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Dica de leitura 2023

Sala Ambiente de Leitura Dr. Pereira de


Mattos – Caçapava-SP

Leia nesta edição:

 Editorial
 Como o El Niño pode prolongar a inflação dos
alimentos
 Entenda o fenômeno El Niño e La Niña
 Europa teve em 2022 o verão mais quente da
história
 Como as mudanças climáticas impactaram 2022
 "Perda de água é alerta para as mudanças
climáticas"
 Mesmo com crise hídrica, Brasil perde 40% da
água tratada
 Clima global depende de ações urgentes, apela
IPCC
 Por que a maior parte do plástico não pode ser
reciclado
 O que é o 'problema dos beijos' que atormenta
os matemáticos há séculos
 A 'heresia de Kepler': a forma geométrica que
fez o astrônomo questionar Deus
 O que são juros compostos, a 'bola de neve'
matemática da qual os super-ricos tiram
proveito
 O que é a economia azul e por que ela é
importante para a América Latina
Editorial
Água, Plástico e Meio Ambiente: Um
Chamado Urgente para Ação
A escassez de água e os impactos devastadores do plástico no
meio ambiente são questões que não podem mais ser
ignoradas. Nossa região enfrenta desafios significativos em
relação à conservação da água e à redução do uso e descarte
irresponsável de plásticos. É chegada a hora de agirmos com
urgência e responsabilidade para proteger nosso precioso
recurso natural e preservar o meio ambiente para as gerações
futuras.
A água é um bem fundamental para a vida. No entanto, muitas
vezes damos por garantida a disponibilidade desse recurso
vital. A falta de consciência e o desperdício desenfreado têm
contribuído para a diminuição dos níveis de água em nossos
rios, lagos e aquíferos. Precisamos adotar uma abordagem
mais sustentável em relação ao consumo de água,
implementando práticas de conservação, reutilização e
reciclagem.
Além da escassez de água, outro problema crescente é a
poluição causada pelo plástico. O plástico tem sido
amplamente utilizado em nosso cotidiano, mas sua
durabilidade e dificuldade de decomposição tornaram-no uma
ameaça significativa ao meio ambiente. Milhões de toneladas
de plástico acabam nos oceanos a cada ano, prejudicando a
vida marinha e poluindo nossas praias. É essencial que
reduzamos o consumo de plástico descartável e promovamos
alternativas sustentáveis, como materiais biodegradáveis e
embalagens reutilizáveis.
Felizmente, já existem iniciativas promissoras sendo
implementadas em nossa região. Projetos de conscientização
pública sobre o uso racional da água e programas de
reciclagem têm se mostrado eficazes em outros lugares.
Precisamos seguir esses exemplos e adaptá-los às nossas
necessidades locais. É crucial que as autoridades, empresas,
organizações não governamentais e a população em geral se
unam nesse esforço conjunto para enfrentar esses desafios
urgentes.
No entanto, a solução dessas questões não é responsabilidade
apenas de um setor da sociedade. Todos nós, como indivíduos,
temos um papel a desempenhar. Podemos começar adotando
hábitos mais conscientes em nossas vidas diárias:
economizando água, reutilizando embalagens, reciclando
plástico e optando por produtos sustentáveis. É essencial que
ensinemos às gerações futuras a importância da conservação
da água e do meio ambiente, para que possamos construir um
futuro mais sustentável.
Além disso, é necessário que nossas autoridades locais
programem políticas e regulamentações mais rígidas em
relação ao uso e ao descarte de plástico. Incentivos fiscais
para empresas que adotam embalagens ecologicamente
corretas e a criação de programas de coleta seletiva são
apenas algumas das medidas que podem ser adotadas para
combater esse problema.
A questão da água e do plástico no meio ambiente é uma
ameaça real e iminente para nossa região. Precisamos agir
agora, antes que seja tarde demais.
Como o El Niño pode prolongar a
inflação dos alimentos
Fenômeno climático já voltou e ameaça o planeta com
inundações e secas. Suas temporadas anteriores geraram
trilhões de dólares de prejuízo à economia global.

Trabalhadores em plantação de arroz na ìndiaFoto: Raminder Pal Singh/AA/picture


alliance
Na semana passada, a Administração Nacional Oceânica e
Atmosférica dos EUA (NOAA, na sigla em inglês) disse que as
condições do El Niño já estão presentes após quatro anos e
devem "se fortalecer gradualmente" nos próximos seis a nove
meses, trazendo um novo período de clima extremo para
grande parte do planeta.
As Nações Unidas também alertaram no mês passado sobre a
chegada do El Niño. Os alertas se multiplicam. "Há uma
probabilidade bastante alta (de outro forte período de El
Niño)", disse Harald Kunstmann, professor do Instituto
Alemão de Meteorologia e Pesquisa Climática (IMK-IFU), com
sede no Instituto de Tecnologia de Karlsruhe. "Se isso
acontecer, podemos esperar os mesmos extremos climáticos e
anomalias que geralmente estão associados a esse fenômeno".
O El Niño é marcado por temperaturas da superfície do mar
mais quentes do que a média no Oceano Pacífico central e
oriental, perto do equador. O fenômeno causa inundações nas
Américas, tempestades tropicais no Pacífico e secas em muitas
outras partes do mundo, incluindo o sul da África.
Esses efeitos causam graves perturbações na pesca,
agricultura e outros setores da economia e também são
conhecidos por exacerbar os efeitos das mudanças climáticas.
Em 2016, o El Niño contribuiu para o ano mais quente já
registrado, e os cientistas estão preocupados que isso possa
causar novos recordes de temperatura global.

Os efeitos do El Niño são variados: tempestades e inundações em algumas regiões


e secas em outrasFoto: Aaron Favila/AP Photo/picture alliance
No início deste mês, pesquisadores da unidade de observação
da Terra Copernicus observaram que as temperaturas do ar
na superfície global aumentaram 1,5 grau Celsius acima dos
níveis pré-industriais pela primeira vez. Este é o limite que os
líderes mundiais concordaram em impor ao aquecimento
global na cúpula do clima de Paris em 2015. "É muito
incomum chegar perto do limite de temperatura de 1,5 grau
Celsius em junho", disse Kunstmann à DW. "Portanto, é
provável que em breve ultrapassemos esse limite, não apenas
por algumas semanas, mas por um período de tempo mais
longo."

Trilhões de dólares em prejuízos


Os impactos econômicos das temporadas anteriores do El
Niño muitas vezes continuaram mesmo depois que as
condições climáticas mais extremas passaram. Depois do El
Niño de 1982-1983, os efeitos financeiros foram sentidos por
mais meia década, totalizando cerca de 4,1 trilhões de dólares,
segundo o Dartmouth College, nos Estados Unidos. Em um
artigo para a revista americana Science, os pesquisadores
disseram que, após a temporada de El Niño de 1997-1998, os
danos ao crescimento econômico global foram de 5,7 trilhões
de dólares.
Os especialistas de Dartmouth descobriram que os eventos do
El Niño de 1982-1983 e 1997-1998 reduziram o Produto
Interno Bruto (PIB) dos EUA em cerca de 3% em 1988 e 2003.
Países como Peru e Indonésia, onde a agricultura representa
até 15% do PIB, sofreram uma queda de 10% em 2003. Assim,
os pesquisadores de Dartmouth estimaram que os efeitos
econômicos negativos da última temporada do El Niño podem
chegar a 3 trilhões de dólares até 2029.

Alta da inflação de alimentos e


energia
Um modelo da Bloomberg Economics divulgado esta semana
constatou que os períodos anteriores do El Niño adicionaram
quase 4 pontos percentuais aos preços das commodities não
energéticas e 3,5 pontos percentuais aos preços do petróleo,
enfraquecendo a segurança alimentar global.
As consequências do El Niño e La Niña
Temendo que a última fase do El Niño possa ser a mais quente
e cara já registrada, os analistas acreditam que ela também
tem o potencial de prolongar a alta inflação dos alimentos.
É possível que haja passado o pico dos aumentos de preços
posteriores à pandemia de covid-19, mas pode levar vários
anos até que seja possível retornar à meta de inflação de 2%
estabelecida pelos bancos centrais dos EUA e da Europa.
Os crescentes alertas sobre El Niño já contribuíram para que
os preços do café, açúcar e cacau subissem acentuadamente
nas últimas semanas, segundo o Deutsche Bank, o maior
credor privado da Alemanha. E outros alimentos básicos
devem seguir essa tendência, pois as colheitas são afetadas
por eventos climáticos severos.
O aumento dos preços "pode ter um efeito particularmente
negativo nos mercados emergentes, onde os alimentos
normalmente representam pelo menos um terço dos gastos
do consumidor. Sua posição geográfica também os deixa mais
expostos às mudanças climáticas, como inundações, que são
mais prováveis com o El Niño", alertaram os analistas do
Deutsche Bank.

Entenda o fenômeno El Niño e La


Niña
Pesquisadores preveem ser bem provável que fenômeno
El Niño retorne em 2023. E com ele, devem ocorrer
eventos extremos climáticos que impactam o clima em
todo o mundo.

Ondas de calor pode impulsionar incêndios florestais como os que aconteceram na


Europa no ano passadoFoto: AP Photo/picture alliance
A desaceleração dos ventos sobre o Oceano Pacífico
desencadeia uma cadeia de eventos que pode resultar em
fortes chuvas na Califórnia, ondas de calor na Europa e secas
que devastariam as colheitas do Brasil à Indonésia.
Alguns cientistas esperam exatamente esse cenário em 2023,
embora eles tenham cautela de afirmar que não podem saber
com certeza se isso se concretizará até maio. Um estudo
publicado nesta quarta-feira (19/04) – que usa métodos
estabelecidos, mas não foi revisado por pares – estima que o
clima quente padrão do El Niño tem 90% de chances de
retornar neste ano.
"Previmos que será um evento de moderado a forte – acima
de 1,5°C", afirmou o principal autor do estudo Josef
Ludescher, do Instituto de Pesquisa do Impacto Climático de
Potsdam, na Alemanha.
Ocorrendo posteriormente a três anos de clima frio padrão do
La Niña, tais mudanças tornariam as ondas de calor mais
quentes e interromperiam os padrões climáticos em todo o
mundo. Há tempos, cientistas lutam para descobrir qual é o
papel desempenhado pelas mudanças climáticas.
"O El Niño é responsável por muitos extremos", afirmou
Regina Rodrigues, oceanógrafa da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). "Todos os países, de uma forma ou de
outra, são afetados", acrescentou a pesquisadora que não
participou do estudo.

