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Diretor Executivo

DAVID LIRA STEPHEN BARROS


Gerente Editorial
ALESSANDRA VANESSA FERREIRA DOS SANTOS
Projeto Grá昀椀co
TIAGO DA ROCHA
Autoria
FERNANDA CREVELIN
AUTORIA
Fernanda Crevelin
Olá. Meu nome é Fernanda Crevelin. Sou formada em Letras –
Português e Inglês e suas respectivas literaturas. Também sou pós-
graduada em Produção e Recepção de Texto. Tenho uma vasta experiência
na área de redação, tanto em escrita de textos, como em edição e revisão,
além de estudos linguísticos em geral. Já atuei em diversos campos,
desde emissora de televisão até editora de material didático.

A Linguística está em tudo em nossas vidas e é uma verdadeira


paixão para mim! Transmitir minha experiência de vida àqueles que estão
iniciando em suas pro昀椀ssões é de fato grati昀椀cante e enriquecedor. Por
isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de
autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase
de muito estudo e trabalho. Conte comigo!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

OBJETIVO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de apresentar um
de uma nova novo conceito;
competência;
NOTA: IMPORTANTE:
quando necessárias as observações
observações ou escritas tiveram que
complementações ser priorizadas para
para o seu você;
conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a
bibliográ昀椀cas necessidade de
e links para chamar a atenção
aprofundamento do sobre algo a ser
seu conhecimento; re昀氀etido ou discutido;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso acessar quando for preciso
um ou mais sites fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das
assistir vídeos, ler últimas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando uma
atividade de competência for
autoaprendizagem concluída e questões
for aplicada; forem explicadas;
SUMÁRIO
Compreendendo como funcionam as funções da linguagem..... 10
Quais são as funções da linguagem?...............................................................................10

Identi昀椀cando e entendendo os processos de comunicação.... 19


Entendendo a linguagem como prática social...............................29
As considerações de Bakhtin .................................................................................................33

Conhecendo os processos de aprendizagem de leitura e


escrita. .............................................................................................................38
Concepções e métodos de alfabetização ................................................................... 38

Escrita alfabética como código ou sistema notacional ......................................43

Aprendizagem inicial da língua escrita .......................................................................... 46


O昀椀cina de Textos em Português 7

UNIDADE

01
8 O昀椀cina de Textos em Português

INTRODUÇÃO
Você já deve saber que o texto está nas nossas vidas o tempo
todo, não é mesmo? Quando falamos com alguém, quando mandamos
um e-mail, quando escrevemos um bilhete, quando fazemos gestos, etc.
Tudo isso são formas de texto, que tem como função principal estabelecer
a comunicação de alguma forma.

Nesta disciplina nós vamos nos ater ao texto escrito, principalmente.


Então, nesta unidade nós vamos trabalhar os processos de comunicação
e as funções da linguagem. A ideia é fazer com que você, aluno, se inteire
como se dá o processo de comunicar e que existem várias linguagens e
qual é a função de cada uma. Também se pretende, neste processo de
aprendizagem, mostrar a você a linguagem como prática social e qual
a importância disso. Além dos processos de aprendizagem de leitura e
escrita. Vamos lá? Ao longo desta unidade letiva você poderá mergulhar
neste universo!
O昀椀cina de Textos em Português 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade I – O texto escrito e a linguagem.
Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes
competências pro昀椀ssionais até o término desta etapa de estudos:

1. Compreender como funcionam as funções da linguagem.

2. Identi昀椀car e entender os processos de comunicação.

3. Entender por que a linguagem é uma prática social.

4. Conhecer os processos de aprendizagem de leitura e escrita.

E aí, preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento?


Então, vamos ao trabalho!
10 O昀椀cina de Textos em Português

Compreendendo como funcionam as


funções da linguagem
OBJETIVO

Ao término deste capítulo você será capaz de entender como


funcionam as funções da linguagem. Isso será fundamental
para o exercício de sua pro昀椀ssão, pois a produção de texto
está intimamente ligada à linguagem que será utilizada.
É de suma importância esse entendimento para que um
texto possa estar de acordo com o que é solicitado. E
então? Motivado para desenvolver esta competência?
Então vamos lá. Avante!

Quais são as funções da linguagem?

Fonte: Freepik

As funções da linguagem são as formas que se utiliza essa


linguagem de acordo com a intenção do falante. Então, essas funções
são classi昀椀cadas em seis tipos:

1. Função Referencial

2. Função Emotiva

3. Função Fática
O昀椀cina de Textos em Português 11

4. Função Poética

5. Função Conativa

6. Função Metalinguística

Cada função desempenha um papel relacionado aos elementos


presentes na comunicação, você se lembra deles? Temos o emissor,
receptor, mensagem, código, canal e contexto. Dessa forma, elas
determinam o objetivo dos atos comunicativos. Vamos relembrar os
elementos da comunicação antes de entrarmos de fato na questão das
funções:

Emissor: ele também é denominado de locutor, ele é o mais


importante, pois é que quem dá início à atividade comunicativa. A ele é
dada a responsabilidade de emitir uma mensagem que será destinada
aos receptores.

Mensagem: É o recurso utilizado dentro da comunicação. É ela que


faz a representação verbal ou não-verbal do conteúdo a ser entregue.
Então, ela é o conjunto de informações emitidas pelo falante.

Canal: é o local por onde a mensagem será transmitida. Pode ser,


por exemplo, um jornal, um telefone, uma revista, um e-mail, eu blog, etc.

Código: ele é o conjunto de signos que serão utilizados para a


transmissão da mensagem. Podem ser signos grá昀椀cos, como as palavras, ou
signos imagéticos, como a representação de cores que signi昀椀cam uma fala.

Contexto: ele é situação comunicativa em que estão o emissor


e o receptor. É o ambiente ao qual eles estão inseridos, que pode ser
chamado também de referente.

Receptor: como o próprio nome faz a dedução, é quem recebe a


mensagem. Pode ser chamado também de interlocutor ou ouvinte.

Veja um esquema criado por Jakobson sobre os elementos da


comunicação:
12 O昀椀cina de Textos em Português

Contexto

Emissor Mensagem Receptor

Canal

Código

Fonte: Adaptado pelo autor.

Agora sim, nós podemos ir para as funções de fato!

1. Função Referencial ou Denotativa

Ela também pode ser chamada de função informativa, pois tem


como objetivo principal informar, referenciar algo. Voltada para o contexto
da comunicação, esse tipo de texto é escrito na terceira pessoa (singular
ou plural) e tem como ênfase o caráter impessoal.

Como exemplos de linguagem referencial, podemos citar os


materiais didáticos, textos jornalísticos e cientí昀椀cos. Todos eles, por meio
de uma linguagem denotativa, informam a respeito de algo, sem envolver
aspectos subjetivos ou emotivos à linguagem.

Veja o exemplo de uma notícia:


O昀椀cina de Textos em Português 13

Produzido pelo Coletivo Pele, em parceria com Movimento Ne-


gro Periférico, Projeto É Da Nossa Cor e Coletivo Pele, e idealizado pela
Sessão Cinemática Temas Transbordantes, o Festival Cinema Negro
SC tem sua primeira edição de 4 a 10 de novembro, no Cinema do
CIC, abrindo o Mês da Consciência Negra em Florianópolis. A abertura
ocorre nesta segunda-feira (4), a partir das 18h, com exibição do filme
Abolição, de Zózimo Bulbul, e roda de conversa com Lelette Coutto,
Giselle Marques, Fabio Garcia, e mediação do produtor da mostra, Al-
lende Renck. O filme inaugural suscita reflexões relacionadas ao siste-
ma prisional, racismo estrutural, e como revolucionar as relações ra-
ciais na sociedade.
Portal Catarinas

2. Função Emotiva ou Expressiva

Ela também é chamada de função expressiva, pois nela o emissor


tem como objetivo principal transmitir suas emoções, sentimentos e
subjetividades por meio da própria opinião.

Esse tipo de texto é normalmente escrito em primeira pessoa e está


voltado para o próprio emissor, já que possui um caráter pessoal. Como
exemplos, podemos destacar: os textos poéticos, as cartas, os diários. Pois
todos eles são marcados pelo uso de sinais de pontuação, por exemplo,
reticências, ponto de exclamação, etc.

Veja um exemplo:

Não sei quantas almas tenho,


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
14 O昀椀cina de Textos em Português

Torno-me eles e não eu.


Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa – Não sei quantas almas tenho

Outro exemplo é o de um e-mail da mãe para os 昀椀lhos:

Meus amores tenho tantas saudades de vocês… Mas não se preo-


cupem, em breve a mamãe chega e vamos aproveitar o tempo perdido
bem juntinhos. Sim, consegui adiantar a viagem em uma semana!!! Isso
quer dizer que tenho muito trabalho hoje e amanhã... Quando chegar,
quero encontrar essa casa em ordem, combinado?!?

