Você está na página 1de 66

Oficina de Textos

em Português
Fernanda Crevelin

Unidade 2

Livro Didático
Digital
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autora
FERNANDA CREVELIN
A AUTORA
Fernanda Crevelin
Olá. Meu nome é Fernanda Crevelin. Sou formada em Letras –
Português e Inglês e suas respectivas literaturas. Também sou pós-
graduada em Produção e Recepção de Texto. Tenho uma vasta experiência
na área de redação, tanto em escrita de textos, como em edição e revisão.
Além de estudos linguísticos em geral. Já atuei em diversos campos,
desde emissora de televisão até editora de material didático.

A Linguística está em tudo em nossas vidas e é uma verdadeira


paixão para mim! Transmitir minha experiência de vida àqueles que estão
iniciando em suas profissões é de fato gratificante e enriquecedor. Por
isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de
autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase
de muito estudo e trabalho. Conte comigo!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

INTRODUÇÃO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Compreendendo como funcionam os Gêneros Textuais............ 12
Diferença entre gênero textual e tipo textual.............................................................. 12

Exemplos de gêneros textuais - desenvolvendo..................................................... 16

Entendendo os Tipos Textuais................................................................ 24


Os Tipos Textuais..............................................................................................................................24

Especificidades dos Tipos Textuais.....................................................................................27

Identificando a formalidade de um texto..........................................40


A sociolinguística e as variações linguísticas............................................................. 40

A formalidade do texto, de fato............................................................................................ 46

Executando os Procedimentos de Coesão e Coerência.............. 55


Oficina de Textos em Português 9

02
UNIDADE
10 Oficina de Textos em Português

INTRODUÇÃO
Como já vimos na primeira unidade, o texto está nas nossas vidas
o tempo todo! Quando falamos com alguém, quando mandamos um
e-mail, quando escrevemos um bilhete, quando fazemos gestos, etc.
Tudo isso são formas de texto, que tem como função principal estabelecer
a comunicação de alguma forma.

Então, nesta unidade nós vamos trabalhar os tipos e gêneros


textuais, quais são e suas características, etc. Também faremos a
diferenciação, muito importante entre gênero e tipo textual. A ideia é
fazer com que você, aluno, se inteire como se dá o processo de um texto
Também se pretende, neste processo de aprendizagem, mostrar como
é a formalidade de um texto, quais os níveis e como ela acontece. Além
dos processos de coesão e coerência, suas diferenças e porque elas
caminham sempre juntas. Vamos lá? Ao longo desta unidade letiva você
poderá mergulhar neste universo!
Oficina de Textos em Português 11

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 2. Nosso objetivo é auxiliar
você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o
término desta etapa de estudos:

1. Compreender como funcionam os gêneros textuais.

2. Entender quais são os tipos textuais.

3. Identificar qual e como é a formalidade de um texto.

4. Executar os procedimentos de coesão e coerência.

E aí, preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento?


Então, vamos ao trabalho!
12 Oficina de Textos em Português

Compreendendo como funcionam os


Gêneros Textuais

OBJETIVO:

Ao término deste capítulo você será capaz de entender


como funcionam os gêneros textuais. Isso será fundamental
para o exercício de sua profissão. Pois é comum que exista
um equívoco entre os conceitos de gênero e tipo textual,
então aqui você poderá entender essas diferenças e
também a particularidades de cada um. E então? Motivado
para desenvolver esta competência? Então vamos lá.
Avante!

Diferença entre gênero textual e tipo


textual
Muito se fala sobre os gêneros e tipos textuais e muito se confunde
esses dois termos. Muitas vezes é ensinado que eles são as mesmas
coisas, porém, são bem distintos um do outro. Vamos a eles?

Bem, os gêneros textuais são textos que exercem uma função social
específica, ou seja, ocorrem em situações cotidianas e têm uma intenção
comunicativa bem definida. Os diferentes gêneros textuais se adequam ao
uso que se faz deles. Eles fazem adequação principalmente ao objetivo do
texto. Eles têm muita relação com o emissor, receptor e ao contexto. Você
se lembra desses termos? Nós os estudamos na unidade 1.
Oficina de Textos em Português 13

Gêneros Textuais

LENDA MITO FÁBULA CONTOS DE


A lenda é um O mito é uma A fábula é FADA
tipo de narrativa narrativa fictícia uma narrativa O conto de fada
passada de ge- que explica curta que traz é uma história
ração para ge- acontecimentos a reflexão de fictícia que traz
ração e contada dos lugares. valores huma- elementos ou
como se fosse Geralmente nos. Costuma criaturas mági-
uma verdade. inclui seres apresentar uma cas. É comum o
Tem elemen- fantásticos e moral ao final e uso de príncipes
tos fantásticos deuses locais. geralmente os e princesas.
e pode servir personagens
para explicar são animais.
fenômenos ou
acontecimentos
reais.
POESIA BIOGRAFIA RECEITA CRÔNICA
A poesia é um A biografia é a A receita é um A crônica é um
tipo de texto história da vida texto que tem tipo de texto
que traz um de uma pessoa a função de que mistura
formato dife- e relata vários ensinar alguém jornalismo e
rente, compos- momentos a preparar um literatura. Tem
to de estrofes marcantes de alimento. É como caracte-
e versos. Ele sua existência. comum que rística forte a
costuma ter um venha dividido ironia e cos-
ritmo de leitura entre ingre- tuma utilizar
musicada, dientes e modo notícias parar
pode ter rimas de preparo. narrar histórias
e expressa os fictícias com
sentimentos do humor.
autor.
14 Oficina de Textos em Português

BULA DE REMÉ- E-mail CARTA BILHETE


DIO O E-mail (ou A carta envolve O bilhete tem
A bula de correio ele- um remetente como principal
remédio tem trônico) é um e um destina- função informar
a intenção de gênero eletrôni- tário. É cos- alguém sobre
fornecer ao pa- co escrito, cujas tume colocar alguma coisa. A
ciente o máximo características local e data e linguagem é in-
de informações lembram as iniciar com uma formal e o texto
possíveis sobre de bilhetes e saudação. O costuma ser
o medicamento. cartas, embora assunto é livre, breve. Deve-se
Traz composição possam trans- pois geralmen- colocar o nome
contraindica- mitir qualquer te depende do destinatário
ções, dosagem, mensagem. A do que você e do emissor.
reações, precau- praticidade é deseja comuni-
ções e outras uma grande car. O tamanho
informações do vantagem deste da escrita deve
medicamento. gênero textual. ser médio ou
longo.
ENTREVISTA DIÁRIO INFORMATIVO FICÇÃO-CIEN-
A entrevista O diário conta Tipo de texto TÍFICA
é um tipo de fatos do que tem como História que
texto que tem a cotidiano ou principal função traz elementos
função de infor- impressões que informar sobre que não exis-
mar sobre um o autor teve acontecimen- tem na realida-
acontecimento sobre determi- tos, pessoas, de. Geralmente
ou levar ao nado dia. Geral- lugares entre envolve tecno-
público ideias mente é o autor outros. Há logia ciência e
e opniões da que lê o diário, muitos gêneros outros planetas.
pessoa entre- que costuma textuais infor-
vistada. ser escrito em mativos.
primeira pes-
soa.
Oficina de Textos em Português 15

MISTÉRIO TERROR AVENTURA


O mistério traz Histórias de ter- As histórias de
uma história ror costumam aventura são
com elementos apresentar empolgantes e
de suspense e personagens cativam o leitor
costuma trazer assustadores e pela ação dos
a solução do contar situa- personagens.
principal enig- ções que pro- Passar por ter-
ma da trama no vocam medo ras desconhe-
final da história. no leitor, usan- cidas e encon-
do elementos trar tesouros,
tenebrosos. por exemplo,
são tipos de
aventura.
Fonte: https://www.pinterest.com.mx/pin/551339179381656456/

Então, os gêneros textuais são inúmeros, e alguns deles estão muito


presentes no nosso dia a dia. Vamos a alguns exemplos:

• Bula de remédio

• Carta

• E-mail

• Reportagem

• Relatório

• Texto científico

• Diário

• Entrevista

• Artigo de opinião

• Lista de compras

• Entre vários outros.


16 Oficina de Textos em Português

EXPLICANDO MELHOR:

Os gêneros textuais são inúmeros e estão presentes o


tempo todo em nossas vidas, que nem percebemos. Então,
eles fazem parte do nosso cotidiano, desde quando abrimos
o jornal para ler uma notícia pela manhã, até quando temos
que fazer uma lista do que comprar no supermercado.

E os tipos textuais?

Bem, esses são bem específicos e apenas 6:

• Texto narrativo;

• Texto descritivo;

• Texto dissertativo expositivo;

• Texto dissertativo argumentativo;

• Texto explicativo injuntivo;

• Texto explicativo prescritivo.

Os tipos textuais são modelos abrangentes e fixos que definem


e distinguem a estrutura e os aspectos linguísticos de uma narração,
descrição, dissertação e explicação. Mas sobre eles nós falaremos melhor
na próxima seção.

Exemplos de gêneros textuais - desenvolvendo


Agora, para facilitar seu entendimento sobre gêneros textuais,
vamos dar alguns exemplos práticos?
Oficina de Textos em Português 17

1. Reportagem:

Fonte: Pixabay

A reportagem apresenta elementos que não são próprios do gênero


notícia, entre eles o levantamento de dados, entrevistas com testemunhas
e/ou especialistas e uma análise detalhada dos fatos. Embora preze
pela objetividade, característica importante dos gêneros jornalísticos, a
reportagem invariavelmente apresenta um retrato do assunto a partir de
um ângulo pessoal, por isso, ao contrário da notícia, ela é assinada pelo
repórter. Nesse gênero é comum encontrar também o recurso da polifonia,
pois nele existem outras vozes que não a do repórter, por isso o equilíbrio
entre o discurso direto e indireto. A finalidade maior da polifonia é permitir
que o repórter aborde o tema de maneira global e, dessa maneira, isente-
se da apresentação dos fatos. Exemplo:

“Jornalistas e feministas”: livro aborda a prática do Portal Catarinas.

