na África e Ásia seriam algo
endêmico que tem de ser erradicado com a esmola e a caridade “humanitária”, enquanto
aceleram a mudança climática (os principais agentes contaminadores são os países
industrializados); o corte descontrolado das massas florestais (estes países exportam à
Europa, Japão e EUA, grandes quantidades de madeiras preciosas tropicais, para conseguir
divisas, com as quais pagam sua dívida externa), e a destruição de suas culturas e antigos
meios de subsistência (com freqüência são suprimidos os sistemas agrícolas tradicionais
destes povos, para adaptá-los às necessidades econômicas das metrópoles), estão na origem
destes desastres e que estão distantes de terem uma origem “natural” e inevitável.
As multinacionais, o FMI e o Banco Mundial, os governos dos países imperialistas, ou
mesmo ONU, teriam pouco ou nada a ver com a degradação ecológica e suas
conseqüências em relação ao sofrimento de milhares de milhões de seres humanos. É uma
visão conformista da ecologia, na qual somos convidados a fazer humanitarismo, enquanto
deixamos nas mãos dos que sabem (os governos “democráticos e suas burocracias), dos que
conhecem realmente toda a complexidade do tema, a solução.
Qualquer questionamento de seus métodos, ou de suas alternativas, é taxado de utópico e
perigoso. Só as instituições internacionais e os governos têm a capacidade para enfrentar
esses problemas. Vemos os poderosos enquadrando os problemas meio-ambientais em
função de soluções que só as potências imperialistas e seus aliados, a burguesia dos países
coloniais e semicoloniais, podem solucionar. A ecologia se converte desta forma, em uma
das bandeiras de penetração e de controle imperialista sobre estes países.
São conhecidas as imagens que todos os meios de comunicação nos ofereceram na guerra
do Golfo Pérsico, sobre a perversidade de Saddam Hussein, ao queimar os poços de
petróleo kuwaitianos, e envenenar as costas e a fauna da região (imagens que depois se
demonstrou, haviam sido manipuladas, para justificar a intervenção imperialista contra o
Iraque). Chama a atenção o silêncio, ou as tímidas críticas dos principais grupos ecologistas
diante da manipulação que o capitalismo faz da ecologia, para legitimar seus interesses
mais inconfessáveis.
Demonstra até onde chega sua “independência política” e seu papel, em última instância, de
esquerda do capitalismo. Muitas ONGs “ecologistas” norte-americanas aplaudiram a
criação de um comércio internacional de gases de efeito estufa. Em grande parte da Europa,
os partidos verdes converteram-se em sócios menores dos governos capitalistas. Os verdes
alemães deram sua benção aos bombardeios da OTAN sobre Belgrado, enquanto aceitavam
moderar suas velhas “exigências” ecológicas e antinucleares em seu próprio país, já se
sabe, agora são responsáveis servidores do Estado.
A ecologia, como muitas outras bandeiras (direitos humanos, feminismo) converteu-se,
para muitos, em um mecanismo de promoção social e fonte de privilégios. São os “verdes”
responsáveis que evitam questionar o sistema capitalista, que tacham aos que o fazem de

20
irresponsáveis, e que propõem medidas corretoras (para que se negociem nas grandes
reuniões internacionais que não vão a nenhuma parte), como reformas fiscais ecológicas,
eco-taxas, ajudas aos países coloniais e semicoloniais para um desenvolvimento limpo,
projetos de reflorestamento... Idéias que por si só não são negativas, mas sim amplamente
insuficientes, para encarar o problema com possibilidades de êxito. Em última instância sua
função é evitar a radicalização dos setores sociais afetados e sensibilizados, fazer-lhes crer
que é possível um capitalismo ecológico, como também seria possível um capitalismo
civilizado, com rosto humano, sensibilizado pela exploração de crianças e mulheres.
Também na ecologia, na batalha pela preservação do meio ambiente, encontramos a mesma
luta que existe em qualquer outro movimento, o enfrentamento irreconciliável entre as
distintas classes sociais. Entre os que vivem do sistema e os que pretendem superá-lo para
erradicar de uma vez por todas, a exploração do homem pelo homem, e a exploração
demente e depredadora da natureza, da qual somos parte. Todas as bandeiras através das
quais se expressam as contradições da atividade humana se reduzem a uma só expressão: o
conflito entre o capital e o trabalho, ou seja, a luta de classes.
A ecologia não é uma exceção. Todas as “sensibilidades” que existem no campo do meio-
ambientalismo não são outra coisa que as distintas expressões dos interesses de classes e
grupos sociais. E neste campo encontraremos desde os “ecologistas profissionais”, que
converteram a ecologia em uma fonte de privilégios, até aqueles setores que através da
ecologia, chegaram à conclusão de que a defesa do futuro da vida humana e do restante das
espécies que povoam nosso planeta, só pode ser feita através da luta revolucionária pela
superação do capitalismo e a implantação de uma economia planificada, baseada não na
“rentabilidade” dos negócios de poucos privilegiados, senão ao serviço das necessidades de
toda a sociedade (socialismo).
Novo Modelo Energético
A advertência de Rosa Luxemburgo - socialismo ou barbárie - foi tomando nas últimas
décadas uma faceta nova, não menos ameaçadora que as anteriores. A humanidade,
particularmente os despossuídos do planeta, temos que eleger entre essas duas opções.
Nunca existiu, não existe, e não pode existir, um capitalismo humano, civilizado e
ecologicamente responsável. Os que defendem que é possível corrigir a degradação
ecológica (com todas as conseqüências que esta terá para a imensa maioria da humanidade)
dentro do sistema capitalista, mentem.
Mentem porque apesar de os preocupar a ameaça que pesa sobre o meio ambiente,
aterroriza-os muito mais a luta pelo socialismo, que em última instância seria o final de
seus privilégios. Não podemos seguir esbanjando os recursos do planeta como se estes não
fossem acabar nunca, nem continuar produzindo dejetos contaminadores sem medir as
conseqüências.
A era dos combustíveis fósseis e do desperdício energético, unida intrinsecamente às
necessidades de reprodução do capital, tem os dias contados. A planificação da progressiva
supressão dos combustíveis fósseis e dos gases contaminadores, e sua substituição por
energias limpas alternativas, só pode ser levada a cabo acabando com a ditadura que o
capital exerce sobre toda a humanidade. Quarenta anos de encontros, negociações,
protocolos e conferências, que não serviram para nada, demonstram que o capitalismo é

21
incapaz de frear sua carreira até o abismo. Não temos nenhuma possibilidade de frear o
aquecimento do planeta sem um enfrentamento a morte contra o capitalismo.
A depredação capitalista converteu-se em uma séria ameaça para a existência da
humanidade, e da vida em geral, em nosso planeta. Não temos que renunciar à idéia de
“progresso”, senão a um determinado modelo dele, que na realidade só beneficia a uma
pequena minoria de privilegiados, em detrimento do resto da sociedade. As novas
tecnologias limpas, recicláveis dos resíduos, um modelo energético racional, uma política
de recursos planificada que ajude a recuperar os recursos regeneráveis (bosques, fauna, ar)
e a economizar os que não o são (minerais...) implicam novas formas de organização da
produção, e em última instância um controle direto da população sobre as decisões que não
podem continuar sob a égide do capitalismo, inclusive no mais avançado.
O conflito real não é entre o meio ambiente e postos de trabalho, como pretendem
interessadamente os empresários, mas sim entre o produtivismo capitalista e proteção da
biosfera; entre sua busca incessante de aumentar seus benefícios e o meio ambiente. A
defesa de uma produção limpa e conseqüente com o eco-sistema, desde o interior das
empresas, também exige o controle dos trabalhadores sobre os sistemas de produção, que
em última instância significa também a defesa de seus postos de trabalho, e as condições
em que este se realiza.
Os defensores do capitalismo com rosto humano (ou ecológico) argumentam a favor de
suas teses que nas últimas décadas foram dados passos sérios, orientados a corrigir alguns
dos aspectos mais ameaçadores do capitalismo. Foram tomadas medidas para a supressão
de substâncias tão perigosas como o DDT, os PCB’s, ou os CFC’s. Isto é certo. Sem
dúvida, e apesar dos acordos internacionais a quantidade de compostos tóxicos que são
lançados no meio ambiente não pára de aumentar.
À medida que nos países industrializados surge uma política hipócrita que assegura
preocupar-se com o meio ambiente, as multinacionais trasladam a tecnologia “suja” a uma
periferia empobrecida pela dívida externa e a descapitalização, onde a legislação é mais
“permissiva”. Notícias sobre acidentes como os de Bhopal na Índia, Chernobyl na Ucrânia,
ou o nascimento de filhos descerebrados no México, a raiz da entrada da indústria
contaminadora norte-americana, são cada vez mais freqüentes nos meios de comunicação.
23,9% dos ecossistemas da Terra foram completamente transformados (36,3% se excluímos
as zonas inabitadas), 24,2% parcialmente, e somente 51,9% (27% na realidade) permanece
mais ou menos intacto. As zonas de pesca se esgotam, vítimas da exploração descontrolada,
cada vez há mais espécies de animais e vegetais em perigo de extinção. A metade delas
pode haver-se extinguido em meados do século XXI, ao ritmo vertiginoso atual.
Os eco-reformistas defendem o mito de que as novas medidas ecológicas criariam um novo
canteiro de postos de trabalho. Diz-se que com uma estimativa muito restritiva em 1994 a
União Européia poderia ter criado até 1,5 milhões de postos de trabalho (1% do emprego
total). Consciente da grave situação existente na economia, reconhece-se que o setor
ambiental seria um dos poucos de qual se pode esperar um sólido crescimento de emprego
no futuro. As tecnologias ambientais em 1990 supuseram mais de 200 milhões de dólares, e
na atualidade estaria entre os 300 e os 500, com taxas previsíveis de crescimento de 5-6%.
A ecologia convertida em um negócio rentável. Falam-nos continuamente da “sociedade

22
ecologicamente sustentável” que deverá substituir ao neoliberalismo atual. Utiliza-se uma
linguagem supostamente radical e anti-sistêmica.
Acusam-se hipocritamente os países coloniais e semicoloniais de destruir seu entorno
natural, quando os principais beneficiários desta gigantesca depredação são a burguesia
imperialista, e em menor medida, os trabalhadores das metrópoles, através da terrível
sucção das economias dos países atrasados que significa a armadilha da dívida externa. Os
avanços técnicos e científicos no último século foram espetaculares. Hoje é possível
produzir o suficiente para cobrir as necessidades básicas da humanidade e conseguir um
nível razoável de bem-estar pata todos, sem colocar em perigo a natureza. O que
necessitamos não são novas mudanças tecnológicas, mas sim uma nova sociedade. O que o
socialismo significa é que os trabalhadores e a maior parte da sociedade tenham um acesso
direto ao governo de seus próprios destinos.
Tal como afirmava Rosa Luxemburgo: “O socialismo é o primeiro movimento popular da
história universal que se fixa como finalidade aportar à atuação social dos seres humanos
um sentido consciente, uma idéia planejada e com ela a livre vontade”. Acabar com o
conceito de que a natureza é uma mercancia, significa também acabar com a idéia de que o
trabalho e o mesmo ser humano, são somente simples mercadorias. Terminar com a
exploração indiscriminada da natureza implica acabar com a exploração do homem pelo
próprio homem, e isso só será possível enviando ao sistema capitalista ao lixeiro da
história. O socialismo não é uma utopia, é uma necessidade.
Opressão Nacional
Na ECO 92, se era verdade que "o Brasil vai dizer que não admite fixação de metas
especificas sobre desmatamento ou reflorestamento e nem o monitoramento internacional
que organizações ambientalistas (e os EUA) gostariam de aprovar", 29 a posição dos
governos dos paises latino-americanos não devia ser julgada só por esse elemento isolado.
Depois de conhecido o informe preparatório, já citado, os experts dos governos da América
Latina prepararam seu próprio informe,30 onde, bem entendido, multo se falava da miséria
social do continente, da sua riqueza em recursos naturais, e se barganhava nas questões de
transferência de tecnologia, condenando-se o mecanismo de transferência de recursos
econômicos para os países “desenvolvidos” representado pela divida externa latino-
americana.
No entanto, no informe latino-americano havia uma aceitação de princípio dos mecanismos
da espoliação imperialista (condenando-se apenas algumas das suas conseqüências) o que
se refletia na proposta de conversão da dívida externa em projetos de defesa ambiental.
Além de deixar intocado o conjunto do mecanismo (e a maioria das suas conseqüências) o
projeto era em si pró-imperialista.
O New York Times acusou então o Brasil de ser um país negligente em relação à ecologia
(“esquecendo-se” de que os EUA já eram, largamente, os maiores poluidores do mundo), e
propôs “um negócio, uma grandiosa conversão da divida por proteção à natureza, que

29
Idem, 17 de março de 1992.
30
Comissão de Desenvolvimento e Meio-Ambiente da América Latina e do Caribe. Nossa Própria Agenda.
Brasília, BID-PNVO, 1992.

23
aliviaria a carga da dívida externa e preservaria a floresta amazônica”.31 O "negócio"
consistiria em gastar US$ 4 bilhões na compra de títulos da dívida brasileira, que seriam
transformados em US$ 8 bilhões (seu valor nominal) no Brasil, em troca da criação de um
órgão (controlado pelos financiadores) de "preservação" das florestas.
O que aconteceria? "Haveria um abatimento de apenas 7% da divida e no fluxo de
pagamento de juros. Isso é muito pouco em face do que estamos transferindo ao exterior, e
do que está por vir com as recentes elevações dos juros internacionais. A redução de 7% da
dívida e do fluxo de pagamento de juros é exatamente compensada por um aumento
correspondente no endividamento interno do governo brasileiro, e por uma aplicação
correspondente de recursos reais (trabalho, capital e terra) (que) passariam a ser
direcionados em investimentos de proteção à natureza cujos benefícios seriam, em larga
parte, apropriados pelos paises desenvolvidos".32
Ou seja, o imperialismo continuaria cobrando 93% (ou mais) da divida externa, aumentaria
sua penetração no Brasil, e maximizaria seus benefícios, além de obter um direito de
controle direto na economia nacional. Um belo "negócio", é verdade. Sem falar na ilusão de
que o imperialismo usaria esse direito para preservar o meio ambiente: toda a sua estrutura
e toda a sua história provavam o contrário. A proposta de troca da divida externa por meio
ambiente (levada a cabo, por exemplo, por Bolívia) era e é pró-imperialista e anti-
ecológica.
O fato da proposta ser apoiada peia maioria dos "Partidos Verdes" da própria América
Latina (sem falar na Europa e nos EUA) ilustra a natureza desses partidos. A atitude dos
governos burgueses latino-americanos foi, portanto, de saída, semi-colonial (o que não e
contraditório com a barganha com o imperialismo). Por isso, a "dureza" inicial desses
governos cedeu o lugar, depois, à capitulação, uma vez que o imperialismo ameaçou com a
chantagem financeira: “O documento final (da América Latina) mais técnico e menos
político, não conteria criticas diretas aos países ricos”.33 Foi nisso deu, finalmente, o
"diálogo fecundo" em prol do “desenvolvimento sustentável”, preconizado no informe
inicial da ECO 92.
Em 1972, a Conferência da ONU de Estocolmo aprovou os seguintes propósitos:
"Condenação do teste com bombas nucleares; fim da descarga de substância tóxica no meio
ambiente; recomendação aos governos para que impeçam a contaminação dos mares por
substâncias que possam afetar a saúde do homem ou dos organismos marinhos; defesa da
transferência de tecnologia e de recursos financeiros dos países ricos para os países
pobres".34 Todo mundo sabe o que aconteceu com esses "princípios" nos 30 anos passados.
A ECO 92 foi posta diante de dois fatos consumados: 1) A manutenção das causas dos
desastres ambientais; 2) A utilização, pelo imperialismo (especialmente norte-americano),
da demagogia "ecológica" para avançar sobre a soberania nacional dos paises oprimidos.
Não cabia esperar outra coisa do sistema que, na guerra do Vietnã, cometeu o maior
atentado já conhecido contra o meio ambiente numa região localizada, quando “pesticidas e

31
The New York Times, 3 de fevereiro de1989.
32
Fernando Homem de Melo. O Times, a dívida e a ecologia. Folha de S. Paulo, 11 de março de 1989.
33
O Estado de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1992.
34
Aconteceu n° 575, São Paulo, CEDI, 20 de setembro de 1991.

24
desfoliantes se transformaram, nas mãos dos expertos militares norte-americanos, em
devastadoras armas, que não somente destruíram no presente os recursos vegetais
alimentares e industriais, mas também comprometeram gravemente o futuro dos países,
esterilizando o solo (efeito do monurono e do bromacilo), transtornando o meio-ambiente,
provocando a erosão, ou a transformação, de plantações e campos em regiões desertas onde
toda a vida humana se ausentou”.35
Ecologia e Capitalismo
Mas, qual é a relação entre a crise ecológica da Terra e da humanidade, e a vigência das
relações de produção dominantes na atual etapa histórica (capitalista)? Raramente, a
questão ecológica é abordada sob este ângulo.
Está claro que, para o marxismo, a crise ecológica existia como perspectiva teórica e
concreta, devido às contradições próprias do modo de produção capitalista, e à sua
magnitude mundial. No entanto, foi supostamente em nome do marxismo que se afirmou:
"Quando as temporalidades da história humana estão por cima das idades da história
ecológica, são ultrapassados definitivamente os limites da não-reprodução dos ecossistemas
ou da sua entropia crescente".36 O problema dessa definição não é apenas seu caráter anti-
marxista, mas a sua arbitrariedade e indeterminação (quando e que uma "temporalidade"
está por cima ou por baixo?) que não remete às contradições específicas do capitalismo, e a
uma fase específica do seu desenvolvimento.
Em última instância, inocenta o capitalismo pela crise ecológica, atribuindo-a a uma
“temporalidade” situada, no estilo da École des Annales, além das fases concretas da
história da humanidade (os modos de produção da vida social). Em nome de teses
semelhantes concluiu-se subscrevendo a tese (já declaradamente anti-científica) do
“esgotamento dos recursos naturais” (o que levou à proposta do “crescimento zero” a
diversos círculos reacionários, como o Clube de Roma) e, nos autores citados, a uma
conclusão abertamente malthusiana: "A capacidade limitada dos ecossistemas atingida em
diversos lugares. Em várias áreas geográficas, os efetivos crescem mais rapidamente que os
recursos". Quebrando a unidade mundial da vida humana presente, conclui-se na redução
(ou, porquê não? “traslado”, dos efetivos humanos das “áreas geográficas” sobre-
saturadas).
Da mesma maneira que o crescimento econômico, o desenvolvimento científico não pode
ser considerado de modo isolado, mas no quadro do conjunto das relações homem/natureza.
É nesse quadro que a crise ecológica adquire relevância como padrão para avaliar a ciência
contemporânea.
A chamada "crise energética" (que, nos idos da década de 1970, inaugurou uma nova fase
de crise do capitalismo mundial) não tem nada de uma "crise de crescimento" de um modo
de produção que teria esgotado uma fonte de desenvolvimento, e que estaria prestes a
substituí-la por outra: “Isto só é verdade se tomado o conceito de matéria-prima na acepção
tradicional. O ar puro, a água pura, o espaço virgem, devem também ser considerados como
bens econômicos raros, constituídos de matérias-primas aparentemente gratuitas, mas na

35
Pascal Ascot. Introducción a la Ecologia. México, Nueva Imagen, 1978, p. 81.
36
Jean Paul Deleage e Daniel Hémery. De la eco-historia a la ecologia-mundo. Inprecor n° 67, Madri, abril
de 1989.

25
realidade muito custosas para a coletividade. São as restrições do meio ambiente que vêm
agora subsistir-se à rarefação dos combustíveis fósseis como limite do desenvolvimento
energético e, portanto, de todo o desenvolvimento industrial”. 37
A substituição do combustível fóssil por energia nuclear afunda crescentemente toda
perspectiva de equilíbrio homem/natureza e compromete, não só o futuro, mas sobretudo o
presente da sociedade humana: "Há a notar que o plutônio, corpo inteiramente artificial,
que só perde metade da sua radiatividade ao fim de 25000 anos, é verdadeiramente o objeto
mais sujo e mais perigoso que o homem jamais criou. Não será fácil precavermo-nos contra
todo o risco de desvio ou acidente durante o transporte quando houver milhares de
toneladas a circular em todo o mundo". 38
Ora, a pesquisa nuclear se desenvolveu exatamente no ramo mais parasitário da economia
mundial (a economia armamentista), que é hoje (como nos tempos da Guerra Fria)
essencial para a manutenção do equilíbrio econômico capitalista: em 1940, a produção
militar não representava mais de 1% da produção global, mas hoje representa entre 10 e
20% dessa produção nos paises capitalistas avançados e, indiretamente, os créditos
militares se transformaram no motor da economia capitalista mundial.
E essa pesquisa se desenvolveu diretamente ligada à produção de armas, bombas atômicas.
A energia nuclear não pode ser desdobrada em “civil” e "militar", a primeira não
importando riscos: “Uma usina nuclear é, efetivamente, uma bomba atômica controlada,
que está constantemente num estado bem próximo da explosão. Isso só não acontece
porque não se permite seu aquecimento demasiado".39 Os diversos acidentes nucleares
(Grã Bretanha 1957, com centenas de mortos; Three Mille Island, nos EUA, em 1977;
Chernobyl, na ex URSS, mais recentemente) demonstraram que a energia nuclear, longe de
constituir um "progresso produtivo", significa mais a libertação de um elemento
crescentemente incontrolável pela sociedade humana, pelas suas conseqüências imediatas e
mediatas.
A alegação de que a energia nuclear em grande escala não seria especificamente capitalista,
pois haveria (ou teria havido) outra “socialista” (a da ex URSS) mais perigosa ainda pela
sua segurança menor, não leva em conta que a energia nuclear russa nada teve de socialista,
tendo sido imposta em virtude da corrida armamentista levada adiante pelos EUA, com a
cumplicidade da política de “coexistência pacifica” da burocracia do Kremlin (que
alimentou durante décadas a ilusão de superar o capitalismo através da emulação
econômica, boicotando a revolução internacional).
Segundo os cientistas, uma guerra nuclear “limitada”, não “total”, teria igualmente efeitos
irreversíveis para os ecossistemas terrestres: “O cenário principal de referência de guerra
nuclear envolve um intercâmbio de 5000 megatons, que projeta uma porção considerável
da poeira e da fuligem produzidas por incêndios de cidades e florestas na alta troposfera
(parte superior da baixa atmosfera) e na baixa estratosfera (parte inferior da alta atmosfera),
acima do nível normal das nuvens. Essa tonelagem ê bem menos da metade dos arsenais
somados dos Estados Unidos e (ex) URSS. É também aproximadamente a escala de

37
Louis Puisiex. Crise de Energia e Modo de Produção. Lisboa, Editora Iniciativas, 1974, p. 59.
38
Idem, p. 63.
39
Ronaldo Bandeira. Poluição. A doença da Terra. Petrópolis, Vozes, 1977, p. 48.

26
conflito nuclear analisada no relatório publicado em junho de 1982 pela revista Ambio, da
Real Academia Sueca de Ciências, e em vários outros estudos preliminares.
“Conflitos nucleares mais limitados parecem produzir da mesma forma grandes
perturbações ambientais e grandes danos biológicos, além e acima dos causados pelas
explosões e pela radiação. Parece que as perturbações ambientais não guardam muita
proporção com a escala da guerra, desde que a tonelagem seja suficiente para provocar
grandes incêndios Estudaram-se modelos com tonelagens de apenas 100 megatons, e
mesmo nestes demonstrou-se a probabilidade de efeitos adversos importantes no caso de
ataques a concentrações urbanas” (grifo nosso).
E acrescentam: “Muitos dos efeitos descritos no cenário de 5000 megatons fizeram-se
presentes em conflitos bem menores. Com o cenário de 5000 megatons para definir as
condições iniciais, pelo menos três grupos analisaram modelos meteorológicos globais na
tentativa de estimar as conseqüências do ponto de vista da meteorologia e climatologia.
Esses modelos matemáticos alcançaram um tal nível de sofisticação que a maioria dos
cientistas dedicados ao problema inclina-se a acreditar que eles simulam de forma realista
as características gerais do mundo real da meteorologia quando as hipóteses básicas são
bem compreendidas. As últimas conclusões são bastante alarmantes. As enormes
tempestades ígneas produzidas numa guerra nuclear desempenham um papel considerável
nos danos ambientais, em função do smog e da fuligem transportados às camadas altas da
atmosfera. Essas nuvens de partículas alteram dramaticamente o equilíbrio da radiação na
atmosfera Podem não apenas produzir "trevas ao meio-dia", como primeiro sugerido por
Crutzen e Birks em 1982, mas também modificar radicalmente os padrões globais dos
ventos, das chuvas e das neves”.40
Cientistas do mundo inteiro reclamam "suprimir a energia nuclear, que produz uma
poluição irreversível no nível do átomo (portanto, na base da matéria e dos fenômenos
vitais), poluição multo mais grave do que as outras, que agem a um nível menos
fundamental dos ciclos vitais". 41
Mas os entraves para o fim da indústria nuclear não são energéticos, nem científicos, mas
econômicos, ou seja, apontam para o próprio coração do capital: “No mundo, 62 reatores,
22 pilhas de pesquisa e outros tantos submarinos nucleares, assim como dezenas de oficinas
- laboratório estavam, em 1959, já sem uso. A construção da primeira usina nuclear alemã
custou 54 bilhões de marcos: o preço de seu desmantelamento foi avaliado em 310 bilhões
de marcos. Para limpar nada mais do que quatro usinas nucleares norte-americanas, seria
necessário desembolsar, no mínimo, 90 bilhões de dólares. E o custo de manutenção dos
depósitos de dos depósitos de tratamento de urânio vai de 10 a 20 dólares a tonelada, o que
equivale, a termo, ao preço de venda do urânio”.42
O capitalismo não pode, sob risco de falência econômica, remediar o desastre ecológico em
pleno desenvolvimento. A própria propriedade privada dos meios de produção se opõe a
que o capita1ismo encare seriamente a questão. A escala e o custo das energias
40
Paul R. Ehrich et al. The Atmospheric and Climatic Consequences of Nuclear War. Nova Iorque, Open
Space Institute, 1984, p. 185.
41
Le Nouvel Observateur, Paris, novembro de 1980.
42
Martine Deguillaume. Radioactivité naturelle et déchets nucléaires. Le Monde Diplomatique, Paris, março
de 1992.

27
substitutivas ultrapassam o marco de ação da sacrossanta "empresa", ou, como disse o já
citado Peter Raven: "Nem a energia solar nem a eó1ica, ou qualquer outra, podem se
desenvolver pelo setor privado sem que haja um fluxo de fundos muito grandes da parte do
Governo para que se realizem as investigações. E o mesmo acontece com muitas
investigações biomédicas".43
Segundo Maurice Strong, as iniciativas "reformistas" mais modestas implicariam um custo
de US$ 600 bilhões anuais, mas já em 1992 os EUA e a CEE (atual EU) se recusavam a
pagar US$ 120 bilhões anuais. A dimensão mundial do problema choca-se com a ordem
política internacional do capital: “Não existem organizações planetárias capazes de
sustentar iniciativas mundiais”, afirmou, cético, o ministro de Ambiente da Itália, Giorgio
Ruffolo.44
A própria avaliação dos danos ecológicos atuais e potenciais está dificultada pela
fragmentação e super-especlalização das disciplinas científicas, cada vez mais voltadas e
dependentes da produção capitalista, e principalmente, da militar. As tarefas derivadas dos
problemas colocados pela questão ecológica ultrapassam, portanto, o marco do capitalismo.
Ao contrário, portanto, do que pensam céticos de todas as cores, e defensores do progresso
técnico e cientifico do capitalismo, a contradição entre o desenvolvimento das forças
produtivas e as relações de produção dominantes é hoje mais forte do que em qualquer
período passado do capitalismo.
As iniciativas ambientalistas e ecológicas do grande capital são inócuas, quando não
pretendem diretamente aumentar o lucro capitalista e a opressão nacional dos países
atrasados. Bem longe da solução do problema ecológico: "A reconciliação entre a economia
e o meio, a união da ecologia com a indústria, não surgirão da indústria de proteção
ambiental que existe hoje. Pode-se inclusive fazer a afirmação contrária: à maior proteção
ambiental, maior cisão entre ecologia e economia, e vice-versa. Entretanto, estendeu-se a
idéia de que em uma economia florescente as chaminés devem parar de fumegar, devem
simplesmente parar. Apesar disso, parece que se desconhece que o novo filtro na chaminé
ou o catalisador no tubo de escape não representam, de modo algum, uma solução
inteligente à questão ecológica, não representam sequer uma solução transitória inteligente.
A técnica ecológica realmente inteligente do amanhã não será para eliminar a porcaria de
um modo caro, mas para evitar, logo de cara, tanto a porcaria quanto seus custos".45
Efeito Estufa e Crise do Meio-Ambiente
As notícias mais recentes deixaram cada vez mais claro o risco implicado pelo aquecimento
global (ou “efeito estufa”). Simulação realizada em janeiro de 2005 estabeleceu que a Terra
poderia se aquecer, no decorrer do século XXI, em até 11ºC (a máxima elevação prevista
anteriormente era de 5ºC). A simulação previu um acúmulo de dióxido de carbono (CO2)
equivalente ao dobro do que havia na atmosfera antes de 1750, ou seja, antes do início da
Revolução Industrial. 46

43
Clarin, Buenos Aires, 26 de janeiro de 1992.
44
Istoé/Senhor, São Paulo, março de 1992.
45
Joseph Huber. La Inocencia Perdida de la Ecología. Buenos Aires, Editora Abril, 1986, p. 72.
46
Folha de S. Paulo, 27 de janeiro de 2005.

28
Já é sabido que a camada de gelo no Oceano Ártico está diminuindo por conta dos verões
cada vez mais longos, como alertaram pesquisadores do University College de Londres.
Eles mediram a espessura do gelo no Ártico com imagens dos satélites da Agência Espacial
Européia e concluíram que, se a tendência continuar, é possível que não haja mais gelo
durante o verão polar. Isso seria desastroso para os ursos, que usam a camada de gelo para
se locomover e caçar. Além disso, o fenômeno pode piorar o aquecimento global. Os raios
solares que atingem a Terra são refletidos por superfícies claras: se não houver a cobertura
de gelo, a radiação será absorvida pelo planeta, e é inevitável que esse fenômeno influencie
o clima da Terra, só não se sabe ainda quanto.
O chamado “efeito estufa” obedece à presença de gases na atmosfera, em especial, de
dióxido de carbono, gerado por muitas combustões (entre elas, a dos motores comuns), que
faz que uma parte do calor recebido do Sol, dos raios infravermelhos que geralmente se
irradiariam ao espaço, seja absorvida por estes gases, elevando a temperatura média do
planeta. Isto é necessário para a sobrevivência humana: se não houvesse efeito-estufa, a
temperatura média do planeta seria 33ºC mais baixa (agora é de +15 e, então, seria de -18),
tornando a vida quase impossível O problema consiste em saber o que pode ocorrer se, ao
aumentar a concentração de CO2,, a temperatura subir mais ainda.
Em períodos anteriores da história da Terra, houve mais CO2, e sabemos que havia uma
temperatura mais amena. Hoje, este aumento é produzido como conseqüência da ação
humana e seu efeito é cumulativo e rápido. Há a previsão extrema de que a temperatura
aumentaria, os gelos polares derreteriam, o mar subiria, inundando o planeta todo. Outros
estudos rechaçam esta previsão extrema: a subida poderia chegar a uns dez metros, porém
num cenário de séculos. A crise climática é grave, porém o é menos que a bioquímica e a
biológica, cujos efeitos são irreversíveis. 47
De acordo com uma forte corrente de cientistas, a Terra ingressou numa nova era, o
antropoceno, caracterizado por mudanças globais no meio-ambiente como produto da ação
humana. Devido ao seu sucesso como espécie, os seres humanos se transformaram em uma
“força geológica” de certa importância: a dimensão humana deveria ser incluída nos
modelos do sistema terrestre, pois existiriam processos geofísicos potencialmente instáveis
(numa listagem dos doze principais, a devastação da floresta amazônica ocupa lugar de
destaque) devidos à ação humana. 48
São diversos os problemas referidos à "crise do meio-ambiente": a destruição das florestas,
das terras, e a conseqüente erosão; as numerosas poluições (ar, água, solo); o
empobrecimento dos recursos minerais, vegetais e animais; o desaparecimento acelerado de
numerosas espécies animais e vegetais. Dois fatores principais são invocados para explicar
a amplitude desses fenômenos: a tecnologia (no sentido amplo), e a explosão demográfica.
Com base nessas simplificações, foram e são concebidas soluções como o “crescimento
zero”, e até a conveniência (malthusiana) da redução da população humana.
A crise do meio-ambiente é um fenômeno recente, tornado mais evidente a partir da década
de 1950, e marcante nos últimos 50 anos. Desde que existem civilizações humanas, estas
sempre modificaram ou destruíram o meio-ambiente, ainda que moderadamente: regiões

47
Josep Fontana. Introdução ao Estudo da História Geral. Bauru, Edusc, 2000, pp. 31-32.
48
El hombre aboca a la Tierra a una nueva era. El País, Madri, 8 de setembro de 2004.