Como funcionam os fenômenos El


Niño e La Niña
El Niño e La Niña são nomes para padrões complexos de
ventos e temperaturas no Oceano Pacífico. Os ventos no
oceano podem ter três fases. A primeira é neutra, e eles
sopram do leste para o oeste. Outra é o El Niño, onde eles
desaceleraram ou até param. E, a terceira é a La Niña, onde
sopram mais forte.
Dá para pensar no Oceano Pacífico, que cobre um terço da
Terra, como uma banheira de água fria com um ventilador
próximo das torneiras. Ao abrir a torneira de água quente por
alguns poucos segundos e ligar o ventilador, a brisa jogará um
jato de água quente para o fim da banheira. Nos anos normais,
é assim que os ventos empurram o calor da América do Sul
para a Ásia.
Mas, durante o El Niño, mudanças no calor e na pressão
desligam o ventilador. A água quente permanece na região da
torneira, acumulando mais água quente no meio da banheira –
na realidade, no oceano e próximo da América do Sul. Isso
impulsiona a evaporação e a formação de nuvens em locais
que normalmente não são esperados.

Seca deve impactar diretamente nas safras de vários países do mundoFoto: FADEL
SENNA/AFP/Getty Images
"De repente, há grande quantidade de chuva perto da costa do
Peru", exemplifica Erin Coughlan de Perez, autora do último
relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC) e pesquisadora do Centro Climático da Cruz
Vermelha. "São despejos de água sem precedentes num local
que costuma ser bastante seco."
Os efeitos do El Niño se estendem acima do Oceano Pacífico e
pelo resto do mundo. Eles alteram as rotas das correntes de
jato – ventos fortes muito acima do solo – que viajam pelo
planeta guiados pelas chuvas.
"As nuvens altas cutucam a atmosfera e desencadeiam ondas
[atmosféricas]. Isso perturba o clima em todos os lugares",
detalha Rodrigues.

As mudanças climáticas e El Niño e a


La Niña
O El Niño e a La Niña são fenômenos naturais. Os cientistas
ainda não entendem completamente suas causas, mas sabem,
pelos recifes de corais e pelos anéis das árvores, que eles
sempre variaram. Há alguma evidência de que eles ficaram
mais fortes – eventos mais fortes do El Niño foram registrados
nas últimas poucas décadas –, mas não está claro se isso é
apenas casual.
O IPCC descobriu que há "pouca confiança" de que o
aquecimento global já tenha mudado os eventos do El Niño.
Alguns modelos de computador mostram o fenômeno mais
forte no futuro, enquanto outros o veem ficando mais fraco.
Mas o IPCC também descobriu que os efeitos dos eventos
extremos do El Niño e da La Niña provavelmente serão mais
fortes à medida em que o planeta esquentar.
Como o ar mais quente pode absorver mais umidade, o
mesmo evento El Niño significa que mais chuva cai
localmente, afirma Ludescher. O ar pode conter 7% a mais de
vapor de água para cada 1°C que o planeta esquentar. Ao
queimar combustíveis fósseis e destruir as florestas, a
humanidade já aumentou a temperatura da Terra em 1,2°C
desde a Revolução Industrial.

Impactos do El Niño e La Niña nas


mudanças climáticas
As temperaturas da superfície global aumentam 0,1°C durante
os anos de El Niño. Nos anos de La Niña, elas caem na
aproximadamente no mesmo padrão. Isso ocorre porque
menos água fria é puxada das profundezas do oceano próximo
ao Peru durante o El Niño, deixando mais água quente na
superfície. Isso aumenta a temperatura das superfícies.
Se o El Niño retornar em 2023, as temperaturas médias
globais podem ultrapassar 1,5°C – o nível no qual os líderes
mundiais prometeram tentar conter o aquecimento global até
o final do século. Ainda assim, a longo prazo, um aumento nas
temperaturas pelo fenômeno não tornaria a humanidade
menos propensa a alcançar suas metas climáticas, que
dependem do corte da emissão de gases do efeito estufa. Mas
o calor extra pode, a curto prazo, prejudicar as pessoas,
plantas e animais.
Os recifes de corais, por exemplo, devem diminuir de 70 a
90% se o aquecimento global passar de 1,5°C. Ultrapassar
esse limite, mesmo que por pouco tempo, poderia ter
consequências permanentes. "Alguns corais podem não
sobreviver a isso. E se eles estiverem mortos, eles não
voltam", pontua Ludescher.

Por que El Niño e La Niña são


importantes?
Muitas previsões meteorológicas sazonais dependem da
previsão correta de fase – e de força- do El Niño e da La Niña.
A informação pode ser muito útil para todos, desde
planejadores urbanos a agricultores.
"Isso não é apenas interesse teórico: é uma informação útil",
afirma Perez. Serve, por exemplo, para governo locais fazerem
planos de alerta precoce para ondas de calor e criar sistema
de proteção para idosos, que correm maior risco de morrer.
"Isso é sobre nós e nossa preparação, e como sobrevier num
mundo em aquecimento".
Europa teve em 2022 o verão mais
quente da história
Continente enfrentou seca e ondas de calor intensas. Ano
como um todo foi segundo mais quente já registrado na
região. "Estamos avançando rumo a um terreno
desconhecido", alerta diretor de Serviço de Mudanças
Climáticas.

Calor e falta de chuvas formaram cenário ideal para milhares de incêndios


florestais no verão europeu de 2022Foto: Robert Michael/dpa/picture alliance
A Europa teve no ano passado o verão mais quente já
registrado, segundo dados divulgados nesta quinta-feira
(20/04) pelo Serviço de Mudanças Climáticas do sistema de
satélites Copernicus (C3S), da Comissão Europeia. A região
também viveu em 2022 o segundo ano mais quente da
história, de acordo com o relatório anual.
Os dados mostram que o verão na Europa foi 1,4 °C mais
quente do que a média no período de referência, que vai de
1991 a 2020. Já a temperatura anual ficou 0,9 °C acima da
média nesse mesmo período. Em comparação com a era pré-
industrial (1850 a 1990), a temperatura dos últimos cinco
anos no continente ficou 2,2 °C acima da média.
"Estamos avançando rumo a um terreno desconhecido", disse
Carlo Buontempo, diretor do C3S, durante o anúncio dos
dados. "O relatório destaca tendências preocupantes, pois
2022 voltou a ser um ano recorde em relação à concentração
de gases do efeito estufa, temperaturas extremas, incêndios e
precipitações. Todos com impactos notáveis nos ecossistemas
e comunidades em todo o continente europeu", acrescentou.
Um calor extremo sem precedentes e a seca generalizada
marcaram o clima europeu em 2022. Diversas ondas de calor
intensas e prolongadas ocorreram no ano passado, atingindo
especialmente a região sul do continente.
Os pesquisadores do Copernicus alertam que os eventos
climáticos extremos estão ficando cada vez mais frequentes e
intensos.
"O sul da Europa experimentou um número recorde de dias
com 'estresse térmico muito forte', definido por temperaturas
entre 38 °C e 46 °C", indicou o relatório. O Copernicus também
afirmou que houve um crescimento nos dias de ‘estresse
térmico forte' – quando as temperaturas ficam entre 32 °C e
38 °C. "Há ainda uma tendência na redução do número de dias
sem estresse térmico", destacou.
O estresse térmico é cada vez mais visto como um problema
significativo em todo o mundo com o aquecimento global.
Especialistas afirmam que esse fenômeno pode causar uma
série de problemas de saúde, incluindo desidratação,
insolação e erupções cutâneas.

Situação preocupante no Ártico


O Copernicus registrou ainda temperaturas elevadas no
Ártico, onde o aquecimento ocorre muito mais rápido do que
em outros locais do planeta. A temperatura na região
aumentou 3 °C em relação à era pré-industrial, enquanto no
resto do mundo, esse aumento foi de 1,2 °C.
O ano de 2022 foi o sexto mais quente registrado no Ártico.
Uma das regiões mais afetadas foi o arquipélago de Svalbard,
que teve o verão mais quente da história, com temperaturas
em algumas regiões ultrapassando em 2,5 °C a média.
A Groenlândia também experimentou condições climáticas
extremas, como calor e chuva excepcional em setembro, época
na qual deveria estar nevando. Naquele mês, quando foram
registradas três ondas de calor, a temperatura ficou 8 °C
acima da média. A ilha experimentou ainda um derretimento
recorde, com 23% da camada de gelo afetada no pico da
primeira onda de calor.

Seca generalizada
Em 2022, as altas temperaturas se somaram à escassez de
chuva, causando uma situação de seca generalizada na
Europa. Em relação à área afetada, 2022 foi o ano mais seco já
registrado, e 63% dos rios europeus ficaram com vazões
abaixo da média.
No inverno, houve ainda menos dias de neve do que a média,
chegando a até 30 dias em algumas regiões. Na primavera, as
precipitações ficaram abaixo da média em grande parte do
continente.
A falta de neve no inverno e as temperaturas elevadas
provocaram um derretimento recorde das geleiras dos Alpes
– mais de cinco quilômetros cúbicos.
"A água é um bem finito, e talvez não tenhamos sido os mais
eficientes na sua gestão. Nos últimos seis anos, a vazão da
maioria dos rios europeus tem estado abaixo da média, o que
significa que temos que nos adaptar às atuais condições
climáticas, nas quais a disponibilidade de água é menor do
que no passado", afirmou a vice-diretora do C3S, Samantha
Burgess.
Incêndios florestais
O calor e a falta de chuvas formaram o cenário ideal para os
milhares de incêndios florestais que devastaram a Europa em
2022, especialmente no sul. Esses incêndios geraram as
maiores emissões de carbono desse tipo registradas na União
Europeia desde o verão de 2017.
França, Espanha, Alemanha e Eslovênia tiveram as maiores
emissões de incêndios florestais dos últimos 20 anos, e o
sudoeste europeu teve alguns dos maiores incêndios já
registrados no continente.
O relatório também indicou que, em âmbito global, a
concentração de CO2 e metano atingiram no ano passado os
níveis mais altos já medidos por satélites. Esses gases são os
principais causadores do aquecimento global.
cn/lf (EFE, AFP, AP, dpa)

Como as mudanças climáticas impactaram 2022


Calor, seca, incêndios, tempestades extremas, inundações –
mais uma vez, o ano foi marcado por muitos eventos
climáticos direta ou indiretamente influenciados pelas
mudanças climáticas. Uma retrospectiva em fotos.
Foto: Thomas Coex/AFP
Na Europa, 2022 foi mais quente e seco do que
nunca (agosto)
Calor extremo e a pior seca em 500 anos marcaram o verão na
Europa. Na Espanha, mais de 500 pessoas morreram na onda
de calor mais forte já registrada no país, com temperaturas
acima de 45º C. No Reino Unido, o termômetro bateu 40º C
pela primeira vez. Partes do continente nunca estiveram tão
secas nos últimos mil anos, e muitas regiões racionaram água.
Foto: Thomas Coex/AFP