Perceba como nos dois exemplos, apesar de bastante distintos, o


que predomina é a primeira pessoa e em ambos o tema abordado é o
sentimento.

3. Função Poética

A função poética está muito presente em obras literárias que


possuem como marca a utilização do sentido conotativo das palavras.
Nessa função o emissor preocupa-se de que maneira a mensagem
será transmitida por meio da escolha das palavras, das expressões, das
O昀椀cina de Textos em Português 15

昀椀guras de linguagem. Por isso, aqui o principal elemento comunicativo é


a mensagem.

Note que esse tipo de função não pertence somente aos textos
literários. Também encontramos a função poética na publicidade ou
nas expressões cotidianas em que há o uso frequente de metáforas
(provérbios, anedotas, trocadilhos, músicas). Além disso, é imprescindível
que, pelo fato de ter o termo “poética” no nome, essa função não agrega
apenas poesias, existem vários tipos de textos. Aqui o que prevalece é
como a mensagem será passada, de acordo com as escolhas de palavras.

Veja um exemplo de publicidade em uma agência funerária:

Nossos clientes nunca voltaram para reclamar!

Perceba como a escolha das palavras e de 昀椀guras de linguagem


são importantes para essa função da linguagem.

4, Função Fática

A função fática tem como objetivo estabelecer ou interromper a


comunicação de modo que o mais importante é a relação entre o emissor
e o receptor da mensagem. Aqui, o foco está no canal de comunicação.

Esse tipo de função é muito utilizada nos diálogos, por exemplo,


nas expressões de cumprimento, saudações, discursos ao telefone, etc.

Veja o exemplo a seguir:

— Consultório da Dra. Marina, bom dia!


— Bom dia! Precisava marcar uma consulta para o próximo mês,
se possível.
— Hum, a Dra tem vagas apenas para a segunda semana. Entre
os dias 15 e 20, qual a sua preferência?
— Dia 18 está ótimo.
16 O昀椀cina de Textos em Português

Entenda que nesse tipo de função a ideia é que a comunicação


seja estabelecida, ela normalmente é utilizada no início de uma conversa,
quando se vai pedir uma informação, quando se precisa de ajuda.

5. Função Conativa ou Apelativa

A função conativa é caracterizada por uma linguagem persuasiva


que tem o intuito de convencer o leitor. Portanto, o grande foco é no
receptor da mensagem.

Essa função é muito utilizada nas propagandas, publicidades e


discursos políticos com o intuito de in昀氀uenciar o receptor por meio da
mensagem transmitida.

Esse tipo de texto costuma se apresentar na segunda ou na terceira


pessoa com a presença de verbos no imperativo e o uso do vocativo.

Veja alguns exemplos:

Vote em mim!
Não perca essa oferta de dia das mães!
Compre esse carro!

Perceba que essa função da linguagem tem como objetivo principal


convencer o interlocutor de algo.

6. Função Metalinguística

A função metalinguística é caracterizada pelo uso da metalinguagem,


ou seja, a linguagem que se refere à própria linguagem. Assim, o emissor
explica um código utilizando o próprio código.

Um texto que descreva sobre a linguagem textual ou um


documentário cinematográ昀椀co que fala sobre a linguagem do cinema são
alguns exemplos.

Nessa categoria, os textos metalinguísticos que merecem destaque


são as gramáticas e os dicionários. Além disso, pode ser algo falando
sobre si mesmo.

Veja os exemplos:
O昀椀cina de Textos em Português 17

Escrever é uma forma de expressão grá昀椀ca. Isto de昀椀ne o que é


escrita, bem como exempli昀椀ca a função metalinguística.

Também existem exemplos na música, falando sobre música:

"Minha música quer estar


Além do gosto
Não quer ter rosto
Não quer ser cultura...
Minha música quer ser
De categoria nenhuma
Minha música quer
Só ser música
Minha música
Não quer pouco…"
Adriana Calcanhoto – Minha Música

Bem, agora você já sabe quais são e como funcionam as funções da


linguagem. Lembre-se de que um texto normalmente possui uma função
predominante, mas isso não signi昀椀ca que não poderão existir outras na
mesma escrita.

Posto isso, aqui temos uma imagem para exempli昀椀car as funções da


linguagem e a que parte da comunicação a que elas estão mais ligadas:

Função referencial
(contexto / referente)

Função emotiva Função poética Função conativa


(Emissor) (mensagem) (Receptor)

Função fática
(canal)

Função metalinguística
(código)
18 O昀椀cina de Textos em Português

IMPORTANTE:

Não se esqueça de que os elementos da comunicação


estão intimamente relacionados às funções da linguagem.
É importante lembrar que cada função terá o seu elemento
principal.

SAIBA MAIS:

Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso


à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: Artigo:
“As (Diferentes) Funções Da Linguagem: Contribuições De
Jakobson E Vygotsky” (Andrá Gonçalves Ramos) Acesse
clicando aqui.

RESUMINDO:

E então? Gostou do que lhe foi mostrado? Conseguiu


entender tudo? Agora, só para termos certeza de que você
realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo,
vamos resumir tudo o que vimos. Bem, como vimos,
existem seis funções da linguagem: referencial, emotiva,
poética, conativa, fática e metalinguística. Cada uma delas
tem o propósito diferente, lembra?
A função referencial pretende informar, já a emotiva está
relacionada com sentimentos, por isso normalmente está
na primeira pessoa. Quando pensamos na função poética,
temos que lembrar que ela não é usada só em poesias, na
verdade ela tem esse nome porque normalmente apresenta
bastantes 昀椀guras de linguagem, certo? Além disso, temos
a função conativa, que é aquela que quer convencer o
leitor, por isso os verbos estão sempre no imperativo. Por
昀椀m, temos a linguagem fática e a metalinguística, a primeira
tem como objetivo estabelecer comunicação e a segunda
é quando uma linguagem fala sobre a própria linguagem.
Acho que agora 昀椀cou fácil, não é?! Então, vamos continuar
nossos estudos?
O昀椀cina de Textos em Português 19

Identi昀椀cando e entendendo os processos


de comunicação
OBJETIVO:

Ao 昀椀m desta seção pretende-se que você, aluno, consiga


compreender como se dá os processos de comunicação.
Além disso, que você consiga diferenciar comunicação de
linguagem.

Você sabe o que é a comunicação? Bem, ela é a troca de informações


por meio de sistemas simbólicos, como a linguagem falada, escrita
e gestual. Talvez, a comunicação seja o fenômeno mais importante na
história do ser humano, para entender esse processo, então, é necessária
uma viagem histórica em como se originou a fala, o desenvolvimento da
linguagem e sua evolução ao longo do tempo. Então, primeiro devemos
estabelecer como a formação da linguagem acontece, vamos lá?

Como é a formação da linguagem


A linguagem se estrutura primeiramente no cérebro. Quando se fala
em localização da linguagem no cérebro, não se pode deixar de citar Paul
Broca, que iniciou suas pesquisas por meio de um paciente que deixou de
pronunciar as palavras e acabou pronunciando somente as sílabas. A partir
de seus estudos, Broca percebeu que o lado predominante da linguagem
no cérebro é o hemisfério esquerdo e este processo de regressão da fala
foi denominado como Afasia de Broca.

Tempos depois, o neurologista alemão Wernicke começou a


pesquisar pacientes que apresentavam uma fala desordenada e contínua,
chamados de logorreicos. Esse problema de linguagem é chamado de
Afasia de Wernicke. Sobre as pesquisas desses dois neurologistas, Aimard
(1998) diz:

Esses dois grandes modelos iniciais conservaram o nome de


seu descobridor tanto na forma clínica, como no território cerebral
responsável: Afasia de Broca e território de Broca, no caso de problemas
20 O昀椀cina de Textos em Português

de produção, e afasia de Wernicke e zona de Wernicke. A partir desses


dois esquemas foram descritos numerosos tipos particulares e diversos
matizes no tocante à localização (AIMARD, 1998, p.14).

O estudo de lesões cerebrais presentes nos pacientes de Broca


e Wernicke (1982) permitiram identi昀椀car a localização da linguagem no
cérebro humano, em que a zona de Broca está localizada no hemisfério
esquerdo e a zona de Wernicke está localizada na região posterior do
lóbulo temporal esquerdo.

