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Nota Prévia:
Estes são os apontamentos de DIREITO ADMINISTRATIVO, disponibilizados pela
Comissão de Curso dos alunos do 2º ano da licenciatura em Direito da Faculdade de
Direito da Universidade do Porto, para o mandato de 2022/2023.
Foram elaborados pela aluna Luísa Ferreira e revistos pelo aluno Caio Mello, tendo por
base as aulas e documentos disponibilizados pelo docente João Pacheco de Amorim.
Salienta-se que estes apontamentos são apenas complementos de estudo, não sendo
dispensada, por isso, a leitura das obras obrigatórias e a presença nas aulas.

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Índice

As principais formas de atividade administrativa: regulamento, ato e contrato


administrativo ................................................................................................................... 4

Atividade dos particulares no direito administrativo ....................................................... 6

Atividade administrativa de direito público .................................................................. 8

Regulamento administrativo..............................................................................................9

Ato administrativo...........................................................................................................20

Princípios gerais do Procedimento Administrativo.........................................................70

Reclamações e recursos administrativos.......................................................................113

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AS PRINCIPAIS FORMAS DE ATIVIDADE ADMINISTRATIVA:
REGULAMENTO, ATO E CONTRATO ADMINISTRATIVO
OS FACTOS JURÍDICOS NO DIREITO ADMINISTRATIVO

Factos jurídicos, em sentido amplo, são todos os factos que o direito faz depender a
produção de um efeito jurídico.

A partir deste conceito, podemos distinguir entre meros factos jurídicos e atos jurídicos,
sendo que o essencial desta distinção é a vontade humana. Assim, no caso dos meros
factos jurídicos será irrelevante a vontade humana ou psicológica da pessoa na
produção de efeitos jurídicos. Já nos atos jurídicos há sempre relevo dessa vontade.

Os factos jurídicos dividem-se em:

o factos naturais, que se relacionam com o mundo natural e se subdividem em:


1. situações, que são permanentes (por exemplo: um edifício em ruínas) ou
2. acontecimentos, que são instantâneos ou limitados no tempo, como
catástrofes naturais (por exemplo: incêndios, terramotos, inundações).
o factos humanos, que se subdividem em:
1. involuntários, não dependendo da vontade, como o nascimento,
maioridade e morte.
2. Voluntários, onde se podem considerar:
a) ações materiais (por exemplo: ação de reparação de uma
estrada).
b) comportamentos, que são atos de vontade, mas não se
consideram como tal, visto que nos factos jurídicos esta vontade
se revela irrelevante. Por isso, os efeitos produzem-se não através
da vontade, mas sim por determinação normativa, independente
desta vontade.
Relativamente aos comportamentos, será de ter em conta o
art.157/a CPA onde, normalmente, se tem a aprovação como um
ato tutelar, mas o Professor Doutor João Pacheco de Amorim
entende que a aprovação também engloba os casos das autarquias
locais em que, porventura, possa o próprio autor do ato
administrativo fazer depender a eficácia de uma sua deliberação

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da assembleia municipal à por exemplo: a câmara decide
contratar, mas sujeita a sua eficácia à aprovação do projeto à
Assembleia Municipal, a qual emite uma declaração de aprovação
ou não (ato de vontade). No entanto, a Assembleia não ganhou
uma competência, aquela declaração apenas é um requisito de
eficácia, não é causa direta da produção de efeitos e por isso a
declaração é um mero comportamento – mero facto jurídico.

É aqui de considerar que quer as ações materiais, quer os comportamentos


são, no sentido naturalístico (não jurídico) atos de vontade, ou seja,
dependem da vontade, mas tendo consequências jurídicas que não derivam
desta.

Neste sentido, podemos considerar ainda, quanto aos factos jurídicos naturais, dois
elementos importantes:

o tempo: produz ou extingue efeitos jurídicos. Neste sentido, podemos referir que
o usucapião tem um carácter produtivo e a caducidade (extinção devido ao facto
de o direito ou posição/poder jurídico não ser exercido durante um determinado
período de tempo) e prescrição (extinção do direito ou poder jurídico pelo não
uso, por exemplo) têm carácter extintivo.
o espaço: o espaço, a forma territorial, determina a atribuição de competências.

Os atos jurídicos são declarações de ciência ou de vontade a qual a lei liga a produção
de efeitos jurídicos. Por regra, não temos um ato que seja puramente de vontade e não
tenha uma componente de ciência.

O ato jurídico distingue-se das ações materiais que podem ter consequências jurídicas
tal como o ato, mas não são instrumentos que a ordem jurídica coloca à disposição de
operadores jurídicos com vista ao alcance de determinados resultados, abrangendo os atos
dos particulares, os atos de autoridade e todo e qualquer ato administrativo é abrangido
por esta noção.

Na Lei das Autarquias Locais (LAL) há uma espécie de última competência residual
que é pronunciarem-se sobre qualquer tema sem qualquer limite, são declarações políticas
e não jurídicas. Mas, por exemplo: a câmara tem uma competência sua (matéria de
contratação pública), como a construção de um parque da cidade. Sendo que só a câmara

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detém competência, terá na mesma de ter uma aprovação da Assembleia municipal, ou
seja, a câmara faz depender a produção de efeitos jurídicos, a eficácia da sua decisão, de
uma aprovação da assembleia municipal ao abrigo dessa competência. à Temos, então,
uma cláusula acessória, uma condição (suspensiva, neste caso), aposta pelo próprio autor
do ato administrativo. Quando a assembleia municipal aprova, este ato não é
verdadeiramente um ato jurídico, ele é um facto jurídico. A assembleia quis no seu ato
naturalístico, em si a vontade da câmara é irrelevante. Em tudo, é semelhante a um ato
jurídico, mas não o é.

Em suma, os atos jurídicos relevam e tem um papel central a vontade do agente. Estes
podem ser divididos em:

1. Meros atos jurídicos: a vontade não tem relevância quanto ao conteúdo do ato,
serve apenas como impulso de produção de atos jurídicos.
2. Decisões: a vontade tem papel relevante, nomeadamente nos efeitos jurídicos
produzidos, determinando o conteúdo do ato.

Neste contexto, é de referir que a vontade administrativa se encontra sujeita aos princípios
administrativos, nomeadamente da prossecução do interesse público e da juridicidade,
sendo objetiva e funcionalizada. Esta vontade não se confunde com a liberdade e
autonomia dos negócios jurídicos celebrados por particulares. Assim, os atos jurídicos da
administração estão pré-determinados à prossecução de um interesse público, tendo um
modo de operar próprio que implica obediência à forma jurídica, não tendo em conta a
vontade psicológica.

ATIVIDADE DOS PARTICULARES NO DIREITO ADMINISTRATIVO


A atividade dos particulares nas relações jurídico-administrativas manifesta-se em
situações de:

1. colaboração direta com a administração pública: é o caso de todos os


trabalhadores da função pública e as pessoas que estão investidas em cargos
de funções públicas, a quem se confia uma parcela da função administrativa.
Neste sentido, podemos referir entidades privadas investidas em funções e
tarefas públicas, como concessionários, profissionais privados investidos em
funções públicas, federações desportivas de atividade pública desportiva, etc.

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Menor relevo têm, em termos de relevo público, as entidades privadas de interesse
público.

2. Concertação: a concertação, parcialmente oposta à colaboração direta, projeta-se


em todos os contratos administrativos, nos planos concertados (planos que
resultam de contratos entre administração e particulares), acordos, pactos e
convenções.

3. Iniciativa: temos as petições; requerimentos de atos favoráveis (onde se investe


a administração com o poder de decisão); comunicações prévias (o particular
altera a sua relação jurídica, alternativamente ao mecanismo de autorização,
podendo exercer uma atividade afastando uma proibição relativa, ocupando um
lugar que tradicionalmente pertence a um ato administrativo); participação do
particular no procedimento.

4. Iniciativa de controlo: Falamos nos requerimentos de 2º grau, reclamações,


recursos e ações sociais. As reclamações e recursos fazem parte da impugnação
administrativa e quanto às ações judiciais temos em conta as ações sociais.

Para além da iniciativa temos a participação, onde os particulares têm direito de participar
nos atos em que estão interessados. Esta pode assumir inúmeras modalidades, como
colaborações no fornecimento de provas, depoimentos, resposta a inquéritos, etc.

Os factos ilícitos dos particulares:

Estamos perante factos ilícitos dos particulares quando estes adotem comportamentos
violadores de normas administrativas, caso estes não cumpram deveres impostos pelas
normas que visam proteger interesses públicos. Esses comportamentos, porque violam
normas imperativas, são comportamentos ilícitos e, portanto, a lei pode prever a aplicação
de sanções.

Podemos ter sanções que se relacionem com factos ilícitos civis, que apenas relevam
quando seja a administração a praticar tais factos; factos ilícitos disciplinares, por

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exemplo quando praticado por um trabalhador da função pública, que dá origem a
responsabilidade disciplinar.

Por isso, podemos falar em três tipos de responsabilidade: responsabilidade disciplinar


em sentido amplo, que são as medidas administrativas desfavoráveis; podemos falar na
responsabilidade contraordenacional, onde se aplicam coimas ou sanções acessórias e
ainda responsabilidade mandatária que irá implicar a perda de mandato.

ATIVIDADE ADMINISTRATIVA DE DIREITO PÚBLICO

Apesar da importância crescente do uso do direito privado pela Administração, o objeto


principal da nossa análise será a atividade administrativa de direito público, que pode
ser formal e informal, jurídica e material.

Considerando as pronúncias jurídicas formais:

1. Atos jurídicos instrumentais: podem ser preparatórios (abertura de concurso,


pareceres), executivos (alvarás, aprovação de atas) e comunicativos
(notificações, publicações) de decisões administrativas.