“Jornalistas e feministas: a construção da perspectiva de gênero


no jornalismo” é o título do livro que traz um estudo de caso sobre o
Portal Catarinas. Resultado da dissertação de mestrado da estudante
Jessica Gustafson no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo
da UFSC, a publicação será lançada nesta quinta-feira (14), às 19h, na
Fundação Cultural Badesc, em Florianópolis.
18 Oficina de Textos em Português

Em entrevista ao Catarinas, a doutoranda em jornalismo pela UFSC


fala sobre as principais descobertas dessa pesquisa e das contribuições
ao campo científico e profissional. Durante a investigação, Gustafson
ouviu cinco jornalistas do Portal, buscando compreender suas rotinas
de trabalho, visões de mundo e práticas jornalísticas.

A pesquisadora estudou particularmente o fundamento da objetividade


jornalística que está ligado ao conceito de verdade, no sentido de ser um
método para aproximar-se dela. Assim como na ciência, a objetividade
jornalística pressupõe o distanciamento do sujeito que olha. “Acredito que o
mais interessante seja pensar nas rupturas importantes que os feminismos
podem trazer aos pressupostos do jornalismo”, explica a pesquisadora.

Ela encontrou em Donna Haraway, bióloga e professora emérita


estadunidense do Departamento de História da consciência, na
Universidade da Califórnia em Santa Cruz, as bases teóricas para
entender uma nova maneira de pensar a objetividade, a partir de uma
visão crítica da ideia de verdade no jornalismo.

“Refletindo a partir do conceito de objetividade corporificada de


Donna Haraway, pude perceber que o jornalismo feminista subverte esse
distanciamento, se aproximando e dialogando mais abertamente com
as pessoas envolvidas na construção das matérias jornalísticas e não
se eximindo de sua responsabilidade enquanto sujeitos que enxergam
o mundo a partir de uma localização social específica”, explica Jessica.

Ainda segundo a autora do livro, ao assumir que a perspectiva


apresentada será sempre parcial, abre-se possibilidades para outros
saberes, “em um movimento de abertura e não de fechamento em
busca de verdade única, que será sempre excludente”.

“De forma geral, me parece importante buscar nos feminismos,


enquanto práticas políticas de ativismo e também contribuições teóricas
densas, novas formas de se pensar a prática de outro tipo de jornalismo, que
possa melhor se relacionar com a complexidade social que vivemos hoje”,
afirma.

Portal Catarinas
Oficina de Textos em Português 19

2. E-mail

Os e-mails se assemelham muito às cartas, mas de forma


eletrônica. Para enviá-los é necessário um assunto, depois vem o corpo
do e-mail, normalmente com uma saudação, texto e a despedida. E-mails
são enviados por inúmeros motivos: de boas-vindas, para informar, para
vender, para perguntar, para entregar documentos etc. Vejamos um
exemplo:

(destinatário)

Atenção a

(pessoa ou departamento)

Assunto

(tema da mensagem)

Prezados (as) Senhores(as),

Com relação à reunião marcada para o próximo dia 20 de abril, sinto


informar que será necessário remarcar a data diante da impossibilidade
de comparecimento de boa parte do corpo diretor, que se encontrará
em viagem para negociação com fornecedores.

Dessa forma, agendaremos a exposição de seus produtos para a


outra oportunidade na data mais próxima disponível.

Faremos em breve novo contato para agendamento.


20 Oficina de Textos em Português

Atenciosamente,

(empresa)

(nome do responsável)

(cargo)

(telefone)

(e-mail)

3. Crônica

A Crônica é um tipo de texto narrativo curto, geralmente produzido


para meios de comunicação, por exemplo, jornais, revistas etc. Além de
ser um texto curto, possui uma "vida curta", ou seja, as crônicas tratam
de acontecimentos corriqueiros do cotidiano. Portanto, elas estão
extremamente conectadas ao contexto em que são produzidas, por isso,
com o passar do tempo ela perde sua “validade”, ou seja, fica fora do
contexto. De acordo com o crítico literário Antônio Cândido:

A crônica não é um “gênero maior”. Não se imagina uma


literatura feita de grandes cronistas, que lhe dessem o brilho
universal dos grandes romancistas, dramaturgos e poetas.
Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um cronista,
por melhor que fosse. Portanto, parece mesmo que a crônica
é um gênero menor. “Graças a Deus”, seria o caso de dizer,
porque sendo assim ela fica mais perto de nós. E para muitos
pode servir de caminho não apenas para a vida, que ela serve
de perto, mas para a literatura (...).

Veja um exemplo:
Oficina de Textos em Português 21

A morte dos girassóis

Anoitecia, eu estava no jardim. Passou um vizinho e ficou me


olhando, pálido demais até para o anoitecer. Tanto que cheguei a me
virar para trás, quem sabe alguma coisa além de mim no jardim. Mas
havia apenas os brincos-de-princesa, a enredadeira subindo lenta
pelos cordões, rosas cor-de-rosa, gladíolos desgrenhados. Eu disse
oi, ele ficou mais pálido. Perguntei que-que foi, ele enfim suspirou:
“Me disseram no Bonfim que você morreu na quinta-feira”. Eu disse ou
pensei dizer ou de tal forma deveria ter dito que foi como se dissesse:
“É verdade, morri sim. Isso que você está vendo é uma aparição, voltei
porque não consigo me libertar do jardim, vou ficar aqui vagando feito
Egum até desabrochar aquela rosa amarela plantada no dia de Oxum.
Quando passar lá no Bonfim diz que sim, que morri mesmo, e já faz
tempo, lá por agosto do ano passado. Aproveita e avisa o pessoal que é
ótimo aqui do outro lado: enfim um lugar sem baixo astral”.

Acho que ele foi embora, ainda mais pálido. Ou eu fui, não importa.

Mudando de assunto sem mudar propriamente, tenho aprendido


muito com o jardim. Os girassóis, por exemplo, que vistos assim de fora
parecem flores simples, fáceis, até um pouco brutas.

Pois não são. Girassol leva tempo se preparando, cresce devagar


enfrentando mil inimigos, formigas vorazes, caracóis do mal, ventos
destruidores. Depois de meses, um dia pá! Lá está o botãozinho todo
catita, parece que vai abrir.

Mas leva tempo, ele também, se produzindo. Eu cuidava, cuidava,


e nada. Viajei por quase um mês no verão, quando voltei, a casa tinha
sido pintada, muro inclusive, e vários girassóis estavam quebrados.
Fiquei uma fera. Gritei com o pintor: “Mas o senhor não sabe que as
plantas sentem dor que nem a gente?” O homem ficou me olhando tão
pálido quanto aquele vizinho. Não, ele não sabe, entendi. E fui cuidar do
que restava, que é sempre o que se deve fazer.
22 Oficina de Textos em Português

Alguns amarrei com cordões em estacas, mas havia um tão


quebrado que nem dei muita atenção, parecia não valer a pena. Só
apoie-o numa espada de São Jorge com jeito, e entreguei a Deus. Pois
no dia seguinte, lá estava ele todo meio empinado de novo, tortíssimo,
mas dispensando o apoio da espada. Foi crescendo assim precário,
feinho, fragilíssimo. Quando parecia quase bom, cráu! Veio chuva
medonha e deitou-o por terra. Pela manhã estava todo enlameado, mas
firme. Aí me veio a ideia: cortei-o com cuidado e coloquei-o aos pés do
Buda chinês de mãos quebradas que herdei de Vicente Pereira. Estava
tão mal que o talo pendia cheio de ângulos das fraturas, a flor ficava
assim meio de cabeça baixa e de costas para o Buda. Não havia como
endireitá-lo.

Na manhã seguinte, juro, ele havia feito um giro completo sobre


o próprio eixo e estava com a corola toda aberta, iluminada, voltada
exatamente para o sorriso do Buda. Os dois pareciam sorrir um para
o outro. Um com o talo torto, o outro com as mãos quebradas. Durou
pouco, girassol dura pouco, uns três dias. Então peguei e joguei-o
pétala por pétala, depois o talo e a corola entre as alamandas da sacada.
Para que caíssem no canteiro lá embaixo e voltassem a ser pó, húmus
misturado à terra. Depois não sei ao certo, voltasse à tona fazendo parte
de uma rosa, palma-de-santarrita, lírio ou azaleia, vai saber que tramas
armam as raízes lá embaixo no escuro, em segredo.

Ah, pede-se não enviar flores. Pois como eu ia dizendo, depois que
comecei a cuidar do jardim aprendi tanta coisa, uma delas é que não se
deve decretar a morte de um girassol antes do tempo, compreendeu?
Algumas pessoas acham que nunca. Mas não é para essas que escrevo.

Caio Fernando Abreu


Oficina de Textos em Português 23

SAIBA MAIS:

[[Saiba Mais]]: Quer saber mais sobre a importância dos


gêneros textuais no ensino da Língua Portuguesa? Então
leia o artigo de Alina Segate, “Gêneros textuais no ensino
de língua portuguesa”. Disponível em: https://www.revistas.
usp.br/linhadagua/article/download/37333/40053/

RESUMINDO:

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu


mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de
que você realmente entendeu o tema de estudo deste
capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter
aprendido que os gêneros textuais são coisas diferentes
de tipos textuais. Os primeiros são inúmeros e são sempre
presentes no nosso cotidiano, como receitas, bulas de
remédio, e-mails, reportagens etc. Já os tipos textuais são
especificamente seis: narrativo, descritivo, argumentativo,
expositivo, explicativo injuntivo e explicativo prescritivo,
que serão melhor explicados na próxima seção. Vamos lá?
24 Oficina de Textos em Português

Entendendo os Tipos Textuais

OBJETIVO:

Como nós vimos na primeira seção, tipos textuais são


diferentes de gêneros textuais, por mais que um tenha
relação com o outro. Nesta seção nós vamos trabalhar mais
profundamente os tipos textuais, reforçar quais são eles e
definir as características cada um. Então, ao término desta
seção você deverá saber como funcionam os tipos textuais
e quais são as características de cada um. Vamos lá?

Os Tipos Textuais
Alguns autores definem os tipos textuais como sendo um “sorteamento”.
Segundo os autores, o sorteamento de textos é um procedimento de base
indutiva e empírica, já a tipologia de textos, outra forma de se chamar os tipos
textuais, é um procedimento de base dedutiva e teórica. Nesse sentido, os
tipos textuais partem de uma teoria e tem como objetivo categorizar o universo
textual de forma sistemática e exaustiva. Dessa forma, a caracterização dos
textos é baseada em um conjunto limitado de critérios, constituindo um
número relativamente pequeno de tipos. De acordo com os estudiosos, a
tipologia não utiliza as categorizações já existentes em uma dada comunidade,
já que estabelece sua própria terminologia para dar conta de todos os textos.