Graves incêndios devastaram a Europa


(julho)
De Portugal, Espanha e França, no oeste, passando pela Itália
até a Grécia e Chipre, no leste, e a Sibéria, no norte, florestas
estiveram em chamas em todo o continente em 2022. Os
incêndios queimaram cerca de 660 mil hectares somente até
meados do ano, um recorde desde o início dos registros, em
2006.
Foto: /Service Communication-Protocole SDIS 33/AP/dpa/picture alliance

Fortes inundações na Ásia (setembro)


Chuvas de monção extremas caíram sobre o Paquistão. Cerca
de um terço do país ficou debaixo d'água, 33 milhões de
pessoas perderam suas casas, mais de 1.100 morreram e as
doenças estão se espalhando. Chuvas extremamente fortes
também atingiram o Afeganistão. Milhares de hectares de
terra foram destruídos. A fome no país está piorando.
Foto: Stringer/REUTERS
Calor, seca e tufões afetaram a Ásia (agosto e
setembro)
Antes das enchentes, o Afeganistão e o Paquistão, assim como
a Índia, tiveram calor extremo e seca. A China passou por sua
seca mais extrema em 60 anos e seu pior calor já registrado.
No outono, 12 tufões assolaram a China. Coreia do Sul,
Filipinas, Japão e Bangladesh também sofreram com fortes
tempestades, que estão se tornando cada vez mais fortes
devido às mudanças climáticas.
Foto: Mark Schiefelbein/AP Photo/picture alliance

Na África, consequências dramáticas


O clima no continente africano está esquentando mais rápido
do que a média global. Por isso, a África é particularmente
afetada por mudanças nas chuvas, secas, tormentas e
inundações. Na Somália, a seca de 2022 foi a pior em 40 anos.
Um milhão de pessoas tiveram que deixar suas casas. Na foto,
um alagamento no Senegal em julho.
Foto: ZOHRA BENSEMRA/REUTERS

Fuga e fome nos países africanos


Estiagens e inundações tornam difícil a criação de gado ou a
agricultura em cada vez mais regiões do continente africano.
Como resultado, mais de 20 milhões de pessoas correm risco
de morrer de fome, principalmente na Etiópia, na Somália e
no Quênia.
Foto: Dong Jianghui/dpa/XinHuapicture alliance
América do Norte: Incêndios e inundações
No final do verão no Hemisfério Norte, incêndios graves
ocorreram nos estados americanos da Califórnia, Nevada e
Arizona, em particular. Uma cúpula de calor se formou em
todos os três estados, com temperaturas chegando a 40º C. No
início do verão, fortes chuvas haviam causado grandes
alagamentos no Parque Nacional de Yellowstone e no estado
de Kentucky.
Foto: DAVID SWANSON/REUTERS

América e Caribe: ciclones violentos


Em setembro, o furacão Ian causou grande devastação no
estado americano da Flórida. As autoridades falaram de
"danos em escala histórica". O Ian já havia passado por Cuba,
onde causou interrupção no fornecimento de eletricidade por
vários dias. O ciclone tropical Fiona se moveu até a costa leste
do Canadá depois de causar graves danos inicialmente na
América Latina.
Foto: Giorgio Viera/AFP/Getty Images

Tempestades tropicais devastam América


Central
Não apenas o Fiona assombrou a América Central. Em
outubro, o furacão Julia trouxe devastação severa a Colômbia,
Venezuela, Nicarágua, Honduras e El Salvador. Devido ao
aquecimento global, as superfícies dos oceanos estão
esquentando, o que torna os furacões mais fortes.
Foto: Matias Delacroix/AP Photo/picture alliance
Seca extrema na América do Sul
Há uma seca persistente em quase todo o continente sul-
americano. No Chile, por exemplo, isso ocorre desde 2007.
Desde então, a água dos córregos e rios em muitas regiões
diminuiu entre 50% a mais de 90%. Em regiões do México,
quase não chove há vários anos consecutivos. Argentina,
Brasil, Uruguai, Bolívia, Panamá e partes do Equador e da
Colômbia também sofrem com a seca.
Foto: IVAN ALVARADO/REUTERS

Alagamentos na Austrália e Nova Zelândia


Na Austrália, fortes chuvas em 2022 causaram graves
inundações várias vezes. De janeiro a março, choveu tanto na
costa leste quanto na Alemanha durante todo o ano. A Nova
Zelândia também foi afetada. O responsável é o fenômeno
climático La Niña, que é amplificado pelas mudanças
climáticas, pois a atmosfera mais quente absorve mais água e
as chuvas aumentam.
Foto: Jenny Evans/Getty Images

"Perda de água é alerta para as


mudanças climáticas"
Brasil concentra maior volume de água doce do mundo,
mas vem secando nas últimas décadas. Para especialista,
redução indica aquecimento global em curso.

Entre 1985 e 2022, a superfície de água no Pantanal diminuiu 81,7%Foto: Philipp


Lichterbeck/DW
O Brasil concentra o maior volume de água doce do mundo:
12% das reservas hídricas do planeta e 53% dos recursos
hídricos da América do Sul estão em território nacional.
Apesar dessa abundância, o país passou por três grandes
secas nos últimos 20 anos. A mais recente delas, ocorrida em
2021, foi a mais severa registrada em 90 anos. Um
levantamento da rede de cientistas MapBiomas mostrou ainda
que o Brasil está secando: enquanto em 1991 o país era
coberto por 19,7 milhões de hectares de água, em 2022 essa
área caiu para 18,2 milhões de hectares, uma diminuição de
quase 8% da superfície hídrica.
Essa perda, segundo o coordenador da plataforma
MapBiomas Água, Carlos Souza Junior, pode estar relacionada
com a diminuição das águas subterrâneas, os aquíferos, que
abastecem rios e demais corpos hídricos. O especialista
aponta ainda as mudanças climáticas e o desmatamento como
fatores que explicam esse cenário preocupante.
"Um terreno desmatado, ou seja, sem vegetação, não tem
tempo de absorver a água, porque o escoamento na sua
superfície é muito rápido. Sem a absorção, não há o
abastecimento do solo e subsolo ", diz Souza.
Em entrevista à DW, o pesquisador lembra da importância da
floresta amazônica na regulação das chuvas no Brasil e em
todo o continente americano, e indica caminhos para tentar
interromper a seca que está em curso no país.
DW: A área coberta por água doce no Brasil diminuiu
cerca de 8% nas últimas três décadas. O que significa
dizer que o país perdeu superfície de água?
Carlos Souza Junior: Ainda não temos um diagnóstico
definido, mas temos um estudo na bacia do Rio São Francisco
que mostra que a redução da superfície de água teve alta
correlação com a redução de água nos aquíferos. Ou seja, se
está reduzindo a quantidade de água na superfície,
possivelmente os aquíferos já estão comprometidos.
A Amazônia e a Mata Atlântica têm as maiores reservas de
água doce no Brasil, concentrando 60% e 12% de todos
os recursos hídricos do território, mas o Cerrado é o
bioma considerado a caixa d'água do país. Por quê?
O Cerrado abriga muitas nascentes de rios. Por isso, ele tem
um papel importante de prover água para várias bacias que
estão tanto dentro quanto fora do bioma. Apesar dessa
importância hídrica, o Cerrado sofre uma pressão muito forte
do agronegócio, atividade que é grande consumidora de água
e está ligada ao desmatamento.
Por falar em desmatamento, como ele interfere na
quantidade de água doce disponível no país?
A vegetação natural é importante para equilibrar a umidade e
temperatura local, já que ela consegue reter a água no terreno
e, com isso, diminuir o retorno da radiação solar para a
atmosfera. Porém, um terreno desmatado, ou seja, sem
vegetação, não tem tempo de absorver a água, porque o
escoamento na sua superfície é muito rápido. Sem a absorção,
não há o abastecimento do solo e subsolo.
Quando pensamos somente na Amazônia, região rica em
rios, o impacto do desmatamento no ciclo hidrológico é
maior?
O desmatamento na Amazônia é um problema local, porque
afeta as bacias hidrográficas da região desmatada, mas
também global, já que a floresta funciona como uma potente
bomba hidráulica capaz de regular o ciclo hidrológico de todo
o continente americano.
Quando chove, as raízes da vegetação absorvem a água e a
retém no solo. Essa água absorvida pela floresta irá voltar
para a atmosfera através da transpiração das plantas e
abastecerá as nuvens, que serão carregadas para outras
regiões por meio dos ventos. É o processo chamado de rios
voadores. Porém, conforme removemos a floresta, o
ecossistema amazônico vai perdendo essa capacidade de
retornar a umidade para a atmosfera, faltando água para
abastecer as nuvens. Por isso, ao interferir nos rios voadores,
o desmatamento na Amazônia pode afetar as chuvas no
continente.
É possível dizer se as mudanças climáticas já estão
afetando a quantidade de água doce no Brasil?
Os sistemas aquáticos são os mais vulneráveis aos efeitos
climáticos. Um exemplo são as áreas de várzea na Amazônia,
um tipo de vegetação que está temporária ou
permanentemente inundada. Mesmo distantes das áreas de
desmatamento, temos observado que as várzeas estão
perdendo água. Se não é o desmatamento da floresta, a causa
de as várzeas estarem secando é uma evaporação causada
pelo aquecimento local, uma vez que os verões na Amazônia
estão cada vez mais secos, longos e quentes. Ou seja, a perda
de água nas várzeas é um alerta de que as mudanças
climáticas já estão causando alterações nos nossos sistemas
aquáticos, assim como a redução de água no Pantanal. [Entre
1985 e 2022, a superfície de água no Pantanal diminuiu
81,7%, segundo dados do MapBiomas Água.]
Apesar de o Brasil ter recuperado 1,7 milhões de hectares
de água no ano passado em comparação com 2021, ano
em que o país registrou a menor quantidade de água doce
nos últimos 30 anos, a diminuição da superfície hídrica
no Mato Grosso (-48%) e Mato Grosso do Sul (-23%)
chamam atenção. O que explica essas perdas em ambos os
estados?
A perda hídrica nesses estados é resultado da remoção da
vegetação natural ao longo do tempo, conjugado com as
mudanças climáticas, que são amplificadas nesses locais pelo
desmatamento. Sem a vegetação natural, esses estados têm
dificuldade em absorver e reter a água no solo. Há, ainda, a
presença de uma infraestrutura que afeta a quantidade de
água, como barragens de pequena, média e larga escala, que
reduzem o fluxo dos rios.
Como garantir que não falte água doce potável no futuro?
Com um conjunto de medidas que envolve desde políticas
públicas a campanhas de conscientização em massa sobre o
uso racional da água e conservação. Cada um tem que fazer a
sua parte. Também vai ser preciso acabar com o
desmatamento em todos os biomas, além de evitar a
construção de represas e barragens, mudar a lógica de
produção do agronegócio e investir em planejamento de
paisagem para evitar campos de produção agrícola muito
extensos e sem vegetação. Temos ainda a questão dos
insumos químicos no campo, como fertilizantes e defensivos
usados na agricultura de larga escala. Com as chuvas, esses
insumos desaguam nos ecossistemas aquáticos, causando um
problema sério de contaminação da biodiversidade nos rios e
lagos e das águas subterrâneas.
Se chegarmos a um ponto crítico de disponibilidade de
água doce, dessalinizar a água do mar será uma opção?
Isso é algo muito caro. Se chegarmos ao nível de ter que
recorrer à dessalinização da água, é porque já perdemos a luta
contra as mudanças climáticas.

