Você está na página 1de 6

115

Aula 2º

Culturas

Caros(as) acadêmicos(as),
Nesta segunda aula, propomos a discussão do conceito culturas e suas
várias acepções de acordo com o contexto específico, sujeitos e lugares. Estas
reflexões propõem questões relevantes para as Ciências Humanas e Sociais,
atende à diversidade, e rompe com visões determinantes de sociedade.
Boa aula!
Bons estudos!

2EMetiYosGeaprendizagem

Ao término desta aula, vocês serão capazes de:

• analisar o conceito de culturas em sua multiplicidade, abordagens e especificidades;


• identificar as culturas como noção fundamental nas Ciências Humanas e Sociais;
• reconhecer a perspectiva intercultural, o etnocentrismo e a aculturação.
116 *eograȴa Cultural 12
pesquisadores(as) tecem análises divergentes, no que
Seç·esGeestudo tange ao conceito de cultura formulado por Tylor (1871),
isso porque como demonstra Stocking (1968), existem
1- Culturas e a perspectiva da interculturalidade pesquisadores que consideram Tylor (1871, p.24) o “pai do
2- Culturas e vertentes de estudo difusionismo cultural”, no entanto, outros estudiosos tecem
críticas ao fato deste autor “deixar de lado toda a questão
do relativismo cultural e tornar impossível o moderno
conceito de cultural” (STOCKING, 1968, p. 24).
1 - Culturas e a perspectiva da Conforme afirmamos, os tempos históricos, lugares
interculturalidade vividos, espaços geográficos ocupados, e contextos
O conceito cultura integra o vocabulário das Ciências diferenciados, permitem tendências, perspectivas, e olhares
Humanas e Sociais, e especialmente nas últimas décadas, as a partir do momento em que se escreve, segundo abordagens
discussões têm ampliado as abordagens, por se tratar de um e possibilidades diferenciadas. Esta afirmação, portanto,
termo polissêmico e complexo. Seu estudo é um convite ao e as divergências apresentadas pelos pesquisadores com
questionamento, pois seu conceito não é estático, compacto, relação aos estudos de Tylor (1871), não desmerecem o
imutável e homogêneo. mérito deste estudioso, de construir suas críticas sobre os
Trataremos então, de entendê-la, dada sua pluralidade, relatos de viajantes e cronistas coloniais, de modo que, já
sendo que, podemos nós mesmos, ao longo desse processo afirmava que suas ideias se baseavam “sobre evidências
reflexivo construir novos questionamentos e reflexões frequentemente erradas e nunca conclusivas” (TYLOR,
acerca de sua noção. 1871, p. 82).
A análise implica no entendimento de que por meio Citamos Tylor (1871), porque o que nos cabe nesse
das culturas, no interior das culturas, pelas culturas, e estudo, é reconhecer a contribuição de vários estudiosos,
na relação com as diferentes culturas, é que mulheres e pesquisadores, que durante décadas contribuíram para a
homens produzem significados para interpretar o mundo, construção historiográfica acerca desse conceito, o que se
viver suas experiências, constroem significações, rompem diferencia do objeto de avaliação e validade dos estudos por
com paradigmas. ora produzidos.
Pelo levantamento e leitura bibliográfica, a primeira No século XX, o pesquisador teórico cultural e
definição do conceito cultura, foi formulada do ponto sociólogo jamaicano Stuart Hall (1932-2014), afirmou que
de vista antropológico, e pertence a Edward Tylor, no toda ação social é cultural, pois é carregada de sistemas,
primeiro parágrafo de seu livro Primitive Culture (1871). códigos, significados:
A seu modo, de acordo com o contexto específico daquele
Os seres humanos são seres interpretativos,
momento, este estudioso defrontava-se com a ideia de instituidores de sentido. A ação social é
natureza sagrada do homem. signiÀcativa tanto para aqueles que a praticam
Conforme salienta Renato Ortiz (2002), os estudos quanto para os que a observam: não em si
de Tylor (1871), deve ser analisado à “luz” de seu tempo, mesma, mas em razão dos muitos e variados
ou seja, diante a análise necessária do momento histórico sistemas de signiÀcado que os seres humanos
em que se escreve. Nessa circunstância, verificamos utilizam para deÀnir o que signiÀcam as
também pelos estudos bibliográficos realizados por meio coisas e para codiÀcar, organizar e regular
de diversos artigos disponíveis no portal de periódicos, sua conduta uns em relação aos outros.