EXPLICANDO MELHOR:

Os tipos textuais, ou tipologia textual ou até mesmo tipos


de texto, são as diferentes formas que um texto pode
apresentar, visando a responder a diferentes intenções
comunicativas. Os aspectos constitutivos de um texto
divergem mediante a finalidade do texto: contar, descrever,
argumentar, informar etc. Então, os diferentes tipos de texto
apresentam diferentes características, em questão, por
exemplo, de: estrutura, construções de frases, linguagem,
vocabulário, tempos verbais, relações lógicas, modo de
interação com o leitor etc.
Oficina de Textos em Português 25

Então, as propriedades de uma tipologia que são: a homogeneidade,


a monotipia, o rigor e a exaustividade. A homogeneidade diz respeito
à base que sustenta as definições dos tipos textuais, que deve ser da
mesma natureza. A monotipia diz respeito à atribuição de um dado texto
a um único tipo textual, ou seja, um texto não pode ser classificado em
diversos tipos em um mesmo nível de hierarquia. O rigor refere-se ao fato
de não haver ambiguidade tipológica, de modo que o texto não possa ser
classificado em distintos tipos. Por fim, a exaustividade se refere ao fato de
que a tipologia tenha a possibilidade de ser aplicada em todos os textos.

Existe uma dificuldade em se entrar em um consenso conceitual em


relação à noção de “tipo textual”, principalmente por conta da utilização de
diferentes teorias de linguagem que a fundamentam. Em uma tentativa de
elaborar uma síntese desta categoria, Silva (1999, p. 101) tece articulações
entre diferentes quadros teóricos e formula uma concepção de “tipo
textual” como:

modos enunciativos de organização do discurso no


texto [...],efetivados por operações textual-discursivas [...],
construídas pelo locutor em função de sua atitude discursiva
em relação ao seu objeto do dizer e ao seu interlocutor. Tudo
isso é regulado pelo gênero a que o texto pertence e pela
situação interlocutiva, ambientada em dada instância social do
uso da linguagem.

De acordo com essa concepção podemos perceber uma forte


conexão com “tipo textual” e “gênero textual”, entre “tipo textual” e situação
de comunicação e entre “tipo textual” e esfera de atividade humana (no
sentido bakhtiniano, autor muito abordado na nossa primeira unidade),
deixando evidente que a noção de “tipo textual” é concebida a partir do
diálogo entre uma dimensão estrutural e uma dimensão discursiva.

Já Marcuschi (2002) se posiciona de forma contrária ao apresentar


diferenças entre as concepções de “gênero textual” e “tipo textual”.
Para o autor, os tipos textuais são “construtos teóricos definidos por
26 Oficina de Textos em Português

propriedades linguísticas intrínsecas” (MARCUSCHI, 2002, p. 23). Como é


possível observar, são considerados apenas os aspectos estruturais na
noção de “tipo textual”. Essas posições ilustram que, mesmo em uma
tentativa de estabilizar a noção de “tipo textual”, ela se apresenta de forma
escorregadia.Quando iniciamos a discussão acerca dos tipos textuais é
de suma importância trabalhar o conceito de “superestrutura” de Van Dijk
(1978), considerarmos que no conceito do autor há uma convergência com
a noção de “tipo textual” por conta do viés cognitivista. Outro argumento
é apresentado por Marcuschi (2000) ao afirmar que, apesar de o autor
não ter elaborado uma tipologia textual, a noção de “superestrutura”
provê bases para isso.Para Dijk, superestrutura é “um tipo de esquema
abstrato que estabelece a ordem global de um texto e que é constituído
de uma série de categorias, cujas possibilidades se baseiam em regras
convencionais”. Essa conceituação revela que a superestrutura tem um
caráter textual, abstrato e convencional.

A natureza textual da “superestrutura” se explica em oposição


à natureza gramatical, de modo que a categoria se presta a definir um
texto tomado em seu conjunto e não a partir de orações isoladas, por
exemplo. Já a natureza abstrata, diz respeito ao fato de a “superestrutura”
se constituir em um sistema secundário que não possui diretamente
funções pragmáticas, e se manifestar indiretamente por meio dos
sistemas linguísticos das línguas naturais. Essas “estruturas textuais
abstratas” são conhecidas e utilizadas pelos falantes, de modo que eles
produzem e interpretam textos de acordo com esse sistema implícito. Daí
sua natureza convencional. De acordo com o autor, esse conhecimento
cognitivo pertence aos falantes de uma dada comunidade linguística.
VanDijk (1978) define, ainda, a superestrutura como a “forma” do texto,
contudo Marcushi (2000, p. 42) nos adverte que “a superestrutura não é
apenas forma, mas tem um componente cognitivo bastante claro [...]”. Veja
a seguir a exemplificação em imagem essa superestrutura de Dijk.
Oficina de Textos em Português 27

Argumentação

Justificativa Conclusão

Marco Circunstância

Pontos de partida Feitos

Legitimidade Reforço

SAIBA MAIS:

Quer saber mais como é o pensamento de Marcushi? Leia


o livro do autor intitulado como “Gêneros textuais: definição
e funcionalidade”, publicado em 2002.

Especificidades dos Tipos Textuais


Agora que você tem uma noção geral sobre os tipos textuais, vamos
estudar um por um? Vamos lá!

1. Texto narrativo

Maioritariamente escrito em prosa, o texto narrativo é caracterizado


por narrar uma história, ou seja, contar uma história através de uma sequência
de várias ações reais ou imaginárias. Essa sucessão de acontecimentos é
contada por um narrador e está estruturada em introdução, desenvolvimento
e conclusão. Ao longo dessa estrutura narrativa são apresentados os
principais elementos da narração: espaço, tempo, personagem, enredo e
narrador. Quais são os principais elementos da narrativa?

Espaço: O espaço se refere ao local onde se desenrola a ação.


Pode ser físico (no colégio, no Brasil, na praça etc.), social (características
28 Oficina de Textos em Português

do ambiente social) e psicológico (vivências, pensamento e sentimentos


do sujeito etc.).

Tempo: O tempo se refere à duração da ação e ao desenrolar dos


acontecimentos. O tempo cronológico indica a sucessão cronológica
dos fatos, pelas horas, dias, anos etc. O tempo psicológico se refere às
lembranças e vivências das personagens, sendo subjetivo e influenciado
pelo estado de espírito das personagens em cada momento.

Personagens: São caracterizadas através de qualidades físicas


e psicológicas, podendo essa caracterização ser feita de modo direto
(explicitada pelo narrador ou por outras personagens, através de
autocaracterização ou heterocaracterização) ou de modo indireto (feita
com base nas atitudes e comportamento das personagens).

Enredo: Também chamado de intriga, trama ou ação, o enredo é


composto pelos acontecimentos que ocorrem num determinado tempo e
espaço e são vivenciados pelas personagens. As ações seguem-se umas
às outras por encadeamento, encaixe e alternância.

Narrador: O narrador é o responsável pela narração, ou seja, é


quem conta a história. Existem vários tipos de narrador:

Narrador onisciente e onipresente: Conhece intimamente as


personagens e a totalidade do enredo, de forma pormenorizada. Utiliza
maioritariamente a narração na 3.ª pessoa, mas pode narrar na 1.ª pessoa,
em discurso indireto livre, tendo sua voz confundida com a voz das
personagens, tal é o seu conhecimento e intimidade com a narrativa.

Narrador personagem, participante ou presente: Conta a história


na 1.ª pessoa, do ponto de vista da personagem que é. Apenas conhece
seus próprios pensamentos e as ações que se vão desenrolando, nas
quais também participa. Tem conhecimentos limitados sobre as restantes
personagens e sobre a totalidade do enredo. Este tipo de narração é mais
subjetivo, transmitindo o ponto de vista e as emoções do narrador.

Narrador observador, não participante ou ausente: Limita-se a


contar a história, sem se envolver nela. Embora tenha conhecimento das
ações, não conhece o íntimo das personagens, mantendo uma narrativa
imparcial e objetiva. Utiliza a narração na 3.ª pessoa.
Oficina de Textos em Português 29

Nós temos também a estrutura de uma narrativa. Vamos a ela?

Introdução: A introdução se refere à situação inicial da história.


Também chamada de apresentação, é nesta parte da narração que
são apresentados os principais elementos da narração: espaço, tempo,
personagens, enredo e narrador. Ficamos sabendo quem, quando e onde.

Desenvolvimento: Durante o desenvolvimento do enredo, ocorrem


conflitos, ou seja, acontecimentos que quebram o equilíbrio apresentado
na introdução, modificando essa situação inicial. Ficamos sabendo o quê
e como. No desenvolvimento ocorre também o momento mais tenso e
emocionante da história - o clímax.

Conclusão: Também chamada de desfecho, desenlace ou epílogo,


a conclusão é a parte da narração em que se resolvem os conflitos
(positiva ou negativamente). Fica evidenciada a relação existente entre os
diferentes acontecimentos, sendo apresentadas suas consequências.

Exemplo de excerto de texto narrativo:

A memória é a costureira, e costureira caprichosa. A memória faz a


sua agulha correr para dentro e para foram, para cima e para baixo, para
cá e para lá. Não sabemos o que vem em seguida, o que virá depois.
Assim, o ato mais vulgar do mundo, como o de sentar-se a uma mesa e
aproximar o tinteiro, pode agitar mil fragmentos díspares, ora iluminados,
ora em sombra, pendentes, oscilantes, e revirando-se como a roupa
branca de uma família de catorze pessoas, numa corda ao vento. (Orlando
– Virgina Woolf)

2. Texto Descritivo

O texto descritivo é caracterizado por descrever algo ou alguém


detalhadamente, sendo possível ao leitor criar uma imagem mental do
objeto ou ser descrito, de acordo com a descrição efetuada. Descrição essa
tanto dos aspectos mais importantes e característicos que generalizam
um objeto ou ser, como dos pormenores e detalhes que os diferenciam
dos outros.
30 Oficina de Textos em Português

Não é, por norma, um tipo de texto autônomo, encontrando-se


presente em outros textos, como o texto narrativo. Passagens descritivas
ocorrem no meio da narração quando há uma pausa no desenrolar dos
acontecimentos para caracterizar pormenorizadamente um objeto, um
lugar ou uma pessoa, sendo um recurso útil e importante para capturar a
atenção do leitor.