Mesmo com crise hídrica, Brasil


perde 40% da água tratada
Ainda sob impacto da pior crise hídrica em décadas, país
mantém altas taxas de desperdício do recurso tratado e
problemas de acesso à água. Cientistas climáticos
preveem agravamento do cenário.
Em todo o país, a perda média de água tratada sofreu poucas variações ao longo
dos anosFoto: Nicole Ris/A. B. Rodhial Falah/DW
Às margens do maior rio do mundo, o Amazonas, moradores
de Macapá (AP) convivem com a incerteza da água potável na
torneira. Interrupções no fornecimento são comuns, o que
deixa bairros inteiros sem o serviço por dias, ou à mercê de
um abastecimento irregular.
A rede de distribuição ainda chega a poucas casas em todo o
estado, com apenas 34% dos domicílios nas cidades
atendidos. E a água limpa que se perde no caminho faz do
Amapá o campeão em desperdício: 74% do volume que sai
das estações de tratamento simplesmente não chegam às
torneiras.
O recurso se dissipa em pontos principalmente onde a
pressão é mais alta, em tubulações antigas ou mal instaladas,
explica Arisvaldo Vieira Mello Junior, professor do
Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da
Universidade de São Paulo (USP).
"Esse tipo de perda tem forte conotação econômica, social e
ambiental. As companhias perdem água tratada, e esse
prejuízo se reflete na conta dos consumidores", comenta
Mello Junior sobre o panorama nacional.
Em todo o país, a perda média de água tratada sofreu poucas
variações ao longo dos anos. Se comparada aos dados de dez
anos atrás, a taxa aumentou. Em 2011, 37,2% do recurso foi
desperdiçado no trajeto até as residências. Em 2021, esse
índice foi de 40,1%, apontam dados do Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério do
Desenvolvimento Regional.

É como se, por dia, cada uma das 61,7 milhões de casas
conectadas ao sistema em todo o país perdessem 343 litros de
água para vazamentos. E junto com a água limpa que volta
para o solo, vão-se quantias consideráveis investidas no
processo de purificação.
"Economicamente há um impacto ao gastar mais recursos
com o tratamento de água, sendo que este recurso a mais
poderia ser investido, por exemplo, em reparar e substituir
pouco a pouco a rede de distribuição de água potável",
comenta Adriana Cuartas, pesquisadora do Centro Nacional
de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais
(Cemaden).

Perda sem controle


A realidade sobre as perdas de água e dos serviços prestados
pode ser um pouco pior do que mostra o SNIS. As informações
que compõem o banco de dados são fornecidas pelas mais de
1.900 prestadoras em todo o país, que o fazem de forma
voluntária.
"Como não não existe um método bem acurado para
quantificar essas perdas, o que é apresentado é muito
provavelmente um valor abaixo da realidade. E esse dado, que
não é fornecido de forma obrigatória, também não é
fiscalizado por nenhuma agência governamental", comenta
Mello Junior.
O cenário não deixa de mostrar uma "enorme
irracionalidade", analisa Wilson Cabral, especialista em gestão
de recursos hídricos e membro do Observatório das Águas.
Dentre os principais motivos para as grandes perdas, Cabral
nomeia o baixo investimento em manutenção e renovação dos
sistemas de distribuição, e redução programada da
capacidade técnica de diversos municípios e estados para
lidar com os serviços de saneamento básico.
"Uma possibilidade [que poderia contribuir para mudanças] é
o estabelecimento de metas de uso eficiente e redução de
perdas de água para renovações e concessões de outorgas
para uso da água. Atualmente, as outorgas apenas consideram
a disponibilidade atual na bacia e os outros usos, mas não
estão condicionadas a metas de uso eficiente", sugere Cabral.
Questionado pela DW sobre os dados, o Ministério de
Desenvolvimento Regional não respondeu até o fechamento
desta reportagem.*
Crescente falta de água
Somada ao desperdício, a escassez do recurso nas bacias
hidrográficas agrava o panorama. A pior crise hídrica desde
1961, para qual alarmes foram soados em 2021, ainda não
acabou, segundo Adriana Cuartas. A região Sul e parte da
Sudeste continuam sentindo os impactos da seca, pontua a
pesquisadora.
"Em algumas regiões do país, a situação da disponibilidade
hídrica é pior hoje que no passado recente, o que nos coloca
numa situação preocupante para os próximos meses. O
período chuvoso termina sem que tenha havido uma
reposição razoável dos reservatórios", adiciona Wilson Cabral.
Com o fim do verão e, portanto, da estação chuvosa, a
preocupação aumenta. Modelos climáticos feitos por
cientistas apontam que a situação de crise tende a se repetir
com mais frequência nas próximas décadas.
"O futuro nos reserva vários anos de dificuldades em relação à
oferta de água para os diversos fins: abastecimento
doméstico, agricultura, geração hidrelétrica, saneamento e
para a própria manutenção dos ecossistemas", ressalta Cabral.
Outro ponto preocupante é a poluição: menos água nos rios e
reservatórios leva ao aumento da concentração de poluentes.
Neste ciclo, água mais poluída custa mais para ser tratada.
"Quanto menor a disponibilidade de água com qualidade boa,
mais ela precisa de tratamento, mais caro fica o tratamento, e,
no fim, fica mais cara a conta de água, porque as empresas
repassam isso para os consumidores", comenta Gustavo
Veronesi, coordenador do programa Observando os Rios na
SOS Mata Atlântica, sobre outro fator que influencia a
cobrança do serviço.
Litros contados
Com um índice de perda de água de 32%, menor que a média
nacional, Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, cobra
mais pelo fornecimento do recurso que a média brasileira (R$
5,01 contra R$ 4,55 por metro cúbico, respectivamente).
É lá que vive Denise Marques Rossalas, moradora da
comunidade Vila Pedreira, marcada pela dificuldade de acesso
ao recurso natural. A situação fez com que ela aprendesse a
viver contando os litros de água.
"Antes eu tinha garrafas PET e garrafa de refrigerante. Enchia
todas elas e colocava à minha disposição", diz sobre a falta
constante de água no bairro.
Desde que recebeu em casa uma caixa de 500 litros,
beneficiada por um projeto de segurança hídrica da
organização Engenheiros Sem Fronteiras, Rossalas se
programa para fazer uso racional do recurso, que dura até
dois dias segundo o cotidiano da família.
*Após o fechamento desta reportagem, o Ministério do
Desenvolvimento Regional encaminhou a seguinte resposta aos
questionamentos da DW Brasil:
"Os indicadores de perdas de água resumem a eficiência
operacional dos prestadores. Assim, a tendência crescente
mostra que os serviços vinham sendo oferecidos à população de
forma menos eficiente. Isso acontece porque os prestadores, a
maioria públicos e sem estímulos à eficiência, de modo geral
inserem os custos das perdas nas tarifas que são pagas pela
população, não gerando incentivos à redução da água
desperdiçada.
Outro fator que deve ser considerado é o tempo de uso da
infraestrutura (tubos, conexões, equipamentos), que, quanto
mais antiga, maior tende a ser o índice de perdas, caso as
empresas que prestam os serviços não atuem para combatê-las.
Essa é uma das razões pelas quais o Novo Marco Legal do
Saneamento foi aprovado. Primeiramente, o tema de perdas de
água foi posicionado na nova lei de forma a gerar ação de todos
os agentes do setor: prestadores, reguladores, poder
concedente, etc. Além disso, a entrada da iniciativa privada
tende a consolidar a utilização de tecnologias mais avançadas
de combate a perdas, que não são usualmente utilizadas pelos
prestadores públicos, permitindo que os índices comecem a
diminuir gradativamente."

Clima global depende de ações


urgentes, apela IPCC
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
alerta que aumento das temperaturas, catástrofes
naturais e alterações nos ecossistemas ameaçam cada vez
mais a vida humana e a natureza em todo o planeta.

Medidas de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas podem salvar vidas e
são mais baratas do que os custos das alterações desenfreadas no clima na
economiaFoto: Mathilde Bellenger/AFP/Getty Images
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC), entidade científica que reúne pesquisadores de todo o
mundo, publicou nesta segunda-feira (20/03) um relatório
sobre o estado atual do clima global e as formas de lidar com o
tema.
O documento alerta que o aumento das temperaturas,
catástrofes naturais e alterações nos ecossistemas ameaçam
cada vez mais a vida humana e a natureza em todas as regiões
do mundo. E os avanços alcançados em termos de proteção
climática não são suficientes para reverter esse quadro.
"A implementação de medidas climáticas eficientes e
equitativas poderá não apenas reduzir as perdas e danos para
a natureza e para as pessoas, mas também trará benefícios
enormes", afirmou o presidente do IPCC, Hoesung Lee. "O
relatório ressalta a urgência de mais ações ambiciosas e
mostra que, se agirmos agora, ainda poderemos assegurar um
futuro sustentável e com vida para todos."

O que é o IPCC?
O IPCC é um órgão das Nações Unidas que analisa as
pesquisas atuais sobre o clima. Ele possui centenas de
cientistas que estudam os impactos atuais e os riscos futuros
impostos pela crise climática, bem como formas de mitigar os
impactos negativos e de se adaptar a um planeta mais quente.
Os especialistas avaliam coletivamente milhares de estudos
científicos, bem como relatórios governamentais e da
indústria, para produzir uma análise abrangente sobre a
forma como as mudanças climáticas alteram o mundo.
Desde 2018, o Painel publicou seis relatórios especiais de
grande profundidade. O documento atual é um resumo global
das principais conclusões.

Proteção climática abaixo das


expectativas
A mensagem básica de todos os relatórios é inequívoca. "Sem
uma ação climática urgente, eficaz e equitativa, as alterações
climáticas ameaçam cada vez mais a saúde e a prosperidade, o
bem-estar dos ecossistemas e a biodiversidade em todo o
mundo", urgem os autores.
A humanidade alterou drasticamente o planeta em apenas
alguns séculos, sendo responsável pelas mudanças
climáticas através da queima de carvão, petróleo e gás.
A temperatura da Terra já subiu 1,1° C em relação à era pré-
industrial. Em 2015, os líderes mundiais concordaram, após
intensas negociações em Paris, em limitar o aquecimento
global a uma meta comum de, idealmente, 1,5° C. Até agora,
nenhuma das grandes nações globais está dentro do
calendário previsto para cumprir este objetivo.
Os possíveis cenários para o futuro mostram claramente que
as mudanças no clima só podem ser impedidas com uma
transformação radical do sistema energético.