29
inteiras sofreram transformações importantes, mas o equilíbrio ecológico da Terra não
estava, aparentemente, ameaçado. A destruição e o ataque ao meio-ambiente nas últimas
décadas, pelo contrário, são de amplitude planetária, e de uma tal intensidade que
comprometem todo o equilíbrio ecológico, ameaçado de ruptura e de destruição
irreversível. Existem caminhos sem retorno, além dos quais não é possível voltar,
restaurando o equilíbrio perdido, em todos os domínios do desenvolvimento humano e
material. É por esse caminho que estamos indo, ecologicamente, enquanto não se põe fim
aos atuais processos destrutivos. Não é "alarmismo" dizer que se as coisas continuarem
assim, a Terra deixara de ser um dia viável para os vertebrados superiores, e para a
humanidade em particular.
Trata-se de problemas relativamente novos, não pela sua natureza, mas pela sua intensidade
e amplitude planetárias. A Terra foi modificada pela intervenção humana numa medida
maior nos últimos decênios do que nos milênios precedentes. Até o início do século XX, a
natureza era concebida como uma força imensa, inesgotável, capaz de curar todas suas
"feridas". A noção de que a natureza seria esgotável, destrutível, de que o homem seria
capaz de destruir irremediavelmente certos equilíbrios naturais, e até todo o equilíbrio
ecológico do planeta, é, na realidade, uma noção nova, talvez a mais importante noção nova
criada pela cultura humana nos últimos cinqüenta anos.
A relação entre o homem e a natureza foi, porém, um dos domínios privilegiados da
reflexão marxista. Marx e Engels constataram plenamente a dialética dessa relação: o
homem social, saído da natureza, em certo sentido pertencendo ainda a ela, mas, por outro
lado, não se constituindo como homem senão em oposição à natureza, domesticando-a e
pondo-a ao seu serviço. Explicaram também que só na sociedade comunista os homens
tomar-se-iam senhores da natureza, e a humanidade poderia passar do reino da necessidade
ao reino da liberdade. A libertação do homem social passa pelo domínio da natureza, o que
implica a compreensão das suas leis (ou seja, a ciência) e também a intervenção humana
através da técnica, no seu sentido amplo.
Ciência e Crise do Capital
Para Marx e Engels a técnica constituía um importante elemento de libertação do homem,
mas é preciso assinalar que ela não poderia cumprir plenamente esse papel positivo senão
na sociedade socialista. Isso significa que a técnica deveria estar a serviço das necessidades
humanas, e não da classe capitalista e, por outro lado, que deveria apoiar-se sobre a
totalidade dos conhecimentos científicos. Para os marxistas, a técnica não tem, "em si", um
papel positivo. No final do século XIX e no início do século XX, é claro que os aspectos
negativos, destrutivos, da técnica, eram incomparavelmente mais reduzidos do que os seus
aspectos positivos, o que explica que os marxistas tenham aparecido então como defensores
"incondicionais" do progresso técnico, combatendo todas as ideologias conservadoras e
passadistas, que se opunham a esse progresso.
Do ponto de vista da história da ciência, a partir do século XVII se inicia um movimento de
renovação do pensamento. "Nos títulos de centenas e centenas de livros científicos
publicados no decorrer do século XVII, o termo novus é recorrente. Não se tratava apenas
de uma fórmula literária; através dele, exprimiam-se significativamente as exigências,
inquietações e insatisfações de uma época sensível à insuficiência dos modos tradicionais

30
de formação do homem”. 49 Nascido no século XVII o pensamento cartesiano transformou-
se numa influente linha de re-elaboração do pensamento filosófico. Descartes foi a base de
muitas das fundamentações epistemológicas engendradas pela renovação dos
conhecimentos acumulados. Neste contexto a matemática, (por grande influência do
cartesianismo) ocupa um papel de destaque. Para os filósofos do século XVII a língua de
Deus é a matemática.
Porém, o pensamento cartesiano ainda se postulava como incapaz de propor e elaborar a
síntese entre a ciência e a tecnologia. “O progresso efetivo da ciência depende, para
Descartes, da obra dos teóricos. A técnica, enquanto tal, não traz nenhuma contribuição
para o progresso do saber científico”.50 A separação entre ciência e tecnologia se desfez no
interior do processo de evolução econômica do capitalismo. Na raiz deste processo está a
elaboração do conceito de trabalho que para François Vatin é elaborado em referência
explícita ao conceito de trabalho humano. Esta elaboração, ainda para Vatin, foi produto do
trabalho intelectual de físicos -engenheiros na articulação do final do século XVIII e início
do século XIX, mais precisamente entre 1780 e 1830.51
Isto somente foi possível devido ao processo histórico de elaboração das grandes sínteses
responsáveis pelo desdobramento posterior do capitalismo. Para que isto possa ser
inteiramente compreendido faz-se necessário tornar relativa a vulgar separação e/ou
“departamentalização” das ciências, em ciências humanas e exatas. Nas denominadas
ciências exatas, de acordo com o historiador da ciência Pierre Guaydier, no período de 1835
a 1880 - de Faraday a Maxwell são duas as grandes sínteses. “Elaboram-se vastas sínteses,
nomeadamente duas: por um lado, os fenômenos do calor e da energia são coordenados
pela termodinâmica; por outro lado a eletricidade, o magnetismo e a luz são ligados por
uma notável teoria electromagnética. Estas duas sínteses são, sem dúvida, as mais belas
aquisições da época”.52
O problema é bem diferente na nossa época. A tecnologia atual nada tem a ver com aquela
do inicio do século: ela é infinitamente mais destrutiva e para nada "progressista". Mas a
ausência de toda referência nos clássicos do marxismo à possibilidade de uma tecnologia
desfavorável ao progresso da humanidade criou certamente uma forte barreira para a
compreensão desse problema pelos marxistas. Os stalinistas e os revisionistas do marxismo
em geral, defenderam o papel progressista da técnica no quadro do capitalismo imperialista,
agonizante, vendo nela o índice de uma nova etapa do capitalismo: o "capitalismo
monopolista de Estado" ou o "neo-capitalismo".
Muitos produtos que elevam consideravelmente a produtividade humana e do solo, são
extremamente danosos para a natureza e a espécie humana, a longo prazo ou
irreversivelmente inclusive, e eles estão sendo produzidos em escala crescente: “Alguns
anestésicos, o estilbestrol, o cloropreno, drogas citotóxicas, como o bussulfan, antagonistas
do ácido fólico e a talidomida, são perigosas para o feto humano. O cloreto de vinila
ocasiona anomalias morfológicas em espermatozóides humanos; e outros agentes

49
Paolo Rossi. Os Filósofos e as Máquinas 1400-1700. São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p. 67.
50
Paolo Rossi. Op. Cit., p. 95.
51
François Vatin. Le Travail. Economie et Physique 1780-1830. Paris, PUF, 1993, p.9.
52
Pierre Guaydier. A História da Física. Lisboa, Edições 70, 1984, p. 63.

31
demonstraram ser potencialmente tóxicos em diversas espécies animais, mas até agora não
existem provas de sua ação dismorfogênica no homem.
“Mencione-se aqui a difenilhidantoina, os hipoglicêmicos ingeridos oralmente, alguns
antieméticos, corticoesteróides, salicilatos, drogas antituberculosas, solventes industriais,
antimaláricos, anticoagulantes (as cumarinas), pesticidas, reguladores do nível de colesterol
sanguíneo e drogas antineoplásicas. Naturalmente, nem toda a substância teratogênica
(causadora de malformações) é mutagênica, mas há uma inter-relação estreita entre
teratogenicidade, carcinogênese e mutagênese, e calcula-se que nada menos do que de
30.000-65.000 substâncias químicas sejam produzidas comercialmente, nos países
ocidentais, cada ano. Outro ponto a ser salientado é o de que existe sinergismo na ação das
radiações e das substâncias químicas; isto é, quando ambas estão presentes, o seu efeito
combinado pode ser muito mais marcante do que o da soma de cada um, considerado
isoladamente.
“O homem primitivo vivia em íntimo contato e em equilíbrio com a natureza. O
desenvolvimento sócio-cultural e tecnológico nos tornou, até certo ponto, independentes
dos rigores do meio ambiente. Mas esta conquista teve o seu preço. Alguns dos problemas
surgidos relacionam-se à própria proliferação desenfreada da população humana no planeta;
e, concomitantemente com esse crescimento demográfico, outros males foram se
acumulando. A agricultura em larga escala, mal orientada, vem criando desertos e
envenenando o meio ambiente através da aplicação desordenada de pesticidas, afetando o
homem e causando o desaparecimento de outras espécies animais e vegetais”. 53
Juntamente com a putrefação crescente do imperialismo mundial, a divisão do trabalho e a
fragmentação dos conhecimentos, já caracterizadas por Marx e Engels como conseqüências
inevitáveis do capitalismo, capazes de impulsionar o conhecimento durante um certo
período histórico, foram se acentuando. Vivemos agora uma época em que a multiplicação
dos "especialistas" atingiu níveis inéditos. E eles empregam um jargão cada vez mais
incompreensível até pelos especialistas das disciplinas vizinhas.
Isso fragmenta o conhecimento em diversas disciplinas estanques, e exclui a massa da
humanidade dos conhecimentos científicos. Já não é mais possível para um só homem ter
uma visão global e correta do conjunto dos conhecimentos científicos, como quando Marx
e Engels (ou Hegel, ou até Kant, antes deles) podiam, a partir do método dialético, atingir
uma síntese coerente do conjunto dos conhecimentos da sua época.
A dificuldade dessa síntese se explica menos pela quantidade gigantesca de conhecimentos
científicos, do que pela sua fragmentação. Se os problemas ecológicos são considerados
secundários, se eles não forem integrados a análise do imperialismo contemporâneo, isso
traduz essa fragmentação: ela constitui uma destruição da cultura humana enquanto unidade
integrada, tal como foi levada ao seu ponto mais alto pelas sínteses realizadas por Marx,
Engels, Lênin e Trotsky, ou seja, pelo movimento operário revolucionário dos séculos XIX
e XX. Essa destruição parcial da cultura é uma das conseqüências da putrefação
imperialista do capitalismo, e exprime a crise mortal do desenvolvimento das forças
produtivas da humanidade.

53
Francisco M. Salzano. Biologia, Cultura e Evolução. Porto Alegre, Universidade Federal de Rio Grande do
Sul, 1993, p. 104.

32
É fato que diversas disciplinas cientificas conheceram, nas últimas décadas, um
desenvolvimento sem precedentes, mas não aconteceu o mesmo com a ciência, enquanto
saber organizado e global , para o homem e pelo homem, das leis que regem o universo. Se
o século XX foi marcado por um desenvolvimento sem precedentes dos conhecimentos
fragmentados, esse desenvolvimento foi extremamente desigual de um domínio cientifico
para outro. É preciso estudar as causas disso, em grande parte econômicas, no sentido de
vinculadas com as relações de produção e os interesses de classe dominantes. Os domínios
da pesquisa que exigem tecnologias muito elaboradas e caras exibem um grande
desenvolvimento, por exemplo, no quadro da pesquisa militar, ou da pesquisa vinculada a
ela. As disciplinas que exigem menor investimento em aparelhos e tecnologia, mas um
investimento maior em "massa cinzenta", foram, pelo contrário, largamente sacrificadas.
Uma conseqüência mais ou menos direta desse processo, no plano da ideologia
“cientificista”, é o fato de existirem disciplinas consideradas "nobres" (ou hard, na
anglófila terminologia acadêmica) da pesquisa cientifica, ao lado de outras que são
consideradas secundárias o até ultrapassadas, sem o menor fundamento.
A essa questão se refere a crítica à alienação capitalista da ciência.54 O crescimento relativo
do investimento em C&T (noutros termos, o incremento da composição orgânica do capital,
base, por sua vez, da tendência para a queda da taxa de lucro) foi uma característica
marcante do desenvolvimento capitalista de pós-guerra, em especial nos EUA, onde esse
investimento cresceu 15 vezes entre 1947 e 1967, contra uma multiplicação por 3 do PIB,
no mesmo período.55 A partir da crise dos anos ’70 (e até o presente) esse gap aumentou
ainda mais, evidenciando o crescimento da concorrência mundial, própria de todo período
de crise capitalista.
Nos EUA, no entanto, associações de cientistas criticam que, em que pese esse incremento
espetacular do investimento em C&T, a pesquisa em física e astronomia está retrocedendo
de modo alarmante, e de um modo geral toda a pesquisa básica, base do desenvolvimento
científico e tecnológico e, por sua vez, do progresso econômico. Dos fundos públicos para a
pesquisa, por outro lado, US$ 58 bilhões (ou 65% do total, um número, é verdade, mas
quão qualitativamente significativo) são absorvidos pela área de Defesa, isto é, pela
produção de armas de destruição massiva “pra valer” (não como as não-encontradas nos
buracos precariamente cavados por Saddam Hussein no Iraque).
O não investimento em pesquisa básica está dificultando cada vez mais, dizem os cientistas,
as pesquisas a respeito das mudanças climáticas, dos riscos dos OGM (transgênicos), das
novas doenças epidêmicas ou endêmicas (novos germes patogênicos), da cada vez maior
crise energética, da segurança da vida posta pelos “problemas morais postos pelos novos
avanços tecnológicos”, denunciando o favorecimento de posturas “fundamentalistas” e a
“perda do primado da razão”, o que não é pouca coisa. 56 Dito de outro modo, a acirrada
ofensiva “quantitativista”,57 está mascarando a degradação da ciência, o bloqueio crescente,

54
Para uma atualização, ver: Laboratorio per la Critica Sociale. Profito o Scienza? La controriforma
universitaria al servizo degli interessi aziendali, Roma, fevereiro 2001.
55
Ernest Mandel. O Capitalismo Tardio. São Paulo, Abril Cultural, 1988.
56
USA, cresce la ricerca privata: Fondi doppi rispetto allo Stato, Corriere della Sera, 20 de novembro de
2003.
57
Segundo Marilena Chauí, na conferência de abertura da Anped, Poços de Caldas, 5/10/2003, “a visão
organizacional da universidade produziu aquilo que, segundo Freitag (Le naufrage de l’université), podemos

33
e até a destruição, das forças produtivas sociais, o que não é mais do que a conseqüência
histórica da sobrevivência das relações capitalistas de produção.
Uma constatação semelhante realizou Paul Forman, um dos principais historiadores da
física:58 a ciência é cada vez mais “uma empresa política e econômica”, atualmente “a
ciência é valorizada simplesmente como um componente da tecnologia, e esta não como
um meio para fazer ciência. A tecnologia se transforma no propósito da ciência, estabelece
seus objetivos e orienta sua atividade, não mais concebida como dotada de seus próprios
fins ou objetivos intrínsecos, porque carente de uma concepção hierárquica de
conhecimento: a ciência é incapaz de criar seus próprios fins, a tecnologia se converte no
instrumento e objetivo indispensável da atividade científica”. 59
O suposto “avanço tecnológico”, portanto, encobre a crise e retrocesso científico reais; a
“sociedade do conhecimento”, cantada em verso e prosa por reitores e ministros, tende a
ser, na verdade, uma sociedade do desconhecimento,60 entupida de gadgets tecnológicos, de
cada vez menor valor e utilidade sociais, no meio de um mar de ameaças, não encaradas, à
sobrevivência da humanidade, incluídas as armas de destruição maciça, estas sob
responsabilidade crescente de indivíduos cujo “conhecimento” se reduz à leitura, de
segunda mão, de textos religiosos.
A lógica contraditória e parasitária do capital se expressa, em relação ao conhecimento, na
socialização crescente da sua produção, e na privatização crescente da sua apropriação,
como ocorre, notadamente, no caso do estudo da biodiversidade, e outros: “Tomando como
pretexto a "revolução multimídia", certos lobbies mobilizaram-se para pedir uma revisão do
direito da propriedade intelectual, fortalecendo-o em proveito de seus detentores.
Conseguiram um prolongamento da duração de proteção às obras, a criação de novos
direitos de propriedade intelectual (como o assim chamado direito sui generis, que protege
a atividade, não inventiva, de constituição de bases de dados a partir de elementos pré-
existentes), a limitação das exceções legais (como o uso legal das obras protegidas,

denominar como universidade operacional. Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de
produtividade, calculada para ser flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e
programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos
objetivos. Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação
intelectual, está pulverizada em micro organizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a
exigências exteriores ao trabalho intelectual. A heteronomia da universidade autônoma é visível a olho nu: o
aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a avaliação pela
quantidade de publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios, etc”. Visão
semelhante, em relação à universidade européia, encontra-se em: Pierre Jourde. Ce qui tue l’Université. Le
Monde Diplomatique, Paris, setembro 2003.
58
Curador da área de física no Museu Nacional de História Americana, na Smithsonian Institution.
59
Hoy la ciencia se valora simplemente como un componente de la tecnología. Entrevista com Paul Forman,
El País, Madri, 12 de novembro de 2003.
60
Segundo o texto já citado de Chauí, deve-se “adotar uma perspectiva crítica muito clara tanto sobre a idéia
de sociedade do conhecimento quanto sobre a de educação permanente, tidas como idéias novas e diretrizes
para a mudança da universidade sob a perspectiva da modernização. É preciso tomar a universidade sob a
perspectiva de sua autonomia e de sua expressão social e política, cuidando para não correr em busca da
sempre eterna idéia de modernização que, no Brasil, como se sabe, sempre significa submeter a sociedade em
geral e a universidades públicas; em particular, a modelos, critérios e interesses que servem ao capital e não
aos direitos dos cidadãos”.

34
chamado fair use), o questionamento de direitos adquiridos (caso das bibliotecas públicas)
e até a possibilidade de patentear programas de computador…
“Por trás dessa mudança, delineia-se um remodelamento da correlação de forças entre
Estados - os puramente exportadores e os importadores de produções intelectuais - e entre
grupos sociais com interesses contrários (acionistas de empresas, professores, educadores,
pesquisadores, usuários). Impõe-se, portanto, uma reflexão sobre a noção de "interesse
geral", para evitar que os grupos dominantes façam pender para seu lado a balança do
direito da propriedade intelectual. A maioria das inovações e invenções baseia-se em idéias
que fazem parte do bem comum da humanidade. É, portanto, uma aberração limitar o
acesso à informação e ao conhecimento que constituem esse bem comum, por força de um
direito excessivamente preocupado em proteger interesses particulares. Garantir a proteção
de um "domínio público" mundial da informação e do conhecimento é um aspecto
importante da defesa do interesse geral. Além disso, o mercado se aproveita dos "bens
públicos mundiais" atualmente disponíveis, como o conhecimento pertencente ao domínio
público ou as informações e pesquisas financiadas por verbas públicas, mas não contribui
diretamente para sua promoção e defesa”. 61
Biologia e Genética
Na biologia, o problema se complica pelo fato de, ao contrário do que se imagina, não se
tratar de uma ciência unificada: existem nela dois pólos, duas "atitudes" radicalmente
opostas. A primeira, chamada de "reducionista", explica as propriedades do "todo" (o
organismo) pelas propriedades das partes (órgãos, tecidos, células, moléculas): "Para os
biólogos reducionistas não há nenhuma característica do organismo que não possa ser
descrita, em última instancia, em termos de moléculas e de suas interações", disse François
Jacob, em La Logique du Vivant.

A segunda atitude, “integrista”, diz que as propriedades do todo não se reduzem às


propriedades das partes: a matéria viva tem um nível de integração irredutível ao nível
físico-químico. Ha diversos níveis, muito diferentes, de integração da matéria viva (células,
órgãos, organismos, populações, espécies, biocenoses, etc.): "O biólogo integrista se recusa
a pensar que as propriedades de um ser vivo, seu comportamento, seu desempenho, possam
se explicar só pelas suas estruturas moleculares. A biologia não se reduz à física e à
química. Não é que exista uma força vital desconhecida. Mas, a todos os níveis, a
integração dá aos sistemas propriedades de que carecem seus elementos. O todo não se
reduz à soma das partes", diz François Jacob, na obra mencionada, usando, para a
explicação da clivagem na biologia, um dos princípios básicos do pensamento dialético, o
papel dominante da categoria de totalidade.
Para o biólogo “integrista”, então, nenhuma descoberta vai permitir compreender o
"segredo da vida": a biologia não poderá nunca se poupar de analisar as leis que regem o
funcionamento da vida nos seus diversos níveis de integração, e de estudar as relações entre
esses níveis. O "reducionismo" não é, no entanto, uma exclusividade da biologia. Essa
tendência existe em todos os domínios da pesquisa cientifica, e constitui, junto com a

61
Philippe Quéau. A qui appartient la connaissance? Le Monde Diplomatique, Paris, agosto 2001 (Philippe
Quéau é diretor da Divisão de Informação e Informática da UNESCO).

35
fragmentação dos conhecimentos, outra expressão da destruição parcial da cultura e da
ciência associada às tendências históricas gerais da época do imperialismo.
Escutamos freqüentemente que as pesquisas nos últimos decênios permitiram,
principalmente no domínio da biologia molecular, que a biologia chegasse ao nível da
"ciência exata", como a física ou a química, e que a biologia moderna rompeu
definitivamente com a velha “historia natural” do século XIX. Na verdade, apesar da
gigantesca importância das descobertas da biologia molecular, estas têm limites e estão
longe de permitir-nos compreender o conjunto dos fenômenos vitais, notadamente daqueles
que dizem respeito às relações entre os seres vivos e o meio-ambiente (no sentido amplo)
onde eles vivem.
De todos os domínios da pesquisa biológica, o mais atrasado atualmente e a ecologia, que
consiste justamente no estudo daquelas relações. Esta disciplina sofre conjuntamente de
vários dos problemas enumerados: ela é a herdeira daquela "historia natural", considerada
por boa parte dos responsáveis atuais da pesquisa biológica como “ultrapassada”; 62 é uma
disciplina sintética por natureza, ciência das relações entre fenômenos extremamente
diversos e diferentes, e, portanto, vincula-se com outras numerosas disciplinas, exigindo do
pesquisador, não ser apenas "especialista", mas ter também uma "cultura cientifica" ao
mesmo tempo extensa e aprofundada.
Ao contrário das disciplinas "de ponta", como a biologia molecular, ou a neurofisiologia, a
ecologia não exige (pelo menos no estagio atual) a utilização de aparelhagens caras; seu
desenvolvimento dependeria atualmente muito mais do investimento no "material humano",

62
Mas que esteve sempre presente nos trabalhos de um dos mais importantes biólogos contemporâneos,
Stephen Jay Gould, e tornou a ganhar vigor nos debates acerca de evolucionismo vs. criacionismo (ou
“desenho inteligente”). Nos EUA, já chegou aos tribunais a polêmica entre o evolucionismo e a teoria do
design inteligente, que prevê a existência de ser superior. Em Pensilvânia, um julgamento abriu um
precedente para a contestação oficial da teoria da evolução das espécies, pois uma escola pública americana
impôs aos alunos aulas de biologia sobre a tese do design inteligente, que prega a existência de um ser
superior - um criador, não necessariamente Deus. O colégio tem o apoio da Casa Branca. Em um governo
fortemente influenciado pela direita cristã, George Bush já disse publicamente que aprova o ensino da teoria
do design "como forma de dar às crianças as duas versões". A ação - primeira do gênero no país - foi iniciada
por pais de alunos de uma escola de Dover, que decidiu ano passado ler para as crianças o texto polêmico.
"Porque a teoria de Darwin é uma teoria, está sempre em teste a cada nova descoberta. Não é um fato. O
design inteligente é uma explicação para a origem da vida diferente da visão de Darwin", diz um trecho. Os
professores também orientam estudantes "interessados em saber mais sobre o assunto" a lerem o livro Of
Pandas and People, uma contestação direta, até no título com referência aos pandas, aos trabalhos de Stephen
Jay Gould (cuja obra mais conhecida leva por título O Polegar do Panda). Apoiados pela União Americana
para Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), os pais concluíram que a inclusão de uma teoria não
reconhecida como ciência e que sugere a existência de um poder superior fere o princípio constitucional da
separação entre igreja e Estado. A escola, por sua vez, sustenta o caráter científico e, portanto, a alternativa a
Darwin. “O design inteligente não pode ser testado. Portanto, não é aceito pela comunidade científica” - disse
o biólogo Kenneth Miller, testemunha dos pais. Também falou, espontaneamente, que é um homem religioso.
Os advogados dos pais de Dover querem provar que o design inteligente é "a versão do século 21 do
criacionismo". A comparação é quase ofensiva para os defensores da teoria, que sempre se apressam em dizer
que são duas coisas diferentes - o criacionismo é baseado no Gênesis, livro da Bíblia que fala da criação do
mundo e do homem. Os adeptos do design inteligente atacam Darwin porque não explica a origem da vida.
Portanto, segundo a teoria, é necessária a existência de uma força superior que pode ser até, defendem alguns,
um organismo extraterrestre. Os cientistas que atacam o design inteligente, por sua vez, argumentam que a
descoberta da origem da vida é uma questão de tempo. Também argumentam que os defensores da nova
teoria vivem de atacar falhas em Darwin, mas não oferecem provas que corroborem suas próprias idéias.

36
justamente aquele mais difícil de encontrar nos laboratórios; do ponto de vista dos
interesses capitalistas, trata-se não somente de uma disciplina "não rentável", mas ainda de
uma disciplina perigosa, porque ela põe em evidência a destruição do meio-ambiente do
nosso planeta, analisa as causas dessa destruição, levando, portanto, a estabelecer a
responsabilidade da classe dominante nesses fenômenos, ou seja, a estabelecer a
necessidade imperiosa de se destruir a sociedade baseada nesses interesses de classe.
Nos últimos anos, o desenvolvimento avassalador da biologia molecular pôs em relevo os
vínculos dela com a crise ecológica. A biologia molecular e suas diversas derivações –
alimentos transgênicos, desvendamento do genoma (incluído o genoma humano),
nanotecnologia, clonagens vegetais e animais – parece ser a ciência do terceiro milênio. De
modo esquizofrênico, ela é apresentada simultaneamente como portadora de uma revolução
científica suscetível de elevar de modo surpreendente a expectativa e a qualidade de vida do
gênero humano (através dos alimentos geneticamente modificados, ou OGMs, e das
chamadas terapias genéticas), e também de uma catástrofe de dimensões inimagináveis,
através da criação de uma “espécie humana superior” via manipulação genética, das
chamadas “armas genéticas” (que afetariam só os membros de uma etnia pré-determinada)
ou da destruição da biosfera com nano-robôs. Estas projeções paradisíacas ou apocalípticas
são realizadas graças a uma completa abstração das relações sociais e políticas.
Os biólogos mais destacados dessa área de pesquisa ganharam uma aura de detentores de
um poder potencial sobre o futuro da sociedade humana. Já foi anunciado que o
computador do futuro será quântico ou biológico, no qual “moléculas irão tratar a
informação carregada por impulsões luminosas ou químicas, com a utilização do DNA de
células vivas para cálculos complexos, através do universo da mecânica quântica: a
pesquisa informacional quebrará todas as fronteiras”, ou seja, a criação de um “cérebro
semi-artificial”, ou de um enxerto orgânico-máquina, com funções cerebrais. 63
É evidente que existe uma verdadeira usina de “boatos científicos” (ou projeções
fantásticas), que “planta” na imprensa corrente ou especializada notícias que chamam a
atenção para prováveis “aplicações” – ou seja, negócios – vinculadas às descobertas
biológicas, que cumpre função semelhante àquela vinculada às empresas da “nova
economia” situada no Silicon Valley: já existe a chamada DNA Alley, com seis grandes
empresas (incluída a já famosa TIGR, Instituto para Pesquisas sobre o Genoma) situadas
lado a lado com os dois grandes institutos de pesquisa pública dos EUA, o Instituto
Nacional de Saúde e a FDA (Food and Drug Administration), que investiga e regula os
fármacos e alimentos. Esta “promiscuidade” público-privado, na estrada 270 do estado de
Maryland, tem tudo a ver com o caráter do desenvolvimento científico atual, e com sua
vinculação com os negócios capitalistas.64
A realidade incita a maior prudência. Depois da descoberta da “hélice dupla”, no início da
década de 50 (James Watson), a engenharia genética nasceu no início dos anos 70, quando
foram descobertas as enzimas redutoras. Elas têm a capacidade de “cortar” o DNA (ácido
desoxiribonucleico, matéria de que se compõem os genes) em regiões, abrindo a

63
O que quer que se pense a respeito, a atual pesquisa neurológica sublinha que é perfeitamente carente de
sentido imaginar o cérebro separado do corpo, e da interação de ambos (ou do corpo com cérebro) com o seu
meio. Cf. Antonio Damásio. O Mistério da Consciência. São Paulo, Companhia das Letras, 1999.
64
Dopo la Silicon Valley ecco il viale del DNA. Corriere della Sera, Milão, 22 de dezembro de 2000.

37
possibilidade de retirar genes previamente escolhidos. Isso permitiu a transferência de
determinadas características de um ser vivo para outro. Foi o nascimento dos transgênicos.
Com isso foi possível, por exemplo, induzir bactérias a produzirem proteínas humanas
como o interferon (usado para combater infecções virais), a insulina (1982), o hormônio de
crescimento e antígenos contra hepatite B, que resultaram em eficiente vacina (1986). Em
1988, foi produzido o primeiro mamífero geneticamente alterado: um rato altamente
suscetível a câncer de pulmão para ser usado como cobaia. Algumas terapias gênicas
experimentais já lograram resultados positivos, embora provisórios.
O uso de manipulações genéticas para a melhora das culturas destinadas à alimentação é
mais antigo ainda, e não atravessa, justamente agora, um período brilhante. Entre 1950 e
1990, devido à extensão dos cultivos com sementes modificadas geneticamente, o
incremento médio anual na produção de trigo e arroz foi de 2,1%. Entre 1989 e 1990 a taxa
de crescimento da produtividade agrícola foi de 0,5% e desde então vem caindo
paulatinamente. Ainda assim, nos anos 1960, 56% da população mundial vivia com menos
de 2200 calorias diárias per capta (o mínimo para a subsistência normal), mas a meados dos
nos 1990 esse indicador caiu para 10%.
A área total ocupada pelo plantio de OGMs (organismos geneticamente modificados)
cresceu de 39,9 milhões de hectares em 1999 para 44,2 milhões em 2000, um aumento de
11% só durante um ano. Os dados são do ISAA, instituto que monitora o uso global de
transgênicos. No período de 1998-1999, o crescimento da área ocupada por OGMs tinha
sido de 44%.
Os EUA e a Argentina lideram a produção mundial. A produtividade agrícola cresce mais
lentamente, pese a uso maciço de OGMs, porque outros elementos, além dos científico-
tecnológicos, ingressam em sua determinação (produtividade e esgotamento do solo,
comportamento dos mercados etc.). Contrariamente ao alardeado, diz Chris Somerville,
biólogo molecular de plantas da Universidade de Stanford, Califórnia, “o que atualmente é
chamado de engenharia genética é, na verdade, remendo genético”. Hoje são manipuladas
somente características que já existem na natureza.65
Desde sua introdução ao mercado, os produtos transgênicos provocaram e sofreram
incontáveis problemas. Mesmo assim, seus defensores continuam apresentando-os como
uma vantagem para produtores e consumidores. Vários fatos significativos fizeram cair
estas afirmações. Diz-se que os transgênicos são um fenômeno global, ao que não podemos
renunciar porque estaríamos fora do progresso. Somente três países (Estados Unidos,
Canadá e Argentina) têm 98 % da área cultivada com transgênicos no mundo.
Basicamente foram plantados quatro culturas, todas de exportação: soja, milho, algodão e
canola; 74 % do total mundial foi plantado com cultivos modificados com uma só
característica: a tolerância a herbicidas patenteados pelas mesmas empresas que vendem as
sementes. Em 1999, cinco empresas -Monsanto, Aventis, Syngenta (Novartis +
AstraZeneca), BASF e Dupont- venderam cem por cento das sementes destes cultivos.
Monsanto vendeu sozinha 86 % do total.