2. Ações ou operações materiais: podem ser de exercício (prestação de serviços a


utentes, exames, obras) e de execução (demolições, pagamentos, ocupação de
terrenos).

3. Declarações negociais: p.e. validade e interpretação de clausulas no âmbito da


execução de contratos.

E são cada vez mais frequentes – por razões de flexibilidade, previsibilidade, participação,
consensualização, designadamente nos procedimentos de concertação e parceria, nas
áreas da economia, saúde, ambiente, urbanismo e ordenamento do território, apesar dos
riscos de ilegalidade e para os direitos de terceiros as atuações informais que não visam
produzir efeitos jurídicos, nem são juridicamente reguladas, mas que ainda assim têm
relevância prática, de cooperação, de aviso, de incentivo, sendo apenas sujeitas a regras
técnicas e aos princípios administrativos. Por exemplo: informações e avisos;
monitorizações; incentivos e promessas informais; protocolos e acordos de cavalheiros.

Estes exemplos têm relevo jurídico indireto no âmbito dos procedimentos administrativos
dos regulamentos, atos ou contratos, enquanto momentos de formação ou de execução

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dessas atividades formais. Mas, podem adquirir relevo próprio e justificar uma
consideração autónoma por parte da doutrina administrativa, como atuações que geram
expetativas dignas de proteção jurídica ou como comportamentos ilícitos geradores de
responsabilidade civil.

Ainda, quanto a estas atuações formais constam o regulamento, o ato administrativo e


o contrato administrativo.

REGULAMENTO ADMINISTRATIVO
Esta matéria pode ser estudada no âmbito das fontes de direito administrativo, assim como
no âmbito na atividade administrativa, pois ao mesmo tempo que é fonte (a fonte mais
modesta) é atividade administrativa.

Tal como as leis, os regulamentos são normas jurídicas, assistidas pelo aparelho coercivo
do Estado, diferenciando-se desta tendo em conta a diferença ao nível da hierarquia, tendo
um nível menor.

Nos termos do art.135 CPA é nos dito que se consideram regulamentos administrativos:
“as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-
administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”. à é geral porque os
destinatários são indeterminados e abstrato porque também se aplica a situações da vida
indeterminadas.

Assim, como refere Professor Doutor Vieira de Andrade: “Os regulamentos são
quaisquer normas emanadas pelos órgãos ou autoridades competentes no exercício da
função administrativa, com valor infralegal («regulamentar») e destinadas, em regra, à
aplicação das leis ou de normas equiparadas (designadamente, das disposições
normativas diretamente aplicáveis da União Europeia).”

A doutrina caracteriza três elementos do regulamento:

1. Elemento material: generalidade (destinatários indeterminados) e abstração


(aplica-se a situações indeterminadas da vida).

2. Elemento funcional: ser emanado no exercício de poderes administrativos que


visam a prossecução de interesse público (estes poderes têm a ver com as

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atribuições confiadas à administração pública e não visam a realização de
interesses privados).

1. Elemento subjetivo: este elemento envolve mais do que aquilo que se insere no
conceito legal, visto que é emanado por um órgão que faça atividade
administrativa.

Porque é que o conceito legal não incorpora este elemento? De acordo com o art.2º CPA
pode a norma não atribuir poderes, mas impor apenas determinadas subjeções ao ónus.
Por razão da natureza do caráter administrativo da entidade, temos uma certa ampliação
da aplicação do código que não se esgota nos poderes públicos, tendo o legislador, face à
expansão do que se chama “fuga para o direito privado” e aos atos materialmente
administrativos, “desistido” do elemento orgânico/subjetivo. Mas, isto não significa que
no plano dogmático este elemento não faça parte do conceito de direito administrativo.
Por exemplo: no domínio da contratação pública temos entidades puramente privadas
que, de alguma forma, preenchem os requisitos do artigo, mas que essencialmente obtêm
financiamento maioritário dos fins públicos, ficando onerados para a realização de
determinados dos contratos, tendo que se submeter ao código dos contratos
administrativos.

Este conceito do art.135 CPA corresponde ao típico e tradicional regulamento


administrativo, mas temos figuras que são mais amplos que este conceito, não deixando
de ser regulamentos administrativos:

1. Estatutos que certos entes públicos tem poder de aprovar, como as instituições
de ensino superior publico, que aprovam os seus estatutos os quais apenas
precisam de aprovação tutelar. Estes estatutos tem uma posição hierárquica
superior aos dos regulamentos da própria universidade, sendo uma exceção à regra
de que os regulamentos tem todos o mesmo valor. – estatutos auto-aprovados
de entes corporativos ou institucionais.

2. Regimentos dos órgãos colegiais que, à partida, são regulamentos internos, sem
prejuízo de terem disposições com eficácia externa, nomeadamente quando
regulam a pessoa dos tutelares do órgão colegial.

3. Planos urbanísticos, ambientais, planeamento de território, económicos, com um


horizonte temporal limitado e disposições concretas, tendo uma dupla

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característica. A lei qualifica-os como regulamentos para efeitos do regime
procedimental e contencioso.

4. Programas dos concursos públicos, que regulam o regime de cada concurso, a


forma como vai decorrer e os requisitos. Estes programas, numa primeira fase,
apresentam caráter geral e abstrato, mas depois esgotam-se com a realização e
consumação do concurso, ate à parte final da seleção dos candidatos, assumindo
um caráter concreto, esgotam-se naquela situação concreta. Para além disso, a
partir do momento que termine o prazo das candidaturas, estes programas passam
a ter destinatários individualizados, perdendo o seu caráter abstrato. No âmbito
destes programas, a lei qualifica-os como regulamentos, mas é duvidoso pelo
caráter normativo.

No âmbito da admissibilidade constitucional podemos falar em três paradigmas:

1. Regulamentos que se estabelecem entre a administração pública e os particulares.


2. Regulamentos que estabelecem relações entre entes públicos.
3. Regulamentos que estabelecem relações entre particulares à estes regulamentos
relacionais pretendem preencher o espaço entre a lei e a atuação administrativa
concreta, abrangendo, normalmente, matérias de menor importância, mais
técnicas ou sujeitas a modificações mais rápidas.

A administração pública tem de respeitar a reserva de lei, sendo que no nosso sistema
não existe um sistema de reserva de administração. Por isso, o legislador pode regular
até aos mais ínfimos pormenores, invadindo o espaço de regulamentação que, em
termos lógicos, estaria reservado aos regulamentos.

O regulamento tem de ser uma lei geral e abstrata e isso é o que se distingue de ato
administrativo. A lei tem o procedimento de feitura consagrado na Constituição,
reconhece-se pelo procedimento e pela forma, tendo um controlo importante, já que é
um requisito de existência.

Os regulamentos se não são gerais e abstratos, não são regulamentos, são atos
administrativos individuais e concretos. E os atos que só tem uma destas características?
Estamos numa relação continuada, ou seja, o chamado ato não deixa de ser concreto
nestas relações. O ato geral em que se esgota fica a meio do ato administrativo, tendo uma
lacuna negativa, aplicando-se analogicamente aos atos gerais o regime do ato

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administrativo, o regime do CPA.

No contencioso administrativo esta situação será mais difícil de resolver devido ao seu
conhecimento pelos afetados e, por isso, aplica-se o art.52/3 CPTA.

Ø TIPOS DE REGULAMENTOS

Quanto ao âmbito de aplicação:

1. Gerais: quando se regulam relações externas, relativas à generalidade das


pessoas.
2. Especiais: quando se regulam relações jurídico-administrativas especiais de
direito administrativos, podendo ter dimensão interna ou externa. Antigamente, a
estes davam-se o nome de “relações especiais de poder”. Nestas, os administrados
não estão numa posição de sujeição geral, mas sim numa posição mais intensa, já
estão mais situados no interior da administração pública.
Classicamente, as relações jurídico-administrativas especiais abrangem os
militares, os detidos, os alunos das escolas públicas e os funcionários públicos. Já
no mundo moderno surgem muitas outras que nem sequer implicam estar no
interior de uma instituição administrativa (como uma escola ou repartição pública)
podendo incluir relações dentro das ordens, como ordens de advogados, que não
são instituições administrativas.
3. Setoriais: quando regulam um setor da atividade económica ou social, como
seguros, a banca, o mercado de capitais, etc., que são regulados por entidades com
poderes intrusivos e intensos.

Quanto à eficácia:

1. Interna: normalmente, são aqueles que disciplinam a organização ou


funcionamento de uma pessoa coletiva ou órgão. Por exemplo: um regulamento
de hospital público que interdita aos doentes lá internados aqueles lugares
próprios para os funcionários.
2. Externa: são externos aqueles que se apliquem a quaisquer relações
intersubjetivas ou interadministrativas.

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Quanto ao regime, os internos não são judicialmente impugnáveis, fundando-se num
poder hierárquico ou similar, inerente à natureza dos órgãos administrativos. Estes nem
sequer estão sujeitos a uma inderrogabilidade singular (admitem-se decisões
concretas divergentes da regulação interna anterior, desde que devidamente justificado),
podendo a administração afastar um regulamento interno, não o aplicando (tendo,
claramente de justificar a sua decisão), o que já não pode acontecer com os regulamentos
externos, cujo regime se estabelece no CPA.

Ou seja, de acordo com Professor Doutor Vieira de Andrade: “As diferenças entre
regulamentos externos e internos revelam-se, desde logo, quanto ao seu fundamento: a
competência regulamentar externa funda- -se em previsão legal expressa; a competência
regulamentar interna funda-se num poder implícito de auto-organização administrativa
(que, por isso, não necessita de previsão expressa da lei).”