Até 2030, é preciso cortar quase metade das emissões resultantes da queima de
carvão, petróleo e gás, ou enfrentar um aquecimento global de 3° C.Foto: Ina
Fassbender/AFP/Getty Images
Além disso, são necessárias medidas de adaptação aos efeitos
das alterações climáticas já visíveis hoje em dia. Isso poderá
salvar vidas e é ainda mais barato do que os custos das
alterações climáticas desenfreadas na economia e na
sociedade.
No entanto, a janela de oportunidade para atingir esses
objetivos está se fechando rapidamente, afirmam os
cientistas. Até 2030, a comunidade global precisa reduzir a
quase a metade suas emissões resultantes da queima de
carvão, petróleo e gás, ou então enfrentar um aquecimento
global de cerca de 3° C.
"A eliminação rápida e equitativa de todos os combustíveis
fósseis e a mudança para as energias renováveis é essencial e
tem grande potencial para o desenvolvimento sustentável em
todo o mundo", comentou em nota Sven Harmeling, da ONG
Care.

Críticas ao modelo utilizado


Embora o relatório científico do IPCC seja independente, os
representantes de 195 países votam sobre o conteúdo do
resumo e sobre as recomendações aos tomadores de decisão.
Como resultado, a redação acaba sendo, com frequência, vaga.
"O resumo é também uma medida de o que os países já estão
implementando", diz Annika Schroeder, especialista em clima
da organização de desenvolvimento Misereor.
Para Schroeder, os mecanismos de captura e eliminação de
CO2 da atmosfera, por exemplo, recebem demasiado destaque
nos cenários de mitigação das mudanças climáticas. Algumas
das chamadas tecnologias CDR (Carbon Dioxide
Removal: "remoção de dióxido de carbono") ainda não estão
prontas para o mercado de massa.
A Agência Federal Alemã do Meio Ambiente publicou
recentemente um relatório mostrando que, apenas na
Alemanha, os danos causados pelas mudanças climáticas
podem chegar a 900 bilhões de euros (mais de 5 trilhões de
reais) até 2050. Uma resposta mais rápida pouparia bilhões
no futuro.
Schroeder diz que o investimento e a pesquisa dessas
tecnologias têm de ser realizados, e acrescenta que, quando se
trata de proteção do clima, não se deve esperar até que tudo
isso esteja pronto: "Este é o grande perigo no relatório do
IPCC", avalia.

O que significa 1,5° C a mais?


Para o planeta, cada décimo de grau centígrado a mais faz
diferença. Pode determinar se ecossistemas inteiros
colapsam, se os estados insulares são varridos do mapa, ou se
as regiões costeiras se tornam inabitáveis.
Por exemplo, limitar o aquecimento a 1,5° C em vez de 2° C
pouparia 10 centímetros de aumento do nível do mar global
até 2100. Essa diferença de meio grau significaria
provavelmente que a Antártida estaria sem gelo somente
durante um verão por século, em vez de uma vez por década.
Mesmo a 2º C de aquecimento, pode-se perder 99% dos
recifes de coral.
As fortes chuvas, que costumavam ocorrer apenas uma vez
por década, são já 30% mais prováveis. Com 3° C de
aquecimento, elas ocorrerão duas ou mesmo três vezes por
década, liberando um terço a mais de água.
As secas, que costumavam ocorrer uma vez a cada dez anos,
tornarão o solo infértil quatro vezes por década. As ondas de
calor, que já são 2,8 vezes mais prováveis e 1° C mais quentes
do que antes da Revolução Industrial, serão 9,4 vezes mais
prováveis e 5° C mais quentes.

Possíveis soluções
Há inúmeras formas de produzir menos gases com efeito de
estufa, seja através de uma dieta que inclua menos carne,
utilização de transportes elétricos, conversão da indústria
siderúrgica em hidrogênio, fim dos subsídios aos
combustíveis fósseis, expansão dos transportes públicos, ou
proteção da biodiversidade e das florestas.
Para tal, é necessária uma "ação maciça e paralela", afirma
Tom Mitchell, diretor-executivo do Instituto Internacional
para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED): "Gostemos
ou não, a única opção é a solidariedade e a responsabilidade
compartilhada, na qual cada um tem de fazer a sua parte."
Impor limites à crise climática requer mais do que apenas
governos. As pegadas ecológicas das cidades e regiões, da
agricultura e do comportamento dos consumidores, também
teriam de ser reduzidos ao mínimo.
A prioridade maior, contudo, é uma rápida eliminação gradual
do carvão, petróleo e gás e a eletrificação simultânea do
sistema energético global, baseada principalmente na energia
eólica e solar. Desde 2010, o custo das energias renováveis foi
reduzido em até 85%.

Por que a maior parte do plástico não


pode ser reciclado
Apenas 9% do lixo plástico é reciclado, derrubando o
mito de que essa poderia ser a saída para evitar o
acúmulo da poluição plástica.

Maior parte das embalagens plásticas é produzida com sete tipos de material,
basicamente incompatíveis entre si e difíceis de reciclarFoto: Crispin
Kyalangalilwa/REUTERS
Cerca de 85% das embalagens plásticas de todo o mundo
acabam nos depósitos de lixo. Nos Estados Unidos, de longe o
maior poluidor de plásticos em todo o mundo, somente 5%
das 50 milhões de toneladas de lixo desse material
descartado pelas residências foram recicladas, afirma a ONG
ambientalista Greenpeace. Uma triste constatação no Dia
Global da Reciclagem, 18 de março.
Tendo em vista a previsão de que sua produção deverá
triplicar até 2060, os plásticos fabricados principalmente a
partir de petróleo e gás são uma fonte crescente
da poluição carbônica que impulsiona as mudanças climáticas.
Grande parte do lixo plástico acaba nos oceanos, com
impacto grave sobre a vida marinha.
As promessas feitas pelas empresas que mais
consomem plástico, como a Nestlé e a Danone, de promover a
reciclagem e incluir cada vez mais reciclados em suas
embalagens, não vêm sendo cumpridas.
Na Áustria e Espanha, o lobby do plástico, juntamente com os
supermercados, tenta às vezes evitar a responsabilização
fazendo frente contra os esquemas de vasilhames
retornáveis que incluam garrafas de plástico.
Mas ainda há esperança. Novas regulamentações universais
sobre o plástico estão sendo atualmente negociadas no
âmbito de um tratado mundial visando otimizar a produção,
usar e reutilizar o plástico, num modelo de economia circular.
No entanto, essa produção circular ainda se baseia do mito da
reciclagem, que, nas condições atuais, pouco está
fazendo para aplacar a crescente crise do plástico.

Separar sete tipos de plástico


Além disso, seria muito custoso separar o lixo entre os sete
tipos diferentes utilizados.
O mais comum em todo o mundo é o politereftalato de etileno
(PET), em segundo lugar vem o polietileno de alta intensidade
(HDPE). De acordo com o Greenpeace, cinco outros tipos de
plástico podem ser coletados, mas são raramente reciclados.
O PET é o mais reciclável e há um mercado forte pela
utilização de seu subproduto para fazer garrafas, embalagens
e fibras para roupas. Os demais tipos, porém, possuem um
mercado muito pequeno, já que o custo da matéria prima é
menor do que o custo para reciclá-los.
"É difícil reprocessar e separar todo o plástico", confirma Lisa
Ramsden, diretora da campanha do Greenpeace contra os
plásticos. E os contêineres mistos de coleta podem possuir
contaminantes que tornam o plástico irreciclável.
"Reciclar não é o problema, mas sim, os plásticos", prossegue.
Com os plásticos virgens muitas vezes custando menos do que
os reciclados, a reciclagem acaba não sendo econômica.

Plástico virgem é caro demais


A resina plástica pós-consumo criada a partir da reciclagem
de materiais acaba sendo sabotada pelo plástico virgem de
custo mais baixo, o que limita o mercado para os reciclados.
Um relatório da empresa de análises de mercado S&P Global
demonstra que a demanda pelo plástico reciclado bruto está
desacelerando, entre outros fatores devido a um aumento no
custo dos transportes para os centro de reciclagem na Ásia e à
lentidão no setor que utiliza materiais plásticos na construção
de edifícios.
Produtos com plástico retirado do oceano: fato ou falso?
Enquanto o preço do plástico virgem está sujeito aos
caprichos da flutuação dos preços de gasolina e gás, esses
combustíveis fósseis são normalmente subsidiados. De acordo
com Sander Defruyt, diretor da iniciativa Nova Economia do
Plástico, uma entidade sem fins lucrativos nos EUA, o plástico
reciclado poderia ser mais competitivo se os subsídios aos
combustíveis fósseis fossem removidos de maneira
escalonada.
Contudo, as empresas que produzem lixo poderia ajudar a
manter os custos abaixo dos de plásticos
virgens subsidiando iniciativas de reciclagem sob o princípio
da responsabilidade ampliada do produtor, afirma Defruyt.
Esses subsídios corporativos têm sido fundamentais para as
iniciativas de reciclagem em países como a Alemanha e a
França.

O problema das embalagens flexíveis


Os pacotes leves que armazenam comidas como batatas chips
ou barras de chocolate frescas representam 40% das
embalagens de plástico em todo o mundo, afirma Defruyt. As
chamadas embalagens flexíveis de peso leve, descartáveis e
compostas por multicamadas são utilizadas para embalar em
torno de 215 bilhões de produtos, somente no Reino Unido.
Apenas em torno de cinco países europeus promovem
tentativas de reciclar essas embalagens, relatou Defruyt. Nos
EUA, as embalagens flexíveis representaram somente 2% da
reciclagem nas residências em 2020. Quando não acabam
queimadas ou em algum depósito de lixo, essas embalagens
são normalmente perdidas ou despejadas no meio ambiente.
Parte do problema são as multicamadas que às vezes incluem
uma película, o que encarece bastante separar os materiais
em partes recicláveis. Essas embalagens são, normalmente,
"supercontaminadas" com restos de alimentos desperdiçados,
o que as torna impossíveis de reciclar, avalia Defruyt.
A indústria de embalagens alega que as flexíveis trazem
benefícios ambientais, por serem mais leves do que os
plásticos mais rígidos e causarem menos emissões de
transporte, além de manterem a comida fresca por um tempo
mais longo. No entanto, os esforços da indústria de
embalagens flexíveis para integrá-las à economia circular
pouco contribuem para aumentar os índices de reciclagem.

