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Unidade 1 – Diversidades socioculturais

1.3. Igualdade e diferença: universalismo e relativismo

Objetivo Trata-se, nesta Unidade programática, de refletir sobre a cultura, de


apresentar diferentes acepções do termo “cultura”, sob as diferentes perspectivas a
partir das quais a cultura pode ser pensada (perspectivas científica e/ou filosófica).
Não obstante ser a cultura, como se verá, considerada a marca da própria
humanidade, a ênfase desta abordagem recai preferencialmente sobre o conjunto de
bens “espirituais e materiais, subjetivos e objetivos”, ou seja sobre a cultura,
constituído/a pela chamada sociedade ocidental. Ora, para compreendermos nossa
cultura (ocidental, atual) é inevitável uma incursão pelas ciências sociais e pela
filosofia, haja vista que tanto as ciência sociais (modernas) quanto a filosofia (desde a
antiguidade) nos oferecem abordagens que nos permitem melhor compreendermos
nossa identidade cultural. Com efeito, notar-se-á que em termos de cultura nós
(ocidentais) somos herdeiros de, pelo menos, dois momentos extremamente
significativos de nossa história: a) o primeiro, que nos reporta ao florescimento da
cultura grega clássica (aproximadamente séc. VI-V a. C.), cujos valores apresentados
em termos (do desenvolvimento) da arte, da ciência e do pensamento filosófico,
influenciaram e influenciam, sobremaneira, nossa sociedade ainda na atualidade; b) o
segundo, que se desenvolve a partir das grandes transformações que marcam o mundo
europeu a partir dos séculos XV-XVI, como a Reforma Protestante, a Revolução
científica e o Renascimento da cultura clássica (século XVI), e que se consolida no
século XVIII, século das Luzes (Iluminismo), de cujos valores a sociedade
contemporânea é herdeira direta, como, por exemplo, da ideia de Direitos Humanos,
de igualdade (universal), de tolerância, de dignidade, liberdade entre outras. O que se
quer é oferecer subsídios históricos, teórico-conceituais para uma compreensão,
reflexão e debate qualificados sobre as demandas culturais-valorativas da sociedade
contemporânea, tais como as questões relativas à identidade cultural
(multiculturalismo), aos direitos humanos, às questões ambientais, e outras.

A invenção do conceito científico de cultura

1. Concepção universalista de cultura

A noção de cultura é uma chave “para pensar a unidade da humanidade na


diversidade além dos termos biológicos” (Cuche, 2002, p. 9). Ou seja, a cultura nos
ajuda entendermos a diferença entre os povos (diversidade cultural) sem comprometer
a ideia unitária de humanidade. Para quem pensa que esta explicação da diferença entre
os povos a partir da diversidade cultural é elementar, basta lembrar que a referida
diferença já foi explicada em termos raciais, com implicações sociais, políticas e de
desrespeito à humanidade, para nada insignificantes. Disso falaremos oportunamente. ~

O histórico do conceito “cultura” tal como o usamos na atualidade, em sentido


amplo, como o “‘todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis,
costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como
membro da sociedade’” e objeto da Antropologia Cultural é relativamente recente. Essa
definição do termo “cultura” nos é dada por Edward Tylor (apud Laraaia, p.25), cujo
termo inglês Culture apresenta uma espécie de síntese de outros dois conceitos, quais
sejam Kultur -termo germânico utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais
de uma comunidade (ciência, filosofia, arte, religião); e Civilization – palavra francesa
utilizada para referir principalmente as realizações materiais de um povo (Laraia, p. 25).

Como podemos ler na literatura especializada disponível, em 1871 Tylor


publica Primitive Culture, obra que está por assim dizer inaugurando a antropologia
como ciência da cultura. A questão então que precisamos entender é como este pensador
entende a cultura e, também, a ciência. Nos ajuda nesta questão pensarmos no impacto
produzido em todo ambiente e produção intelectuais na Europa da segunda metade do
século XVIII a publicação de Charles Darwin da Origem das Espécies, em 1859.
Durante a década de 60 do séc. XVIII toda Europa era influenciada pela Origem das
Espécies. E a Antropologia então nascente como disciplina científica era dominada pela
perspectiva evolucionista linear.