Ainda, podemos fazer uma distinção entre regulamentos mediata e imediatamente


operativos, que apresentam sempre eficácia externa:

1. Mediatamente ou indiretamente operativos: em regra, os regulamentos são


mediatamente operativos, pois regulam em abstrato atuações administrativas e os
seus efeitos só se produzem na esfera jurídica dos destinatários através de atos
concretos de aplicação, administrativos ou judiciais.
2. Imediatamente operativos: repercutem-se de imediato na esfera jurídica dos
destinatários, sem necessidade de atos concretos que os concretizem. Isto
acontece, por exemplo, nos casos em que se impõe ou proíbem condutas
especificas determinadas ou determináveis.

De acordo com o elemento orgânico, os regulamentos podem ser classificados de acordo


com a sua origem: Governo, Regiões autónomas ou Autarquias Locais, sendo que então
nem todos os órgãos são suscetíveis de competência regulamentar, tendo esta
competência de estar prevista em lei.

Os regulamentos do governo obedecem a uma classificação: Decreto Regulamentar,


Resolução do Conselho de Ministros, Portaria e o Despacho Normativo. Em que
consistem estas formas de regulamentos?

1. O decreto regulamentar é aprovado num Conselho de Ministros restrito, onde


tem sempre assento o Primeiro-Ministro, os ministros das pastas relativos às

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matérias objeto de avaliação. Este decreto tem a particularidade de estar sujeito a
promulgação do Presidente da República, o que dá origem a uma garantia
institucional.
2. A resolução do Conselho de Ministros é um regulamento aprovado em Conselho
de Ministros.
3. A portaria é um regulamento emanado em nome do Governo, mas da autoria de
um ministro (ou se se tratar de uma portaria conjunta, da autoria de dois ou mais
ministros).
4. O despacho pode ser emanado por qualquer membro do Governo, podendo até
ser um despacho conjunto se for da autoria de dois ou mais ministros.

Nota: Há portarias, despachos ou resoluções que podem ser atos administrativos, não têm
sempre, necessariamente, de ser um regulamento.

Quanto aos regulamentos gerais externos, em específico:

Estes regulamentos gerais externos têm em conta o conteúdo, nomeadamente a maior ou


menor proximidade com a lei. Consta do principio da legalidade que estes tem de ter uma
relação, nem que seja mínima, com a lei.

1. Regulamentos executivos: categoria constitucionalmente consagrada, servindo


para execução da lei. De acordo com Professor Doutor Vieira de Andrade, estes
organizam procedimentos, pormenorizam, interpretam, ou integram lacunas (por
analogia, no quadro da lei respetiva) de leis específicas.

Estes encontram-se no art.199/c CRP, que nos diz que compete ao governo, no exercício
das suas funções administrativas, fazer os regulamentos necessários à boa execução das
leis. Mas o que será isto da boa execução das leis? É de ter em conta o mérito da decisão
do governo? Tendo em conta o art.112/5 da CRP, estes regulamentos executivos não são
lá abrangidos, o que significa que se proíbe o fenómeno da deslegalização, pois o
problema que surge é a impossibilidade de um regulamento poder interpretar ou integrar.
Neste sentido, a Administração Pública quando emana um regulamento, parte de
determinada interpretação da lei, colocando-se em causa interpretações ou integrações
que não possam ser revistas pelo juiz, ou seja, o próprio regulamento integrar alguma
dimensão interpretativa ou integrativa. à É preciso temperar esta aparente proibição
absoluta com o adjetivo da boa execução, podendo acontecer que o regulamento seja

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necessário, em aspetos que sejam de pormenor e interpretar a lei nesses mesmos aspetos,
de forma a harmonizar estes dois artigos.

Ainda, é nos dito no art.154/2 CPA que os regulamentos de execução caducam com a
revogação das leis que regulamentam, salvo se forem compatíveis com a lei nova e
enquanto não houver regulamentação desta.

2. Regulamentos complementares: não apresentam consagração constitucional,


mas partilham com os executivos o facto de, num sentido amplo, executarem
determinada lei. No entanto, são complementares porque ditam novos direitos e
deveres àqueles anteriormente consagrados, não se limitam a executar uma dada
lei. Ou seja, estes complementam um dado regime legal, desenvolvendo-o.
Podem fazê-lo de duas formas: podem ser regulamentos
complementares de desenvolvimento (como acontece com o DL de
desenvolvimento que desenvolve as bases previstas na lei) ou
regulamentos complementares integrativos (estabelece regime especial
face ao geral).

Os regulamentos de desenvolvimento, na verdade, face à classificação entre os


regulamentos de execução e independentes, podem ser executivos em sentido amplo ou
independentes em sentido amplo, porque com estes partilham o facto de aditarem um
regime complementar ao legal e com os executivos o facto de executarem uma dada lei.

Quanto aos integrativos, aparentemente também são proibidos pelo art.112/5 CRP, sendo
que estes apenas se admitem se forem expressamente autorizados por lei, de acordo com
a doutrina de Doutor Afonso Queirós, e quando se limitem a adaptar o quadro legal a
situações especiais (como no caso de regulamentos municipais que complementem um
regulamento geral das edificações urbanas em relação a pessoas com deficiência motora).
Ainda, podem ser admitidos quando produzidos no quadro de uma autonomia normativa
legalmente reconhecida, como é o caso das Universidades Públicas. Esta integração tem
sempre de ser feita de acordo com o princípio da legalidade, dentro do espírito da lei.

3. Regulamentos independentes: partilham a 100% com a lei aquilo que é a sua


função: regular matéria de origem no ordenamento jurídico, tendo consagração
constitucional e necessitando de uma norma habilitante que permita realizar estes
regulamentos independentes, que fixa a respetiva competência.

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Dentro destes regulamentos independentes podemos ter ainda regulamentos autónomos,
que dizem respeito ao exercício dos poder de produção normativa primária pelas
comunidades autoadministradas. Mas, no entanto, isto é a conceção do Professor Doutor
Vieira de Andrade, visto que Professor Doutor João Pacheco de Amorim refere que todos
são apenas regulamentos independentes, não diferenciando face aos autónomos.

Apenas o Governo (através de regulamentos independentes governamentais), as


Autarquias Locais, Regiões Autónomas e as instituições de ensino superior público,
nomeadamente as Universidades, porque são administração autónoma têm competência
para emanar regulamentos independentes (ou, no entender de Professor Doutor Vieira de
Andrada, regulamentos autónomos).

Quanto aos regulamentos independentes governamentais:

Nos termos do art.112/6 CRP, os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto


regulamentar quando seja determinado pela lei que regulamentam ou regulamentos
independentes. Por isso, são admissíveis os regulamentos independentes, através de uma
interpretação a contrario. Nos termos do nº7 do art.112 CRP (norma formal) que
responde àquela relação que tem de existir entre regulamentos independentes com a lei,
podemos questionar o que é a competência subjetiva? à É preciso identificar qual o
órgão com competência regulamentar, que tem de estar expresso na lei. E competência
objetiva? à A matéria, o tema, tem de estar identificado na lei habilitante.

Esta competência subjetiva atribuída pelo art.112 é feita de forma indireta e, quanto à
competência objetiva, há quem entenda que a alínea 9 do art.199 CRP passa um “cheque
em branco ao Governo”, referindo Professor Doutor Vieira de Andrade que ao governo é
lhe atribuída uma competência universal em termos de objeto.

Podemos questionar: para que é que o governo precisa desta competência de


emanação de regulamentos independentes se pode emanar Decretos-lei? A vantagem
dos independentes é o de escapar ao controlo da Assembleia da República, que assim não
pode bloquear nem apreciar os regulamentos independentes do Governo.

Quanto aos regulamentos independentes emanados das autarquias locais:

De acordo com o art.241 CRP: “As autarquias locais dispõem de poder regulamentar
próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das
autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar.”

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No que toca à competência subjetiva para emanação de regulamentos independentes, esta
prevê-se no art.237 CRP (resulta diretamente da Constituição), tal como a competência
objetiva que remete para a Lei das autarquias locais, aquela que define o objeto dos
regulamentos autárquicos, ao definir as suas atribuições e competências.

Estes regulamentos independentes, quanto às autarquias locais, faz todo o sentido devido
à descentralização, sendo estas consideradas como “mini Estados”, com legitimidade
democrática própria, próxima à legitimidade legislativa do Parlamento.

4. Regulamentos autorizados: Professor Doutor João Pacheco de Amorim refere


que os regulamentos independentes, normalmente, são regulamentos autorizados
e vice-versa. Estes dizem respeito aos regulamentos pelos quais, a Administração,
tendo em conta uma habilitação legal expressa, regula uma matéria que, pelo seu
carácter inovatório, caberia à lei.
5. Regulamentos de substituição: permite-se que a Administração atue em vez do
legislador, modificando, suspendendo ou revogando as normas contidas em
diplomas legais. Atualmente, são proibidos, de acordo com o art.112/5 CRP.

Ø PROCEDIMENTO REGULAMENTAR

Este procedimento enquadra-se nos arts.97 a 101 do CPA, onde se prevê a possibilidade
de petição dos interessados e os requisitos da iniciativa pública, disciplinando a audiência
dos interessados e a consulta pública. Então, é de ter em conta os seguintes aspetos:

o Obrigatoriedade de os regulamentos serem aprovados com base num projeto,


acompanhado de nota justificativa, que deve incluir uma ponderação dos custos e
benefícios das medidas.
o Impõe-se a publicação dos regulamentos em DR, tanto dos regulamentos do
Governo, tal como das regiões.
o Impõe-se a indicação expressa da lei habilitadora que o regulamento visa executar.
o Os regulamentos são sujeitos aos princípios da atividade administrativa, com os
quais se deve conformar.

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Ø RELAÇÃO ENTRE REGULAMENTO E OS PRINCÍPIOS GERAIS DE
DA:

Os regulamentos encontram-se sujeitos a estes princípios, podendo ser impugnado em


tribunal por violação de princípios, como igualdade, proporcionalidade ou legalidade.