Proibir é solução?
Uma pesquisa de 2022, com mais de 23 mil consultados em 34
países, revelou que 80% apoia banir alguns tipos de plástico
que não podem ser facilmente reciclados.
Os autores da pesquisa, conduzida pela entidade internacional
de conservação WWF e pela Plastic Free Foundation, na
Austrália, afirmam que "qualquer progresso significativo em
reduzir o lixo global de plástico" precisa incluir a
proibição dos "tipos de plástico de uso único mais
problemáticos e prejudiciais, equipamentos de pesca e
microplásticos."
A União Europeia (UE) adotou algumas medidas nessa
direção, ao banir dez tipos de plásticos mono-uso que não
empestam apenas as praias europeias, mas também estão na
contramão do modelo de economia circular da UE, segundo
o qual todos os plásticos descartáveis terão de ser
reutilizáveis até 2030.
Enquanto isso mais de 30 países africanos baniu parcial ou
totalmente os sacos plásticos leves. Um tratado global de
plásticos poderia alinhar essas proibições mundo afora,
possibilitando uma regulamentação global coerente.

O que é o 'problema dos beijos' que


atormenta os matemáticos há séculos

CRÉDITO, GETTY IMAGES - Legenda da foto - Walter tinha uma dúvida sobre suas
balas de canhão
Tudo começou no século 16 com o famoso explorador ou
pirata (dependendo do seu ponto de vista) inglês Walter
Raleigh. Mas ele não era matemático nem, pelo que sabemos,
tinha problemas com beijos.
O que ele tinha eram balas de canhão e uma pergunta: qual
era a maneira mais eficaz de empilhá-las para minimizar ao
máximo o espaço que ocupavam em suas embarcações?
Era um problema matemático — e, na matemática, essas balas
são esferas e "beijo" (ou ósculo) é uma forma de chamar os
pontos em que uma esfera toca a outra.
A questão de Raleigh geraria um mistério matemático que
povoaria mentes brilhantes por centenas de anos.
Ele fez a pergunta a seu consultor científico em uma viagem à
América em 1585, o ilustre matemático Thomas Harriot, que
deu a ele uma solução:
A melhor maneira de armazenar suas balas de canhão era
organizá-las em forma de pirâmide.
Em um manuscrito de 1591, Harriot fez para ele uma tabela
mostrando como, dado o número de balas de canhão, alguém
poderia calcular quantas colocar na base de uma pirâmide
com uma base triangular, quadrada ou oblonga (alongada).
Mas Harriot continuou pensando sobre o assunto, e levou em
consideração as implicações para a teoria atômica da matéria,
que estava em voga na época.

CRÉDITO, GETTY IMAGES - Legenda da foto - Este método minimiza o espaço e


aproveita o vão que se forma entre as esferas da camada anterior
Em uma carta a seu amigo Johannes Kepler, o famoso
astrônomo, ele mencionou o problema do armazenamento.
Kepler supôs que a maneira ideal de minimizar o espaço
deixado pelas lacunas entre as esferas era fazer com que os
centros das esferas em cada camada ficassem acima de onde
as esferas da parte de baixo se "beijavam".
Isso é o que muitas vezes se faz com as frutas nos mercados,
por exemplo.
Essa forma, que parece tão intuitivamente óbvia, se revelou
extremamente difícil de provar matematicamente.
Embora muitos tenham tentado, incluindo Johann Carl
Friedrich Gauss, "o príncipe da matemática", a mesma só foi
comprovada quase quatro séculos depois, em 1998, com o
trabalho de Thomas Hales, da Universidade de Michigan, nos
EUA, e o poder de um computador.
E nem sequer essa verificação convenceu todos os
matemáticos; ainda hoje há quem não a considere digna da
conjectura de Kepler — que indica que se empilhamos esferas
iguais, a densidade máxima é alcançada com um
empilhamento piramidal de faces centradas.
As incógnitas das esferas
Essa não foi a única dor de cabeça causada por objetos
esféricos.
Na verdade, uma ampla categoria de problemas matemáticos
é chamada de "problemas de empacotamento de esferas".
Resolvê-los serviu para desde explorar a estrutura dos cristais
até otimizar os sinais enviados por celulares, sondas espaciais
e internet.
E assim como Raleigh com suas balas de canhão, as indústrias
de logística, de matérias-primas e muitas outras dependem
fortemente de métodos de otimização fornecidos pela
matemática.
Matemáticos descobriram, por exemplo, que esferas
empilhadas aleatoriamente tendem a ocupar qualquer espaço
com uma densidade de aproximadamente 64%. Mas se você
colocá-las cuidadosamente em ordem de maneiras específicas,
poderá chegar a 74%.
CRÉDITO,GETTY IMAGES
Esses 10% de diferença representam uma economia não
apenas nos custos de transporte, mas também nos danos ao
meio ambiente.
Mas aplicações práticas como essa requerem provas
matemáticas, e o empacotamento de esferas trouxe incógnitas
particularmente difíceis, assim como a conjectura de Kepler.
Uma delas surgiu de uma conversa entre Isaac Newton, um
dos maiores cientistas de todos os tempos, e David Gregory, o
primeiro professor universitário a ensinar as teorias de ponta
de Newton.
Era um problema de número de "beijos", mas...
O que são?
Imagine que você tem vários círculos de cartolina do mesmo
tamanho e deseja colá-los em um quadro ao redor de um
deles.
O número de "beijos" é igual ao número máximo de círculos
que você consegue colocar "beijando" — ou tocando — o
central.
Simples assim.
Acontece que os matemáticos mostraram que no máximo 6
círculos podem ser colocados em torno do inicial, então o
número de "beijos" é 6.
Agora imagine que em vez de círculos de papelão, você tem
bolas de borracha, todas do mesmo tamanho.
Novamente a pergunta é: qual é o número máximo de bolas
que você pode colocar ao redor de uma no centro?
Ao adicionar essa terceira dimensão — o volume —, a questão
de especificar o número de "beijos" se tornou mais
complicada.
E foram necessários dois séculos e meio para descomplicá-la.

Legenda da foto - Cada estrela é um 'beijo'


Newton e Gregory
A questão começou com aquela famosa discussão entre
Newton e Gregory, ocorrida em 1694 no campus da
Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Newton já tinha 51 anos, e Gregory fez uma visita de vários
dias, durante a qual conversaram sem parar sobre ciência.
A conversa foi bastante unilateral, com Gregory anotando
tudo o que o grande professor dizia.
Um dos pontos discutidos e registrados no memorando de
Gregory foi quantos planetas giram em torno do Sol.
A partir daí, a discussão saiu pela tangente, para a questão de
quantas esferas do mesmo tamanho podem ser dispostas em
camadas concêntricas de modo que toquem uma central.
Gregory afirmou — sem muitos preâmbulos — que a primeira
camada em torno de uma bola central tinha no máximo 13
esferas.
Para Newton, o número de "beijos" seria 12.
Gregory e Newton nunca chegaram a um acordo e nunca
souberam qual era a resposta certa.
Hoje em dia, o fato de que o maior número de esferas que
pode "beijar" uma central é comumente chamado de "número
de Newton" revela quem estava certo.
O debate só parou em 1953, quando o matemático alemão
Kurt Schütte e o holandês B. L. van der Waerden mostraram
que o número de "beijos" em três dimensões era 12 — e
apenas 12.
A questão era importante porque um grupo de esferas
empacotadas terá um número médio de "beijos", o que ajuda a
descrever matematicamente a situação.
Mas há questões não resolvidas.

Milhares de beijos
Além das dimensões 1 (intervalos), 2 (círculos) e 3 (esferas), o
problema do "beijo" está quase sem resolução.
Há apenas dois outros casos em que esse número de "beijos" é
conhecido.
Em 2016, a matemática ucraniana Maryna Viazovska
estabeleceu que o número de beijos na dimensão 8 é 240, e na
dimensão 24 é 196.560.
Para as outras dimensões, os matemáticos foram reduzindo
lentamente as possibilidades a faixas estreitas.
Para dimensões maiores que 24, ou uma teoria geral, o
problema está em aberto.
Há vários obstáculos para uma solução completa, incluindo
limitações computacionais, mas a expectativa é de que haja
um avanço importante nesse problema nos próximos anos.
De que adianta, no entanto, empacotar esferas de dimensão 8,
por exemplo?
O topólogo algébrico Jaume Aguadé respondeu a essa
pergunta em um artigo de 1991 intitulado "Cem anos de E8".
"É usado para fazer chamadas telefônicas, ouvir Mozart em
um CD, enviar um fax, assistir à televisão via satélite,
conectar-se, por meio de um modem, a uma rede de
computadores."
"Serve para todos os processos em que é necessária a
transmissão eficiente de informações digitais."
"A teoria da informação nos ensina que os códigos de
transmissão de sinais são mais confiáveis em dimensões
maiores, e o retículo de E8, com sua simetria surpreendente e
dada a existência de um decodificador apropriado, é uma
ferramenta fundamental na teoria de codificação e
transmissão de sinais."
- Este texto foi publicado
em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxe5j1yg4llo
A 'heresia de Kepler': a forma
geométrica que fez o astrônomo
questionar Deus

A 'heresia de Kepler': a forma geométrica que fez o astrônomo questionar Deus


A missão do matemático, astrônomo e astrólogo alemão
Johannes Kepler, a serviço do imperador Rodolfo 2° de
Habsburgo, era descobrir as leis usadas pelo Criador para
dar forma ao Universo.
Mas Kepler (1571-1630) enfrentou uma incongruência, uma
peça que não se encaixava na lógica e questionava a
onipotência de Deus. Essa incongruência era o heptágono
(figura geométrica de sete lados).
O matemático grego Euclides renunciou a ela pela sua
natureza extravagante, e Kepler assegurou que a figura
geométrica "não poderia ser construída por uma mente de
forma consciente".
"A Geometria é um dos reflexos eternos da mente de Deus",
escreveu Johannes Kepler em Mysterium Cosmigraphicum ("O
mistério sagrado do cosmos", em tradução livre).
CRÉDITO,GRAFISSIMO/GETTY - Legenda da foto - Missão de matemático,
astrônomo e astrólogo alemão Johannes Kepler, a serviço do imperador Rodolfo 2°
de Habsburgo, era descobrir as leis usadas pelo Criador para dar forma ao
Universo
"Eu me proponho a demonstrar que Deus, ao criar o Universo
e estabelecer a ordem do cosmos, teve ante seus olhos os
cinco sólidos regulares da geometria conhecidos desde os
tempos de Pitágoras e Platão", afirma Kepler, "e que Ele fixou,
de acordo com suas dimensões, o número dos astros, suas
proporções e as relações de seus movimentos."
O esqueleto do universo segundo Kepler
Para Kepler, o Cosmos era ordenado em uma grande esfera e
foi construído com a expansão dos poliedros regulares.
Existem apenas cinco poliedros ou sólidos regulares: o
tetraedro, o cubo, o octaedro, o dodecaedro e o icosaedro.
Dentro da órbita ou esfera de Saturno, Kepler inscreveu um
cubo; dentro deste, a esfera de Júpiter seria circunscrita a um
tetraedro. Sobre o tetraedro, ele situou a esfera de Marte.
Entre as esferas de Marte e da Terra, encaixava-se o
dodecaedro; entre a Terra e Vênus, o icosaedro; entre Vênus e
Mercúrio, o octaedro.
E, no centro de todo o sistema, o astro-rei, o Sol. Kepler
construiu o esqueleto da harmonia das esferas reunindo
poliedros.