Ilha - Revista de Antropologiaé, da Universidade Federal de Estes sistemas ou códigos de signiÀcado dão
Santa Catarina (UFSC), que há uma gama de estudiosos, sentido às nossas ações. Eles nos permitem
que ao partir dos escritos de Tylor (1871), apontam para interpretar signiÀcativamente as ações alheias.
Tomados em seu conjunto, eles constituem
as características visíveis do momento em que este autor
nossas “culturas”. Contribuem para assegurar
escreve, como ao fato de que Tylor (1871), relaciona em sua que toda ação social é “cultural”, que todas as
escrita, as mudanças vividas diante a produção científica de práticas sociais expressam ou comunicam um
seu tempo, uma vez que o contexto histórico da Europa, signiÀcado e, neste sentido, são práticas de
- naquele momento, - associava as principais teorias de signiÀcação (HALL, 2002, p. 01).
conhecimento a Charles Darwin (1859), assim como a
expansão dos estudos em Antropologia. (Consultar site da Stuart Hall, tem como tema primordial em seus
UFSC, ao final desta referência bibliográfica). trabalhos, a identidade do sujeito pós-moderno, sua
Em meio ao seu período de escrita e vivência, Tylor variedade e composição em diversas identidades, inclusive
(1871), já demonstrava que a cultura pode ser objeto de um transitórias, ao passo, que apresenta uma identidade móvel,
estudo sistemático, pois tratava-se de um fenômeno natural, múltipla e fragmentada. Na aula seguinte trataremos deste
que possuía causas e regularidades capazes de proporcionar assunto.
formulações de leis sobre o cultural e a evolução. Tão logo a afirmação acima, implica a compreensão de
Ainda no portal de periódicos, Ilha - Revista que existem vários códigos, significados e representações.
de Antropologiaé, da Universidade Federal de Santa O conceito de cultura, “tomados em seu conjunto” (HALL,
Catarina (UFSC), assim como em outros espaços de 2002, p. 01), tem seu desenvolvimento em meio à interação,
produção científica, é possível verificar que outros(as) e redes de significados, de outras culturas, que valorizando
13 117
as diferenças, a interculturalidade, completam-se e mesclam- então, o surgimento de teorias, práticas e políticas, a fim
se num processo contínuo de construção e desconstrução. de buscar respostas as pluralidades de tempos, sujeitos e
Tomemos o conceito de culturas como ações, práticas espaços (CANDAU, 2011).
culturais que se significam e representam indivíduos. Essa Já dizia Boaventura de Souza Santos (1997, p. 122), “há
compreensão diferencia-se da noção de vida cotidiana, que diferentes versões de uma dada cultura”, por isso mesmo
muitas vezes molda grupos e indivíduos, conforme apontou as culturas, “(...) são incompletas e problemáticas nas suas
Padilha (2004), na cultura do futebol, do carnaval, cultura concepções” (SANTOS, 1997, p. 114). Concordamos
popular, cultura de massa, culturas alternativas, cultura do com as análises deste pesquisador, pois a incompletude
erro e do acerto, cultura da prova, da avaliação. provém da própria existência de uma pluralidade de
Ou seja, o termo aqui distingue-se em relação ao senso culturas, sujeitos, espaços, tempos e lugares, que não são
comum, no sentido que este dá as noções de homem culto homogêneos, lineares e estáveis.
e inculto, pois a cultura ou as culturas são os significados Desta forma, existem diversas concepções ligadas a
produzidos, criados, pensados, recriados, traduzidos e lugares diferentes, e produções históricas singulares que se
ressignificados pelos sujeitos nas suas diversas relações confrontam. Conforme estudos demonstram, as abordagens
sociais, isto porque, “todos os homens em princípio do culturalismo ao modo americano, o ideal universalista, à
interagem socialmente” (VELHO, 1994, p. 63). francesa. Por isso mesmo não podemos descrever os atores
As relações sociais são sempre carregadas de relações sociais em função de suas culturas, pois a própria mutação
de poder. As culturas, e por assim dizer, as diferenças estão também está nos conceitos.