Quanto ao princípio da legalidade, podemos falar no primado da lei e da CRP e no


princípio da precedência da lei. Também revela uma especial importância o principio da
reserva parlamentar, que diz respeito às matérias reservadas ao Parlamento, onde se
admitem os regulamentos executivos, sendo inadmissíveis os regulamentos
independentes do Governo e, apenas em determinadas circunstancias, são admissíveis os
regulamentos independentes autónomos.

Já os princípios da igualdade ou proporcionalidade, estes são consideramos como


princípios substanciais da juridicidade, que têm de ser respeitados em todos os
regulamentos.

Existe ainda um regime especial aplicável à atividade regulamentar, nos termos do


art. 137 a 147 do CPA.

Ø RELAÇÕES ENTRE REGULAMENTOS ADMINISTRATIVOS


EXTERNOS

Temos dois tipos de relações entre regulamentos, com diferentes consequências: uma
consagra-se no art.138 e outra que se consagra na invalidade do regulamento
administrativo, prevista no art.143 CPA. Normalmente, os regulamentos têm um campo
de aplicação específico, com atribuições próprias, ao abrigo do princípio da atribuição
ou competência, sendo que na maior parte dos casos não há, então, conflitos normativos
reais.

Em regra, normalmente, há ausência de hierarquia, mas sim igualdade entre os


regulamentos. Porém, o art.138 CPA estabelece exceções a este princípio. Por exemplo:
Relativamente aos regulamentos governamentais há uma natural ordem de prevalência
(preferência aplicativa): Decretos Regulamentares; Resoluções normativas do Conselho
de Ministros; Portarias normativas; Despachos genéricos. Professor Doutor Vieira de
Andrade refere ainda que no diz respeito a “regulamentos provenientes de órgãos
colocados entre si numa relação de hierarquia ou de superintendência, os regulamentos
da autoria dos órgãos subalternos ou superintendidos não podem contrariar os

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regulamentos emanados pelos superiores ou superintendentes sobre matéria que seja de
atribuição e competência comum. Por sua vez, os regulamentos da autoria dos delegados
têm de respeitar os regulamentos emanados pelo delegante, salvo se a delegação incluir
a competência regulamentar. Nestes casos, a contrariedade implica a respetiva
invalidade (artigo 143º, n.º 2, alíneas a) e b)”

Quanto à invalidade dos regulamentos, nos termos do art.143 CPA: São inválidos os
regulamentos que sejam desconformes com a Constituição, a lei e os princípios gerais de
direito administrativo ou que infrinjam normas de direito internacional ou de direito da
União Europeia.

São também inválidos os que desrespeitem regulamentos emanados por órgãos


hierarquicamente superiores ou dotados de poderes de superintendência; os que
desrespeitem regulamentos emanados pelo delegante (salvo se a delegação incluir
competência regulamentar) e aqueles que desrespeitem os estatutos emanados ao abrigo
de autonomia normativa nas quais se funde a competência para a respetiva emissão.

Mas, é de ter em conta o art.241 CRP, face aos regulamentos das autarquias locais. Deve
ter-se em atenção que este artigo não estabelece uma subordinação automática dos
regulamentos que não respeitem este artigo a uma invalidade das normas subordinadas.
Por exemplo: Os regulamentos municipais prevalecem sobre os regulamentos das
freguesias, salvo exceções. Quando esta prevalência é desrespeitada existe uma
ineficácia, não sendo expurgado do ordenamento jurídico, mas é ineficaz para o futuro.

Nas matérias de sobreposição de atribuições e competências governamentais (nacionais


ou insulares) com atribuições e competências autárquicas, a prevalência deve ser avaliada
em cada tipo de situações, tendo em conta que os princípios da subsidiariedade, da
autonomia local e da descentralização (artigo 6.ºCRP) que limitam o princípio da
prevalência do interesse nacional – deve privilegiar-se os princípios de cooperação e de
coordenação de interesses nacionais e locais contra uma conceção “estatista” e
centralizadora da administração pública. Assim, se não for possível a aplicação
cumulativa das normas nacionais e autárquicas, entendemos que devem valer as normas
autárquicas enquanto normas especiais, salvo se a preferência das normas governamentais
se impuser, seja perante a deficiência da regulamentação local, seja pela necessidade
imperiosa de assegurar uma realização uniforme do interesse nacional.

19
ATOS ADMINISTRATIVOS
O “ato administrativo” em sentido próprio é um ato regulado por disposições de
direito público, um ato jurídico decisório (manifestação de vontade ou de ciência),
praticado no exercício de poderes de autoridade, relativo a uma situação individual
e concreta – e, em princípio, com eficácia externa. à Quando se diz que este é
decisório significa que há um elemento de modificação ou transformação, sendo forte
porque cria, modifica ou extingue relações jurídico-administrativas ou a situação jurídica
de uma coisa (atos intransitivos). Ou seja, o ato administrativo altera a esfera jurídica de
terceiros, não sendo qualquer ato da administração.

Tanto é ato administrativo o que cria, modifica ou extingue relações jurídico-


administrativas ou a situação jurídica de uma coisa ou aquele que recusa a criação,
modificação ou extinção requerida por um particular.

Existe uma evolução histórica quanto ao ato administrativo, sendo que este começou a
ser construído no Estado Liberal, num Estado com funções mínimas que se socorria da
atividade autoritária, em regra, desfavorável. No séc. XX, com a ampliação das funções
do Estado, ampliam-se os atos concessórios e toda a atividade prestativa e ainda os atos
certificativos/declarativos por parte da administração e os atos de fomento. à tudo isto
altera o paradigma do ato administrativo, exigindo novas exigências de forma a acomodar
as subespécies dos atos administrativos.

Então, este ato é jurídico, unilateral, individual e concreto, subordinado ao direito público,
distinguindo-se das ações materiais, dos contratos, regulamentos e atos praticados
subordinados ao direito privado. Hoje em dia, o ato já não ocupa em exclusivo a teoria
geral do ato administrativo, ocupando também o regulamento e o contrato uma função
importante.

Dentro dos atos unilaterais da administração, autoritários, individuais e concretos,


temos também:

Atos internos que se esgotam no interior da AP e os atos externos que não se esgotam
no interior desta. Temos ainda os atos instrumentais, sejam preparatórios, de execução
ou comunicação.

20
No art. 148 do CPA temos a noção daquilo que é um ato administrativo – consideram-se
atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos,
visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

É nos dito, neste artigo, que se tem em conta o exercício de poderes jurídico-
administrativos e, por isso, se não for praticado por um órgão da administração pública,
poderá ser também criado através de uma entidade privada investida de poderes públicos,
que crie o ato em substituição da administração. Pode ainda ser outro poder do Estado a
praticar esta decisão em matéria administrativa, numa qualificação que opera por
analogia, como os tribunais ou a Assembleia da República.

Professor Doutor Vieira de Andrade distingue um ato administrativo processual,


procedimental e material. Isto é, para este, o ato administrativo impugnável nos termos
do art.50 e ss. do CPTA abrange atos que, em rigor, para efeitos materiais ou de
procedimento é duvidosa. Já professor Doutor João Pacheco de Amorim continua a
defender a tese coimbrã, havendo uma quase total coincidência entre o conceito
processual e o substantivo porque para este a mais importante função do ato
administrativo continua a ser a função processual, pretendendo o ato identificar a figura
propícia, aquele momento do agir administrativo que justifica a abertura das portas dos
tribunais. Assim, o conceito defendido por Professor Pacheco é mais amplo do que do
Professor Vieira de Andrade.

Então, hoje em dia, os procedimentos administrativos complexificam-se, articulam-se


entre si, e isto leva à necessidade de se identificar qual o momento, para aquela função
que tem garantia constitucional – art.268/4 CRP, no que toca aos direitos e garantias
dos administrados, como no que toca à impugnação de atos administrativos que os
lesem, através desta função processual determinante.

Quanto ao art.51/1/b CPTA, é nos dito que um órgão de uma pessoa coletiva pode
impugnar outro ato de um órgão da mesma pessoa coletiva, dentro das suas competências.
Ou seja, permite-se que um órgão para salvaguardar as suas competências possa impugnar
o ato de outro órgão que coloque isso em causa. Mas, aqui já não falamos então de um
ato administrativo porque, por exemplo, falta a eficácia externa, mas estende-se à
competência dos tribunais administrativos para resolver este conflito.

21
Nos demais casos, designadamente de atos que não sejam horizontalmente definitivos,
que não se configurem como ato final, normalmente este não é o ato principal do
procedimento. à Ainda assim, Professor Doutor Vieira de Andrade refere que estes
devem ainda ser defendidos através de exigências procedimentais, apesar de não serem
os atos principais do procedimento.

Já no entendimento de Professor Doutor João Pacheco de Amorim, este entende que é


verdade que o ato é expressão do poder soberano do Estado e, nesse sentido, não está
apenas pensado como figura propiciadora do particular face à administração, importando
aqui ter em conta o princípio da economia processual. Assim, requer-se que os
particulares não possam recorrer aos tribunais perante qualquer ato administrativo, pois
aquilo que este ato não definitivo decide não tem estabilidade, carácter definitivo, que
justifica que o particular pretenda recorrer contra este, visto que ainda é uma situação do
particular reversível. à Se fosse possível aos particulares recorrer a tudo, violar-se-ia o
princípio da economia processual e, por isso, é imprescindível perceber qual o momento
em que se preenchem os requisitos do arts. 148, sendo que é aí que nasce verdadeiramente
o ato administrativo e a partir daí é que se poderá reagir – principio de impugnação
unitária, ou seja, mesmo que hajam ilegalidades anteriores que em razão de formalismos
seriam necessários ou uma ilegalidade num inquérito, num parecer desconforme com a
lei, o particular em vez de reagir logo, a lógica do sistema obriga-o a esperar e só quando
a decisão final é tomada poderá estar afetada por causa de uma formalidade que não pode
ser dispensada.