CRÉDITO,WIKIMEDIA COMMONS - Legenda da foto - Catedral de Tortosa, na


Espanha, projetada por Antoni Guarc (c. 1345-1380), com uma capela-mor
heptagonal, com sete capelas menores
Mas o heptágono não se encaixa
Para dar forma à harmonia das esferas, Kepler detalha, na sua
obra Harmonices mundi ("Harmonia do mundo", em tradução
livre), o desenvolvimento geométrico dos polígonos, e entre
eles o heptágono - uma singularidade que infringia a
harmonia.
Na sua obra, Kepler afirma que essa figura não poderia ser
construída conscientemente, nem é possível dar-lhe uma
forma com os métodos utilizados pelos matemáticos Durero,
Cardano, Clavio ou Bürgi. Ele duvidava se realmente seria
possível criá-lo ou se ele foi conseguido de maneira fortuita.
Kepler baseava sua argumentação científica na
impossibilidade geométrica de construção do heptágono com
compasso e esquadro. A construção dessa figura não é
explicada nos Elementos de Euclides, nem no Almagesto, a
obra mais conhecida de Ptolomeu.
Kepler chegou a afirmar que a máquina celeste não foi criada
como um "animal divino, mas como um relógio regido por
uma força que pode ser expressa matematicamente". Ele
estava questionando o Deus Geômetra, muito popular na
Idade Média.
CRÉDITO,WIKIMEDIA COMMONS - Legenda da foto - Ilustração bíblica do século
13 mostra Jesus Cristo com um compasso. O Deus Geômetra era muito popular na
Idade Média
As órbitas elípticas dos planetas
Havia outros pontos que não se encaixavam na idealização do
movimento circular dos planetas.
Kepler não conseguia explicar matematicamente por que, no
início de novembro (no hemisfério norte), o entardecer cai
rapidamente e o amanhecer se adianta em alta velocidade em
meados de fevereiro. Mas, convencido de que todo o cosmos e
suas circunstâncias podiam ser explicados com a matemática,
ele conseguiu solucionar o enigma.
Depois de estudar por cinco anos as observações exaustivas e
meticulosas dos planetas pelo astrônomo dinamarquês Tycho
Brahe (1546-1601), em sua tentativa de ajustar o trajeto de
Marte a diversas curvas, Kepler publicou, em 1609, as duas
primeiras das suas três leis do movimento planetário.
A primeira lei estabelece que "a órbita de todos os planetas é
uma elipse com o Sol em um dos seus focos". E esta
descoberta foi fundamental para a compreensão do Universo.
Mas ela também representava uma reviravolta nos interesses
de Kepler. Como era possível que o criador escolhesse uma
elipse e não um círculo perfeito?
Na mente de Kepler, nunca houve intenção de questionar o
divino Arquiteto do cosmos. Mas, no outro lado do mundo, nas
Filipinas, um missionário dominicano estudou
detalhadamente a obra de Kepler e identificou a heresia: a
opinião que Kepler havia manifestado sobre o heptágono
questionava o Criador.
A heresia de Kepler
O frei Ignacio Muñoz Pinciano (1608-1685) escreveu
seu Manifesto Geométrico (1684), no qual descreve um
método de traçado do heptágono, frente ao desenvolvido na
proposição da figura determinada por Kepler. Para o frade,
isso significava que Kepler não só estava errado, como
também que sua obra era uma heresia.
O frade acreditava que conseguiria construir a figura usando
triângulos isósceles (que tem dois lados iguais), refutando
Kepler que tinha considerado essa tarefa impossível. E o frei
dominicano encerra a obra indicando que Kepler já havia sido
denunciado pela Inquisição, mas não por Harmonices
mundi — e que, devido à sua tese sobre o heptágono, a obra
também deveria ser condenada.
Segundo o frade, a obra de Kepler leva a pensar que a
Sabedoria eterna de Deus não é suficiente para construir a
figura do heptágono e, portanto, não teria condições de ser
reconhecida cientificamente.
Muñoz Pinciano baseava seu raciocínio no princípio da Escola
Metafísica, segundo a qual o que não tem entidade, nem
essência, nem condições, nem propriedades, não pode existir.
O Manifesto Geométrico foi uma apologia contra a
incognoscibilidade - a qualidade do que é difícil de conhecer -
do heptágono. Na Gênese, a Criação é finita — os seis dias
famosos e o sétimo dia de descanso. A crença no
indeterminado gerou o arroubo inquisidor do frade filipino.
*Josep Lluis i Ginovart é catedrático de intervenção no
patrimônio arquitetônico da Universidade Internacional da
Catalunha, na Espanha.
Cinta Lluis Teruel é ajudante de pesquisa júnior da
Universidade Internacional da Catalunha, na Espanha.
Este texto foi publicado originalmente no site de notícias
acadêmicas The Conversation e republicado sob licença
Creative Commons. Leia aqui a versão original em espanhol.
O que são juros compostos, a 'bola de
neve' matemática da qual os super-
ricos tiram proveito

CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - Eles estão por trás do cálculo do


rotativo do cartão de crédito e da parcela de empréstimos
Se você pudesse escolher entre receber um pagamento
imediato em dinheiro de um milhão de dólares ou um centavo
"mágico" que dobra todos os dias durante 30 dias, qual
alternativa escolheria?
Como você leu a pergunta no contexto desta reportagem,
provavelmente suspeita que a resposta não seja tão óbvia.
Se essa oferta viesse do nada, porém, a tentação de colocar a
mão em um milhão de dólares talvez fosse bem maior do que
pegar um centavo, por mais mágico que ele fosse. Afinal,
mesmo que dobre no dia seguinte, estamos falando de apenas
2 centavos.
Mas se o cálculo for feito para o total dos 30 dias da premissa
original... é incrível: até lá você teria mais de US$ 5 milhões.
Uma cifra que deixa qualquer um boquiaberto - e talvez
incrédulo. Assim, se você é como eu (se não, fique à vontade
para saltar as próximas linhas), pegue lápis, papel, calculadora
e vamos lá:
x2=2x2=4x2=8x2=16x2=32x2=64x2=128x2=256x2=512x2=1
.024 centavos... e aí vão 10 dias.
Continuemos:
1.024x2=2.048x2=4.096x2=8.192x2=16.384x2=32.768x2=65.
536x2=131.072
131.072x2=262.144x2=524288x2=1.048.576 centavos.
E faltam mais dez dias:
1.048.576x2=2.097.152x2=4.194.304x2=8.338.608x2=16.777
.7216
16.777.7216x2=33.554.432x2=67.108.864x2=134.217.728
134.217.728x2=268.435.456x2=536.870.912
Assim, 536.870.912 centavos, ou US$ 5.368.709,12 em 30
dias!

CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - Fórmula para o cálculo de juros


compostos usa montante inicial, taxa de juros e período de incidência da taxa
Não é à toa que o conceito é frequentemente descrito como
uma bola de neve descendo uma colina, aumentando de
tamanho e aceleração à medida que avança.
Uma descrição que ecoa o título da biografia autorizada do
célebre investidor Warren Buffett, Bola de Neve. Em entrevista
no programa The David Rubenstein Show, da Bloomberg, o
bilionário afirmou: "Minha vida tem sido um produto de juros
compostos".
E ele é apenas um dos super-ricos que se beneficiaram
significativamente ao longo da história desse conceito.
O céu e o inferno
A boa notícia é que, como você viu no exemplo da duplicação
dos centavos, para compreendê-lo não é preciso saber muito
mais do que aritmética elementar - ainda que a demonstração
com as sucessivas multiplicações seja trabalhosa.
O cálculo em si, contudo, não é difícil: a equação usa como
parâmetros o montante inicial, a taxa de juros e o período de
incidência da taxa.
De acordo com o site Investopedia, os juros compostos são
aqueles que aumentam exponencialmente ao longo do tempo,
e não de forma linear.
Talvez seja difícil entender o que é o crescimento exponencial
ou composto - mas ter ciência do que ele significa pode tanto
ajudar alguns a aumentar o patrimônio quanto evitar que
outros amarguem prejuízos.
E isso é justamente porque o "milagre" da capitalização é uma
faca de dois gumes. Veja neste exemplo:
Se você investir ou pedir emprestado uma quantia em
dinheiro com juros compostos a uma taxa de 10% ao ano,
depois de 5 anos, mantido o dinheiro investido ou não paga a
dívida, você terá multiplicado sua riqueza ou a dívida por 1,6
vezes.
Considerando os mesmos parâmetros, mas aumentando o
período de tempo em dez vezes, o valor final não será
multiplicado por 16, mas por 117.
CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - Juros compostos já foram descritos
pelo bilionário Warren Buffet como uma das bases que construíram sua fortuna
Ilustrando
O conceito dos juros compostos é simples: o total de juros
calculado para um determinado período de incidência (um
mês, um ano, a depender se a taxa de juros é ao mês ou ano
ano, por exemplo) é adicionado ao valor principal e, no
próximo período, os juros são calculados sobre todo esse
montante, e assim por diante.
Assim, por exemplo, se você investir US$ 100 com uma taxa de
juros de 5% ao ano, ao final do primeiro ano terá US$ 105. Até
aqui, o cálculo usou apenas juros simples.
A diferença será perceptível no segundo ano, já que, com o
juro composto, você ganhará juros não só sobre o montante
principal, de US$ 100, mas também sobre os US$ 5 de juros do
período anterior.
Então, em vez de uma rentabilidade de US$ 5, como no
primeiro ano, o que elevaria o total investido a US$ 110, o
rendimento do segundo ano será de US$ 5,25, com um total de
US$ 110,25.
Uma das chaves desse conceito, claro, é o tempo, não só
porque quanto mais paciente alguém for, mais dinheiro vai
acumular, mas porque os momentos fazem grande diferença.
Parece um pouco poético, mas essa ideia serve, por exemplo,
para ilustrar a importância de se começar a economizar cedo.
Veja o caso das aposentadorias. Se você começou a poupar aos
25 anos e se aposentou aos 65, cada US$ 100 economizados
aos 25 anos valerá mais de US$ 700 aos 65 anos (levando em
consideração uma taxa de juros anual de 5%).
Para quem começou a economizar aos 45 e se aposentou aos
65, por sua vez, cada US$ 100 economizados aos 45 anos
valerá US$ 265 aos 65 - o que não é ruim, mas é uma
significativa diferença.
Assim, como disse o polímata americano Benjamin Franklin
(cujo rosto estampa as notas de US$ 100): "Dinheiro gera
dinheiro. E dinheiro que gera dinheiro, gera dinheiro".
Mas não esqueça: esses mesmos juros compostos também
multiplicam o valor que você deve no cartão de crédito ou em
empréstimos... e é por isso que às vezes a sensação pode ser
de que, por mais que você pague, a dívida não chega perto do
fim.
- Este texto foi originalmente publicado
em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy051k19y74o