NOTA:

Para que essa aquisição ocorra, é preciso identi昀椀car os


órgãos responsáveis pela linguagem. Existem dois polos
periféricos: o ouvido e os órgãos de fonação que estão
associados ao sistema nervoso central. Aimard (1998) diz:
O ouvido recebe a mensagem sonora. As vibrações do
tímpano são transmitidas, no ouvido médio, pela cadeia
de ossinhos até o ouvido interno, até o caracol que é o
órgão da audição. Este é formado pelas células de corti,
células nervosas cujas 昀椀bras constituem o nervo auditivo, o
oitavo par de nervos cranianos; suas terminações chegam
aos relés peduncularese talâmicos, vinculados ao córtex
cerebral. ( AIMARD,1998, p. 16)

Partindo desses dados anatomo昀椀siológicos, a estruturação da


linguagem passa por uma sequência, primeiramente pelo desenvolvimento
cognitivo, que signi昀椀ca reconhecer e identi昀椀car. O outro é a aptidão para
desenvolver a capacidade de compreender as conversas e a última, é a
capacidade de produzir os sons vocais. O bom funcionamento dos órgãos
associados à linguagem leva à perfeita estruturação dela.

Broca e Wernicke, como já foi citado, foram os primeiros autores a


registrar como a linguagem acontece no cérebro, como a mente funciona.
Tais conceitos fazem parte da teoria chamada de Localizacionismo, ou
seja, acreditava-se que cada parte do cérebro tinha uma única função e
quando uma determinada área era afetada, a habilidade correspondente
se perderia. Não se acreditava muito na possibilidade de recuperação
funcional após lesões cerebrais. Tempos depois, essa teoria foi expandida
O昀椀cina de Textos em Português 21

e, assim, constitui-se a teoria da Neuroplasticidade Cerebral, que de


acordo com Dennis (2000) “pode ser concebida e avaliada a partir de uma
perspectiva estrutural (con昀椀guração sináptica) ou funcional (modi昀椀cação
do comportamento)” (DENNIS, 2000, p. 224). A implicação, então, é que
o cérebro humano parece apresentar uma capacidade plástica e de
recuperação funcional muito maior do que anteriormente suspeitada.
Até hoje, pesquisadores têm se confrontado mais com os limites desta
capacidade de modi昀椀cação plástica dependente de experiência.

Além da função de comunicar, segundo Azevedo (2005), a


linguagem assume uma série de normas linguísticas, estruturadas nos
seguintes níveis: fonológico, que representa os sons da fala e tem como
unidade mínima o fonema; o morfológico, que está relacionado com as
partes que foram as palavras e categorias gramaticais (pessoa, gênero,
número, tempo, modo, grau) e tem como unidade mínima o morfema;
o semântico, que faz relação com o sentido e signi昀椀cado das palavras,
frases, discursos e a língua em geral; o sintático, que reporta às regras,
relaciona-se com a ordem das palavras; e o pragmático, que tem como
base a relação existente entre falantes e a língua, estuda e enunciação,
a forma como um idioma é utilizado para produzir os discursos. Além
desses cinco níveis, a linguagem implica três aspectos-chave para que o
uso seja e昀椀caz, são eles: o processual, que faz referência aos processos
cognitivos relacionados à compreensão e produção; o funcional, que
está relacionado à interação e à comunicação; e o estrutural, que se
refere à organização linguística. Segundo Salthouse, “a execução das
tarefas linguísticas exige capacidade de armazenamento, e昀椀cácia do
processamento e efetividade na coordenação, organização e controle
dos processos implicados.” (SALTHOUSE, 1994, p. 56).

SAIBA MAIS:

Quer saber mais sobre as questões da linguagem? Você


pode ler: VIGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem.
Lisboa: Antídoto. 1979

Bem, agora que você sabe sobre o processo da linguagem, é


importante também fazer uma diferenciação entre o que é língua e
22 O昀椀cina de Textos em Português

linguagem: a língua é um conjunto organizado de elementos (sons e


gestos) que possibilitam a comunicação. São aqueles signos de Saussure,
lembra? Como ele mesmo cita:
...não é o som material, coisa puramente física, mas a
impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação
que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal
imagem é sensorial e, se chegarmos a chamá-la “material”,
é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da
associação, o conceito, geralmente mais abstrato.

Fonte: Freepik

Então, a língua surge em sociedade, e todos os grupos humanos


desenvolvem sistemas com esse 昀椀m. As línguas podem se manifestar
de forma oral ou gestual, como a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Já
a linguagem é a capacidade que os seres humanos têm para produzir,
desenvolver e compreender a língua e outras manifestações, como a
pintura, a música e a dança.

Posto isso, então, nós já podemos trabalhar a importância da


diferença entre comunicação e linguagem, vamos lá?

Na comunicação há uma mensagem, certo? Ela é enviada por um


emissor a um receptor. Esse envio de informações pode ser feito de várias
maneiras: por meio da voz, de uma carta, de um e-mail, de expressões
faciais, do olhar ou de gestos, entre outras.
O昀椀cina de Textos em Português 23

Mas, para fazer com que a mensagem chegue ao destinatário, se


utiliza a linguagem – falada, escrita, gestual, corporal. O tipo de linguagem
utilizada caracterizará o tipo de comunicação – verbal ou não-verbal.

Mas o que é comunicação verbal e não-verbal?

Fonte: Freepik

Comunicação verbal: quando a informação é passada ou trocada


por meio de linguagem escrita ou falada. A comunicação verbal escrita
foi um grande marco na história da humanidade, pois, até então, a
informação e o conhecimento eram passados de forma oral e não existia
uma evolução, uma vez que dependia da memória humana, que não tinha
como acumular tudo que recebia.

Com a escrita desenvolvida, passou a existir uma forma extracorpórea


de memória, assim como o registro de saberes e informações. Limites
espaço-temporais foram ultrapassados na transmissão de conhecimento
e a evolução intelectual do homem foi viabilizada, pois com a possibilidade
de registro, a memória humana passou a ser livre para ir atrás de novos
conhecimentos.

Comunicação não-verbal: se caracteriza por todas as manifestações


do comportamento humano que não envolvem a linguagem falada ou
24 O昀椀cina de Textos em Português

escrita, ou que estão implícitas nesse tipo de linguagem (entonação,


variações da voz etc.). Temos como exemplo: expressões faciais, gestos,
orientações do corpo, organização de objetos em um espaço, sinalizações,
signos grá昀椀cos e outros. Além disso, existem alguns campos de estudos
da comunicação verbal não muito conhecidos por nome, porém bastante
importantes.

Proxêmica: tem relação com ambiente e espaço que cada pessoa


estabelece de forma espontânea no meio social para 昀椀ns de comunicação,
a forma como as pessoas ocupam ou evitam ocupar determinados
espaços em que estão inseridas. Exemplo: no balcão de um bar há uma
pessoa sentada e três bancos disponíveis, com as opções de sentar ao
lado, pular um banco ou pular dois bancos. Di昀椀cilmente alguém senta ao
lado de quem não conhece, mas pular apenas um banco ou pular dois
bancos diz muito sobre a mensagem que a pessoa está passando.

Paralinguagem: está relacionada às manifestações sonoras


e a como elas in昀氀uenciam nos signi昀椀cados de um discurso. Pausas,
intensidade, volume, velocidade, entonação, as hesitações, os “vícios” da
fala e outras características estão relacionadas a esse fenômeno, que é o
responsável pela revelação de vestígios emocionais.

Cinésia: é a linguagem corporal, estudando os movimentos do


corpo, as expressões faciais, os gestos que as pessoas fazem com as
mãos, movimentos de pernas e braços, e outros.

Tacêsica: está relacionada ao toque, a forma como a pessoa abraça,


dá um aperto de mão e qualquer outro toque vindo de uma saudação, por
exemplo. O toque também ocorre para fazer notar a presença de outra
pessoa, para chamar a atenção ou confortar. O contato físico não é em
si algo emocional, mas sim as alterações que ele provoca por meio de
seus elementos sensoriais, como o conforto, segurança, afetividade e
con昀椀ança.

Então, a comunicação verbal é imprescindível para a educação,


enquanto que, nas organizações, além da necessidade óbvia da verbal,
a não-verbal tem um papel importante. Líderes, por exemplo, além de
credibilidade, devem passar con昀椀ança e segurança a seus colaboradores.
O昀椀cina de Textos em Português 25

Portanto, tanto a segurança em sua voz quanto o seu gestual devem estar
em consonância com o seu discurso, caso contrário, sua con昀椀abilidade
pode ser afetada.

Fonte: Freepik

Vamos dar continuidade a algumas perguntas, tudo bem?

Como de昀椀nir o que é comunicação e linguagem? Elas estão


relacionadas com a evolução nas formas e tipos de comunicação por
meio da linguagem.

E qual seria a diferença entre linguagem e comunicação?


Comunicação é o ato de passar a mensagem que queremos a um
interlocutor, já a linguagem é o sistema de sinais que utilizamos para nos
comunicar.

Que tipo de linguagem podemos usar para nos comunicarmos?


Podemos nos comunicar utilizando vários tipos de linguagem como
gestos, símbolos, sinais etc.

Quais são os elementos da comunicação? Os canais são: emissor,


receptor, mensagem, código, canal de comunicação e contexto.

O que é linguagem, língua?

Linguagem: o sistema de sinais, verbal e não verbal, que permite


que nos comuniquemos.
26 O昀椀cina de Textos em Português

Língua: é a forma de linguagem.