Mas, muitas vezes, temos o ato de um órgão da administração que é precedido por um
parecer vinculativo. Por isso, o ato horizontalmente definido é o ato que lá está
identificado como decisão final. Mas, esta decisão final tem de seguir esse parecer, logo,
o desrespeito pelo parecer torna, por definição, inválido o ato final. Neste caso, o
professor defende que o parecer vinculativo é como um ato administrativo, permitindo-
se uma defesa antecipada, sem ter de se esperar pelo surgimento do ato administrativo
que decorre do procedimento e que dita a decisão final. à Por isso, estamos perante uma
exceção à impugnação unitária, pois abre-se ao particular a possibilidade de impugnar
o parecer, mas tendo sempre a possibilidade de aguardar pela decisão final sem poder
impugnar o parecer, mas sim esta decisão.

22
Funções do ato administrativo:

1. Definitória imperativa – através da pratica do ato administrativo a


Administração define o direito aplicável à concreta relação jurídica em causa,
tendo então o ato uma função reguladora, vinculando a própria administração, os
destinatários do ato e todos os terceiros que sejam por ele afetados. De facto,
torna-se obrigatória esta função para todos.
2. Tituladora ou executiva: estamos perante uma decisão dotada de imperatividade
face aos atos administrativos exequíveis (que careçam de execução para que o ato
consiga atingir os seus objetivos). Por exemplo: ato de demolição de um edifício
ilegal por parte do proprietário à produz efeitos jurídicos fragilizando a
propriedade, mas se o ato não for executado pelo proprietário inicia-se um período
sem termo em que a AP pode avançar e demolir, fragilizando-se a propriedade.
Já uma autorização não é exequível, porque é o particular que tem de exercer a
atividade autorizada.
O ato executivo funda uma execução coerciva.
3. Estabilizadora: há prazos, curtos, que se não forem utilizados pelo particular,
Ministério Público ou pelos órgãos da administração caducam estes direitos ou
poderes de impugnar ou, sendo a própria administração, de os anular. Os atos
continuam válidos, mas não podem mais ser atacados findo o prazo, visto que a
AP não se compadece com situações de pendência. A isto designa-se o “caso
julgado administrativo” ou “caso resolvido administrativo”.
4. Procedimental: o ato é o ato principal ou final do procedimento. Nem sempre é
final, visto que o procedimento pode ter duas fases eventuais e ai deixa de ser o
ato final. Por isso, o ato é como um referente unitário.
5. Processual (segundo Professor Pacheco de Amorim) ou impugnatória (segundo
Professor Vieira de Andrade): para além possibilitar a iniciativa do autocontrolo
administrativo (através de reclamações e recursos), torna operativa a garantia
constitucional e legal de intervenção fiscalizadora dos tribunais, impondo uma
forma específica de ação. Torna-se fundamental o acesso aos tribunais
administrativos, sendo que é o ato que determina quando se devem “abrir as
portas” do tribunal.

Definições de ato administrativo:

23
1. Art.268/4 CRP: “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos
seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o
reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos
administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação
da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas
cautelares adequadas.” à consubstancia a garantia de sindicabilidade judicial
efetiva.

Decorrente deste artigo, Professor Doutor João Pacheco de Amorim, considera a


lesividade como essencial no conceito de ato administrativo. Isto é, o estabelecimento
de relação de causa e efeito entre o ato e a esfera jurídica do particular. É uma conceção
substancial que tem em conta qualquer ato e, por isso, não é a forma de lei que assegurará
a imunidade relativamente ao controlo jurisdicional. Assim, aqui, a CRP considera
materialmente qualquer disposição legal que diga respeito a uma situação concreta e não
traduza uma decisão fundamental relativa à vida da comunidade como um ato
administrativo, mesmo que seja, subjetivamente, a Assembleia da República o seu autor.

Por isso, temos de distinguir os atos materialmente administrativos das leis


medida/leis individuais, que decorrem do facto de hoje em dia o conceito de lei ser mais
alargado. Por isso, estas leis medida são admitidas, como atos praticados na função
legislativa, em certas circunstâncias: quando a decisão diga respeito a um aspeto
fundamental da vida da comunidade. Outras vezes, o legislador emana um comando geral
e abstrato, mas que na realidade se destina a uma pessoa singular, o que já veio a ser
declarado como inconstitucional pelo TC. Mas, por vezes, exigências de justiça universal
levam a que muitas vezes o legislador tenha de incidir em situações concretas, como a
regulação do mercado monopolista, que implica incidência sobre uma empresa
individualizada.

No entanto, é de ter em conta que estas leis medida apresentam algumas restrições,
nomeadamente quanto aos Direitos, Liberdades e Garantias, já que a lei que os restringe
tem de ser geral e abstrata, nos termos do art.18 CRP.

Assim sendo, na opinião do Professor Doutor João Pacheco de Amorim, a base do


conceito de ato administrativo é a CRP, nomeadamente o referido neste artigo.

Já Professor Doutor Vieira de Andrade defende que o conceito constitucional é


adjetivo, ao passo que Professor Doutor João Pacheco de Amorim discorda dizendo

24
que faz parte de uma dimensão substancial, pois a aptidão ou capacidade lesiva reporta-
se a uma situação substantiva.

2. O conceito substantivo de ato administrativo é formulado no artigo 148.º do


CPA: “consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de
poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa
situação individual e concreta”. Professor critica esta definição por ser um
conceito muito parco, pois nem se consegue distinguir o ato administrativo e o ato
instrumental.

3. Art. 51 CPTA: Professor Doutor Vieira de Andrade considera como um conceito


de ato administrativo adjetivo: “Ainda que não ponham termo a um
procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação
individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na
Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de
poderes jurídico-administrativos.”

Não obstante estar num diploma de direito adjetivo, contencioso, este conceito contribui
para serem retirados contributos para a elaboração do conceito dogmático.

Este nº1 do art.51 CPTA define o conceito de ato administrativo impugnável da


legislação processual administrativa e o âmbito próprio da ação administrativa,
abrangendo obrigatoriamente os atos administrativos com eficácia externa, ainda que
inseridos num procedimento.

Nos termos do nº2, apesar de, normalmente, os atos administrativos serem


horizontalmente definitivos, este não tem necessariamente de o ser, pois esta não é uma
característica essencial dos atos administrativos. Por isso, mesmo que não tenha este
requisito continua a ser um ato administrativo, se cumprir todos os requisitos essenciais.

Na alínea nº2/b, já não estamos perante um ato administrativo, porque o carácter externo
dos efeitos jurídicos é obrigatório quanto a estes atos. Há, então, uma extensão da
competência dos tribunais administrativos relativamente aos atos internos.

Nos termos do nº3 podemos questionar como se compatibiliza esta impugnabilidade com
a impugnação unitária: “não ponham termo a um procedimento só podem ser impugnados

25
durante a pendência do mesmo, sem prejuízo da faculdade de impugnação do ato final
com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento, salvo quando essas
ilegalidades digam respeito a ato que tenha determinado a exclusão do interessado do
procedimento ou a ato que lei especial submeta a um ónus de impugnação autónoma.”.
Assim, até ao ato final (ou ato horizontalmente definitivo) é possível a impugnação do
ato intercalar. Mas, quando é praticado o ato final, deixa de ser possível impugnar o ato
anterior, mas podem-se atacar as ilegalidades do ato intercalar através do ato final.

Os problemas de delimitação do ato administrativo em sentido estrito

O ato administrativo tem de ser aptos para construir, modificar ou extinguir direitos ou
deveres da relação jurídica, ou seja, têm de ser materialmente constitutivos.

Dado o carácter decisório do ato administrativo, podemos excluir:

1. atos preparatórios cujos efeitos podem ser reversíveis até ao final do


procedimento;
2. pareceres não vinculativos;
3. atos de comunicação (notificações, publicações) ou de execução (passagem de
alvarás ou de diplomas, sendo ato com um certo formalismo através de forma
escrita com a função de dar certeza pública, com função noticial).

Já no conceito, incluem-se os:

1. “atos destacáveis” que produzem autonomamente efeitos externos, ainda que


limitados, apesar de inseridos num procedimento (por exemplo: atos que excluem
um concorrente que não apresenta as características exigidas que requer o
concurso público, sendo que para esse concorrente o ato é horizontalmente e
materialmente definitivo, porque põe termo ao procedimento para o concorrente.
No entanto, poderá impugnar o ato).
2. “atos prévios”, como no que tem em conta a informação prévia favorável que
tem em conta o procedimento de licenciamento urbanístico, que é um ato
composto suscetível de impugnação judicial.
A informação prévia é tão simples quanto isto: o procedimento urbanístico é
composto, demorado e então a lei permite que o particular faça um pedido ou

26
pergunta de “o que é que posso fazer neste terreno?”, apresentando os parâmetros
essenciais à câmara municipal – a câmara ou aceita aquilo que o particular
apresenta e o permite a este avançar com segurança, visto que se compromete a
licenciar aquela construção e a aprovar o programa de construção, constituindo o
ato prévio; ou não aceita que possa construir.

Problema do silêncio administrativo:

É nítida alguma divergência funcional entre a noção substancial de ato administrativo,


que suporta o regime procedimental e substantivo, e o conceito de “ato administrativo
impugnável” tal como é definido na legislação processual, que visa a adequação às
necessidades de tutela pelos tribunais.

Assim, o contencioso administrativo antecipa, algumas vezes, e admite o recurso


contencioso de atos que ainda não são eficazes – art.54 CPTA. à Admite-se uma
providência de suspensão jurisdicional de eficácia para se suster a execução, a partir da
iniciativa do particular. Quanto à alínea b) deste artigo, é percetível que o ato está
dependente de um termo inicial e de uma condição suspensiva de verificação provável.