Estrutura do texto descritivo

Introdução: Primeiramente é feita a identificação do ser ou objeto


que será descrito, de modo a que o leitor foque sua atenção nesse ser ou
objeto.

Desenvolvimento: Ocorre então a descrição do objeto ou ser em


foco, apresentando seus aspectos mais gerais e mais pormenorizados,
havendo caracterizações mais objetivas e outras mais subjetivas.

Conclusão: A descrição está concluída quando a caracterização do


objeto ou do ser estiver terminada.

Características do texto descritivo

O texto descritivo não se encontra limitado por noções temporais


ou relações espaciais, visto descrever algo estático, sem ordem fixa para
a realização da descrição. Há uma notória predominância de substantivos,
adjetivos e locuções adjetivas, em detrimento de verbos, sendo
maioritariamente necessária a utilização de verbos de estado, como ser,
estar, parecer, permanecer, ficar, continuar, tornar-se, andar etc.

O uso de uma linguagem clara e dinâmica, com vocabulário rico


e variado, bem como o uso de enumerações e comparações, ou outras
figuras de linguagem, servem para melhor apresentar o objeto ou ser em
descrição, enriquecendo o texto e tornando-o mais interessante para o
leitor.

A descrição pode ser mais objetiva, focalizando aspectos físicos,


ou mais subjetiva, focalizando aspectos emocionais e psicológicos. Nas
Oficina de Textos em Português 31

melhores descrições, há um equilíbrio entre os dois tipos de descrição,


sendo o objeto ou ser descrito apresentado nas suas diversas vertentes.

Na descrição de pessoas, há a descrição de aspectos físicos, ou seja,


aquilo que pode ser observado e a descrição de aspectos psicológicos e
comportamentais, como o caráter, personalidade, humor,…, apreendidos
pelo convívio com a pessoa e pela observação de suas atitudes. Na
descrição de lugares ocorre tanto a descrição de aspectos físicos, como
a descrição do ambiente social, econômico, político,… Na descrição de
objetos, embora predomine a descrição de aspectos físicos, pode ocorrer
uma descrição sensorial, que estimule os sentidos do leitor.

Exemplos:

Descrição Subjetiva

“Ficara sentada à mesa a ler o Diário de Notícias, no seu roupão


de manhã de fazenda preta, bordado a sutache, com largos botões de
madrepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco
do calor do travesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina,
de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea das louras; com
o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no movimento lento
e suave dos seus dedos, dois anéis de rubis miudinhos davam cintilações
escarlates.” (O Primo Basílio, Eça de Queiroz)

Descrição Objetiva

"A vítima, Solange dos Santos (22 anos), moradora da cidade de


Marília, era magra, alta (1,75), cabelos pretos e curtos; nariz fino e rosto
ligeiramente alongado."
32 Oficina de Textos em Português

3. Texto dissertativo-expositivo

Fonte: Pixabay

O texto dissertativo-expositivo tem como objetivo informar e


esclarecer o leitor através da exposição de um determinado assunto
ou tema. Não há a necessidade de convencer o leitor, apenas de expor
conhecimentos, ideias e pontos de vista.

É essencial que o autor domine totalmente o assunto, uma vez


que o rigor na análise do conteúdo de um texto dissertativo-expositivo é
elevadíssimo. Por se tratar da transmissão de um conhecimento teórico,
devidamente legitimado, não pode haver qualquer tipo de incorreção.

Além disso, é importante que o assunto seja exposto de forma


clara, pormenorizada e objetiva, de modo a que o texto seja entendido
pelo maior número possível de leitores.

Este tipo de texto é usado em: livros, aulas e resumos escolares,


enciclopédias, textos científicos, verbetes de dicionário, textos para
transmissão de conhecimentos em diversos meios de comunicação,
como internet, jornais, revistas etc.
Oficina de Textos em Português 33

Características do texto dissertativo-expositivo:

Com o intuito de informar e esclarecer, o texto dissertativo-


expositivo é caracterizado por:

• Utilizar uma linguagem clara e objetiva;

• Ser de fácil compreensão por diversas pessoas;

• Apresentar muita informação sobre um determinado assunto;

• Especificar conceitos e definições;

• Realizar descrições de características;

• Recorrer a enumerações, comparações e contrastes para clarificar os


conceitos.

Estrutura do texto dissertativo-expositivo

O texto dissertativo-expositivo pode ser construído através da


estrutura textual típica de introdução, desenvolvimento e conclusão.
Contudo, mais importante do que seguir uma estrutura rígida, é que haja a
exposição de ideias certas e bem organizadas sobre um determinado tema.

Introdução:

Na introdução é feita a apresentação do tema que será abordado,


com possível contextualização num universo mais amplo, no qual o tema
se encontra inserido. Neste momento, é feita também a definição do
objetivo do texto.

Desenvolvimento:

No desenvolvimento é feita uma explicação pormenorizada, clara e


objetiva do tema, havendo uma exploração de todas as suas vertentes e
de todos os aspectos principais e secundários relativos ao mesmo.

Conclusão:

Na conclusão ocorre a reafirmação do tema, sendo feita a síntese


dos conteúdos abordados. Pode haver uma tomada de posição do autor
relativamente ao assunto tratado.
34 Oficina de Textos em Português

Exemplo de texto dissertativo-expositivo:

“Locução adjetiva é um conjunto de duas ou mais palavras que,


juntas, atuam como um adjetivo, caracterizando um substantivo. A maior
parte das locuções adjetivas é formada pela preposição de mais um
substantivo. Há, no entanto, locuções adjetivas formadas por advérbios e
pelas preposições sem, com, em, etc.”

Algumas locuções adjetivas se encontram diretamente relacionadas


com um adjetivo, outras não. Assim, em alguns casos é possível a
substituição da locução adjetiva por um adjetivo, em outros não.

A utilização de locuções adjetivas permite uma maior diversidade


vocabular e enriquecimento textual

4. Texto dissertativo argumentativo

O texto dissertativo-argumentativo tem como objetivo persuadir e


convencer, ou seja, levar o leitor a concordar com a tese defendida. É
expressa uma opinião crítica acerca de um assunto, sendo defendida uma
tese sobre esse assunto através de uma argumentação clara e objetiva,
fundamentada em fatos verídicos e dados concretos.

Estrutura do texto dissertativo argumentativo

A apresentação e defesa da tese desenvolvem-se através da


estrutura textual típica de introdução, desenvolvimento e conclusão.

Introdução

Na introdução ocorre a apresentação de um assunto e de uma


tese que será defendida sobre esse assunto. Assim, após a identificação
de um problema num determinado assunto, é apresentada a tese de
forma clara e objetiva, sendo essencial que esta esteja bem definida e
delimitada. A reflexão crítica sobre a tese e sua argumentação será feitas
no desenvolvimento do texto.
Oficina de Textos em Português 35

Desenvolvimento

No desenvolvimento ocorre a apresentação e a exploração dos


diversos argumentos que suportam a tese. Podem ser apresentados
através do reconhecimento das causas e consequências do problema,
da identificação de seus aspectos positivos e negativos ou da contra-
argumentação de uma tese contrária. Pode haver um foco no argumento
justificando a tese ou um foco na tese que ocorre por um determinado
argumento. O que importa é que se utilize uma linguagem coerente,
objetiva e precisa.

A apresentação dos argumentos deve seguir uma sequência lógica.


Pode haver um argumento principal e argumentos auxiliares ou vários
argumentos fortes. O mais importante é que estes sejam objetivos e
detalhados e que haja conexão entre eles.

Os diversos argumentos deverão ser sustentados com exemplos e


provas que os validem, tornando-os indiscutíveis, como:

• Atos comprovados;

• Conhecimentos consensuais;

• Dados estatísticos;

• Pesquisas e estudos;

• Citações de autores renomados;

• Depoimentos de personalidades renomadas;

• Alusões históricas;

• Fatores sociais, culturais e econômicos.

Além disso, diversos recursos de linguagem podem ser usados


para captar a atenção do leitor e convencê-lo da correção da tese,
como a utilização de uma linguagem formal, de perguntas retóricas, de
repetições, de ironia, de exclamações etc.
36 Oficina de Textos em Português

Conclusão

Na conclusão há a retoma e reafirmação da tese inicial, já


defendida pelos diversos argumentos apresentados no desenvolvimento.
Pode ocorrer a apresentação de soluções viáveis ou de propostas de
intervenção. A conclusão aparece como um desfecho natural e inevitável
visto o pensamento do leitor já ter sido direcionado para a mesma durante
a apresentação dos argumentos.

Exemplo de texto dissertativo-argumentativo:

“Não é de hoje que a sociedade brasileira sofre com os tormentos


ocasionados pela disseminação da violência. Esse fato estarrecedor gera
debates e mais debates, na tentativa de sanar, ou ao menos coibir, os sérios
impactos sociais que as ações violentas representam para a coletividade.
Para esse fim, seria a redução da maioridade penal um componente de
primeira grandeza?

Constata-se que o envolvimento de jovens infratores em graves


delitos pode não ser uma exclusividade dos tempos modernos; no entanto,
é inegável o aumento de casos envolvendo crianças e adolescentes
em situações deploráveis, como furtos, roubos e, em muitos contextos,
homicídios.

Com esse cenário, parece irrefutável a tese que defende o declínio


de dois anos nas contas da maioridade penal. Para os mais inconformados
com a realidade, aqueles tomados pelo afã do “justiceiro implacável”,
não parecem existir outras saídas. Todavia, nem sempre o que se
revela aparentemente óbvio o é. Há fatores envolvidos nas estatísticas
da criminalidade covardemente camuflados por alguns setores
governamentais, bem como por áreas específicas da sociedade civil.

Se reduzir a idade mínima penal tivesse consequências positivas


imediatas para a diminuição dos índices criminais, essa certamente já seria
uma medida adotada por todas as nações. Fatores bem mais importantes
como priorização efetiva dos investimentos em educação e cultura, bem
como distribuição de emprego e renda, inserindo o jovem no universo
Oficina de Textos em Português 37

acadêmico ou técnico, indubitavelmente aplacariam com mais rapidez e


eficácia os deploráveis números.

