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Resumos de Direito Administrativo II

Direito Administrativo II (Universidade de Coimbra)

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Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra


2020/2021

Sebenta de
Direito
Administrativo II

Bibliografia e fontes utilizadas:


Oliveira, F. P. e Dias, J. E. F. (2019). Noções Fundamentais de Direito
Administrativo. Coimbra, Edições Almedina
Nabais, J. C. (2019). Procedimento e Processo Administrativos. Coimbra, Edições
Almedina
Aulas teóricas da Dr.ª Fernanda Paula Oliveira
PowerPoints da Dr.ª Fernanda Paula Oliveira
Aulas práticas do Dr. Vasco Moura Ramos

Gonçalo Silva

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Gonçalo Silva 2020/2021

A Atividade da Administração - Regulamentos


Administrativos

A. Conceito

Os regulamentos administrativos são normas jurídicas editadas pela


Administração no exercício da função administrativa. Esta noção engloba os
três elementos essenciais dos regulamentos administrativos: um elemento
de natureza material, um elemento de natureza orgânica e um terceiro
elemento de natureza funcional.
De um ponto de vista material, os regulamentos são normas jurídicas,
ou seja, são gerais e abstratos – gerais, uma vez que se aplicam a uma
pluralidade de destinatários, e abstratos, dado que se aplicam a um número
indeterminado de casos ou situações. O regulamento administrativo não se
esgota numa única aplicação, aplicando-se sempre que se verifiquem as
condições por ele previstas – pretensão imanente de duração: ato suscetível
de ser aplicado um número indeterminado de vezes a um número
indeterminado de situações e de pessoas. Por se tratar de uma norma
jurídica, é uma regra de Direito que pode ser imposta por coação e cuja
violação leva, em geral, à aplicação de sanções, sejam elas de natureza
administrativa ou disciplinar.
Do ponto de vista orgânico, os regulamentos são editados por
autoridades administrativas (incluindo sujeitos privados incumbidos da
função administrativa).
Do ponto de vista funcional, os regulamentos são emanados no exercício
da função administrativa – nota distintiva dos regulamentos, diferentes dos
decretos-lei emanados no exercício da função legislativa.
Os regulamentos são normas de valor infralegal, uma vez que se
subordinam ao princípio da legalidade. Podem, ainda, apresentar-se sob
formas variáveis – ponto de vista formal – destacando-se: decretos-
regulamentares (Governo), resoluções (Conselho de Ministros), portarias
genéricas (Ministros em nome do Governo), despachos normativos
(Ministros em nome do respetivo Ministério), decretos-regulamentares
regionais (governos regionais), posturas (autarquias locais), estatutos auto-
aprovados (v.g. universidades), etc.

B. Classificação

Dentro dos variados critérios de distinção e classificação dos


regulamentos administrativos, podemos destacar alguns, como o dos
respetivos destinatários, o do tipo de relações administrativas que eles
regulam, o da sua ligação à lei, etc.

B.1. Classificação com base no âmbito da respetiva eficácia

Este critério faz a distinção entre regulamentos internos e externos. Os


primeiros são normas que projetam os seus efeitos dentro da pessoa
coletiva administrativa, esgotando a sua força vinculativa no seio desta,
tendo como destinatários apenas os agentes administrativos nessa
qualidade. Estes visam regular a organização e funcionamento dos serviços,
designadamente, a distribuição de tarefas pelos agentes e a fixação de
normas de expediente, bem como os que criam auto-vinculações internas

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para o exercício de poderes discricionários, de forma a garantir uma atuação


uniforme dos serviços.
Já os regulamentos externos são normas administrativas cujos efeitos se
projetam para no exterior da Administração, tendo uma eficácia jurídica
bilateral visto produzirem efeitos no ordenamento jurídico geral: não só
relativamente à Administração, mas também em relação aos particulares,
regulando essencialmente relações intersubjetivas (incluindo as que se
estabelecem entre distintas entidades administrativas).
Nos termos do CPA, este regula apenas os regulamentos administrativos
externos (cfr. artigo 135.º), estando os regulamentos internos sujeitos a um
regime especial que pode ser condensado nos preceitos seguintes:
 Não são suscetíveis de impugnação contenciosa, uma vez que
não afetam a esfera jurídica dos particulares;
 Os órgãos administrativos podem não cumprir os regulamentos
internos em concreto, uma vez que não vale para eles a regra da
inderrogabilidade singular dos regulamentos – admitem-se
decisões concretas divergentes da regulação constante do
regulamento interno, desde que devidamente justificadas.

Apesar do suprarreferido, os regulamentos internos são suscetíveis de


impugnação pelos meios administrativos no âmbito da autotutela
administrativa, que permite o controlo de vícios de mérito; por outro lado,
podem fornecer indícios de ilegalidade dos atos administrativos que os
apliquem – estes podem ser ilegais se os regulamentos internos o forem –
ou dos atos que os ignorem – se não for fundamentada a sua desaplicação
no caso. Nestas situações, os regulamentos internos têm relevo indireto na
ordem externa, dado que denunciam indícios ou sintomas de ilegalidade
(designadamente por mau uso do poder discricionário) ou de violações do
princípio da igualdade: é o que acontece com o incumprimento de diretivas
internas de discricionariedade, isto é, diretivas autovinculativas para o
exercício de poderes discricionários.
A conceção tradicional de que os regulamentos internos não são
jurídicos, dada a sua insusceptibilidade de impugnação judicial, deve ser
repudiada atualmente, já que não se deve confundir o espaço de
justiciabilidade (suscetibilidade de impugnação contenciosa) com o domínio
de juridicidade (domínio com relevo para o Direito). Para além disso, não
podem deixar de se considerar jurídicas normas que criem obrigações para
os órgãos da Administração e que preveem sanções em caso de não
cumprimento de tais obrigações, como acontece com os regulamentos
internos.

B.2. Regulamentos gerais (externos) e especiais (externos e


internos)

Os regulamentos gerais são aqueles que se dirigem a todos os


particulares em geral, não pressupondo uma relação estatutária com a
Administração. Por sua vez, os regulamentos especiais são normas
destinadas a regular as designadas relações especiais de poder ou, numa
formulação mais moderna, relações especiais de Direito Administrativo –
relações de especial ligação ou subordinação dos particulares com uma
determinada entidade administrativa.
Não há dúvida que os regulamentos gerais são externos – têm como
destinatários os particulares em geral e produzem os seus efeitos fora da

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esfera da entidade que os emana. A questão que se coloca é a de saber se


os regulamentos especiais são externos ou meramente internos.
Para responder a essa questão é necessário compreender o que se
entende por “relações especiais de poder” ou “de Direito Administrativo”:
relações em que os particulares se encontram ligados à Administração por
laços de subordinação especial, diferentes daqueles que vinculam os
cidadãos nessa sua condição (v.g. como munícipes) – é o caso do pessoal
com contrato de trabalho em funções públicas perante os superiores
hierárquicos (e perante a organização administrativa), dos militares perante
a instituição militar, etc.
A doutrina distingue dois tipos de relações: a relação orgânica ou de
funcionamento, em que as pessoas sujeitas a tais relações são vistas
apenas enquanto elementos da respetiva “máquina” administrativa, ficando
sujeitas aos poderes dos seus órgãos; e a relação de serviço ou
fundamental, em que se realça o facto de as pessoas submetidas a essa
relação não sofrerem qualquer capitis deminutio, como se pensava
tradicionalmente: os funcionários, reclusos ou militares não perdem, com
essa sua condição, o estatuto de cidadãos e de pessoas, a quem são
reconhecidos direitos fundamentais que a Administração não pode por em
causa.
Na relação orgânica, o destinatário da relação especial de poder
encontra-se numa especial dependência face à Administração — tomando
por base a relação de emprego público, trabalhadores em funções públicas
são vistos apenas nessa qualidade, como elemento fundamental do
funcionamento do serviço. Por sua vez, na relação fundamental, o
destinatário da relação especial de poder é considerado não como elemento
do serviço, mas como uma pessoa, titular de direitos fundamentais.
Surge, então, aqui a resposta à questão colocada acima: se o
regulamento especial se aplicar apenas à relação orgânica, ou seja, com o
fim de disciplinar a organização e o funcionamento do serviço dos
trabalhadores em funções públicas, é meramente interno; se, por sua vez,
for aplicável aos trabalhadores na sua qualidade de cidadãos ou como
titulares de direitos fundamentais, será um regulamento externo.

B.3. Classificação dos regulamentos gerais externos quanto à sua


relação com a lei
B.3.1. A relação dos regulamentos com a lei

Como já vimos, os regulamentos são normas emanadas pela


Administração no exercício da função administrativa estando, por isso,
subordinados ao princípio da legalidade da administração, que poderá ser
entendido nos seus subprincípios: o primado da lei, a reserva de lei e a
precedência da lei.
De acordo com o primeiro, o regulamento não pode contrariar atos de
valor legislativo — a lei tem absoluta prioridade sobre os regulamentos. Nos
termos do segundo princípio, os regulamentos não podem regular e
inovatoriamente matéria de reserva de ato legislativo — a Constituição
reserva à lei a regulamentação inicial de certas matérias. Por último, todos
os regulamentos têm o seu fundamento numa lei prévia anterior, não
podendo a Administração elaborar regulamentos sem que uma lei prévia a
habilite a fazê-lo (artigo 136.º/1 do CPA).
Se todos os regulamentos pressupõem uma lei prévia da qual
dependem, o grau de dependência em relação à lei não será sempre o
mesmo, como veremos a seguir.

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B.3.2. Classificação dos regulamentos em função do seu grau de


dependência em relação à lei. A sua admissibilidade constitucional

De acordo com o exposto no ponto anterior, podemos distinguir as


categorias de regulamentos que se seguem.
Começando pelos regulamentos executivos ou de execução, são
regulamentos que visam obviar deficiências involuntárias de expressão do
legislador. Presume-se, naturalmente, que o legislador quis ser claro e
preciso, mas não atingiu totalmente o resultado pretendido. Deste modo, o
Executivo, na sua tarefa de velar pela aplicação uniforme das normas
legislativas, vai ter de cobrir através da emissão de regulamentos de
execução — estes visam, então, impedir que, em virtude da imprecisão do
legislador, se instaurem expressões diferentes de serviço para serviço e de
caso para caso, contra os intuitos do legislador que desejou uma aplicação
uniforme das normas que emitiu.
Assim, podemos concluir que os regulamentos executivos visam
interpretar, esclarecer, precisar, pormenorizar e assegurar a aplicação
uniforme dos preceitos legais, limitando-se, como o próprio nome indica, a
realizar uma execução estrita da lei, não criando nada de novo em relação a
ela, nem lhe acrescentando seja o que for, a não ser na medida em que
estabelecem pormenores indispensáveis à sua boa aplicação (limitam-se a
repetir, de uma forma clara ou mais clara, as regras e preceitos de fundo
que o legislador editou).
Por sua vez, os regulamentos complementares são aqueles que
permitem à Administração completar as leis, nomeadamente aquelas que se
limitam a estabelecer um quadro legal amplo, podendo ser de dois tipos:
 Regulamentos complementares de desenvolvimento, pelos
quais a administração vai completar as leis que se limitam
estabelecer as bases gerais (as diretrizes para a regulamentação
de uma determinada matéria) — a Administração tem a faculdade
de inovar, uma vez que estabelece as regras que disciplinam
objeto em causa, sendo, contudo, uma inovação controlada (um
mero desenvolvimento), dado que a lei lhe fornece o fim e o
quadro normativo cuja lógica tem de respeitar;
 Regulamentos complementares integrativos, que utilizam o
quadro legal para regular situações especiais que não estejam
expressamente previstas.

Temos ainda os regulamentos autorizados ou delegados, aqueles em


que a Administração, autorizada pelo poder legislativo, a tua em vez do
legislador — situações em que o legislador se demite do exercício da função
legislativa e praticamente a delega na Administração. Ou seja, a lei, pelas
razões mais diversas, confere à Administração competência para, através
de comandos regulamentares, ser ela própria a fixar a disciplina normativa
de certas relações sociais.
Numa perspetiva de admissibilidade face à CRP, importa referir que o
artigo 112.º/6 determina que “nenhuma lei pode criar outra categoria de
atos legislativos ou conferir a atos de outra natureza o poder de, com
eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender o revogar
qualquer dos seus preceitos”. Interpretando este preceito literalmente,
qualquer um dos regulamentos suprarreferidos seria excluído; é por isso
que, de acordo com a maioria da doutrina, esta não será a única nem a mais
razoável das interpretações.

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No que concerne aos regulamentos executivos, o artigo em questão não


os proíbe, apenas se apresentando como reação contra os abusos a que
conduziu a prática legislativa de remeter para despachos ministeriais a
resolução de quaisquer dúvidas ou omissões suscitadas pela aplicação da
lei, que resultava, em alguns casos, num pretexto para interpretar as
normas legais ou integrar lacunas de uma forma que iria para além do
espírito da lei ou até mesmo contra ele — estes regulamentos, quando
elaborados pelo Governo, estão expressamente previstos no artigo 199.º/c)
da CRP.
Quanto aos regulamentos complementares, este preceito não é
conclusivo, embora aponte no sentido da sua admissibilidade. Assumindo
que os regulamentos complementares existem para completar as bases já
estabelecidas na lei, podemos dizer que esta tarefa está hoje atribuída aos
decretos-lei de desenvolvimento. Contudo, tendo em conta que os decretos-
lei de desenvolvimento complementam leis cujas bases ou princípios
constituem reserva de lei parlamentar, os regulamentos complementares de
desenvolvimento poderão continuar a existir, desenvolvendo domínios não
reservados à lei – em tais casos, devem assumir a forma de decretos
regulamentares.
Já os regulamentos complementares de integração, apesar de
aparentemente proibidos pelo artigo 112.º, devem considerar-se
admissíveis, desde que expressamente autorizados por lei, quando se
limitem adaptar o quadro legal a situações especiais (e só fora das zonas de
reserva de lei formal).
Os regulamentos autorizados ou delegados são diretamente atingidos
pelo preceito constitucional em questão, que os proíbe quando sejam
modificativos, suspensivos ou revogatórios, como se lê no texto do artigo.
Centremo-nos agora nos regulamentos independentes, cuja
característica essencial está no facto de não terem por detrás de si uma lei
específica que se destinam a regulamentar, consistindo, por isso, na
regulação primária ou inicial de certas relações sociais — regulamentos
independentes autónomos e regulamentos independentes do Governo.
Os regulamentos independentes autónomos, em sentido amplo, são as
normas administrativas emitidas por entes não estaduais no uso de poderes
de produção normativa primária, que encontram o seu fundamento e limite
na necessidade de prossecução das atribuições próprias ou concedidas a
esses entes públicos. Num sentido mais estrito, os regulamentos autónomos
consistem numa normação primária emitida pelos organismos da
Administração autónoma Como expressão da sua autoadministração e do
seu auto-governo.
Já os regulamentos independentes do Governo são aqueles que este
edita sem referência imediata a uma lei, não visando executar ou alterar o
conteúdo de uma norma legal anterior, consistindo na disciplina inicial de
certas relações sociais. Atualmente, abrangem também os regulamentos
emanados por autoridades reguladoras no exercício dos poderes que lhes
são concedidos por lei.
É importante referir que o CPA define os regulamentos independentes
no seu artigo 136.º/3 como “regulamentos que visam introduzir uma
disciplina jurídica inovadora no âmbito das atribuições das entidades que os
emitam”. Para além disso, este tipo de regulamentos pode entrar em
conflito com o princípio da precedência da lei, uma vez que no artigo
112.º/7 da CRP é dito que “os regulamentos devem indicar expressamente
as leis que visam regulamentar ou que definem a competência objetiva e
subjetiva para a sua emissão”.

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A articulação dos regulamentos independentes com a lei tem sido objeto


de diferentes posições na doutrina. Para uma primeira posição, defendida
por Vital Moreira, Gomes Canotilho e pelo Tribunal Constitucional, o referido
artigo deve ser entendido no sentido de a sua primeira parte se aplicar aos
regulamentos executivos e a segunda aos regulamentos independentes e
autónomos. Para esta posição, não pode existir poder regulamentar sem
fundamento numa lei prévia. No caso dos regulamentos independentes, tal
lei é aquela que define a competência objetiva (matéria a tratar) e subjetiva
(órgão com competência), mesmo que essa norma seja, em alguns casos, a
própria CRP (regulamentos emanados pelas RA e autarquias locais – artigos
227.º/1/d) e 241.º).
Para outra doutrina, não é possível identificar as leis que fixam a
competência objetiva do Governo, visto que a sua competência diz respeito
à satisfação de qualquer necessidade coletiva e não terá sentido uma
norma que especifique atribuições as do Estado numa sociedade como a de
hoje, em que o domínio político se estende tendencialmente a todas as
zonas da vida social. Para alguns (Afonso Queiró), O fundamento dos
regulamentos independentes do governo decorre do artigo 199.º/g): ao
determinar que cabe ao Governo praticar todos os atos e tomar todas as
providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social
e à satisfação das necessidades coletivas, o referido artigo pode ser
entendido como atribuindo, também, poderes regulamentares iniciais de
certa matéria — este preceito refere-se atos normativos (regulamentos) e
não a atos individuais e concretos (atos administrativos), funcionando como
uma espécie de “cláusula geral” de atribuição de competência
regulamentar ao Governo.
Para outros (Vieira de Andrade), o fundamento está no artigo 199.º/c),
decorrendo daí que se tratam de regulamentos que visam dinamizar a
ordem jurídica em geral – competência universal do Governo em matéria
regulamentar. Nessa medida, pode afirmar-se que a 2ª parte do artigo
112.º/7 confirma implicitamente uma exceção. Esta é contrabalançada pela
exigência de forma de decreto-regulamentar do Governo, implicando a
assinatura do PM e a promulgação pelo PR – só são admitidos fora do
domínio da reserva de lei.
Os regulamentos emanados pelas entidades administrativas
independentes devem ser admitidos apenas como regulamentos de
execução, devendo ser interpretados restritivamente, sob pena de
inconstitucionalidade das normas legais que lhes permitam ir mais além.

C. Fundamento do Poder Regulamentar

O poder regulamentar externo da Administração não é um poder


originário, mas um poder derivado, conferido pela Constituição ou pela lei —
trata-se de um poder que se baseia exclusivamente nas normas
constitucionais ou legais que, em cada caso, atribuem competência
regulamentar a dada autoridade administrativa. Se a Constituição ou a lei
nada disserem, a competência regulamentar não existe.
Já a competência regulamentar interna, que decorre do poder de
autorregulamentação e auto-organização da Administração, não carece de
autorização especial, pois entende-se que ela está institucionalmente
concedida, de um modo geral, às autoridades hierarquicamente superiores,
não sendo necessária disposição expressa da lei para que lhes seja
reconhecido.