NOTA:

Agora que você já sabe diferenciar língua de linguagem e


linguagem de comunicação, é o momento de entender os
processos da linguagem.

Segundo Vanoye (2007), a teoria tradicional da comunicação


estabelece que esta deva se processar a partir, basicamente, de sete
elementos:
a origem da mensagem é denominada de fonte; o
responsável pela transmissão da informação proveniente
desta fonte, seja pela linguagem verbal (oral ou escrita)
ou por qualquer outro sistema de códigos, é entendido
como sendo o emissor; a informação a ser transmitida,
que é veiculada pelo sistema de códigos manipulado pelo
emissor, é denominada de mensagem;o elemento a que
se destina a mensagem (um indivíduo, grupo ou auditório)
é denominado genericamente como sendo o receptor; o
campo de circulação da mensagem deve ser entendido
como sendo o canal de comunicação, este é o responsável
pelo deslocamento espacial e/ou temporal da mensagem;
aquilo que veicula a mensagem e que é trabalhado pelo
emissor, o sistema de signos, é compreendido como sendo
um código, o qual pode ser verbal ou não verbal, o primeiro
utiliza-se da palavra falada e/ou escrita e o segundo pode
ser constituído pelos mais variados meios e técnicas; o
sistema de comunicação se completa com o elemento
ao qual a mensagem se refere, que pode corresponder a
objetos materiais ou a aspectos abstratos que compõem a
situação ou o contexto da comunicação, a esse elemento
dá-se o nome de referente. (VANOYE, 2007 p. 56)

Então, recepção da mensagem não signi昀椀ca, necessariamente, a


sua compreensão. Pode haver falhas de comunicação em qualquer um
dos níveis citados. Por exemplo, a mensagem pode ser recebida, mas não
compreendida, quando o emissor e o receptor não possuem signos em
comum ou quando a comunicação é restrita, pois poucos são os signos
em comum. Além disso, a comunicação pode ser e昀椀ciente quando há uma
completa compreensão dos signos emitidos, mas não basta que o código
O昀椀cina de Textos em Português 27

seja comum para que se realize uma comunicação satisfatória. Outras


variáveis que incidam sobre os outros elementos da comunicação podem
atrapalhar o seu sucesso. Alguns problemas podem, por exemplo, ser
originados de interferências indesejáveis na transmissão da mensagem,
é o que chamamos de ruído. A perturbação da comunicação originária
de uma desorganização da mensagem caracteriza aquilo que se entende
por entropia, já a repetição indevida de informações durante o processo
de comunicação é denominada redundância.

Como foi falado aqui, comunicar signi昀椀ca interagir, estabelecer um


contato que tem por objetivo transmitir informações, buscar entendimento
e estabelecer a compreensão. Para que o entendimento e a compreensão
aconteçam, não basta apenas que o discurso seja claro, mas também
é necessário que quem comunique seja convincente, portanto, quem
comunica também deve buscar o convencimento. Assim, comunicar é já,
de certa maneira, argumentar.

A argumentação, ou o convencimento, é também uma das funções


primordiais da linguagem. Antes mesmo do desenvolvimento das teorias
contemporâneas sobre a comunicação e sobre a linguagem de uma forma
geral, o que se objetivava no estudo da linguagem era o seu aspecto
argumentativo, capaz de convencer e in昀氀uenciar pessoas em suas
posições e in昀氀uenciar e atitudes. A esse ramo de estudo da linguagem e
da comunicação dá-se o nome de retórica.

Do próprio sentido etimológico da palavra argumentação podem


ser depreendidos os sentidos positivo e negativo que o termo retórica
tem recebido desde os tempos da Grécia antiga. O termo argumento, que
vem do latim argumentum, tem em sua raiz temática o termo argu-, que
signi昀椀ca “fazer brilhar”, este termo também está presente em termos como
argúcia ou argentum (que signi昀椀ca prata). A argumentação é, portanto, o
processo por meio do qual a linguagem, seja falada ou escrita, faz brilhar
uma ideia, uma opinião.

Assim, uma tese que, em princípio, poderia ser considerada fraca


ou pouco convincente, passa a se tornar forte e, depois de ganhar brilho,
se torna evidente e aceitável por meio da argumentação. Esse é o sentido
positivo da ideia de argumentação, tornar forte uma tese que era tida
28 O昀椀cina de Textos em Português

como fraca: em outros termos, a tese pode ser até verdadeira, mas se não
parecer aceitável, convincente, poderá ser descartada pelo destinatário
da mensagem. Já o sentido negativo da retórica é aquele que entende
por retórico o discurso que se pretende tornar brilhante, mas que não se
sustenta numa tese que seja genuinamente forte. O sentido negativo da
retórica é, portanto, aquele que se associa à ideia de um discurso cheio de
ornamentos, mas que é, no fundo, vazio. O sentido pejorativo de retórica
é aquele que se associa à ideia de um discurso empolado, pedante, mas
que não tem conteúdo.

SAIBA MAIS:

Quer saber mais sobre os estudos da retórica? Então leia


o artigo “Elementos da comunicação e suas formas de
planejamento”, de Luís Fernanda Prado Telles. Acesse
clicando aqui.

RESUMINDO:

Nessa seção você pôde entender sobre os processos da


comunicação, como eles acontecem e quais são, certo?
Trabalhamos sobre códigos, mensagens satisfatórias e
não satisfatórias. Além disso, foi possível compreender
as diferenças entre língua e linguagem e também entre
linguagem e comunicação. Você se inteirou sobre como
o processo da linguagem ocorre e quais as funções
da comunicação. Diante disso, você está pronto para
aprofundar os estudos, não é? Vamos nessa!
O昀椀cina de Textos em Português 29

Entendendo a linguagem como prática


social
OBJETIVO:

De acordo com Benveniste, é na e pela linguagem que o


indivíduo se constitui enquanto sujeito na sociedade. Então,
nesta seção tem-se como objetivo que você, aluno, possa
entender a importância da linguagem na vida das pessoas,
por que isso deve ser considerado e como acontece.
Vamos lá?

Fonte: Freepik.

Linguagem como prática social


Tem-se na linguagem como prática social um processo de interação
que operacionaliza a vida social, porque a multiplicidade de práticas
discursivas leva às mudanças sociais quando se utiliza recursos linguísticos
empregados pelos atores e/ou grupos sociais no ato da interação dialógica,
a partir de re昀氀exões sobre determinada temática ou ações.

Em consonância a isso, Bakhtin no diz que todas as esferas da


atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas
com a utilização da língua. [... o enunciado re昀氀ete condições especí昀椀cas
e as 昀椀nalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo...]
30 O昀椀cina de Textos em Português

Portanto, é preciso estar atento ao impacto da linguagem na


sociedade, pois é muito mais do que as palavras que pronunciamos ou
escutamos. A linguagem está relacionada à maneira que nos relacionamos,
mediados pelas práticas discursivas, produzimos posicionamentos,
enunciados e interações dialéticas com propósito de mudanças,
delineando concepções e variações de um mundo social, determinada
por seu contexto.

Importante: Vygotsky e Bakhtin defendem a teoria de que o ser


humano é um sujeito interativo, social e participativo na construção de
conhecimento, assim, a linguagem é, portanto, um re昀氀exo das relações
sociais. Seguindo esses preceitos, José Meurer (1997), defende que a
linguagem, além de sua con昀椀guração linguística, está concebida como um
instrumento de ação social é por meio dela que os indivíduos internalizam
e interagem nos papéis sociais. Em complemento disso, Vygotsky, citado
por Gesser, argumenta que “a aquisição de conhecimentos se realiza pela
interação do sujeito com o meio, e é através da linguagem que as funções
mentais superiores (percepção, memória, pensamento) são socialmente
formadas e culturalmente transmitidas” (GESSER, 2009, p. 11). Dessa forma,
o autor sustenta a teoria da origem social da linguagem e do pensamento
ao entender o processo cognitivo como aquele que é de昀椀nido pela
cultura na qual o indivíduo se insere. Ao encontro disso, tem-se a teoria
de Bakhtin, que considera que “o homem só existe após o nascimento
social” e a partir daí, o 昀椀lósofo do diálogo desenvolve duas noções básicas
para fundamentar o estudo do discurso, são elas: a polifonia e a dialogia.
Tais conceitos estão relacionados à multiplicidade de vozes presentes no
discurso e suas relações. Para Gesser, “todas as manifestações, vozes que,
explícita ou implicitamente, dão forma ao discurso, além de re昀氀etirem
as intenções do enunciador, re昀氀etem, principalmente, os sentidos e os
valores que estruturam a sociedade” (GESSER, 2009, p. 11). Ou seja, todo
discurso, de qualquer enunciador, provoca algum efeito na sociedade.
Ainda sobre essa consideração, Bakhtin a昀椀rma:
A palavra penetra literalmente em todas as relações entre
indivíduos, e complementa esta a昀椀rmação ao mencionar
que as palavras são tecidas a partir de uma multidão de
昀椀os ideológicos e ser de trama a todas as relações sociais
em todos os domínios. (BAKHTIN, 2004, p. 210)
O昀椀cina de Textos em Português 31

Dessa forma então, se é no plano das práticas sociais que a relação


entre linguagem e cognição se constitui, é então, no plano das práticas
efetivas, dinâmicas e colaborativas de linguagem, que a relação entre
cognição humana e os processos mentais cognitivos deve ser pensada
para os contextos de perda progressiva.