A participação de menores infratores em crimes hediondos não


deve ser ignorada, é inegável; diminuir a idade base para a criminalização
de seus atos pode ser uma saída, mas necessita, ainda, de discussões e
argumentos mais convincentes. “De concreto, fica a certeza de que só um
programa capaz de incluir crianças, adolescentes e jovens nos interesses
mais prioritários do país terá a força suficiente para contornar quadro tão
desfavorável.” (Prof. Eduardo Sampaio)

5. Texto injuntivo e prescritivo

Tanto os textos injuntivos, quanto os prescritivos têm a finalidade de


instruir o leitor. Não só fornecem uma informação, como incitam à ação,
guiando a conduta do leitor.

Embora considerados sinônimos por alguns autores, podemos


distinguir os textos injuntivos dos textos prescritivos devido ao grau de
obrigatoriedade existente no seguimento das instruções dadas. Os textos
injuntivos informam, ajudam, aconselham, recomendam e propõem,
dando alguma liberdade de atuação ao interlocutor. Os textos prescritivos
obrigam, exigem, ordenam e impõem, exigindo que as determinações
sejam cumpridas da forma que estão referidas, sem margem para
alterações.

Texto injuntivo

O texto injuntivo (ou instrucional) apresenta as seguintes


características:

• Instrui o leitor acerca de um procedimento;

• Induz o leitor a proceder de uma determinada forma;

• Permite a liberdade de atuação ao leitor;

• Utiliza linguagem objetiva e simples;


38 Oficina de Textos em Português

• Utiliza predominantemente verbos no infinitivo, imperativo ou


presente do indicativo com indeterminação do sujeito.

Exemplos: receita culinária, bula de remédio, manual de instrução,


livro de autoajuda, guia rodoviário etc.

Excerto de texto injuntivo:

“Derreta uma colher de sopa de manteiga numa panela em fogo


médio. Acrescente uma lata de leite condensado. De seguida, junte quatro
colheres de sopa de chocolate em pó. Mexa suavemente, sem parar,
até desgrudar do fundo da panela. Despeje a mistura em um recipiente
previamente untado e deixe esfriar. Depois, com a ajuda de uma colher de
sobremesa, faça pequenas bolas com as mãos e passe-as no chocolate
granulado.” (receita de brigadeiro de chocolate)

Texto prescritivo

• O texto prescritivo apresenta as seguintes características:

• Instrui o leitor acerca de um procedimento;

• Exige que o leitor proceda de uma determinada forma;

• Não permite a liberdade de atuação ao leitor;

• Apresenta caráter coercitivo;

• Utiliza linguagem objetiva e simples;

• Utiliza predominantemente verbos no infinitivo, imperativo ou


presente do indicativo com indeterminação do sujeito.

Exemplos: cláusulas contratuais, leis, códigos, constituição, edital


de concursos públicos, regras de trânsito,…
Oficina de Textos em Português 39

Excerto de texto prescritivo:

“O pedido de isenção deverá ser solicitado, das 12 horas do dia 22


de abril de 2015 até as 16 horas do dia 4 de maio de 2015. Esta solicitação
deverá ser caracterizada no Requerimento de Inscrição, em campo
próprio, devendo o candidato informar o seu Número de Identificação
Social – NIS, atribuído pelo Cadastro Único – CadÚnico.” (Edital N.° 101/
2015 - Universidade Federal Fluminense)
40 Oficina de Textos em Português

Identificando a formalidade de um texto

OBJETIVO:

A formalidade de um texto é algo muito subjetivo, pois tudo


depende do ambiente, do tempo histórico, do falante, do
receptor e de vários outros fatores. Então, nesta seção você
deverá entender as variações linguísticas como um tudo,
saber por que a língua é mutável, o que é um texto formal
e informal na língua escrita e quando usar cada um. Está
pronto? Então vamos nessa!

A sociolinguística e as variações linguísticas


Para dar início a nossa seção, vamos ler uma pequena piada sobre
a língua de Sírio Possenti? Analise:

Domingo à tarde, o político vê um programa de TV. Um assessor


passa por ele e pergunta:

– Firme?

O político responde:

– Não, Sírvio Santos.

(POSSENTI, S. Os humores da língua. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1998, p. 34)

Você deve estar se perguntando: ótimo, mas o que isso tem a ver
piada com a Sociolinguística?

Bem, fazendo uma análise rápida, notamos que é a palavra “firme”


que desencadeia o efeito humorístico, pois aqui ela tem dois sentidos:

a) firme = “tudo bem?”, um cumprimento informal;

b) firme = “filme”, uma variante popular.


Oficina de Textos em Português 41

O assessor cumprimenta o político perguntando se está tudo bem,


mas ele entende que o primeiro está querendo saber se ele está assistindo
a um filme na TV. Essa segunda interpretação é linguisticamente reforçada
pelo uso da palavra “Sírvio”. Assim, fica claro que a figura do político está
sendo representada como um caipira, não escolarizado etc. Ele ouve a
palavra “firme” e a entende como uma variante de “filme”.

A troca de /l/ por /r/, nesse caso, representa uma variação


linguística. Neste caso, é uma variação fonológica, ou seja, a troca de um
fonema por outro sem alteração do significado referencial da palavra. No
caso exemplificado pela piada, a variante usada pelo político carrega um
significado social, justamente aquele mencionado acima: o falante não tem
domínio da variedade padrão do português oral, sendo, provavelmente,
de baixa escolaridade. A piada veicula um teor de crítica apresentando
uma espécie de caricatura da classe dos políticos.

EXPLICANDO MELHOR:

A partir desse exemplo, é que existe uma relação estreita


entre as formas da língua, os diferentes grupos sociais que
as utilizam e a imagem que projetamos nestes através
daquela. É dessa relação que se ocupa a Sociolinguística.

Então, para que você tenha uma dimensão histórica sobre a


sociolinguística, foi no início do século XX que começaram a germinar as
sementes que viriam posteriormente – depois de cerca de meio século de
domínio de correntes estruturalistas – a florescer e dar frutos na área de
estudos da linguagem que estamos abordando. Assim, a partir da década
de 60, como herança de Meillet, volta a ganhar força a noção de língua
como fato social dinâmico, cuja variação é explicada pela mudança social,
por forças externas. E como herança de Bakhtin, como já muito estudado
aqui, se renova a perspectiva de que a língua é um fenômeno social cuja
natureza é ideológica.
42 Oficina de Textos em Português

SAIBA MAIS:

Quer ficar ainda mais por dentro sobre az história da


Sociolinguística? Então leia o livro “Sociolinguística. Uma
Introdução Critica”, de Louis-Jean Calvet.

Agora que você já tem uma noção do que é a sociolinguística,


vamos as variações linguísticas de fato?

Bem, existem vários tipos de variações linguísticas, elas acontecem


porque a língua muda o tempo todo. De acordo com Labov, um dos
precursores do nosso estudo, variação é o processo pelo qual duas
formas podem ocorrer no mesmo contexto linguístico, com o mesmo valor
referencial, ou com o mesmo valor de verdade, com o mesmo significado.
Dois requisitos devem ser cumpridos para que ocorra variação: as formas
envolvidas precisam ser intercambiáveis no mesmo contexto e manter o
mesmo significado. Ainda em consonância com o autor, a Sociolinguística
se ocupa da relação entre língua e sociedade, e do estudo da estrutura e
da evolução da linguagem dentro do contexto social da comunidade de
fala. Veja que, ao eleger como objeto de estudo a estrutura e a evolução
linguística, Labov rompe com a relação estabelecida por Saussure entre
estrutura e sincronia de um lado e história evolutiva e diacronia de outro,
aproximando igualmente a sincronia e a diacronia às noções de estrutura
e funcionamento da língua.

DEFINIÇÃO:

No âmbito da Sociolinguística, o termo ‘evolução’ equivale a


‘mudança’. Não existe nenhum tipo de valoração associado:
não está em jogo nenhuma avaliação positiva ou negativa
– as línguas simplesmente mudam (nem para melhor, nem
para pior).
Oficina de Textos em Português 43

HE L L O

こんにちは ho l a
BONJOUR SALU T!

Fonte: Freepik

Vamos, então, finalmente a cada variação linguística?

1, Variações diatópicas

Também chamada de variação geográfica ou regional, consiste


numa variação ocorrida quando a mesma Língua é falada de forma
diferente, a depender de determinada localidade (país, estado, cidade).

Esse tipo de variação linguística é identificado ao compararmos as


alterações do português entre as diversas regiões do Brasil e também ao
compararmos o português falado no nosso país com o português falado
em Portugal.

Alguns exemplos:

• Mexerica, bergamota ou vergamota = determinado tipo de fruta cítrica.

• Marmitex, quentinha = comida.

• Macaxeira, aipim, mandioca = um tipo de raiz.

Esse tipo de variação ocorre mediante influências culturais, hábitos


regionais, tradições etc., podendo acontecer das seguintes maneiras:
44 Oficina de Textos em Português

• Diferentes palavras para os mesmos conceitos ou significados;

• Diferentes dialetos, sotaques e falares;

• Diminuição de palavras ou perda de fonemas.

2. Variações diastráticas

Também conhecidas como variações sociais, são tipos de variações


linguísticas que ocorrem em virtude da convivência entre determinados
grupos sociais que, por questões culturais, preferências, atividades ou
profissões em comum adotam um linguajar próprio (especialmente
jargões e gírias).

Trata-se, por exemplo, da linguagem utilizada entre grupos distintos,


tais como:

• Advogados;

• Surfistas;

• Policiais;

• Políticos;

• Religiosos;

• Bandidos etc.

Por que é importante compreender as variações linguísticas?

O entendimento com relação a essas variações evita o preconceito


quanto a quem fala diferente, tornando o idioma ainda mais amplo e rico
com relação aos significados das palavras e expressões.

Estudos relacionados a cada tipo de variação linguística são


recorrentes no caso dos profissionais que atuam na área de Letras, já que
eles buscam analisar as transformações ocorridas na Língua em virtude
de fatores geográficos, históricos, culturais, sociais etc.
Oficina de Textos em Português 45

Fatores extralinguísticos que interferem nas variações

• Classe social ou nível socioeconômico;

• Origem geográfica;

• Nível de escolarização;

• Sexo;

• Idade;

• Profissão;

• Redes sociais;

• Palavras e expressões estrangeiras.

Let’s
talk!

Fonte: Freepik

Classificação das variações linguísticas

Essas variações possuem uma classificação específica, sendo


nomeadas de:
46 Oficina de Textos em Português

• Variação morfológica: alteração na grafia (forma de escrever) da


palavra.