65
New Scientist, novembro de 2000.

38
Bio-Monopólio
À luz destas cifras, fica claro que grande parte do que se discute sobre normas e instituições
para avaliar, regular e permitir a liberação e consumo de transgênicos se dá pelas
necessidades e interesses econômicos de três países, quatro culturas, e quase uma só
empresa. Acompanhando este contexto de controle extremo, foram publicados
recentemente dados científicos que mostram que os cultivos transgênicos não só não
cumprem o que prometem, mas inclusive têm o efeito contrário. Charles Benbrook, do
Northwest Science and Environmental Policy Center, de Idaho, Estados Unidos, levou a
público um informe o conclui que a soja modificada para ser tolerante ao herbicida
glifosato (toda a soja transgênica plantada) requer uma porcentagem de 11 % mais de
agrotóxicos que a soja convencional para controlar seus malefícios, existindo zonas onde se
é utilizado até 30 % mais.66
Ademais expõe como incrementou-se consideravelmente a resistência dos males que se
quer combater com este herbicida. Este informe se soma a um anterior do mesmo centro de
investigações, em que se mostra que a soja transgênica tem uma produtividade menor que a
convencional, em um espectro de 2 a 8 por cento. Estes dados se confirmam no novo
estudo. Resumindo: a semente é mais cara, necessita mais químicos e portanto contamina
mais o ambiente e ainda produz menos. Dados anteriores de outros institutos mostram
também que pelo aumento massivo da utilização de um só herbicida (glifosato), este deixa
resíduos até 200 vezes maiores nos alimentos processados que incluem soja, que são mais
de 60 por cento do que compramos em qualquer supermercado (conservas, pães, biscoitos,
marmeladas, sorvetes, sucos e um largo etcétera).
Este último dado levou a Monsanto a exercer pressão política em muitos países, para que os
níveis de resíduos permitidos de glifosato em soja se multiplicassem notavelmente - sem
que fosse feito, certamente, nenhum estudo que indicasse que a saúde humana estaria mais
apta para resisti-lo. Este mesmo mecanismo é ao que apela neste momento a multinacional
Aventis, responsável de colocar no mercado o milho transgênico Starlink, declarado não
apto para o consumo humano pela EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados
Unidos), por conter uma toxina que pode produzir alergias. A descoberta nos Estados
Unidos de que os alimentos de Taco Bell, produzidos com farinha transgênica em Sabritas
de Mexicali (importada de Azteca Mills) continham esta toxina, foi o começo de um
desastre econômico para Aventis, que teve gastos milhões de dólares para retirar do
mercado mais de 300 diferentes produtos nos quais se encontrava a toxina.
A "solução" que encontrou a empresa foi apresentar uma solicitação à EPA para que
mudasse a norma e permitisse resíduos da Starlink em alimentos, já que do contrário,
segundo Aventis, "os mercados alimentícios internos e externos, pela diminuição de
exportações e retirada de mercadorias postas em circulação, continuarão crescendo
indubitavelmente". Ou seja: para que Aventis não tenha que continuar pagando, EPA
deveria declarar que é agora legal que o alergênico esteja presente em alimentos de
consumo humano, já que não poderá declarar que é saudável porque nenhum dado mudou a
realidade nem variado os direitos reclamados em dezenas de demandas que consumidores
afetados apresentaram a EPA. E quiçá não estamos muito distantes de que EPA o faça,

66
Charles Benbrook. Troubled times amid commercial success for Roundup Ready Soybeans. In:
http://www.biotech-info.net/troubledtimes.html.

39
porque a administração do presidente Bush submeteu ao Congresso a designação de Linda
Fisher, executiva da Monsanto, como a segunda na hierarquia da EPA.
Em sua função atual, Fisher teve que assessorar aos seus colegas da Monsanto no Canadá,
que em maio de 2001 conseguiram que um juiz sentenciasse que o agricultor Percy
Schmeiser devia pagar mais de 75 mil dólares de multas e regalias à Monsanto porque o
campo de Schmeiser foi contaminado - contra sua vontade e sem seu conhecimento – com
canola transgênica desta empresa trazida pelo vento e insetos desde campos vizinhos.
Contaminam mais, produzem menos, são danosos para a saúde, prejudicam os produtores,
aumentam a dependência não só econômica mas também política. 67
No atual debate sobre transgênicos, afirma-se que o consumo de alimentos geneticamente
modificados pode provocar o aparecimento ou o agravamento de alergias, pois muitas
pessoas são alérgicas a determinados alimentos em virtude das proteínas que elas
produzem, aumento da resistência a antibióticos e o aparecimento de novos tipos de vírus.
Para o meio ambiente, as conseqüências também seriam sérias: empobrecimento da
biodiversidade, eliminação de insetos benéficos ao equilíbrio ecológico do solo,
contaminação do solo e de lençóis d’água, devido ao uso intensificado de agrotóxicos. A
incidência sobre a produtividade e, portanto, sobre o volume da produção, no entanto, no
imediato não parece grande. Qual é então o motivo de fundo do debate?
Trata-se, através do domínio das tecnologias de ponta, do acirramento da concorrência
capitalista, num mercado altamente monopolizado, dominado por cinco grandes empresas,
três dos EUA (Du Pont de Nemours, Dow Chemical e Monsanto), uma suíça (Novartis) e
uma francesa (Aventis): “(Elas) têm o controle de 90% do mercado mundial e de 100% do
mercado de sementes: as norte-americanas Monstanto, Dow Chemical, Astra Zeneca, Du
Pont e as européias Novartis (fusão da Bayer e Ciba Geigy) e Aventis (fusão da Hoechst e
Rhône Poulenc). A guerra comercial entre esses monopólios inclui a urgente compra de
companhias menores”.68
O mercado tende a monopolizar-se ainda mais, e a aumentar a concorrência, com a entrada
nele das gigantes da informática. É um mercado que, segundo a IBM, vale hoje algo em
torno de US$ 3,5 bilhões. E o seu crescimento está se dando de tal forma que a IBM
revisou os seus cálculos: “Estimávamos um mercado de US$ 9 bilhões para 2003, mas
novos números sinalizam algo entre US$ 18 bilhões e US$ 27 bilhões”, disse Caroline
Kovac, vice-presidente da IBM Life Sciences, divisão criada com o objetivo de desenvolver
projetos para setores da biotecnologia, código genético, saúde, farmacêutico e agricultura.
Segundo Hope Shand, diretora de pesquisa da Rural Advancement Foundation
International (RAFI) (www.rafi.org), os gigantes da agroindústria produziram alimentos
com "valor agregado" só para consumidores de alto poder aquisitivo. É impossível entender
a realidade da engenharia genética sem analisar o poder e o alcance global das empresas
transnacionais gigantes que usam, compram, vendem e controlam o mercado
aceleradamente crescente dos produtos bio-industriais.

67
Silvia Ribeiro. Los expedientes X de los transgénicos. La Jornada, México, 12 de maio de 2001.
68
Hernán Diaz. Alimentos genéticamente modificados. Prensa Obrera no 633, Buenos Aires, 1o de julho de
1999.

40
Um grupo cada vez mais reduzido de corporações está conseguindo um controle sem
precedentes sobre todos os aspectos comerciais dos alimentos, a agricultura e a saúde. Há
20 anos existiam milhares de empresas que vendiam sementes, a maioria delas pequenas
empresas familiares. Hoje, as dez empresas de sementes mais grandes controlam
aproximadamente a terceira parte do comércio mundial de sementes que está avaliado em
23 milhões de dólares.
Há 20 anos existiam cerca de 65 empresas de agroquímicos que produziam insumos
agrícolas. Hoje, as 10 empresas principais de agroquímicos controlam mais de 90% do
mercado mundial, avaliado em 30 bilhões de dólares. Em 1989, as 10 maiores empresas
farmacêuticas controlavam 29% das vendas mundiais. Hoje, as 10 maiores controlam cerca
de 50%. Atualmente, as dez empresas maiores do mercado veterinário controlam 61%
desse mercado, calculado em 16 bilhões de dólares. As companhias dominantes em todos
estes setores – em melhoramento vegetal, em praguicidas, em medicina farmacêutica e
veterinária - são as mesmas que dominam em todos os setores.
São verdadeiros "gigantes genéticos". Os nomes destas companhias soam familiares. No
campo da biotecnologia agrícola, são essencialmente cinco as que dominam globalmente –
e todas estão entre os 10 principais fabricantes de praguicidas. Syngenta (Novartis +
AstraZeneca, Aventis = Hoechst + Rhone Poulenc, Monsanto (atualmente propiedade de
Pharmacia); Dupont, e Dow. As companhias que tinham a maioria das patentes agro-bio-
tecnológicas nos Estados Unidos até fins de 1998 são as mesmas cinco, e o sexto lugar é
ocupado pela mexicana Grupo Pulsar. Essas seis empresas têm 74% de todas as patentes
nesse setor.
Aos promotores da tecnologia transgênica os encanta assinalar que a área global de cultivos
transgênicos multiplicou-se 25 vezes em cinco anos, passando de 1.7 milhões de hectares
em 1996 a cerca de 44.4 milhões em 2000. Afirmam orgulhosos que ditos cultivos
difundiu-se mais rápido que nenhuma outra tecnologia agrícola na história. Isso demonstra,
dizem, que os agricultores realmente apreciam esta tecnologia. Contudo os cultivos
transgênicos não são um fenômeno global. Não demonstra uma ampla aceitação de parte do
diverso grupo de agricultores responsáveis pela maior parte dos diferentes cultivos
alimentícios no mundo: ou melhor, trata-se de uma exitosa campanha de mercado, a cargo
de, praticamente, uma só empresa, que promove os transgênicos em alguns cultivos
industriais de exportação em um punhado de países.
Em 2000, somente três países, Estados Unidos, Argentina e Canadá, foram responsáveis
por 98% da área plantada com transgênicos. E as três quartas partes de todos os
transgênicos nos campos haviam sido modificadas com uma só característica: a tolerância à
herbicidas, o que quer dizer que não se morre por rocear com um herbicida químico.
Ademais, o mercado de sementes transgênicas está vexatoriamente dominado por uma só
corporação. Em 2000, as sementes modificadas geneticamente pela Monsanto foram
plantadas em 38 milhões de hectares no mundo. Isto é, 86% da área total dedicada aos
cultivos transgênicos comerciais. A uniformidade, a agricultura industrial e a concentração
corporativa são as características que melhor descrevem os cultivos transgênicos, não a
diversidade nem a segurança alimentícia, nem os mercados competitivos.

41
Tecnologías Destrutivas
Os cultivos modificados geneticamente são uma ferramenta da agricultura industrial, não da
agricultura sustentável. Os beneficiários desses produtos são as corporações multinacionais,
não o público. São produtos desenhados para tirar a produção de alimentos das mãos das
comunidades locais e criar dependência dos agronégocios às corporações transnacionais.
Por todo o mundo, os consumidores, as organizações da sociedade civil, muitos governos e
maioristas da distribuição e venda de alimentos têm rechaçado os alimentos e cultivos
transgênicos. Por quê? As gerações 1 e 2 de produtos biotecnológicos foram lançadas ao
mercado com grande pressa e a indústria não levou em conta que nenhum desses produtos
tinha atrativos para os consumidores e praticamente tampouco para os agricultores, salvo
alguns benefícios marginais para os grandes produtores industriais. Por exemplo, os
alimentos geneticamente modificados não são mais baratos, nem têm melhor sabor, nem
são mais saudáveis nem mais nutritivos. Para que aceitar qualquer nível de risco sem que
haja nenhum benefício e se há muitos problemas potenciais associados com os alimentos e
cultivos transgênicos?
O que significa geração 1 e geração 2 de produtos biotecnológicos? A primeira geração se
refere às características introduzidas como insumos agrícolas. São as plantas modificadas
geneticamente para tolerar herbicidas ou expressar genes inseticidas. Seu objetivo é
modificar o uso de praguicidas aplicados aos cultivos para expandir o negócio dos
praguicidas e dos agroquímicos. A geração 2 se refere à modificação de caracteres
posteriores à colheita que estão desenhados para reduzir os custos da indústria de
processamento de alimentos. Isto inclui a manipulação de cultivos para reduzir os custos de
energia, processamento e armazenagem de produtos. Um exemplo precoce desta segunda
geração é o tomate de maturação retardada que produziu Calgene para permitir uma vida
mais longa naqueles.
Até a própria indústria biotecnológica admite que a estratégia de introduzir transgênicos aos
mercados através desta primeira e segunda geração de produtos foi estúpida. Porém as
corporações aprenderam a lição e devemos nos preparar para a próxima geração de
produtos modificados geneticamente. Estamos a ponto de ver grandes mudanças em suas
estratégias. A geração 3 se refere a produtos transgênicos desenhados para os majoritários e
minoritários em vendas ao público de alimentos e medicamentos. Serão produtos que se
pretende sejam percebidos por consumidores de alto poder aquisitivo como benéficos para
a nutrição e para a saúde.
A geração 3 inclui plantas e animais modificados para produzir drogas, vacinas e plásticos.
Com a terceira geração, será impossível distinguir as linhas divisórias entre granjas e
farmácias, alimentos e remédios. Incluirá "nutracêuticos", produtos alimentícios que se
afirmará terem um "valor agregado" desde o ponto de vista nutricional ou da saúde. Já há
alimentos com ácidos graxos omega-3 para a prevenção de doenças cardiovasculares,
alfaces com vitamina C, milho que combateria a anemia e muito mais, tudo isto
transgênico.
Um representante da indústria descreveu os alimentos transgênicos terapêuticos do futuro.
Usou como exemplo um prato de espaguetes cuja farinha conteria ingredientes que
reduziriam 75 por cento as possibilidades de contrair câncer de cólon. Assegurou que os
tomates usados para a salada terão antioxidantes que diminuirão o envelhecimento, e que o

42
chá para acompanhar esse prato diminuirá a ansiedade! Estes exemplos ilustram como a
indústria biotecnológica está tentando desesperadamente desenvolver produtos que tenham
atrativos para os consumidores. Ademais, está buscando legitimidade moral para convencer
de que as sementes transgênicas são saudáveis e boas. Por isso, ouvimos tanta propaganda
de produtos como o "arroz dourado" da AstraZeneca. Segundo eles, este arroz modificado
geneticamente para conter vitamina A é um produto que vai alimentar aos pobres e
famintos e curar suas deficiências nutricionais.
A terceira geração de produtos biotecnológicos é promovida em nome dos pobres e
famintos dos países do Sul. Mas não tem nada a ver com alimentar aos pobres nem com a
agricultura sustentável. O mercado ao qual se dirige é o dos consumidores com poder
aquisitivo, principalmente nos países do Norte. O que importa nisso tudo para a segurança
alimentícia, os camponeses e agricultores? O alarme soou para a tendência a eliminar o
direito dos agricultores a conservar suas próprias sementes, guardá-las para a próxima
colheita, produzir e melhorar suas próprias sementes. Este é um direito ancestral que está
reconhecido no marco da FAO das Nações Unidas como Direitos dos Agricultores. Mais de
400 milhões de pessoas no mundo, basicamente campesinos pobres, dependem do
armazenamento de suas próprias sementes para dispor delas. As sementes são o primeiro
elo da cadeia alimentar. Quem controla as sementes controlará a disponibilidade de
alimentos.
Com o advento da engenharia genética, as sementes foram convertidas em um "sistema
operativo" que os gigantes genéticos usam para desenvolver novas tecnologias genéticas.
Por isso vemos companhias como Monsanto gastando nos anos recentes mais de 8,5
milhões de dólares para comprar companhias de e de biotecnologia. É por isso que a
Dupont gastou mais de 9,4 milhões de dólares para comprar a Pioneer Hi-Bred, a maior
empresa de sementes do mundo. O tema chave é o controle. Os gigantes genéticos estão
usando as sementes transgênicas para ditar como cultivarão os agricultores e em que
condições. Um dos efeitos mais graves para os agricultores, os povos indígenas e para a
investigação pública em geral é que estão perdendo seu direito de usar e desenvolver a
diversidade.
Na tecnologia denominada Terminator, plantas manipuladas geneticamente para tornar as
sementes estéreis. Aqui está uma tecnologia cujo objetivo primário é maximizar o lucro da
indústria através da destruição da capacidade dos agricultores de guardar e melhorar suas
sementes. A esterilização genética de sementes vai mais além da propriedade intelectual.
Uma patente típica outorga ao que a possui um monopólio legal exclusivo por 20 anos.
Com Terminator, este monopólio não tem data de expiração. É a ferramenta perfeita para a
indústria corporativa de sementes no mercado global porque deixa totalmente vazio o
conceito de soberania nacional em sementes.
Em 1999, devido à enorme oposição pública às sementes suicidas, Monsanto e AstraZeneca
firmaram um compromisso público de não comercializar sementes Terminator. Isto levou
muita gente a crer que a crise havia passado. Nada podia estar mais distante da verdade.
Tanto Monsanto como AstraZeneca se fundiram com outras empresas depois deste anúncio.
Somente em 1999 foram registradas mais de sete patentes novas com tecnologias
Terminator que se agregaram às dezenas que já existiam. Há tecnologias estreitamente
ligadas àquela.

43
O controle das características genéticas, a tecnologia Traitor, é o mesmo tipo de tecnologia,
mas é potencialmente mais perigosa e insidiosa. Com o controle da expressão das
características genéticas, a meta é conseguir que as características de uma planta possam ser
"presas" ou "apagadas" ao aplicar-lhe um químico determinado. Se, por exemplo, as
companhias podem modificar geneticamente as sementes para que reajam somente diante
da aplicação de seu próprio praguicida ou fertilizante patenteado, vão reforçar
enormemente a dependência na agricultura. Tanto os agricultores como a segurança
alimentícia foram convertidos em reféns dos gigantes genéticos.
As decisões cruciais sobre os planos de trabalho da investigação agrícola e o futuro da
agricultura no mundo inteiro estão sendo tomados por um grupo cada vez mais pequeno de
grandes empresas. O poder das patentes monopólicas exclusivas está dando a estas
companhias o direito legal de determinar quem tem acesso à ciência e a que preço. Isso tem
implicações muito sérias para o futuro da saúde humana e a segurança alimentícia em todo
o mundo. A negligência do bem comum é inevitável quando a agenda de investigação está
baseada no lucro das corporações em lugar da satisfação das necessidades humanas.
Coloca-se resistir e reverter o patenteamento da vida em todas suas formas.69
Miguel Altieri, professor da Universidade de Berkeley na Califórnia, e Peter Rosset, diretor
do Institute for Food and Development Policy (Food First) criticam as companhias bio-
tecnológicas, quando estas afirmam que os organismos geneticamente modificados (OGM)
são descobertas indispensáveis para alimentar o mundo, proteger o ambiente e reduzir a
pobreza nos países em desenvolvimento. Esta opinião se apóia em duas suposições muito
questionáveis. A primeira é que a fome se deve a uma brecha entre a produção de alimentos
e a densidade da população. A segunda é que a engenharia genética é a melhor forma de
incrementar a produção. Não há relação entre a existência de fome em um país e sua
população. Para cada nação densamente povoada e faminta como Bangladesh ou Haiti,
existe uma nação escassamente povoada e faminta como Brasil e Indonésia.
O mundo produz hoje mais alimento por habitante que nunca antes. Existe comida
suficiente para abastecer quase dois quilos por pessoa cada dia: pouco mais de um quilo de
grãos, feijão e nozes, cerca de meio quilo de carne, leite e ovos, e outro tanto de frutas e
vegetais. As verdadeiras causas da fome são a pobreza, a desigualdade e a falta de acesso
aos mercados. Demasiadas pessoas são muito pobres para comprar o alimento que está
disponível ou carecem da terra e recursos para cultivá-las eles mesmos. Com respeito à
segunda suposição, observamos que a maioria das inovações em engenharia genética foram
dirigidas prioritariamente para aumentar as ganâncias das companhias e não, como se
afirma, para aumentar a produtividade agrícola.
Isso é ilustrado ao revisar alguns produtos que já são comercializados por multinacionais
como Monsanto. Por exemplo, mais de 80 por cento dos cultivos transgênicos hoje em dia
são resistentes a marcas de herbicidas, propriedade da mesma empresa. A meta não é
incrementar a produção, senão ganhar uma maior participação no mercado de herbicidas.
Estas tecnologias buscam, sobre tudo, intensificar a dependência dos agricultores das
sementes protegidas pelo chamado "direito de propriedade intelectual", que se opõe ao
direito dos campesinos a reproduzir ou armazenar suas próprias sementes. As corporações

69
Hope Shand. Transgénicos: ¿dónde estamos y dónde vamos? La Jornada, México, 29 de maio de 2001.

44
tratam de induzir os agricultores a comprar as provisões de suas marcas e tornar-lhes
impossível guardar sementes.
A integração das indústrias agroquímicas e de sementes sob as mesmas transnacionais leva
a incrementar os gastos em sementes e produtos químicos, o que retorna em utilidades aos
agricultores. Em Illinois, Estados Unidos, a adoção de cultivos resistentes aos herbicidas
(semente de feijão de soja mais praguicida) constitui um dos mais caros sistemas de
produção: flutua entre 40 e 60 dólares por acre, o que representa entre 35 e 40 por cento de
todos os custos variáveis de produção. Três anos atrás, o ponto médio desses mesmos
custos era de 26 dólares por acre e representava 23 por cento do total dos custos variáveis.
Provas experimentais recentes indicam que as sementes transformadas pela engenharia
genética não aumentam o rendimento dos cultivos. Um estudo do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos mostra que os rendimentos de cultivos manipulados
geneticamente não foram significativamente diferentes aos rendimentos obtidos com
cultivos convencionais em 12 das 18 combinações de cultivo/região. Em média, a soja
resistente a herbicidas reduziu o rendimento.
E cabe mencionar que estaria comprovado que há outras maneiras de produzir os alimentos
que rendem muito mais que os cultivos transgênicos. De fato, há alternativas mais seguras
em termos de saúde humana e ambiental que ultrapassam as projeções mais otimistas das
companhias biotecnológicas. Muitos cientistas argumentam que a ingestão de produtos
modificados geneticamente não é danosa. Contudo, evidências recentes mostram que
existem perigos potenciais ao comê-los, já que as novas proteínas produzidas em ditos
alimentos podem: atuar elas mesmas como alérgicos ou toxinas; alterar o metabolismo da
planta ou do animal que produz o alimento, o que faz este produzir novos alérgicos ou
toxinas, ou reduzir sua qualidade ou valor nutricional. Tal é o caso do feijão de soja
resistente a herbicidas, mas que contêm menos isoflavones. O isoflavón é um importante
fitoestrógeno presente nos feijões de soja que se considera proteger às mulheres de alguns
tipos de câncer.
As plantas transgênicas que produzem seus próprios inseticidas seguem o falido paradigma
dos praguicidas. No lugar do modelo "contra uma praga, um produto químico", a
engenharia genética prefere: "a uma praga, um gene". O primeiro esquema mostrou-se seu
fracasso em provas de laboratório, já que as pragas se adaptam rapidamente e desenvolvem
resistência ao inseticida presente na planta. Por outro lado, a tendência das corporações
transnacionais de criar amplos mercados para produtos particulares está simplificando os
sistemas de cultivo e criando uniformidade genética nos ambientes rurais. A história ensina
que uma área extensa semeada com uma só variedade é muito vulnerável a novas linhagens
de patogênicos ou pragas de insetos.
Além disso, o uso estendido de organismos geneticamente modificados levará
inevitavelmente à "erosão genética", na medida em que as variedades utilizadas
tradicionalmente sejam substituídas pelas novas sementes. O uso de cultivos resistentes aos
herbicidas debilita paulatinamente as possibilidades de diversificação de cultivos e reduz
assim a biodiversidade agrícola. Um perigo potencial pouco investigado é o da
contaminação genética de variedades tradicionais através da polinização por variedades
transgênicas. No México existe o risco de que as mais de cinco mil variedades de milho
existentes nesta região ­ que deu origem a este cultivo tão importante e que são herança de

45
toda a humanidade ­ sejam irreparavelmente contaminadas, caso se chegue a semear milho
transgênico dentro do território nacional, atividade atualmente proibida.
Existem muitas incógnitas acerca do impacto dos produtos manipulados geneticamente.
Muitos ecólogos demandam uma regulação apropriada que medie entre a experimentação e
a autorização dos cultivos transgênicos para assegurar uma melhor avaliação de suas
conseqüências ambientais. Da mesma maneira muitos peritos em nutrição humana insistem
em que são necessárias maiores e melhores avaliações pré-mercado antes de arriscar a
saúde dos consumidores.70
A guerra comercial entre os monopólios tendeu a transformar-se em guerra política entre
estados, com os EUA ameaçando em recorrer à OMC caso a União Européia insista em
identificar os produtos elaborados com base em insumos transgênicos, 71 o que a UE
contesta, com setores em alguns países, em especial na França, que questionam a própria
OMC, levantando a bandeira da “luta contra a mundialização” (Le Monde Diplomatique,
por exemplo, que sustenta uma rede mundial, o ATTAC, e passou a ser editado nas mais
diversas línguas e países).
No quadro da crise econômica incubou-se uma importante mobilização camponesa,
sobretudo na França. Seu principal líder, José Bové, declarou à Isto É: “O movimento do
qual eu participo não está vinculado ideologicamente a nada. Nossas ações não são
dirigidas especialmente contra os Estados Unidos, mas contra as multinacionais. Entre elas,
as que produzem organismos geneticamente modificados, os transgênicos. São empresas
americanas mas também européias. Para nós, elas são todas iguais. Não importa a sua
origem. A forma como a agricultura geneticamente modificada tem sido imposta aos países
europeus não nos deixou outra alternativa senão reagir. Não há debates com os produtores
rurais e consumidores sobre os organismos geneticamente modificados e seus malefícios.
As decisões são tomadas pela OMC, que dita suas próprias leis. A lógica econômica que
atinge os camponeses também afeta os operários da mesma forma. É preciso unir todas as
categorias nessa frente de resistência ao neoliberalismo e à globalização”.
O problema no 1 é o do patenteamento das seqüências genéticas, abertamente defendido
pelos monopólios, e criticado por todos os cientistas minimamente honestos (pois é óbvio
que só está sujeito a patente o invento, não a descoberta que existe naturalmente). Os
cientistas alegam que seria uma afronta moral patentear genes. “A noção de alguma
companhia ter o monopólio sobre meus genes é como alguém alegar ser dono do ar”, disse
Jonathan King, professor de biologia molecular do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), EUA. Muitos pesquisadores temem que as patentes possam
desestimular novas pesquisas. O princípio é que a matéria espontaneamente existente na
natureza não é patentável. Na África, onde a influência franco-européia é forte, a OUA
(Organização para a Unidade Africana) pronunciou-se contra o patenteamento e o regime
de propriedade intelectual das seqüências genéticas.72

70
Miguel Altieri e Peter Rosset. ¿Por qué la ingeniería genética no va a alimentar al mundo? In:
http://www.foodfirst.org
71
Folha de São Paulo, 4 de agosto de 2000.
72
F. Seuret e R. A. Brac de la Perrière. L’Afrique refuse le brevetage du vivant. Le Monde Diplomatique,
Paris, julho de 2000.

46
A concorrência feroz dentro da “tríade” imperialista tem uma base, comum a todos seus
membros: a exploração da periferia capitalista (os “países atrasados”), que se verifica
inclusive no plano da pesquisa e inovação, através de múltiplos mecanismos (no Brasil tem
atingido notoriedade, nos últimos tempos, a chamada biopirataria). No caso da Lei de
Biossegurança, assim como na Lei de Inovação tecnológica, fica patente a destruição que
estas leis promovem, suprimindo as fronteiras entre o público e o privado.
Estas leis, que não passam de retomadas de propostas não aprovadas por governos
anteriores porque encontraram, então, ampla resistência em movimentos de luta, buscam,
na verdade, institucionalizar práticas já vigentes, inclusive no interior das universidades
públicas, promovendo e intensificando sua privatização tanto interna quanto externa,
podendo incidir, de maneira devastadora, na criação de espaços privados no âmbito do
espaço público, cada vez mais encolhido. O objetivo é o de submeter os interesses
nacionais ao capital financeiro internacional: a Lei de Biossegurança, neste contexto, abre a
possibilidade de patentear seres vivos.
Transgênicos e Genoma
No Brasil, que ocupa uma posição estratégica no debate (a floresta amazônica compreende
boa parte da bio-diversidade mundial) os “meios científicos” são a favor do patenteamento,
proibido pela legislação em vigor (lei no 9.279/96, a Lei de Patentes), que determina que
não podem ser patenteados o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos
encontrados na natureza, inclusive o genoma (coleção de genes) de qualquer ser vivo
natural. “A questão é preocupante, pois a atual legislação pode desestimular empresas de
biotecnologia a conduzir pesquisas no Brasil”, afirmou José Fernando Perez, então diretor
científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). A Fapesp
financia os principais projetos de seqüenciamento (leitura) de genomas em andamento no
Brasil. A afirmação de Perez é significativa: se a publicidade das seqüências genéticas
desestimula as empresas, é porque o interesse destas é, por definição, contrário ao interesse
público.
O Brasil, na área de influência dos Estados Unidos, é um caso perfeito de colonialismo –
adota uma posição mais colonial que a falida África – em que os fundos públicos para
pesquisa são postos à disposição da “iniciativa privada”. O seqüenciamento da xylella
fastidiosa, grande vitória da ciência brasileira, beneficiou diretamente os grandes
produtores de laranja de São Paulo. O segundo grande projeto é o Genoma Cana, que
beneficiará os grandes usineiros de álcool e outros: “Em dois anos, devem estar prontas,
pelo menos em laboratório, as primeiras variedades de cana resistentes a duas pragas, a
bactéria Leifsonia xyli e o fungo-do-carvão”, anunciou Paulo Arruda, coordenador de DNA,
que está à frente de uma rede de 60 laboratórios.73
Na bolsa de apostas para o terceiro projeto, a soja vem em primeiro lugar: ao igual que a
laranja e a cana, trata-se de um produto de exportação, ou seja, que atende em primeiro
lugar os interesses dos usineiros, não os da população. A burguesia nacional, também aqui,
atua em função de ditames externos, pois “várias patentes sobre genes da xylella fastidiosa
já foram pedidas nos EUA”: “A despeito dos discursos e promessas de governantes
contrários ao patenteamento de genes, já há milhares dessas patentes concedidas. O

73
Fapesp Pesquisa no 59, São Paulo, novembro de 2000.

47
argumento mais comum é que patentes só serão concedidas quando a funcionalidade do
gene estiver bem determinada. Ora, ainda assim trata-se de descoberta e não de
invenção”.74 É óbvio que “a sobre-concentração da indústria alimentícia fará mais
dependentes nos países pobres do que nos ricos: antes, para cultivar havia que se comprar
sementes; agora, primeiro se terá que pagar a patente”.75
A questão das patentes não esgota o problema, pois em matéria de transgênicos o alarde
também é, por enquanto, maior que o resultado. É o que diz a prestigiosa publicação
científica Science: “A genômica está a mil por hora (mas) longe de serem o cume do
processo, as bibliotecas genômicas vão inaugurar décadas de estudos”. Outra opinião
semelhante: “O debate sobre os transgênicos está longe de terminar”, disse James Simon,
da Universidade Purdue, nos EUA. “A ciência não pode dizer que esses alimentos não
apresentam riscos à saúde e ao ambiente sem dados concretos. Assim, ela está tendo uma
visão limitada do assunto”.76
A questão é que “os cientistas apreciam os riscos potenciais de uma nova tecnologia –
essencialmente em relação à saúde humana e ao meio ambiente – e os resultados de sua
avaliação são a base concreta sobre a qual terá que se fundamentar a decisão política. Entre
a ciência e a lei, nada. Os cidadãos, em nome de quem se deveria introduzir a inovação em
questão, se vêem largamente excluídos: são o elo ausente do dispositivo”.77 O problema
não consiste em multiplicar as informações de todo tipo, na espera de que elas serão
suficientes para uma decisão “democrática e consciente”, pois como já foi notado “entre
compreender e não compreender há um bom número de estágios, nas quais nove décimos
das pessoas se acomodam muito facilmente”.78
O conhecimento e a compreensão não implicam apenas formação, informação e disposição
(das quais hoje está alijada a imensa maioria da população) mas também interesse,
vinculado, em última instância, ao regime de produção (de propriedade) existente: somente
num regime emancipado da propriedade privada burguesa o conhecimento, mais ou menos
aproximado, das implicações de uma inovação científica e tecnológica, pode ser medido em
função do interesse da produção e reprodução da humanidade social. O “controle
democrático” dos transgênicos é impossível até no mais democrático dos regimes
capitalistas, é uma tarefa que escapa ao marco das relações burguesas de produção, da
divisão entre trabalho manual e intelectual, da alienação elitizante e super-especializada
(fragmentada) da ciência.
Os problemas desta ordem colocados pelos OGMs são pequenos se comparados com
aqueles do desvendamento do genoma humano. O caso é espantoso, pois os investimentos
multimilionários, aqui, precederam os resultados concretos, e até a certeza de que seriam
obtidos. Surgiram empresas interessadas em explorar o genoma “no atacado”; em particular
a Celera, fundada nos EUA por um ex-pesquisador do Projeto Genoma Humano e por
grandes investidores. A estratégia da Celera é concluir o seqüenciamento do genoma,

74
Edgar Dutra Zanotto. A querela das patentes biológicas. Mais!, 10 de setembro de 2000.
75
Hernán Diaz, cit.
76
Folha de São Paulo, 21 de fevereiro de 2000.
77
Jacques Testant. Les experts, la science et la loi. Le Monde Diplomatique, Paris, setembro de 2000.
78
Georg Christoph Lichtenberg. Timorus, in: Schriften und Briefe, herausgegeben von Walter Promies. Carl
Hanser Verlag, Munich, tomo III, 1972.