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D. Limites do Poder Regulamentar

Na elaboração dos regulamentos administrativos, há que cumprir um


conjunto de regras e princípios de carácter material que determinam e
condicionam o conteúdo ou a disciplina neles contida — regime normativo
próprio dos regulamentos externos, artigos 135.º a 147.º do CPA.
A primeira regra que deve ser respeitada é a de que os regulamentos
não podem conter disciplina contrária aos preceitos de valor normativo
superior. Os regulamentos têm de respeitar não só a Constituição e as leis,
mas também os regulamentos do Governo e, no caso de regulamentos de
autarquias locais, têm ainda de respeitar os regulamentos das autarquias de
grau superior ou das autoridades com poder tutelar – artigo 241.º da CRP.
Em segundo lugar, os regulamentos estão sujeitos ao regime
constitucional geral sobre regulamentos – artigo 112.º da CRP – estando-
lhes igualmente vedadas as matérias constitucionalmente reservadas à lei.
Alguma doutrina defende um entendimento elástico deste princípio, no
sentido em que ele deve admitir compressões em matérias difusas, como
por exemplo a dos direitos, liberdades e garantias, a fim de se adaptar a
diversidade dos tipos de intervenção normativa.
Em terceiro lugar, estão proibidos os regulamentos com efeitos
retroativos, de acordo com o artigo 141.º do CPA, que determina que não
podem ser atribuídos efeitos retroativos aos regulamentos que imponham
deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, que causem prejuízos ou
restrinjam direitos ou interesses legalmente protegidos ou afetem as
condições do seu exercício, estando, assim, afastada a proibição dos
regulamentos que definam um regime mais favorável para os respetivos
destinatários.
Uma quarta regra determina que cada órgão com competência
regulamentar não pode invadir a competência de outras autoridades
administrativas (competência subjetiva) e deve prosseguir o fim que
determinou que lhe tenha sido atribuído aquele poder regulamentar
(competência objetiva).
Em quinto lugar, os regulamentos devem obediência aos princípios
gerais de direito administrativos plasmados na CRP (artigo 266.º) e no CPA
(artigos 3.º e seguintes), designadamente os princípios de
proporcionalidade, justiça, igualdade, imparcialidade, prossecução do
interesse público, participação, etc.
Em sexto lugar, os regulamentos que sejam necessários à execução da
lei ou de Direito da União Europeia não podem ser objeto de revogação, sem
que a matéria seja simultaneamente objeto de nova regulamentação
(artigos 137.º e 146.º do CPA). A intenção deste normativo vai no sentido de
evitar dar à Administração a possibilidade de, na prática, desaplicar certo
tipo de leis – defesa da legalidade e segurança jurídica. Os regulamentos
devem mencionar especificamente as normas regulamentares que revogam,
como diz o artigo 146.º/4, visando assim garantir a certeza, clareza e paz
jurídicas relativamente às dificuldades que existem no que toca à
aplicabilidade de normas que se sucedem no tempo.
Para evitar situações de vazio normativo, o artigo 145.º/2 do CPA estatui
que os regulamentos caducam por força da revogação da lei que visam
executar, exceto na parte ou na medida em que sejam compatíveis com a
nova lei e enquanto não for aprovado novo regulamento.
Uma das mais importantes regras aplicáveis aos regulamentos
administrativos externos é regra de inderrogabilidade singular dos
regulamentos. Esta diz que a Administração não pode revogar, por via

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individual e concreta, os regulamentos administrativos que ela própria criou


enquanto não forem banidos da ordem jurídica — eles têm de ser acatados
pelas autoridades administrativas, incluindo o seu próprio autor (artigo
142.º/2).

E. Hierarquia e Aplicação dos Regulamentos

Antes de mais, refira-se que os regulamentos devem ser emanados no


respeito pelas atribuições das pessoas coletivas responsáveis pela sua
elaboração e aprovação — princípio da atribuição o princípio da
competência. Assim, quando estão em causa competências concorrentes,
apenas faz sentido o estabelecimento de uma hierarquia entre
regulamentos governamentais e regulamentos de autarquias locais ou
outras entidades dotadas de autonomia regulamentar (artigo 138.º/1 do
CPA).
Dispõe o referido artigo que os regulamentos governamentais
prevalecem sobre os regulamentos autárquicos e das demais entidades
dotadas de autonomia regulamentar, salvo se estes configurarem normas
especiais, determinando ainda que os regulamentos municipais prevalecem
sobre os regulamentos das freguesias, salvo se estes configurarem normas
especiais – cfr. artigo 241.º da CRP.
De acordo com a doutrina, este preceito não deve ser interpretado no
sentido de estabelecer uma relação hierarquia automática entre os
regulamentos aludidos. Em matérias de concorrência de atribuições e
competências governamentais com atribuições e competências autárquicas,
a prevalência deve ser avaliada caso a caso, em função das normas de
competência, tendo em conta os princípios da subsidiariedade, da
autonomia local e da descentralização administrativa, valendo nestes casos
os princípios de cooperação e de coordenação de interesses nacionais e
locais. No que respeita a regulamentos provenientes de órgãos colocados
entre si numa relação de hierarquia ou de superintendência, os
regulamentos de autoria dos órgãos subalternos ou superintendidos não
podem contrariar os regulamentos emanados pelos superiores ou
superintendentes sobre matéria que seja de atribuição e competência
comum. No que diz respeito aos regulamentos do Governo, há que
considerar o disposto no artigo 138º/3 do CPA. Em caso de conflito na
aplicação dos vários regulamentos, ele deve ser resolvido de acordo com a
regra da prevalência dos regulamentos de eficácia territorial mais ampla.

F. Procedimento Regulamentar

Sem prejuízo de leis especiais que regem procedimentos de formação


dos diversos regulamentos, a nível local ou setorial, o CPA estabelece agora
regras gerais relativas ao procedimento regulamentar. Nessa
regulamentação identifica-se, desde logo, um conjunto de regras comuns ao
procedimento de formação dos atos e dos regulamentos administrativos
(Título I da Parte III do CPA – artigos 53.º e seguintes).
No que diz respeito ao procedimento do regulamento administrativo
(artigos 97.º a 101.º do CPA), a regulamentação não difere da do anterior
código, sendo a principal inovação a que se prende com audiência dos
interessados e a consulta pública, que deixam de ser objeto de uma
normação meramente genérica com remissão para uma lei-quadro,

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passando a ser diretamente disciplinados respetivamente nos artigos 100.º


e 101.º.
Refira-se a novidade introduzida pelo novo CPA ao impor, no artigo 99.º,
que da nota justificativa do projeto de regulamento conste uma ponderação
dos custos e benefícios das medidas projetadas e ainda obrigação de
publicitação do início do procedimento (artigo 98.º).
É importante destacar a introdução do Capítulo I da Parte IV do CPA, que
regula os regulamentos externos (artigo 135.º), para os quais vale o
princípio da inderrogabilidade singular (artigo 142.º/2). São também
reguladas a exigência de habilitação legal para a emissão de regulamentos
e a problemática dos regulamentos independentes (artigo 136.º), a
disciplina do prazo para a aprovação, as consequências da omissão e a
disciplina das relações entre regulamentos (artigos 137.º e 138.º), a eficácia
retroativa dos regulamentos (artigo 141.º), a invalidade e o regime de
invalidade do regulamento (artigos 143.º e 144.º), a caducidade dos
regulamentos (artigos 145.º), a revogação de regulamentos (artigo 146.º) e
a impugnação administrativa de regulamentos (artigo 147.º).

A Atividade da Administração – O Ato Administrativo

A. Conceito
A.1. Considerações iniciais

No século XIX, apenas se fazia uma precisão para definir o conceito de


ato administrativo: de toda atuação concreta dos órgãos administrativos, só
não seriam atos administrativos aqueles que fossem praticados ao abrigo do
Direito Privado. Vimos em Direito Administrativo I que, no século XIX, havia
um clima de desconfiança na Administração, reduzindo-se a atividade desta
a uma atividade estritamente executiva. Surge, então, o conceito de ato
administrativo como um ato de um órgão da Administração ao abrigo do
Direito Público.
Com a entrada no século XX e a crescente intervenção da
Administração, o critério teve de ser “restringido”, passando a designar-se
como ato administrativo “o ato de autoridade praticado para a prossecução
de interesses públicos” – ainda que não apresentasse uma grande distinção
em relação ao passado, permitia já distinguir algumas figuras afins: atos de
Direito Privado, contratos administrativos e ações materiais da
Administração.
A doutrina foi também aceitando pacificamente a distinção dos atos
administrativos relativamente aos regulamentos, em face do carácter
normativo (geral e abstrato) destes últimos, em contraposição ao caráter
tipicamente individual e concreto do ato administrativo.
Passou, assim, a admitir-se um conceito amplo de ato administrativo
como o ato jurídico (por contraposição às ações materiais) unilateral (por
oposição aos contratos) e concreto (distinto dos regulamentos) subordinado
ao Direito Público (distinguindo-se dos atos de Direito Privado).

A.2. Evolução do conceito

A intenção inicial na busca de um conceito de ato administrativo – ou


seja, de identificar a forma de atuação administrativa que tipicamente se
apresentava como instrumento privilegiado de autoridade para a
prossecução de interesses públicos – assumia um importante relevo em

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matéria de proteção jurisdicional dos particulares em face da Administração,


já que, durante muito tempo, a única garantia dos particulares contra a
Administração passava pelo recurso contencioso contra o ato
administrativo.
Atualmente, o ato administrativo não tem a função central que outrora
lhe fora reconhecida. No contexto geral da atuação administrativa, os
regulamentos e os contratos administrativos assumem um crescente relevo,
a par de outras formas de atuação. Na dogmática administrativa, o
procedimento e a relação jurídica administrativa ganharam relevo. No
âmbito da garantia dos interessados, a garantia jurisdicional efetiva dos
particulares perante a Administração é plena, não estando limitada à
impugnação do ato administrativo.
Ainda assim, adaptado a novas realidades, o ato administrativo continua
a ter um papel relevante em sistemas como o nosso, de administração
executiva, sendo a principal forma de atuação administrativa, em termos
procedimentais.
A doutrina e a jurisprudência tradicionais em Portugal recorriam a um
conceito substantivo do ato administrativo – em sentido amplo: “ato
voluntário e unilateral, praticado por um órgão da Administração, no
exercício de poderes administrativos, produzindo efeitos jurídicos sobre uma
situação individual num caso concreto”. A par deste, utilizavam um conceito
adjetivo ou processual – ato administrativo recorrível: o ato administrativo
definitivo (horizontal ou procedimental, material ou substancial e vertical ou
competencial) e executório (o que provoca lesão).
A crítica à conceção tradicional dirige-se ambos os conceitos. No que diz
respeito ao conceito substantivo, entendeu-se que este era demasiado
amplo, refletindo incoerência e heterogeneidade, ao abranger atos com
características muito distintas. Relativamente ao conceito restrito de ato
administrativo, além de ser um conceito meramente adjetivo, era uma fonte
de grande confusão, ao abranger realidades totalmente diversas — além de
ser discutível, por limitar a impugnação contenciosa aos “atos definitivos”,
parecendo esquecer que os não definitivos também podiam lesar direta e
imediatamente a esfera jurídica dos cidadãos.
Daí que parte da doutrina portuguesa, nomeadamente Rogério Soares,
Sérvulo Correia e Vieira de Andrade, passasse a defender um conceito
distinto de ato administrativo: um conceito unitário que, sendo mais estrito,
refletia simultaneamente o interesse prático da noção, que era o de
identificar os atos administrativos aos quais se aplicaria a garantia
constitucional e legal do recurso contencioso de anulação.

A.3. Relevo atual da busca de um conceito de ato administrativo

Embora não tenho relevo que já assumiu noutras épocas, continua a


justificar-se a busca de um conceito de ato administrativo restrito
(substantivo) que abranja apenas, mas todos, os atos principais da
administração, isto é, as suas decisões dotadas de especial força jurídica
que definem, de forma unilateral, a esfera jurídica dos particulares. Trata-se,
então, de um conceito de ato administrativo que, não coincidindo nem com
o de “ato impugnável” nem com o de “ato principal do procedimento”,
justifica a existência de um regime substancial próprio tendencialmente
unitário, global e coerente, do ponto de vista:
 Procedimental – com o estabelecimento de especiais cautelas,
designadamente do ponto de vista da participação dos
interessados;

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 Da força jurídica de que são dotados – obrigatória e executiva;


 Da especial estabilidade de que gozam – força de caso decidido,
limites à revogação, etc.

Desde 1991, a definição (substantiva) de ato administrativo constante


do CPA define este como “as decisões da Administração que ao abrigo de
normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação
individual e concreta” – esta definição foi alterada em 2015, com o novo
CPA, acrescentando a exigência de que os efeitos produzidos sejam
externos (artigo 148.º). Porém, esta definição poderá suscitar divergências
interpretativas, devendo ser entendida para “efeitos do disposto no
presente Código”.
Já o CPTA pressupõe, no artigo 51.º, um conceito de ato administrativo
de cariz adjetivo, definindo-o como ato lesivo – hoje em dia, o ato
impugnável abrange todas as decisões praticadas no exercício de poderes
jurídico-administrativos que visem produzir efeitos em situações individuais
e concretas.
Destes conceitos podemos deduzir semelhanças e diferenças, como
podemos ver:
 Semelhanças:
 Excluem os atos meramente preparatórios, os atos de
comunicação e os atos de pura execução;
 Incluem os atos destacáveis – atos que, inseridos num
procedimento, produzem autonomamente efeitos externos;

 Diferenças:
 Um ato administrativo não eficaz, sendo um verdadeiro ato
administrativo, nem sempre é imediatamente impugnável (artigo
54.º do CPTA);
 O indeferimento expresso, sendo ato administrativo do ponto
de vista substancial, não é diretamente impugnável (a sua
eliminação da ordem jurídica é feita pela via da condenação à
prática do ato devido – artigo 66.º do CPTA);
 As decisões materialmente administrativas de outros poderes
públicos ou entidades privadas são impugnáveis, mas não são
substancialmente atos administrativos (artigo 51.º/1 do CPTA).

A.4. Conceito defendido (Rogério Soares)

Para Rogério Soares, o ato administrativo é visto como uma estatuição


autoritária que define a situação jurídica dos particulares no caso concreto.
É um ato que produz efeitos jurídicos externos, por oposição àqueles que
esgotam a sua eficácia no interior da Administração, criando, modificando
ou extinguindo situações jurídicas. Com efeito, Rogério Soares dá a seguinte
definição: o ato administrativo é uma “estatuição autoritária, relativa a um
caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de
poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos
externos, positivos ou negativos”.
Podemos, então, decompor a definição em várias partes:
 Estatuição autoritária: comando autoritário, dotado de
imperatividade e vinculatividade, destinado a regular
imediatamente situações jurídicas de forma unilateral – a
unilateralidade é consequência necessária da autoridade da
Administração. É uma vertente inovadora do Direito (inova a

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ordem jurídica, de forma favorável ou desfavorável), sob a forma


de uma declaração, dotada de supremacia, destinada a fixar o
que é ou não o Direito, para o particular ou outras entidades
administrativas. Excluem-se:
o Atos de Direito Privado – não são comandos autoritários;
o Declarações negociais – não são unilaterais;
o Notificações e comunicações – dão a conhecer estatuições
autoritárias, não sendo elas próprias uma;
o Atos de execução – atos que se limitam a tirar
consequências de um ato anterior, que contém a
estatuição autoritária;
o Atos meramente opinativos ou informativos – a
Administração expõe ou declara o seu entendimento acerca
de determinada questão de facto ou de Direito que lhe é
apresentada;
 Apesar de não serem considerados atos administrativos,
admite-se excecionalmente a impugnação contenciosa
de atos de execução (por vícios próprios) – artigos
182.º/1 do CPA e 53.º/3 do CPTA;
o Atos confirmativos – atos que se limitam a repetir um ato
anterior, não inovando a ordem jurídica;
 Admite-se impugnação contenciosa, excecionalmente,
quando o ato administrativo que aquele confirma não
tiver sido notificado ao interessado (artigos 53.º/2 e
59.º/2 e 3 do CPTA);
 Para Rogério Soares, os atos confirmativos não podem
sequer ser considerados atos administrativos. Importa
notar a relevância da problemática do artigo 13.º/2 do
CPA, onde de se termina o modus operandi de um
órgão administrativo que seja solicitado a responder
na sequência de um assunto que lhe seja apresentado
pelos particulares. A questão prende-se com a
necessidade de saber se, passados os dois anos, a
Administração responder da mesma forma que na
primeira decisão, esta segunda decisão deverá ou não
ser considerada um ato confirmativo – Vieira de
Andrade defende, relativamente a determinados tipos
de atos, a impugnabilidade das decisões de
reapreciação, que não serão assim confirmativas;
 Estatuição autoritária (continuação): não se excluem desta
noção os:
o Atos implícitos – atos não abertamente declarados (não
formalmente externados), mas que resultam
implicitamente de ações materiais da Administração ou de
outros atos administrativos (diferentes são os atos tácitos
[não abertamente declarados, mas pressupostos
necessários de outros expressamente declarados] e os atos
concludentes [praticados no âmbito de um procedimento
por a Administração ter proferido uma decisão expressa
noutro sentido no âmbito de um outro procedimento]). O
artigo 177.º/1 do CPA limita a prática dos atos
administrativos implícitos;
o Atos necessitados de colaboração (aqueles que só
produzem efeitos se houver aceitação do particular) – uma

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vez que a aceitação é uma mera condição de eficácia do


ato administrativo já tomado e não um seu requisito
constitutivo;
o Atos devidos – a Administração tem um mínimo de poderes
discricionários, não podendo recusar a prática do ato,
sendo que, no entanto, é por via do mesmo, e não por força
da lei, que resulta a definição jurídica da situação do
particular (v.g. liquidação do imposto);
o Avaliações ou verificações constitutivas (v.g. passagem de
certidão de conclusão de licenciatura).

 Relativa a um caso (individual e) concreto: permite


estabelecer a diferença entre ato e regulamento – o primeiro
refere-se a um número indeterminado de casos (é abstrato) e de
pessoas (geral), enquanto o segundo se destina a uma situação
concreta e a um destinatário determinado ou determinável – os
atos gerais e os atos abstratos são considerados regulamentos; os
atos reais e os atos coletivos são atos administrativos.

 Praticada por um sujeito de Direito Administrativo: o ato


administrativo tem de ser praticado por um sujeito de Direito
Administrativo (v.g. órgão do Estado, RA ou autarquia local, IP,
EPE, etc.). Incluem-se os atos praticados por entidades
administrativas privadas e por sujeitos privados com poderes
públicos administrativos (v.g. concessionários – artigo 4.º/1/d) do
ETAF). Excluem-se os atos dos sujeitos públicos não
administrativos (v.g. PR, AR, tribunais), embora os respetivos atos
materialmente administrativos sejam equiparados a atos
administrativos para efeitos de impugnação contenciosa (artigo
24.º do novo ETAF) e certos efeitos do seu regime substantivo
(cfr. artigos 4.º/1/c) do ETAF e 51.º/1 do CPTA).

 No uso de poderes de Direito Administrativo: excluem-se os


atos praticados no exercício de outras funções do Estado
(exemplo paradigmático do Governo), sendo diferente ainda dos
atos administrativos sob forma legislativa (cfr. artigo 268.º/4 da
CRP). Excluem-se igualmente os atos de Direito Privado.