• Variação fonético-fonológica: diferentes pronúncias para uma letra.


Aqui no Brasil, um exemplo comum são as diferentes pronúncias da
letra R.

• Variação semântica: quando uma mesma palavra pode ser


empregada com significados diferentes.

• Variação sintática: refere-se à organização dos elementos, mantendo


o mesmo sentido da oração.

• Variação estilístico-pragmática: variam conforme situações de


interação social, sendo caracterizadas por maior ou menor grau de
formalidade.

• Variação lexical: palavras escritas de maneira diferente, mas que


possuem o mesmo significado.

A formalidade do texto, de fato


Agora que nós vimos como acontecem e quais são as variações
linguísticas, vamos entender de fato sobre a formalidade do texto:

A linguagem pode ser mais ou menos formal, dependendo


da situação. Neste capítulo, o que são os níveis de formalidade,
estrangeirismos e neologismos e ainda vai entender mais sobre o
emprego de gírias e regionalismos.

Linguagem formal e linguagem informal:

A linguagem formal pode ser oral ou escrita. É geralmente


empregada quando nos dirigimos a um interlocutor com quem não
temos proximidade: solicitação de algo a uma autoridade, entrevista de
emprego, por exemplo. A polidez e a seleção cuidadosa de palavras são
suas características marcantes.
Oficina de Textos em Português 47

A linguagem formal segue a norma culta. É usada em situações


formais, como correspondência entre empresas, artigos de alguns jornais
e revistas, textos científicos, livros didáticos.

A linguagem informal também pode ser oral e escrita. É geralmente


empregada quando há certo grau de intimidade entre os interlocutores,
em situações informais, como na correspondência entre amigos e
familiares.

A estrutura da linguagem informal é mais solta, com construções


mais simples, e permitem abreviações, diminutivos, gírias e até
construções sintáticas que não seguem a norma culta. Lembre-se de
que usar essa linguagem não significa que o emissor não saiba (ou não
possa) se comunicar de outra forma quando necessário.

Vamos ler alguns textos para contextualizar?

Texto 1

“(...)

Os meninos estão se divertindo no chafariz da Praça da Sé. Dos


oito aos quinze anos, eu também pulava nessas águas, e o chafariz era
a minha felicidade. Mas o tempo passou. Hoje estou com 21 anos e não
tomo mais banho da praça. (...)

Nesse tempo, dos banhos gelados da Sé aos banhos do meu


chuveiro quente, quase dancei, quase morri. Fui até o fundo. Roubei,
fumei crack, trafiquei, fui presa, apanhei pra caramba. Diziam que eu
não tinha jeito, estava perdida. Eu mesma achava que não tinha jeito.
Quase todos os meus amigos daquela época do chafariz estão mortos,
presos, loucos ou doentes. Gente que andava comigo, fumava comigo
ou roubava comigo. Por que não morri? Por que não pirei? (...)”
Esmeralda Ortiz – Porque não dancei
48 Oficina de Textos em Português

Texto 2

“Chegando à vila, tive más noticias do coronel. Era homem


insuportável, estúrdio, exigente, ninguém o aturava, nem os próprios
amigos. Gastava mais enfermeiros que remédios. A dous deles quebrou
a cara. Respondi que não tinha medo de gente sã, menos ainda de
doentes; e depois de entender-me com o vigário, que me confirmou as
notícias recebidas, e me recomendou mansidão e caridade segui para
a residência do coronel.

Achei-o na varanda da casa estirado numa cadeira, bufando


muito. Não me recebeu mal. Começou por não dizer nada; pôs em mim
dous olhos de gato que observa; depois, uma espécie de riso maligno
alumiou-lhe as feições, que eram duras. Afinal, disse-me que nenhum
dos enfermeiros que tivera prestava para nada, dormiam muito, eram
respondões e andavam ao faro das escravas; dous eram até gatunos!”

Machado de Assis – Contos Consagrados

Além da linguagem formal e informal, existem outros níveis de


formalidade de um texto, vamos a eles:

Estrangeirismos:

A forte influência que algumas culturas exercem sobre outras pode


ser percebida no vestuário, na culinária, na música, no cinema e também
no comportamento. Na língua, pode se manifestar pelo emprego de
estrangeirismos.

Algumas palavras são empregadas até hoje sem modificar a


forma original ou a pronúncia, mesmo existindo o termo aportuguesado.
Por exemplo: usa-se omelete, vitrine, nuance, vindas do francês – e
não omeleta, vitrina e nuança.
Oficina de Textos em Português 49

Uma palavra – hoje considerada estrangeirismo – pode, com o


tempo, ser incorporada ao cotidiano do falante e ao vocabulário da língua.
Foi o que ocorreu com lanche e futebol: essas palavras, assimiladas do
inglês (lunch e football), eram estrangeirismos quando começaram a ser
utilizadas e agora fazem parte do vocabulário da língua portuguesa.

Atualmente, observa-se o uso cada vez mais frequente de


estrangeirismos, o que em geral tem relação com a globalização dos
meios de produção e da economia. Termos como design, case, job,
deadline, show etc. estão presentes na TV, no rádio, na mídia impressa e
na internet.

No entanto, nem sempre o uso do estrangeirismo comunica ou


traduz o que pretende o emissor. No texto a seguir, você pode observar
tanto usos funcionais quanto equivocados desse recurso linguístico. Veja
um texto que exemplifica bem essa questão dos estrangeirismos:

“Yes”, a gente fala inglês... ou quase

“Com conhecimento rudimentar da língua, carioca transforma o


idioma nascido nas ilhas britânicas em dialeto especial.

‘Shine, mister?’ (brilho, senhor?). Gesticulando e gingando diante


do possível freguês (...) o engraxate Gilberto da Costa, de 36 anos, 26
deles com sua caixa na Avenida Atlântica, não se aperta diante do fato
de que o americano branquela à sua frente aparenta não falar nada
além de inglês. ‘É tem (dez) real, mister’, continua, agarrando o sapato
do sujeito – e, à exclamação espantosa do gringo: ‘It’s too expensíve!’ (é
muito caro), responde sem vacilar. ‘É, sou especialista, mesmo!’.

O americano em questão, porém, nasceu em Lisboa e fala um


excelente português. O advogado John Godinho, de 59 anos, que
foi para os Estados Unidos ainda criança, mas mora no Brasil há três
décadas (...) percorreu a cidade para ver, no globalizado Rio de Janeiro,
como o carioca se apropriou do que, há 1.500 anos, era um dialeto
esquisito das Ilhas Britânicas – e que, hoje, transformou-se num dialeto
esquisito do lado de cá do hemisfério.
50 Oficina de Textos em Português

‘Parece que está acontecendo uma contaminação mútua entre o


carioca e a língua inglesa. O inglês in filtra-se, mas o cidadão dá o troco.
É como se o carioca criasse um limbo linguístico em que as palavras
parecem inglesas, mas já não são’, observa Godinho, que trabalha como
consultor da língua para executivos. (...)

Nessa época de liquidação em shopping center (que em inglês,


na verdade, chama-se mal), a palavra da moda é off. Segundo Godinho,
a expressão só faz sentido se vier acompanhada, por exemplo, de um
percentual: 50% off. (...)

(...) ‘A gente usa off porque dá muito estrangeiro no shopping’,


explica José Luiz Marques, 51 anos, um dos sócios da loja de roupas
femininas Scrap, no Rio Sul.

A loja é um daqueles exemplos de como essa apropriação, se


indébita, pode criar constrangimentos gerais. ‘Quando entra turista
aqui, eles ficam rindo do nome’, confessa Marques. Pudera: scrap
significa restos, sobras de comida. ‘Quando a loja começou, na Rua da
Alfândega, vendia várias marcas de jeans, daí a ideia de sucata. Depois,
o nome pegou’, justifica. (...)”

AZEVEDO, Eliane. In Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 ago. 2001.

Neologismos:

Os neologismos ocorrem quando o falante necessita expressar


uma ideia, mas não encontra uma palavra com significado adequado na
língua. Nesses casos, o falante recorre a uma palavra em outra língua,
cujo significado expressa bem a ideia. Os neologismos ocorrem também
quando o falante usa uma palavra com um sentido novo, diferente do
significado original.

Algum tempo após o seu uso informal, alguns neologismos são


incorporados aos dicionários, isto é, são dicionarizados.
Oficina de Textos em Português 51

Na literatura e na música, os neologismos são utilizados sem


restrições em razão da licença poética de que dispõem os escritores e os
compositores e, também, porque o próprio “fazer literário” usa as palavras
de forma distinta daquela com que é utilizada no senso comum e amplia
os recursos expressivos possíveis.

Na canção “Carnavália”, de Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e


Marisa Monte (CD Tribalistas, 2002), há um neologismo por aglutinação
de palavras:

“Repique tocou

O surdo escutou

E o meu corasamborim

Cuíca gemeu, será que era eu, quando ela

passou por mim?”

No terceiro verso, corasamborim é junção de coração + samba


+ tamborim. A palavra refere-se, ao mesmo tempo, a elementos que
compõem uma escola de samba e à situação emocional em que se
encontra o emissor da mensagem, com o coração no ritmo da percussão.

Na mídia é comum o uso de neologismos que, aos poucos, são


incorporados ao cotidiano da maioria da população. Laranja (falso
proprietário) e gato (ligação clandestina de instalações elétricas) são
exemplos de palavras com significado diverso do usual.

Na terminologia da informática, observa-se diariamente a introdução


de neologismos. Leia alguns verbetes de informática do glossário a seguir.
(Verbete é o conjunto de acepções e exemplos referentes a um termo,
encontrado em dicionários, enciclopédias, glossários.)

“DELETAR (forma aportuguesada de delete.) Destruir, eliminar;


apagar um texto.”

“LINCAR (forma aportuguesada de link).Acessar documentos de


hipertexto por meio de link.”
52 Oficina de Textos em Português

“LOGAR (forma aportuguesada de login ou logon.). Fornecer nome


do usuário e senha para obter acesso a um equipamento, sistema ou rede
de computadores.”

Gírias:

As gírias nascem num determinado grupo social e passam a fazer


parte da linguagem familiar de várias camadas sociais. Podem também
ser constituídas de estrangeirismo e neologismos.