48
patenteá-lo e vender essa informação para a indústria farmacêutica e instituições de
pesquisa. Caso a política de concessão de patentes permaneça como é, em pouco tempo a
Microsoft seria uma microempresa perto da Celera. Só para ter uma idéia, o potencial de
ganhos é tão grande que, no início do ano 2000, a Celera captou nada menos que 800
milhões de dólares no mercado de ações norte-americano.79
Ao anunciar o “mapeamento” do genoma humano, o então presidente dos EUA, Bill
Clinton, não revelou nenhuma novidade científica. Procurou, ao contrário, influir numa
disputa política que envolve montanhas de dinheiro, mas, sobretudo, um debate
incontornável. Deve-se aceitar que os genes humanos, ou os genes desenvolvidos a partir
deles, sejam patenteados? As terapias genéticas – que hoje apenas engatinham, mas que
poderão prolongar a vida, curar doenças, aperfeiçoar o desempenho de nossos órgãos mais
importantes – podem transformar-se num novo comércio? Nesse caso, quem terá acesso às
vantagens? Os que puderem pagar pelos novos tratamentos? O fato da “descoberta” ter sido
anunciada por uma autoridade política, e não por cientistas, foi o primeiro sinal.
Na verdade, as equipes de cientistas que trabalham no Projeto Genoma Humano estão
envolvidos no projeto há mais de dez anos; admitem ter chegado apenas “a um rascunho
grosseiro” do mapa genético do ser humano.80 Mas, alegando a “defesa da propriedade
intelectual”, a indústria farmacêutica conseguiu patentear um grande número de genes
humanos (e de outros organismos também). O valor científico do trabalho em torno do
genoma, a partir do DNA, ou melhor, a sua possibilidade de desvendar todos os
mecanismos que presidem a existência e desenvolvimento do ser humano, e de todos os
seres vivos, tem sido posto seriamente em questão. Vejamos um exemplo.
Diz o biólogo Richard Lewonthin: “É necessário mais que o DNA para se fazer um ser
vivo. Em certa ocasião, ouvi um dos líderes mundiais da biologia molecular, na palestra de
abertura de um congresso científico, dizer que se tivesse um computador com capacidade
suficiente e a seqüência completa do DNA de um organismo, ele poderia calcular o
organismo, ou seja, segundo ele, seria possível descrever plenamente sua anatomia,
fisiologia e comportamento. Isto está errado. Nem o próprio organismo é capaz de se
calcular a partir do próprio DNA. Um organismo vivo em qualquer momento de sua vida é
exclusivamente conseqüência de uma história de desenvolvimento resultante da interação e
da determinação de forças internas e externas. As forças externas, que usualmente
pensamos como "ambiente", são elas próprias parcialmente conseqüência das atividades do
organismo em si, enquanto produz e consome as condições da própria existência.
“Os organismos não encontram o mundo no qual se desenvolvem. Eles o produzem.
Reciprocamente, as forças internas não são autônomas, mas atuam em resposta às externas.
Parte da maquinaria química da célula só é acionada quando as condições externas assim
exigem. Por exemplo, a enzima que quebra o açúcar lactose e fornece energia ao
crescimento bacteriano só é produzida pelas células bacterianas quando a presença de
lactose é detectada no seu ambiente. Tampouco "interno" é sinônimo de "genético".
Drosófilas possuem longos pêlos que servem como órgãos sensoriais, tal qual os bigodes

79
Francisco A. de Arruda Sampaio. Desvendar o genoma humano: por que e para quem? Correio da
Cidadania, São Paulo, 13 de maio de 2000.
80
Cf. Antônio Martins. Mapeamento do genoma humano é apenas ponta do iceberg. Luta de Classes no 4, São
Paulo, julho de 2000.

49
do gato. O número e localização destes pêlos diferem entre os dois lados da mosca (assim
como nos lados direito e esquerdo do focinho do gato), mas não de uma maneira
sistemática. Algumas moscas possuem mais pêlos do lado esquerdo, outras, do lado
direito”.
E continua: “Além disso, a variação entre os lados da mosca é tanto maior quanto a
variação média entre uma mosca e outra. Entretanto, os dois lados da mosca possuem os
mesmos genes e tiveram o mesmo ambiente durante o desenvolvimento. A variação entre
lados é conseqüência de movimentos celulares e eventos moleculares aleatórios que
ocorrem nas células durante o desenvolvimento, chamados de "ruídos de desenvolvimento".
O mesmo ruído de desenvolvimento é responsável pelo fato de gêmeos idênticos terem
impressões digitais diferentes, e estas impressões digitais não serem iguais nas mãos direita
e esquerda. Um computador que fosse sensível à temperatura ambiente e que apresentasse
tanto ruído em seus circuitos internos quanto um organismo em desenvolvimento
dificilmente poderia ser chamado de computador.
“Ao escreverem sobre o Projeto Genoma, os cientistas rejeitam explicitamente o
determinismo genético absoluto, mas aparentemente escrevem mais para aceitar
possibilidades teóricas do que por convicção. Se considerarmos seriamente a proposição de
que o interior e o exterior determinam o organismo, realmente não poderemos acreditar que
a seqüência do genoma humano é o Santo Graal que nos revelará o que é ser humano, que
isso transformará a visão filosófica de nós mesmos ou que nos mostrará como a vida
funciona. Apenas cientistas sociais e críticos sociais se contrapõem ao Projeto Genoma,
como Kleves, que coloca o projeto como a continuação da eugenia com a utilização da
genética médica moderna; Dorothy Nelkin, em seu livro com Laurence Tancredi e em seu
capítulo em Kevles & Hood; e, de maneira mais contundente, Evelyn Fox Keller”. Ao
questionamento científico, o mesmo autor acrescenta um outro: “Estes projetos são, na
verdade, organizações voltadas mais para atividades financeira e administrativas do que
projetos de pesquisa”.
Questionamentos Científicos
Lewonthin também aventa o possível uso reacionário da engenharia genética, a par que
questiona seu superestimado poder terapêutico: “A maior importância do Projeto Genoma
Humano não está no que, de fato, ele revelará sobre biologia, e se culminará com um
programa terapêutico bem sucedido para uma ou outra doença, mas sim na validação e
reforço do determinismo biológico como uma explicação para todas as variações sociais e
individuais. O modelo médico que começa, por exemplo, com uma explicação genética
para a degeneração ampla e irreversível do sistema nervoso central, característica da coréia
de Huntington, pode terminar com uma explicação sobre inteligência humana, quanto as
pessoas bebem, o quão intoleráveis se sentem quanto à sua condição social, quem escolhem
para parceiros sexuais, e se ficarão doentes no trabalho. Um modelo médico de todas as
variações humanas produz um modelo médico de normalidade, incluindo normalidade
social, e impõe uma ação preventiva ou terapêutica no desvio” [grifo nosso].
E adverte: “Há várias condições humanas que são claramente patológicas e que apresentam
uma causa genética unitária. Até onde se sabe, a são: fibrose cística e a coréia de
Huntington acometem pessoas que carregam o gene mutante respectivo,
independentemente da dieta, ocupação, classe social ou educação. Essas doenças são raras:

50
1 para cada 2.300 nascimentos na fibrose cística, 1 para 3.000 na distrofia muscular de
Duchenne e 1 para 10.000 na coréia de Huntington. Um número reduzido de outras
condições ocorre em freqüência bem maior em algumas populações, mas geralmente são
menos graves em seus efeitos e mais sensíveis às condições ambientais, por exemplo, a
anemia falciforme nos africanos do oeste e descendentes, que sofrem de efeitos cor severos
apenas em situações de estresse físico. Estas doenças fornecem o modelo sobre o qual o
programa da genética médica é construído”.81
As objeções levantadas por Lewonthin não são uma voz isolada. Em que pese o barulho
que acompanhou o anúncio de que o Projeto Genoma Humano e Celera Genomics haviam
completado a primeira seqüência do genoma humano, não há bases firmes para deduzir que
haverá curas ou drogas milagrosas. A investigação em torno do genoma humano seguirá
sendo um buraco negro científico e financeiro que tragará os recursos públicos e privados
sem recompensa alguma para os investidores ou a saúde pública. "Hoje estamos
aprendendo a linguagem que permitiu a Deus criar a vida", disse o presidente dos Estados
Unidos, Bill Clinton, quando recebeu o anúncio do mapa do genoma humano a 26 de junho
de 2000. O Projeto Genoma Humano - um consórcio público internacional de laboratórios
de investigação dirigido pelos Estados Unidos - e Celera Genomics -uma companhia
privada estadunidense - realizaram o anúncio, pondo fim a meses de competição entre si
para completar a primeira seqüência do genoma humano.
Craig Venter, diretor da Celera, referiu-se a este "dia histórico nos 100.000 anos de história
da humanidade" quando, pela primeira vez, "a espécie humana pode ler as letras de seu
próprio texto". Francis Collins, diretor do Instituto de Investigação Nacional do Genoma
Humano dos Estados Unidos, chamou-o de "a revelação do livro da vida". Venter predisse
que seus descobrimentos poderiam curar definitivamente o câncer, assegurando-lhe assim a
Celera um lugar no mercado de investimentos privados. Por sua parte, Collins acentuou que
"o verdadeiro mundo recém-nascido", justificando assim a próxima série de grandes
financiamentos públicos. O ministro francês de investigações científicas, Roger-Gzrard
Schwartzengberg, falou do evento como "a vitória daqueles que quiseram consentir ao
conhecimento para permanecer livres".

81
Richard Lewonthin. O sonho do genoma humano. Revista Adusp n° 25, São Paulo, Universidade de São
Paulo, abril de 2002, assim como as citações precedentes. O artigo de Lewonthin foi publicado originalmente
em The New York Review of Books, em 28 de maio de 1992, como recenseamento de: Daniel J. Kevles e
Leroy Hood (eds.). The Code of Codes. Scientific and social issues in the human genome project. Nova
Iorque, Harvard University Press, 1992; Joel Davis. Mapping the Code. The human genome project and the
choices of modem science. Washington, Wi1ey, 1990; Lois Wingerson. Mapping Our Genes. The genome
project and the future of medicine. Nova Iorque, Dutton, 1990; David Suzuk e Peter Knudtson. Genethics.
The ethics of engineering life. Nova Iorque, Harvard University Press,1990; Comitte on Mapping and
Sequencing the Human Genome. Mapping and Sequencing the Human Genome. Nova Iorque, Nationa1
Academy Press, 1988; Jerry E. Bishop e Michael Wa1dholz. Genome. The Story of the Most Astonishing
Scientific Adventure of our Time. The attempt to map ali the genes in the human body. Nova Iorque, Simon e
Schuster, 1990; Christopher Wills. Exons, Introns, and Talking Genes. The science behind the human genome
project. Nova Iorque, Basic Books, 1991; Dorothy Nelkin e Laurence Tancredi. Dangerous Diagnostics. The
social power of biological infonnation. Nova Iorque, Basic Books, 1989; Comittee on DNA Technology in
Forensic Science. DNA Technology in Forensic Science.Nova Iorque, Nationa1 Academy Press, 1992. Foi
republicado em 2000, como o capítulo do livro It Ain 't Necessarily So. The dream of the human genome and
other illusions, Nova Iorque, Simon e Schuster, do mesmo autor.

51
Na realidade se trata de uma das maiores vendas da história da humanidade, enfeitada com
as mais fantasiosas projeções. O genoma humano tem sido seqüenciado separado e
independentemente com dinheiro público dos Estados Unidos e da União Européia. O
governo dos Estados Unidos havia destinado, sozinho, 3 bilhões de dólares para a
iniciativa. Mas isso não impediu que o genoma humano fosse explorado e apropriado por
companhias privadas. Já em março de 2001, Clinton e o primeiro ministro britânico Tony
Blair, emitiram uma declaração ambígua pedindo o acesso aberto aos dados do genoma
humano. Ato seguido se produziu uma baixa de até 20 por cento no mercado de ações de
biotecnologia. Nas semanas seguintes, os funcionários da administração Clinton
esclareceram que continuavam favorecendo as patentes sobre os "novos produtos médicos
de base genética".
Os mapas genéticos da Celera estariam finalmente disponíveis pela Internet, e a companhia
reclamaria regalias por qualquer aplicação farmacêutica comercial de suas descobertas. Em
contraste, as seqüências e os mapas de genes produzidos pelo consórcio público têm sido
incluídos regularmente e dentro das 24 horas de haver sido completados, no GenBank, uma
base de dados pública e totalmente gratuita criada a princípios dos anos 80, quando
começou o sequenciação do ADN. Celera manteve em segredo seus dados sobre o genoma
humano, enquanto se beneficiava gratuitamente da base de dados pública durante o período
que a companhia trabalhava na sequenciação, com a qual reduziu de maneira significativa o
tempo e o esforço necessário para completar a tarefa.
Mas Celera não é a única empresa privada que tira proveito do Banco de Genes do Projeto
Genoma Humano. Os governos dos Estados Unidos e dos países da União Européia,
alinhados com as companhias privadas, limitam o livre aceso às bases de dados públicos
sobre o genoma humano com o argumento de que a seqüência do genoma em bruto não é
útil. Durante a reunião trimestral dos Ministros de Investigação do G 8, realizada ao final
de junho de 2000 em Bordeaux, França, e à qual foram convidados México, Brasil, China e
Índia, todos concordaram que as seqüências de ADN - os dados fundamentais- não
deveriam ser patenteados, com o qual se reconhecia que são descobertas e não invenções.
Isto parece uma melhoria com respeito à situação anterior dos Estados Unidos, onde já se
outorgou mais de quatro milhões de patentes sobre seqüências do genoma humano, em sua
grande maioria sobre fragmentos de ADN cuja função se ignora.
A Oficina de Patentes e Marcas dos Estados Unidos havia restringido o critério das patentes
sobre genes emitindo duas diretivas novas pelas quais os fragmentos ou fragmentos
seqüenciados de ADN deveriam especificar por escrito sua utilidade específica para ser
patenteados, se bem já se outorgaram patentes sobre milhões delas. De maneira similar,
segundo a atual Diretiva da União Européia sobre invenções biotecnológicas, é possível
outorgar direitos de patente sobre genes e seqüências de genes sem se especificar que têm
uma "aplicação industrial". Não obstante, a "aplicação industrial" pode equivaler a uma
especulação baseada na similitude de seqüências de genes da base de dados existente.
Um caso conhecido tem a ver com a patente CCR5 sobre um gene, outorgada a Human
Genome Sciences em fevereiro de 2000 nos Estados Unidos. A companhia isolou o gene
utilizando computadores para sequenciá-lo e um programa de computação determinou que
pertence a uma classe de receptores da membrana celular que registram sinais químicos do
organismo. Poucos meses depois, cientistas do Centro de Investigações sobre AIDS Aarón
Diamond, em Nova York, descobriram que o vírus da AIDS requer que o receptor entre nas

52
células. Uma droga que possa bloquear o receptor seria então uma nova arma contra a
AIDS.
Outra aplicação industrial para a qual foram outorgadas numerosas patentes é a "associação
com condição XO, onde X é qualquer coisa, desde câncer até criminalidade. Já existe a
venda 740 provas de genes patenteadas, entre elas BRCA1 e BRCA2, genes vinculados ao
câncer de mama na mulher. Anos depois de as provas serem lançadas, os cientistas todavia
não sabem até que ponto esses genes contribuem ao risco de câncer mamário, mas é
precisamente essa ignorância a que alimenta a febre de ouro em torno do genoma humano
na "bioinformática".
GenBank, o banco de dados de caráter público, guarda dados sobre seqüências de mais de
7.000 milhões de unidades de ADN, enquanto que Celera Genomics diz ter armazenados 50
tetrabytes de dados, o que equivale a 80.000 discos compactos. Os dados acerca de
seqüências em bruto consistem em cadeias monótonas de quatro letras - A, T, C e G - que
conformam as aproximadamente 3 milhões de bases do genoma humano. É impossível
consentir os dados ou decifrar o sentido das seqüências sem uma programação especial. Se
desenharam alguns programas que têm sido postos a disposição pública de maneira
gratuita, contudo as bases de dados das companhias privadas são somente para os
subscritores que pagam.
Incyte lançou em março um programa genômico de comércio eletrônico que permite aos
investigadores ordenar em linha os dados de seqüências ou cópias físicas de mais de
100.000 genes. Alguns dos subscritores da base de dados da companhia são gigantes tais
como Pfizer, Bayer e Eli Lilly. De igual forma, as informações de Celera custarão aos
subscritores comerciais entre cinco e 15 milhões de dólares, e aos acadêmicos entre 2.000 e
15.000 dólares ao ano.
Bioinformática e Capital
Esta primeira onda de febre do ouro pelo genoma humano, a "bioinformática", é uma fusão
entre a tecnologia da informação e a biologia que promete converter os dados em bruto da
seqüência de bases dos genes, em conhecimentos para fazer novas drogas ainda mais
lucrativas. A bioinformática é uma indústria que já move cerca de 300 milhões de dólares,
que se espera cresçam a 2 bilhões. Uma das operações mais básicas da bioinformática é
buscar a similitude ou homologação entre uma seqüência nova e uma da base de dados, que
permita aos investigadores predizer o tipo de proteína codificada e sua função, e poder
assim patentear a seqüência. Todavia, a homologação de seqüências não garante a
homologação de funções, como temos visto. Conhecendo a estrutura protéica é possível
realizar investigações de inibidores e ativadores específicos antes de levar a cabo
experimentos bioquímicos em laboratório.
Até agora se determinou a estrutura de somente um por cento das proteínas (por
cristalografía de raios X). Algumas empresas da bioinformática abastecem a grandes
usuários da indústria genômica, a biotecnologia e o setor farmacêutico com programas e
serviços de consultoria. Lion Bioscience, em Heidelberg, Alemanha, tem um contrato de
100 milhões de dólares com a Bayer para criar-lhe e administrar-lhe capacidades em
bioinformática em todas suas divisões. Outras empresas apontam a usuários pequenos ou
acadêmicos.

53
Negócios na Web como Double Twist (em Oakland, Califórnia) e e-Bioinformatics (em
Pleasanton, Califórnia), oferecem vendas por Internet. Estas companhias em linha
permitem aos usuários acessar a diversos tipos de bases de dados e utilizar programas de
computação para manipular os dados. Grandes companhias farmacêuticas tem estabelecido
departamentos inteiros para integrar e oferecer programas de computação e acesso a bases
de dados em todos seus departamentos.
Pisando os calcanhares à bioinformática, e possivelmente como parte dela, está a
"proteomia", que estuda onde e quando estão ativos os genes e as propriedades das
proteínas codificadas nos genes. Propõe-se a decifrar as complexas relações entre gene e
proteína e entre as diferentes proteínas, e até agora tem atraído milhares de milhões de
capital. Segundo Mark J. Levin, diretor executivo de Millennium Pharmaceuticals em
Cambridge, Massachussets, as grandes companhias farmacêuticas necessitam identificar
entre três e cinco novas drogas ao ano para poder crescer entre 10 e 20 %, o mínimo
tolerável para os acionistas. Até agora somente tem logrado uma média de uma e meia por
ano.
A Millenium comprometeu-se com a Bayer a entregar-lhe 225 possíveis candidatas a drogas
nos próximos anos. Celera está em negociações com a GeneBio, uma associação comercial
do Instituto Suíço de Bioinformática, em Genebra, para criar uma companhia dedicada a
deduzir todo o proteoma humano. Como o número de genes humanos poderia ascender a
100.000, estima-se que a quantidade de proteínas poderia rondar o milhão. Até meados dos
anos 70, os cientistas haviam assumido, erroneamente, que um gene codifica para uma
proteína. Ao contrário, as relações entre genes e proteínas se complicam por vários níveis
de processos e edições que começam antes que os genes sequer tenham sido transcritos.
É inegável que o seqüenciamento do genoma humano constitui uma façanha técnica
extraordinária. E é difícil se poupar da voracidade de especulações acerca do que pode
conseguir-se com a ação conjunta das técnicas genômicas e o último em informação e
tecnologia. Segundo John Bell, de Oxford, na próxima década as provas genéticas
"preditivas" serão amplamente utilizadas tanto para gente sã como para diagnósticos e
tratamento de pacientes. Collins manifestou que os benefícios do mapeamento do genoma
humano implicará uma "nova compreensão das contribuições genéticas das enfermidades
humanas" e "o desenvolvimento de estratégias racionais para minimizar ou impedir
fenótipos de enfermidades".
As provas genéticas preditivas matarão a indústria dos seguros? Esse foi um dos aspectos
preocupantes a considerar. Aparentemente, durante uma conferência industrial celebrada
em Boston, altos executivos de vários grupos empresariais líderes da genómica
concordaram que isso, com a promessa de que poderão identificar quem está predisposto a
qual enfermidade, à demora possibilitaria a atenção médica universal nos Estados Unidos.
"Isto poderia ocorrer em especial nos casos em que os defeitos dos genomas inabilitam a
pessoa a ser assegurada", disse Venter. "A boa notícia sobre a genómica é que prontamente
poderíamos deter enfermidades mortais em seus primeiros estágios, quando todavia são
tratáveis e inclusive curáveis. E a genómica também guarda a promessa de poder produzir
uma nova geração de medicamentos que funcionarão mais efetivamente com nossas
peculiaridades genéticas individuais. A má notícia é que todos saberão que são uma bomba
relógio".

54
Mas, quão confiáveis são as provas genéticas para predizer o que ocorrerá ao individuo?
Dos genetistas médicos, Neil Holtzman e Theresa Marteau, advirtiram no New England
Journal of Medicine que o "manto genético" que atualmente se coloca sobre todas as
enfermidades "poderia terminar por ser como os novos vestuários do imperador". Como
vários científicos têm assinalado, a maioria das enfermidades são complexas e, portanto, as
correlações entre genes e enfermidades são débeis.
As associações entre uma enfermidade e um "marcador genético" (ou função desconhecida)
podem produzir-se por casualidade. Se bem que tem sido identificada a situação de vários
genes vinculados à enfermidades em determinadas regiões de cromossomos específicos,
não se tem encontrado marcadores claros para a asma, a hipertensão, a esquizofrenia, as
desordens bipolares e outras alterações, apesar de intensos esforços.
Maior êxito têm tido as investigações de genes de susceptibilidade ao câncer de mama e de
cólon, a diabetes e o mal de Alzheimer, mas em cada caso representam menos de 3 % dos
casos. Isso porque o risco de a enfermidade depende não somente de outros genes senão
também de fatores ambientais. A identificação de genes de susceptibilidade se dificulta
quando numa enfermidade entram em jogo diferentes combinações de genes, o que
significa que será muito difícil encontrar a quantidade suficiente de pacientes que sirvam
como sujeitos de investigações de um estudo. Holtzman e Marteau concluíram: "Em nossa
pressa em adaptar a medicina à genética perdemos de vista outras possibilidades de
melhorar a saúde pública. As diferenças de estrutura social, estilos de vida e ambiente são
responsáveis de uma proporção muito maior de enfermidades." "Quem deve elaborar as
políticas médicas e científicas na próxima década fariam bem em olhar mais além de toda a
excitação inicial".
A seqüência do genoma humano, como nos foi dito, permitirá aos geneticistas: curar o
câncer; compreender mais sobre as enfermidades e, portanto, elaborar medicamentos
melhores; desenhar curas personalizadas baseadas em nossa conformação genética
individual; prescrever um estilo de vida individual baseado na conformação genética. Mas
são questionáveis os anúncios de que se poderá: diagnosticar os genes "maus" que
provocam enfermidades; identificar os genes "bons" responsáveis por qualidades
desejáveis, como longevidade, inteligência, beleza, habilidade nos esportes; substituir os
genes mus por meio de "terapias genéticas"; criar um "melhoramento genético"
introduzindo genes "bons"; criar "bebês desenhados" e seres humanos superiores.
Engenharia “Humana”?
Na realidade, a única oferta concreta de mapeamento do genoma humano são as centenas
de provas genéticas patenteadas. O elevado custo das provas tem impedido que sejam
utilizadas em casos em que poderiam beneficiar aos pacientes oferecendo um diagnóstico.
Ao mesmo tempo, as pessoas sãs que tem tido um resultado positivo nas provas poderiam
sofrer discriminação genética e até correr o risco de perder o emprego e a possibilidade de
contar com um seguro de vida. O valor do diagnóstico para condições nas que não há cura é
muito questionável. A identificação de genes "bons" e "maus" também vigora o retorno da
eugenia, presente na história de grande parte do século XX. Isto se exacerba pelo
pensamento predominante do determinismo genético, que faz aparecer como
imprescindível até a aplicação mais perniciosa da tecnologia genética.

55
Há um grupo de cientistas que promoveu ativamente a engenharia genética humana não só
na "terapia genética" para enfermidades dessa ordem, senão também para melhorar a
constituição genética de filhos cujos pais podem pagar pelo privilégio e não têm reparos
com a clonagem reprodutora humana. De muitas maneiras, esta é a forma mais sutil de
marketing para que prospere o negócio. Não é por casualidade, pois, que a Fundação
Novartis convidou ao eugenecista Arthur Jensen a falar em uma reunião científica sobre a
inteligência. Jensen é conhecido por suas teorias que insistem em que os negros são
geneticamente inferiores em inteligência aos brancos e, portanto, todos os esforços por
melhorar a educação de crianças negras descapacitadas estão destinados ao fracasso.
A 10 anos de haver anunciado que se teriam as ferramentas para criar um ser humano, é
óbvio que os geneticistas não encontraram a chave para fazer sequer a mais pequena
bactéria ou a lombriga mais simples. Tampouco nada foi curado de uma enfermidade sobre
a base da informação genética. É por tudo isso que atualmente corre um ar de realismo
entre a comunidade científica do setor público. "Durante muito tempo acreditou-se
erroneamente que quando se fizesse a seqüência de ADN, teríamos toda a informação sobre
quem somos, por que ficamos doentes e por que envelhecemos. Bom, todavia nos faltam
vários anos para chegar a esse conhecimento".
Esses comentários são do geneticista Richard K. Wilson, da Universidade de Washington,
sócio do consórcio público. Deveria ter dito que esse erro de concepção foi perpetrado
pelos próprios proponentes do Projeto Genoma Humano. E ele todavia segue prometendo
um conhecimento total para daqui a alguns anos. Mas o projeto genoma humano chegará a
algo?
O aumento da "bioinformática" e a "proteomia" implica uma aceitação da vasta ignorância
que separa os 100.000 genes do genoma humano do ser humano vivente. Também constitui
um reconhecimento de que o paradigma do determinismo genético, que tanto tem feito para
promover o projeto genoma humano, tem fracassado miseravelmente. Não há uma cadeia
causal simples e linear que conecte um gene a um risco, bom ou mau. Detrás de tanta
comemoração existe um desesperado intento para converter a quantidade exponencialmente
em aumento de informação, em conhecimento que possa cobrir os custosos investimentos
feitos no projeto.
A propriedade privada do genoma humano obviamente nunca beneficiará a quem não possa
pagar por ela. Os proponentes da engenharia genética humana consideram que é inevitável
que seja criada uma "subclasse genética", na medida que quem possa pagar por um
melhoramento genético se converterão em "ricos em genes" em relação àqueles que não
podem fazê-lo. Mas poderá o conhecimento do genoma humano realmente cumprir essas
promessas?
A falácia do determinismo genético é amplamente reconhecida. As enfermidades genéticas
genuínas que podem ser atribuídas a um só gene constituem menos de dois por cento de
todas as enfermidades. E são cada vez mais os geneticistas que consideram que inclusive
estas estão sujeitas a tantas outras influências genéticas e ambientais que sinceramente não
existe a condição de gene único. A associação entre a condição e os genes específicos ou
marcadores genéticos se reduz a uma tênue "predisposição" ou "suscetibilidade".
A "predisposição" ao câncer, por exemplo, oculta o fato de que se tem deixado fora
importantes fatores ambientais, como as centenas de reconhecidos cancerígenos industriais

56
que contaminam o ambiente. É bem sabido que a incidência do câncer aumenta com a
industrialização e com o uso de praguicidas. As mulheres dos países asiáticos não
industrializados têm uma incidência muito menor de câncer de mama que as mulheres que
vivem nos países industrializados do Ocidente. Mas quando as mulheres asiáticas emigram
à Europa e Estados Unidos, sua incidência de câncer se eleva ao mesmo nível que o das
mulheres européias dentro de uma mesma geração. De igual forma, quando em Israel se
proibiu o DDT e outros praguicidas, a mortalidade por câncer de mama de mulheres pré-
menopáusicas caiu 30 %.
A maioria das causas de doenças são ambientais e sociais. Essa é a conclusão dos
resultados de uma série de investigações. O enfoque determinista genético do Programa
Genoma Humano é nocivo porque distrai a atenção e os recursos da solução das
verdadeiras causas das enfermidades, e ao mesmo tempo estigmatiza as vítimas e dá alento
às tendências eugenésicas da sociedade. A saúde dos países estaria infinitamente melhor
atendida se fossem destinados recursos para impedir a contaminação ambiental e se
erradicassem os agroquímicos, em lugar de identificar os genes que "predispõem" as
pessoas às doenças.
A Sociedade Real do Reino Unido produziu um informe que reclama a coordenação
nacional e internacional para resolver os perigos impostos aos seres humanos e à vida
silvestre pelos produtos químicos que alteram o sistema endócrino, substâncias que se
acredita bloqueiam os hormônios naturais em quantidades muito pequenas como para
desencadear uma resposta tóxica convencional.
O organismo é um todo coerente. A complexidade inerente do organismo humano e a falta
de uma concepção do organismo como um todo coerente o que continuará frustrando todos
os intentos de compreender a saúde e as doenças dentro do marco reducionista
predominante. Apesar do alvoroço sobre curas do câncer, não há nenhum caso que haja
sido o resultado da informação sobre genes e seqüências de genes. Um dos obstáculos para
uma cura efetiva é que é impossível evitar os "efeitos secundários" em um sistema em que
as proteínas interagem entre si e com os genes. Mas o principal problema é que não se
reconhece que assim como a saúde é uma propriedade do organismo como um todo,
também o é a enfermidade. Tratar de compreender a doença em termos das interações de
genes e proteínas é pior que tratar de compreender como funciona uma máquina em termos
de suas porcas e parafusos simplesmente porque as partes do organismo, a diferença das de
uma máquina, estão indissoluvelmente vinculadas entre si.
É muito pouco provável que uma compreensão mecanicista das partes interatuantes leve ao
descobrimento de melhores medicamentos. Para isso necessitamos conhecer o desenho do
organismo humano. E não há informação sobre as interações de genes e proteínas que
alcance para descobrir o complexo conjunto que é o organismo. A promessa de uma
medicina e um estilo de vida personalizados baseados na constituição genética de um
indivíduo por agora são castelos no ar.
O efeito de cada gene depende não só de fatores ambientais externos senão também de
todos os demais genes do genoma. Cada individuo é geneticamente único, salvo os gêmeos
idênticos ao começo de seu desenvolvimento, antes de que diferentes mutações genéticas se
acumulem em cada um deles. É por isso que em geral é impossível fazer um diagnóstico

57
preciso de doenças, inclusive de um só gene, a menos que o cenário genético seja
homogêneo.
Considera-se que a população da Islândia reune condições de homogeneidade genética, e
esse é o motivo pelo qual a companhia deCode Genetics adquiriu a base de dados genéticos
dos 270.000 habitantes da Islândia, vinculados anonimamente aos registros médicos. A
expectativa é poder identificar todos os genes vinculados a uma série de doenças. Os
resultados seriam válidos só para a população da Islândia, e não se poderiam transferir a
outras populações. Há geneticistas que estão inclinados a pensar que podem ser
encontrados melhores dados de vinculação a enfermidades em populações geneticamente
heterogêneas, como as de Manhattan e Londres.
Nas análises genéticas clássicas, os efeitos claros de um gene estão determinados sobre
todos os ambientes assim como sobre todos os cenários genéticos, reconhecendo assim que
é necessário tomar em conta as interações ambientais e genéticas. Por isso, os dados mais
confiáveis são os obtidos em grandes populações tanto genética como ambientalmente
heterogêneas. Mas o poder de predição de tais dados genéticos torna-se sempre limitado a
média da população. É impossível, em princípio, predizer algo baseado em um genoma
individual. Aqueles que dizem o contrário, ignoram os princípios mais básicos da genética
da população.
Até 95 % do genoma humano pode ser ADN "sucata", assim chamado porque ninguém
sabe qual é sua função. O mesmo se dá em todos os genomas dos organismos superiores. É
difícil ver alguma estratégia definitiva dentro da bioinformática e a proteomia que
compense, tanto em termos da compreensão básica do organismo humano como um todo
ou em termos de curas milagrosas e drogas maravilhosas. Não há nada mais que a
proliferação de informação cada vez mais detalhada de genes e proteínas que têm enchido
páginas de revistas científicas na última década.
O milhão de proteínas codificadas pelos 100.000 genes inter-atuam entre si, com os
próprios genes e com pequenos "co-fatores" e "mensageiros" moleculares. Essas interações
variam em diferentes células e tecidos e em diferentes momentos, submetidos às respostas
do ambiente, que podem alterar os próprios genes, e daí em mais todas as cascatas de
interações envolvidas.
Tudo isso é a realidade do genoma fluido e adaptável, que todavía escapa aos sacerdotes da
genómica e da bioinformática. A possibilidade de compreender ao ser humano por uma
detalhada descrição de suas partes moleculares é basicamente nula. O que se necessita é um
salto quântico a um novo paradigma para compreender o organismo como um conjunto
coerente. Sem isso, a investigação do genoma humano seguirá sendo um buraco negro
científico e financeiro que traga todos os recursos públicos e privados sem dar nada em
troca, sobretudo em termos de saúde.82
Mas até os “conservadores” europeus já deram luz verde para as pesquisas sobre o embrião,
embora proibindo a clonagem humana (como se uma coisa não levasse à outra). Para
Freeman Dyson e Lee Silver, da universidade de Princeton, a tecnologia genética