RESUMINDO:

Então, quando entendemos a linguagem como uma


prática social, percebemos sua relação e interação, a partir
da movimentação e articulação de ideias, assim como a
construção do discurso de uma sociedade por meio da
relação dialética entre linguagem e práticas discursivas –
rea昀椀rmando a relevância e as práticas sociais que denotam
a transformação de um contexto.

Dessa forma, é possível constatar que não há comunicação verbal


sem valores ideológicos, tendo em vista que toda prática discursiva
sempre será persuasiva, evidenciando a centralidade da linguagem na
vida social. Por isso e como exemplo, que é tão importante o docente
levar para a sala de aula temáticas globalizadoras, para que exista uma
multiplicação de ideologias por parte dos alunos, que estão se formando
cidadãos.

França (1994) rati昀椀ca que baseado na concepção de mudanças


educacionais, a escola seja um espaço onde se possam promover tais
observações e ponderações, visto que a con昀椀guração do espaço sempre
foi importante para caracterizar a instituição escolar e a própria sociedade
num determinado período, porque materializa as aspirações, con昀氀itos e
incertezas vividas.

Acerca disso, então, Koch nos diz que:


a interação social por intermédio da língua(gem)
caracteriza-se fundamentalmente, pela
argumentatividade. Em consequência disso,
vemos a todo instante a necessidade de re昀氀exão
sobre as práticas pedagógicas, bem como
a prática discursiva do professor, para que o
ensino-aprendizagem se torne um aliado do
conhecimento de mundo do aluno, primando
32 O昀椀cina de Textos em Português

pelo resgate de valores socioculturais, por meio


de uma relação dialética. (Koch, 1987, p.19)

Dessa forma, quando o ser humano desenvolve sua opinião


sobre determinadas temáticas aos estabelecer suas representações
de mundo, ele está suscetível às diversas in昀氀uências que se dão por
meio da linguagem. Isso permite a re昀氀exão entre conhecimento e
prática, o que proporciona um debate crítico-re昀氀exivo. Além disso, esse
desenvolvimento da opinião por meio da linguagem constrói um cidadão
consciente de seu posicionamento e discurso.

Então, o ser dialogicamente ativo responde por aquilo que foi dito,
produzindo e, ao mesmo tempo, revelando sua consciência linguística e
social. Sobre isso Pinto (2007) nos diz o seguinte:
O desenvolvimento da consciência envolve a interação
com os valores mobilizados por uma sociedade: nossa
consciência emerge e se desenvolve na medida em que
interagimos com (e absorvemos) os valores que deverão
determinar nossa vida e nossos comportamentos nas
sociedades nas quais vivemos (...).

Assim, a apreensão e elaboração do pensamento intelectual não


acontecem isoladamente, sem levar em conta os impulsos, as tendências,
os desejos, as impressões e as imagens idiossincráticas da percepção do
mundo que nos rodeia.

Desse modo, “a língua não é só signo, é ação, é trabalho coletivo dos


falantes, não é simplesmente um intermediário entre nosso pensamento e
o mundo” (MORATO, 2005, p. 317). A linguagem, utilizando-se certamente
como instrumento de comunicação, passará a ser caracterizada com
outro olhar condizente ao mundo exterior. É por meio de laços contratuais
imersos em uma sociedade que interagimos e nos compreendemos
como também “in昀氀uenciamos os outros com nossas opções relativas
ao modo peculiar de ver e sentir o mundo, com decisões consequentes
sobre o modo de atuar nele” (FRANCHI, 1977,18-9). Dessa forma, de acordo
com Duarte (2004, p. 50), “o processo de objetivação da cultura humana
não existe sem o seu oposto e, ao mesmo tempo,complemento, que é o
processo de apropriação dessa cultura pelos indivíduos.
O昀椀cina de Textos em Português 33

Com isso, a signi昀椀cação e a comunicação não se destoam, mas se


complementam, uma vez que essas duas instâncias são indissociáveis
nas práticas sociais. Além disso, “a interação – e tudo o que é afeito a ela
– produz sentido, o sentido é produção de interação; o outro é necessário
para sabermos o que estamos a dizer, e mais, para construirmos o sentido
daquilo que estamos a dizer” (MORATO, 2005, p. 318).

SAIBA MAIS:

Ficou interessado em saber como a linguagem como


prática social deve funcionar no ensino médio? Então
leio o artigo de Bastolla e Souza, “A importância de uma
linguagem como prática social na formação do docente em
nível médio”. Acesse clicando aqui.

Fonte: Freepik.

As considerações de Bakhtin
De acordo com Bakhtin, é impossível que no vazio, não produzimos
enunciados fora das múltiplas e variadas esferas do agir humano.
Os nossos enunciados (orais ou escritos) terão sempre um conteúdo
34 O昀椀cina de Textos em Português

temático, uma organização composicional e estilo próprios, que estarão


ligados às condições de realização e às 昀椀nalidades especí昀椀cas de cada
esfera de atividade. É por isso, então, que todo enunciado está sempre
relacionado ao tipo de atividade em que os participantes estão envolvidos.
Nós falamos por meio de gêneros de discurso que se realizam no interior
de uma determinada esfera da atividade humana.

Dessa forma, a língua não é uma atividade individual, mas sim


um legado histórico‐cultural da humanidade. A língua vive e evolui
historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico
abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes.
Nesse contexto explicativo, cada enunciado produzido por um sujeito é
um ato histórico novo, portanto, irrepetível. Em cada caso, é a situação
que confere a uma mesma palavra signi昀椀cações distintas em cada um
dos enunciados produzidos. Para o autor, é este enunciado a unidade
básica do conceito de linguagem. Dessa forma, não há a possibilidade
de se existir um enunciado neutro. Todo o enunciado emerge sempre
e necessariamente num contexto cultural, carregado de signi昀椀cados e
valores, sendo, portanto, um ato responsivo, ou seja, uma ação na qual
um sujeito assume uma posição nesse contexto.

Conforme Bakhtin (1997), o enunciado não é simplesmente um


conceito formal. Um enunciado é sempre um acontecimento, uma vez
que ele exige uma situação histórica de昀椀nida, atores sociais plenamente
identi昀椀cados, compartilhamento da mesma cultura e o estabelecimento
de um diálogo. Então, todo o enunciado demanda outro a que se
responde ou outro que o responderá. A enunciação é o produto da
interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não
haja um interlocutor real, ele pode ser substituído pelo representante
médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra se dirige a um
interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se tratar-
se de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior
ou superior na hierarquia social, se estiver ligada a um interlocutor por
laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não pode
haver um interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal
interlocutor, nem no sentido próprio nem no 昀椀gurado. (BAKHTIN, 1997,
p.116).
O昀椀cina de Textos em Português 35

EXPLICANDO MELHOR:

Portanto, toda enunciação é um diálogo e faz parte de um


processo comunicativo ininterrupto, em meio ao qual as
palavras dos outros penetram interativamente nas nossas
palavras. Nesse sentido, podemos dizer que a linguagem
vai além de sua dimensão comunicativa, pois considera
que os sujeitos se constituem por meio das interações
sociais. Então, para Bakhtin, a língua no seu uso prático é
inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida,
e, portanto, está ligada à evolução ideológica.

Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou


escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou
más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis,
etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo
ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que
compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas
que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou
concernentes à vida. (BAKHTIN, 1997, p.99).

Bakhtin (1997) também acentua que a língua se desenvolveu


historicamente a serviço do pensamento participativo e dos atos
efetivamente realizados e só, posteriormente, passou também a servir ao
pensamento teórico. De acordo com o autor, toda palavra comporta duas
faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como
pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto
da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão
a um em relação a outro. Através da palavra me de昀椀no em relação ao
outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra de
ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa
extremidade, na outra se apoia sobre o meu interlocutor. A palavra é o
território comum do locutor e do interlocutor. (BAKHTIN, 1997, p.117).

Dentro dessa perspectiva, a língua só existe em função do uso que


os locutores e interlocutores fazem dela em situações de comunicação. O
ensinar, o aprender e o empregar a linguagem passam necessariamente
pelo sujeito, o agente das relações sociais é o responsável pela
composição e pelo estilo dos discursos. Assim, esse sujeito se vale dos
36 O昀椀cina de Textos em Português

conhecimentos de enunciados anteriores para formular suas falas ou


redigir seus textos. A linguagem, portanto, na abordagem de Bakhtin,
contribui signi昀椀cativamente para a constituição do sujeito enquanto um
ser social e individual.