 Destinado a produzir efeitos jurídicos externos, positivos


ou negativos: excluem-se os atos meramente internos
(preparatórios), dado que esgotam a sua eficácia no interior da
Administração, não produzindo efeitos no ordenamento jurídico
geral (v.g. atos instrumentais). Os atos podem ter efeitos
positivos – constituem, modificam ou extinguem relações
intersubjetivas ou afetam a situação jurídica de uma coisa
(produzem alterações no ordenamento jurídico) – ou negativos –
quando, instada a agir, a Administração se recusa a introduzir
alterações na ordem jurídica.

A.5. Exclusão dos atos instrumentais

Como vimos em cima, a definição proposta leva a que os atos


instrumentais sejam excluídos da noção de ato administrativo – apesar de
serem atos jurídicos concretos, regulados pelo Direito Administrativo, não se

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destinam a satisfazer imediatamente o interesse público concreto. Tendem a


desempenhar uma função ancilar em relação ao ato administrativo, em
torno do qual “gravitam”: pretendem ajudar à sua preparação, ao
desencadear da sua eficácia ou a dar deles conhecimento aos seus
destinatários. Em regra, produzem efeitos meramente internos, embora
também possam produzir efeitos externos (v.g. comunicações, publicações
ou notificações).

A.6. Confronto entre a posição adotada e o conceito do CPA

Comparando a noção que acabámos de analisar com a que consta do


CPA, diremos que as diferenças não são significativas. Durante anos, a
diferença mais relevante era a ausência de referência expressa à produção
de efeitos externos, cuja consequência era a não distinção entre atos
meramente instrumentais e atos administrativos. Esta ausência foi superada
com o novo CPA, cujo artigo 148.º já refere estes efeitos. Ainda assim,
façamos uma análise do preceito.
O CPA qualifica o ato administrativo como uma “decisão”, precisamente
no sentido de uma estatuição que é necessariamente reflexo dos poderes
autoritários de que goza a Administração – um comando destinado a
disciplinar inovatoriamente situações ou relações jurídicas.
Em seguida, diz-se que tais decisões são emanadas no exercício de
poderes jurídico-administrativos, englobando, deste modo, decisões
“praticadas por um sujeito de direito administrativo”, a par das praticadas
por entidades privadas que disponham de poderes públicos administrativos
e das materialmente administrativas dos poderes públicos não
administrativos.
Em relação aos efeitos dos atos administrativos, como vimos acima,
existe agora uma referência explicita aos mesmos, sendo estes destinados a
produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros (particulares ou públicos) –
afasta-se a mera eficácia interna.
Por último, o CPA esclarece que a produção de efeitos em causa se
refere a uma “situação individual e concreta”, afastando-se os atos gerais e
os atos abstratos – interpretação em sentido estrito (noção procedimental
de ato administrativo – vale apenas “para efeitos do disposto no presente
Código”).

A.7. Considerações conclusivas

Tendo em consideração o suprarreferido, aceita-se aqui um conceito


restrito de ato administrativo: ato de Direito Público, jurídico, de autoridade,
concreto e externo – todos e apenas os atos principais da Administração.
Ainda que este conceito não tenha como propósito identificar os atos
sujeitos a controlo jurisdicional, permite identificar aqueles atos que, pelo
seu conteúdo (por constituírem decisões de autoridade constitutivas de
efeitos jurídicos), impliquem um determinado procedimento de formação e
possam gozar de uma especial força jurídica (executiva) e estabilidade
(designadamente, o ónus de impugnação e a força de caso decidido).

B. Funções do Ato Administrativo

Os atos administrativos possuem um conjunto de funções, entre elas:

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 Função tituladora: é um título, ao qual se liga a produção de


efeitos jurídicos específicos, no qual se baseia diretamente uma
execução;
 Função definitória: define autoritariamente relações jurídicas,
criando, modificando ou extinguindo situações jurídicas;
 Função procedimental: o ato surge como o momento principal
de um procedimento administrativo (não correspondendo
necessariamente ao ato final);
 Função estabilizadora: consolida-se, mesmo que ilegal (e não
nulo), assegurando-se uma auto-vinculação da Administração e
uma limitação dos poderes de revogação;
 Função processual: suscetíveis de impugnação contenciosa –
garantia constitucional e legal de intervenção fiscalizadora dos
tribunais.

C. Novas Roupagens dos Atos Administrativos

Como resultado das diferentes e complexas situações que são objeto de


regulamentação administrativa, os atos administrativos vêm assumindo,
cada vez mais, aparências diferentes – exemplo das pré-decisões ou atos
administrativos intermédios, praticados a propósito de decisões
administrativas mais complexas que exigem procedimentos fracionados ou
faseados.
Distinguem-se aqui duas categorias:
 as decisões ou atos administrativos prévios, que decidem de
forma antecipada uma pretensão que será objeto de um
procedimento mais completo, muitas vezes posterior, e que
contêm uma decisão final sobre questões isoladas de que
depende a prática do ato “global” (normalmente, uma
autorização);
 as decisões ou atos administrativos parciais, que são
decisões finais relativas a uma parte do objeto em apreciação
(também aqui, normalmente, referido a uma autorização) e que
têm em si mesmo um caráter permissivo, embora circunscrito à
parte da decisão final que já foi objeto de apreciação.

Têm também realce, neste âmbito, os atos provisórios (cujos efeitos


dependem de uma futura pronúncia definitiva) e os atos precários (em que
a Administração salvaguarda o poder de definir de maneira diferente a
situação em causa – é o caso da reserva de revogação que veremos mais à
frente), que têm a sua estabilidade jurídica enfraquecida pelo facto de se
encontrarem sujeitos a reapreciação, uma vez verificados determinados
pressupostos. Assim, não são atos constitutivos de direitos ou de interesses
legalmente protegidos.

D. Definitividade do Ato Administrativo


D.1. Doutrina e jurisprudência tradicionais

Como vimos aquando do estudo do conceito adjetivo de ato


administrativo, a propósito da conceção de ato administrativo para a
doutrina e jurisprudência tradicionais, a definitividade era um dos dois
elementos definidores do conceito estrito (ou adjetivo) do ato – isto é, para
efeitos de recurso contencioso.

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Com o conceito de ato definitivo pretendia-se afastar a possibilidade de


impugnação contenciosa de todos aqueles atos da Administração que não
lesassem diretamente os particulares, refletindo esta noção o resultado
prático de subordinar a recurso contencioso os atos que implicassem uma
lesão direta e atual de um administrado (atos administrativos por
excelência).
Para a doutrina, as características da definitividade seriam,
simultaneamente, procedimentais, competenciais e substanciais, no
seguinte sentido:
 Definitividade em sentido horizontal ou procedimental –
para ser definitivo, teria de ser um ato “final”, no sentido de pôr
termo a um procedimento ou a um seu incidente autónomo.
Como veremos aquando do estudo do procedimento
administrativo, o ato surge como momento principal de um
determinado procedimento. Deste modo, apenas seria um ato
definitivo o ato final, sendo os atos preparatórios da decisão final,
os atos posteriores ou complementares e os atos de execução
considerados atos não definitivos;
 Definitividade em sentido material ou substancial – a
definitividade corresponderia à definição da situação jurídica dos
particulares ou da Administração, fixando os respetivos direitos
e/ou deveres. Assim, atos que definissem situações jurídicas
seriam atos definitivos, independentemente de estarem sujeitos a
condições suspensivas ou a termo inicial ou postos em execução
a título experimental – está em causa o conteúdo do ato
administrativo;
 Definitividade em sentido vertical ou competencial – está
em causa a localização do órgão autor do ato no âmbito da
estrutura hierárquica da Administração. Seriam atos definitivos os
praticados por um órgão que tivesse o poder de proferir a “última
palavra” – órgãos supremos, independentes ou que, embora
subalternos, dispusessem de uma competência exclusiva na
matéria – sendo, deste modo, passíveis de recurso imediato para
tribunal. Os atos não verticalmente definitivos necessitavam de
uma impugnação administrativa prévia (recurso hierárquico
necessário, por exemplo) para que a via judicial pudesse ser
aberta.

D.2. Crítica à conceção tradicional de definitividade

Como vimos antes, o conceito de definitividade foi considerado como


fruto de grande confusão, ao englobar três momentos muito relevantes,
mas diferentes entre si, da teoria do ato administrativo. Para autores como
Rogério Soares, que defendiam um conceito mais estrito do ato, não fazia
sentido um conceito tão abrangente e confuso de definitividade, que
acabava por absorver algumas vertentes da própria noção do ato
administrativo. Com efeito, sendo o ato administrativo produtor de efeitos
jurídicos externos, regulando uma situação jurídica tutelada pelo Direito
Administrativo, ele definiria necessariamente uma situação jurídica entre a
Administração e um terceiro, não havendo necessidade de um conceito de
definitividade material.
Também o conceito de definitividade horizontal se encontrava, em
parte, incluído na noção, já que os atos instrumentais não são estatuições
autoritárias, na medida em que não contém um comando destinado a

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produzir imediatamente efeitos jurídicos. Para além disso, esta categoria


causava certas dúvidas, forçando a considerar como definitivos atos que,
em rigor, não o eram. É o caso dos “atos destacáveis”, que implicam uma
resolução final para certa pessoa, excluindo-a do procedimento. Deste
modo, vemos a imprestabilidade do conceito – existem atos que não
encerram um procedimento, mas que afetam direta e imediatamente os
direitos ou interesses legítimos dos administrados, tendo que se admitir a
possibilidade da respetiva impugnação junto de um tribunal administrativo.

D.3. Definitividade meramente vertical

A doutrina aqui referida, em que se incluem Rogério Soares, Vieira de


Andrade e Sérvulo Correia, não fazia uso deste conceito como distinção
entre duas categorias diferentes de atos administrativos, mas sim como
forma de distinção, a nível processual, entre regimes de impugnação: os
atos definitivos seriam passíveis de impugnação contenciosa direta ou
imediata, enquanto os atos não definitivos estariam sujeitos a recurso
hierárquico necessário, após o qual a garantia contenciosa se tornaria
efetiva e atual, sendo então passíveis de impugnação para tribunal.
Para além disso, tratava-se de definitividade exclusivamente vertical ou
competencial: para determinar se o ato era, ou não, definitivo teria apenas
de se analisar quem era o seu autor e no uso de que tipo de competência o
havia praticado – se se tratasse de órgão supremo ou independente, o ato
seria sempre definitivo, por não existir superior hierárquico; se se tratasse
de um órgão subalterno, o ato seria definitivo se se tratasse de uma
competência exclusiva do mesmo ou de uma delegação de poderes. Não
são definitivos os atos praticados ao abrigo de uma competência
concorrente ou praticados por subalterno ao abrigo de uma delegação de
poderes se o ato, praticado pelo delegante, não fosse definitivo.
O facto de os atos não definitivos estarem sujeitos a recurso hierárquico
necessário é benéfica para o destinatário, dado que: a interposição do
mesmo suspende a eficácia do ato (artigo 189.º/1 do CPA); existe a
possibilidade de o superior hierárquico anular o ato com base em vícios de
mérito; é de fácil interposição, rápida e barata; obriga uma autoridade
administrativa mais qualificada a pronunciar-se sobre o caso. Para além
disso, tal tipo de recurso, suspende o prazo para a interposição de
adequada ação judicial, que só começa a contar após a decisão do superior
hierárquico.
Por outro lado, o recurso hierárquico facultativo apresenta menos
vantagens, mão suspendendo, por regra, a eficácia do ato (cfr. artigo
189.º/2 do CPA), ainda que suspenda o prazo para a interposição da
correspondente impugnação contenciosa (artigo 190.º/3 do CPA).

D.4. Definitividade, CRP e o novo regime do contencioso


administrativo

Com a alteração do texto da CRP em 1989, o artigo 268.º/3 deixa de


fazer referência a recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade,
contra atos administrativos definitivos, passando a ler-se uma formulação
similar ao atual artigo 268.º/4. Passou a defender-se, deste modo, que o
pressuposto processual para o recurso contencioso teria passado a ser a
lesão de direitos ou interesses dos particulares e não a definitividade.
Assim, mesmo que um ato tivesse sido praticado por um subalterno no uso
de competências concorrentes, ele seria imediatamente impugnável,
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assumindo que lesava os direitos ou interesses legítimos dos particulares.


Prontamente, os seguidores desta doutrina passaram a defender a
inconstitucionalidade das normas que continuavam a prever o recurso
hierárquico, dado que atrasavam as garantias dos particulares.
Por oposição a esta doutrina, Vieira de Andrade e outro setor importante
da doutrina, recusavam a inconstitucionalidade da situação suprarreferida.
Para este autor, o que decorre do texto constitucional é a suscetibilidade de
todos os atos administrativos serem impugnados contenciosamente, o que
não é o mesmo que admitir a sua impugnação contenciosa direta. Deste
modo, o direito à impugnação contenciosa não é negado pela necessidade
de interposição prévia de recurso hierárquico – todos os atos são suscetíveis
de impugnação contenciosa, só que de uns (os definitivos) poderia recorrer-
se diretamente, enquanto que de outros (os não definitivos) só se poderia
recorrer depois de se ter interposto recurso prévio para o superior
hierárquico. Esta situação não é uma desvantagem, dado que o acesso
posterior ao tribunal não é excluído, só podendo ser considerada
inconstitucional se prejudicasse de forma intolerável ou irrazoável o direito
ao recurso contencioso, o que não acontece.
O CPTA determina, como regra geral, a desnecessidade de impugnações
administrativas prévias para se aceder à via contenciosa (cfr. artigos 51.º e
59.º/4 e 5), mantendo-se estas apenas quando leis especiais expressamente
as exijam. Esta regra veio a ser confirmada pelo novo CPA no artigo 185.º/2.
Assim, inverteu-se a lógica vigente durante anos: agora, o recurso
hierárquico passa a ser facultativo, sendo a impugnação contenciosa
possível desde início, exceto se houver previsão legal expressa em sentido
contrário (cfr. artigo 3.º do Decreto-Lei n.º4/2015). Esta solução tem a
vantagem de tornar desnecessária a identificação, muitas vezes difícil de
determinar, do tipo de competência (exclusiva ou concorrente) que havia
estado na base da atuação do órgão subalterno.
Note-se ainda a novidade de as impugnações administrativas
(necessárias e facultativas) suspenderem o prazo de impugnação
contenciosa (o que não é o mesmo que suspender a eficácia do ato, que só
acontece no recurso administrativo necessário).
E. Classificação dos Atos Administrativos

A nível da classificação de atos administrativos, sem prejuízo de outras


classificações, podemos distinguir:
 Atos que influem sobre um status: podem influir sobre um
estatuto real (classificação de um bem) ou sobre um estatuto
pessoal (conjunto ordenado de direitos e deveres), podendo
distinguir-se três subcategorias:
o Atos que criam um status (admissões: nomeações,
matrículas, admissão de um doente num hospital, etc.);
o Atos que modificam um status (promoção, suspensão ou
transferência de um funcionário);
o Atos que extinguem um status (demissão, expulsão, alta do
doente, etc.).

 Atos que provocam situações de desvantagem:


o Atos ablatórios – que suprimem, comprimem ou retiram
direitos ou faculdades;
o Atos impositivos – ordens que impõem obrigações de
conteúdo positivo (comandos) ou negativo (proibições);

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o Atos de indeferimento – recusa da prática do ato favorável


requerido.

 Atos que desencadeiam benefícios para terceiros ou atos


que provocam situações de vantagem:
o Concessões – domínio próprio de atuação da
Administração: exercício de poderes próprios da
Administração ou criação, reservada a esta, de situações
de especial benefício para os particulares;
o Autorizações – por iniciativa do interessado, visam remover
um limite imposto pela lei ao exercício de uma atividade
fora do domínio administrativo da entidade autorizante
(própria da esfera do destinatário da autorização).

As concessões e a as autorizações são uma matéria que importa


analisar, no âmbito da classificação dos atos administrativos. No que toca às
conceções, podemos apontar dois grandes tipos: as conceções translativas
e as conceções constitutivas. Nas primeiras, verifica-se a transmissão para o
concessionário de poderes administrativos já existentes na titularidade da
Administração concedente, passando a ser exercidos por particulares
sujeitos a poderes de controlo e fiscalização por parte da autoridade
administrativa. Já no segundo caso, a entidade concedente cria ex novo
poderes ou direitos de que a Administração não pode ser titular, mas que só
ela pode criar em favor de terceiros, implicando, em regra, uma restrição ou
compressão de poderes públicos.
No que às autorizações diz respeito, elas assumem relevo distinto
consoante surjam no domínio das relações entre a Administração e os
particulares ou no domínio das relações entre órgãos administrativos.
Nas relações entre a Administração e os particulares, vamos encontrar
as dispensas, as autorizações constitutivas de direitos (autorizações-licença)
e as autorizações permissivas (autorizações propriamente ditas).
As primeiras são atos através dos quais a administração remove um
dever especial, relativo a uma atividade estritamente proibida ou imposta
por lei, dever esse a que não corresponde um direito da Administração
(diferente da renúncia – se houver um direito da Administração – e da
isenção – o afastamento do dever decorre diretamente da lei) – v.g. licença
de porte de arma.
As autorizações constitutivas de direitos (autorizações-licença), como o
nome indica, constituem direitos em favor dos particulares em áreas de
atuação sujeitas pela lei a proibição preventiva.
Por último, as autorizações propriamente ditas (autorizações
permissivas) são atos administrativos através dos quais a Administração vai
permitir o exercício pelos particulares de atividades correspondentes a um
direito pré-existente, condicionado pela lei.
Conclui-se, deste modo, que a distinção entre autorizações constitutivas
e permissivas passa pelo maior ou menor constrangimento que a lei faça à
atividade do particular, respetivamente. Importa aqui fazer a distinção entre
atividades privadas em regra proibidas, onde a autorização é a exceção
(autorização-licença), e atividades privadas preventivamente proibidas,
onde a autorização é o desfecho normal do procedimento, já que a intenção
da lei não é afastar o desenvolvimento da atividade, mas sim verificar
previamente o cumprimento de determinados requisitos fixados por lei
(autorização permissiva).

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O facto de a autorização configurar um controlo preventivo não exclui


controlos sucessivos (verificar se a atividade está a ser desenvolvida nos
termos autorizados e/ou se mantêm os requisitos exigidos para o exercício
da atividade): a autorização origina uma relação jurídica continuada entre a
Administração Pública e a entidade autorizada.
No contexto da autorização figuram a mera comunicação prévia e a
comunicação prévia com prazo (artigo 8.º/2/b) do Decreto-Lei n.º 92/2010,
de 26 de julho, que transpõe para o ordenamento jurídico português a
Diretiva de Serviços). Com efeito, a mera comunicação prévia é “uma
declaração efetuada pelo prestador de serviços necessária ao início da
atividade, que permita o exercício da mesma imediatamente após a sua
comunicação à autoridade administrativa”, sendo a comunicação prévia
com prazo “uma declaração efetuada pelo prestador de serviços necessária
ao início da atividade, que permita o exercício da mesma quando a
autoridade administrativa não se pronuncie após o decurso de um
determinado prazo”.
Nas relações entre órgãos administrativos, vamos encontrar as
autorizações constitutivas de legitimação e as aprovações. As primeiras
conferem a um órgão a possibilidade de praticar, num caso concreto, um
ato (administrativo ou instrumental) para o qual já é competente – função
de controlo preventivo. Esta autorização é condição de validade do ato, já
que, sem autorização, o órgão autorizado não tem legitimação para a
prática do ato, ainda que seja competente.
Já as aprovações são autorizações permissivas que têm por objeto atos
cuja eficácia desencadeiam, ou seja, visam desencadear a produção de
efeitos de um ato (condição da eficácia de um ato). A falta de aprovação
gera a ineficácia do ato, como veremos.
 Atos que operam sobre atos administrativos precedentes
ou atos administrativos de segundo grau: atos que têm por
objeto atos administrativos anteriormente praticados. Podemos
distinguir os seguintes:
o Atos que visam destruir, fazer cessar ou suspender a
eficácia de atos administrativos anteriores (anulação,
revogação e suspensão de atos administrativos);
o Atos que visam modificar, total ou parcialmente, o
conteúdo de atos administrativos (revogação parcial,
retificação, prorrogação);
o Atos que visam consolidar atos administrativos anteriores,
quando estes sejam inválidos (ratificação, reforma,
conversão).