82
La venta del genoma humano. Revista del Sur, Buenos Aires, janeiro-fevereiro de 2001.

58
emergente irá, em última instância, dividir a humanidade em várias espécies. 83 E enquanto
a indústria farmacêutica esfrega as mãos pensando em tratamentos genéticos
“personalizados” mas, por isso mesmo, caríssimos (isto é, super-lucrativos), a Igreja
Católica já levantou sua voz contra toda e qualquer pesquisa envolvendo embriões e
desvendamento genético, ou seja, contra o avanço científico em geral.
O debate é altamente significativo, pois já se sabe que, apesar de representar um marco
histórico da ciência, o seqüenciamento do genoma humano não trará nenhum avanço
imediato para a medicina genética. Existem cerca de 80 mil genes no organismo humano,
dos quais apenas cinco mil podem estar associados a doenças. Serão necessários muitos
anos para que os pesquisadores descubram como esses genes atuam no organismo e
desenvolvam novas drogas para interferir nesse processo.84
O que preocupa à Igreja é perder o controle ideológico da população em geral, e do
desenvolvimento científico em particular. O que preocupa à indústria, por sua vez, é manter
a expectativa de altíssimos lucros futuros, embora nada indique que eles estejam próximos.
As previsões apocalípticas, do seu lado, não são pura “cortina de fumaça”, algo assim como
uma “propaganda às avessas”, mas uma indicação concreta de que, no quadro atual, o
destino mais provável do avanço científico seria a criação de uma nova tecnologia da
destruição, ao mesmo tempo que o motivo para propor soluções políticas que nada tem de
democrático, embora tomem a “democracia” como pretexto.
Guerra contra o Narcotráfico e Degradação Ambiental

A “guerra biológica” não é um cenário para um futuro indefinido. Sob pretexto de combate
à “narco-guerrilha”, os EUA estão promovendo uma vasta destruição ambiental em países
da América Latina. A América Latina participa do narcotráfico na qualidade de maior
produtora mundial de cocaína, e um de seus países, a Colômbia, detém o controle da maior
parte do tráfico internacional (a parte restante é dividida entre a Máfia siciliana e a Yakuza
japonesa). Os principais centros consumidores são os EUA e a Europa Ocidental, mas a
droga já chegou faz tempo à Rússia.
Além dos países produtores e dos consumidores há um terceiro grupo: o daqueles que
servem como ponto de passagem para a cocaína antes que esta atinja seu destino final.
Dentre estes, destacam-se Panamá, México, Bahamas e, mais recentemente, o Brasil.
Segundo informações do Relatório Anual sobre Controle Internacional de Narcóticos,

83
Salon, julho de 2000. Desde já pode-se antecipar que a idéia de uma “espécie humana geneticamente
superior”, retomada “genética” das teses da mais surrada sócio-biologia, é uma perfeita tolice. Os Mengele da
genética parecem ignorar que os grandes avanços da biologia, nas últimas décadas, foram realizadas pondo no
primeiro lugar o caráter social do comportamento humano. Diz o biólogo Francisco Ayala, da Universidade
de Califórnia: “Vinculando o senso moral ao DNA, os socio-biólogos negam a evolução da cultura, que na
comunidade humana (grifo nosso) transcende a biologia. Levamos a cabo ações morais porque
compreendemos, intelectualmente, o que convém ao grupo. O comportamento ético e social torna a vida
grupal, e dos indivíduos, mais agradável. Os humanos são levados por natureza a comportamentos morais
porque a sua estrutura biológica (grifo nosso) os dota de três capacidades: a de prever as conseqüências dos
próprios atos, a de expressar julgamentos de valor, e a de escolher entre alternativas diversas” (La Repubblica,
Roma, 21 de maio de 2000). Para Ayala, a especificidade “intelectual” do homem é parte da sua evolução
biológica, regida pelas leis da seleção natural, e se integra como uma “função biológica” ao desenvolvimento
daquela.
84
O Estado de S. Paulo, 27 de junho de 2000

59
elaborado pelo Departamento Estado dos EUA, o Brasil virou o maior canal de
distribuição, para todo o mundo, da cocaína produzida pelos cartéis de Medellín e Cali (os
dois maiores cartéis da Colômbia). 85
O narcotráfico gerava, já na década de 1990, uma renda anual de mais de US$ 500 bilhões.
Segundo outras estimativas, os negócios do narcotráfico representavam no mundo US$ 400
bilhões, constituindo o segundo negócio da economia capitalista mundial, depois da
indústria militar (US$ 700 bilhões).86 Se estima que atualmente, a cifra anual supere os US$
500 bilhões. Peru e Colômbia produzem mais de 300.000 hectares de folha de coca, em
comparação com as 35.000 “ilegais” do Chapare boliviano. O “combate ao narcotráfico”
nunca se colocou a eliminação do “segredo bancário” nos bancos da Florida, EUA, onde se
lavam diariamente ao redor de US$ 400 milhões. Neles circula mais dinheiro em efetivo do
que nos bancos de todos os demais estados juntos.
E é preciso lembrar que além dos lucros gerados pela produção e venda da cocaína em si,
há também os ganhos obtidos com a venda de éter e acetona (necessários à transformação
da pasta base de coca em cocaína) e os lucros dos bancos, que "lavam" os cocadólares
(espalhados por América Latina, EUA e Europa).
A cocaína, portanto, gera "dependência" não apenas em indivíduos, mas também em grupos
econômicos e até mesmo nas economias de alguns países, como por os bancos da Flórida,
algumas ilhas do Caribe ou os principais países produtores -Peru, Bolívia e Colômbia. Com
relação aos três últimos, os dados são impressionantes: em 1990, na Bolívia os lucros com
o narcotráfico chegaram a US$ 1 bilhão, superando os da economia legal. No Peru a
exportação de cocaína gerava US$ 1.5 bilhão contra US$ 2.5 bilhão das exportações legais.
Na Colômbia o narcotráfico gerava de 4 bilhões de dólares, enquanto as exportações
oficiais geravam 5.25 bilhões.87
Nesses países, os narcotraficantes controlam ou têm influência no governo, nas forças
armadas, no corpo diplomático e até nas unidades encarregadas do combate ao tráfico. Não
há setor da sociedade que não tenha ligações com os traficantes, até mesmo a Igreja recebe
contribuições destes. No Peru e na Bolívia, parte da produção de coca é legal e destina-se
ao consumo tradicional (mastigação das folhas para combater os efeitos da altitude), à
indústria (chás e medicamentos) e à exportação (o Peru, por exemplo, exporta 700
toneladas de folhas de coca por ano para a Coca-Cola). 88 O Peru é o maior produtor
mundial de coca. Segundo a OMS, em 1993, 100 mil camponeses peruanos cultivavam 300
mil hectares de coca, sendo 5% dessa produção utilizada para fins legais. Com o resto, o
tráfico abastecia 60% do mercado mundial. 89
Na Bolívia, sob a ditadura militar dos narcotraficantes, na década de 1980 (governo Garcia
Meza), a dependência em relação ao narcotráfico chegava ao extremo, os traficantes
detinham o controle das principais empresas, a corrupção atingira níveis inacreditáveis,

85
Idem, 18 de abril de 1993.
86
La Prensa, La Paz, 7 de setembro de 1998.
87
Alison Jamieson. Global drug trafficking. Conflict Studies nº 234, Reserach Institute for the Study of
Conflict and Terrorism, setembro 1990.
88
Alain Delpirou e Alain Labrousse. Coca Coke. São Paulo, Brasiliense, 1988, p. 183.
89
Folha de S. Paulo, 6 de junho de 1993.

60
num quadro em que, de acordo com a CEPAL, a população desempregada passara de 19%
da população ativa em 1985 para 35% no ano seguinte. De cada três bolivianos, um lucrava
com os derivados do narcotráfico. Há estimativas, que coincidiam com os dados da
CEPAL, segundo as quais 65% da economia do país pertenciam ao setor informal.
A Colômbia, por sua vez, especializou-se em transformar a pasta base produzida por Peru e
Bolívia em cocaína e exportá-la para o resto do mundo. Dois grandes cartéis (Calí e
Medellín) controlavam a maior parte do narcotráfico no país, entretanto há centenas de
pequenos traficantes, muitos dos quais roubam a droga dos grandes cartéis. O Congresso e
a polícia nacionais disputam o primeiro lugar em grau de corrupção, e até as campanhas
presidenciais são patrocinadas com dinheiro da droga. Cada novo governo colombiano se
esforça para repatriar os lucros obtidos com o tráfico internacional de cocaína, entretanto,
dos cerca de US$ 16 bilhões anuais obtidos pelos narcotraficantes, apenas 2 a 4 bilhões
voltam ao país.90
Além de um problema, o narcotráfico é de grande utilidade para os EUA, chegando a gerar
grandes lucros para suas empresas. A economia norte-americana vende parte importante
dos componentes químicos, recebe cerca de 240 bilhões de dólares anuais, uma parte dos
quais se destina a repor capital no mesmo ramo de produção da droga e outra é investida
em outros setores da economia ou vai para os bancos.
Só em nível de emprego se calcula que nas atividades econômicas ilegais (dentro das quais
está o narcotráfico) trabalham, de forma suplementar ou principal, 20 milhões de pessoas,
ou seja, cerca de 25% da mão-de-obra do país. Outra vantagem oferecida aos EUA pelo
narcotráfico é que a luta pela sua erradicação serve de fachada à política intervencionista
norte-americana em relação à América Latina. Os norte-americanos criaram a teoria da
narco-guerrilha, segundo a qual, na América Latina, os traficantes uniram-se aos
guerrilheiros, representando uma ameaça à estabilidade da democracia no continente.
Na verdade, trata-se mais de uma cooperação temporária, forçada pelas circunstâncias do
momento, do que de uma associação permanente com vistas a compartilhar o poder na
América Latina, como sugerem os norte-americanos. Se por um lado os EUA se esforçam
para disseminar a teoria da narco-guerrilha e a conseqüente necessidade da atuação dos
militares norte-americanos em seu combate (em território estrangeiro), por outro, nunca
hesitou em aliar-se aos narcotraficantes quando lhes convinha. Exemplos claros disso foram
a utilização dos narcotraficantes para o envio de dinheiro e armas para os "contras" na
Nicarágua, ou fato de Noriega haver sido tolerado por Reagan e Bush (apesar de o Serviço
de Inteligência dos EUA ter provas de sua ligação com o narcotráfico desde 1972) enquanto
serviu à CIA.
Nenhuma posição moralista, nem simplista, ajuda a entender a explosão do consumo no
período mais recente. O consumo de “drogas” remonta aos primórdios da humanidade, à
descoberta das plantas que “produziam um transporte mental...Em momentos
indetermináveis dessas fases pré-históricas, a humanidade foi selecionando, dentre os
vegetais, aqueles que eram psico-químicos (e) dentre as plantas de uso mais remoto,
destacam-se as alucinógenas”. 91 O uso de drogas é tão antigo quanto se queira imaginar, e
90
Tina Rosenberg. The kingdom of cocaine. New Republic, 27 de novembro de 1989.
91
Henrique Carneiro. Filtros, Mezinhas e Triacas. As drogas no mundo moderno. São Paulo, Xamã, 1994, p.
14.

61
difundido em diversas civilizações. Durante séculos não foi considerado um problema que
chegasse aos calcanhares, por exemplo, do alcoolismo.
Com a expansão do consumo, aliada à crise econômica mundial, o comércio de drogas
passou a exercer uma pressão enorme sobre certos países. Para se ter uma idéia da pressão
que o narcotráfico exerce sobre as economias dos países atrasados, um exemplo basta. A 28
de setembro de 1989, foi feita em Los Angeles a maior apreensão de cocaína realizada até
então: 21,4 toneladas, cujo preço de venda ao público atingiria 6 bilhões de dólares, uma
cifra superior ao PNB de 100 (cem) Estados soberanos.
A grande transformação das economias agrárias monoprodutoras em narcoprodutoras (e o
grande salto do consumo nos EUA e na Europa) se produziu durante os anos oitenta,
quando os preços das matérias-primas despencaram no mercado mundial: açúcar (-64%),
café (-30%), algodão (-32%), trigo (-17%). A crise econômica mundial exerceu uma
pressão formidável em favor da narco-reciclagem das economias agrárias, que redundou
num aumento excepcional da oferta de narcóticos no mundo todo. Calcula-se que as
apreensões de carregamentos (multiplicadas por cem no último quarto de século) atinjam
apenas entre 10% e 20% do comércio mundial.
A expansão da atividade na América Latina significou a degradação de países inteiros ao
simples papel de apêndice do narcotráfico. A coca já representou 75% do PIB boliviano,
23% do da Colômbia e Peru, e pelo menos o dobro das exportações correntes destas nações.
Semelhantes percentagens tornaram ridícula a denominação de “economia informal”.
Grupos principais das burguesias nacionais latino-americanas realizaram sua
“reconversão” pela “economia do crime”, dominando os recursos dos Estados, e
monopolizando um acúmulo de riquezas que permitiu aos mafiosos colombianos, por
exemplo, situarem-se no ranking dos bilhonários do mundo. A transformação do mineiro
boliviano em cultivador de coca, e a substituição das melhores áreas agrícolas por cultivos
o insumo básico da droga, foram determinantes do estancamento da economia do país.
Que a coca represente a única saída de sobrevivência para os peruanos desempregados das
cidades, ou migrantes da desertificação rural, é outra evidência do mesmo processo de
regressão econômica. Em meio aos assassinatos cotidianos, Colômbia é uma vitrine por
onde se vê o esbanjamento de um grupo de cartéis, que seguindo a tradição das oligarquias
latino-americanas, gastam em importações suntuosas um volume de dinheiro que permitiria
saldar a divida externa do país.
Na América Latina só re-ingressa entre 2 e 4% dos mais de 100 bilhões de dólares que
produzem anualmente as vendas de cocaína nos Estados Unidos. A parte mais lucrativa do
negócio é incorporada pelos bancos lavadores e, em menor medida, pelos próprios cárteis
que internacionalizaram a distribuição de seus lucros, seguindo o padrão de fuga de capitais
que desenvolveram as burguesias latino-americanas no último quartel do século XX. O
preço da coca na plantação boliviana é 250 vezes menor que nos EUA. A mesma
mercadoria no porto colombiano é cotada 40 vezes menos que nas cidades norte-
americanas.

Os EUA utilizam desfoliantes contra o cultivo de marihuana no México, para favorecer seu
desenvolvimento na Califórnia; destroem laboratórios de drogas proibidas no Peru e na
Bolívia, para reforçar o envenenamento legalizado que realizam os monopólios
farmacêuticos com estupefacientes substitutivos; lutam contra as drogas naturais e

62
processadas, em defesa das sintéticas patenteadas e comercializadas pelos grandes
laboratórios; guerreiam contra os cultivadores latino-americanos, auxiliando seus velhos
sócios do sudeste asiático. A repressão extra-econômica ao tráfico é a forma de regular os
preços de um mercado potencialmente estável pelo caráter viciante do produto. Com a
"guerra ao narcotráfico", os EUA tratam de salvaguardar suas companhias químicas,
provedoras de insumos para o processamento, propiciando em geral uma "substituição de
importações", no grande negócio de destruir a saúde e a integridade de uma parte da
população.
É evidente que a militarização recente com o pretexto de "lutar contra o flagelo da droga" é
um aspecto da re-colonização comercial e da chantagem financeira sobre a América Latina.
O novo intervencionismo estadunidense está mais relacionado com isso, do que com o
narcotráfico. É inaceitável supor que a invasão do Panamá, o bloqueio naval à Colômbia, a
instalação de bases em Bolívia e Peru, a militarização da fronteira mexicana, a introdução
de uma jurisprudência avassaladora da legislação latino-americana, estão motivadas na
erradicação do narcotráfico.
Na prática, os EUA aumentaram sua intervenção na América Latina em defesa de um clã
produtor contra outros, ou para arbitrar as sangrentas lutas entre eles. A "narco-economia",
longe de ser um submundo alheio à norma capitalista, está rigorosamente organizado de
acordo com os parâmetros da "'economia de mercado". Os objetivos das máfias -captura
de mercados, monopólio de preços e domínio sobre os segmentos mais lucrativos- são
metas tipicamente capitalistas. As economias “subterrâneas” e legalizadas mantêm vínculos
entre si, e a existência de crise num setor se transmite ao outro.
A Guerra do Glifosato na Colômbia
O ataque químico à produção de drogas ilícitas na Colômbia não é novo: remonta a mais de
dez anos onde o paraquat e o glifosato foram os praguicidas de excelência. Desde 19 de
dezembro de 2000 o governo lançou uma fumigação massiva com o desfolhante glifosato.
Com uma considerável proteção e financiamento dos Estados Unidos o exército da
Colômbia realiza um agressivo ataque por ar e terra contra as plantações de coca no país.
Os Estados Unidos investirá 1,3 milhõers de dólares para apoiar o Plano Colômbia com
helicópteros de transporte e entrincheiramento dos soldados dedicados à luta antinarcóticos.
Seu objetivo é proteger os aviões fumigadores e destruir os laboratórios onde se processa a
pasta básica de cocaína.
Aviões instruídos para voar quase ao solo, equipados com fumigadores e protegidos por
batalhões de elite desde a terra fumigaram, até fevereiro de 2001, 30.000 hectares em
quatro regiões das províncias colombianas de Caquetá e Putumayo. Estima-se que em
ambas províncias se produzem três quartos da coca colombiana. Esta operação
multimilhonária estima terminar com ao menos a metade das plantações de coca até 2005 e
com ela uma fonte de financiamento para a guerrilha. Funcionários norteamericanos
provêm as autoridades colombianas com mapas satelitais que ajudam a detectar os campos
de coca. Vistas aéreas dos campos fumigados mostram plantações que alguma vez já foram
verdes, convertidos em pálidos e marrons, onde os tetos de lata das vivendas dos
campesinos sobresaem na paisagem.
Juntamente com as plantações de coca foram fumigados campos de iúca, porotos, cebola,
alho, batatas, milho e outros cultivos tradicionais, danificando também os cultivos

63
alternativos dos campesinos que haviam abandonado o cultivo de papoula. O fato de terem
destruido suas fontes naturais de alimentos condena os habitantes a fome e ao seu
deslocamento forçado até outras regiões. Os campesinos estão sendo expostos
continuamente e sem escapatória às fumigações massivas. O Departamento de Saúde de
Putumaio recebe constantes denúncias dos habitantes que estão sufrendo vômitos, diarréia,
urticária, olhos roxos e dores de cabeça, ouvido e estômago.
Entre as crianças, sobretudo, evidenciam-se outras reações alérgicas na pele. Recebiam-se
frequentemente informes de abusos e erros por parte dos aviões durante estas fumigações
massivas. O governo colombiano se justifica ao assinalar que os campesinos, cujas terras
estão sendo fumigadas, haviam tido oportunidade para firmar acordos para evitar a
erradicação desde o ar. A mudança de arrancar suas plantas de coca cada família reciberia
1.000 dólares, em ganho e comida.
O glifosato é um sólido branco, de fórmula química N-(fosfonometil)-glicina. É o princípio
ativo do praguicida Roundup, produto fabricado pela multinacional Monsanto, companhia
líder na produção de herbicidas baseados neste composto. Este praguicida, uma vez em
contato com as folhas se translada ao resto da planta e meio circundante, degradando-se
com muita facilidade. Possui uma alta capacidade de dissolução na água o que lhe permite
recorrer até 10 mil quilômetros e em zonas de alta precipitação se acelera sua fluidez,
incrementando sua periculosidade já que em contato com a natureza se criam substâncias
tóxicas.
Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental (EPA), aprovou o glifosato para a
maioria dos usos comerciais. Não obstante, o própio estudo de certificação da EPA
publicado em 1993 assinala que: “Na Califórnia, onde os médicos estão obrigados a
reportar o envenenamento por praguicidas, situou-se o glifosato em terceiro lugar entre as
25 causas mais importantes de doenças ou danos devido a pesticidas”, num período de 5
anos na década de 1980, pois causou irritação nos olhos e na pele. Em 1966 esta empresa,
num acordo fora da corte no Estado de Nova York acordou retratar-se sobre a pretensão de
que o produto é “seguro, não tóxico, inofensivo e livre de riscos”.
Nessa oportunidade a empresa firmou uma declaração na qual aceitava que Roundup podia
ser transportado ou filtrado através de certos tipos de solo sob algumas condições logo de
sua aplicação. As etiquetas dos produtos que contêm glifosato como o Roundup que se
vende nos Estados Unidos, adverte aos usuários de “evitar a aplicação direta a qualquer
extensão de água”. As instruções também previnem aos usuários de que eles “não devem
aplicar este produto de forma tal que tenha contato com trabalhadores ou outras pessoas,
nem diretamente nem através de correntes de vento ou ar” e previne que “somente as
pessoas que tenham a proteção adequada podem estar na área durante a aplicação”.
Nos Estados Unidos os usuários de glifosato são especificamente advertidos de “não irrigar
o produto quando os ventos compuserem furacões ou sob qualquer outra condição que
favoreça o vento”. As instruções de uso também dizem que “se devem manteer zonas
apropriadas de amortiguação” para prevenir a contaminação de áreas vizinhas.
Por si só não foi suficiente a fumigação massiva agora o governo colombiano prepara as
armas biológicas, mascarado sob a falácia do “controle biológico”. Um aspecto do plano
aprovado em Washington é que está condicionado à utilização de “micoherbicidas” (mico:
fungos), produzidos por fungos que estão sendo desenvolvidos por vários governos,

64
empresas privadas, entidades acadêmicas, etc. com o objetivo de combater cultivos de
drogas consideradas ilícitas. Investigadores norte-americanos da Universidade de Princeton
propuseram, desde 1999, utilizar massivamente preparados específicos do fungo Fusarium
oxysporum nas fumigações para erradicar a coca e empregá-la na Colômbia.
É bem conhecido que algumas variações desta espécie podem afetar muitas plantas
diferentes, inclusive espécies pouco relacionadas entre si. O fungo pode disseminar-se
atacando potencialmente cultivos lícitos e países que não estão de acordo com seu uso.
Suspeita-se que os Estados Unidos tenham criado em seus laboratórios variações de fungos
modificados mediante engenharia genética.
Nesta “luta biológica” primeiramente se falou da utilização na Amazônia colombiana de
preparados específicos desta espécie. Isto provocou respostas enérgicas de acadêmicos,
pesquisadores e organizações sociais. Sob estas circunstâncias o Ministro de Meio
ambiente, explicou as razões que teve sua carteira para dizer não a tal fungo e anunciou
outras alternativas. Declarou que o governo não aceitaria a aplicação de agentes externos e
que para o controle biológico da coca se estudaram “alternativas mestiças”, presentes em
nossa biodiversidade. O mesmo Ministro disse que se não se encontrasse o F. oxysporum
no meio natural do Amazonas não se estudaria. Então, se o encontrarem, como é muito
provável que aconteça entre outros fatores pela introdução ao país de variedades de coca do
Perú onde já se tem apresentado epidemias por tal fungo, então seria estudado?
Como parte de seus componentes o projeto persegue a identificação e emprego de
organismos nativos da região, que garantissem através do controle biológico, “sem gerar
conseqüências adversas sobre o meio ambiente e a saúde humana”, a erradicação do cultivo
da coca. Existe uma grande incerteza sobre a mutação desta espécie fúngica no campo e as
possibilidades de ataque a outras plantas dentro deste ecosistema amazônico.
Cada plano traçado e posto em prática pelos EUA, desenhado e/ou apresentado por
organismos internacionais (PNUFID, BID, FMI, BM, etc.), serve a seus objetivos
estratégicos econômicos no país que se trate. Normalmente estes planos encobrem o
verdadeiro propósito que encerram e a luta contra o narcotráfico contida no plano Colômbia
não escapa a esta lógica. A razão pela qual se inicia e executa, principalmente nos
territórios limítrofes, obedece a dois objetivos:
a) Ao macro-projeto a concretizar-se em 10 anos, desenhado pela CAF (Corporação Andina
de Fomento) desde 1970 e impulsionado pelo BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), denominado “Plano de Ação de Infraestrutura Regional na América do
Sul”, cujo objetivo é a integração e articulação física de todos os países da América do Sul
(com vias férreas, vicinais, fluviais, etc.) como parte essencial na criação de uma “´Área de
Livre Comércio das Américas” (ALCA), prevista para 2005.
b) À reativação na exploração e produção petrolífera e de gás, no país, especialmente na
zona onde se inicia o plano Colômbia: em Putumayo, considerada como “as jazidasde mais
grandes do mundo”. Sob as plantações de coca se acham duas ricas jazidas de petróleo
(Projeto Orito e Projeto Sul) e o Projeto Bloque de exploração do rio San Miguel, os que
necessitam de “limpeza” para ser explorados.92

92
Marta Scuderi. Plan Colombia. La politica antidrogas y el máximo organismo mundial que la confecciona
(PNUFID) son un fraude. IV Internacional, São Paulo, agosto de 2002.

65
Imperialismo e Guerra Biológica
Os Estados Unidos têm disseminado toneladas de Roundup e de Roundup Ultra, produzidos
pelo gigante químico e biotecnológico Monsanto, baseado em St.Louis, durante a guerra da
droga de 24 anos na Colômbia. O uso destes herbicidas tem produzido continuamente
queixas por problemas de saúde dos campesinos colombianos. Essas queixas tem sido
ignoradas em sua maior parte pelos funcionários guvernamentais em Washington e pelas
hierarquias corporativas da Monsanto. Entretanto, a sórdida história da Monsanto como
fabricante do Agente Laranja, um desfoliante durante a guerra do Vietnam, motiva sérias
dúvidas sobre seu papel na guerra da droga na Colômbia.
Dirigentes indígenas colombianos visitaram o Congresso para expressar sua opinião contra
a fumigação: "Os povos indígenas têm sufrido sob esta praga como se fosse um decreto
guvernamental para exterminar nossa cultura e nossa própria sobrevivência,·" disse José
Francisco Tenorio, o único dirigente que não temeu utilizar seu nome real. "Nossos cultivos
legais –nosso único sustento—mandioca, bananas, palmas, cana de açúcar, e milho, tem
sido fumigados. Nossas fontes de água, riachos, rios, lagos, tem sido envenenados,
exterminando nossos peixes e outros seres vivos. Em nome dos indígenas amazônicos
solicito que as fumigações se detenham imediatamente." Até agora, as petições de Tenorio
não tem sido escutadas. O Congresso norte-americano aprovou 1300 milhões de dólares
para o "Plano Colômbia" para realizar ali a guerra da droga, e na "Iniciativa Regional
Andina".
Os funcionários dos EUA orgulham-se pela grande quantidade de hectares de coca e
papoulas erradicadas, como prova de que a fumigação tem êxito. Mas freiam enérgicamente
todo intento dos jornalistas de continuar investigando os efeitos da fumigação aérea.
Durante uma reunião com pessoal da embaixada dos EUA em Bogotá, o funcionário
máximo da Seção de Narcóticos do Departamento de Estado deu grande ênfase e usou um
tom ameaçador ao bradar, espumando saliva: "Não se pode mencionar a Monsanto!"
CorpWatch ficou um tanto surpreso, mas também se divirtiu. Um funcionário do
Departamento de Estado em Washington informou a Corpwatch que a relação entre o
governo de EUA e a Monsanto "é informação restrita a nós e nosso provedor. Está eximida
também dos requerimentos da FOIA [lei sobre a libertade de informação], de maneira que
não creio que possa obtê-la."
Monsanto também tem manteido um silêncio hermético. "Não divulgamos informação
sobre a quem vendemos nossos produtos, nem sobre o tamanho do contrato ou cualquer
coisa similar. Não confirmarei que seja nosso produto o que está sendo utilizado na
Colômbia," disse Janice Armstrong, diretora de Relações Públicas para Roundup na
Monsanto. Quase 70000 galões de Roundup tem sido pulverizados na Colômbia em um
ano, segundo cálculos baseados nas quantidades pulverizadas por hectar.
Em 2000, aproximadamente 145.750 galões foram pulverizados sobre 53.000 hectares,
segundo um funcionário do Departamento de Estado. Estas cifras não incluem toda a
fumigação de colheitas de assombrosos com Roundup na Colômbia desde 1978. A um
preço entre 33 e 45 dólares por galão, e um preço ao par maior que talvez seja menos da
metade, isto significa centenas de milhares de dólares.
Monsanto anuincia vendas de quase 5500 milhões de dólares em 2000. Essas vendas
geraram quase 150 milhões de dólares em beneficios. Roundup é o herbicida número um do

66
mundo e o produto símbolo da companhia. Monsanto também está implicada no
desenvolvimento da agricultura biotécnica e tem fabricado soja "Roundup Ready" e outros
cultivos que resistem ao herbicida. O gigante corporativo não é um estranho nos corredores
do poder em Washington. Emprega uma prestigiosa firma especializada no trabalho de
grupos de pressão para que represente seus interesses no Capitólio. A Secretária de
Agricultura do Presidente Bush, Ann Veneman, esteve no conselho de Calgene, outra
companhia biotecnológica que foi comprada pela Monsanto. Monsanto doou 12 mil dólares
diretamente à campanha presidencial de Bush, e contribuiu à PACs [comitês de ação
política] da indústria. Durante as eleições de 2000, Monsanto gastou 74.000 dólares em
campanhas parlamentárias, a maior parte de republicanos.
Para muitos, a Roundup da Monsanto é um caso de déjà vu. Não é a primeira vez que um
produto herbicida da Monsanto tem sido acusado de prejudicar o entorno e danificar a seres
humanos durante um a guerra. Para compreender as ramificações potenciais do uso de
Roundup na Colômbia, é útil considerar os danos causados pelo Agente Laranja no
Vietnam. Durante a guerra do Vietnam, EUA utilizou uma série de "agentes" desfoliantes
químicos, famosos segundo os anéis verdes, rosados, azuis, púrpura, e laranja ao redor das
vasilhas. O conceito era eliminar a cobertura de folhagem que protegia a guerrilha, para
fazê-la vulnerável ao ataque. Um dos herbicidas utilizados era chamado Agente Laranja
(uma mescla 50:50 dos herbicidas 2,4D e 2,4,5-T) e demostrou ser muito eficaz. Contudo,
houve um problerma: a mescla continha quantidades variáveis de um produto de
descomposição do tipo "dioxina" chamado TCDD.
Mais tarde – e demasiado tarde para muita gente – demonstrou-se que TCDD produzia
efeitos tóxicos muito sérios. Segundo o Sétimo Informe Anual sobre Cancerígenos de 1994,
o Agente Laranja causa "efeitos tóxicos em animais incluindo a síndrome de definhamento,
úlceras gástricas, alterações do sistema imunológico, danos hepáticos, lesões vasculares,
deformações de fetos, problemas neurológicos e de desenvolvimento, problemas na função
reprodutiva, e endometriosis". Também demonstrou ser tóxico para seres humanos. A
aplicação do Agente Laranja e de TCDD não só deflorestou grandes áreas do Vietnam,
como causou mais de 50.000 defeituosos ao nascer e centenas de milhares de casos de
câncer tanto entre civis como entre soldados vietnamitas, assim como em soldados
estadunidenses que serviram no Sudeste da Ásia. Os efeitos do Agente Laranja ainda estão
ocorrendo, 26 anos depois do fim da guerra.
Depois da guerra se supôs que a Monsanto tivesse conhecimento desta toxicidade muitos
anos antes, desde princípios dos anos 1940, e havia tratado de ocultá-la. Nessa época,
trabalhadores da Monsanto haviamn adoecido regularmente com sintomas como erupções
cutâneas, dores nas articulações e nas extremidades, depois de haver sido expostos ao 2,4,5-
T, o componente específico do Agente Laranja que se decompõe para formar TCDD.
Depois do fim da guerra, veteranos do Vietnam estadunidenses processaram a Monsanto
por ter causado suas doenças. A companhia resolveu a disputa extrajudicialmente, pagando-
lhes 80 milhões de dólares em danos. As vítimas vietnamitas não receberam nada.
Não surpreende que nem os funcionários estadunidenses nem os executivos da Monsanto
queiram que se enfoque o uso dos produtos da companhia na Colômbia, onde muitos dos
sintomas sofridos pelas pessoas atingidas pelo borrifamento de Roundup depois do contato
com o produto, são similares aos observados por empregados da Monsanto nos anos 1940 e
por soldados e civies afetados pelo Agente Laranja no Vietnam. A diferença do Agente