concebidas pelas realidades sócio-históricas, pelos contextos Expostas estas reflexões, analisamos que, se cultura
específicos, individuais e coletivos. E pelos lugares, espaços fosse tão completa como se julga nas relações caracterizadas
ocupados de cada indivíduo em sociedade, pelas relações pelas atitudes etnocêntricas, - devido à construção de
construídas, pelos discursos, constitutivas dos sujeitos, um imaginário idealista, - existira pois, apenas uma única
grupos sociais, e integram a dinâmica das realidades. cultura, o que de fato, nunca existiu, e está longe de algum
Assim, as culturas integram a perspectiva da tempo existir.
interculturalidade, que por sua vez, promove a construção Com relação às práticas etnocêntricas, estudiosos que
das sociedades democráticas e inclusivas, na medida em investigam as Ciências Sociais e Humanas, compreendem o
que possibilitam dinâmicas, articulam políticas de igualdade desrespeito e diferenciação em termos de ameaça à identidade
com políticas de identidade. (CANDAU, 2011). cultural, e analisam essa prática como etnocentrismo. Ao
Por conseguinte, no interculturalismo, há a valorização analisarmos essa categoria analítica, segundo o Dicionário
das culturas e das diferenças, pois estimula e possibilita de Conceitos Históricos (2006), “o etnocentrismo pode
o reconhecimento e o diálogo, e contribui para romper ser definido como uma visão de mundo fundamentada
com visões essencialistas e determinantes. Esta afirmação rigidamente nos valores e modelos de uma dada cultura”
discutiremos também em outros momentos deste texto. (SILVA, 2006, p. 127).
Nesta perspectiva intercultural, - estudaremos, de O etnocentrismo está relacionado a uma retórica de
modo mais profundo a interculturalidade nas aulas 06 e 07, exclusão, uma espécie de ideia concebida pelas definições
- culturas se afirmam pela valorização e reconhecimento de preconceito e assimilação de uma cultura superior as
das diferenças, já que “a cultura é um conceito que só existe demais. Não há fundamentação para sua prática, mas, no
a partir da constatação da diferença entre nós e os outros” entanto, ocorre com grande frequência, diante à exclusão
(VELHO, 1994, p. 63). Há um imperativo intercultural do cultural, quando grupos e sociedades, por meio de
seguinte modo: tendências diversas, ordenam hierarquicamente as distintas
culturas, ou mesmo não reconhecem as diversas culturas.
Uma vez que todas as culturas tendem a
A ideia de que há uma cultura superior a outra, implica
distribuir pessoas e grupos de acordo com
em práticas de estranhamento e recusa ao outro, em atitudes
dois princípios concorrentes de pertença
hierárquica, e portanto, com concepções etnocêntricas de racismo, exclusão e xenofobia. Dessa
concorrentes de igualdade e diferença, as classificação categórica origina a discriminação, o choque
pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser cultural, o etnocentrismo (SILVA, 2006).
iguais quando a diferença os inferioriza, e o O importante pesquisador Roque de Barros Laraia
direito a ser diferentes quando a igualdade os (2007, p. 34), afirmou que “comportamentos etnocêntricos
descaracteriza (SANTOS, 1997, p. 17). resultam em apreciações negativas dos padrões culturais de
povos diferentes”. Em outras palavras, pelas apreciações
Nesse sentido, o reconhecimento de incompletudes negativas, e atitudes etnocêntricas, o reconhecimento
mútuas é condição fundamental de um diálogo mútuo é negado.
intercultural. A noção de culturas possibilita ampliar o Ao longo da historiografia, os sistemas de desigualdade
processo de construção, desestabilização e desconstrução têm sido conceituados de diferentes maneiras, levando-se em
de cultura e identidades culturais. Nessa multiplicidade consideração os momentos de produção da história, como
de culturas, decorrente da pluralidade de diferenças, há desde os primeiros contatos entre portugueses e nativos
entrecruzamentos e hibridizações, capazes de produzir no período colonial entre 1500 e 1530. Naquele período,
novas culturas, identidades e novas diferenças. o modelo de colonização adotado pelos portugueses era de
O multiculturalismo e o interculturalismo possibilitou exploração, e as consequências desse modelo, entre outros,
118 *eograȴa Cultural 14
era à imposição dos valores, mentalidade e cultura dos o que de certa medida, distancia-o do mundo animal, e
povos portugueses aos povos que ali estavam. contribui para considerarmos que culturas estão acima de
Reconhecendo que é necessário a tolerância para limitações orgânicas.