Tylor não escapa desta influência. Podemos ver em seu texto a adesão irrestrita
ao naturalismo. Ver (incluir) citação de Tylor (apud Laraia, p. 30-31).

Note-se que o autor não desconhece alguns aspectos da cultura de sua época que
podem constituir obstáculo à explicação naturalista da cultura. Laraia cita outro longo
trecho do livro de Tylor para mostrar isso. Sem necessitar reproduzir aqui o trecho na
íntegra, ficamos com a conclusão: “‘Ninguém negará que, como cada homem conhece
pelas evidências de sua própria consciência, causas naturais e definidas determinam as
ações humanas’” (apud Laraia, p. 32).
Sua perspectiva acerca da cultura já deixa ver que as ciências da natureza são
para ele o modelo de ciência (em termos de abordagem metodológica); e suas teses
deixam clara a perspectiva evolucionista em sua explicação para a diversidade cultural
face a unidade da humanidade. 1 Tylor considera a cultura como um fenômeno natural
que possui causas e regularidades. Defende a ideia de que a cultura desenvolve-se de
maneira uniforme, por etapas. Concebe que a humanidade está constituída por leis
gerais de comportamento (o que explicaria a uniformidade da humanidade), e assim
sustenta que comportamentos idênticos em culturas distintas podem ser explicados a
partir destas leis, as quais procura elucidar (demonstrar). Para enfrentar a diversidade
evidente nas diferentes culturas, conta justamente com a perspectiva evolucionista
unilinear, ou seja, uma perspectiva de escalonamento da humanidade em diferentes
graus de desenvolvimento ou evolução, sendo o estágio mais avançado o que se observa
na cultura das nações europeias e o menos avançado nos povos mais primitivos, ou
tribos “selvagens”. De modo que Tylor explica a diversidade dos povos “como o
resultado da desigualdade de estágios existentes no processo de evolução” (Laraia, p.
32-33). De acordo com sua perspectiva a tarefa da Antropologia seria, então,
“estabelecer, grosso modo, uma escala da civilização”. Enfim, pode-se afirmar que a
perspectiva evolucionista como ela aparece na proposição explicativa de Tylor para a
diversidade cultural não considera o relativismo cultural, ou, se se preferir, a
particularidade de cada cultura, enfatizando antes a unidade da humanidade.

Hoje podemos dizer, em vista do desenvolvimento das teorias antropológicas, e,


principalmente, do âmbito de abrangência ou objeto de estudo da Antropologia Cultural,
a saber, a própria diversidade cultural (relativismo cultural) que a perspectiva
evolucionista linear de Tylor está, por assim dizer, defasada. Pois, o relativismo cultural
implica o que Laraia define como “evolução multilinear”. Mas essa é uma perspectiva
desenvolvida pós Tylor, e “reza” que “[a] unidade da espécie humana, por mais
paradoxal que possa parecer tal afirmação, não pode ser explicada senão em termos de
sua diversidade cultural” ((Laraia, p. 34).2

1
Aqui precisamos lembrar que, à luz do que propõe Laraia, a discussão da cultura como um conceito
antropológico trata basicamente de discutir “a conciliação da unidade biológica e a grande diversidade
cultural da espécie humana” (p. 10)
2
Cf. a respeito o livro de Laplantine Aprender Antropologia, um manual bastante claro e instrutivo para
quem deseja iniciar-se nos temas da Antropologia Cultural, incluindo uma boa reconstrução histórica da
consolidação da Antropologia como ciência da cultura, com objeto e método definidos.
Por fim, Laraia nota o grande mérito de Tylor em sua “tentativa de analisar e
classificar cultura”, a saber, “o [mérito] de ter superado os demais trabalhadores de
gabinete, através de uma crítica arguta e exaustiva dos relatos dos viajantes e cronistas
coloniais. Em vez de aceitação tácita dessas informações, Tylor sempre questionou a
veracidade das mesmas” (Laraia, p. 35)

2. Concepção particularista de cultura

Referências

CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2 ed. Bauru: EDUSC, 2002.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: conceito antropológico. 24 ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2009.
REALE, Miguel. Paradigmas da cultura contemporânea.2 ed. São Paulo: Saraiva,
2005.

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