O CPTA estabelece, então, uma proteção antecipada quanto a atos ainda ineficazes.

Quanto aos atos de indeferimento podem ser silentes ou expressos. à Um


indeferimento é um ato que pressupõe um requerimento de um particular (que tem de ter
legitimidade para o apresentar) com o objetivo de apresentar uma pretensão à
administração, que depois defere ou indefere através do órgão competente.

O código admite que os interessados de facto, de Direito e a nível pessoal possam


impugnar um ato administrativo, desde que preenchidos os requisitos:

o interesse direto – relaciona-se com a esfera jurídica, o particular tem um


benefício com a anulação do ato.
o interesse pessoal;
o interesse legítimo.

Antes da reforma do contencioso administrativo fala-se no indeferimento silente ou tácito,


mas atualmente, este deixou de existir. Com a reforma deste contencioso, em 2015, cria-
se a figura da condenação à pratica de ato devido, como processo judicial adequado

27
para defesa dos direitos dos particulares em todos os casos de omissão administrativa,
designadamente silêncio relativamente a requerimentos dirigidos pelos interessados às
autoridades competentes. Esta será a regra, sendo que o indeferimento tácito passa a
ser exceção. Este indeferimento tácito continua a subsistir nos termos do art.130 CPA,
nos casos em que se verifiquem os três pressupostos anteriormente referidos e a lei
determine expressamente que a ausência de decisão sobre uma pretensão dirigida à
autoridade competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento quando a decisão
não seja referida nesse prazo, gerando-se um ato fictício ou presumido, aplicando-se a
estes atos os efeitos previstos do regime dos atos administrativos.

Quanto ao indeferimento expresso, Professor Doutor Vieira de Andrade configura-o


como verdadeiro ato administrativo, sujeito ao regime procedimental e substantivo.
Refere ainda que este pode ser impugnado isoladamente nos tribunais em determinadas
condições, embora, em regra, em caso de indeferimento, o particular tenha de lançar mão
da ação de condenação à pratica de ato devido. Já Doutor Sérvulo Correia refere que o
próprio indeferimento expresso já não admite uma impugnação expressa, ou seja, um
recurso isolado, obrigando o juiz a condenar as decisões à pratica do ato devido.

Para Professor Doutor João Pacheco de Amorim, Vieira de Andrade e maioria da


doutrina, um ato negativo não deixa de ser um ato administrativo. No fundo, o
indeferimento expresso ao ser uma verdadeira aplicação da lei ao caso concreto, ainda
que pela negativa, acaba com a insegurança que até aí poderia existir e todos os
operadores jurídicos ficam vinculados a este ato.

Situações de alargamento da proteção dos particulares

o Proteção alargada: Os atos pré-contratuais, praticados ao longo do processo de


formação dos contratos públicos, regulados nos termos do art.100 e ss. do CPTA,
apresentam, então, um contencioso específico.
É admitido o recurso contenciosos de muitos atos que, por definição são atos de
preparação. As razões para o permitir relaciona-se com a resolução de litígios o
mais depressa possível, para não se prejudicar o interesse público.
o Proteção ampliada: quanto aos atos internos praticados por um órgão de uma
pessoa coletiva pública, que possam prejudicar outros membros do órgão ou da
pessoa coletiva, admite-se o alargamento do contencioso, não especificamente

28
para proteger posições subjetivas dos particulares. Assim, de acordo com Doutor
Vieira de Andrade, aceita-se a impugnabilidade de atos organizativos dos serviços
ou de decisões relativas ao funcionamento de órgãos colegiais (em princípio, atos
internos), quando adquiram relevância externa (por exemplo, para os utentes) ou
intersubjetiva (para os membros do órgão colegial).
o Quanto aos atos destacáveis, são considerados verdadeiros atos e, por isso, não
são suscetíveis de alargamento. São, por exemplo, aqueles atos que excluem um
concorrente, sendo que para este o ato é verticalmente e horizontalmente
definitivo e lesivo, terminando o procedimento para este concorrente.
o Proteção extensiva: admite-se impugnação de “decisões materialmente
administrativas” de outros poderes públicos ou de entidades privadas (artigo 51.º,
n.º 1 CPTA, parte final).
o Proteção condicionada: podemos ter casos de impugnação judicial
condicionada, pois esta fica dependente de uma previa impugnação administrativa
necessária, através de uma reclamação ou recurso (impugnação graciosa). Então,
trata-se de impugnar atos que, no fundo, não são verdadeiramente definitivos. Por
isso, há a ideia de obrigar o particular a suscitar a última palavra da Administração
Pública para se evitarem processos desnecessários.

O particular, se quiser, pode interpor ao mesmo tempo a impugnação do ato em tribunal


e impugnação graciosa.

o Proteção antecipada: fala-se nesta proteção antecipada quando se admite a


impugnação de “atos centrais” em procedimentos complexos, nos termos do
Doutor Vieira de Andrade. Já Professor João Pacheco de Amorim refere que, em
vez de se falar em procedimentos complexos, devemos falar em atos complexos
que se inserem em procedimentos complexos.

Por exemplo, a impugnabilidade do ato de aprovação do projeto de arquitetura, da


perspetiva de terceiros e do próprio, é um ato complexo e só se aperfeiçoa através da
atribuição da licença pela câmara. Aqui, deve aplicar-se o regime procedimental dos atos
administrativos.

Análise do conceito de ato administrativo em sentido estrito: 148 CPA

29
a) «Uma estatuição de autoridade...» à este primeiro elemento “estatuição” do ato
é indissociável do carácter autoritário.

Pressupondo que existe uma estatuição autoritária ou decisão (que é uma componente
diferente consoante os países e a lei), há uma relação com o carácter constitutivo do ato
administrativo, que cria, modifica ou extingue relações jurídicas.

Como estatuição que é, é sempre um comando imperativo, não necessariamente


apelativo ou agressivo, podendo ser favorável.

Nos atos de autoridade, praticados no exercício do poder administrativo, pode


consubstanciar-se uma permissão, proibição ou prescrição, sendo a proibição um
comando de non facere, a prescrição é um comando de facere.

O ato administrativo de autoridade vincula o seu autor, a Administração Pública e


regula situações ou relações jurídicas. Pode traduzir uma vantagem (seja porque
amplia a esfera jurídica do destinatário, seja porque reduz posições jurídicas
desfavoráveis ou as elimina), pode ser considerado uma pronúncia ablatória, pode ser
uma imposição de desvantagens, podem reduzir ou extinguir interesses legalmente
protegidos ou criar/ampliar deveres, sujeições e outras posições jurídicas desfavoráveis.

Um ato administrativo não tem necessariamente, quando dizemos que ele cria,
modifica ou extingue relações ou situações jurídicas, que investir o seu destinatário
num agir jurídico, pode criar apenas uma qualidade que irá ser pressuposto de
futuros atos e esses sim é que investem o sujeito num agir jurídico. Por exemplo: a
carta de condução, é uma habilitação que atribui uma qualidade ao sujeito, mas
normalmente não o investe num agir jurídico, é apenas pressuposto de futuras alterações
jurídicas.

O CPA refere-se ao ato jurídico da administração como “decisão”, que é uma declaração
de ciência ou de vontade, apesar de normalmente estas duas componentes se verificaram
simultaneamente. Por isso, o ato administrativo é um ato voluntário.

Mesmo os atos estritamente vinculados são, à partida, atos administrativos, mas como se
pode a estes chamar decisão se não há escolha, visto que a administração é forçada a
praticar um ato com este conteúdo? Aqui, a decisão é causa da transformação, porque
aquele ato quando praticado, cria, extingue ou elimina situações jurídicas.

30
Doutor Vieira de Andrade fala em atos de verificação ou avaliações constitutivas, que
se distinguem dos atos estritamente vinculados porque aqui estamos perante
discricionariedade técnica, consistindo em determinada avaliação a que a lei liga
determinados efeitos. Por exemplo: de verificação constitutiva quanto aos imóveis
abandonados, há uma legislação que obriga o Estado a procurar o dono. Se esta procura
se mostrar infrutífera, então, declara-se o imóvel como sem dono conhecido e, após essa
verificação, ele passa a ser domínio do Estado. Esta avaliação é constitutiva porque tem
efeitos expropriativos, ao contrário do ato expropriativo que é totalmente discricionário.

São ainda atos administrativos, os atos necessitados de colaboração dos particulares,


seja num momento prévio (como um ato que necessita de um requerimento) ou quando
esta colaboração seja determinante da eficácia dos efeitos do ato.

b) «... praticada por um sujeito de Direito Administrativo...» à Para além dos


órgãos da Administração (regra), a definição abrange ainda os atos de sujeitos
privados dotados de poderes públicos de autoridade, incluindo as entidades
administrativas privadas, os concessionários e outros particulares que exerçam
poderes de autoridade, sendo isto excecional. Também as «decisões
materialmente administrativas» de autoridades não-integradas na
Administração Pública (PR, AR, Tribunais) são expressamente equiparadas
por lei (ETAF) a atos administrativos para efeitos de impugnação judicial,
apesar de não serem praticados por sujeitos de DA.

c) «... no exercício de poderes jurídico-administrativos ...» à Trata-se de poderes


conferidos por “normas de direito público”, excluindo-se os atos praticados
através de direito privado e os que pertençam materialmente à função legislativa
(como uma lei medida ou lei individual), à função politica ou à função
jurisdicional.

Nota: não confundir leis medida com atos materialmente administrativos. Aqui, terá de
se aplicar a matéria da separação de poderes, porque a lei medida diz sempre respeito a
matéria fundamental para a comunidade e os atos materiais administrativos contidos num
diploma legal dizem respeito à gestão do dia a dia.

d) «... relativa a um caso concreto...» à na sua definição, temos o carácter


individual e concreto. Mas, de facto, não podemos excluir do conceito substantivo

31
ou dogmático de ato administrativo, os atos gerais, que são relativos a uma
situação concreta (não há abstração), mas aplicáveis a uma pluralidade de
destinatários não determinada (generalidade), ainda que determinável,
identificada por uma categoria, classe ou grupo de indivíduos.