com a diversidade cultural, contrária a visão e práticas Um outro ponto importante elucidado por Kroeber
etnocêntricas, compreendemos o conceito antropológico e (1993), é que o homem age de acordo com os seus padrões
histórico de aculturação, como um fenômeno de interação culturais, e de que cultura é um processo acumulativo,
social necessária, resultado do contato, e do respeito entre resultante de toda a experiência histórica das gerações
culturas, modos, costumes, valores e crenças de ser e de anteriores. Abaixo, veremos um texto na íntegra, em que o
viver. antropólogo americano Ralph Linton (1893-1953), escreve
Pela definição de aculturação, o mesmo Dicionário de sobre o começo do dia do homem americano:
Conceitos Históricos acima citado, apresenta esse conceito
como “útil para o desenvolvimento de reflexões sobre as PARA LEITURA!
mudanças que podem acontecer em uma sociedade a partir
do contato com outras culturas” (SILVA, 2006, p. 15). O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo
As páginas seguintes propõem possibilidades padrão originário do Oriente Próximo, mas modiȴcado na Europa
acerca destas questões, já que a interculturalidade orienta Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de
pensamentos e atitudes, a partir da desconstrução de cobertas feitas de algodão cuja planta se tornou doméstica na
atitudes etnocêntricas, e do rompimento de características Θndia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados
dominantes. no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na
China. Todos estes materiais foram ȴados e tecidos por processos
inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso dos
2 - Culturas e vertentes de estudo “mocassins” que foram inventados pelos índios das ȵorestas do
Leste dos
Ainda com relação ao conceito de culturas, - tomaremos
Estados 8nidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são
o conceito em sua pluralidade, - é difícil defini-la com
una mistura de invenções europeias e norte-americanas, umas e
precisão, mas trataremos de reunir algumas questões em
outras recentes. Tira o pijama, que é vestiário inventado na Θndia
torno de suas análises e características. Para o professor
e lava-se com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses,
Olivier Meunier da Universite Paris 8:
faz a barba que é um rito masoquístico que parece provir dos
sumerianos ou do antigo Egito. Voltando ao quarto, o cidadão toma
Cultura refere-se a uma identidade coletiva
que expressa uma produção histórica. Ela e as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo europeu meridional
dinâmica, porque se transforma continuamente e veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de
no tempo e no espaço, em consequência pele originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos
das alterações que lhe são simultaneamente são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo
intrínsecas e extrínsecas, como os conÁitos, Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações
que reformulam permanentemente o campo clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que
social. Ela pode, também, ser concebida como amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros
um reservatório de práticas, de representações e pelos croatas do século XVII. Antes de ir tomar o seu breaNfast, ele
de valores, de que os atores sociais se servem olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e,
para renegociar sua identidade. Para existir se estiver chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos
ela tem obrigatoriamente que se redeÀnir.
índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no
(MEUNIER, 2010, p. 24)
sudoeste da ƒsia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado
nas estepes asiáticas. De caminho para o breaNfast, pára para
Para investigadores dos estudos culturais, trata-se de
comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia
“[...] o conjunto das estruturas objetivas que distribuem
antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de
os meios de produção e o poder entre os indivíduos e os
empréstimo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica
grupos sociais” (ESTABLET, 1966, p. 35). Na concepção
inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na
de Establet (1996), a cultura é capaz de determinar as
Θndia do Sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher vem
práticas sociais, econômicas e políticas.
de um original romano. Começa o seu breakfast com uma laranja
Para outros estudiosos, a noção de cultura implica
vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma
num “vasto aparelho tanto material como humano, ou
fatia de melancia africana. Toma café, planta abissínia, com nata
ainda espiritual, que permite ao homem enfrentar os
e açúcar. A domesticação do gado bovino e a ideia de aproveitar
problemas concretos e objetivos que surgem diante de si”
o seu leite são originárias do Oriente Próximo, ao passo que o
(MALINOWSKI, 1990, p. 35).
açúcar foi feito pela primeira vez na Θndia. Depois das frutas e do
Ainda há teóricos que compreendem o conceito como
café vêm ZDɞHV, os quais são bolinhos fabricados segundo uma
conjunto de práticas internas ou externas a um espaço social
técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que
dado, e que os atores sociais mobilizam em função desta ou
se tornou planta doméstica na ƒsia Menor. Rega-se com xarope de
daquela conjuntura política (AMSELLE, 1990).
maple, inventado pelos índios das ȵorestas do Leste dos Estados
Alfred Kroeber (1993), antropólogo americano, em
8nidos. Como prato adicional talvez coma o ovo de uma espécie
seu artigo “O superorgânico”, mostrou que a cultura é mais
de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de
do que uma herança genética, pois atua sobre o homem,
15 119
um animal domesticado na ƒsia Oriental, salgada e defumada diferenças. As culturas se originam, se diversificam através
por um processo desenvolvido no Norte da Europa. Acabando dos significados produzidos pelos indivíduos, ou seja, dos
de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado símbolos que criados e (re)criados dinamizam as próprias
pelos índios americanos e que consome uma planta originária do culturas.