Por 昀椀m, de acordo com Bakhtin (1997), a vida humana é por sua
própria natureza dialógica. Nesse sentido destaca:
Viver signi昀椀ca tomar parte do diálogo: fazer perguntas,
dar respostas, dar atenção, responder, estar de acordo
e assim por diante. Desse diálogo, uma pessoa participa
integralmente e no decorrer de toda sua vida: com seus
olhos, lábios, mãos, alma, espírito, com seu corpo todo
e com todos os seus feitos. Ela investe seu ser inteiro no
discurso e esse discurso penetra no tecido dialógico da
vida humana, o simpósio universal. (Bakhtin, 1997, p.293).

Então, para o autor o sujeito se constitui e se move nesse denso


simpósio universal, sendo a alteridade e a intersubjetividade constitutivas
do processo de individuação, do movimento de me tornar indivíduo. Nas
palavras do autor:
“Eu não posso me arranjar sem o outro; eu não posso
me tornar eu mesmo sem um outro; eu tenho de me
encontrar num outro para encontrar um outro em
mim.”(BAKHTIN,1997, p.287).

Então, nosso discurso, ou seja, todos os nossos enunciados


são repletos das palavras dos outros. As palavras dos outros trazem
consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos,
reelaboramos e reacentuamos. Não pode haver enunciado isolado. Ele
sempre pressupõe enunciados que o antecedem e o sucedem. Nenhum
enunciado pode ser o primeiro ou o último. Ele é apenas o elo na cadeia
e fora dessa cadeia não pode ser estudado. Entre os enunciados existem
relações que não podem ser de昀椀nidas em categorias nem mecânicas
nem linguísticas. Eles não têm analogias consigo. (BAKHTIN, 2011, p.371).
O昀椀cina de Textos em Português 37

RESUMINDO:

Nesta seção você pôde compreender que a linguagem e


a sociedade estão intimamente ligadas, não é? Foi possível
saber como isso acontece e por que acontece. Então,
por que mesmo que a linguagem é uma função social?
Porque é por meio dela que se constrói o pensamento, a
enunciação e, posteriormente, a ideologia. É por meio da
linguagem que se faz um cidadão, por isso a importância
de abordagens globalizadas no ensino, para que se possa
ensinar o pensamento crítico. Gostou? Vamos terminar
nossos estudos entendo um pouco mais sobre leitura e
escrita? Avante!
38 O昀椀cina de Textos em Português

Conhecendo os processos de aprendizagem


de leitura e escrita
OBJETIVO:

Alfabetizar é um ato de muita satisfação para os professores,


mas também é algo tremendamente desa昀椀ador, não é?
Porém, existem controvérsias no que tange o tema da
alfabetização. Nesta seção o intuito é trazer alguns conceitos
acerca da alfabetização. Pretende-se conhecer alguns dos
diversos conceitos e métodos de alfabetização e discutir
as implicações de se adotar determinada concepção.
Aqui também pretende-se trazer questões sobre a escrita
alfabética vista como código ou como sistema notacional e
as questões sobre a aprendizagem inicial da língua escrita.

Vamos lá? Bons estudos!

Concepções e métodos de alfabetização


Você sabe que a Alfabetização requer mais do que só método.
É isso o que defende Magda Soares e é tomada como referência as
considerações da autora que nesta seção será explicada a questão dos
métodos. Então, de acordo com Soares, o método de alfabetização
é comumente confundido com cartilhas, manuais didáticos, artefatos
pedagógicos, etc. Na verdade, o método de alfabetização, ou os métodos,
são um conjunto de procedimentos, que devem estar fundamentados em
teorias e princípios. Eles devem orientar a aprendizagem inicial da leitura
e da escrita da criança, ou seja, a alfabetização.
O昀椀cina de Textos em Português 39

Fonte: Freepik.

No Brasil houve uma alternância metodológica de alfabetização


desde o século XIX. Acreditava-se que aprender a ler e escrever dependia
somente de conhecer as letras de forma mais especí昀椀ca: os nomes das
letras. Então, aprendia-se o alfabeto, depois as vogais e consoantes eram
combinadas, formando então as sílabas, até se chegar, 昀椀nalmente, nas
palavras e frases. A isso foi dado o nome de soletração, uma aprendizagem
com foco na gra昀椀a, sem levar em consideração as relações oralidade-
escrita, fonemas-grafemas.

Como diz Soares (2017): “como se as letras fossem os sons da língua,


quando,na verdade, representam os sons da língua.”

Ao longo do tempo o valor sonoro das letras e sílabas começou


a ser priorizado. Assim, a soletração começou a dar lugar para métodos
fônicos e silábicos, os chamados métodos sintéticos. De acordo com
Ribeiro, autor da Cartilha Nacional, de 1880:
Como a arte da leitura a análise da falam levemos desse
logo o aluno a conhecer os valores fônicos das letras,
porque é com o valor que há de ler r não com o nome
delas. (Ribeiro, 1936, apud Mortatti, 2000:54)
40 O昀椀cina de Textos em Português

Depois disso, surgiram os métodos analíticos, nos quais a


realidade psicológica da criança era considerada e a aprendizagem
deveria ser signi昀椀cativa para ela. Um método a ser citado como exemplo
é da palavração, que, segundo Silva Jardim, deve-se ler desde logo a
palavra. Para ele: “Como aprendemos a falar? Falando as palavras; como
aprendemos a ler? É claro que lendo essas mesmas palavras. (Silva
Jardim, 1884, apud Mortatti, 2000: 48)

Segundo Soares, então:


Indiferentemente, porém, da orientação adotada,
o objetivo, tanto em métodos sintéticos quanto em
métodos analíticos, é, limitadamente, a aprendizagem
do sistema alfabético-ortográ昀椀co da escrita. Embora se
possa identi昀椀car, nos métodos analíticos, a intenção de
partir também do signi昀椀cado, da compreensão, seja no
nível do texto (método global), seja no nível da palavra
com da sentença (métodos da palavração, método da
sentenciação), estes – textos, palavras, sentenças – são
postos a serviço da aprendizagem do sistema de escrita:
palavras são intencionalmente selecionadas para servir
à sua decomposição em sílabas e fonemas, sentenças e
textos são arti昀椀cialmente construídos, com rígido controle
léxico e morfossintático, para servir à sua decomposição
em palavras, sílabas e fonemas.

Dessa forma, para que a criança desenvolva habilidades de uso


da leitura e da escrita, lendo e produzindo textos reais, o domínio do
sistema de escrita é considerado condição e pré-requisito. Além disso,
para que se aprenda o sistema de escrita, estímulos externos muito bem
selecionados devem existir ou ser construídos com o objetivo de levar à
criança a apropriação da tecnologia da escrita. Então, ainda de acordo
com Soares, tanto os métodos sintéticos quanto os analíticos estão no
mesmo paradigma pedagógico e psicológico: o associacionismo.

Mas e como se dão esses métodos na atualidade?

Soares nos dá uma explicação de que as periódicas mudanças


de paradigmas e de concepção de métodos têm trazido um fracasso
persistente da escola em levar as crianças ao domínio da língua escrita.
Até a década de 1980 acreditava-se que, para que esse fracasso
O昀椀cina de Textos em Português 41

revertesse, na série inicial do ensino fundamental haveria um alto índice


de reprovação, repetência e evasão. Claramente, não funcionou.

Então, surge o construtivismo como tentativa de combate ao


fracasso da alfabetização. Mesmo que, segundo Ferreiro e Teberosky
(1986), a causa de tal fracasso era de cunho social, foi proposto que a
solução não seria um novo método, mas sim uma nova concepção do
processo de aprendizagem da língua escrita.

Por mais que o construtivismo tenha exercido uma hegemonia, o


fracasso em alfabetizar persiste, agora com uma con昀椀guração diferente:
antes de dava por meios das avaliações internas à escola, concentrava-se
na série inicial do ensino fundamental. Agora, é denunciado por avaliações
externas, de âmbito estadual, nacional e até internacional, podendo se
estender ao longo de todo o ensino fundamental e até mesmo do ensino
médio. O que traduz os altos índices de um domínio da língua escrito
precário e, em alguns casos, nulo.