O processo de formação de gírias inclui metáforas, truncamentos,


sufixação, acréscimo de sons ou sílabas, e, às vezes, palavras de baixo
calão. Por exemplo: nas frases “Está um sol de chapar o coco!” e “Não
esquente a moringa com isso”, as gírias são formadas com base em
metáforas – coco e moringa estão no lugar de cabeça; chapar quer dizer
“esquentar”, e esquentar, na segunda frase, significa “preocupar”.

A gíria pode revelar a idade do falante. Uma pessoa de 50 anos


provavelmente sabe o significado destas gírias: “boco-moco”, “cafona”,
“careta”, “joia”, “é uma brasa, mora”, “prafrentex”. Um jovem sabe o que é
“parada sinistra”, “pro “responsa”, “mó legal” e “da hora”.

A gíria também é conhecida como jargão quando se refere à


linguagem peculiar usada por quem exerce determinada profissão. Veja
estes exemplos do jargão da área de economia e finanças: quase moeda (o
mesmo que depósitos de poupança, títulos emitidos pelo governo
etc.), duopólio (mercado no qual só há dois vendedores), boom (fase de
aumento significativo no número de transações no mercado de ações).

Regionalismos:

No Brasil, a influência de várias culturas deixou na língua portuguesa


marcas que acentuam a riqueza de vocabulário e de pronúncia. As diferenças
na nossa língua não constituem erro, mas são consequência das marcas
deixadas pelas línguas originais que entraram na formação do português
falado no Brasil, no qual estão presentes, sobretudo, elementos de línguas
indígenas e africanas, além das europeias, como o francês e o italiano.
Oficina de Textos em Português 53

Existem diversas variantes linguísticas quanto à forma de expressão


escrita e falada de acordo com as regiões em que as pessoas vivem.
São os regionalismos linguísticos, que diferem quanto ao sotaque ou
pronúncia de cada região.

Um mesmo objeto pode ser nomeado por palavras diversas,


conforme a região. Por exemplo: “pipa” ou “papagaio”, no Rio Grande do
Sul, se chama “pandorga”; “semáforo” pode ser designado por “farol” em
|São Paulo, e “sinal” ou “sinaleiro” no Rio de Janeiro.

Leia o texto a seguir para exemplificar o regionalismo:

“Acharam mais um chimpanzé. Lá na Serra da Capivara. Ingá, não sei.


Ou será que foi no chão de Catolé? O dente do macaco vale ouro, pois é.
E a gente aqui nessa miséria. O couro cabeludo. Enterrado até o pescoço.
Há um milhão de tempo. No esquecimento. Osso bom é osso morto. O
que vai ter de estudioso, perguntando. No futuro, pela gente, pode crer.
De que ele morreu, sei lá, foi de repente? Comeu calango podre? Bebeu
água doente?. E a mulher dele, o que será que houve? Eu, preta, caída na
cova. Cabelo até a cintura. Carcaça prematura. Morreu de desgosto. Isso
se a gente tiver sorte. O que tem de corpo que morre e ninguém vê o pó.
Neste sol de rachar o quengo. É vaca, é bode, bezerro, jumento, cachorro.
É menino morto. feito passarinho. Não o passarinho que eles encontram,
gigante. Importante é bicho grande. Se pelo menos ovo de dinossauro
matasse a fome. A gente tava feito. A gente tem de fazer alguma coisa,
urgente. Para sair desse buraco, entende? A gente podia ganhar dinheiro.
Não deve ser difícil achar mais um chimpanzé, Zé. Por aqui mesmo.”

FREIRE, Marcelino. In Folha de S.Paulo, 29 out.2002.


54 Oficina de Textos em Português

Mas bah, guri!


tu é casca grossa.

Fonte: Freepik (adaptado)


Oficina de Textos em Português 55

Executando os Procedimentos de Coesão


e Coerência

OBJETIVO:

A coesão e coerência são de suma importância para a


formação de um bom texto. Ao fim desta seção, você,
aluno, deverá entender o que são esses termos, como
eles aparecerem nos textos, quais suas características e
diferenças. Vamos lá?

A língua escrita tem funções bem definidas nas sociedades e se


manifesta através de diferentes registros. A variedade de contextos sociais
envolve uma infinidade de textos que versam sobre os mais diferentes
conteúdos e que são organizados de modos distintos e característicos.
Os diferentes gêneros de texto podem ser considerados um fenômeno
cognitivo e social. Na perspectiva cognitiva, observa-se um interesse em
examinar os processos de desenvolvimento que atuam na estruturação e
representação que a criança apresenta sobre determinado gênero de texto.

Na perspectiva social, a ideia de gênero é expandida para


caracterizar qualquer discurso, oral, conversacional etc. Para Bakhtin
(1986), gênero é um componente essencial de significados, podendo ser
de dois tipos: secundários e primários. Os gêneros secundários (textos
científicos, novelas) derivam-se dos primários, os quais têm origem nas
situações e contextos da vida diária.
56 Oficina de Textos em Português

EXPLICANDO MELHOR:

A Linguística Textual é a responsável pelo estudo da


estrutura e do funcionamento dos textos, ela é capaz de
explanar os fenômenos textuais através de uma gramática
de enunciado. O texto é composto de grupos de enunciados
e para produzi-lo e fazer com que seja entendido se faz
necessária a habilidade do falante/escritor para falar/
escrever. Para se ter textos, que são frases interligadas e
não um monte de palavras soltas é necessário haver uma
produção linguística, pois o texto é uma criação falada
ou escrita que forma um todo significativo. Os textos
são considerados unidades da língua com uma função
comunicativa definível, caracterizando-se por vários
fatores textuais: contextualização, coesão, coerência,
intencionalidade, informatividade, aceitabilidade,
situacionalidade e intertextualidade.

Então, como se dão a coesão e coerência?

1. Coesão

Coesão textual é um fator importante do texto que se refere à


conexão de palavras, expressões ou frases dentro de uma sequência.
O texto coeso se constrói com elementos de ligação que podem ser
pronomes, verbos, advérbios, conectores coesivos (termos e expressões);
e sem sequenciadores, sendo o lugar do conector marcado por sinais de
pontuação (vírgula, ponto, dois-pontos, ponto-e-vírgula). Segundo Koch
e Travaglia (1989), a coesão é explicitamente apresentada através de
elementos linguísticos, indicações na estrutura superficial do texto, sendo
de caráter claro e direto, expressando-se na organização sucessiva do texto.

Então, a coesão é a relação semântica entre os elementos do texto


que são decisivos para sua interpretação. Além disso, a coesão é a relação
entre os componentes superficiais do texto e a maneira pela qual eles se
interligam e se combinam para resultar num desenvolvimento desejado.
Essa visão semântica da coesão diz respeito às relações de dependência
que transformam enunciados interligados em um texto. Coesão é a relação
Oficina de Textos em Português 57

de significado entre dois componentes do texto, sendo um dependente


do outro. “há dois tipos de coesão: coesão gramatical (expressa através da
gramática) e coesão lexical (expressa através do vocabulário)”.

Além dos conectores coesivos, se faz necessário haver certo grau de


coerência para que um discurso seja um texto. Então, a coesão é o modo
como os elementos superficiais do texto se interligam numa sucessão
linear por meio de sinais linguísticos. De acorso com Widdowson (1978),

“a coesão ‘é o modo pelo qual as frases ou partes delas se


combinam para assegurar um desenvolvimento proposicional...
’ e revela-se por índices formais, sintáticos, sem apelo ao
pragmático”.

Para Marcuschi (1983), a coesão diz respeito à estruturação sucessiva


da superfície do texto e a sua conformidade linear sob o aspecto linguístico.
Portanto, a coesão pode ser considerada um conjunto de conectores do
texto que apresenta relações entre os componentes do mesmo. Além
disso, a coesão pode também ser definida como as correspondências
de associação entre as partes de enunciados do texto “que podem ser
resolvidos em termos de igualdade ou diferença: pronomes, descrições,
definidos e demonstrativos, possessivos, etc.”

Segundo Koch e Travaglia (1989:24),

“evidentemente, um texto coeso pode parecer incoerente, por


dificuldades particulares do leitor, como o desconhecimento
do assunto ou a não-inserção na situação. Tudo isso evidencia
que a coesão ajuda a estabelecer a coerência, mas não a
garante, pois ela depende muito dos usuários do texto (seu
conhecimento de mundo) e da situação. Na verdade, a coesão
ajuda a perceber a coerência na compreensão dos textos,
porque é resultado da coerência no processo de produção
desses mesmos textos”.
58 Oficina de Textos em Português

Há dois tipos principais de coesão: a retomada de termos, expressões


ou frases já ditos e/ou sua antecipação e o encadeamento de segmento
textual. A coesão por retomada por uma palavra gramatical (pronomes,
verbos, numerais, advérbios) se dá quando um termo se refere àquele
que já foi mencionado no texto, como na frase:

Ana está no hospital. Ela está doente.

O pronome “ela” é um anafórico de Ana.

Quando uma palavra gramatical antecipa um termo do texto, ocorre


a catáfora; no exemplo a seguir, o pronome isso antecipa tomou banho de
chuva por quatro horas seguidas (Luís fez isso: tomou banho de chuva por
quatro horas seguidas). O artigo definido é usado para retomar um referente
indefinido já mencionado, exemplo: Luís tomou uma xícara de chá. A xícara
era de louça, o vocábulo xícara, mencionado na primeira oração, passa a
ser acompanhado pelo artigo definido a. Ainda como anáforas, os verbos
ser e fazer substituem outros por retomada: Luís tomou chá. Leila fez o
mesmo, o verbo fazer substitui verbos de ação, sempre acompanhado de
um pronome. O verbo ser substitui verbos de estado: Luís parece frágil.
Leila também é, pois Leila também é frágil. A retomada por palavra lexical
(substantivos, verbos, adjetivos) se dá por repetição ou substituição por
sinônimo, múltiplo referenciamento (repetição de um mesmo fenômeno
por formas diversas), hiperônimo (elemento que mantém com o segundo
uma relação de todo) ou hipônimo (elemento que mantém com o segundo
uma relação de parte) ou por antonomásia (substituição de um nome
próprio por um comum ou vice-versa). Estes mecanismos podem ser assim
exemplificados: Luís gosta de quadros. Expressionistas, então, ama, existe
aí um hiperônimo; o hipônimo aparece assim: O galo canta toda manhã.
Essa ave acorda todo mundo bem cedo. A antonomásia é dizer Ele é um
judas, em vez de Ele é um traidor ou se referir ao rei do futebol em vez
de Pelé. Alguns nomes genéricos como gente, coisa, negócio, elemento,
funcionam como itens de referência anafórica, como O eclipse iluminava
a todos. Era uma coisa mágica, a coisa é o eclipse. Muitas vezes para se
entender as formas nominais definidas (múltiplo referenciamento) se faz
necessário haver um conhecimento de mundo, e não apenas a sinonímia,
Oficina de Textos em Português 59

pois expressões como populista, pai dos pobres e estadista, se referem a


Getúlio Vargas e podem substituí-lo num determinado contexto. A elipse é o
apagamento de um termo da frase que pode ser recuperado pelo contexto,
exemplo: Em que hospital Luís está? Está no hospital da Restauração, neste
caso o sujeito do verbo estar, nas duas passagens, é Luís.