67
Laranja, Roundup é também vendido para uso civil como um herbicida seguro. Até agora,
não tem havido queixas confirmadas sobre toxicidade grave para seres humanos que se
compare com o Agente Laranja. Certamente, nos EUA existe como um herbicida a venda
ao por menor na maior parte das lojas ou fábricas de ferragens, e é vendido em 130 países.
Contudo, as próprias advertências da Monsanto sublinham a toxicidade: "Roundup
destruirá quase qualquer planta verde que esteja em crescimiento ativo. Roundup não deve
ser aplicado a massas de água, como estanques, lagunas ou riachos, já que Roundup pode
ser danoso para alguns organismos aquáticos. Depois que uma área tenha sido pulverizada
com Roundup, as pessoas e os animais domésticos, (tais como gatos e cachorros) devem
permanecer distantes da área até que esteja perfeitamente seca. Recomendamos que animais
que pastam como cavalos, gado, ovelhas, cabras, coelhos, tartarugas e aves, permaneçam
fora da área tratada durante duas semanas. Se Roundup for usado para controlar plantas
indesejadas ao redor de árvores frutíferas ou árvores de frutos secos, ou vinhedos, deixe
passar vinte e um dias antes de consumir frutos ou noces."
Como a Monsanto e os funcionários de EUA insistem em que é seguro pulverizar Roundup
com uso aviões, jornalistas e cientistas estão começando a revelar alguns fatos novos. A
jornalista holandesa, Marjon Van Royen investigou os informes sanitários sobre o terreno
na Colômbia, e descobriu que "devido ao fato de o produto químico ser pulverizado na
Colômbia a partir de aviões sobre áreas habitadas, tem havido constantes enfermidades
sanitárias [em seres humanos]; olhos inflamados, enjôos e problemas respiratórios, tem sido
as mais freqüentes registradas".
Ainda que Roundup tenha anunciado como "seguro" para mamíferos, incluindo seres
humanos (mas não para alguns insetos ou a vida aquática) pelo Departamento de Estado
dos EUA, tem havido informes demasiado persistentes sobre problemas cutâneos e de
outros tipos depois de incidentes de fumigação envolvendo campesinos e seus animais, para
que sejam ignorados. Aprofundando-se em sua investigação, Van Royen descubriu algo
alarmante: outro aditivo chamado Cosmo-Flux 411F estava sendo agregado para aumentar
a toxicidade de Roundup. A mescla de Roundup e Cosmo-Flux 411F nunca foi
cientificamente avaliada, nem se tem informado o público, nos EUA ou na Colômbia, sobre
esta prática.
A Dra. Elsa Nivia, bióloga e química colombiana, demonstrou que o aumento da toxicidade
mediante o aditivo podia haver causado os problemas para a saúde humana atribuídos a
Roundup. Em uma conferência na Universidade da Califórnia, a Dra. Nivia declarou: "a
mescla [de Roundup Ultra] com o surfactante Cosmo Flux 411F pode quadruplicar a ação
biológica do herbicida, produzindo níveis relativos de exposição que são 104 vezes mais
elevados que as doses recomendadas para utilização normal na agricultura nos Estados
Unidos; doses que, segundo o estudo mencionado, podem intoxicar e até matar
ruminantes."
O uso deste Roundup fortalecido não seria aceitável nos EUA sem ensaio prévio e sem
avaliação científica. Os pequenos aviões e os helicópteros pulverizadores que dispersam os
herbicidas químicos na Colômbia, em vôos baixos, demasiado altos para poder apontar com
exatidão as colheitas de narcóticos. Um pequeno avião voando a 65 pés, está submetido aos
frequentes ventos de flanco que caracterizam a ecologia da selva tropical. Esses ventos
podem facilmente aventar ou "derivar" o herbicida a zonas não selecionadas como objetivo,

68
produzindo a destruição de outros cultivos, de bosques tropicais ou de massas de água.
GTZ, a versão do governo alemão do USAID [dos EUA], apresentou sérias queixas em
contra da fumigação porque, intencionalmente, a fumigação estava destruindo o projeto
colombiano de "piscicultura" que estavam apoiando – tanques de peixes que
subministravam proteína para a subsistência dos campesinos.
O Escritório do Defensor do Povo para os Direitos Humanos do próprio governo
colombiano, chamou pelo fim da fumigação. Repetidas queixas sobre erradicação de
cultivos alimentícios, o envenenamento de tanques de piscicultura e efeitos sobre a saúde,
haviam levado a alguns grupos de campesinos e indígenas na Colômbia a conjeturar que o
programa anti-drogas dos EUA os estava atacando como supostos partidários da guerrilha,
uma acusação que expulsa muita gente que vive no campo. Dizem que os funcionários dos
EUA querem desalojá-los das zonas de conflito, produzindo assim milhares de refugiados,
destruição ecológica e impacto sobre a saúde humana. Monsanto, que tratou de encobrir os
perigos inerentes ao Agente Laranja há 30 anos, tem mais que perder que um lindo contrato
do governo. Se seu herbicida símbolo, vendido em todo o mundo, demonstra que é danoso
na Colômbia, os consumidores poderiam perguntar-se se é seguro para pulverizar seus
jardins. 93
Bio-Racismo “Neoliberal”
As implicações racistas de uma suposta inteligência biologicamente (ou “geneticamente”)
hereditária (o que faria umas “raças” humanas mais inteligentes do que outras) já foram
denunciadas e cientificamente desqualificadas: “A inteligência específica não merece o
nome de inteligência. Trata-se do conjunto de comportamentos geneticamente fixados da
mesma maneira que qualquer outra função fisiológica, como, por exemplo, a regulação da
glicemia. É um conjunto de processos orgânicos de condicionamento hereditário. A
inteligência individual, por outro lado, é bem mais difundida do que se pensava. Até o
animal mais elementar possui um mínimo de consciência, é capaz de reações
individualizadas, assim como o homem mais culto não consegue escapar totalmente aos
seus instintos... Cada vez que há substituição progressiva da inteligência específica pela
individual, quando o adquirido substitui parcialmente o natural (inné), o progresso é
considerável. Abre-se a porta para os comportamentos conscientes, individuais, plásticos,
rápidos, transmissíveis pela educação, melhoráveis pela experiência”.94
Stephen Jay Gould também chamou à atenção para os fatores históricos como moduladores
das transformações genéticas que obedecem à teoria darwinista da seleção natural: “Antes
da moderna síntese, muitos biólogos, como Bateson, expressaram confusão e depressão
porque os mecanismos propostos para a evolução a diferentes níveis pareciam
suficientemente contraditórios para impedir uma ciência unificada. Após a moderna síntese
espalhou-se a noção (que quase chegou ao dogma entre os seus defensores menos atentos)
de que toda a evolução podia ser reduzida ao darwinismo básico das mudanças adaptativas
e graduais no interior de populações locais. Penso que estamos agora a seguir um caminho
frutuoso entre a anarquia dos tempos de Bateson, e a restrição de vistas imposta pela
moderna síntese. Esta trabalha no seu campo apropriado, mas os mesmos processos

93
Jeremy Bigwood. Monsanto y la 'guerra de las drogas' en Colombia. Rebelión, 21 de agosto del 2001, in:
www.rebelion.org.
94
Jacques Rouffié. De la Biologie à la Culture. Paris, Flammarion, 1983, p. 54.

69
darwinianos de mutação e seleção podem operar de maneiras notavelmente diferentes em
domínios mais elevados duma hierarquia de níveis evolutivos.
“Penso que podemos ter esperança na uniformidade dos agentes causais, e daí uma só teoria
geral com um núcleo darwinista. Mas devemos contar com uma multiplicidade de
mecanismos que impedem a explicação de fenômenos de nível mais alto pelo modelo da
substituição do gene adaptativo, favorecido para o nível mais baixo. Na base de todo este
fermento encontra-se a complexidade irredutíve1 da natureza. Os organismos não são bolas
de bilhar impulsionadas, por forças exteriores simples e mensuráveis, para novas posições
previsíveis na mesa de bilhar da vida. Sistemas suficientemente complexos possuem maior
riqueza. Os organismos têm uma história que restringe o seu futuro em miríades de vias
subtis. A complexidade da sua forma acarreta uma hoste de funções incidentais em relação
a quaisquer pressões da seleção natural que tenham superintendido à sua construção inicial.
Os seus intrincados e largamente desconhecidos caminhos de desenvolvimento embrionário
garantem que influências simples (por exemplo, mudanças mínimas nos tempos) podem ser
traduzidas em claras e surpreendentes alterações no resultado (o organismo adulto).95
Bill Joy, científico-chefe do monopólio informático Sun Microsystems, declarou que “para
a humanidade, as novas tecnologias também poderão envolver um perigo ainda maior do
que as armas de destruição em massa”,96 motivo pelo qual propõe... a limitação do acesso
às informações científicas, sobretudo via Internet.97 As novas terapias, por sua vez, só
podem se tornar viáveis depois de uma fase de experimentação. Ora, enquanto na Europa
ocidental um experimento considerado complexo custa US$ 10 mil por paciente, na Rússia,
por exemplo, o custo fica em US$ 3 mil. A maior freqüência de moléstias nas nações
pobres também facilita a logística do ensaio clínico.
A FDA exige estudos com cerca de 4.000 pacientes antes de aprovar qualquer droga para o
mercado norte-americano. A partir de 1980 a FDA passou a aceitar experimentos realizados
em outros países. A indústria farmacêutica estima que cada dia de atraso na introdução de
uma droga líder de mercado representa perda de US$ 1,3 milhão em vendas não realizadas.
Estimativas indicam que há em curso no Brasil 1000 estudos, um acréscimo de 200% em
relação a cinco anos atrás. Os EUA já tentaram enfraquecer as exigências da Declaração de
Helsinque, que pretendia estabelecer “padrões éticos internacionais” para a pesquisa com
seres humanos.
Os próprios EUA não se salvariam, pois já possuem uma longa experiência em matéria de
cobaias humanas desinformadas: na década de 40 injetaram todo tipo de substâncias,
incluído plutônio (!), em centenas de pessoas, para desenvolver o projeto, e depois a
produção, de armas nucleares. Ainda “no início da década de 1970 o governo norte-
americano continuou experimentando em tropas e prisioneiros mal informados, assim como
civis desavisados. Para alguns desses experimentos, como a liberação de bactérias
inofensivas em metrôs e aeroportos, o governo jamais teria conseguido a autorização de
cada pessoa afetada”.98 O curioso é que o “bio-ético” que investigou os fatos, concluiu que
todo governo tem o direito de realizar “experiências” com grandes massas de população
95
Stephen Jay Gould. O Polegar do Panda. Ensaios sobre história natural. Lisboa, Gradiva, sdp, p.14.
96
Global Viewpoint, julho de 2000.
97
Cf. Corriere della Sera, Milão, 21 de agosto de 2000.
98
Without consent. New Scientist, 13 de novembro de 1999.

70
desinformada, sob a condição de informar, durante a campanha eleitoral, que tal tipo de
experimentos poderão ser levados a cabo.99
Bem antes que se chegasse ao genoma, seu possível uso militar-racista já vinha sendo
estudado, demonstrando que o único “ilimitado” é o ódio racial e de classe. O jornalista
alemão Udo Ulfkotte informou que mesmo sem o conhecimento detalhado do código
genético humano, os militares estão há muito tempo interessados em armas biológicas. Em
1970, o jornal norte-americano Military Review publicou um informe detalhando os
esforços dos EUA durante os anos 1950. De acordo com a revista, os cientistas militares
norte-americanos tentaram criar o vírus da “febre do vale” especialmente para o grupo
étnico afro-americano, que teria uma probabilidade muito maior do que os brancos de
morrer dessa doença.
Na década de 1990, em um estudo intitulado Deployment of Armed Forces 2020, os
militares alemães apontaram para os problemas futuros das armas biológicas “contra grupos
de pessoas geneticamente diferentes”. Essas armas seriam inofensivas contra os soldados
do atacante mas seriam letais contra as pessoas de outro grupo genético. O estudo surgiu na
época em que surgiram as notícias das pesquisas secretas realizadas na África do Sul. A
“Comissão para a Verdade na África do Sul”, que investigava o sistema de apartheid do
país, revelou detalhes sobre um programa de armas biológicas existente no período. A
reportagem afirmava que o ex-chefe do programa sul-africano, Wouter Basson, fez mal uso
das descobertas científicas e testou armas biológicas que seriam letais apenas contra a
população negra. Os bacilos da cólera (pulverizados) – uma das várias áreas de
experimentação da África do Sul – seriam utilizados, na medida do possível, para matar
apenas os negros.
O “gênio” da Celera, Craig Venter, segundo o Time Magazine, “ao deixar o cargo que
ocupava no Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos para ir atrás dos genes,
quase da noite para o dia passou de um modesto cientista do governo com um saldo
bancário de US$ 2000 a um multimilionário dono de iates e carros esportivos”. Venter
ousou realizar uma proposta: “Não há um sistema universal de critérios éticos que diz: ‘Isto
é bom. Isto é possível, mas é ruim, portanto não o faça’. No limiar do conhecimento mais
fundamental que o homem pode assimilar a respeito de seu próprio ser, tal sistema é
indispensável. O que propomos é a criação de uma espécie de ‘parlamento’ mundial com
esse objetivo. Esse órgão, talvez sob os auspícios da ONU, seria composto por cientistas e
filósofos experientes – digamos uns 60 membros com mandato bienal rotativo – para
assessorar os responsáveis pelas decisões nos negócios e na política com o peso de sua
autoridade coletiva. Ele informaria ao público o que está em jogo num avanço científico
específico e proporia soluções”. 100
Mas, quem escolheria e, sobretudo, quem controlaria os “60 filósofos”, e quais seriam as
garantias de que eles não viriam a serem influídos por aqueles a quem eles deveriam
influir? E que garantias haveria de que a sua “assessoria” seria seguida a risca? A proposta
demonstra que, para acabar com a alienação da ciência e da política, é necessário acabar
com o caráter particular (privado) dos negócios, tornando-os “negócios públicos”, que
envolvam exclusivamente o interesse público, pois só desta maneira prevalecerá o interesse

99
Jonathan Moreno. Undue Risk. Secret state experiments on humans. Londres, W. H. Freeman, 1999.
100
Craig Venter e Daniel Cohen, in: Los Angeles Times, 21 de junho de 2000.

71
social, cujo privilegiamento pela consciência humana foi o fator decisivo que permitiu a
sobrevivência e desenvolvimento da espécie humana, inclusive nas condições mais
adversas.
Atraso Científico
Nas condições atuais, a ecologia manifesta não só um atraso dramático, mas também,
apesar das declarações "ecológicas" dos governos burgueses, e até da criação de órgãos que
se dizem consagrados aos problemas do meio-ambiente, a ecologia é uma das disciplinas
mais ameaçadas pelos planos de desmantelamento da pesquisa científica. Não chega a ser
surpreendente que as leis que regem o funcionamento ecológico das populações de seres
humanos, os ciclos biológicos, as relações espécies – meio ambiente e espécies - espécies, o
equilíbrio e a evolução das populações, dos povoamentos, das biocenoses e dos
ecossistemas, os ciclos da matéria e os fluxos de energia na biosfera, essas leis sejam ainda
extremamente mal conhecidas. Apesar dos remarcáveis progressos da ecologia nas últimas
décadas, o estado atual dos conhecimentos nos fornece apenas um conhecimento muito
superficial dessas leis, que são múltiplas e complexas. Mas é da compreensão dessas leis
que depende, finalmente, a capacidade do homem para remediar a crise do meio-ambiente e
a sua possibilidade de sobreviver na Terra.
É bem possível que os nossos descendentes dos séculos futuros considerem que a
descoberta biológica fundamental do século XX não fora o DNA, mas a “simples” noção de
que a Terra é um espaço finito, com recursos finitos, e que para sobreviver nela os homens
estão obrigados a respeitar um certo numero de regras, e também a não destruir os ciclos
naturais sobre os quais repousa a possibilidade de existência da própria vida. Essa
"descoberta" não tem só conseqüências "cientificas". Ela também implica una modificação
da apreciação de que toda técnica só pode ter um papel social progressista.
As causas principais da crise do meio-ambiente geralmente invocadas são: a explosão
demográfica planetária, o emprego atual da tecnologia, e a tecnologia contemporânea “em
si”. Barry Commoner demonstrou que, ao menos no que diz respeito aos paises ditos
desenvolvidos, a crise não esta ligada a uma superpopulação ou a um "excedente de
abundância", inexistente na realidade. Para Commoner, a causa principal da crise do meio-
ambiente reside, nos países industrializados, na tecnologia contemporânea, ou seja, nas
técnicas que se desenvolveram depois da Segunda Guerra Mundial. Essas técnicas (entre as
quais a utilização, pacífica ou militar, da energia nuclear, dos produtos sintéticos orgânicos
ou inorgânicos - plásticos, detergentes, pesticidas, adubos -, o automóvel com motor a
gasolina, os aviões supersônicos, etc.) são, pela sua própria natureza, infinitamente mais
poluidoras, mais destrutivas, mais incompatíveis - a curto ou longo prazo - com a
manutenção dos equilíbrios ecológicos, do que as técnicas ecologicamente menos perigosas
que aquelas substituíram.
As técnicas contemporâneas mudaram qualitativamente o problema: elas introduziram na
atmosfera elementos naturalmente ausentes ou muito raramente presentes (isótopos
radiativos, metais pesados ou produtos sintéticos orgânicos) que agem de modo nocivo
sobre os organismos vivos (efeitos patogênicos e mutagênicos) e perturbam o
funcionamento dos ciclos naturais. Alem disso, a tecnologia moderna expele elementos, ou
elementos que se encontram na biosfera em estado natural, em tais quantidades, que eles
não mais podem ser "digeridos" pelo meio-ambiente, acumulando-se, perturbando, ou até

72
bloqueando totalmente, o funcionamento dos ciclos naturais (fluxos de energia e
transferências de matéria). Os problemas ecológicos não decorreriam de uma aplicação boa
ou ruim dessas técnicas, mas simplesmente do seu uso.101
É uma certeza que, se mudanças ou melhoras muito caras poderiam tornar essas técnicas
menos poluentes, a verdade e que as exigências do lucro levam os capitalistas a não realizar
essas mudanças. Mas apreciar o problema só sob esse ângulo seria totalmente enganador: é
uma ilusão acreditar que haveria uma solução puramente técnica para esses problemas.
Commoner insiste para o fato de que o desenvolvimento dessas técnicas não reflete de
maneira nenhuma uma necessidade da humanidade. Ele explica que as novas técnicas e
tecnologias não constituem um "progresso" em relação às técnicas tradicionais, sendo
muito mais poluidoras do que aquelas, mas também muito mais rentáveis para os
capitalistas.
A análise das causas econômicas da passagem para a tecnologia contemporânea está só
esboçada no trabalho de Commoner, e mereceria ser aprofundada. Uma das características
dessa passagem é, segundo o autor, a substituição de um grande número de matérias primas
(provenientes de todos os países do mundo e tratadas de maneiras diversas) por um número
restrito de matérias primas: os derivados do petróleo, sobretudo, são utilizados num leque
enorme de produtos terminados.
Essa passagem para um número cada vez mais restrito de matérias primas jogou um papel
importante na destruição, no marco da exploração imperialista, da economia de vários
países "subdesenvolvidos", antigamente produtores de diversas matérias primas para as
potências colonizadoras, especializados ao extremo em diversas produções agrícolas, para
as quais não há mais mercado, e sem a base industrial necessária para a transformação
dessas matérias primas.
Commoner concluiu constatando que a tecnologia moderna, prejudicial para a humanidade,
é indispensável ao sistema capitalista, e que não deve esperar-se deste uma espécie de auto-
reforma: esse sistema preferiria se auto-destruir, destruindo consigo toda vida sobre a Terra,
sendo absolutamente incapaz de se auto-transformar. Commoner desconhecia o marxismo,
e confundia o socialismo com a caricatura stalinista então existente na URSS: e lógico que
ele concluísse de modo pessimista, não acreditando na capacidade do "socialismo" de agir
de modo diferente ao imperialismo (a crise do meio-ambiente não poupou à URSS, como é
bem sabido).
A crise planetária do meio-ambiente é um fenômeno novo na história. A ruptura dos
equilíbrios ecológicos fundamentais da Terra significaria a desagregação da economia
mundial, ou seja, o início do fim da civilização humana, o retorno à barbárie. Na verdade,
na era da putrefação do capitalismo, a ciência e a técnica não estão a serviço da
humanidade, mas da classe social parasitária que leva a humanidade à barbárie, a burguesia.
Cada vez mais as forças produtivas se transformam em forças destrutivas: as relações
capitalistas de produção determinam que os meios de produção se transformem em forças
destrutivas tanto mais poderosas quanto mais se desenvolvem a própria ciência e a técnica.
Ao parasitismo econômico é preciso acrescentar o fenômeno da destruição do meio-

101
Cf. Barry Commoner. The Closing Circle. Nature, man and technology. Nova Iorque, Alfred A. Knopf,
1972; do mesmo autor: Energias Alternativas. Rio de Janeiro, Record, 1988.

73
ambiente, da biosfera, na qual a humanidade vive e da qual ela tira seus meios de
sobrevivência e todos os elementos sobre os quais repousa a sua técnica e a sua civilização.
A tecnologia contemporânea é, do mesmo modo que a economia armamentista, uma força
destrutiva direta. É errado acreditar que essa tecnologia seria, ao contrario da economia de
armamentos, um fator de progresso. Sua introdução não responde, em geral, às
necessidades da humanidade, mas às necessidades da economia capitalista, sendo
finalmente, na maioria dos casos, uma forma de destruição das forças produtivas. A
natureza "progressista" ou não de una técnica não se pode medir só pela quantidade de
kilowatts ou de toneladas de produtos produzidos: ela só pode ser estimada depois de um
balanço de todas as conseqüências para a humanidade da aplicação dessa técnica.
Do ponto de vista dos interesses globais da humanidade, a destruição dos recursos e dos
equilíbrios da biosfera é, a longo prazo, inteiramente negativa, não podendo ser justificada
pelas “vantagens” momentâneas dessa técnica, vantagens que, na melhor das hipóteses, só
beneficiam a uma minoria da humanidade. As relações sociais burguesas de produção, sob
o imperialismo, são responsáveis pela fragmentação dos conhecimentos científicos atuais e,
portanto, pelo emprego de uma tecnologia inadequada e destrutiva, que ameaça destruir o
homem socializado. A crise do meio-ambiente não reflete nenhuma fatalidade histórica, ela
não é conseqüência inevitável do "crescimento" ou da "técnica" em si. Ela exprime a crise
da humanidade, da civilização humana, devida à sobrevivência do imperialismo capitalista.
A alternativa não é entre a tecnologia atual e o retorno à Idade Média, como pretendem
muitos. A alternativa é entre a atual tecnologia destrutiva, ao serviço do capitalismo
agonizante, e uma tecnologia racional, a serviço das necessidades da humanidade. A única
alternativa real é entre a sobrevivência do imperialismo, que leva a humanidade para a
barbárie, e a revolução socialista mundial. Não ha solução puramente técnica, no quadro do
capitalismo, para esses problemas; o capitalismo é totalmente incapaz de auto-reformar-se;
o problema é mundial e reclama uma solução nessa escala; as massas devem se apropriar
do problema para resolve-lo; a sociedade resultante será uma sociedade racionalmente
gerida, sobre a base do conjunto dos conhecimentos científicos, e em função das
necessidades da humanidade, não dos interesses particulares de uma classe social
exploradora.
A defesa do meio-ambiente diz respeito à sobrevivência da humanidade no seu conjunto.
Implica em lutar contra a destruição do principal capital da humanidade, o conjunto dos
ecossistemas terrestres. O prejuízo causado a Terra pelos últimos 50 anos de
desenvolvimento capitalista é gigantesco e, em grande parte, irreversível: as espécies
extinguidas não reaparecerão, as florestas destruídas e os solos erodidos só se reconstituirão
no decorrer de séculos, assim como os equilíbrios biológicos dos rios, lagos e mares
destruídos pela poluição.
Marx, Engels e a Ecologia
Nada parece justificar a afirmação de Alain Lipietz: “Marx vê a história como uma
''artificialização'' progressiva do mundo, liberando a humanidade dos constrangimentos
externos impostos por seu inadequado domínio da natureza. Isto o leva – e aos marxistas
que seguem o seu rastro – a uma tendência em subestimar o aspecto irredutível desses
constrangimentos externos (os ecológicos, para ser mais exato). Nesse aspecto, Marx
compartilha inteiramente da ideologia bíblico-cartesiana da conquista da natureza, como

74
seria considerada em seus extremos, primeiro pela ''burguesia conquistadora'' e, depois,
pelos aprendizes de feiticeiro da Sibéria stalinista e das estepes do Cazaquistão”.102
Em livros recentes, no lugar de um Marx produtivista e cego ao desenvolvimento das forças
produtivas, surge um Marx atento as conseqüências negativas para o ambiente e a
sociedade no conjunto. Em lugar de um Marx preocupado exclusivamente pela dinâmica
social, surge um Marx que parte da evolução paralela entre a sociedade e a natureza. Em
lugar de um Marx que não teria nada a dizer sobre a crise ambiental contemporânea, surge
um Marx que poderia oferecer com o método do materialismo histórico uma alternativa ao
análise da crise ambiental. John Bellamy Foster localiza o pensamento de Marx dentro da
tradição materialista e dialética rasteada até Epicuro. Enquanto hoje os ambientalistas e
ecologistas estão buscando um método de relacionar as ciências físico naturais e as ciências
sociais, Marx tinha consciência da necessidade de seu materialismo pertencer ao "processo
da historia natural", a tese de que há uma unidade metodológica essencial entre as ciências
sociais e as naturais. A base dessa unidade está no que Marx chama de metabolismo social,
o processo social de transformação da natureza através do qual a própria sociedade humana
se transforma.103
Oferece o instrumental analítico marxista a possibilidade de compreender as dramáticas
mudanças ecológicas em andamento? O pensamento marxista elaborou-se num contexto de
grandes sínteses científicas. Elaboradas no curso do século XIX, aquelas encontraram uma
explicação exatamente na elaboração do conceito de trabalho, tanto na sua dimensão físico-
mecânica quanto na político-econômica. «Em sua construção como em seu objetivo, a
teoria mecânica do trabalho e a teoria do valor de Karl Marx são em efeito
surpreendentemente similares. O objetivo fundamental é o mesmo: encontrar uma medida
comum de valor do produto», disse François Vatin.
Verificamos, no século XIX, a confecção de sínteses que somente puderam se combinar
sob a base do grande fenômeno social e histórico que foi a Revolução Industrial. Longe de
ser um fenômeno objetivado pelos diversos fatores que a historiografia habitualmente
enumera, devemos buscar nas mudanças das relações de produção e, portanto, nas relações
sociais de trabalho, a origem dos fatos ocorridos na passagem do século XVIII ao XIX.
Para os adversários do marxismo, como o Prêmio Nobel de biologia Jacques Monod, a
dialética materialista não passaria de uma construção artificial destinada a dar um
fundamento aos objetivos políticos do marxismo, “indispensável à coerência lógica do
materialismo dialético, como os epígonos, senão os próprios Marx e Engels, bem sabiam.
Não esqueçamos, ademais, que o materialismo dialético é uma adição relativamente tardia
ao edifício sócio-econômico já erguido por Marx. Uma soma claramente destinada a fazer
do materialismo histórico uma ‘ciência’ fundada sobre as leis da própria natureza”.104
Apesar de profundamente vulgar, esta concepção se encontra amplamente difundida. Ela é
inexata inclusive no que diz respeito à cronologia da obra de Marx e Engels, que só se
adentrou no terreno socio-histórico depois de ter ajustado contas com a sua base científica

102
Alain Lipietz. Political ecology and the future of Marxism. In: Capitalism, Nature, Socialism. Nova
Iorque, 2000.
103
John Bellamy Foster. Marx's Ecology. Materialism and nature. Nova Iorque, Monthly Review Press, 2000.
104
Jacques Monod. Le Hasard et la Necessité. Paris, Seuil, 1973, p.55.

75
geral (inclusive naquilo que é coberto pelo que hoje se denomina “filosofia (ou
epistemologia) da ciência”) adotando o partido do “materialismo filosófico”.
Em O Capital, Marx não se limitou à análise das conseqüências da acumulação capitalista
para o trabalhador, mas também para o próprio meio natural: «Com o predomínio sempre
crescente da população urbana, acumulada em grandes centros, a produção capitalista
concentra, por um lado, a força motriz histórica da sociedade, mas, por outro, dificulta o
intercâmbio entre o ser humano e a natureza, isto é, o regresso à terra dos elementos do solo
gastos pelo homem na forma de meios de alimentação e vestuário, ou seja, perturba a eterna
condição natural de uma fecundidade duradoura da terra. Com isso a produção capitalista
destrói ao mesmo tempo a saúde física dos trabalhadores urbanos e a vida mental dos
trabalhadores rurais... Todo o progresso da agricultura capitalista é um progresso não
apenas da arte de depredar o trabalhador, mas também, ao mesmo tempo, da arte de
depredar o solo; todo o progresso no aumento de sua fecundidade por um determinado
prazo é ao mesmo tempo um progresso na ruína das fontes duradouras dessa fecundidade...
Por isso a produção capitalista não desenvolve a técnica e a combinação do processo social
de produção mais do que minando ao mesmo tempo as fontes das quais emana toda
riqueza: a terra e o trabalhador».
Em O Capital, obra de «ciência social», Marx já alertava sobre esse problema (a destruição
do meio natural pela anarquia produtiva do capitalismo), que seria, em nossos dias, a base
do «pensamento ecológico». É o mesmo assunto que Friedrich Engels abordou na sua obra
consagrada à «ciência natural», a Dialética da Natureza redigida em 1876, demonstrando
que para ambos pensadores a crítica do capitalismo não se alicerçava em alguma ciência
particular, mas sobre uma concepção do mundo total, que articulava tanto os
conhecimentos das ciências sociais quanto aqueles oriundos das ciências físicas e naturais.
Disse Friedrich Engels, na obra citada:
“Não nos vangloriemos demais por nossas vitórias sobre a natureza. Ela se vinga de cada uma
delas. Cada vitória traz consigo, primeiramente, os benefícios que dela esperávamos. Mas depois
ela acarreta conseqüências diferentes, imprevistas, que destroem freqüentemente inclusive os
primeiros efeitos benéficos. As pessoas que, na Mesopotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e em
outros lugares, estavam bem longe de pensar que, ao mesmo tempo, dizimaram as florestas para
ganhar terras para a lavoura, criavam as bases dos atuais desertos desses países, destruindo junto
às florestas os centros de acumulação e de conservação da umidade. Sobre o lado Sul dos Alpes, os
montanheses italianos que devastavam as florestas de coníferas, conservadas com tanto cuidado no
lado Norte, não sabiam que dessa maneira acabavam com a criação de gado da alta montanha no
seu território. Sabiam menos ainda que, com aquela prática, privavam de água as fontes de
montanha durante a maior parte do ano, e que aquelas, durante estações das chuvas, iriam
descarregar sobre as planícies torrentes mais furiosos ainda...
“E assim, os fatos nos lembram a cada passo que não reinamos sobre a Natureza, como um
conquistador reina sobre um povo estrangeiro, ou seja, como alguém que estivesse fora da
Natureza, mas que pertencemos a ela com o nosso corpo, como nosso cérebro, que estamos no seu
seio e que todo nosso domínio sobre ela reside na vantagem que possuímos, sobre o conjunto das
outras criaturas, de conhecermos as suas leis e de podermos usar esse conhecimento
judiciosamente. De fato, aprendemos cada dia a compreender mais corretamente essas leis, e a
conhecer as conseqüências naturais mais longínquas de nossas ações mais correntes na área da
produção e, em virtude desse conhecimento, de dominar essas conseqüências. Quanto mais avança
esse conhecimento, mais os homens não só sentirão, mas saberão que fazem parte de uma unidade

76
com a Natureza, e mais se tornará insustentável a idéia absurda e contra-natura da oposição entre
o espírito e a matéria, entre o Homem e a Natureza, entre a alma e o corpo, idéia que difundiu na
Europa depois do declínio da antiguidade clássica, e que conheceu com o cristianismo seu
desenvolvimento mais amplo”.105
A economia política clássica iniciou um movimento que seria concluído pelo marxismo: o
do deslocamento da atenção da troca (circulação), que tinha caracterizado o pensamento
mercantilista, para a produção, e a própria noção de modo de produção como chave de
interpretação da história humana e, a partir de certo grau de desenvolvimento histórico,
também da história natural. Materialistas, Marx e Engels sempre consideraram a história
humana como parte da história natural. As diversas formações sócio-econômicas que se
sucedem historicamente “são diversos modos de auto-mediação da natureza. Desdobrada
em homem e material a ser trabalhado, a natureza está sempre em si mesma apesar desse
desdobramento”.106 Ao mesmo tempo, Marx era ciente de que, pelo seu caráter
tendencialmente mundial, o modo de produção capitalista mudava qualitativamente as
relações homem-natureza. Na sua obra-prima, notou: «O capital eleva-se a um nível tal que
faz todas as sociedades anteriores aparecerem como desenvolvimentos puramente locais da
humanidade, e como uma idolatria da natureza... e a natureza se converte em objeto para o
homem, em coisa útil».
Pelo seu caráter mundial e pelo seu caráter contraditório, o capitalismo colocava,
teoricamente, a possibilidade de uma crise global nas relações homem-natureza. Em A
Ideologia Alemã, Marx adiantou: «No desenvolvimento das forças produtivas, se produz
um estágio em que nascem forças produtivas e meios de circulação que não podem senão
ser nefastos no quadro das relações de produção existentes, e que já não são forças
produtivas, mas forças destrutivas (o maquinismo e o dinheiro). Fato ligado ao precedente,
também nasce uma classe que suporta todas as cargas da sociedade, sem gozar das suas
vantagens, que é expulsa da sociedade e que se encontra forçada à oposição mais aberta às
outras classes, uma classe da qual fazem parte a maioria dos membros da sociedade e onde
surge a consciência da necessidade de uma revolução radical, que é a consciência
comunista que, bem entendido, pode se formar também nas outras classes quando vêem a
situação dessa classe».
Se a perspectiva concreta de uma crise ecológica estava inscrita no desenvolvimento
capitalista, também era claro que o próprio desenvolvimento das forças produtivas fornecia
as bases para a sua superação. No texto já citado, Engels colocava que «também nesse
campo, só conseguimos adquirir gradualmente uma visão clara dos efeitos sociais indiretos,
remotos, de nossa atividade produtiva, através de uma experiência longa e freqüentemente
dura, e através da obtenção e do crivo do material histórico, e assim nos é possível dominar
também estes efeitos. Mas, para realizar esta regulamentação se necessita algo mais que o
mero conhecimento. Requere-se uma alteração total do modo de produção que temos
seguido até hoje e, com ele, de toda nossa atual ordem social em seu conjunto». Marx já
tinha notado que «as culturas que se desenvolvem desordenadamente e não são dirigidas
conscientemente, deixam desertos na sua passagem».