Professor defende que a abstração pressupõe obrigatoriamente a generalidade, são


indissociáveis. Mas já a generalidade não pressupõe a abstração. Um comando dirigido a
destinatários individualizados que tenha a componente abstrata relaciona-se com a
vigência sucessiva. É dificilmente concebível atos individuais que sejam abstratos.

Importa aqui falar também dos atos plurais, que não se dirigem a um número
determinado de pessoas, mas sim a um conjunto de pessoas, a vários destinatários. Por
isso, aqui não há verdadeiramente um ato, mas sim um feixe de atos. Aqui, destacam-se
os atos contextuais, que são atos autónomos, mas têm uma forma comum: Por exemplo:
lista de divulgação dos funcionários promovidos.

Estes atos plurais distinguem-se dos atos coletivos, que se destinam a uma coletividade
de pessoas. Por exemplo: ato de dissolução do órgão colegial.

Podem haver atos administrativos reais, cujo objeto é uma coisa e não uma pessoa,
sem prejuízo de que a alteração jurídica da coisa se possa repercutir de forma mediata na
esfera jurídica da pessoa que se relaciona com a coisa.

e) «... destinada a produzir efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos.» à


Este elemento impõe a distinção entre efeitos jurídicos internos e externos,
conforme atinjam, ou não, diretamente, a esfera jurídica dos destinatários – é um
ato interno, por exemplo, o ato que determina a abertura de um inquérito.

Por definição, os atos administrativos são atos que se projetam na esfera externa. No
entanto, também existem atos internos que podem ser impugnados (por exemplo: um ato
de um órgão da administração ser impugnado por outro órgão – art.24/1 CPA).

A produção de efeitos jurídicos externos verifica-se também nos atos negativos, que
operam efeitos de consolidação jurídica, proibindo a efetivação da pretensão denegada –
as decisões de recusa de produção dos efeitos jurídicos requeridos são, por isso, como
vimos, atos administrativos.

32
Figuras especiais de atos administrativos:

a) Atos pré-contratuais: alguns deles podem ser impugnáveis apesar de serem atos
preparatórios ou instrutórios, sem serem verdadeiros atos administrativos.

No contencioso pré contratual, no art.100 CPTA: Para os efeitos do disposto na


presente secção, o contencioso pré-contratual compreende as ações de impugnação ou
de condenação à prática de atos administrativos relativos à formação de contratos de
empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços
públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços. à Estas
normas que transpõe as regras europeias permitem atos administrativos instrumentais se
relacionem com a formação destes contratos.

Nos termos do nº2 deste artigo à Para os efeitos do disposto na presente secção, são
considerados atos administrativos os atos praticados por quaisquer entidades
adjudicantes ao abrigo de regras de contratação pública. Aqui, suscitam-se dúvidas
quanto ao carácter alargado das entidades adjudicantes à equiparam-se os atos
contratuais destas entidades privadas, que podem ser entidades adjudicantes, a atos da
administração, sendo que estas entidades se submetem a regime de Direito Administrativo
e, submetendo-se a este regime, todos os atos praticados têm de ser equiparados a atos
administrativos praticados pelas pessoas públicas. Professor João Pacheco de Amorim
tem dúvidas de que se possam considerar atos de autoridade estes atos que advêm de
entidades privadas.

Nota: quando falamos de atos preparatórios ou instrutórios não falamos de atos de


exclusão, visto que estes últimos já apresentam todos os requisitos de ato administrativo.

b) Atos administrativos contratuais: que se referem aos atos de execução do


contrato, com um regime específico, nos termos do art.312 e ss. do CCP.

Na execução dos contratos administrativos, o CCP distingue:

ü atos relativos à interpretação e validade do contrato, que a lei qualifica


expressamente como simples declarações negociais de direito público, não
sendo atos administrativos. Por exemplo: se o contraente público quiser fazer
valer a sua declaração, tem de pedir ao tribunal que o faça, visto que não têm
características da unilateralidade e imperatividade.

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ü atos que exprimem as ordens, os poderes de fiscalização, os atos de aplicação
de sanções, de restrição de contratos, de modificação unilateral do contrato,
estes já são verdadeiros e próprios atos administrativos, que não têm de seguir a
tramitação do CPA, tendo um regime bastante simplificado.
Ainda, estes atos sendo atos administrativos não são atos executórios. Os únicos
que o são, são a rescisão de contrato de forma unilateral e o ato de sequestro,
que diz respeito à exploração de concessão (por incumprimento do
concessionário, permite-se ao concedente afastar o concessionário).
c) Atos administrativos europeus e transnacionais: têm validade em todo o
território da União, ultrapassando os seus efeitos as fronteiras.
d) Atos administrativos informáticos.

Outros atos jurídicos de direito público administrativo:

Existem outros atos jurídicos de Direito Administrativo que não se enquadram nos atos
administrativos em sentido forte, que não se enquadram no art.148 CPA e, na opinião
do Professor, no art.50 CPTA.

A par das operações materiais e dos comportamentos, que não são declarações de
ciência ou de vontade a que a lei liga a produção de efeitos do direito, temos outros atos
jurídicos de Direito Administrativo praticados por entidades da Administração
Pública ou entes equiparados que não são atos administrativos em sentido forte, seja
porque lhe faltam efeitos externos, seja porque tendo eficácia externa não são
constitutivos (como comunicações ou publicações), assim como os atos que são
praticados posteriormente à pratica do ato, como atos de comunicação.

Podemos ainda falar dos atos preparatórios, que podem ser atos de iniciativa, atos
instrutórios praticados na subfase da instrução.

Assim, por um lado, a maior parte dos atos são internos e só se repercutem na esfera
jurídica dos destinatários do ato ou outros interessados através do ato administrativo que
é o ato central.

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Classificação dos atos administrativos e demais atos jurídicos da Administração:

a) Atos de verificação constitutiva;


b) Atos relativamente aos efeitos:
i. Atos vinculados
ii. Atos discricionários
c) Atos de eficácia instantânea vs eficácia duradoura à nos atos de eficácia
duradoura, os efeitos (ao contrário dos atos com eficácia instantânea) não se
esgotam no momento da sua prática e criam uma relação jurídica que se
prolonga no tempo.
d) Atos constitutivos de direitos, que criam ou ampliam posições jurídicas
favoráveis, na esfera de terceiros ou dos destinatários.
e) Atos provisórios, que dependem de um futuro ato (que pode estabilizar o
conteúdo do ato provisório ou pode fazer cessar os seus efeitos – como atos de
suspensão de um funcionário contra o qual é movido um processo disciplinar).
f) Atos precários, que estão sujeitos a uma revogação discricionária. Esta
revogação é possível se a própria lei prevê ou através da cláusula acessória de
reserva de revogação discricionária, previsto no art.149 CPA.

Nota: temos quatro tipos de cláusulas acessórias: condição, termo, modo, reserva de
revogação. É compatível o carácter favorável com a possibilidade da sua revogação.

g) Pré-decisões: são atos que precedem o ato horizontalmente definitivo, o ato final
do procedimento. Aqui, a doutrina diverge sobre o facto de serem ou não atos
administrativos.
h) Atos parciais: decisões constitutivas de efeitos externos antecipados no que
respeita a uma parte ou a um aspeto da decisão final global. Por exemplo: licença
de caboucos (que se relaciona com a escavação de alicerces).
i) Promessas administrativas: são um ato através do qual o órgão administrativo
seu autor se obriga a praticar determinado ato ou se obriga a não praticá-lo. Por
exemplo: quando uma entidade adjudicante no âmbito da contratação pública
publica o anúncio do concurso, faz uma promessa de se comprometer no futuro a
adjudicar o contrato que pretende celebrar com o operador que apresentar as
características mais favoráveis.

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Classificação dos atos administrativos quanto ao conteúdo

Tendo em conta o conteúdo, isto é, os efeitos que visam produzir na esfera do


destinatário (independentemente agora dos efeitos que produzam relativamente a
terceiros), podemos distinguir quatro tipos de atos:

a) Desfavoráveis – causam situações de desvantagem para o destinatário:


a) Atos ablatórios, que suprimem, comprimem ou retiram direitos ou
interesses legalmente protegidos (Por exemplo: ato de expropriação, que
extingue a propriedade com a transferência do bem para a administração
expropriante; atos de apreensão de licenças, como atos de apreensão da
carta de condução; atos que determinam o encerramento de um
estabelecimento; ato que resolve um contrato administrativo, etc.). De
maneira geral, todos os atos sancionatórios se aplicam aqui.
b) Atos impositivos: impõe uma obrigação de facere (como demolir um
prédio), non facere (que restringe a liberdade, como a proibição de
circular) ou uma obrigação de suportar uma certa medida ou atuação
(como uma inspeção policial).
c) Professor Doutor João Pacheco de Amorim refere que Doutor Vieira de
Andrade tem razão quando considera que os indeferimentos podem ter
uma vertente negativa e positiva, sendo que a doutrina, tradicionalmente,
tende apenas a considerar que são a versão negativa do ato favorável.
Assim, quando apresenta versão negativa, refere-se à recusa, pelo órgão
competente, total ou parcial, da prática de ato favorável ou da
produção de efeitos jurídicos requerida pelo interessado.

b) Favoráveis – desencadeiam benefícios para os destinatários, particulares ou


públicos:
a) Concessões ou atos equiparados: as concessões incidem sobre bens ou
atividades sob reserva pública, isto é, bens ou atividades do Estado, sendo
que o particular é admitido a exercer uma certa utilidade ou bem.