Brasil; um cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarro
proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser que Todo comportamento humano se origina
fume mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas no uso de símbolos. Foi o símbolo que
Antilhas, por intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias transformou nossos ancestrais antropóides em
homens e fê-los humanos. Todas as civilizações
do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas,
se espalharam e perpetuaram somente pelo
em material inventado na China e por um processo inventado
uso de símbolos .... Toda cultura depende de
na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas
símbolos.
estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agradece a uma
É o exercício da faculdade de simbolização que
divindade hebraica, numa língua indo-europeia, o fato de ser cem cria a cultura e o uso de símbolos que torna
por cento americano. possível a sua perpetuação. Sem o símbolo não
Fragmento retirado na íntegra do livro “Cultura um conceito haveria cultura, e o homem seria apenas animal,
antropológico”. (LARAIA, 2007, p. 55-5). (Consultar referências não um ser humano.... O comportamento
bibliográȴcas ao ȴnal desta aula). humano é o comportamento simbólico
(WHITE, 1995, apud LARAIA, 2007, p.29).
O texto acima elucida várias questões pertinentes
à análise antropológica de culturas. Logo, valoriza as Culturas são, portanto, produção histórica e dialética,
experiências e demonstra que são resultantes de um processo que apresenta significados e significações, valores e
histórico, social, econômico, e cultural de diferentes representações compartilhadas, ora individual, ora
gerações, em tempos e espaços também, diferenciados. coletivamente. São discutidas e contestadas, produzidas
Ao mesmo tempo, possibilita a compreensão de e reproduzidas, e que, expressam, ao mesmo tempo, seu
que culturas se constroem por processos acumulativos, caráter plural e heterogêneo. Ou seja, falar, escrever, estudar
diversificados, construídos pela difusão de outras culturas, culturas, é mergulhar nas diversidades étnicas, e reconhecer
ao passo que, “participamos da cultura, de modo que ora o prolongamento das relações em espaços transicionais.
criamos, ora copiamos padrões culturais” (LARAIA, 2007, A partir das culturas, pelas/nas culturas os indivíduos
p. 42). Feitas tais considerações, é fundamental incluir as apresentam formas possíveis de construir o mundo.
análises de Roque Laraia (2007), propostas em seu livro,
“Cultura um conceito antropológico”.
Nesta obra Laraia (2007), realiza um excelente estudo, RetomanGoaaula
partindo de uma discussão historiográfica sobre o conceito
cultura, formulando sua análise de maneira dinâmica, clara,
simples, mas não menos importante. Parte de um estudo
profundo de importantes pesquisadores, como Claude
Lévi-Strauss, e Leslie White, e procura identificar exemplos O conceito de cultura não é um conceito acabado,
da nossa própria sociedade, e das sociedades tribais, a fim pois as culturas são dinâmicas, plurais, heterogêneas
de exemplificar seus escritos. e construídas, o que decorre da multiplicidade
Este estudioso publicou diversos livros e inúmeros de culturas. Vamos, então, recordar o que mais
artigos, notadamente sobre índios do Brasil e sobre a aprendemos?
teoria antropológica, e vale mencionar, com relação ao
etnocentrismo, afirmou que, de fato, este “é um fenômeno 1 - Cultura e a perspectiva da interculturalidade
universal”. Segundo este autor, “é comum a crença de que
Nesta seção, vimos que o debate sobre cultura
a própria sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a
nos permite discutir questões do multiculturalismo e
sua única expressão”. (LARAIA, 2007, p. 39).
interculturalismo ao romper com o etnocentrismo, ainda
Laraia (2007), trabalha ainda, questões voltadas
muito presente nas sociedades modernas. Por isso, a
às problemáticas com relação a dicotomia entre “nós
cultura como campo de conflito em torno das significações
e os outros”, e afirma que “os indivíduos participam
diferentemente de sua cultura”, pois nenhuma pessoa é e representações sociais, produz significados para os
capaz de participar de todos os elementos de sua cultura diferentes grupos sociais.