Destes atos que acabámos de ver, a anulação e a revogação assumem


particular importância. A revogação é o ato através do qual a Administração
faz cessar os efeitos de outro ato, por se entender que ele (já) não é
conveniente para o interesse público, ou seja, (já) não é conveniente para a
manutenção desses efeitos – artigo 165.º/1 do CPA. A anulação (ou
revogação anulatória) é o ato através do qual a Administração pretende
destruir os efeitos de um ato anterior, mas com fundamento na sua
ilegalidade ou, pelo menos, num vício que o torna ilegítimo e, por isso,
inválido – artigo 165.º/2 do CPA. Estes atos distinguem-se da categoria dos
atos contrários – nos atos contrários, o segundo ato não incide sobre o
mesmo caso concreto, sendo, por isso, a prossecução de um interesse
público diferente.

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Vamos, então, fazer a distinção entre revogação e anulação. Primeiro, a


revogação tem por fundamento a inconveniência atual para o interesse
público da manutenção dos efeitos de um ato anterior, enquanto a anulação
se baseia na invalidade do primeiro ato. Do ponto de vista da eficácia, a
revogação produz efeitos ex nunc, ou seja, faz cessar a eficácia do ato
anterior prospectivamente, enquanto a anulação, salvo disposição especial,
tem efeitos ex tunc, destruindo os efeitos do ato desde o momento da sua
prática (artigos 165.º/1 e 2 e 171.º/1 e 3 do CPA).
Por seu turno, a revogação implica o exercício de uma função de
administração ativa (dispositiva), ou seja, do mesmo tipo da função exercida
para a prática do primeiro ato, enquanto a anulação implica o exercício de
uma função de controlo (fiscalização).
Para além disso, enquanto a anulação pode incidir sobre quaisquer atos
administrativos, a revogação apenas pode incidir sobre atos de eficácia
duradoura enquanto eficazes ou atos de eficácia instantânea enquanto não
sejam executados. Não obstante, o CPA identifica os atos que não podem
ser revogados e atos administrativos que só podem ser revogados em
certas circunstâncias (artigo 167.º/1, 2 e 3 do CPA).
Outro aspeto que distingue estes atos é o prazo em que podem ocorrer.
No CPA de 1991, a revogação poderia ocorrer a todo o tempo, enquanto a
anulação apenas podia ocorrer dentro do prazo da respetiva impugnação
contenciosa ou até à resposta da entidade administrativa demandada
(artigo 141.º/1 do CPA). Atualmente, a revogação pode ocorrer a qualquer
altura, exceto em relação a atos constitutivos de direitos. Estes, que
gozavam de uma tendencial estabilidade (e ainda gozam [artigo 167.º/3 do
CPA]), podem ser revogados com fundamento na superveniência de
conhecimentos técnicos e científicos ou quando ocorra uma alteração
objetiva das circunstâncias de facto em face das quais, num outro caso, tais
atos não poderiam ter sido praticados. Nestes casos, a revogação pode
ocorrer no prazo de um ano a contar da data do conhecimento, podendo
esse prazo ser prorrogado por dois anos, por razões fundamentadas (artigo
167.º/4). No que respeita à anulação, há agora a distinção entre anulação
administrativa e anulação judicial (artigo 168.º). Podemos, então, observar a
anulação administrativa no prazo de 6 meses a contar da data do
conhecimento pelo órgão competente da causa da invalidade, ou desde o
momento da cessação do erro, nos casos de invalidade resultante de erro do
agente (existe o limite máximo de 5 anos a contar da respetiva prática). Nos
atos constitutivos de direitos, só pode haver anulação administrativa dentro
do prazo de um ano a contar da data da respetiva prática ou, em alguns
casos, no prazo de 5 anos (artigo 168.º/2 e 4 do CPA).
Ou seja, de um modo mais simples, a Administração só pode anular um
ato administrativo no prazo de 6 meses a partir da data do conhecimento da
ilegalidade ou da cessação do erro, desde que não tenha decorrido o prazo
máximo de 1 ou 5 anos (consoante os casos) contados desde a prática do
ato – o artigo 168.º do CPA inclui todas as informações relevantes nesta
matéria.

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Do ponto de vista dos órgãos competentes para a revogação e para a


anulação, podemos dizer que tem competência para a revogar atos
administrativos quem tiver competência dispositiva sobre a matéria tratada
no ato a revogar e têm competência para anular os órgãos que tiverem
poderes de controlo ou fiscalização (artigo 169.º do CPA).

F. Procedimento Administrativo
F.1. Noção e âmbito

O CPA apresenta logo no seu artigo 1.º/1 uma noção de procedimento


administrativo. Para Rogério Soares, o procedimento é “um conjunto de atos
funcionalmente ligados com vista a produzir um certo resultado, um efeito
único”, conceção que não difere muito da do Código. O procedimento é,
assim, o modo de formação das decisões administrativas, bem como da sua
manifestação e execução, traduzindo-se numa sucessão ordenada de
formalidades, atos e factos. Neste caso, iremos estudar o procedimento
administrativo a propósito do ato administrativo, matéria disciplinada no
Capítulo II do Título II da Parte III do CPA, artigos 102.º e seguintes.

F.2. Conceção adjetiva de procedimento

Hoje em dia, estão ultrapassadas as conceções substantivas do


procedimento administrativo, para as quais este era concebido como um ato
(ato-procedimento). Atualmente, é seguida uma conceção adjetiva do
procedimento: os atos que se relacionam no procedimento não são vistos

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como elementos de um grande ato do qual fariam parte, mas, mais


exatamente, como momentos ou etapas de um percurso ou caminho
ordenado de forma racional, tendo em vista a prática de um ato desejado.
Todos estes momentos têm um fim imediato, contribuindo mediatamente
para a prática do ato principal desejado.

F.3. Principais notas caracterizadoras

Como principais elementos caracterizadores do procedimento


administrativo, podemos referir os seguintes:
 Conjugação de um ato administrativo com vários atos
instrumentais: em torno do ato principal gravitam vários atos
acessórios (instrumentais) que contribuem de forma mediata para
o resultado final, sejam eles preparatórios ou posteriores.
 Colaboração entre diferentes órgãos e agentes
administrativos: naturalmente, sendo a organização
administrativa extremamente complexa e diversificada, diversos
órgãos (incluindo de pessoas coletivas diferentes) estão
articulados para culminar num único ato administrativo
(ponderação de vários interesses públicos e privados) – cfr.
figuras dos pareceres, do auxílio administrativo (artigo 66.º do
CPA) e da conferência procedimental (artigos 77.º e seguintes do
CPA).
 Participação dos particulares: a participação dos particulares
na atividade administrativa é não só um preceito constitucional
(artigo 267.º/5 da CRP), mas também prevista no CPA nos seus
artigos 11.º, 12.º, 60.º/1 e 121.º e seguintes.
 Composição (ponderação) de diversos interesses (públicos
e privados): ao longo do procedimento é feita esta ponderação,
que, muitas vezes, é de extrema importância (v.g. construção de
uma barragem ou de uma ponte).
 Tramitação: há um conjunto de atos que se liga no tempo,
seguindo uma ordem lógica e racional, sem a qual a sequência
desses momentos perderia o seu sentido. Apesar de poder e
dever haver uma margem de manobra da Administração na
ordenação do procedimento (princípio da adequação
procedimental – artigo 56.º do CPA), esta está vinculada ao
cumprimento de trâmites de forma racional (v.g. artigo 121.º/1 do
CPA “ouvidos (...) antes de ser tomada a decisão final (...)”).
 Resultado jurídico unitário: este resultado é o fim, o objetivo
de todo o procedimento, explicando a existência de um ato
principal e de atos subordinados. Este resultado é o desejado por
todos os órgãos que colaboraram no procedimento. Destaca-se,
assim, a ideia de que o procedimento é um conjunto de atos que
produzem um efeito único, que se identifica com o efeito do ato
principal do procedimento – podem existir procedimentos
complexos com mais do que um ato principal, cuja finalidade
imediata coincide com a finalidade última do procedimento.

F.4. Importância da figura do procedimento administrativo

O procedimento pode servir várias finalidades importantes. Em primeiro


lugar, o facto de um procedimento ser um conjunto de atos permite
perceber em que condições podem os particulares aceder aos tribunais

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(impugnação contenciosa de atos principais ou que produzam efeitos


externos). Em segundo lugar, o correto conhecimento do procedimento e
suas fases são fundamentais para compreender a invalidade do ato
principal, já que esta pode ser determinada pela incorreta tramitação dos
atos do procedimento, gerando-se vícios procedimentais ou de conteúdo do
ato principal.

F.5. Distinção de figuras afins

É necessário fazer a distinção entre o procedimento administrativo e


outras figuras afins. Uma delas é, por exemplo, o processo administrativo.
Inicialmente, o procedimento administrativo era conhecido como processo
administrativo gracioso, para o distinguir do processo administrativo
contencioso. Este último refere-se à função jurisdicional, correspondendo ao
controlo pelos tribunais da legalidade das atividades administrativas. Daí a
necessidade de nomes diferentes para atividades marcadamente diferentes.
Deve salientar-se que o termo processo administrativo adquire um sentido
diferente no CPA, sendo usado como sinónimo de dossiê.
Importa ainda distinguir a conceção adjetiva de procedimento
administrativo do ato complexo. Apesar de ambos serem uma colaboração
entre vários órgãos e agentes administrativos com vista à obtenção de um
resultado jurídico unitário, no procedimento existe um ato principal e vários
atos subordinados, não havendo relação de igualdade entre os diferentes
atos e os diferentes órgãos, enquanto que no ato complexo existem diversas
manifestações de diferentes órgãos, mas todas no mesmo sentido.

F.6. Importância do CPA na tramitação do procedimento

Segundo Rogério Soares, no procedimento administrativo vamos


encontrar uma multiplicidade quase infinita de interesses públicos a
prosseguir, exigindo-se, em consequência, uma infinidade de tipos de
procedimento. Não deve, por isso, o legislador reduzir o procedimento a
uma tramitação precisa, como se fosse possível regular de forma exaustiva
o modo de tomada de decisões da Administração.
Por se encontrar comprometida com a realização do interesse público, a
Administração não pode estar sujeita a uma rotina processual uniforme,
defendendo Soares que deve ser conferida uma certa liberdade à
Administração para que esta se possa adaptar às exigências concretas do
interesse em questão.
Importa sublinhar que o CPA não pretende introduzir um procedimento
regra, apenas definir os termos em que o procedimento pode ser conduzido,
deixando ao critério dos órgãos a procura dos trâmites mais adequados (cfr.
artigo 56.º do CPA).
Ainda assim, o CPA cria algumas formalidades que devem ser
observadas em todos os procedimentos: audiência prévia dos interessados
em todos os procedimentos administrativos não dispensados (artigos 121.º
e 124.º do CPA), o dever de notificação do início do procedimento (artigo
110.º do CPA), o dever de notificar os atos administrativos (artigo 114.º do
CPA), o dever de adotar a forma escrita para a prática de atos (artigo 150.º
do CPA) e para a celebração de contratos administrativos, etc.
Esta lógica, mantida pelo CPA de 2015, vem desde 1991.

F.7. Tipos de procedimento

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É possível identificar vários tipos de procedimentos administrativos.


Distinguem-se:
 Procedimentos de primeiro grau (visam a prática de um ato
primário) e de segundo grau (destinam-se à prática de atos
secundários, v.g. procedimentos de reclamação, de recurso
hierárquico e de recursos administrativos especiais, etc.);
 Procedimentos formais ou necessários (desenhados quase na
íntegra, do princípio ao fim) e informais ou facultativos (a lei
fixa apenas os seus grandes momentos);
 Procedimentos simples (tendem à prática de um ato
administrativo) e complexos, que integram:
o Subprocedimentos integrados num ato principal e que
não terminam necessariamente com um ato administrativo
– o ato principal destes procedimentos integra a fase
(preparatória ou integrativa de eficácia) de um outro
procedimento (v.g. avaliações);
o Procedimentos escalonados ou faseados (com pré-
decisões): atos prévios ou decisões parciais que decidem
definitivamente certas condições da decisão global (v.g.
caso do procedimento de informação prévia que antecede
o procedimento de licenciamento);
o Procedimentos coligados ou conexos: quando está em
causa uma atividade que se encontra sujeita a vários atos
administrativos autónomos com vista a um resultado
comum em termos materiais. Podem apresentar-se como
procedimentos paralelos (ou de coordenação
concomitante) ou como procedimentos pressupostos
(ou de coordenação sucessiva ou de guichet múltiplo).

F.8. Fases do procedimento

Desde cedo que há um interesse em agrupar os diferentes atos ou


momentos do procedimento em fases com finalidades específicas, tipicidade
essa que facilmente se observa no CPA. Não obstante, os procedimentos
administrativos não são todos iguais, podendo haver ocasiões em que estes
sejam organizados de forma diferente do esquema legalmente estabelecido.
Podemos distinguir no novo Código um regime comum do procedimento,
nos artigos 53.º a 95.º, e um regime específico para o ato administrativo,
artigos 102.º a 134.º. Os artigos 55.º, 56.º e 57.º são importantes no que
toca ao procedimento, nomeadamente à ordem do mesmo. As normas que
vamos analisar regulam o chamado procedimento decisório de primeiro
grau, que se destina a tomar uma decisão (praticar um ato) que incide pela
primeira vez sobre uma situação da vida (por oposição aos procedimentos
de segundo grau – anulação, revogação ou modificação de um ato anterior).

F.8.1. Fase preparatória

Rogério Soares destacava a fase preparatória como a primeira fase do


procedimento, na qual se incluem todos os trâmites destinados a preparar o
ato principal. Os atos preparatórios criam uma situação juridicamente
relevante para o ato principal, embora eles, por si só, não produzam efeitos

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externos, criando apenas uma situação jurídica que é condição de validade


do ato principal.
Distinguem-se dos atos preparatórios os atos com autonomia funcional
(funcionalmente autónomos) que, embora ocorram antes do ato principal,
produzem efeitos jurídicos externos por si só. Por isso mesmo, são
impugnáveis contenciosamente sem que o particular tenha de aguardar
pelo ato principal do procedimento. Excluem-se igualmente da fase
preparatória os antecedentes procedimentais, atos que, tendo em vista o
procedimento, ocorrem antes do seu início, podendo até estar na origem da
abertura do procedimento (estudos, vistorias, queixas, etc.), mas que não
fazem parte dele.
A fase preparatória inclui, na ótica de Soares, duas subfases: de
iniciativa e instrutória. Em face do atual CPA, acrescenta-se-lhes uma
terceira: a de audiência dos interessados.

F.8.1.1. Fase de iniciativa

Como o nome indica, englobam-se nesta fase os atos e formalidades


responsáveis pelo arranque do procedimento – artigos 53.º e 102.º a 109.º
do CPA (cfr. artigos 65.º a 68.º do CPA).
Quanto à iniciativa, os procedimentos podem ser classificados como
particulares (iniciativa dos interessados) ou públicos (iniciativa da
Administração), podendo estes últimos ser oficiosos (iniciados pelo próprio
órgão que tem competência para a prática do ato principal) ou não oficiosos
(iniciados por outro órgão que não o competente para a prática do ato
principal).
Utilizando um critério diferente, os procedimentos podem ser de
autoiniciativa (procedimentos oficiosos) ou de heteroiniciativa pública ou
privada. Relativamente à iniciativa particular, é importante destacar a figura
do requerimento, estabelecendo os artigos 102.º a 108.º do CPA o seu
regime, com destaque para o artigo 102.º/2 e 3.
Perante um requerimento, a Administração fica constituída no dever
genérico de pronúncia, ou no dever de decidir, caso estejam presentes
pressupostos procedimentais subjetivos (competência do órgão que recebe
o pedido e legitimidade do requerente) ou objetivos (inteligibilidade,
unidade e tempestividade do pedido; atualidade do direito e inexistência de
decisão sobre pedido igual do requerente há menos de dois anos) – artigo
13.º/1 e 2 do CPA.
A apreciação da verificação destes pressupostos ocorre numa fase inicial
designada por fase de saneamento (artigos 108.º e 109.º do CPA) que pode
dar lugar a um despacho de aperfeiçoamento do pedido ou a um despacho
de rejeição liminar (imediatamente impugnável). Não ocorrendo nenhuma
destas situações, o procedimento terá continuidade para a fase seguinte.
Nesta primeira fase já se nota a importância da participação dos
particulares, destacando-se o artigo 110.º do CPA que explicita o dever de
notificação. Após o início do procedimento, o interessado adquire uma
posição jurídica constituída por direitos e deveres. Distinguem-se:
 Direito à decisão e à sua notificação: artigos 13.º e 114.º e ss.
 Direito à participação: artigo 12.º
 Direito à informação: artigos 82.º a 85.º
 Direito de ser ouvido antes da decisão final: artigo 121.º e ss.
 Direito de conhecer as razões de uma eventual denegação da sua
pretensão: artigo 152.º

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 Direito de reclamação e de recursos administrativos da decisão:


artigo 184.º e ss.