A coesão sequencial é feita por encadeamento de segmentos


textuais e tem por função assinalar que a informação se desenvolve, ou
seja, leva à frente o discurso. Os conectores coesivos sequenciais (palavras
ou expressões) são responsáveis pela concatenação, pela criação de
relações entre os segmentos do texto, marcando conclusões, gradações,
comparações, argumentos decisivos, generalizações, exemplificações,
correções, explicitações, entre outros. Além disso, a coesão sequencial
pode ser feita sem o uso de sequenciadores, “cabendo ao leitor reconstruir,
com base na sequência, os operadores que não estão presentes na
superfície textual” (Platão & Fiorin, 1996:382).

RESUMINDO:

Os conectores de coesão de um texto não o fazem


coerente, mas foi visto que para textos jornalísticos, assim
como científicos, didáticos e outros, faz-se necessário o
uso de elementos coesivos para uma boa leitura e um bom
entendimento do texto. A coesão textual apresenta subsídios
para interpretações reais e não ambíguas, e se dá através
de ligações entre palavras, expressões ou frases. Por mais
organizado que esteja o texto, a compreensão não se dará
se os elementos coesivos não estiverem numa sequência
lógica, e para o leitor, ele se apresentará destituído de
coesão. Assim, é necessário que ao se elaborar um texto,
utilizem-se recursos coesivos.

2. Coerência

“a coerência está diretamente ligada à possibilidade de se estabelecer


um sentido para o texto” (KOCH, 1990:21). Em outras palavras, só existirá
60 Oficina de Textos em Português

sentido no texto se as informações nele contidas estiverem interligadas por


uma noção lógica, se forem coerentes. Portanto, o que o intérprete procura
num texto, é o seu sentido ou a sua lógica interna, que, em última instância,
se liga a uma lógica maior e externa que aqui chamamos de conhecimento
do mundo. Em algumas circunstâncias, a falta de sentido no discurso de
partida poderá indicar ao intérprete a necessidade de ativar estratégias
que lhe possibilitem restaurar ou restabelecer o sentido, o que implica em
encontrar informações que supram vazios existentes na estrutura lógica do
texto ou na memória do intérprete.

A coerência deve ser também entendida como um “princípio


de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação
de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o
sentido deste texto. ”Essa capacidade é o resultado da concatenação das
informações existentes no texto com aquelas que estão armazenadas na
memória do intérprete. Ou poderíamos dizer que a coerência interna do
texto dependerá de uma correspondência entre os dados existentes na
mente do intérprete e aqueles do mundo onde ele se insere. Mais do que
uma relação direta e unívoca, todavia, essa relação é multifacetada, o que
reflete o entrelaçamento geralmente existente entre os diversos dados
armazenados na memória. Os dados se cruzam permanentemente e
evocam outros que também a eles se associam, tornando o processamento
muito complexo. Como explica Koch:

Evidentemente o relacionamento entre esses elementos não


é linear e a coerência aparece assim como uma organização
reticulada, tentacular e hierarquizada do texto. A continuidade
estabelece uma coesão conceitual cognitiva entre os
elementos do texto através de processos cognitivos que
operam entre os usuários (produtor e receptor) do texto e são
não só de tipo lógico, mas também dependem de fatores
sócio-culturais diversos e de fatores interpessoais... (KOCH,
op. cit., 25)
Oficina de Textos em Português 61

Os fatores socioculturais e interpessoais são o conhecimento do


mundo que o intérprete possui, sendo que esse conhecimento estende-
se também ao que convencionalmente se denomina intertextualidade, ou
seja, a capacidade de relacionar textos novos com outros já existentes.
Parece evidente que é impossível separar conhecimento do mundo de
intertextualidade, pois os dois conceitos se superpõem.

EXPLICANDO MELHOR:

A coerência textual está diretamente relacionada com


a significância e com a interpretabilidade de um texto. A
mensagem de um texto é coerente quando ela faz sentido
e é comunicada de forma harmoniosa, de forma que haja
uma relação lógica entre as ideias apresentadas, onde umas
complementem as outras. Para garantir a coerência de um
texto, é preciso ter em conta alguns conceitos básicos.

Para uma boa coerência em um texto, existem alguns aspectos a


serem abordados, vamos a eles:

1. Princípio da não contradição

Não pode haver contradições de ideias entre diferentes partes do


texto.

Coerência correta: Ele só compra leite de soja, pois é intolerante à


lactose.

Erro de coerência: Ele só compra leite de vaca, pois é intolerante à


lactose.

Explicação: quem é intolerante à lactose não pode consumir leite de


vaca. Por esse motivo, o segundo exemplo constitui um erro de coerência;
não faz sentido.
62 Oficina de Textos em Português

2. Princípio da não tautologia

Ainda que sejam expressas através do uso de diferentes palavras,


as ideias não devem ser repetidas, pois isso compromete a compreensão
da mensagem a ser emitida e muitas vezes a torna redundante.

Coerência correta: Visitei Roma há cinco anos.

Erro de coerência: Visitei Roma há cinco anos atrás.

Explicação: "há" já indica que a ação ocorreu no passado. O uso da


palavra "atrás" também indica que a ação ocorreu no passado, mas não
acrescenta nenhum valor e torna a frase redundante.

3. Princípio da relevância

As ideias devem estar relacionadas entre si, não devem ser


fragmentadas e devem ser necessárias ao sentido da mensagem.

O ordenamento das ideias deve ser correto, pois, caso contrário,


mesmo que elas apresentem sentido quando analisadas isoladamente, a
compreensão do texto como um todo pode ficar comprometida.

Coerência correta: O homem estava com muita fome, mas não tinha
dinheiro na carteira e por isso foi ao banco e sacou uma determinada
quantia para utilizar. Em seguida, foi a um restaurante e almoçou.

Erro de coerência: O homem estava com muita fome, mas não tinha
dinheiro na carteira. Foi a um restaurante almoçar e em seguida foi ao
banco e sacou uma determinada quantia para utilizar.

Explicação: observe que, embora as frases façam sentido


isoladamente, a ordem de apresentação da informação torna a mensagem
confusa. Se o homem não tinha dinheiro, não faz sentido que primeiro ele
tenha ido ao restaurante e só depois tenha ido sacar dinheiro.
Oficina de Textos em Português 63

4. Continuidade temática

Esse conceito garante que o texto tenha seguimento dentro de um


mesmo assunto. Quando acontece uma falha na continuidade temática, o
leitor fica com a sensação de que o assunto foi mudado repentinamente.

Coerência correta: "Tive muita dificuldade até acertar o curso que


queria fazer. Primeiro fui fazer um curso de informática... A meio do semestre
troquei para um curso de desenho e por fim acabei me matriculando aqui
no curso de inglês. Foi confuso assim também para você?"

"Na verdade foi fácil, pois eu já tinha decidido há algum tempo que
assim que tivesse a oportunidade de pagar um curso, faria um de inglês."

Erro de coerência: "Tive muita dificuldade até acertar o curso que


queria fazer. Primeiro fui fazer um curso de informática... A meio do semestre
troquei para um curso de desenho e por fim acabei me matriculando aqui
no curso de inglês. Foi confuso assim também para você?"

"Quando eu me matriculei aqui no curso, eu procurei me informar


sobre a metodologia, o tipo de recursos usados, etc. e acabei decidindo
rapidamente por este curso."

Explicação: note que no último exemplo, o segundo interlocutor


acaba por não responder exatamente ao que foi perguntado.

O primeiro interlocutor pergunta se ele também teve dificuldades


de decidir que tipo de curso fazer, e a resposta foi sobre características
que ele teve em conta ao optar pelo curso de inglês onde se matriculou.

Apesar de ter falado de um curso, houve uma alteração de assunto.

5. Progressão semântica

É a garantia da inserção de novas informações no texto, para


dar seguimento a um todo. Quando isso não ocorre, o leitor fica com a
sensação de que o texto é muito longo e que nunca chega ao objetivo
final da mensagem.
64 Oficina de Textos em Português

Coerência correta: Os meninos caminhavam e quando se depararam


com o suspeito apertaram o passo. Ao notarem que estavam sendo
perseguidos, começaram a correr.

Erro de coerência: Os meninos caminhavam e quando se depararam


com o suspeito continuaram caminhando mais um pouco. Passaram por
várias avenidas e ruelas e seguiram sempre em frente. Ao notarem que
estavam sendo perseguidos, continuaram caminhando em direção ao seu
destino, percorreram um longo caminho...

Explicação: note que a frase onde a coerência está correta apresenta


uma sequência de novas informações que direcionam o leitor à conclusão
do desfecho da frase.
Oficina de Textos em Português 65

REFERÊNCIAS
______. A lingüística textual: uma introdução à análise textual dos
discursos. São Paulo: Cortez, 2008.

KOCH, I. G. V.; FÁVERO, L. L. Contribuição a uma tipologia textual.


Letras & Letras, Uberlândia, v. 3, n. 1, p. 3-10, jun. 1987.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: o que são e como se constituem.


Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2000. Mimeografado.

VAN DIJK, T. A. La ciência del texto: um enfoque interdisciplinario. 3.


ed. Buenos Aires/Barcelona/México: Paidós, 1978.

KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992.

LABOV, W. Padrões sociolingüísticos. Trad. de M. Bagno; M. M. P.


Scherre; C. R. Cardoso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008 [1972].

KOCH, Ingedore (1997). O texto e a construção dos sentidos. São


Paulo, Contexto.

PLATÃO, Francisco & FIORIN, José Luiz (1996). Lições de texto:


leitura e redação. São Paulo, Ática.
Oficina de Textos em
Português

Fernanda Crevelin

Você também pode gostar