(LARAIA, 2007, p.42). 2 – Culturas e vertentes de estudo
Isso ocorre porque a cultura é dinâmica (LARAIA,
2007). Falar de cultura é falar de diferença e de um processo Na segunda e última seção, estudamos que existem
que está incompleto. Pelo levantamento bibliográfico, diferentes vertentes e perspectivas de estudo das culturas.
verificamos que as características e análises aproximam- Essa amplitude é resultado do processo de assimilação e
se, na medida em que os estudiosos afirmam que culturas reconhecimento das diversidades culturais, em tempos
constituem conjunto de práticas que possuem variáveis, e espaços também diferenciados, e que se constroem as
e que emergem do reconhecimento das identidades e identidades dos indivíduos e grupos sociais.
120 *eograȴa Cultural 16

9aleapena
Vale a pena assistir
O Xadrez das Cores: Este curta problematiza a
discriminação racial, preconceito e as relações etnocêntricas,
ao mesmo tempo, em que propõe à reflexão sobre culturas
e identidades.
Vale a pena ler
Casa Grande & Senzala: Documentário dirigido por
AMSELLE Jean-Loup. Logiques métisses. Anthropologie de Nélson Pereira dos Santos, baseado no livro de Gilberto
l’identite en Afrique et ailleurs. Paris: Les Editions Sociales, 1990. Freire. Excelente para os estudos sobre a época colonial, e
CANDAU, Vera (org.). Diferenças culturais e Educação: na compreensão sobre a cultura e participação africana na
construindo caminhos. Rio de Janeiro: 7Letras, 2011, 212p. vida social brasileira.
DARWIN, C. On the origin of species by means of natural selection.
London: John Murray, 1859. Zumbi somos nós: Documentário propõe uma
DURKHEIM, Emile. Les règles de la méthode sociologique. reflexão sobre as questões raciais na sociedade brasileira
Paris, Flammarion, 1988. contemporânea, segundo novas formas de olhar, pensar e
ESTABLET, Roger. Culture et ideologie. Cahiers marxistes agir.
léninistes. Paris: Les Editions Sociales, 1966.
ILHA. Revista de Antropologia. Universidade Federal de Viva a Diversidade Cultural - curta documentário –
Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, SC, Brasil, ISSNe 2175- 2010: Sob direção e produção de Ulisses da Motta Costa,
8034. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ este documentário de curta-metragem foi realizado durante
ilha/index>. Acesso em: 09.10.2018. as comemorações de 10 anos do Fórum Social Mundial em
KROEBER, Alfred. A Natureza da cultura. Lisboa: Edições São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, tendo depoimentos
70, LDA, 1993. de diversos pesquisadores como Boaventura de Souza
LARAIA, Roque de Barros, 1932- Cultura: um conceito Santos.
antropológico.14.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001
MALINOWSKI, Bronislaw. Une théorie scientifique de la
culture. Paris: Maspero, 1990.
MEUNIER. Olivier. Considerações epistemológicas em educação
intercultural. Revista Educação em Questão, Natal, v. 37, n. 23, p. 0inKasanotações
9-47, jan./abr. 2010.
PADILHA, P. R. Currículo intertranscultural: novos itinerários
para a educação. São Paulo: Cortez, 2004.
SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção
multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais.
Número 48, junho, 1997, p. 11-32.
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. O social e
o político na transição pós-moderna. São Paulo: Cortez, 1997.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique.
Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Editora Contexto,
2006.
STOCKING JR., George W. Race, Culture and Evolution:
Essays in the History of Anthropology. New York: Free Press.
1968.
TYLOR, Edward Burnett. Primitive Culture: Researches into
the Development of Mythology, Philosophy, Religion, Art, and
Custom. London: John Murray, 1871.
UFSC. Portal de periódicos da UFSC. Universidade Federal
de Santa Catarina – UFSC, Florianópolis, SC. Brasil. Disponível
em: <http://periodicos.bu.ufsc.br/ >. Acesso em: 09.10.2018.
UFSC. Laboratório de periódicos científicos da UFSC.
Universidade Federal de Santa Catarina– UFSC, Florianópolis,
SC. Brasil. Disponível em: <http://laboratorio.periodicos.ufsc.
br/>. Acesso em: 10.09.2018.
VELHO, G. Projeto e Metamorfose. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1994.

Você também pode gostar