105
Friedrich Engels. Dialectics of Nature. Moscou, Progress Publishers, 1966.
106
Alfred Schmidt. El Concepto de Naturaleza em Marx. México, Siglo XXI, 1976, p. 87.

77
O capitalismo não fugia a essa regra. Em O Capital, Marx declarava que «em Londres, a
economia capitalista não achou melhor destino para o adubo procedente de quatro milhões
de homens que utilizá-lo, com gastos gigantescos, em transformar o Tâmisa num foco
pestilento». Se Marx já constatou a degradação urbana provocada pelo capitalismo
industrial, também foi partidário da reciclagem dos resíduos industriais, no texto citado:
«Com trabalho em grande escala e o aperfeiçoamento da maquinaria, as matérias-primas
que na sua atual forma não são aproveitáveis, poderão transformar-se para serem aptas para
a nova produção. É necessário que a ciência, em espacial a química, realize progressos para
descobrir as propriedades úteis dos desperdícios».
A característica da era atual consiste em que as tendências destrutivas do capitalismo, já
apontadas por Marx, operam agora numa escala global, desnudando o anacronismo
histórico da sobrevivência desse modo de produção da vida social, e a necessidade da sua
substituição por um novo regime social, baseado na propriedade social dos meios de
produção, o comunismo.
Marxismo e Ciência
Se, para Marx, o progresso científico era parte do progresso social geral, era impossível
considerá-lo em si, senão imerso no quadro das relações sociais imperantes, constituindo
com elas um todo orgânico. Objetivamente, isto é admitido até pelos representantes da
ciência “pura”, que não podem evitar a penetração das relações sociais nos seus gabinetes
de pesquisa. É famosa a frase inicial de um importante texto de um dos mais famosos
físicos do século XX: “Quando se fala hoje em física, o primeiro pensamento vai para as
armas atômicas”.107
O que os cientistas pensam hoje como “influência da política na ciência”, era pensado por
Marx e Engels como “unidade da ciência”. Isto não significa que a teoria marxista possa ser
desqualificada devido às limitações do conhecimento científico do século XIX, pois foi o
próprio Marx quem se opôs ao transporte da “organicidade material” para o âmbito da
história humana, rebatendo por antecipado as críticas ao marxismo por “darwinismo”, e
criticando por adiantado as concepções organicistas de um Oswald Spengler ou Arnold
Toynbee: “As falhas do materialismo abstrato fundado sobre as ciências naturais, excluindo
o processo histórico, são logo percebidas quando nos detemos nas concepções abstratas e
ideológicas de seus porta-vozes, sempre que se aventuram a ultrapassar os limites da sua
especialidade”. 108
A dialética materialista não foi apenas filha da grandiosa filosofia especulativa arrematada
por Hegel, da economia política inglesa e do socialismo utópico francês, mas também da
enorme revolução científica provocada pelo desenvolvimento do capitalismo e da revolução
democrática, e não como uma justaposição abstrata de todos esses elementos, mas como
uma nova síntese superadora que, no mesmo momento em que se desenvolve a
fragmentação das ciências que conhecemos atualmente, recobra a unidade das ciências
próprias da antiguidade clássica, na base dos enormes avanços científicos propiciados pelo
avanço das ciências.

107
Werner Heisenberg. Physique et Philosophie. Paris, Albin Michel, 1971, p. 9.
108
Karl Marx. O Capital. Vol. 1, Livro I, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 425.

78
“A ciência da história se inscreve no grandioso processo de extensão da cientificidade.
Mais ainda, converge com os grandes descobrimentos do século em razão de que a
constituição da ciência da história é contemporânea do progresso fundamental das ciências
da natureza no século XIX, de sua integração na dimensão temporal, de sua historicização:
cosmologia racional, teoria das formas da energia, teoria celular, teoria da evolução.
Portanto, toda ciência é realista e materialista, mas implica uma forma de materialismo
incompatível com a forma mecanicista dominante desde o século XVIII, desautorizada
pelos progressos do XIX, que implicam todos a integração do tempo. Trata-se na nova
biologia (Darwin), da nova energética (R. Mayer) ou da ciência das sociedades (Marx
confirmado por Morgan enquanto às sociedades primitivas), o racionalismo científico
caminha, na realidade, ao longo de uma mesma frente, mas de uma frente com duas
vertentes, anti-idealista e anti-mecanicista”.109
“Superação” não significa a eliminação da divisão do trabalho científico, mas a sua
conservação numa unidade superior. Diversos autores acusem o marxismo de
“reducionista”, quando foram os autores marxistas os que se empenharam em defender e
conservar a especificidade do método científico para cada área diferenciada do
conhecimento: “(Não é possível dizer) que cada fenômeno social é diretamente reduzível à
fisiologia e logo às leis da química e da mecânica. Pode-se dizer que este é o supremo fim
da ciência. Mas o método de aproximação gradual e contínua a esse objeto é
completamente diferente. A química tem a sua maneira especial de se aproximar da
matéria; seus próprios métodos de investigação, as suas próprias leis. Igualmente, sem o
conhecimento de que as reações químicas são reduzíveis em última análise às propriedades
mecânicas das partículas elementares da matéria, não há nem pode haver uma filosofia
acabada que una todos os fenômenos de um só sistema, assim, por outro lado, o mero
conhecimento de que os fenômenos químicos se fundamentam na mecânica e na física não
proporciona em si a chave de nenhuma reação química.
“A química tem as suas próprias chaves. Pode-se escolher entre elas apenas pela
generalização e experimentação, através do laboratório químico, de hipóteses e teorias
químicas. Isto é aplicável a todas as ciências. A química é um poderoso pilar da fisiologia
com a qual está diretamente relacionada através dos canais da química orgânica e
fisiológica. Mas a química não é um substituto da fisiologia. Cada ciência descansa sobre as
leis de outras ciências somente naquilo que se chama de instância final. Mas ao mesmo
tempo, a separação das ciências, umas das outras, está determinada, precisamente, pelo fato
de que cada ciência abarca um campo particular de fenômenos, isto é, um campo de tais
complexas combinações de fenômenos elementares que se requer uma aproximação
especial, uma técnica de investigação especial, hipóteses e métodos especiais”.110
A ilusão de um “método científico único” está na base da crítica de Karl Popper à teoria
marxista, para a qual pretendem aplicar o mesmo teste de verificação próprio das ciências
exatas e naturais (isto sim é reducionismo). Na verdade, a “filosofia da ciência” vive
tropeçando desde o seu nascedouro com a ilusão do estabelecimento desse “método único”,
o que significaria a redução da toda realidade à ciência, e a substituição da “unidade das
109
André Tosel. La eleboración de la filosofia marxista por Engels e Lenin. In: Yves Belaval. Las Filosofias
Nacionales. Siglos XIX e XX. México, Siglo XXI, 1986, p. 292.
110
Leon Trotsky. La ciencia natural y el marxismo. Literatura y Revolución, Buenos Aires, El Yunque, 1974,
p. 270.

79
ciências” pela “ciência única”, cuja impossibilidade se verifica, justamente, no conceito de
método.
“A fim de chegar a este conceito unívoco, tanto filósofos quanto historiadores do método
científico tiveram que selecionar um aspecto particular do procedimento científico:
observação dos fatos, indução, experimentação, medição e dedução matemática, postulação
hipotética, predição, e possivelmente verificação e falsificação. Tentar um conceito unívoco
abarca necessariamente a exclusão de outros elementos essenciais, e a real tragédia desta
univocidade, no entanto, não reside nem na exclusão de uma determinada característica
particular - posto que o elemento abandonado acaba reaparecendo, resgatado por algum
outro autor - nem na própria perda do conceito de método”.111
Com seu método dialético-materialista, Marx e Engels não pretenderam unificar
abstratamente as diversas ciências, e os métodos específicos de cada uma delas. Ao
contrário, esse método consiste na superação da velha concepção filosófico idealista
(herdada do pensamento grego) que considera a filosofia como “mãe” de todas as ciências,
seja porque estas são derivadas daquela, seja porque aquela generaliza no plano da
abstração os resultados concretos destas. Esta concepção refletia, no pensamento, a escassa
divisão social do trabalho existente nas sociedades pré-capitalistas (pelo menos se
comparada com aquela existente na sociedade burguesa).
A Revolução Industrial, o desenvolvimento do capitalismo, fez explodir a base material
dessa concepção: “Nos períodos anteriores havia íntima relação entre ciência e filosofia,
ambas não se distinguiam muito bem (caso da Idade Média, quando elas eram
identificadas), ou a relação era óbvia (nos grandes sistemas filosóficos do século XVII, a
ciência tinha um papel de dependência). No século XVIII é que vamos encontrar a
separação entre elas, pelo menos na formulação de seus problemas. Este é o século das
especificações de várias disciplinas científicas, das especializações. Depois do século XIX
e, sobretudo, no nosso século, encontramos uma separação radical entre ciência e filosofia,
pelo menos numa visão superficial, pois se olharmos com o devido cuidado e profundidade,
veremos que suas relações são muito mais fortes daquilo que aparece ou é proclamado”. 112
O último grande sistema filosófico especulativo, o sistema hegeliano, ainda impregnado
(devido ao escasso desenvolvimento do capitalismo no seu berço histórico) da velha
filosofia pré-capitalista, levou até suas últimas conseqüências metodológicas o
desenvolvimento filosófico anterior, criando o moderno método dialético, mais ainda
persistindo na inversão idealista das relações entre ciência e filosofia, reflexo, na verdade,
da própria inversão idealista da realidade tout court (ou, nas palavras de Marx, o método
dialético ainda “de pernas para o ar”).
Segundo Robert Havemann, físico e marxista alemão, “foi exatamente por esse motivo que
Hegel fez que sua filosofia fosse mal vista pelos cientistas. Ele se imiscuía em todas as
ciências, a partir de seu sistema da lógica dialética. O que resultava daí era, na maioria das
vezes, realmente ridículo. Na melhor das hipóteses, tratava-se de uma reprodução muito
superficial das concepções científicas de seu tempo. Jamais conseguiu ele ir além daquilo a
que a própria ciência já havia chegado. Ao contrário, as tentativas de aplicação de sua
111
James A. Weisheipl. La Teoria Física en la Edad Media. Buenos Aires, Columba, 1967, p. 117.
112
Michel Paty. Ciência, filosofia e sociedade. In: Osvaldo Coggiola. A Revolução Francesa e seu Impacto na
América Latina. São Paulo, Edusp-CNPq, 1990, p. 95.

80
lógica na maior parte dos campos levavam a absurdos conceituais. Foi por isso que esse
grande pensador dialético não pôde ser de qualquer proveito para as ciências naturais. Suas
concepções e manifestações foram finalmente consideradas como inúteis e dispensáveis
pela maioria dos cientistas da natureza.
“Em verdade, a dialética só pode ser apreendida concretamente. Quando separamos a
dialética de seu concretismo e a transformamos em uma formalística abstrata, ela passa a
ser um esquema inócuo. Petrifica-se em um sistema que, além do mais, se apresenta como o
que há de mais universal, significativo e profundo que o espírito humano pode atingir.
Isolada da realidade, a dialética deixa de sê-lo. Isolada da realidade, a dialética se
transforma em disputa gratuita sob a forma de contradições absurdas, fantásticas e sem
sentido. Tal dialética evidentemente não pode ser materialista”.113
De acordo com Marx, em O Capital, “meu próprio método dialético é não só
fundamentalmente diferente do hegeliano, mas inclusive seu oposto. Para Hegel, o processo
do pensamento (que ele transforma em objeto independente, dando-lhe o nome de idéia) é o
criador do real. Para ele, o real é somente a manifestação exterior da idéia. No meu
enfoque, pelo contrário, o ideal não é senão o material, transferido e transposto na mente
humana”.
Materialismo e Filosofia da Ciência
A tendência para a fragmentação da ciência, desde então, reflete de maneira inconsciente a
própria tendência para a fragmentação da produção, para o crescimento desordenado da
divisão social (capitalista) do trabalho. Isto não significa a emancipação da ciência da
filosofia, mas a sua posta ao serviço da pior das filosofias, a sua submissão às “idéias
dominantes de uma época” (as idéias da classe dominante), submissão que será consagrada
“filosoficamente” pelo positivismo francês (ou pelo utilitarismo norte-americano). Como
diz o autor já citado, “todo cientista, mesmo quando trata de problemas de sua
especialidade, é sempre orientado por determinadas concepções filosóficas... Os cientistas
são sempre escravos de determinada filosofia; quanto mais atacam a filosofia, tanto mais se
transformam em escravos das filosofias mais atrasadas e mais limitadas. É preciso que se
tenha clareza de que sempre se pensa ‘filosoficamente’”.
Ao se ocupar das ciências exatas e naturais, Marx e Engels não pretendiam “impor” seu
método a elas, mas provar que os seus resultados verificavam a vigência do método no
próprio desenvolvimento material, e assim poder apontar os caminhos do seu futuro
desenvolvimento. É o que apontam os compiladores russos dos escritos de Marx e Engels
sobre as matemáticas: “Marx não dispunha ainda das estritas definições dos conceitos
fundamentais da análise matemática características da análise contemporânea. À primeira
vista, o conteúdo de seus manuscritos pode parecer periclitante, sem sair do marco que
Lagrange já conhecia em finais do século XVIII. Efetivamente, a tendência fundamental
que caracteriza os manuscritos de Marx continua revestindo uma significação real em nova
época. Marx desconhecia a atual definição rigorosa das noções de números reais, de limite
e de continuidade. Mas, aparentemente, ainda no caso de tê-las conhecido, ditas definições

113
Robert Havemann. Dialética sem Dogma. Rio de Janeiro, Zahar, 1967, p. 164.

81
não o teriam satisfeito. Marx busca um processo ‘real’ de descobrimento da função
derivada”. 114
Marx e Engels não pretendiam revolucionar as ciências de sua época, mas demonstrar que
todo o seu desenvolvimento progressivo devia refletir o movimento dialético da realidade.
Por isso Engels viu em Descartes e nas “magnitudes variáveis” o ingresso da dialética nas
matemáticas: refletia um processo necessário de desenvolvimento científico. A dialética
materialista não se fundava, portanto, numa arbitrariedade especulativa. Invertendo
(superando) Hegel, Engels afirma que “a unidade do mundo consiste na sua materialidade”.
Daí que seja decisivo estabelecer a “dialética da natureza”, responsável pelo suposto
“materialismo naturalista” de Engels: trata-se do ponto crucial da ruptura do marxismo com
a filosofia especulativa, aí incluída a hegeliana, e sua não menos especulativa “filosofia da
natureza”. Sem o estabelecimento de suas grandes linhas, a ruptura com a metafísica
especulativa teria ficado incompleta, e a tarefa de expô-la coube inteiramente a Engels. A
dialética da natureza não é uma espécie de “hipótese Gaia” primitiva, personificando a
natureza e “naturalizando” a sociedade humana.115
Engels definiu a dialética em contraste à metafísica, como “a ciência das interconexões”.
Ele condensa essas formas de interconexão em três leis: a lei da transformação da
quantidade em qualidade, a lei da interpenetração dos opostas, e a lei da negação da
negação. Mas, como ele enfatiza em Feuerbach, “já não é mais uma questão de inverter
interconexões, mas sim de descobri-las nos fatos”. Em Dialética da Natureza, Engels diz
que o erro de Hegel “reside no fato de estas leis estarem impostas à natureza e à história
como leis do pensamento, e não deduzidas das mesmas. Esta é a fonte de todo o seu
tratamento forçado e até mesmo forjado... se invertermos a coisa, tudo se torna simples e as
leis dialéticas que aparecem de forma tão misteriosa na filosofia idealista, imediatamente
ficam simples e claras como a luz do dia”. Ou, no Anti-Dühring, elas revelam “um processo
que ocorre todo dia e a toda hora do dia, que qualquer criança pode compreender”.
No que concerne às ciências naturais, Engels disse, em Dialética da Natureza, que “linhas
rígidas e rápidas são incompatíveis com a teoria da evolução... o velho método metafísico
não serve mais para um estágio da visão da natureza em que todas as diferenças são
fundidas em degraus intermediários, e todos os opostos se penetram mutuamente por
ligações imediatas. A dialética, que dessa forma não conhece linhas rígidas e rápidas,
nenhuma validez universal e incondicional... e reconcilia os opostos, é o único método de
pensamento apropriado no mais alto grau a este estágio”. Resumindo, a dialética, como ele
a descreve em Feuerbach, é aquele “grande pensamento básico de que o mundo não deve
ser compreendido como um complexo de coisas já prontas, mas como um complexo de
processos, onde o aparentemente estável, assim como a imagem que temos dele, os
conceitos, sofrem um processo ininterrupto de vir a ser e deixar de ser, onde, apesar de tudo
parecer acidental, há um desenvolvimento fundamental que se impõe no final”.
A dialética materialista não é “filosofia da ciência”, mas um método que integra e supera
(vale dizer, não elimina) os métodos particulares de cada ciência. O grande arqueólogo

114
K. Marx e F. Engels. Cartas sobre las Ciencias de la Naturaleza y las Matemáticas, Barcelona, Anagrama,
1975, p. 141.
115
“Gaia”, por outro lado, não passa de uma hipótese, como o reconhecem os seus melhores expositores. Cf.
Elisabeth Satouris. Gaia: the Human Journey from Chaos to Cosmos. Nova Iorque, Simon & Schuster, 1989.

82
australiano Vere Gordon Childe demonstrou, em sua extensa obra, que os estágios
primários da sociedade humana só se deixam compreender considerando a história humana
como parte da história natural, e não o contrário. A questão do método dialético se
manifestou com especial força no terreno da biologia, talvez pelas razões apontadas por
Marcel Prenant: “Um físico não teria dificuldades em encontrar casos em que o pensamento
dialético lhe é indispensável. Também não as teria para casos em que o pensamento lógico
seria suficiente. Que significa isto senão que ele lida, com frequência, com objetos
relativamente estáveis? Não acontece o mesmo no domínio das ciências biológicas e
humanas, porque a vida é, em grande medida, instabilidade”. 116
Dialética e Evolução Biológica
O próprio princípio da biologia é dialético, pois a própria vida implica necessariamente
movimento (mors imortalis, o princípio mesmo da dialética, que só reconhece o movimento
como absoluto e invariável). Como afirma em A Cinética do Desenvolvimento, o biologista
Fauré-Frémiet: “Apesar de algumas aparências, pode-se dizer que não existe estabilidade
compatível com a vida e que a idéia de desenvolvimento, incluídas as diversas noções de
transformação, variação ou evolução, é inseparável da idéia de organização ou de ser vivo”.
De maneira ainda mais direta, o conhecido biologista contemporâneo Stephen Jay Gould
reconheceu explicitamente a importância da principio materialista estabelecido por Engels
no seu artigo sobre O Papel da Mão na Transformação do Macaco em Homem para a
análise do surgimento da espécie humana: “A importância do ensaio de Engels está não nas
suas conclusões substanciais, mas sim na sua aguçada análise política do movimento pelo
qual a ciência se achava tão apegada à asserção a priori da primazia cerebral”.
À medida que os seres humanos aprenderam a dominar seu ambiente, diz Engels, foram
acrescentando outras habilidade à caça primitiva - a agricultura, a tecelagem, a cerâmica, a
navegação, as artes e as ciências, as leis e a política e, finalmente, “a fantástica reflexão das
coisas humanas na mente humana: a religião”. Com o acúmulo de riquezas, pequenos
grupos tomaram o poder e forçaram outros a trabalhar para eles. O trabalho, a fonte de toda
a riqueza e o impulso primeiro para a evolução humana, adquiriu o mesmo baixo status
daqueles que trabalhavam para os dirigentes. Já que os dirigentes governavam pela vontade
(vale dizer, por feitos da mente), as ações do cérebro pareceram ter um poder propulsor
próprio. A filosofia não perseguiu um ideal de verdade imaculado. Os filósofos dependiam
do patrocínio do Estado ou da Igreja.
Mesmo que Platão não tenha conspirado conscientemente para proteger os privilégios dos
dirigentes com uma filosofia supostamente abstrata, sua própria posição e classe encorajou
uma ênfase no pensamento, considerado mais importante e dominador e muito mais nobre
que o trabalho que supervisionava. Essa tradição idealista dominou a filosofia até os dias de
Darwin. Sua influência foi tão sutil e penetrante que mesmo materialistas científicos como
Darwin sucumbiram na sua esteira. Um preconceito precisa ser reconhecido primeiro para
depois ser desafiado. A primazia do cérebro parecia tão óbvia e natural que foi antes aceita
como um dado, do que reconhecida como um preconceito relacionado à posição e classe
dos pensadores profissionais e seus patronos.

116
Marcel Prenant. Biologie et Marxisme. Paris, ESI, 1937, p. 79.

83
Engels escrevia: “Todo o mérito do rápido avanço da civilização foi atribuído à mente, ao
desenvolvimento e à atividade do cérebro. Os homens se acostumaram a explicar suas
ações por seus pensamentos, e não por suas necessidades... E assim, no decorrer do tempo,
surgiu aquela visão idealista do mundo, a qual, especialmente desde a queda do mundo
antigo, vem dominando as mentes dos seres humanos. E domina-os a tal ponto ainda hoje
que mesmo o mais materialista dos cientistas da escola de Darwin continua incapaz de fazer
uma idéia clara das origens do homem, pois, sob essa influência ideológica, não reconhece
o papel que o trabalho representou nisso tudo”.
Do que Stephen Jay Gould concluiu: “De fato, o tema de Engels da separação entre cabeça
e mão contribuiu bastante para estabelecer e limitar o trajeto da ciência por toda a história.
A ciência acadêmica em particular tem sido regida por um ideal de pesquisa ‘pura’ que,
tempos atrás, impediu que os cientistas realizassem experimentos extensos e testes
empíricos. Mesmo hoje em dia, pesquisadores ‘puros’ tendem a depreciar a prática. Se
levássemos a sério a mensagem de Engels e reconhecêssemos nossa crença na
superioridade da pesquisa pura pelo que ela é - ou seja, preconceito social - talvez
conseguíssemos promover entre os cientistas a união entre a teoria e a prática de que um
mundo perigosamente à beira do abismo como o nosso necessita com tanto desespero”.117
A questão “prática” (isto é, social) interfere diretamente com a pesquisa pura, inclusive nos
campos mais avançados, como é o caso da genética e da biologia molecular, cujas
descobertas e possibilidades práticas se vêem diretamente afetadas pelos interesses da
classe prevalecente: “O DNA também pode suscitar delicados dilemas éticos e sociais. Para
Paul Billings, da Universidade de Stanford, que documentou centenas de casos de recusa de
emprego ou de benefícios da previdência social devido 'à composição genética de uma
pessoa', esse tipo de discriminação já é um problema”. 118
A validade do método materialista-dialético nas questões “científicas” não se restringe,
porém, como parecia pensar Stephen Jay Gould, a chamar a atenção para o fato de que “os
cientistas, como todos os seres humanos, refletem inconscientemente em suas teorias, as
restrições políticas e sociais da sua época”. Ele permite também antecipar, em linhas gerais,
os resultados que serão atingidos por ciências particulares, como notou Valentino
Gerratana: “Marx e Engels não tiveram que esperar Darwin para conceber um
desenvolvimento histórico e antiteleológico da natureza em relação à sua concepção
materialista da história. A própria idéia da evolução das espécies animais - uma idéia que,
como se sabe, não foi Darwin o primeiro a formular - não era em absoluto alheia às esferas
de interesse daqueles antes de 1859”.119
Marxismo e Previsão Científica
Nas ciências biológicas, há teorias mais modernas sobre a formação dos seres, como a de
Henri Atlan sobre a organização dos seres vivos, a de Renée Thom, sobre a morfogênese
biológica, e a de Jacques Monod, sobre uma filosofia natural da biologia, onde afirma que a
natureza não obedece à lógica dialética, mas ao cálculo de probabilidades. Devemos

117
Stephen J. Gould. Darwin e os Grandes Enigmas da Vida. São Paulo, Martins Fontes, 1992, pp. 209-210.
118
Stephen S. Hall. Uma Nova Biologia. São Paulo, OESP, 1995, p. 9.
119
Valentino Gerratana. Investigaciones sobre la Historia del Marxismo. Barcelona, Grijalbo, 1975, vol. I, p.
101.

84
também mencionar os trabalhos do biólogo e marxista inglês J. B. S. Haldane, quem em seu
prólogo à edição inglesa da Dialética da Natureza, escreveu: “O marxismo considera a
ciência sob dois aspectos. Em primeiro lugar, os marxistas estudam a ciência entre as outras
atividades humanas. Eles mostram como a atividade científica de uma sociedade depende
da evolução de suas necessidades e, portanto, de seus métodos de produção, que a ciência
por sua vez modifica, assim como a evolução de suas necessidades.
“Mas em segundo lugar, Marx e Engels não se limitavam a analisar as modificações da
sociedade. Na Dialética, eles descobrem as leis gerais da mudança, não apenas na
sociedade e no pensamento humano, mas no mundo exterior, refletido pelo pensamento
humano. O que significa dizer que a dialética pode ser aplicada a problemas de ciência
‘pura’ assim como às relações sociais da ciência”.
O princípio dialético-material, exposto por Engels, rompeu antecipadamente com a matriz
principal do pensamento científico do século XIX, embora essa matriz fosse ainda capaz de
abrigar, durante todo um período, o progresso científico: “Por diversificados nos seus
objetivos que tenham sido os pensamentos de Laplace, de Claude de Bernard, de Berthelot,
de Henri Poincaré, eles refletiam a inspiração comum a todo o pensamento do século XIX,
que é o determinismo. Parece indiscutível e evidente que um acontecimento seja
causalmente determinado se ele puder ser seguramente predito e se condições causais
idênticas determinarem o mesmo efeito. Portanto, à medida que o conhecimento se
alargasse, o campo do desconhecido diminuiria pouco a pouco; no limite, o acesso às
causas primeiras revelaria a coesão das leis universais com a harmonia de um universo no
qual o homem não passaria de um elemento entre outros, dependente da simples adaptação
das leis gerais ao seu caso particular.
“As leis da natureza são universais, imutáveis, independentes de qualquer circunstância
tanto de cronologia como de lugar; mais ainda, são válidas, diferindo apenas na escala, em
todos os campos da natureza, desde o universo astronômico ao átomo. O homem pode
acalentar o sonho de as penetrar. A essa concepção acresciam várias noções intuitivas; as
trocas de energia entre as radiações e a matéria interpretam-se pelos raciocínios de
termodinâmica baseados na continuidade e isso também se verifica no caso das quantidades
infinitesimais; o espaço, o tempo, continuam a ser parâmetros de referência dos fenômenos
físicos. O desenvolvimento dessas noções, iniciado em 1900 com os quanta de Planck,
prosseguiu a partir de 1905 com os fotões de Einstein e com a relatividade restrita”.120
Léon Trotsky assinalou, no início dos anos 20, no seu artigo, Radio, Ciência, Técnica e
Sociedade, que “o fenômeno da radioatividade nos está levando ao problema da liberação
da energia intra-atômica. O átomo contém em si próprio uma poderosa energia oculta e a
maior tarefa da física consiste em extrai-la afastando os impedimentos de tal modo que
possa fluir livremente como numa fonte. Nessas condições se abrirá a possibilidade de
substituir o carvão e o petróleo pela energia atômica, que também se transformaria na força
motriz básica. Esta não é uma tarefa sem esperança.
“E que perspectivas ela nos abre! Apenas isto nos dá o direito de declarar que o pensamento
científico e técnico está se aproximando de um ponto culminante, que a época
revolucionária no desenvolvimento da sociedade humana está acompanhada por uma época

120
Pierre Pizon. O Átomo e a História. Porto, Afrontamento, 1975, p. 133.

85
revolucionária na esfera do conhecimento e do domínio da matéria”. A genialidade da
antecipação não fica ofuscada pelo fato de Trotsky não prever que, com a sobrevida do
capitalismo, o principal uso da energia atômica teria fins militares (as bombas).
Todo o desenvolvimento científico apontou para o questionamento da perspectiva de uma
“teoria única”, e final, que explicasse toda a realidade (e que só poderia ser explicada por
Deus), e que pusesse um limite ao conhecimento científico. O físico e epistemólogo Paul
Feyerabend assinala o fato de que as duas revoluções científicas do século (a mecânica
quântica e a teoria da relatividade), que a princípio apareciam como “simples correções à
mecânica clássica”, perderam seu caráter absoluto a partir das transformações das partículas
elementares, processo para o qual emprega o significativo termo de “se historicizarem”.
Ele situou esse processo dentro de um contexto mais geral: “Naquilo que toca a matéria, os
atomistas gregos nos legaram um projeto: tentar conciliar a permanência e a mudança. Daí
a idéia de combinações temporárias de elementos permanentes: átomos e moléculas de
ontem, partículas elementares de hoje. Uma das descobertas fundamentais das últimas
décadas é justamente aquela da instabilidade de partículas elementares. Se as experiências
em curso se revelam positivas, seria necessário concluir que o projeto atomista, fecundo
como tem sido, chega hoje a seus limites”.121
Estamos aqui bem longe da vulgata pseudo-marxista stalinista (o chamado dia-mat) que
pretendeu encerrar todo o desenvolvimento científico ulterior dentro dos parâmetros
estabelecidos por Marx e Engels, com base nos resultados científicos de sua época. 122 Isto
equivale a negar o próprio princípio dialético do desenvolvimento científico, ou como
afirma um marxista, “se a forma de evolução de um sistema retroativo complexo é
dialética, e se as nossas ciências constituem sistema retroativos complexos, a forma de
evolução das ciências deve ser dialética”.123
Nos seus Cadernos Filosóficos, Lênin colocou que “a continuação da obra de Hegel e Marx
deve consistir na elaboração dialética da história do pensamento humano, da ciência e da
técnica”. O affaire do “biólogo” Lyssenko, a negação dos princípios da evolução e da
transformação genéticas de Mendel, foi apenas exemplar: também a teoria da relatividade, a
mecânica quântica e até a psicanálise foram declaradas “ideologias reacionárias burguesas”
(de base idealista) e banidas do curriculum, impondo um retrocesso histórico à ciência
soviética, sob pretexto de construir a “ciência socialista num país só”, talvez o aspecto mais
grotesco desta ideologia reacionária.
Os mais recentes desenvolvimentos em história da ciência provam que na sua base
encontram-se as crises, motivadas duplamente pela contradição da ciência acumulada com
a realidade e consigo mesma, da qual nascem as “revoluções científicas”.124

121
Entrevista com Paul Feyerabend. In: Christian Descamps. Idées Contemporaines. Paris, La Découverte-Le
Monde, 1984, p. 60. Cf. também: Paul Feyerabend. Against Method. Minneapolis, University of Minnesota,
1970.
122
Cf. por exemplo: Igor S. Kon et al. El Desarrollo en la Naturaleza y en la Sociedad. Buenos Aires, Platina,
1971: tentativa de demonstrar que o conjunto do desesvolvimento científico ulterior já está contido em Marx e
Engels, estabelecendo três tipos de leis: as da matéria inorgânica, as da matéria orgânica, e as da sociedade.
123
Leo Apostel. Materialismo Dialettico e Metodo Scientifico. Torino, Einaudi, 1968, p. 47.
124
Cf. Thomas S. Kuhn. A Estrutura das Revoluções Científicas, São Paulo, Perspectiva, 1975. De acordo
com Jacqueline Russ, “a crise representa assim o prelúdio que permite a constituição de um novo modelo e a

86
A aparência desse desenvolvimento tende a ocultar tanto a sua dialética interna quanto a
sua interação com a realidade: “Para o progresso da ciência são tão importantes as longas
cadeias de investigação quanto os pontos de ruptura por descobrimentos de crucial
importância, mas enquanto os primeiros são em sua maioria fruto do esforço de espíritos
com consciência mais comum porém esforçados, os últimos vão unidos em geral ao nome
dos grandes cientistas. Esse fato conduziu a uma concepção da ciência em que esta aparece
unicamente como fruto do trabalho desses grandes homens, ficando amplamente à margem,
portanto, do efeito dos fatores econômicos e sociais”.125
A interação com a realidade está determinada pela própria natureza do conhecimento
científico, determinado, segundo Trotsky, pela “necessidade de conhecer a natureza, que se
impõe aos homens pela necessidade de subordinar a própria natureza”. O próprio Bertrand
Russell reconheceu esse ponto ao afirmar que “o pensamento científico é, antes do mais,
pensamento-potência, isto é, pensamento cujo objetivo, consciente ou não, é dotar seu
possuidor de um poder”.126
A crise como motor do desenvolvimento científico está no nascedouro da física moderna:
“A ‘crise’ do materialismo mecanicista assinalou o fim de uma forma de aliança entre física
e filosofia, que se havia revelado profícua no século XVII e ainda nas primeiras décadas do
século XIX. A física assumiu então uma função de vanguarda, investigando a estrutura
daqueles conceitos de objeto e de matéria que o mecanicismo apresentara como simples e
fundamentais e que, no entanto, se mostravam cada vez mais complexos”.127 No seu ponto
culminante, a teoria da relatividade, encontramos a crise no seu sentido dialético, isto é,
superação através da conservação-negação do acumulado no passado: “A melhor maneira
de compreender a inovação de Einstein consiste em superpor os dois aspectos: considerar a
descontinuidade da sua orientação metodológica dentro de um desenvolvimento
historicamente continuo”.128
Mas a “realidade” não é neutra: está dividida entre interesses de classe irreconciliáveis,
onde a pressão imediata é exercida pelos interesses das classes dominantes. Sob o
capitalismo, essa contradição determina o vetor do conhecimento científico: “Quanto mais
a ciência descobre sobre a matéria, tanto mais se descobrem propriedades ‘inesperadas’ e
com maior zelo trata o decadente pensamento filosófico da burguesia de utilizar as novas
propriedades ou manifestações para demonstrar que a matéria não é matéria. O progresso

reconstrução de todo um setor (no caso, a visão do universo) sobre novos fundamentos. A partir daí, Kuhn
está apto a definir uma revolução científica, como passagem de um antigo a um novo paradigma, passagem
irredutível a um episódio cumulativo de desenvolvimento. Surge, com Kuhn, uma imagem inédita da ciência,
descontínua, rica em rupturas e crises” (La Marche des Idées Contemporaines. Paris, Armand Colin, 1994, p.
225).
125
John D. Bernal. Historia Social de la Ciencia. Barcelona, Península, 1973, p. 43.
126
Bertrand Russell. L’Esprit Scientifique et la Science dans le Monde Moderne. Paris, J. B. Janin, 1947, p.
81.
127
Mauro Ceruti. O materialismo dialético e a ciência. In Eric J. Hobsbawm. História do Marxismo. Vol. 9,
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 339.
128
Gerald Holton. La Imaginación Científica. México, FCE, 1985, p. 32.