O que é a economia azul e por que ela


é importante para a América Latina

CRÉDITO,GETTY IMAGES
Se a economia azul — o uso sustentável dos recursos dos
oceanos — fosse contada como um país, ela seria a sétima
maior economia do mundo. Se formassem uma nação, os
oceanos seriam integrantes do G7.
Trata-se do maior ecossistema do mundo, que cobre 70% da
superfície terrestre, fornece 50% do oxigênio que respiramos
e é o maior depósito natural de carbono. No entanto, por
décadas esse ecossistema foi rejeitado.
A sua conservação e proteção ainda tem um longo caminho a
percorrer em áreas como a luta contra a pesca predatória, a
destruição do habitat e as alterações climáticas.
Indústrias importantes ao redor do mundo dependem da
saúde dos oceanos e têm impacto sobre ela. A economia
oceânica movimenta entre US$ 3 e 6 trilhões a cada ano,
segundo dados das ONU.
Isso inclui empregos e todos os serviços relacionados ao
oceano e aos mares, incluindo navegação, pesca, energia
renovável, construção de portos, turismo costeiro e
infraestrutura costeira.
"Se você calcular a economia oceânica como uma economia
nacional, seria a sétima maior economia do mundo", explica
Ole Vestergaard, chefe da Economia Azul Sustentável do
Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), à
BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - Estima-se que a pesca e a aquicultura


contribuam com US$ 100 bilhões por ano e cerca de 260 milhões de empregos para
a economia mundial
Todos os especialistas consultados pela BBC News Mundo
falam sobre a sua importância e da necessidade do
desenvolvimento sustentável.
"Se fosse a sétima maior economia do mundo, o oceano seria
membro do G7 e sentaria à mesa [dos países poderosos]", diz
Sonia Ruiz, especialista em sustentabilidade do Instituto
Esade de Inovação Social e fundadora do Noima.
Origens do termo 'economia azul'
O conceito surgiu das mãos do economista belga Gunter Pauli,
que foi o primeiro a escrever sobre esta ideia em 2009, no seu
livro intitulado A Economia Azul, que inclui uma reportagem
que fez para a organização sem fins lucrativos Clube de Roma.
Na obra, o autor buscou promover um modelo econômico que
tivesse como centro o respeito ao meio ambiente e falou sobre
100 inovações que gerariam mais de 100 milhões de
empregos de forma sustentável.

CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - Para Pauli, o principal problema


enfrentado pelos projetos de economia azul é o desconhecimento
O livro surgiu como uma alternativa à economia verde que
criou, em sua opinião, um sistema de produção com preços
tão altos que apenas a elite tem acesso aos produtos
orgânicos.
"Tudo que é verde é caro, é inacessível. Como vamos ter uma
economia onde só os ricos conseguem pagar para fazer algo
bem feito? Para mim isso está descartado", disse Pauli à BBC
News Mundo sobre um conceito que posteriormente foi
incluído na Conferência da ONU sobre Desenvolvimento
Sustentável Rio+20 em 2012.
Pauli, que é empresário e fundador da Zero Emissions
Research Initiative (ZERI), insiste na importância de trabalhar
com o que se tem.
"70% da população vive à beira-mar e não está aproveitando
isso. Usam o mar como depósito de lixo. Hoje só pensamos em
pesca e mineração em alto mar, sem ir mais além", afirma.
Considerado "o Steve Jobs da sustentabilidade" ou "o Che
Guevara da sustentabilidade" na América Latina, ele diz que
não é apenas um teórico — e que propõe projetos concretos.
"As pessoas não percebem a oportunidade que têm.
Descrevem o problema da poluição plástica, o problema da
sobrepesca, o problema da mineração em alto mar, mas como
eu sempre digo: 'análise é parálise'", diz Pauli.
Seu relatório apresenta "propostas concretas que
demonstram que é perfeitamente possível regenerar
manguezais, regenerar florestas de algas para obter
alimentos, obter energia, ter água potável, etc."
É o caso, por exemplo, de um projeto em Mar del Plata, na
Argentina, focado na criação de larvas de moscas como
alimento para a piscicultura geradas a partir de resíduos de
matadouros, conta Pauli.
"Existem outros exemplos muito importantes, como o caso de
Rapa Nui, que é uma ilha que depende 100% de energia
importada do exterior e para eles fizemos um plano de
geração de energia eólica mas com pipas. Não com moinhos.
Isso permite gerar energia 24 horas por dia e não apenas
quando há vento que bate no moinho de vento", explica.
Por que isso é importante para a América Latina e o
mundo?
Assim como uma pessoa não pode viver sem coração e
pulmões saudáveis, a Terra não pode sobreviver sem oceanos
e mares saudáveis.
Os mares absorvem 30% do CO2 mundial, enquanto o
fitoplâncton marinho gera 50% do oxigênio necessário para a
sobrevivência. Os mares são essenciais para o bem-estar
social.
Mais de 40% da população mundial — ou 3,1 bilhões de
pessoas — vivem a menos de 100 km do oceano ou do mar em
cerca de 150 países litorâneos e insulares, segundo a ONU.
No caso da América Latina, com aproximadamente 240 mil
km de litoral, 27% da população depende direta ou
indiretamente do oceano e de suas riquezas.

CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - Atividades sustentáveis ajudaram


países a reduzir pobreza e desemprego
Por meio de atividades como pesca sustentável, produção de
energia renovável ou ecoturismo, os países conseguiram
aumentar as taxas de emprego e saneamento, reduzindo a
pobreza, a desnutrição e a poluição.
"Trata-se de melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas
que vivem de alguma forma relacionadas ou ligadas ao mar,
cuja sobrevivência depende do oceano e dos seus recursos",
explica Alicia Montalvo, especialista em economia azul do
Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).
"Gosto sempre de dizer que o social e o ambiental não podem
andar separados."
"Por exemplo, se facilitarmos o desenvolvimento do turismo
sustentável usando bem as praias, os manguezais e todos os
recifes de coral, etc., isso melhorará a vida de todas as pessoas
que vivem lá", diz Montalvo, destacando México, Chile e Costa
Rica.
"Na América Latina há um problema sério de água potável.
Com esses projetos de economia azul trata-se de ter água
potável, ter comida em curto-circuito, ter energia renovável,
ter gás de algas que é tão fácil de produzir. É a oportunidade
de responder às necessidades básicas em curtíssimo prazo.
Isso é o mais importante", acrescenta Pauli.
Confusão de termos
É importante diferenciar a economia azul, ou seja, todas as
atividades relacionadas com os oceanos e mares, e a economia
azul sustentável, que é o que se fala atualmente quando se
menciona simplesmente o termo economia azul.
A mistura destes dois conceitos pode ser confusa, pois existe
uma grande parte das empresas de pesca, turismo ou
navegação que não são sustentáveis.
"Atualmente não existe uma definição universal de 'economia
azul'", reconhece Ole Vestergaard.
"O PNUD enfatiza o objetivo da sustentabilidade e fala sobre
'economia azul sustentável', porque os setores azuis
tradicionais e os usuários marítimos nem sempre são
sustentáveis ou ecologicamente corretos."
"O termo mais curto 'economia azul' pode ser confuso, pois
pode ser aplicado a negócios oceânicos que não são realmente
sustentáveis. É por isso que o PNUD está trabalhando para
tornar essa distinção clara em todo o nosso trabalho sobre
economia azul sustentável", acrescenta.
CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - Áreas de interesse são gestão de
detritos, economia circular, pesca e aquicultura, restauração de corais e energia
marinha
A economia azul sustentável busca promover um novo
sistema econômico em que os recursos oferecidos pela
natureza sejam reaproveitados.
O Banco Mundial segue essa linha ao se referir à economia
azul como “o uso sustentável dos recursos oceânicos para o
crescimento econômico, a melhoria dos meios de subsistência
e do emprego, preservando a saúde do ecossistema”.
As diferentes visões da economia azul podem ser resumidas
em quatro modelos, segundo a especialista em
sustentabilidade Sonia Ruiz.
Em primeiro lugar, uma visão mais ativista, que é a defendida
pelas ONG, centrada na conservação, recuperação e proteção
de todas as atividades ligadas ao ambiente marinho.
Em segundo lugar, a visão dos oceanos como oportunidade de
negócio, como é o caso, por exemplo, da indústria do turismo
e que pode incluir ou não critérios sustentáveis e ambientais.
Terceiro, aquele que vê os oceanos como um modo de vida,
que inclui as comunidades que vivem ligadas aos oceanos.
E em quarto lugar, aquele que vê os oceanos como fonte de
inovação, como é o caso da exploração sustentável dos fundos
marinhos.
Como os projetos de economia azul são
financiados
Os projetos de economia azul são financiados principalmente
por meio de investimentos privados e públicos, fundos verdes
e organizações como o PNUD, que nos últimos 25 anos
mobilizou mais de US$ 1 bilhão para atividades de proteção e
restauração dos oceanos em mais de 100 países.

CRÉDITO,GETTY IMAGES - Legenda da foto - Os modelos de economia azul podem


oferecer soluções para atender ao aumento do consumo de maneira sustentável e
resiliente ao clima
Da mesma forma, a ONU lançou em 2018 o UN Environment
Program Finance Initiative (UNEP FI), que é uma parceria
global que reúne a ONU com mais de 350 bancos, seguradoras
e investidores institucionais para desenvolver a agenda de
finanças sustentáveis e que promovem a implementação do
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14) focado
nos oceanos e mares, estabelecido em 2015.
A CAF faz parte desta aliança com a ONU. A entidade
prometeu dedicar pelo menos US$ 1,25 bilhões entre 2022 e
2026 a questões relacionadas com a economia azul, para
apoiar projetos, por exemplo, turismo regenerativo, energia
eólica ou relacionados com a utilização de algas como fonte de
proteína e na indústria farmacêutica.
Um exemplo desse tipo de projeto de economia azul
sustentável é o caso de um que promove e apoia comunidades
de pescadores artesanais de pequena escala na Costa Rica
para criar áreas marinhas para uma pesca responsável.
Os pescadores podem solicitar a delimitação de uma área para
pesca responsável. Assim, os pescadores artesanais são
liberados do poder de intermediários, promovendo assim
uma remuneração justa e criando oportunidades de emprego
na comunidade.

Edição: Oswaldo Macedo


Dica de leitura
Sala Ambiente de Leitura Dr. Pereira de Mattos

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