Acerca disso Soares argumenta:


Nos anos iniciais de século XXI reaparece a discussão
sobre métodos na alfabetização, relativamente
marginalizada durante as duas últimas duas décadas do
século XX, e enfrentam- se de novo polêmicas, agora
mais complexas: não apenas divergências em torno de
diferentes métodos de alfabetização, mas também, e
talvez, sobretudo, dúvidas sobre a possibilidade ou a
necessidade de método para alfabetizar – um movimento
de recuperação do método em con昀氀ito com a tendência
à desmetodização, consequência da interpretação que
se deu ao construtivismo. Então, a continuação dos
problemas e das controvérsias acerca da dos métodos de
alfabetização acontecem porque sempre derivam sempre
de concepções diferentes sobre o objeto da alfabetização,
ou seja, sobre o que se ensina quando se ensina a língua
escrita. Essa divergência se mostra quando é considerado
o conceito de alfabetização que fundamenta os diferentes
métodos. Nas ciências linguísticas, psicologia cognitiva e
do desenvolvimento atuais, a alfabetização é: “processo
complexo que envolve várias componentes, ou facetas, e
demanda diferentes competências.” (SOARES, 2017).
42 O昀椀cina de Textos em Português

Basicamente, são três as facetas que disputam a primazia na inserção


no mundo da escrita, nos métodos e nas propostas de aprendizagem. A
primeira é a faceta linguística, que faz a representação visual da cadeia
sonora da fala.

Depois, tem-se a faceta interativa, em que a língua escrita é vista


como interação entre as pessoas, de expressão e compreensão de
mensagens. Por último, a faceta sociocultural, com funções e valores
atribuídos à escrita em contextos socioculturais; a ela dá-se o nome de
letramento. Segundo Soares (2017):
Se se põe o foco na faceta linguística, o objeto de
conhecimento é a apropriação do sistema alfabético-
ortográ昀椀co e das convenções da escrita... se se põe o
foco na faceta interativa, o objeto são as habilidades de
compreensão e produção de textos... 昀椀nalmente, se se põe
o foco na faceta sociocultural, o objeto são os eventos
sociais e culturais que envolvem a escrita. Essa tricotomia
explica a questão –controvérsias – entre os métodos.

Dessa forma, então, 昀椀ca evidente que a aprendizagem inicial da


língua escrita é de grande complexidade e envolve duas funções da língua
escrita: ler e escrever. Portanto, o ensino da língua escrita inicial não deve
se ater apenas a uma faceta, pois elas possuem suas particularidades e
devem se complementar. Sobre isso, Adams nos diz:

IMPORTANTE:

Não podemos agir completando cada subsistema


individualmente, em seguida atando-o a outro. Ao contrário,
as partes do sistema de alfabetização devem crescer
simultaneamente. Devem crescer cada uma em relação a
outra e cada uma a partir de outra.

[...] Elas [as partes do sistema] devem estar interligadas no próprio


processo de aquisição. E, o que é importante, essa dependência atua nas
duas direções. Não se podem desenvolver adequadamente os processos
mais avançados em a devida atenção aos menos avançados. Nem se
pode focalizar os processos menos avançados sem constantemente
O昀椀cina de Textos em Português 43

esclarecer e praticar suas conexões com os processos mais avançados.


(Adams, 1990, p.6)

Então, é possível compreender que a questão dos métodos em


sua dimensão pedagógica, ou seja, na prática do contexto de ensino, a
aprendizagem inicial da língua escrita, mesmo que com várias facetas,
deve ser desenvolvida deforma inteira, como um todo. Pois essa é a
verdadeira natureza dos atos de ler e escrever, como cita Soares: “em
que a complexa interação entra as práticas sociais da língua escrita e
aquele que lê ou escreve pressupõe o exercício simultâneo de muitas
e diferenciadas competências. É o que se ter denominado alfabetizar
letrando.” (Soares, 2017)

Escrita alfabética como código ou sistema


notacional

Fonte: Freepik.

A escrita alfabética é um sistema notacional e não apenas um


código. O desenvolvimento dela envolve um trabalho conceitual
complexo, completamente desconsidero pelos métodos tradicionais de
alfabetização.
44 O昀椀cina de Textos em Português

Cada criança reconstrói na mente dela o sistema alfabético. E é uma


reconstrução, pois não se trata de inventar um novo sistema. Também
não se pode dizer que é uma descoberta, pois essa está vinculada à
errônea ideia deque a criança deve descobrir tudo sozinha e o professor
alfabetizador não pode dar informações que o aluno consegue adquirir
por conta própria.

Na verdade, de acordo com as premissas de Morais (2012), é


necessário ajudar as crianças desde cedo a descobrirem, ou melhor,
entenderem, as regras ou propriedades do sistema alfabético e que a
consciência fonológica tem um papel de destaque nessa caminhada da
alfabetização.

Os métodos tradicionais de alfabetização, independentemente se


analíticos ou sintéticos, sempre enxergam a escrita como um simples
código da língua oral.Então, nesses métodos, escrever é apenas uma lista
de símbolos que substituem os fonemas que já existiam como unidades
isoláveis na mente dacriança ainda não alfabetizada. Acerca disso Morais
(2012) argumenta:
Os dois métodos têm, portanto, uma visão adultocêntrica,
isto é, enxergam o funcionamento infantil como idêntico
ao adulto. Ambos partem do pressuposto de que as
crianças, naturalmente e sem di昀椀culdades, já pensariam,
desde cedo, que as letras “substituem sons das palavras
que pronunciamos”. Essa visão simplista é o que justi昀椀caria
a solução de, simplesmente, transmitir-lhes, de forma
pronta, as informações sobre correspondências som-
gra昀椀a.(MORAIS, 2012, p. 31)

Então, para os adeptos dos métodos tradicionais de ensino, uma


boa cartilha e um plano de ensino bem controlado seriam a garantia
para a alfabetização satisfatória para os alunos ao 昀椀m do ano. Porém,
isso só funcionaria se a criança estivesse no estágio de “prontidão” para,
nas palavras de Morais: para receber os ensinamentos que lhe seriam
transmitidos em doses homeopáticas.

É neste momento então que entramos na problemática do por que


a escrita alfabética é um sistema notacional e não um código. Vamos lá?
O昀椀cina de Textos em Português 45

Primeiramente, é necessário reconhecer que o aprendiz da escrita


alfabética não tem na sua mente as propriedades do sistema de forma
pronta, dada ou disponível. Ele ainda não sabe como as letras funcionam
e têm sobre ela uma visão diferente dos adultos. É por isso, que em uma
etapa inicial, não faz sentido 昀椀car pronunciando fonemas isolados e 昀椀car
repetindo a leitura de sílabas e palavras que comecem com determinado
fonema. Portanto, a internalização das regras e convenções do alfabeto
não é algo que acontece da noite para o dia, muito menos pela acumulação
de informações prontas quea escola passa para o alfabetizando.

IMPORTANTE:

Portanto, quando nos apropriamos de qualquer sistema


notacional, devemos compreender e internalizar as regras e
propriedades desse sistema. Além disso, devemos sempre
acreditar que os alunos não precisam e não devem querer
descobrir tudo sozinhos. Nós, professores, temos o dever
de ajudá-los nessa descoberta da escrita alfabética. Para
esse conhecimento, seguem algumas propriedades do SEA
(Morais, 2012) que o aprendiz precisa reconstruir, com a ajuda
do professor, para se tornar alfabetizado, vamos a elas:

1. Escreve-se com letras que não podem ser inventadas, que têm
um repertório 昀椀nito e que são diferentes de números e de outros
símbolos.

2. As letras têm formatos 昀椀xos e pequenas variações produzem


mudança sem sua identidade (p, q. b. d).

3. A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada,


pois isso muda o sentido dela.

4. Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em


diferentes palavras, ao mesmo tempo em que distintas palavras
compartilham as mesmas letras.

5. Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior


das palavras e nem todas as letras podem vir juntas de quaisquer
outras.
46 O昀椀cina de Textos em Português

6. As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que


pronunciamos e nunca levam em conta as características físicas
ou funcionais dos referentes que substituem.

7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais


que pronunciamos.

8. As letras têm valores sonoros 昀椀xos, apesar de muitas terem mais


de um valor sonoro e certos sons poderem ser notados com mais
de uma letra.

9. Além de letras, na escrita de palavras usam-se também algumas


marcas (acentos) que podem modi昀椀car a tonicidade ou o som das
letras ou sílabas onde aparecem.

10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes


e vogais (CV, CCV, CVV, CVC, V, VC, VCC, CCVCC...), mas a estrutura
predominante no português é a sílaba CV (consoante-vogal) e
todas as sílabas do português contêm, ao menos, uma vogal.

A partir disso, então, 昀椀ca claro que um novo conhecimento do


sistema alfabético não surge, simplesmente do exterior, a partir das
informações transmitidas pelo professor. Tal conhecimento acontece
por uma transformação que o próprio aprendiz realiza sobre seus
conhecimentos anteriores junto das novas informações que ele adquire.
Por isso, esse entendimento da escrita alfabética signi昀椀ca, para o aluno,
uma fonte de desa昀椀o e con昀氀ito.

No próximo item nos aprofundaremos na questão de como se dá


essa aprendizagem inicial da língua escrita.