87
da ciência natural pelo domínio da matéria é paralelo à luta filosófica contra o
materialismo”. 129
Poluição e Biodiversidade
A crise ecológica do planeta, hoje evidente e alarmante, é produto e reflexo da
decomposição do capitalismo imperialista, que não só é um entrave para o desenvolvimento
das forças produtivas da humanidade, mas também um fator direto de destruição de todas
as conquistas da civilização humana. A produção orientada pelo interesse privado
capitalista (o lucro), não de acordo com as necessidades sociais, levou a utilização de
técnicas cada vez mais "rentáveis" e cada vez mais destruidoras do meio-ambiente (uso
indiscriminado da energia atômica e dos derivados do petróleo). A tabela dos maiores
emissores de dióxido de carbono (em milhares de toneladas anuais) é a seguinte:
1 Estados Unidos da América 1528796
2 China (continental) 761586
3 Federação Russa 391664
4 Japão 323281
5 Índia 292265
6 Alemanha 214386
7 Reino Unido 154979
8 Canadá 118957
9 Itália (incluindo San Marino) 116859
10 República da Coréia 116543
11 México 115713
12 Arábia Saudita 102168
13 França (incluindo Mônaco) 98917
14 Austrália 94094
15 Ucrânia 93551
16 África do Sul 89323
17 República Islâmica do Irã 84689
18 Brasil 83930
19 Polônia 82245
20 Espanha 77220
21 Indonésia 73572
22 Turquia 60468
23 Taiwan 57991
24 Tailândia 54216
25 República Popular Democrática da Coréia 51544
26 Venezuela 43054
Total 5282011
A indústria dos países imperialistas é responsável por mais de 85% da emissão de gás
carbônico na Terra, o que provocou, entre outras coisas, o "buraco" na camada de ozônio da
biosfera. Este e outros efeitos catastróficos da "tecnologia moderna" evidenciam que a
sobrevivência do capitalismo imperialista compromete a sobrevivência do gênero humano.
Mas esse mesmo imperialismo passou a achar, mais recentemente, na questão da
preservação ambiental, um novo instrumento para a sua penetração nas nações oprimidas e
semicoloniais.

129
Leon Trotsky. Radioactividad y materialismo. La Era de la Revolución Permanente. México, Juan Pablos,
1973, p. 355.

88
Exemplo disso é a chamada “internacionalização da Amazônia”. No plano internacional, a
Amazônia assumiu importância estratégica em função de seu duplo patrimônio: o das terras
propriamente dito e o de seu imenso estoque de natureza, fonte de vida e capital natural
(biodiversidade). Esse patrimônio deveria ser preservado por razões ambientais,
econômicas e geopolíticas.
Com fronteiras estabelecidas no final dos anos 60, a Amazônia Legal brasileira corresponde
a 57,4% do território brasileiro. Ela envolve os estados da região Norte –caracterizados pela
cobertura florestal, economia extrativista vegetal e mineral que vem se desenvolvendo nas
últimas décadas – e também amplas extensões de cerrado nos estados do Mato Grosso,
Tocantins e Maranhão, onde se expande o agro-negócio de grãos e a pecuária. A Amazônia
sul-americana equivale a 1/20 da superfície da Terra, 1/5 de toda a água doce, e 1/3 das
florestas tropicais do globo. Em contrapartida, abriga apenas 3,5 milésimos da população
mundial. Ela é um dos três grandes “eldorados naturais” mundiais contemporâneos, e
63,4% de sua área estão sob soberania brasileira. O fato de a Amazônia sul-americana estar
sob soberania de Estados nacionais a distingue dos outros dois eldorados naturais, os
Fundos Marinhos e a Antártida, que são espaços não-regulamentados juridicamente e
partilhados entre as potências. Por essa razão, a Amazônia brasileira adquiriu um novo
significado no contexto da chamada “revalorização da natureza”, tornando-se foco de
interesses múltiplos e conflitantes.
O desmatamento irracional da Amazônia foi produto da ocupação capitalista dessa região,
sustentada pelo capital imperialista. Diversas multinacionais (Volkswagen e outras) foram
responsáveis maiores por essa catástrofe. Durante longos anos, organismos internacionais,
como o BIRD, financiaram projetos destruidores da floresta que, ao mesmo tempo,
veiculavam a penetração imperialista no Brasil. O Projeto Jari (de capital norte-americano)
desmatou áreas equivalentes às de vários paises europeus. O resultado foi: nenhum
desenvolvimento produtivo, expropriação e miséria camponesa e indígena, catástrofe
ecológica, aumento da espoliação imperialista através da divida externa (que, em boa parte,
paga aqueles financiamentos), ocupação, por monopólios estrangeiros, de parte do território
nacional brasileiro.
A burguesia brasileira foi ponta-de-lança dessa penetração, facilitando-a através do Estado
(seja a ditadura militar ou a democracia civil). Os porta-vozes dos partidos burgueses e do
empresariado que passaram a se opor à "internacionalização da Amazônia" esqueceram sua
própria trajetória. Sem falar que o súbito interesse dos governos imperialistas no
desmatamento amazônico não reflete uma sadia, embora tardia, preocupação com a questão
ecológica. Além de representarem os interesses dos responsáveis principais pela crise
ecológica mundial, estão cientes há muito tempo da magnitude do desastre. O interesse do
imperialismo reflete outro fenômeno: a crise do pagamento da divida externa dos paises
atrasados, que ameaça o equilíbrio do sistema financeiro internacional, sendo um aspecto
da crise das relações capitalistas de produção a nível mundial.
A burguesia imperialista ensaiou diversos paliativos para essa crise, entre os quais a
"capitalização interna da divida", que nada mais é do que um projeto de re-colonização das
nações atrasadas. A questão amazônica (e, logo, a questão da Antártica) fornece aos paises
imperialistas um álibi ideológico paternalista para levar adiante aquele projeto. O programa
de troca de parcelas da dívida externa por preservação ambiental, sob controle de ONGs, é
um programa de renúncia à soberania nacional.

89
Na região amazônica, o Plano Colômbia, a Iniciativa Andina e os gastos relacionados com
a militarização das fronteiras do Equador com a Colômbia e do Panamá com a Colômbia,
implicam em mais de 1,5 bilhão de dólares e incluem centenas de agentes militares dos
Estados Unidos.130 Pompeu chega a mencionar 20 bases em volta da Amazônia. 131 Essa
rede de bases militares se espalha na América Latina a partir da coordenação militar do
Comando Sul (norte-americano) sediado na Flórida, com sub-sede em Porto Rico. Há bases
militares dos Estados Unidos nas Antilhas Holandesas, em Manta, El Salvador, Honduras
(Soto Cono), Aruba-Curaçao e outros pontos da região; a partir delas, os Estados Unidos
penetram no espaço aéreo de vários países da América Latina. Isso sem mencionarmos o
processo de terceirização de vários exércitos periféricos que agem de forma complementar
à política militar do Pentágono.
Recursos não-renováveis estão na mira dessa ofensiva geopolítica e militar, recursos
naturais que servem para manter os padrões de consumo da civilização do desperdício;
recursos esses que estão também na Amazônia (e alguns deles em terras indígenas).132
Conflitos como o de índios e garimpeiros por diamantes, embates com a guerrilha na
fronteira com a Colômbia ou similares, podem ser usados como álibi para uma intervenção
militar na Amazônia a partir daquela rede de bases militares de alta tecnologia que vem
sendo instalada recentemente na região pelos EUA.
O objetivo não é o “narcoterrorismo”, mas controlar uma área – a Colômbia – que funciona
como porta de entrada para a Amazônia (a maior reserva de água doce do planeta), os
Andes e a Venezuela, através de um país que fica numa posição geográfica privilegiada
entre o Pacífico e o Caribe. Não se deve deixar de levar em conta que na zona conhecida
como das “cinco fronteiras” (Colômbia, Equador, Peru, Brasil e Venezuela) existe um
gigantesco lençol de petróleo parcialmente explorado por esses cinco países. 133 Trata-se de
uma busca de controle das reservas naturais decisivas (petróleo, gás, minerais essenciais,
biodiversidade genética e água), com a Amazônia ocupando um papel central.
Na Amazônia brasileira, já temos concessões florestais em terras públicas, beneficiando
grandes grupos privados nacionais, estrangeiros e consorciados, em prazos que podem
atingir até sessenta anos. O Projeto de Lei n°7.492/02 elaborado pela Secretaria de
Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, ao tempo do desgoverno
Fernando Henrique Cardoso, e encaminhado ao final de sua gestão (17.12.2002) ao
Congresso Nacional para exame e deliberação. E dela constando, basicamente, a indicação
das Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, como áreas públicas onde deveriam
efetivar se as tais concessões; a partir do estabelecimento de licitações (leilões), com base
em concorrências; sendo permitida a participação de consórcio de empresas para a
exploração de recursos madeireiros e não madeireiros, pela execução de planos de manejo
florestal sustentáveis; em prazos que poderiam alcançar até sessenta anos.
O Projeto de Lei n°7.492/02, elaborado pela Secretaria de Biodiversidade e Florestas do
Ministério do Meio Ambiente, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi

130
James Petras. Império e Políticas Revolucionárias na América Latina. São Paulo, Xamã, 2002, p.101.
131
Renato Pompeu. O retrato assustador do novo imperialismo. Caros Amigos n° 17, São Paulo, junho 2003.
132
A respeito da Amazônia, pode-se consultar os escritos de Gelio Fregapani, em especial seu livro
Amazônia, a Grande Cobiça Internacional. Brasília, Thesaurus, 2000.
133
Plan Colombia: papel de las petroleras. Disponível em: www.rebelion.org; acessado em: 22/4/2004.

90
encaminhado ao final de sua gestão ao Congresso Nacional para exame e deliberação.
Contém a indicação das Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, como áreas públicas
onde deveriam efetivar-se as concessões; a partir do estabelecimento de licitações (leilões),
com base em concorrências; sendo permitida a participação de consórcio de empresas para
a exploração de recursos madeireiros e não madeireiros, pela execução de planos de manejo
florestal sustentáveis.
Anteriores constatações davam conta de que o modelo proposto havia resultado em
verdadeira calamidade, tanto no Sudeste Asiático (Indonésia e Malásia) quanto em países
da África Central, pela perda de controle, da parte dos governos, em relação às superfícies
desmatadas (exploradas) e, também, sobre a biodiversidade (fauna e flora), sem quaisquer
possibilidades de recuperação. Movimentos de Defesa da Amazônia, Frente Parlamentar
em Defesa do Brasil e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SBPC, fizeram
saber à Presidência do Congresso Nacional e à própria Presidência da República sobre os
reais interesses e riscos que acompanhavam a proposta em questão. Resultando, na retirada
do Projeto n° 7.492/02, pelo Poder Executivo (já no governo Lula) das Comissões Técnicas
da Câmara dos Deputados, em julho de 2003.
As concessões, com área prevista em documentação oficial em mais de cinqüenta milhões
de hectares, correspondendo, portanto, à superfície do estado de Minas Gerais ou à França,
foram repostas pelo Ministério do Meio Ambiente (do mesmo governo Lula) para re-
estudo. Como resultado dessa retomada elaborou-se um novo referencial, representado pelo
Projeto de Lei n°4.776/05, de fevereiro de 2005, encaminhado à Câmara Federal, em
Regime de Urgência, para exame e possível aprovação pelo Congresso Nacional. Inclui a
permanência da possibilidade de formação de consórcios empresariais e, também, do prazo
limite de até 60 anos para vigência dos contratos exploratórios madeireiros e não-
madeireiros, após licitação de grandes áreas de florestas com ênfase à Região Amazônica.
Prevê o recurso da terceirização das atividades em cada uma das glebas e concessões
contratadas, em uma verdadeira abertura à formação de condomínios-empresariais-
madeireiros.
Também prevê a venda conjunta dos acervos técnico - científicos, projetos, levantamentos e
outros subsídios existentes nas respectivas glebas; e ainda a possibilidade de hipoteca das
florestas a serem exploradas, através do direito de oferta, em garantia, pelas
concessionárias, às Agências de Financiamento dos produtos madeireiros e não madeireiros
a serem obtidos com as explorações.
Fica clara a intenção de dar entrada no país, com ênfase à Amazônia, a grandes
conglomerados ou consórcios madeireiros, com oferta de privilégios, como a possível
hipoteca das florestas para efeito de ganhos em financiamento e, ainda, a posse efetiva das
terras por prazos praticamente indefinidos, tendo em vista as sempre possíveis renovações
contratuais. As "Concessões Florestais ou Gestão de Florestas Públicas" se apresentam
como um passo para a internacionalização da Amazônia, através da sua “globalização”, em
iniciativa oriunda do próprio governo brasileiro. 134

134
Flávio Garcia. Crítica aos Projetos de Concessões Florestais na Amazônia. Manuscrito, 2005.

91
O Sivam: Vigilância Imperialista
A renúncia à soberania nacional na região teve um episódio maior com a implantação do
Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Inicialmente questionado pela forma como foi
concebido e encaminhado, posteriormente chamuscado por escândalos, chegou-se a pôr em
dúvida seu próprio conteúdo; desde sua eficácia técnica para cumprir alguns dos objetivos
anunciados até sua real necessidade diante de possíveis alternativas já disponíveis. O único
ponto que parece não levantar questionamentos ou divergências mais sérias é o da
necessidade de haver um sistema eficiente de produção de informações qualificadas sobre e
para a região, como a proteção do equilíbrio dos ecossistemas amazônicos e o planejamento
de um desenvolvimento sustentado para a região.
O Sivam seria a infra-estrutura técnico-operacional de um programa mais amplo, o Sistema
de Proteção da Amazônia (SIPAM), cuja função é implementar a coordenação, integração,
sistematização, racionalização e otimização das diversas ações governamentais na região,
para que se possa cumprir os seguintes objetivos: planejamento do desenvolvimento
sustentado; zoneamento ecológico e econômico; planejamento e controle do uso e ocupação
do solo; supervisão e controle das fronteiras nacionais; prevenção e controle de doenças;
supervisão e controle do tráfego aéreo; proteção ambiental e controle de poluição;
planejamento e controle da exploração sustentada da biodiversidade; prevenção e
intervenção para a defesa civil; combate às atividades ilegais; proteção das reservas
indígenas; monitoramento da navegação fluvial.
O Sivam pode ser entendido como uma complexa e sofisticada rede integrada de
telecomunicações, de imagens obtidas por satélites e de sistemas de sensores variados
baseada nos seguintes equipamentos: 17 radares fixos, 8 radares móveis, 8 aviões Brasília
com sensores, 4 aviões-laboratório HS-800, 300 plataformas de coleta de dados, 200
sistemas de radio-localizadores. As informações seriam coletadas numa área de 5,2 milhões
de km, correspondente a 61% do território nacional, e processadas em três centros regionais
(Belém, Manaus e Porto Velho), que estarão conectados à Brasília, onde seria centralizada
a coordenação geral do Sistema pela SAE e o Ministério da Aeronáutica. Seu custo, que em
meados de 1993 era estimado em pouco mais de US$ 300 milhões, foi orçado em US$ 1,4
bilhão no projeto oficial e poderá variar de US$ 4 a 10 bilhões quando forem computados
todos os ítens previstos também no Sipam. 135
Durante o regime militar, vários projetos de ocupação e desenvolvimento da região foram
implementados. A partir da década passada, com as pressões da opinião pública nacional e
internacional em favor dos direitos indígenas e da preservação dos ecossistemas
amazônicos, quando sobraram denúncias ao poder público brasileiro, tanto por suas
políticas equivocadas para o desenvolvimento da região, quanto pela insuficiência de suas
ações para garantir proteção ao meio ambiente e aos povos indígenas, a “questão
amazônica” ganhou grande visibilidade e sensibilidade, transformando-se em prioridade
militar.
Foi a partir do momento em que tais problemas passaram a constar da agenda política
internacional que as Forças Armadas intensificaram suas ações na Amazônia, dando início,
em 1985, ao Projeto Calha Norte. Dentre várias justificativas para sua implementação, “o
135
Rogério Cezar Cerqueira Leite. O projeto Sivam, algumas reflexões tardias. Folha de S. Paulo, 21 de maio
de 1995.

92
que mais interferiu na determinação militar de executar o Calha Norte foi a possibilidade de
se criar um parque indígena binacional que poderia evoluir - segundo a visão militar - para
um Estado indígena independente”.136 Desde então, desconfianças, denúncias, acusações e
discussões acirradas em torno de ameaças de “internacionalização da Amazônia” passaram
a compor o cenário da região.
Calha Norte tinha por objetivo central o de fortalecer a presença do Estado numa faixa de
fronteira, ao norte dos rios Amazonas e Solimões, com aproximadamente 6,5 mil km de
extensão. Além dos atrasos e debilidades do Calha Norte, assistiu-se, nos últimos anos, a
falência da indústria bélica brasileira, a enorme crise e privatização da Embraer, sucessivos
atrasos no desenvolvimento de outros programas, que foram abandonados ou não saíram do
papel.
Mesmo sem contar com a influência de tempos passados, as Forças Armadas ainda mantém
um razoável poder de antecipação e iniciativa nas questões referentes à Amazônia e a
algumas políticas tecnológicas do país. O Sivam nada mais é do que a aplicação de ampla
tecnologia de telecomunicações e informática na região amazônica, uma espécie de Calha
Norte ampliado, circular e eletrônico. São duas áreas tecnológicas e uma área territorial
onde se concentram experiências e interesses militares.
Se o projeto foi tratado como “estratégico”, com dispensa de licitação amparada na
legislação que regulamenta “projetos sigilosos”, o que acabou por fundamentar sua falta de
transparência, os mesmos cuidados pareceram não justificar a opção por adquirir tecnologia
estrangeira, principalmente da forma como o processo foi encaminhado. O mais estranho é
que, ao mesmo tempo em que não se abria concorrência para a participação de empresas
nacionais, dava-se conhecimento das informações, especificações e detalhes técnicos do
projeto às embaixadas de 16 países, que posteriormente as repassariam às empresas
interessadas em vender os equipamentos.
O mínimo que se pode dizer de um processo como este é que ele garantiu o sigilo interno,
negando informações distribuídas a diplomatas e empresários de países com maior
desenvolvimento tecnológico, justamente os que teriam maiores condições de cobiçar as
riquezas da Amazônia ou de imaginar alguma forma de “internacionalizá-la” (submete-la a
controle externo).
Segundo Luiz Pinguelli Rosa e mais de 40 pesquisadores universitários, “as tecnologias
básicas envolvidas no projeto e construção de sistemas de vigilância eletrônica, tais como o
radar, o sensoriamento remoto, as redes de comunicações e teleinformática, etc., são
tecnologias nas quais o país conseguiu desenvolver capacitação de nível internacional,
mercê do trabalho que as universidades e centros de pesquisa vêm desenvolvendo há
décadas. Assim sendo, é certo que a concepção, o projeto, o dimensionamento e o
lançamento em operação de um sistema desse tipo estão ao alcance da engenharia
brasileira, sem embargo da eventual necessidade de recorrer a fornecedores internacionais
de produtos de alta tecnologia para maior celeridade e economias de escala na execução do
projeto. A integração sistêmica desse projeto deverá maximizar a utilização do parque

136
Geraldo L. Cavagnari. Defesa com democracia e desenvolvimento. Teoria & Debate, n° 24, São Paulo,
mar/abr/maio 1994.

93
industrial nacional e desenvolver fornecedores locais, podendo assim contribuir para elevar
ainda mais o patamar de nossa capacitação”.137
Já os industriais do setor foram menos enfáticos ao comentar o projeto. Para Rogério César
Cerqueira Leite “o roteiro aparentemente pragmático da compra de pacote fechado não é
adequado para setores tecnologicamente avançados”. Diante dos vários exemplos utilizados
pelo professor, o país já tem mostras suficientes das vantagens e desvantagens que
envolvem tanto a importação quanto o desenvolvimento de tecnologia. Assim sendo, “o
procedimento correto se iniciaria com uma concorrência nacional para a construção do
sistema completo de vigilância. Se nenhum consórcio nacional organizado para tal fim
mostrasse capacidade de execução do programa, então seriam admitidas associações com
empresas estrangeiras. Somente assim se asseguraria transferência de tecnologia para o
Brasil”.138
O mais estranho é que, além de não ter ocorrido o procedimento normal de uma licitação
pública, nem mesmo foi tentada uma possível articulação ou mobilização das capacidades
nacionais, como propôs o físico e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-
INPE, Luiz Carlos Moura Miranda: “A médio prazo, adequando-se a nossa capacidade de
financiamento, temos condições de desenvolver com sucesso um sistema que atenda aos
objetivos do Sipam, se nos valermos da competência técnica existente no setor industrial,
nos institutos de pesquisa e universidades”.139
Nova desconfiança foi gerada pelo fato de se ter escolhido o consórcio liderado pela
Raytheon para construir o Sivam, dado que esta empresa é uma peça importante do
complexo industrial-militar norte-americano. Um responsável pela Agência de Combate ao
Narcotráfico dos Estados Unidos (DEA) declarou que “o esquema de monitoramento da
Amazônia é de fundamental importância para nossa Agência. Quando uma empresa
americana se torna responsável pelo fornecimento de tecnologia como esta, pode estar certo
de que os serviços de informações dos EUA vão receber dados, é como se estivéssemos
observando privilegiadamente”.140
O governo brasileiro também admitiu que os EUA teriam acesso privilegiado às
informações sobre a região. Se fosse considerada a tese da internacionalização, qual outro
país do mundo poderia representar alguma ameaça efetiva à soberania brasileira na
Amazônia, senão os Estados Unidos?
Em relação à dimensão ecológica do projeto, a capacitação nacional parece já oferecer uma
boa alternativa, como notou a Folha de São Paulo em editorial: “O argumento ecológico -
com seu irresistível apelo de marketing - é também altamente discutível. O Sivam faria o
mapeamento da floresta, dizem. Ora, esse trabalho já vem sendo feito há algum tempo pelo
Inpe e pelo Ibama. Brada-se ainda que o Sivam poderia detectar queimadas. É como o caso
do contrabando. Detectar é até fácil, e Embrapa e Ibama já o fazem. Mas obviamente não
basta. Por fim, os defensores do projeto dizem que ele permitiria a construção de estações
de recepção de imagens de satélites meteorológicos. Segundo Cerqueira Leite, o Inpe já

137
Folha de S. Paulo, 13 de junho de 1995.
138
Idem, 9 de maio de 1995.
139
Idem, 3 de junho de 1995.
140
Isto É, São Paulo, 1° de março de 1995.

94
coloca essas mesmas imagens na rede Internet, o que permite que sejam acessadas, em
tempo real, com um simples microcomputador”.141
Patentes e Saque “Ecológico”
Um aspecto particularmente importante na “dimensão ecológica” do Sipam é o do
planejamento e controle da exploração sustentada da biodiversidade. Trata-se de uma
questão fundamental para o futuro da Amazônia e do próprio país. Principalmente depois
que o governo FHC esforçou-se para aprovar uma Lei de patentes exatamente da forma
como desejavam os países detentores de amplos recursos tecnológicos, especialmente os
Estados Unidos. Segundo reportagem realizada pela revista Atenção, “tanto o parlamento
europeu como a Índia recusaram o reconhecimento de patentes em biotecnologia. A
Argentina exigiu prazo de oito anos para adotar a nova lei e rejeitou o patenteamento de
medicamentos básicos. Já a lei brasileira não impõe nenhuma restrição ou contrapartida aos
detentores das patentes, cedendo mais do que a própria legislação internacional recém
aprovada”.142
Para a cientista indiana Vandana Shiva, Diretora da Fundação para a Pesquisa em Ciência,
Tecnologia e Recursos Naturais de Nova Delhi, “como a Lei de Patentes brasileira
começou a ser elaborada nos anos 80, ela não se atém a questões prementes que surgiram
mais recentemente. A Lei se adapta apenas às exigências do GATT. A pressa em concluí-
la, sem aproveitar plenamente os cinco anos previstos por lei que ainda restavam, fez com
que o Brasil não se preparasse, de certa maneira, com a maturidade necessária para
formular uma legislação mais bem afinada com sua diversidade biológica e cultural. Essa
lei mais espelha os anos 80, quando deveria, na verdade, antecipar o Terceiro Milênio.
Faltou-lhe complexidade. Basicamente visa proteger os interesses das transnacionais, de
forma arbitrária. O país entregou de bandeja sua herança biológica e cultural. O que o
Brasil está dizendo ao mundo é: Roubem-nos, pirateiem-nos. E nós vamos proteger
vocês”. 143
Sob o governo Lula, um passo mais adiante nessa direção foi dado através do projeto de lei
de concessão de florestas públicas a empresas privadas, aprovado pela Câmara dos
Deputados e em tramitação no Senado, contendo a decisão de conceder 130 mil
quilômetros quadrados de florestas públicas ao “setor privado” (leia-se ao capital).
Admitindo pagamento em títulos da dívida pública, com possibilidade de pagamento em
“moedas podres”, como em outras privatizações. Permitindo que o concessionário contrate
terceiros para executar o projeto. E admitindo veladamente a hipoteca da floresta, que é
pública.
Em estudo publicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) se
afirma que “'parece que a natureza só tem salvação se for mercantilizada. Talvez o
problema seja exatamente esse. Os lugares do mundo que permanecem com elevado grau
de biodiversidade são exatamente aqueles que se mantiveram à margem do mercado”.144 A

141
Folha de S. Paulo, 30 de junho de 1995.
142
César Benjamin. Lei de Patentes: está entregue. Atenção, nº 4, 1996.
143
Entrevista concedida a Parabólicas, nº 17, abril de 1996.
144
Washington Novaes. A Amazônia oficial e as dúvidas da ciência. O Estado de S. Paulo, 29 de agosto de
2005.

95
meta ecológica é a da produção e reprodução da vida humana em equilíbrio com o resto da
natureza, com a manutenção de um máximo de biodiversidade e um mínimo de propagação
de substancias tóxicas ou causadoras do efeito estufa, como condição para a sobrevivência
da espécie humana. Não ha incompatibilidade entre essas duas lógicas. Não são as
necessidades humanas que colidem com a busca do equilíbrio natural, mas apenas a
estruturação das necessidades humanas segundo as exigências do capital. As
"necessidades" resultantes - tais como a acumulação privada, um vasto aparato militar,
transporte individual, etc. - são produtos dessa dinâmica.
O objetivo do socialismo é o advento de uma sociedade sem opressão de classe. Assim
como o equilíbrio natural, esse objetivo pode ser perseguido enquanto tal ou pelas
possibilidades que uma sociedade desse tipo - e a luta para atingi-la - abririam. E pela
defesa da civilização humana, ameaçada pela sobrevivência do modo capitalista de
produção.145
Um programa antiimperialista e revolucionário para enfrentar a crise ecológica deveria se
basear nas premissas que seguem: 1) Os recursos da biosfera são limitados, e devem ser re-
introduzidos depois de sua utilização pelo homem, nos ciclos naturais, sob pena de esgotá-
los definitivamente; 2) A integridade desses ciclos naturais deve ser preservada; 3) A
poluição pela tecnologia moderna destrói a integridade desses ciclos; 4) A luta contra a
poluição é impossível no quadro da utilização dessa tecnologia e exige o recurso a outras
tecnologias, racionais e não-poluentes; 5) Essas tecnologias existem ou poderiam existir,
mas não são desenvolvidas ou empregadas pelo imperialismo capitalista, pois são
infinitamente menos rentáveis para os capitalistas do que as utilizadas atualmente.
A partir desses conhecimentos básicos, uma discussão deveria concluir com a elaboração
de uma análise dos aspectos econômicos e políticos dos problemas, e com a elaboração de
uma posição concreta, internacional, sobre esses assuntos. Uma série de questões poderiam
ser definidas como urgentes: 1) Fim das diversas formas de poluição, das águas, dos rios e
dos solos; 2) Fim da destruição planetária das florestas, pulmão indispensável da biosfera e
garantia da manutenção dos solos; 3) Fim da exploração irracional dos solos e das diversas
formas de pilhagem e desperdício dos recursos minerais, vegetais e animais da Terra; 4)
Fim da destruição sem retorno do meio-ambiente natural e das espécies vivas; 5)
Elaboração de um relevamento dos problemas fundamentais que afetam a biosfera e dos
processos geofísicos potencialmente instáveis, devidos à ação humana, e de suas mútuas
inter-ações, para definir um programa de desenvolvimento mundial das forças produtivas
sociais baseado no restabelecimento crescente do equilíbrio sociedade humana / natureza.
Isto teria implicações para todos os aspectos da atividade humana, incluída, principalmente,
a educação, que deveria quebrar a cisão entre educação científico / humanista e educação
técnica (base da divisão entre trabalho manual e intelectual), assim como entre formação
intelectual e formação (educação) física. A perspectiva do socialismo precisa ser redefinida
constantemente, à luz das mudanças histórico-naturais e do aprofundamento do parasitismo
e do anacronismo capitalistas.
145
Para uma crítica das noções históricas de "equilíbrio", ver: Daniel Botkin. Discordant Harmonies: a New
Ecology for the Twenty-first Century, Nova Iorque, Oxford University Press, 1990. Para uma discussão
historicamente informada sobre a questão da biodiversidade ver: Yrjo Haila e Richard Levins. Humanity and
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Left: thoughts far the 1990. Monthly Review, vol.43, n° 2, junho 1991.

96
Ou, como disse o cientista Roland Sheppard, em Whither Humanity? The environmental
crisis of capitalism, “se não derrubarmos o capitalismo, não teremos chance de salvar
ecologicamente o mundo. Penso ser possível uma sociedade ecológica sob o socialismo.
Não a acredito possível sob o capitalismo”. Esta é a única perspectiva realista que
permitiria encarar com chances de sucesso a crise da civilização humana.

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