No que concerne a deveres, destacam-se:


 Dever de cooperação: artigo 60.º
 Dever de prestar informações e de apresentar provas: artigo
116.º
 Dever de provar factos, quando for caso disso: artigo 115.º
 Dever de pagamento de taxas ou despesas que estiverem
legalmente fixadas: artigo 133.º, a contrario sensu

F.8.1.2. Fase instrutória

Esta subfase tem um papel muito importante, visando apresentar ao


agente responsável os diversos interesses envolvidos na decisão que vai
tomar, por forma a permitir a avaliação do seu peso e importância relativos.
Na prática, permite criar condições para que o agente possa determinar o
conteúdo do ato principal do procedimento de melhor modo, em ordem à
prossecução do interesse público concreto (artigos 115.º a 120.º e 55.º e
seguintes do CPA). É de salientar a regra do artigo 61.º/1, que diz que a
instrução deve ser realizada preferencialmente por meios eletrónicos.
Uma inovação prende-se com o facto de o legislador deixar de se referir
à direção da instrução para se referir à direção do procedimento, já que esta
cabe ao órgão competente para a decisão final, existindo, todavia, um dever
de delegação deste em inferior hierárquico do seu poder de direção (artigo
55.º/1 e 2 do CPA).
É igualmente realçar o princípio do inquisitório presente no artigo 58.º
do CPA, segundo o qual a instrução deve ser desenvolvida (cfr. artigo
13.º/3), e o artigo 66.º relativo ao auxílio administrativo.
Para além disso, os particulares podem ter um papel relevante na
instrução, nomeadamente apresentando provas, pareceres, documentos
adicionais, etc., cabendo-lhes o ónus de provar todos os factos que aleguem
(artigo 116.º do CPA). Com efeito, são de grande importância as diligências
probatórias (artigos 115.º a 120.º) e as diligências consultivas ou pareceres
(artigos 91.º e 92.º).
Os pareceres podem ser considerados os mais importantes atos
instrumentais, dado o seu relevo na fase instrutória, sendo definidos por
Rogério Soares como a “apreciação de caráter jurídico ou relativo à
conveniência administrativa ou técnica, emitida por um órgão consultivo, a
propósito de um ato em preparação ou de realização eventual”.
Os pareceres podem ser facultativos, se a lei não exige a solicitação do
parecer, ou obrigatórios, se são de cumprimento necessário na preparação
do ato (artigo 91.º/1 do CPA). Estes últimos podem ser vinculantes
(vinculativos) ou não vinculantes (não vinculativos), dependendo se, apesar
de terem de ser pedidos, têm necessariamente de ser seguidos ou não.
Existem ainda pareceres obrigatórios que são vinculativos num só
sentido: os pareceres conformes. Tal acontece quando uma decisão num
dado sentido só pode ser tomada se for apoiada num parecer, embora o
apoio do parecer nesse sentido não impeça o administrador de decidir
contrariamente. Podem ser pareceres conformes favoráveis ou
desfavoráveis.

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Os pareceres podem ter várias funções, entre elas: são um


aconselhamento técnico-científico por órgãos com maior experiencia na
resolução de certos problemas, tornam mais fácil a fundamentação do ato
administrativo, permitem que a decisão seja mais racional, promovem a
auto-contenção da Administração (enquanto espera pelo parecer, pode
ponderar melhor a solução para o caso), etc. Podem ter ainda uma função
de controlo da legalidade e uma função de administração ativa.
Para evitar más práticas decorrentes do incumprimento de prazos, o
artigo 92.º do CPA veio disciplinar a forma de ultrapassar a não emissão de
um parecer obrigatório dentro do prazo. Quando um parecer obrigatório não
for emitido dentro do prazo legal (30 dias), pode o procedimento prosseguir
e ser decidido sem o parecer, a não ser que se trate de parecer vinculante
(vinculativo). Neste caso, o procedimento só́ pode ser decidido sem o
parecer desde que o órgão instrutor tenha interpelado o órgão competente
para o emitir (no prazo de 10 dias, devendo o órgão competente emitir o
parecer devido também em 20 dias (artigo 92.º/4, 5 e 6). A doutrina
defende que a melhor opção teria sido a de permitir, tal como acontece em
legislação especial, que pudessem os interessados obter junto dos órgãos
competentes o parecer em falta ou que, no caso dos pareceres vinculativos,
tivesse sido consagrada a possibilidade de os mesmo poderem ser obtidos
judicialmente com suspensão do procedimento até obtenção dos mesmos.

F.8.1.3. Audiência dos interessados

Esta nova terceira fase destina-se a garantir a participação dos


particulares nos procedimentos administrativos (cfr. artigos 267.º/4 da CRP
e 12.º do CPA) e possibilita que estes influenciem a decisão que a
Administração irá tomar – artigo 121.º e seguintes do CPA. Faz sentido que
esta fase ocorra após a instrução, dado o fim para que a audiência tende,
tendo em conta que os particulares devem ser ouvidos antes de tomada a
decisão final, ou seja, numa fase destinada a preparar tal decisão, caso
contrário perderia a sua razão de ser.
Esta audiência pode ser escrita ou oral (artigos 122.º e 123.º do CPA),
estando consagrados no artigo 124.º os casos de inexistência de audiência
e de dispensa, juntamente com os seus motivos, podendo o tribunal anular
o ato principal se entender que não estavam verificados os pressupostos
para a dispensa. Fora dos casos em que a audiência possa ser dispensada, a
sua falta determina, em princípio, a (mera) anulabilidade do ato
administrativo que não a tenha respeitado. Há, como sempre, casos
especiais, gerando estes a nulidade do ato em questão: nos processos
disciplinares e de contraordenação a audiência está garantida a nível
constitucional (artigos 269.º/3 e 32.º/10 da CRP), constituindo um direito
fundamental procedimental (artigo 161.º/2/d) do CPA).
A audiência prévia dos interessados implica uma dupla decisão
(princípio da dupla decisão introduzido pela revisão de 1996 do CPA): a
Administração está hoje obrigada a elaborar um projeto de decisão
devidamente fundamentado, projeto esse que deverá ser comunicado ao
interessado para que este se pronuncie sobre ele, só depois devendo a
Administração tomar a decisão final. Estamos também perante uma tripla
fundamentação, já que a Administração terá igualmente de fundamentar a
decisão de não audiência caso decida que é uma situação de inexistência ou
de dispensa.

F.8.2. Fase de preparação (direta) da decisão

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Chama-se fase de preparação direta uma vez que todas as fases


anteriores visam a preparação da decisão, dando-se, por vezes, o caso de
ser necessária a realização de diligências complementares, nos termos do
artigo 125.º do CPA. Nos termos do artigo 126.º, caso não tenha sido o
órgão competente para a decisão o responsável pela direção do
procedimento, deve este elaborar um relatório.

F.8.3. Fase constitutiva ou decisória

Após o cumprimento de todos os trâmites destinados a preparar a


decisão, o órgão competente está em condições de praticar o ato
administrativo: o agente vai fazer uma avaliação final de todos os
elementos recolhidos, produzindo o ato principal ou típico do procedimento,
havendo uma regulação especial das tomadas de decisão dos órgãos
colegiais (artigo 21.º e seguintes do CPA). Em regra, o procedimento
termina com uma decisão final expressa (artigo 127.º do CPA), que deverá
ser praticada por escrito (artigo 150.º do CPA), com as menções previstas no
artigo 151.º e devidamente fundamentada, nos termos dos artigos 152.º e
seguintes. Na decisão tomada por meios eletrónicos, a identificação do
órgão deve ser autenticada com assinatura eletrónica ou outro meio idóneo,
nos termos de legislação própria (artigo 94.º/2 do CPA).
O ato praticado na fase constitutiva tanto pode ser um ato simples, em
que a declaração é uma só (emane ela de um órgão singular ou colegial),
como um ato compósito ou composto em sentido amplo, caracterizado
por ter várias pronúncias, todas dirigidas ao mesmo objeto e com o mesmo
fim imediato. Dentro desta figura podemos distinguir:
 atos complexos ou compostos em sentido amplo: contem
manifestações de vários órgãos, todas no mesmo sentido (o caso
de um despacho conjunto de dois Ministros);
 atos continuados: um só sujeito emite várias pronúncias
sucessivas no tempo, mas unidas como se de um só ato se
tratasse;
 atos compostos em sentido estrito: colaboração direta entre
duas autoridades, uma com a função de decidir (declaração
principal) e a outra com um papel secundário, de servir a
autoridade competente (prática de determinados atos
administrativos com necessidade da presença documentante ou
testemunhante de uma autoridade dotada de fé pública, como
notários e conservadores – declaração principal e declaração
servente).

Diferentes destes são os atos contextuais: atos distintos, mas que, por
razões de ordem prática, são emitidos sob a mesma forma, nomeadamente
reunidos num mesmo documento. Estes podem ser:
 simultâneos – quando vários atos, de órgãos diferentes,
aparecem reunidos sob a mesma manifestação externa, como
ordens semelhantes de vários ministros publicadas
simultaneamente);
 múltiplos ou plurais – quando vários atos, do mesmo órgão, que
até podem ter conteúdo diferente, são reunidos numa mesma
forma, como a nomeação ou a notação simultânea de vários
funcionários ou a avaliação de vários alunos).

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A nota mais importante a destacar a propósito dos atos contextuais tem


a ver com o facto de eles não perderem a sua individualidade: são atos
funcionalmente autónomos, o que tem grande relevo prático em face da
possibilidade de impugnação autónoma de cada um desses atos.
Importa ainda referir a problemática do silêncio da Administração, isto é,
a questão de saber qual o relevo a atribuir à ausência de manifestação
expressa de um órgão administrativo, quando instado a responder a um
particular, designadamente na sequência de um requerimento deste.
Em face do princípio da decisão, previsto atualmente no artigo 13.º do
CPA, a Administração está, em princípio, obrigada a pronunciar-se sobre
todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos
particulares. Por este motivo se entendeu que, se a Administração não se
pronunciasse, uma vez expirado o prazo legal, esse silêncio seria
considerado como uma forma anómala de a Administração decidir o pedido
que lhe foi dirigido. Este silêncio adquiria o valor de resposta e era chamado
de “deferimento” ou “indeferimento” tácitos (ou ato silente com valor
positivo ou negativo, por parte da doutrina). Na altura, a regra geral era a
do indeferimento tácito, valendo apenas o deferimento em situações
específicas dos artigos 108.º e 109.º do CPA de 1991.
Com a entrada em vigor do CPTA, procedeu-se à abolição da figura do
indeferimento tácito, continuando a vigorar o deferimento tácito.
Atualmente, à luz do CPA de 2015, dispõe o artigo 129.º a nova regra, sendo
o prazo de 90 dias (artigo 128.º/1): “a falta, no prazo legal, de decisão final
sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente constitui
incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a
possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional
adequados”.
Já o deferimento tácito, com a natureza de verdadeiro ato administrativa
antes explicitada, passa a ocorrer apenas quando lei especial ou
regulamento o determine expressamente (artigo 130.º/1 do CPA) ou quando
esteja em causa a prática de atos autorizai-vos na relação entre órgãos
administrativos (estando afastada a sua formação quando esteja em causa
a pratica de atos autorizativos nas relações da Administração com os
particulares) – cfr. artigo 130.º/4. Neste caso, é necessário que ocorra
interpelação do órgão competente para decidir, a qual deve ser efetuada
decorridos 10 dias a contar do termo do prazo para a autorização ou
aprovação, e sendo dado um prazo de 20 dias para que o ato seja emitido.
Apenas se tal não suceder se prescinde da autorização ou aprovação que
fosse necessária (no 5 do artigo 130o).

F.8.4. Fase complementar

A fase complementar, ou fase integrativa da eficácia, existe porque o


facto de o ato administrativo estar “pronto” nem sempre significa que ele
esteja imediatamente apto a produzir os seus efeitos: é, por vezes,
necessária a prática de atos que, não acrescentando nada ao conteúdo ou
validade do ato principal, vão permitir que ele produza os efeitos para que
tende.
Quando o ato administrativo ainda não for eficaz, é necessário um ato
(administrativo ou instrumental) que permita a produção dos efeitos para
que aquele tende: este ato (ou atos) vai limitar-se a remover os obstáculos à
operatividade efetiva do primeiro. A fase integrativa da eficácia, embora
ocorra normalmente após a fase constitutiva, é uma fase móvel, podendo
deslocar-se no procedimento.

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Os atos integrativos de eficácia podem ser da responsabilidade própria


da Administração ou pertencer a particulares. No caso dos primeiros, temos
atos de controlo preventivo, onde se destacam os vistos (controlo
preventivo da legalidade) e as aprovações (controlo preventivo da
legalidade, conveniência e oportunidade [mérito]). Relativamente aos
segundos, destacam-se os atos de adesão dos particulares (necessária uma
declaração de aceitação por parte do destinatário – tomada de posse,
pagamento de taxa, etc.).
Há duas formas de comunicar um ato administrativo: através de
publicação ou por intermédio de uma notificação. No entanto, a
comunicação não é, em regra, condição de eficácia do ato administrativo: a
regra geral vigente é a de que os atos não são recetícios, isto é, não
necessitam do conhecimento do particular para produzir efeitos – artigo
158.º do CPA). Só nos atos impositivos (constitutivos) de deveres (a sua
execução supõe a colaboração do destinatário) e nos atos que impõe
sanções é que o seu conhecimento é necessário para que os atos se tornem
eficazes – artigo 160.º do CPA.
A desnecessidade, como regra, de comunicação dos atos
administrativos para a produção dos efeitos respetivos não invalida que a
mesma comunicação seja condição de oponibilidade de efeitos
desfavoráveis: só após a comunicação é que o particular está em condições
de conhecer o ato e, como tal, só a partir daí é que a Administração pode
exigir dele determinado comportamento. Também só a partir daí se começa
a contar o prazo para o particular exercer os seus meios de defesa,
nomeadamente as vias contenciosas.

F.9. Novas tendências procedimentais

Ultimamente, têm-se observado mecanismos de simplificação


administrativa. Desde logo, temos uma desregulação procedimental –
menos controlo administrativo e, concomitantemente, maior
responsabilidade dos particulares – artigo 134.º do CPA. É também relevante
o silêncio endoprocedimental – o silêncio das entidades consultadas na fase
de instrução para efeitos de emissão de parecer, autorização ou aprovação,
vale como posição favorável ao pedido, continuando o procedimento a sua
tramitação normal na ausência daquela pronúncia (artigo 13.º/5 do RJUE). O
novo CPA prevê a coordenação e concentração procedimentais, através de
conferências procedimentais (instrutórias ou deliberativas), com vista a
harmonizar posições diferentes e divergentes (artigos 77.º e seguintes).
A par destes fenómenos observa-se uma privatização de procedimentos,
havendo delegação da instrução em privados, como acontece com alguns
casos de apreciação de projetos de especialidades no licenciamento de
obras. A par deste fenómeno, assiste-se a uma tramitação desmaterializada
de procedimentos, consubstanciada na entrega por via informática dos
requerimentos e comunicações, bem como dos seus elementos anexos
instrutores e ainda a promoção de consultas e notificações com recurso ao
mesmo tipo de meios (artigo 61.º e seguintes do CPA). Existe ainda a figura
do gestor de procedimento, que assegura o normal desenvolvimento da
tramitação processual, acompanha a instrução e o cumprimento de prazos,
presta informações e esclarecimentos aos interessados, etc.

G. Validade e Eficácia do Ato Administrativo


G.1. Distinção entre validade e eficácia

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Como vimos em cima, é importante fazer a distinção entre validade e


eficácia. Vamos focar-nos agora na eficácia, começando por fazer a
distinção entre as duas figuras.
A validade surge como uma aptidão intrínseca do ato para produzir
efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertencem, uma
consequência da sua conformidade com a ordem jurídica. Tem a ver com
momentos intrínsecos ao próprio ato, pelo que vícios a ela relativos afetam
a própria vitalidade do ato. Já a eficácia tem a ver com a efetiva produção
de efeitos, factos ou circunstâncias extrínsecas do próprio ato,
condicionando apenas a operatividade do mesmo. Após a fase constitutiva,
em princípio, o ato é válido, faltando-lhe apenas a integração da eficácia
(artigo 155.º do CPA).
Esta distinção é de extrema importância, podendo existir, na prática,
atos válidos, embora ineficazes, e atos inválidos, apesar de serem eficazes.
Em relação aos primeiros, temos os atos de eficácia deferida, condicionada
ou suspensa (artigos 157.º/a), b) e c) do CPA). O oposto também acontece,
sendo este o caso dos atos anuláveis. Sendo a anulabilidade determinada
por vícios menos graves, permite-se que produzam efeitos até serem
anulados (artigo 163.º/2 do CPA). Caso o prazo de impugnação seja
ultrapassado (artigo 168.º do CPA), o ato não deixa de ser inválido, mas
estabiliza-se na ordem jurídica, produzindo os seus efeitos normalmente.
Podem, por último, existir atos nulos aos quais são reconhecidos efeitos
jurídicos (efeitos putativos), por força do decurso do tempo e do
cumprimento de princípios jurídicos.
Por estes motivos é importante fazer a distinção entre validade e
eficácia, mais concretamente quando se trata de invalidade e ineficácia,
termos que muitas vezes são utilizados como sinónimos, mas que não o
são, como acabámos de verificar.

G.2. Atos de eficácia instantânea e atos de eficácia duradoura

Dentro do tema da eficácia importa distinguir os atos de eficácia


instantânea e de eficácia duradoura. Nos primeiros, os efeitos do ato
produzem-se num determinado momento, esgotando aí a sua eficácia:
apesar de poderem criar situações duradouras, que se estenderão por
períodos de tempo maiores ou menores, a sua operatividade esgota-se no
momento em que se tornam eficazes – v.g. nomeação ou revogação. Por sua
vez, os atos de eficácia duradoura prolongam a sua operatividade no tempo,
não sendo apenas a situação por eles criada que se prolonga no tempo –
v.g. concessão, que tem de se manter eficaz para se manter o direito.
Colocam-se, neste caso, problemas a nível da sucessão das normas no
tempo, uma vez que podem ocorrer alterações supervenientes e que podem
interferir com a eficácia do ato, levando a uma intervenção modificativa ou
extintiva do mesmo. Existem, ainda, atos de eficácia imediata (a produção
de efeitos dá-se exatamente no momento constitutivo – artigo 155.º/1 do
CPA) e de eficácia deferida, sendo o critério o do momento em que se
verifica a eficácia.

G.3. O problema da contagem da eficácia do ato

Após a fase integrativa da eficácia, é importante saber se os efeitos


contam apenas para o futuro (eficácia ex nunc) ou, pelo contrário, desde a
fase constitutiva (eficácia ex tunc). Regra geral, a eficácia será ex tunc,
dado que o ato integrativo nada acrescenta ao ato principal, sendo

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excecionais os casos de eficácia ex nunc (casos em que o ato que


desencadeia a eficácia é parte do elemento constitutivo).
Tendo em conta que vigora o princípio geral da não-retroatividade
(artigos 155.º e 156.º do CPA), aparenta haver um conflito. Na realidade, ele
não existe, uma vez que para referir a produção de efeitos desde a fase
constitutiva usa-se a expressão retrotração, dado que não se trata de uma
verdadeira retroatividade, mas sim um “regresso à origem”.
Desta situação distinguem-se os casos de retrodatação – situações em
que o ato deveria ter sido praticado e não foi, contando os efeitos desde o
momento em que o ato deveria ter sido praticado. Existem ainda os casos
de retroatividade autêntica, dificilmente admissíveis, já que pretendem
produzir efeitos sobre situações jurídicas já constituídas – excecionalidade
prevista no artigo 156.º/2 do CPA.