Aprendizagem inicial da língua escrita


Anteriormente 昀椀cou evidente que é necessário reinventar a forma
de alfabetização. Então, qual é o melhor método de alfabetizar? Essa
pergunta nunca terá uma resposta única, vai depender sempre do que
o professor irá considerar e isso vai depender se uma séria de fatores.
Aqui entram as questões ideológicas e 昀椀losó昀椀cas, além de juízos de valor
O昀椀cina de Textos em Português 47

que adotam no dia adia. Portanto, de acordo com Morais (2012) alguns
princípios devem ser seguidos:

a. Formar pessoas não conformistas, críticas, que lutam por seus


direitos;

b. Formar pessoas que não só repitam, mecânica ou ordeiramente, o


que lhes é transmitido, mas que criem ou recriem conhecimentos
e formas de expressão;

c. Formar pessoas que se regem por princípios éticos de justiça


social, de redução das desigualdades socioeconômicas, de
respeito à diversidade entre os indivíduos, grupos sociais e povos;

d. Formar pessoas respeitando suas singularidades, seus ritmos de


aprendizagem, e levando em conta em quê, especi昀椀camente,
necessitam ser ajudadas, para que possam avançar em suas
aprendizagens.

Então, quando começar o ensino do sistema de escrita alfabética?

Para o enfretamento do apartheid na educação que existe em


nosso país, é necessário que as escolas, ao 昀椀m da educação infantil,
disponibilizem um ensino que permita aos alunos não apenas conviver e
desfrutar, dia a dia, de práticas de leitura e produção de texto. Além disso,
deve haver uma re昀氀exão sobre as palavras, brincando com a dimensão
sonora e grá昀椀ca delas. Como cita Morais (2012):
... não se trata de iniciar um ensino sistemático das
correspondências som-gra昀椀a, aos 5 anos de idade. Mas,
sim, de praticar um ensino que tem a explícita intenção
de ajudar as crianças a avançarem em sua compreensão
dos aspectos conceituais e convencionais da escrita, além
de permitir-lhes avançar em seus conhecimentos letrados.
(MORAIS, 2012, p. 117)

Dessa forma, essa opção visa a respeitar as características dos


alunos da educação infantil, com a faixa etária de 5 anos. Pois tal forma
de ensino não embarca na proposta alienada de simplesmente eliminar
a escrita no interior da pré-escola com a promessa de garantir uma
ludicidade ilusória e sem aprendizados. Em vez disso, a proposta dá
aos alfabetizandos direitos de conviver com a escrita, de re昀氀etir sobre a
48 O昀椀cina de Textos em Português

notação dela, portanto, de começar a aprender o que é a escrita de fato e


como a escrita cria notações. Então, de acordo com Morais (2012):
A re昀氀exão sobre a dimensão sonora das palavras, apoiada
em sua notação escrita, de modo a promover determinadas
habilidades de consciência fonológica, nos parece à
estratégia principal...o trabalho com palavras estáveis, como
o nome próprio, e a prática de montagem e desmontagem
das palavras, com o alfabeto móvel,também têm se
revelado boas alternativas para auxiliá-las a avançar na
apropriação do SEA... (MORAIS, 2012, p. 118)

Para fechar a seção, vamos a um exemplo prático?

Vamos imaginar uma criança que desde muito nova pôde conviver com
pessoas que fazem uso da leitura e da escrita em seu cotidiano e, além disso,
teve a oportunidade de ouvir histórias e manusear livros. Agora, vamos imaginar
outra criança a quem essas condições não puderam ser oferecidas. Não é
difícil supor que a transição entre o ambiente privado (a família) e o público (a
escola) trará, para cada uma delas, sensações iniciais bastante diferentes.

No caso da primeira criança, gestos leitores (olhar a capa de um livro,


folheá-lo, escutar atentamente a leitura em voz alta feita pela professora,
entre outros) e gestos escritores (ver a professora escrevendo na lousa
ou em cadernos, por exemplo) parecerão familiares e o fato de ela estar
em um ambiente organizado intencionalmente para a sua aprendizagem
lhe oferecerá novos desa昀椀os ajustados à sua capacidade de enfrentá-los.
No caso da segunda criança, tudo será novidade. Embora algum grau
de interesse possa ser suscitado, inseguranças diante do desconhecido
podem vir à tona e desa昀椀os podem se transformar em grandes obstáculos.

Essa desigualdade, logo no ponto de partida da escolaridade,


merece nossa máxima atenção não apenas porque todas as classes são
heterogêneas, mas porque é possível criar condições para que cada um
dos alunos se aproprie dos saberes estruturantes ao enfrentamento da
vida escolar.

Crianças que têm boas oportunidades para desenvolver sua


linguagem contam com mais ferramentas (vocabulário, expressões,
conhecimento de estruturas sintáticas) para falar com maior precisão,
compreender as leituras que ouvem, das conversas e atividades que
O昀椀cina de Textos em Português 49

se desenvolvem em sala (respondendo perguntas, fazendo descrições,


dando explicações, recontando histórias), acompanhar explicações e
tomar a palavra para expressar suas incompreensões.

A leitura e as conversas em torno dos textos são situações férteis


para o desenvolvimento da linguagem. Por meio delas, as crianças têm
a chance de conhecer os diversos usos e possibilidades que a língua
materna oferece para narrar, explicar, descrever, de昀椀nir, rimar.

A presença do professor como parceiro mais experiente é


fundamental: além de apresentar e interpretar aquilo que está escrito, ele
conhece o caminho, ou seja, pratica socialmente atos de leitura e escrita
em seu cotidiano com propósitos diversos.

A leitura feita em voz alta pelo professor permite que os alunos


observem que o texto é sempre um convite: ao riso, à indignação,
à seriedade, à comoção, à descoberta, à beleza, à ampliação e às
associações. A progressiva construção e intimidade com a cultura escrita
favorece que os alunos, mesmo muito antes de saberem escrever de
forma convencional, arrisquem hipóteses sobre o que a escrita representa
porque vão, aos poucos, percebendo certas regularidades.

Ao observarem e escutarem as leituras feitas por sua professora, os


alunos têm a chance de aprender como manejar e como transitar pelos
vários textos em seus diferentes suportes (livro, jornal, carta etc.), o que
lhes abre as portas da construção de sentidos para os diferentes gêneros.

RESUMINDO:

Para os métodos de alfabetização tradicionais, a


aprendizagem da língua escrita é um processo de
acumulação de informações transmitidas pelo professor
e assimiladas de forma passiva pelo aprendiz. No entanto,
as pesquisas da psicogênese da língua escrita revelaram
uma postura ativa e curiosa das crianças pré-alfabetizadas,
mostrando que elas pensam e criam hipóteses para
entender o sistema de escrita alfabética. Essas descobertas
levaram a modi昀椀cações nas políticas, nos estudos e nas
práticas escolares.
50 O昀椀cina de Textos em Português

Como expõe Magda Soares, a adoção da perspectiva psicogenética,


conhecida no Brasil como Construtivismo, trouxe consequências para o
ensino da língua escrita: se, por um lado, revelou a importância de expor a
criança a diferentes materiais e práticas reais de leitura e escrita, por outro
levou a uma desvalorização do ensino sistemático das relações entre fala e
escrita. Também é importante considerar que as hipóteses de escrita não são
um caminho único e homogêneo pelo qual passariam todas as crianças, mas
esses estudos orientam o olhar dos educadores para as regularidades do
processo de aprendizagem da língua escrita. Para além dessa sistematização,
é fundamental observar com sensibilidade as peculiaridades de cada criança
em sua busca pelo conhecimento a 昀椀m de mediar de forma adequada esse
processo. Nesse contexto, é imprescindível que a infância seja respeitada
como etapa singular do desenvolvimento humano, valorizando o brincar
como forma de a criança entender o mundo, interagir com ele e (re)criá-lo.

Fonte: Freepik.

SAIBA MAIS:

Quer se inteirar mais sobre processos de aprendizagem


de forma divertida? Então assista ao 昀椀lme Estação Central,
com Fernanda Montenegro estrelando.
Tenho certeza que vai gostar.

Até a próxima Unidade.


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REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filoso昀椀a da linguagem. São Paulo:
Hucitec. 2004.

CHOMSKY, Noam. Linguagem e responsabilidade. São Paulo: JSN


Editora, 2007.

FRANCHETTO B; LEITE Y; Origens da Linguagem. Janeiro Rio. Jorge


Zahar. 2004.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Tradução:


Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blinkstein. 32ª edição. São
Paulo: Editora Cultrix, 2010, p. 80.

KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto,


1997.

MORAIS, A. G. Sistema de escrita alfabética. São Paulo:


Melhoramentos,2012. (Como eu ensino).

SOARES, M. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo:


Contexto,2017.

SOARES, M. Alfabetização e letramento. 5. ed. São Paulo: Contexto,


2008.

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