G.4. A suspensão e a cessação da eficácia

A suspensão da eficácia dá-se quando um ato administrativo de eficácia


duradoura está a produzir os seus efeitos e surge um acontecimento que faz
com que tal deixe temporariamente de acontecer – v.g. juízo de
oportunidade ou de conveniência. A suspensão termina com a renovação da
eficácia ou com a extinção do ato.
A problemática da cessação da eficácia é apenas relativa aos atos de
eficácia duradoura que, num dado momento, podem ver essa sua
operatividade cessar por vários motivos. Estes podem ser:
 o desaparecimento do sujeito ou do objeto do ato em causa;
 a prática de um ato que visa terminar com os efeitos de outro
(revogação ou anulação);
 a inserção de determinadas cláusulas:
o condição resolutiva – a condição é uma cláusula
acessória pela qual a eficácia de um ato fica dependente
da verificação de um acontecimento futuro e incerto; se a
condição for resolutiva, a sua verificação determinará a
cessação dos efeitos do ato;
o termo final – cláusula acessória pela qual se determina
que os efeitos do ato ao qual está aposta cessem a partir
de um certo momento, que poderá́ ser um acontecimento
(de verificação certa, desconhecendo-se a data) ou uma
data ou período de tempo.

G.5. Limites espaciais da eficácia

Esta limitação está relacionada com os limites territoriais das atribuições


da pessoa coletiva a que pertence o órgão que praticou o ato), ou seja,
estamos igualmente a falar dos limites das competências destes. Isto
significa que um ato praticado por um município tem de se circunscrever ao
município em questão, por exemplo.

H. Força Jurídica dos Atos Administrativos


H.1. A conceção oitocentista de executoriedade

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A executoriedade corresponde ao tradicionalmente designado “privilégio


de execução prévia”. Desde a afirmação do sistema de administração
executiva (séc. XIX) se entendeu que o poder confiado à Administração ia
além da emissão de atos autoritários: as faculdades deles decorrentes
podiam também ser exercitadas imediata e coativamente pelos seus
órgãos. A executoriedade encontrava o seu fundamento na “presunção de
legalidade dos atos administrativos”, sendo por isso que não se lhes
aplicava o regime que valia para os privados.
Atualmente, ambas as proposições são alvo de críticas. No que concerne
à primeira, ela está, em primeiro lugar, imbuída de preocupações típicas do
Estado de polícia que a concebe como um benefício, uma faculdade
exorbitante do sistema geral do Direito. Para além disso, a expressão não é
feliz, uma vez que poderia ser entendida no sentido de a execução poder
anteceder a declaração: a Administração gozaria do benefício de executar
previamente, antes mesmo de estar munida de um título que justifique a
execução.
No tocante à segunda, foi com base nela que, durante largos anos, se
justificou a instituição de um regime para os atos anuláveis que determina
que estes, enquanto não forem anulados, devam ser tratados como se
fossem válidos. No entanto, a razão de ser deste regime não se baseia
numa qualquer presunção de legalidade dos atos administrativos, mas no
facto de se pretender evitar que o exercício do poder fique paralisado pela
simples invocação de uma ilegalidade do seu exercício, o que obstaria à
produção dos seus efeitos normais.
Por outro lado, o incidente da suspensão da eficácia do ato, quando é
deferido o pedido de suspensão, não significa que a presunção de
legalidade tenha sido ilidida, mesmo temporariamente, mas uma diferente
avaliação do peso relativo dos interesses públicos e particulares
coenvolvidos e do risco da irreparabilidade do sacrifício destes últimos.
Por último, a presunção da legalidade revela-se enganosa, já que
poderia determinar uma inversão do ónus da prova na impugnação
contenciosa do ato, como durante muito tempo entendeu a nossa
jurisprudência.

H.2. Alargamento do conceito de executoriedade

A partir de determinada altura, na legislação, na doutrina e na


jurisprudência portuguesas, a executoriedade passou a ser considerada um
requisito de recorribilidade contenciosa, o que significa, nas palavras de
Rogério Soares, um arrastamento do conceito para áreas que não são as
suas. Com efeito, determinava-se, designadamente, só ser admissível o
recurso contencioso de atos administrativos definitivos e executórios,
fazendo as leis do contencioso administrativo referência ao incidente da
suspensão da executoriedade do ato administrativo – confusão clara entre
os problemas de executoriedade e os (prévios) da eficácia.

H.3. Conceção atual de executoriedade

Como vimos antes, a propósito da definição de ato administrativo, este


constitui uma manifestação de um poder de autoridade, tendo força
vinculativa própria, totalmente desconhecida do Direito Privado – o ato
administrativo possui imperatividade, força vinculativa ou autoridade,

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dispondo a Administração da capacidade para declarar o direito aplicável a


uma situação concreta.
A questão que se coloca agora é a de saber se a Administração pode
exercitar ou executar imediata e coativamente esses atos, ou seja, se pode
ordenar todos os atos necessários para conseguir os efeitos práticos do ato
que praticou. É na executoriedade que encontramos a resposta a esta
pergunta: ela constitui o poder da Administração de proceder à execução,
com recurso aos seus próprios meios e, se necessário, coativamente, dos
atos administrativos criadores de deveres para os particulares, no caso de o
seu cumprimento esbarrar numa resistência ativa ou passiva destes, sem
necessidade de recorrer a tribunais.
O modo mais frequente e típico da prossecução do interesse público e
da dinamização da ordem jurídica no domínio do Direito Administrativo é
através do exercício do poder público unilateral (imperatividade,
vinculatividade ou autoridade) por ato administrativo. Ora, o exercício deste
poder traduz-se numa tutela de um interesse assumido como próprio (o
interesse público), que modifica a esfera jurídica dos destinatários sem
intervenção prévia dos tribunais – autotutela declarativa (pode constituir
terceiros em deveres).
Por outro lado, a executoriedade traduz uma ideia diferente. Ao invés de
uma autotutela declarativa, trata-se de uma autêntica autotutela executiva,
tratando-se de um problema de execução e não de declaração do direito
aplicável à situação concreta – poder de execução coativa e pelos meios da
própria Administração dos atos administrativos, sem recurso a tribunais.

H.4. Fundamento da executoriedade

A doutrina mais recente entende que a presunção de legalidade e a


imperatividade dos atos administrativos não são suficientes para justificar a
sua existência, considerando que o fundamento da executoriedade se
encontra no poder de autotutela executiva da Administração, id est, na
faculdade que lhe é reconhecida de lançar mão de procedimentos de
execução do ato administrativo, com vista à prossecução de interesses
públicos específicos, quando os deveres deles decorrentes não forem
voluntariamente cumpridos pelos destinatários – para isto, a Administração
deve dispor de instrumentos e meios disponíveis de defesa dos interesses
em causa.

H.5. Âmbito de aplicação da executoriedade

Sabendo em que consiste a executoriedade, coloca-se a questão de


averiguar se ela é uma característica de todos os atos administrativos ou
apenas de alguns.
Primeiramente, importa notar que executoriedade é um conceito distinto
de eficácia – aptidão do ato para produzir efeitos jurídicos próprios do seu
tipo legal. A executoriedade pressupõe a eficácia do ato, mas nem todos os
atos administrativos eficazes são suscetíveis de execução coativa pelos
próprios órgãos da Administração. Para que tal aconteça é necessário
tratarem-se de atos exequíveis – atos que gozam da possibilidade efetiva de
execução através de atos jurídicos ou de atos materiais (v.g. ordem de
demolição). Ao contrário destes, os atos não exequíveis produzem os seus
efeitos independentemente de qualquer execução (v.g. autorização ou
revogação) – a executoriedade só está presente para atos exequíveis.

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Todos os atos administrativos exequíveis e eficazes são executivos. A


executividade traduz a capacidade dos atos administrativos basearem
diretamente uma execução sem necessidade de qualquer pronúncia judicial,
ou seja, o ato é um título que serve de base direta a uma execução. A
executividade não deve confundir-se com autoridade, dado que existem
atos de particulares desprovidos de autoridade que são executivos, nem
com eficácia, já que existem atos eficazes que não permitem fundamentar
diretamente uma execução (atos não exequíveis).
Vemos, então, que a executoriedade não é uma característica típica de
todos os atos administrativos. Para Rogério Soares, e como vimos, ela não
tem sentido para os atos não exequíveis, tal como não fazem sentido para
atos que não tenham como conteúdo imediato a criação de deveres para os
particulares ou para aqueles que, tendo esse conteúdo, não veem colocado
qualquer tipo de oposição por parte dos seus destinatários, dado que estes
os cumprem voluntária ou espontaneamente.
Ainda assim, nem todos os atos que possuam as características
necessárias à executoriedade devem poder ser exercitados diretamente
pela Administração. Tal só deve acontecer nos casos inequivocamente
previstos na lei e em casos de urgência devidamente fundamentada (o
recurso à execução forçada do ato por parte da Administração só será
legítimo quando se demonstrar que uma demora na obtenção da prestação
prejudica incomportavelmente o interesse público).
A possibilidade de proceder à execução dos seus próprios atos usando a
“força física” constitui a máxima afirmação de potestas da Administração,
mas é também a prerrogativa mais gravosa para os particulares. Por isso, a
tendência ao nível dos vários ordenamentos jurídicos é, hoje, a redução do
âmbito de aplicação da executoriedade, na medida em que o alargamento
da intervenção administrativa na vida dos privados não é compatível com a
manutenção do principio, sob pena da total subjugação dos particulares
(ameaçados pela sanção criminal da desobediência).

H.6. Executoriedade no CPA

Nos artigos 175.º e seguintes do CPA estabelece-se o regime comum


aplicável aos procedimentos administrativos dirigidos à obtenção, através
de meios coercivos, da satisfação de obrigações pecuniárias, da entrega de
coisa certa, da prestação de factos ou ainda do respeito por ações ou
omissões em cumprimento de limitações impostas por atos administrativos.
Nos termos do artigo seguinte, esta execução coerciva só poderá ser
realizada pela Administração nos casos e segundo as formas e termos
expressamente previstos na lei, ou em situações de urgente necessidade
pública, devidamente fundamentada – as medidas de polícia representam
uma exceção a esta regra.
Uma vez que este artigo constituiu uma mudança de paradigma,
comparativamente ao CPA anterior, o legislador fez depender a vigência do
n.º 1 deste artigo da “entrada em vigor de um diploma que defina os casos,
as formas e os termos em que os atos administrativos podem ser impostos
coercivamente pela Administração” (cfr. artigo 8.º/2 do Decreto-Lei n.º
4/2015, que aprovou o atual CPA), diploma este que deveria ter sido
aprovado no prazo de 60 dias após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º
4/2015 e ainda não o foi, pelo que se mantém o anterior regime.
A execução judicial representa a via normal a adotar na falta de
cumprimento voluntário (artigo 183.º do CPA), não se admitindo
executoriedade quando estejam em causa obrigações pecuniárias (artigos

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176.º/2 e 179.º) e sendo a execução coativa para a entrega de coisa certa


ou para prestações de facto fungível feita, respetivamente, nos termos dos
artigos 180.º e 181.º.

H.7. Procedimento de execução e garantias dos particulares

O CPA regula com alguma densidade o procedimento de execução de


atos administrativos, sem prejuízo de procedimentos especiais. Deste modo
terminasse obrigação da prática prévia do ato administrativo a executar
(artigo 177.º/1); autonomiza-se expressamente a decisão de proceder à
execução administrativa (artigo 177.º/2), a qual deve ser notifica ao
destinatário (ainda que possa ser feita simultaneamente com a notificação
do ato exequendo) e cominar um prazo razoável para o respetivo
cumprimento (artigo 177.º/3 e 4).
A nível de garantias, obriga ao cumprimento do princípio da
proporcionalidade, com especial relevo para o princípio da necessidade ou
exigibilidade (artigo 178.º/1), e pelo respeito dos direitos fundamentais e da
dignidade da pessoa humana, quando a execução coerciva implique coação
direta sobre indivíduos (artigo 178.º/2). O artigo 182.º do CPA enumera
ainda outras garantias à disposição dos executados, nomeadamente a
impugnação administrativa e contenciosa do ato exequendo e a
impugnação administrativa e contenciosa, por vícios próprios, da decisão de
proceder à execução administrativa ou outros atos administrativos
praticados no âmbito do procedimento de execução (v.g. ordem de tomada
de posse), assim como requerer a suspensão contenciosa dos respetivos
efeitos.
Para além disso, existe a possibilidade de os executados proporem
ações administrativas comuns e requererem providências cautelares para
prevenir a adoção de operações materiais de execução ou promover a
remoção das respetivas consequências, quando tais operações sejam
ilegais:
 por serem adotadas em cumprimento de decisão nula de
proceder à execução por não ter sido antecedida de ato
exequendo;
 por não ter sido emitida e/ou notificada a decisão de proceder à
execução;
 por existir desconformidade da execução com o conteúdo e
termos determinados na decisão de proceder à execução ou com
os princípios consagrados no artigo 178.º do CPA (cfr. artigo
183.º/3).

I. Validade do Ato Administrativo


I.1. Validade e legitimidade do ato administrativo

A validade é a qualidade do ato administrativo que se constitui em


conformidade com as normas jurídicas fundamentais que, em função do
interesse público, regulam esta forma de atuação sendo, por isso, apto à
produção estável dos seus efeitos jurídicos – à desconformidade dá-se o
nome de vício.
A validade do ato administrativo depende, em primeiro lugar, da sua
legitimidade, ou seja, da conformidade com as regras que disciplinam a
formação do ato do ponto de vista do interesse público que ele visa

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prosseguir – a legitimidade é a conformidade do ato com as normas que o


regem, na medida em que daí resulta a suposição de se alcançar o interesse
público.
Em primeiro lugar, o ato administrativo deve ser conforme a regras não
jurídicas e de boa administração – o não cumprimento ou a violação deste
tipo de regras pode colocar a questão de uma eventual invalidade por vícios
de mérito (admitida entre nós, mas não reconhecida em tribunal). Mais
importante é a conformidade com o bloco da juridicidade, cuja violação
corresponde à antijuricidade do ato administrativo que continua, entre nós,
a ser designada por “ilegalidade” do ato administrativo – vícios de
“legalidade” ou juridicidade (cfr. artigo 3.º do CPA).
Apesar da legitimidade ser um pressuposto da validade do ato
administrativo, ela não se confunde com esta – todos os atos inválidos são
ilegítimos, mas nem todos os ilegítimos são inválidos. Com efeito, tanto
existem vícios invalidantes (vícios de mérito e vícios de “legalidade”) como
vícios não invalidantes (irregularidades do ato administrativo – vícios
formais e procedimentais que não relevam para efeitos de validade, ainda
que possam ter relevo para outros efeitos).

I.2. Validade e eficácia do ato administrativo

Como vimos antes, validade e eficácia não se confundem – a primeira


diz respeito a momentos intrínsecos, analisando se o ato comporta vícios ou
malformações em face das normas que estabelecem os termos em que é
possível a produção de efeitos, enquanto a segunda diz respeito à
produtividade efetiva de um ato, a qual está, em princípio, associada à sua
aptidão para produzir efeitos (validade), mas não depende dela (atos
válidos, mas ineficazes vs. eficazes, embora inválidos).

I.3. Tipos de invalidade do ato administrativo e respetivo regime


jurídico

Os vícios do ato administrativo não têm, todos eles, consequências


idênticas. A doutrina e a lei distinguem dois tipos fundamentais de
invalidade dos atos administrativos: a nulidade e a anulabilidade, sendo
possível encontrar invalidades mistas em casos previstos na lei.
No sistema administrativo português, a anulabilidade é o tipo de
invalidade regra, o que está em consonância com o sistema de
administração executiva e com as ideias de estabilidade das relações
jurídicas constituídas à sua sombra e de autoridade do ato administrativo,
sendo a nulidade um tipo excecional de invalidade reservada para os vícios
mais graves (cfr. artigo 161.º/2 do CPA). A explicação para um regime tão
severo e radical como a nulidade funda-se num vício que abala
profundamente a estrutura do ato, sendo importante determinar em que
condições estaremos perante um vício conducente à nulidade, dado que a
anulabilidade é a invalidade regra (cfr. artigo 163.º do CPA).

I.3.1. Situações de nulidade do ato administrativo

Tradicionalmente, as situações de nulidade estavam expressamente


previstas na lei (nulidades por determinação da lei). Contudo, com a entrada
em vigor do CPA de 1991, acrescentaram-se a estas, no artigo 133.º/1, as
situações em que faltasse um elemento essencial do ato (nulidades por

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natureza). Esta situação veio gerar incerteza ao longo dos anos, uma vez
que o legislador deixou ao critério da doutrina e da jurisprudência a
definição daquilo que seria um elemento essencial, em cada caso. A
doutrina defendia que estes seriam todos aqueles que se ligassem a
momentos ou aspetos legalmente decisivos e importantes de cada tipo
específico de ato administrativo e cuja falta geraria um vício anormal ou
especialmente grave ou um vício normal resultante de uma anormal má-fé
da Administração – critério da gravidade complementado pela evidência dos
vícios nos casos não resolvidos na lei.
O novo CPA (2015) veio alterar a situação. Por razões de certeza e
segurança, determinou-se que a nulidade pressupõe a respetiva cominação
legal expressa (eliminando-se a categoria introduzida anteriormente e que
gerava incertezas). Consequentemente, alargaram-se os casos de nulidade
àqueles que a doutrina e a jurisprudência vinham já reconhecendo como tal
(cfr. artigo 161.º/2 do CPA).

I.3.2. Regime da nulidade

O regime da nulidade sempre foi um regime radical, que ainda se


mantém, apesar das críticas. O artigo 162.º/1 do CPA determina que o ato
nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, não sendo obrigatório para os
respetivos destinatários – esta afirmação admite ressalvas: para além dos
efeitos putativos, que veremos mais à frente, os atos nulos impõem-se nas
relações administrativas hierárquicas, salvo se importarem a prática de um
crime (artigo 271.º/3 da CRP).
Para além disso, a nulidade não necessita de qualquer reconhecimento
ou declaração jurisdicional – a total improdutividade do ato nulo vale
“independentemente da declaração de nulidade” (artigo 162.º/1 do CPA) –
podendo ser feita valer a todo o tempo. O n.º 2 do mesmo artigo determina
que a nulidade pode ser reconhecida por qualquer autoridade, mas apenas
pode ser “declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos
administrativos competentes para a anulação”, podendo ser declarada a
todo o tempo. Acentua-se a possibilidade de atribuição de efeitos putativos
aos atos nulos numa leitura mais amiga da ponderação principiológica,
afastando a ideia de que o que está em causa é uma pura relevância do
tempo como facto jurídico-administrativo no quadro tradicional da
prescrição aquisitiva (artigo 162.º/3). Para além disso, admite-se agora, ao
contrário do regime anterior, a reforma – ato pelo qual se conserva a parte
do ato não afetada pela invalidade – e a conversão – ato pelo qual se
aproveitam os elementos válidos de um ato ilegal para com eles compor um
ato legal – como se vê no artigo 164.º/2 do CPA.
Apesar da evolução deste regime, mantém-se alguma radicalidade, pelo
que alguns autores apelam para a necessidade de mitigar/limitar o rigor do
regime da nulidade.

I.3.3. Regime da anulabilidade

Sendo a anulabilidade a sanção jurídica para os vícios menos graves,


compreende-se que ela tenha consequências menos radicais. Deste modo, o
ato anulável produz efeitos até ser anulado (se bem que a anulação do ato
tenha eficácia retroativa, eliminando, em geral, os efeitos entretanto
produzidos pelo ato que, nesse sentido, têm de ser considerados
provisórios) – artigo 163.º/2 do CPA.

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Os atos anuláveis podem ser impugnados perante os tribunais


administrativos competentes ou perante a própria Administração dentro dos
prazos legalmente estabelecidos, prazos esses que são agora diferentes
(anulação administrativa – artigo 168.º do CPA – anulação judicial – artigo
58.º do CPTA).
Uma vez que o ato anulável produz efeitos, ele vincula os respetivos
destinatários, que não lhe poderão desobedecer, podendo tal ato ser
executado, mesmo coativamente, se possuir força executória.
O novo CPA (artigo 163.º/5) determina que o efeito anulatório não se
produz quando:
 o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de
conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permitir
identificar apenas uma solução como legalmente possível;
 o fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida
tenha sido alcançado por outra via;
 se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o
vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.

I.3.4. Inexistência como tipo de invalidade

Apesar de existir referência expressa a esta figura no anterior CPA,


atualmente, tal já não sucede, apesar de ainda surgirem referências a ela na
legislação processual (artigo 2.º/2/a) do CPTA). A inexistência aparece aqui
referida àquelas situações de patologia ou de vícios dos atos administrativos
que assumem uma gravidade tal que terão de ficar sujeitos a um regime
ainda mais radical que o da própria nulidade: são aquelas situações que
estejam como tal expressa e especificamente previstas na lei, não tendo os

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atos por ela afetados sequer efeitos putativos e podendo a inexistência ser
declarada a todo o tempo em qualquer ordem de tribunais.

J. Estrutura e Vícios do Ato Administrativo – Proposta de Rogério


Soares

Contrariando a tendência geral seguida pela nossa jurisprudência e pela


doutrina dominante, Rogério Soares há muito defendia uma teoria própria.
Essa conceção passa pela tentativa de encontrar um esquema coerente da
composição interna do ato, esquema esse que pretende dar apoio a uma
teoria das invalidades construída em relação a tal composição interna – a
partir do elenco dos vários momentos ou “peças” que compõem o ato
administrativo, pretende-se compreender a natureza das possíveis
discordâncias desses momentos com a ordem jurídica, para analisar
posteriormente as suas consequências.
Na sua construção, afasta qualquer modelo teórico: não pretende
encontrar os elementos essenciais do ato, mas sim um modelo prático e
teleológico, a fim de servir de suporte a uma teoria das invalidades. A
preocupação central é a de analisar a forma como cada um dos momentos
do ato é influenciado pelo Direito para, posteriormente, poder analisar e
verificar de forma sistemática onde se encontram os vícios e quais as suas
consequências para a (in)validade do ato administrativo.

K. Estrutura e Requisitos de Validade do Ato Administrativo

De acordo com a proposta de Rogério Soares, o ato administrativo é


analisado em relação a três momentos ou perspetivas estruturais: o sujeito,
o objeto e a estatuição.
Quando se pensa no sujeito (quem pratica o ato), falamos de pessoas
coletivas públicas encarregues de prosseguir determinado(s) interesse(s)
público(s) secundário(s) e dos respetivos órgãos (e dos titulares desses
órgãos), podendo também existir entidades privadas que exerçam poderes
públicos.
Por objeto entende-se o objeto mediato (ou propriamente dito [diferente
do objeto imediato ou conteúdo e do fim]), ou seja, o ente que sofre as
transformações jurídicas visadas pelo ato e que pode ser uma pessoa, uma
coisa ou um ato administrativo anterior.
Finalmente, a estatuição refere-se à declaração que corresponde ao ato
propriamente dito, sendo constituída por: fim, conteúdo, procedimento e
forma.
Os requisitos de validade do ato administrativo correspondem aos
elementos que têm de estar verificados para que o ato seja válido, sendo
que a sua ausência gerará um vício correspondente e, consequentemente, a
sua invalidade.

K.1. O sujeito: noção e requisitos de validade

Para melhor compreender o que está em causa neste momento,


pegando no que foi referido acima, importa dizer que, quando falamos de
sujeito, pensamos nas pessoas coletivas públicas dotadas de atribuições
para a prossecução de interesses públicos colocados a seu cargo pela lei – a
relação entre o interesse público e o sujeito é chamada de função. As
pessoas coletivas atuam através de órgãos, dotados de competências

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(poderes para a prática de determinados atos), que podem ter eficácia


interna ou externa. São os órgãos que exprimem a vontade imputável à
pessoa coletiva, sendo eles, verdadeiramente, os sujeitos do ato
administrativo (no processo, a parte é a pessoa coletiva pública ou o
Ministério – cfr. artigo 10.º/2 do CPTA).
Como também já sabemos, no caso especial do Governo (artigo 182.º da
CRP), os Ministérios, apesar de serem órgãos, estão dotados de atribuições
(artigo 161.º/1/b) do CPA).
No que respeita aos requisitos de validade, é necessário que o órgão
que pratica o ato esteja inserido numa pessoa coletiva pública (ou
Ministério) dotada de atribuições para esse efeito. Para além disso, é
necessário que o órgão que pratica o ato seja o órgão competente no seio
da respetiva pessoa coletiva. De acordo com o que foi estudado em DAI, não
é apenas necessário que o órgão seja competente, já que se exige que este
esteja legitimado em concreto para o exercício da competência. São
requisitos de legitimação:
 a investidura do titular do órgão;
 o quórum, nos órgãos colegiais;
 a autorização para a prática do ato;
 a ausência de impedimentos do agente ou do titular do órgão;
 o decurso de um período de tempo antes do qual a Administração
não pode praticar o ato e depois do qual não pode agir.

Concluindo, os requisitos de validade do ato administrativo em relação


ao sujeito são as atribuições, a competência e a legitimação.

K.2. O objeto: noção e requisitos de validade

Como vimos em cima, está aqui em causa o objeto mediato e não o


imediato, que é constituído pelo conteúdo.
Os requisitos de validade relativos ao objeto são os seguintes:
 existência – possibilidade física ou de facto do objeto, bem como
à sua possibilidade jurídica (suscetibilidade de realização jurídica
de uma determinada disposição em função do objeto);
 determinação – o objeto tem de estar determinado, por forma a
que seja possível a sua identificação e delimitação;
 idoneidade – relação entre objeto e conteúdo (adequação entre
ambos): pode acontecer que o objeto seja possível, mas que a lei
não o considere adequado a receber aquelas transformações
jurídicas (v.g. alienação de bens públicos);
 legitimação – qualificação do objeto para receber os efeitos do
ato administrativo em concreto (v.g. num concurso público, só é
concorrente quem cumprir determinadas formalidades).

K.3. A estatuição: noção e requisitos de validade

Como já foi referido, a estatuição corresponde ao ato em sentido estrito,


àquilo que é declarado e que é diferente e independente do sujeito e do
objeto, e divide-se em quatro itens ou sub-elementos: o fim e o conteúdo
(aspetos substanciais) e o procedimento e a forma (aspetos formais) – a
relação entre o fim e o conteúdo deve ser objeto de análise, já que há vícios
do ato que se projetam nesta relação.

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K.3.1. O fim: noção e requisitos de validade

O fim do ato administrativo são as necessidades que ele visa pacificar,


que serão obrigatoriamente um fim público tipificado na lei – só faz sentido
se for publicado em nome de um interesse real que necessita de ser
satisfeito.
A lei indica, de forma abstrata, determinados pressupostos que indicam
ao agente a existência de um interesse público que justifica e impõe a sua
atuação: são as circunstâncias histórico-ambientais definidas pelo legislador
na hipótese da norma (pressupostos abstratos ou hipotéticos) que, uma vez
verificados em concreto, mostram ao agente a ocorrência de um interesse
público que ele deve servir (pressupostos reais ou concretos) – enquanto os
pressupostos não se verificarem em concreto, a Administração está
legalmente impedida de atuar.

K.3.2. O conteúdo: noção e requisitos de validade

O conteúdo corresponde à transformação jurídica que o ato visa


produzir, sendo o comando ou a disposição jurídica propriamente dita. É na
fixação do conteúdo que está envolvida a vinculação ou discricionariedade
de que o agente goza, sendo importante distinguir entre conteúdo vinculado
e conteúdo discricionário. O primeiro é um conteúdo fixado com precisão
pelo legislador, uma vez verificados os pressupostos; o segundo é
construído pelo agente, após a fixação dos pressupostos pela lei.
Nos casos de discricionariedade, o agente vai construir o conteúdo do
ato através de cláusulas particulares. Estes casos têm exigências de
validade, sendo elas a possibilidade (tem de ser possível), a
compreensibilidade (não pode ser contraditório, vago ou incompreensível), a
licitude, a veracidade e a legitimidade (tem de cumprir os princípios que
regem a atividade administrativa).

K.3.2.1. O conteúdo – cláusulas acessórias

Outra distinção que importa fazer a nível de conteúdo é entre o


conteúdo principal do ato e as cláusulas acessórias. Por conteúdo principal
entende-se aquele que abrange as suas determinações essenciais, que
tanto podem decorrer da determinação legal (conteúdo típico) como ser
introduzidas pela Administração em relação ao momento constitutivo do ato
(cláusulas particulares). As cláusulas acessórias são determinações do
conteúdo que se baseiam numa faculdade discricionária do agente e que
vão introduzir uma qualificação acessória face ao conteúdo principal do ato.
Estas dizem respeito à eficácia do ato em causa (condição, termo e reserva
de revogação) ou a uma alteração da posição relativa entre a Administração
e o(s) destinatário(s) do ato, sem incidência direta sobre o seu equilíbrio
interno (modo e reserva de modo).
No artigo 149.º do CPA prevêem-se as seguintes cláusulas:
 condição – cláusula acessória pela qual se faz depender a
eficácia do ato de um acontecimento futuro e incerto. Apesar de
haver uma probabilidade séria da sua verificação, não há absoluta
certeza de que esse evento venha a ocorrer. A condição pode ser
suspensiva (o ato só produz efeitos se e quando o acontecimento
se verificar) ou resolutiva (a verificação do acontecimento
determina a cessação dos efeitos do ato). Ambas podem ser

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condições potestativas ou impuras, quando o evento


condicionante ficar na dependência da vontade do destinatário do
ato.
 termo – cláusula acessória por intermédio da qual a eficácia do
ato fica dependente de um facto futuro, mas certo, facto esse que
tanto pode consistir numa data, num período de tempo ou num
acontecimento de verificação segura, mas cuja data exata não se
conheça ainda. O termo pode ser inicial (o ato só produz efeitos
quando o acontecimento se verificar) ou final (a verificação do
acontecimento determina a cessação dos efeitos do ato). O termo
aposto a um ato pode ser simultaneamente inicial e final.
 modo – cláusula acessória que apenas pode ser aposta a um ato
administrativo que produza vantagens para o seu destinatário,
implicando a imposição de um dever de fazer, não fazer ou
suportar dirigido ao seu destinatário. Ao contrário da condição e
do termo, o modo não influi sobre a eficácia do ato, permitindo à
Administração desencadear a execução (coativa ou judicial)
tendente a obter o seu cumprimento. Nos casos em que a
execução coativa não seja possível, o incumprimento da cláusula
modal não confere ao órgão administrativo o poder de revogar o
ato administrativo favorável – tal só será possível se a
Administração tiver feito previamente uma reserva de revogação
por incumprimento do modo. Assim, a única solução que lhe resta
é a de obrigar o particular a ressarcir os prejuízos resultantes para
o interesse público do não cumprimento do modo. Pode surgir
confusão entre o modo e a cláusula potestativa, mas, em caso de
dúvida, considera-se que estamos em face de um modo, já que
este é mais favorável para o particular, dado que não influi sobre
a eficácia do ato. Apenas se deverá concluir que estamos perante
uma condição se a cláusula for indispensável para o sentido do
ato (se não se entender razoável a produção de efeitos sem se ter
verificado a cláusula). O modo não pode ser visto como um ato
autónomo: a sua subsistência depende da subsistência do ato
principal e a invalidade do último determina a invalidade do
primeiro.
 reserva – poder excecional que a Administração poderá guardar
para si de influir futuramente no conteúdo do ato administrativo,
seja pela aposição superveniente de um ou vários modos (reserva
de modo), seja por se reservar a possibilidade de o revogar
(reserva de revogação). A reserva de revogação está igualmente
prevista no artigo 167.º do CPA.

O artigo 149.º do CPA estabelece o regime das cláusulas acessórias,


estabelecendo tanto os poderes como os limites da Administração à
aposição das mesmas.

K.3.2.2. Relação do conteúdo com o fim

Para a análise deste problema convém destacar duas ideias


importantes:
 os vícios da vontade (erro, dolo, coação) não relevam enquanto
vícios do sujeito;
 o conteúdo é estritamente determinado pelo fim que com ele se
pretende realizar.

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Nos atos vinculados, a relação do conteúdo com o fim é uma tarefa


realizada pelo próprio legislador – este estabelece o fim a alcançar e define
o conteúdo para que este seja alcançado. Uma vez verificados os
pressupostos concretos, não resta outra opção ao agente que não atuar
conforme aquilo que está abstratamente determinado na lei.
Nos atos discricionários, o legislador limita-se a indicar o fim a ser
alcançado, cabendo à Administração encontrar o conteúdo do ato e fazer o
raciocínio de relação entre o conteúdo e o fim, ou seja, um juízo de
adequação entre os dois. Para favorecer a transparência desta operação, a
Administração deve indicar os motivos, isto é, os interesses públicos
determinantes para o conteúdo atribuído ao ato – a motivação é a
declaração que se faz sobre os motivos.

K.3.3. O procedimento: noção e requisitos de validade

Apesar de não assumir natureza substancial, o procedimento tem


implicações no valor da estatuição – para que esta seja válida, é necessário
um procedimento sem vícios, sendo imperativo que a Administração cumpra
todos os trâmites legalmente exigidos para a prática de determinado ato.
Sempre que a lei definir em termos precisos a tramitação procedimental
é mais fácil identificar a existência de vícios procedimentais, algo para o
qual o CPA contribui. Podem, então, existir procedimentos necessários, onde
se cumpre a tramitação desenhada na lei, ou voluntários/facultativos, onde
a Administração tem liberdade para fixar o procedimento. Neste caso
podem ocorrer igualmente vícios procedimentais, na medida em que a
tramitação criada pela Administração deve ser racional (artigo 56.º do CPA).
Por último, importa distinguir o conceito de formalidades do conceito de
requisitos relativos ao procedimento, já que o primeiro, ainda que usado
com um sentido próximo, é mais abrangente, incluindo exigências
procedimentais e outras, como as relativas a órgãos colegiais.

K.3.4. A forma: noção e requisitos de validade

A forma do ato é a maneira pela qual este se exterioriza. Nos termos do


artigo 150.º do CPA, vigora a regra da forma escrita com forma supletiva.
Esta regra sofre as devidas adaptações de acordo com o caso,
nomeadamente dos órgãos colegiais, onde a forma normal é oral, sendo a
escrita determinada por lei, devendo estes atos ser consignados em ata
(artigo 150.º/2). Devem ainda ter-se em conta as menções que constam
obrigatoriamente do ato (artigo 151.º do CPA). Neste contexto volta a surgir
o conceito de formalidades, agora em sentido estrito, a fim de designar
certas exigências que a lei pode estabelecer para determinados atos
administrativos, no sentido de a declaração dever ser rodeada por certas
circunstâncias de facto.
Uma exigência formal de grande importância é o dever de
fundamentação, previsto nos artigos 152.º e seguintes do CPA. A
fundamentação traduz-se numa declaração contida no ato administrativo,
por intermédio da qual o seu autor expõe os fundamentos de facto e de
Direito da sua decisão, como dispõe o artigo 153.º/1. Apesar de não existir
um dever geral de fundamentação, uma mera análise do artigo 152.º
conduz à conclusão que tal dever existe para a maioria dos atos – está
prevista na CRP relativamente a atos que afetem direitos ou interesses
legalmente protegidos (artigo 268.º/3). No que toca ao CPA, importa chamar

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à atenção para as regras dos artigos 153.º e 154.º, nomeadamente no


artigo 153.º/1 in fine e 153.º/2.
Contudo, não está estabelecida no CPA a distinção entre justificação e
motivação. A justificação é uma indicação sobre o fim do ato, a uma
indicação de pressupostos (exigência em todos os atos administrativos). Já a
motivação apenas tem lugar nos atos discricionários e consiste numa
declaração sobre os motivos, como vimos. Ou seja, incide nos interesses
que o agente considerou significativos para atribuir um determinado
conteúdo ao ato, na parte em que este envolva discricionariedade.

L. Vícios dos Atos Administrativos e Respetivas Consequências

A análise seguinte é feita com base na teoria proposta por Rogério


Soares que acabámos de analisar: em função dos requisitos de validade de
cada um dos momentos, iremos analisar as possíveis discordâncias com a
ordem jurídica, determinando-se os respetivos vícios e sanções (cfr. tabela
de vícios da Dr.ª Fernanda Paula Oliveira).

L.1. Vícios relativos ao sujeito

Quando analisámos o sujeito, concluímos que os requisitos de validade


eram as atribuições, as competências e a legitimação. Deste modo, os vícios
relativos ao sujeito estão relacionados com a falta de atribuições,
incompetência e falta de legitimação.
Temos o vício da falta de atribuições (ou incompetência absoluta)
quando um órgão de uma pessoa coletiva pública atua no domínio de outro
órgão de outra pessoa coletiva pública (no caso do Governo, no âmbito das
atribuições de outro Ministério), sendo sancionado com a nulidade, de
acordo com o artigo 161.º/2/b) do CPA.
A usurpação de poder constitui uma falta de atribuições qualificada: a
atribuição não só não pertence à pessoa coletiva, como não pertence a
nenhuma outra, por pertencer a outra função do Estado que não a
administrativa – violação do princípio da separação de poderes (nulidade,
nos termos do artigo 161.º/2/a) do CPA).
A incompetência (ou incompetência relativa) consiste na violação das
regras de repartição de poderes dentro da mesma pessoa coletiva (ou
Ministério), constituindo uma falta de poderes do órgão que pratica o ato
por ser diferente daquele que estaria habilitado para agir, no âmbito da
mesma pessoa coletiva (ou Ministério). A sanção para este tipo de vícios
será a anulabilidade, exceto para a incompetência territorial.
No que toca à falta de legitimação, está em causa a possibilidade ou
qualificação para o exercício do poder. As faltas mais graves, que originam a
nulidade do ato, são a inobservância do quórum e a tomada de decisões
sem a maioria legalmente exigida (artigo 161.º/2/h) do CPA). Os restantes
casos de falta de legitimação (falta de autorização, impedimento do agente
ou titular do órgão, falta de convocatória ou de reunião, etc.) determinam a
mera anulabilidade dos respetivos atos.
Importa salientar que os vícios da vontade (erro, dolo e coação) não têm
relevância enquanto vícios do sujeito, no Direito Administrativo.

L.2. Vícios relativos ao objeto

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Tendo por base o critério da gravidade da ofensa à ordem jurídica, há


alguns vícios relativos ao objeto que determinam a nulidade. É o caso da
inexistência ou impossibilidade física ou jurídica do objeto e da
indeterminabilidade (artigo 161.º/2/c) do CPA). Os restantes vícios relativos
ao objeto (falta de idoneidade e falta de legitimação) terão como
consequência a anulabilidade.

L.3. Vícios relativos à estatuição


L.3.1. Vícios materiais ou substanciais

Começando pelos vícios quanto ao fim, só relevam aqui os vícios


relativos ao domínio vinculado, uma vez que se houver um vício relativo ao
fim (pressupostos) no domínio discricionário este irá repercutir-se na escolha
do conteúdo, originando um vício na relação fim-conteúdo.
No que respeita, então, ao domínio vinculado, podemos ter vícios
relativos à falta de pressuposto abstrato (falta de base legal – atua sem
pressuposto na lei) ou à falta de pressuposto concreto (inexistência da
situação concreta – erro de facto – ou, existindo, não é subsumível na
hipótese legal – erro de qualificação dos factos ou erro de direito quanto aos
factos). Em princípio, a consequência destes vícios será a mera
anulabilidade. Contudo, em situações mais graves e em situações previstas
na lei poderão gerar nulidade (v.g. falta de base legal corresponde a falta de
atribuições – artigo 161.º/2/k) do CPA).
Em relação aos vícios de conteúdo típicos de atos vinculados, estes
ocorrem quando a Administração dá ao ato um conteúdo diferente daquele
que decorre da lei – a consequência é, em regra, a anulabilidade.
Nos atos discricionários, os vícios da relação fim-conteúdo surgem
quando não há correspondência entre o conteúdo e o fim,
independentemente da validade destes, havendo um vício na formação da
vontade da Administração – desvio de poder (gera nulidade apenas nos
casos em que se prossegue um fim privado ilícito). Os vícios na relação fim-
conteúdo estão muitas vezes associados aos motivos, podendo refletir-se na
adoção de motivos inexistentes, falsos, errados, irrelevantes, contraditórios,
deficientes, desviados, incongruentes ou ilegítimos (anuláveis). Igualmente,
a violação de princípios jurídicos e o mau ou não uso da discricionariedade
geram anulabilidade. A impossibilidade, incompreensibilidade e ilicitude
grave, a par dos vícios da vontade (artigo 161.º/2/f) do CPA), geram
nulidade.

L.3.2. Vícios formais

Começando pelos vícios relativos ao procedimento, estes serão


facilmente identificáveis quando estivermos perante procedimentos
vinculados (cuja tramitação seja disciplinada em termos obrigatórios por
lei). Netses casos a regra é da anulabilidade, exceto nos casos de violação
de direitos fundamentais procedimentais onde temos a nulidade (falta de
audiência dos interessados em procedimentos disciplinares [artigos 269.º/3
e 32.º/10 da CRP e 161.º/2/d) do CPA]).
Nos casos de procedimento facultativo, temos os casos de procedimento
irracional, que gera mera anulabilidade ou irregularidade, se estiver em
causa a violação de preceitos indicativos (cfr. artigo 56.º do CPA – princípio
da adequação procedimental). A ausência de procedimento gera nulidade
nos termos do artigo 161.º/2/g) e l) do CPA.

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Importa ainda referir que um vício no procedimento pode influir na


decisão respetiva, originando um vício de conteúdo (v.g. parecer ilegal que
serve de base ao conteúdo do ato).
A regra geral dos vícios de forma é a anulabilidade, incluindo nos casos
de falta de fundamentação (a não veracidade desta tem efeitos a nível do
conteúdo). Quando se trata de uma inobservância de forma legal essencial
ou carência de procedimento temos a nulidade (artigo 161.º/2/g), h) e l) do
CPA).
Importa notar que o vício de forma pode ser irrelevante quando a
violação das regras formais não tenha resultado numa lesão efetiva dos
valores e interesses protegidos pelo preceito violado. Terá lugar um
aproveitamento do ato, designadamente quando o conteúdo não puder ser
outro e não haja interesse relevante na anulação (cfr. artigo 163.º/5 do CPA).

As Garantias dos Administrados perante a


Administração Pública

A. Proteção dos Particulares perante a Administração Pública:


Tipos de Garantias

As garantias dos particulares traduzem-se nos “meios criados pela


ordem jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as violações do
direito objetivo, as ofensas dos direitos subjetivos ou dos interesses
legítimos dos particulares, ou o demérito da ação administrativa, por parte
da Administração Pública”, segundo Freitas do Amaral (cfr. artigo 266.º/1 da
CRP). As garantias podem assumir a natureza de garantias políticas,
garantias administrativas (ou graciosas) e de garantias jurisdicionais (ou
contenciosas), sendo o critério determinante desta distinção o tipo de órgão
a quem está confiada a sua efetivação: órgãos políticos do Estado, órgãos
da própria Administração ou órgãos jurisdicionais, respetivamente.
Uma distinção importante é feita entre garantias jurisdicionais e não
jurisdicionais, que se dividem em garantias administrativas e outras
garantias não jurisdicionais – analisaremos estas duas últimas. No âmbito
das garantias administrativas importa distinguir as garantias petitórias e as
garantias impugnatórias (impugnação administrativa): as primeiras têm por
base um pedido, não havendo impugnação de um ato, enquanto as
segundas, como o nome indica, têm por base uma impugnação.

B. Garantias Administrativas
B.1. O autocontrolo administrativo

As garantias graciosas ou administrativas assentam na


institucionalização, dentro da própria Administração, de mecanismos de
controlo da própria atividade, com vista a assegurar o respeito pela
legalidade, a observância do dever de boa administração e o respeito pelos
direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares – podem ser de
mérito, de legalidade ou mistas (importante papel de fiscalização da
legalidade e da conveniência e da oportunidade administrativas, a par da
garantia dos direitos e interesses dos particulares).
O atual CPA fixa um regime geral (comum) nos artigos 184.º a 190.º e
regimes específicos para a reclamação ([para o autor do ato] artigos 191.º a
192.º), recurso hierárquico ([para o superior hierárquico] artigos 193.º a
198.º) e recursos administrativos especiais (artigo 199.º). Estes últimos

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incluem os anteriores recursos hierárquicos impróprios e o anterior recurso


tutelar. Estes regimes dizem respeito ao ato administrativo, já que os do
regulamento se encontram nos artigos 137.º/2 e 147.º do CPA.

B.2. Vantagens e inconvenientes

Uma primeira vantagem surge com o facto de as garantias


impugnatórias poderem ser utilizadas para reagir contra uma omissão ilegal
de ato administrativo, assumindo, nesta dimensão, a natureza de garantias
petitórias (artigo 184.º/1 do CPA). Contudo, a principal vantagem destas
garantias é o facto de a Administração apreciar mais do que a legalidade
(artigo 185.º/3 do CPA), ao contrário dos tribunais, podendo requerer-se
anulação, declaração de nulidade, revogação, modificação ou substituição
do ato junto da própria Administração. Acresce o facto de a utilização das
vias de impugnação administrativa suspender o prazo da impugnação
judicial dos atos administrativos objeto de impugnação (artigos 59.º/4 e 5
do CPTA e 190.º/3 do CPA). De referir ainda o facto de o procedimento para
efetivar garantias administrativas se caracterizar pela simplicidade,
informalidade, quase gratuitidade, bem como pela desnecessidade de
constituição de advogado e de suportar custas judiciais.
Um inconveniente prende-se com o facto de a Administração tender a
privilegiar os critérios de eficiência e prossecução do interesse público, em
detrimento do respeito e proteção dos direitos e interesses dos particulares,
sendo que a reclamação e o recurso administrativo não têm, em geral,
efeito suspensivo dos efeitos das medidas impugnadas (artigo 189.º/2 do
CPA), pelo que a Administração pode proceder à execução dos seus atos na
pendência dessas impugnações administrativas (cfr. artigo 59.º/5 do CPTA).

B.3. Tipos e regime das garantias administrativas


B.3.1. Regime comum

O CPA estabelece um regime comum às diferentes garantias


administrativas, seguindo-se de um regime específico para uma delas.
Em primeiro lugar, quanto ao objeto da reclamação ou dos recursos,
passa a prever-se a possibilidade de estas garantias serem utilizadas para
reagir contra a omissão ilegal de atos administrativos (artigo 184.º/1/b) do
CPA).
No que concerne ao seu fundamento, sempre que a lei não determine o
contrário, as reclamações e os recursos podem ter por fundamento a
ilegalidade ou inconveniência do ato praticado ou da omissão (artigo 185.º/3
do CPA), exceto no caso de recurso para órgão que exerça poderes de
superintendência e tutela (tutela de mérito – cfr. artigo 199.º/3 do CPA).
Do ponto de vista da sua natureza, estas garantias têm agora, por regra,
caráter facultativo, salvo se a lei expressamente as domine necessárias
(artigo 185.º/2 do CPA).
No que concerne à legitimidade para o seu desencadeamento, rege o
artigo 186.º: os titulares de direitos subjetivos ou interesses legalmente
protegidos que se considerem lesados pela prática ou omissão do ato
administrativo, bem como as pessoas e entidades constantes do artigo
68.º/2 a 4 do CPA (cfr. artigo 186.º/2 do CPA).
Do ponto de vista dos prazos para a sua interposição, estes diferem
consoante digam respeito à impugnação de um ato (neste caso o prazo
depende do tipo de garantia utilizada [artigo 188.º/1 e 2 do CPA]) ou à
reação a omissões ilegais (situação em que a reclamação ou os recursos
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podem ser interpostos no prazo de um ano [artigo 187.º do CPA] a contar da


data do incumprimento do dever de decisão [artigos 129.º e 188.º/2 do
CPA]).
Os efeitos sobre a eficácia do ato resultam do artigo 189.º do CPA. Os
efeitos sobre os prazos resultam do artigo 190.º do CPA.

B.3.2. A reclamação

A reclamação consiste, nos termos do artigo 191.º do CPA, na


impugnação do ato perante o seu próprio autor e pode consistir numa
reação a omissão de qualquer ato administrativo (artigos 184.º e 191.º/ 1 do
CPA). Pode reclamar-se de qualquer ato, salvo disposição legal, exceto dos
que decidam reclamação ou recurso, a não ser que se pretenda reclamar
com fundamento em omissão de pronúncia (artigo 191.º/1 e 2 do CPA).
A reclamação é, em regra, facultativa, apenas sendo necessária quando,
por determinação legal expressa, seja pressuposto da impugnação. Uma vez
que, atualmente, na generalidade dos procedimentos, o interessado pode
pronunciar-se em sede de audiência dos interessados, a reclamação perdeu
grande parte do seu relevo prático.
Esta pode ter fundamento na ilegalidade ou inconveniência do ato
(artigo 185.º/3 do CPA), podendo solicitar-se, na mesma, a declaração de
nulidade, a anulação ou a respetiva convalidação, se tive sido considerado
ilegal, ou a sua suspensão, revogação, modificação ou substituição (artigo
188.º do CPA). Nos casos de omissão ilegal, a reclamação deve ser
apresentada no prazo de 1 ano (artigo 187.º do CPA) contado desde a data
do incumprimento do dever de decisão (artigo 188.º/3 do CPA).
Após a reclamação, o órgão deve notificar os interessados (artigo
192.º/1 do CPA), sendo o prazo para apreciar e decidir a reclamação de 30
dias (artigo 192.º/2 do CPA), valendo o silêncio, nos casos de reclamação
necessária, como a possibilidade de o interessado usar o meio de tutela,
administrativo ou contencioso, adequado para a satisfação da sua pretensão
(artigo 192.º/3 do CPA).
A reclamação não suspende a eficácia do ato, exceto quando se trate de
uma reclamação necessária (artigo 189.º do CPA), suspendendo o prazo de
impugnação judicial, como vimos, se se tratar de reclamações de atos (ou
omissões) necessários (artigo 190.º do CPA).

B.3.3. O recurso hierárquico

O recurso hierárquico corresponde à faculdade dos particulares de


impugnarem um ato praticado ou de reagirem contra a omissão ilegal de
atos administrativos por um órgão subalterno junto do respetivo superior
hierárquico (artigo 193.º do CPA), o qual deve ser aqui entendido como o
mais elevado superior hierárquico do autor do ato impugnado, salvo em
caso de delegação de poderes (artigo 194.º/1 do CPA).
Salvo disposição legal em contrário, podem ser alvo de recurso
hierárquico todos os atos ou omissões imputáveis a órgão subalternos,
podendo o pedido consistir na declaração de nulidade, anulação ou a
respetiva convalidação, se tive sido considerado ilegal, ou a sua suspensão,
revogação, modificação ou substituição, por razões de oportunidade ou
conveniência, mas apenas quando o superior hierárquico dispuser de
poderes dispositivos e não de mera fiscalização.
O recurso hierárquico pode ser obrigatório ou necessário ou facultativo
(artigo 185.º/1 do CPA). O prazo para a interposição de recurso hierárquico

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necessário é de 30 dias (artigo 193.º/2 do CPA), devendo o recurso


hierárquico facultativo ser interposto no prazo de 3 meses (artigos 193.º/2
do CPA e 58.º/2 do CPTA). Os recursos contra omissão ilegal podem ser
apresentados no prazo de 1 ano (artigos 187.º e 188.º/3 do CPA).
Ainda que o recurso deva ser dirigido ao mais alto superior hierárquico,
a sua interposição é apresentada ao autor do ato ou omissão, que deverá
proceder como indica o artigo 195.º do CPA (cfr. artigo 197.º/2 do CPA).
A interposição do recurso hierárquico suspende os prazos para a
impugnação judicial do ato impugnado (artigo 190.º/3 do CPA), mas apenas
o necessário suspende os efeitos do ato recorrido, salvo disposição legal
contrária (cfr. artigo 189.º/1, 2, 3 e 5 do CPA). O recurso prevê a intervenção
do órgão que emitiu ou omitiu o ato e dos contrainteressados (artigos
194.º/2 e 195.º do CPA). O prazo de decisão é de 30 dias a contar da
remessa do processo para o superior (artigo 198.º do CPA). A decisão
expressa pode ser de confirmação ou de anulação, conforme os poderes do
superior, não sendo necessária a audiência prévia.
Se a competência do autor do ato não for exclusiva, pode também
revogá-lo, modificá-lo ou substituí-lo, ainda que em sentido desfavorável ao
recorrente, não havendo, desta forma, uma vinculação do órgão
competente ao pedido do recorrente (artigo 197.º/1 do CPA). Tem, ainda,
poderes como anular, no todo ou em parte, o procedimento administrativo e
determinar a realização de diligências complementares ou a realização de
nova instrução (casos em que o prazo da decisão do recurso é elevado para
90 dias – artigo 198.º/2 do CPA).
No caso de se tratar de uma omissão do dever de decisão de ato
ilegalmente omitido, o órgão competente para decidir o recurso pode
ordenar a prática do mesmo ou substituir-se ao autor do órgão, no caso de a
competência não ser exclusiva deste.
O superior hierárquico deve apreciar todas as questões suscitadas nos
recursos hierárquicos, quer necessários quer facultativos, não obstante a
letra da lei apenas referir os primeiros (artigo 198.º/3).
A eventual falta de decisão dentro do prazo ou o indeferimento do
recurso hierárquico necessário conferem ao interessado a possibilidade de
impugnar contenciosamente o ato do órgão subalterno ou de fazer valer o
seu direito ao cumprimento, pelo mesmo órgão, do dever de decisão.

B.3.4. Dos recursos administrativos especiais

São recursos administrativos especiais todos aqueles que não são


recursos hierárquicos – os antigos recursos hierárquicos impróprios
(recursos interpostos para um órgão da mesma pessoa coletiva que exerça
poderes de supervisão sobre o órgão recorrido; os recursos interpostos para
o órgão colegial, de atos ou omissões de qualquer um dos seus membros,
comissões ou secções; os recursos para o delegante ou subdelegante de
atos praticados por delegado ou subdelegado), bem como os recursos
tutelares (recursos de atos ou omissões de um órgão para o órgão de uma
pessoa coletiva que exerça sobre ele poderes de tutela ou de
superintendência). Para existir este último, tem de existir previsão legal
expressa para o recurso, não apenas da tutela. Ainda nestes casos, o
recurso tutelar apenas pode ter por fundamento a inconveniência ou
inoportunidade do ato ou da omissão nos casos em que a lei estabeleça
uma tutela de mérito, e apenas pode ocorrer, no seu âmbito, a modificação
ou substituição do ato recorrido ou omitido, desde que a lei confira ao órgão

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tutelar poderes de tutela substitutiva e a mesma seja exercida no âmbito


daquela (cfr. artigo 199.º/3 e 4 do CPA).
Aos recursos especiais são aplicáveis as disposições reguladoras do
recurso hierárquico, mas, quanto ao recurso tutelar, apenas na parte em
que não contrariem a natureza própria deste e o respeito devido à
autonomia da entidade tutelada (artigo 199.º/5 do CPA).

C. Outras Garantias não Jurisdicionais


C.1. As queixas a autoridades públicas independentes

Uma tendência atual passa pela criação de autoridades públicas


independentes com funções de controlo da Administração Pública,
designadamente com poderes de apreciação de queixas dos particulares,
funcionando, por este motivo, como verdadeiros instrumentos de garantia
dos direitos e interesses legítimos dos administrados.
As queixas são apresentadas a autoridades exteriores à Administração
comum e visam apenas o controlo da legalidade e não do mérito (não
podem apreciar a conveniência ou oportunidade dos atos em questão).
São exemplos destas entidades a Comissão de Acesso aos Documentos
Administrativos (CADA) e a Comissão Nacional de Proteção de Dados
(CNPD).

C.2. As queixas ao Provedor de Justiça

O Provedor de Justiça é um órgão público, independente do Governo, da


Administração e dos tribunais, que é eleito pelo Parlamento por maioria
qualificada (artigo 23.º/3 da CRP) e não está sujeito a ordens ou instruções
alheias – a sua principal função é a apreciação de queixas contra a atuação
ilegal ou “injusta” da Administração.
Contudo, não detém poderes decisórios. Os seus poderes são
meramente persuasórios: se o Provedor entender que o particular tem razão
na sua queixa, pode dirigir recomendações às autoridades competentes –
revogação ou substituição de um ato administrativo, prática de determinado
ato administrativo, etc.
No exercício das suas funções, o Provedor tem poderes para efetuar
visitas, inspeções, pedir informações, proceder a inquéritos e a quaisquer
investigações que considere necessárias.

C.3. O direito de petição em geral

O direito de petição consiste na faculdade reconhecida a indivíduos ou


grupos de indivíduos de se dirigirem a quaisquer autoridades públicas
apresentando petições, representações, reclamações ou queixas destinadas
à defesa dos seus direitos, das leis ou do interesse geral (artigo 52.º da CRP)
– trata-se de um direito político que tanto pode ser exercido perante órgãos
de soberania, como perante quaisquer autoridades públicas, incluindo,
naturalmente, os órgãos e serviços administrativos.
O direito geral de petição analisa-se em diversos sub-direitos: direito de
petição em sentido estrito (reclamação de providências por parte de
poderes públicos); direito de representação (chamada de atenção ou
protesto relativo a qualquer problema existente ou às consequências de
uma determinada ação administrativa); direito de queixa (protesto contra o

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comportamento de determinado agente ou órgão administrativo); e direito


de reclamação (contestação de decisões administrativas tomadas ou
anunciadas).

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