Assim, estas concessões caracterizam-se pela precariedade, porque pode haver lugar à
rescisão em qualquer altura e pela temporalidade, porque é sempre um direto com limites
temporais. Estas podem ser:

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i. Translativas: são direitos ou poderes que estão na titularidade da
administração, que transfere esta titularidade para o
concessionário.
Os casos típicos de concessão translativa são concessões de
serviço público e as concessões de poderes públicos (por exemplo,
de acreditação e certificação).

Aqui, não há possibilidade de se operarem concessões por ato administrativo, sendo feitas
(por regra) por contrato administrativo.

ii. Constitutivas: não há transferência de direitos ou poderes da


titularidade da administração, mas sim um benefício para o
particular que só a administração pode conferir.

Cria -se na esfera do particular um direito novo, que não existia anteriormente, a que
corresponde uma diminuição na esfera jurídica da administração. Por exemplo:
concessões de uso privativo do domínio público (esplanadas, exploração de cais
portuários, gestão de parques de estacionamento, utilização do subsolo para instalação
de redes).

Isto poderá ser feito tanto por contrato administrativo, como por ato administrativo.

Os atos equiparados às concessões:


ü atos que conferem poderes públicos a um particular, sendo atos
afins das concessões, como atos ou contratos de gestão de
estabelecimentos públicos;
ü atos de delegação de poderes, que são um fenómeno concessório;
ü adjudicação;
ü atos de condecoração (onde se distingue a honra de determinadas
pessoas, atribui-se esta qualidade a alguém);
ü atos de subvenção, onde se transfere um bem da esfera da
administração para a esfera de um particular.

b) As autorizações incidem sobre bens e atividades próprias da sociedade e


não do Estado, já não estando sob reserva deste.

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Tratam-se de atividades que, por qualquer razão de interesse público, (como saúde,
ambiente, paisagem) há criação de uma proibição de desenvolvimento dessas
atividades, que pode ser afastada através de um ato permissivo ou autorizativo,
através destas autorizações que visam remover um limite imposto pela lei ao
exercício de uma atividade fora do domínio administrativo da entidade autorizante.

Professor Vieira de Andrade começa por dividir entre autorizações que têm destinatários
particulares e aquelas que são interadministrativas.

Temos vários tipos de autorizações nas relações entre a Administração e os


particulares:

ü Dispensas: incidem sobre atividades sobre as quais recai um manto de proibição


quase absoluta, mas que admitem excecionalmente que um particular as possa
desenvolver, porque sendo quase absoluta não há reserva pública. Ou seja,
removem, a título excecional, no caso concreto, um dever especial, relativo a uma
atividade quase proibida.

Por exemplo: em princípio os automóveis podem circular em todas as estradas nacionais,


mas há um limite de peso acima do qual há uma proibição, nomeadamente no que toca a
certas cargas de camiões. Assim, nas dispensas há um dever de abstenção dos
particulares de não circularem com pesos superiores a X;

Deve ter-se em conta que nem sempre a lei utiliza os conceitos doutrinais adequados
ao regime que estabelece, bem como a existência de zonas de fronteira entre estas
categorias de atos – por exemplo, as licenças de uso e porte de arma situam-se na
fronteira entre as dispensas e as licenças. Todavia, este dever de andar desarmado, pode
pressupor dispensa desse dever para pessoas que corram determinados riscos à se há
proibição de uso e porte de arma poderá ser dada uma licença para que se afaste a
proibição.

A nossa qualificação de autorizações entre si devem partir do regime e não do nomen


iuris.

No domínio das atividades económicas, outra autorização dispensa: em princípio, não


será possível fabricar explosivos sem ser em fábricas pirotécnicas ou equiparadas sendo
que como alguém tem de desempenhar esta função, prevê-se a possibilidade de isenção
deste dever ou afastamento desta proibição de fabricar explosivos.

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Podemos ainda falar do facto de que, a partir da meia noite normalmente é proibido fazer
barulho, mas, excecionalmente, poderá ser permitida a abertura de locais noturnos, de
estabelecimentos. Estas autorizações dispensas partilham com as concessões o carácter
precário.

ü Constitutivas ou licenças: doutor Vieira de Andrade dá como exemplo as


licenças de rádio (que para professor são concessões constitutivas). Estas
autorizações de licença serão as autorizações de construção, porque hoje é
(maioritariamente) consensual o facto de o direito a construir ser atribuído por
licença.

Fora o caso das licenças de construção, professor diria que todas as demais atividades da
sociedade se reconduzem a direitos fundamentais, pelo que não é admitida a figura da
autorização constitutiva.

ü Permissivas, declarativas ou recognitivas: não sendo admitida a figura da


autorização constitutiva, é admissível a figura da autorização permissiva,
declarativa ou recognitiva. Nas permissivas, permite-se o exercício de um direito
previamente existente; nas declarativas declara-se que o direito existe e nas
recognitivas reconhece-se o direito.

Por isso, o normal nas autorizações é ser permissiva, sendo excecional a dispensa e as
autorizações constitutivas. Esta construção é ainda reforçada pela CRP, nomeadamente
no que toca a atividades económicas.

ü Habilitações.

Na linha de uma orientação europeia, a tendência para a simplificação administrativa


inclui uma política (iniciativa “licenciamento zero”), que substitui as autorizações,
designadamente as autorizações permissivas, por “declarações” ou “comunicações
prévias” do interessado à Administração de que preenche os pressupostos legais e
regulamentares para exercício de uma determinada atividade ou para uma determinada
atuação. Ainda, este sistema de autorizações prevê o indeferimento tácito, que é uma
exceção ao carácter excecional à regra do CPA. Isto coloca-se ao abrigo da Diretiva n.º
2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro – “Diretiva -
Serviços”

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Quanto às interadministrativas:

ü Autorizações constitutivas da legitimação: diz respeito a autorizações de


carácter permissivo, praticado por órgão supraordenado para o órgão
infraordenado, na mesma pessoa coletiva pública, cuja competência está
condicionada. Ou, então, pode ser uma autorização intersubjetiva praticada por
um órgão com poderes de tutela tendo como destinatário uma entidade que
pertence à administração indireta.

Estes atos são condições de validade para os atos praticados pelo órgão infraordenado.

ü Aprovação: podendo ser praticada por um órgão supraordenado ou de tutela.


Aqui, a permissão superior já não é requisito de validade, mas de eficácia do ato
praticado. Por isso, estamos perante um quadro de um controlo preventivo
externo, que pode ser de legalidade e também de mérito, conforme o disposto na
lei nas respetivas relações interorgânicas.

De acordo com o ensino tradicional, estes atos são autorizações em sentido amplo, mas
no âmbito de relações interadministrativas. Para Professor Doutor João Pacheco de
Amorim, quando estes se projetam dentro da mesma pessoa coletiva, não estamos perante
verdadeiros atos porque não têm efeitos externos, esgotando-se dentro da pessoa coletiva.
Mas será o ato impugnável nos tribunais? Sim, porque há alargamento do contencioso a
atos que não são verdadeiramente administrativos, sendo que é o órgão infraordenado que
tem legitimidade para requerer esta impugnação.

Professor refere que é possível agrupar estes atos interadministrativos num conjunto à
parte das autorizações.

Atos relativos a “status”

Doutor Vieira de Andrade fala dos atos relativos a status como autónomos, mas Doutor
Professor João Pacheco de Amorim inclui-os no regime dos atos favoráveis e
desfavoráveis.

Um feixe de status é um feixe de direitos e deveres indissociáveis. Mas à luz da CRP,


entende-se que tem no seu centro ou um direito ou um dever, que são favoráveis ou
desfavoráveis. Exemplo: serviço militar obrigatório, que funda este status num dever; o

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status de pessoa presa que tem direito a cama, roupa lavada, mas no seu centro está um
dever e não um direito.

Assim, o status profissional tem no seu centro um direito constitucionalmente protegido,


mas também deveres, como o pagamento de uma quota.

Por isso, são colocados como favoráveis se criam ou modificam estatutos de forma
favorável e desfavoráveis se reduzem ou extinguem um status favorável.

Estes status podem ser alterados a nível legislativo e não podem ser invocados como
direitos adquiridos pela legislação anterior.

Atos secundários ou de 2ºgrau

São atos que visam produzir efeitos sobre um outro ato administrativo anterior, que
constitui o respetivo objeto. Ou seja, visam produzir efeitos sobre um ato administrativo
anterior. De alguma maneira, nas palavras de Professor Doutor João Pacheco de Amorim,
é um “voltar atrás” em que o autor do ato prossegue a uma revisão do ato praticado,
nomeadamente dos seus pressupostos de facto e de direito.

É importante distinguir estes atos secundários dos atos contrários, que não tem por
objeto os atos administrativos, mas a relação jurídico-administrativa constituída
por um ato anterior. Por exemplo: um ato de demissão relativamente à nomeação de
um funcionário público é um ato que extingue o status de funcionário público, extingue
a relação constituída. Isto acontece também com o ato de resgate de uma concessão ou
de reversão de uma expropriação (dentro dos 20 anos de prazo, a administração está
obrigada a respeitar a finalidade que presidiu a essa declaração de utilidade pública
expropriativa).

Como atos secundários ou de 2º grau surgem:

§ Atos de convalidação: art.164 CPA: São aplicáveis à ratificação, reforma e


conversão dos atos administrativos as normas que regulam a competência para
a anulação administrativa dos atos inválidos e a sua tempestividade.

o Modalidades dos atos de convalidação: Ratificação, reforma e


conversão

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A ratificação, no seu sentido clássico, é o ato através do qual um órgão da
Administração competente para a prática do ato convalida um ato praticado. Por
exemplo: o Presidente da Câmara é um órgão individual de acordo com o regime legal,
presidindo à Câmara Municipal, tendo ainda competências próprias. Mas, por vezes,
toma decisões que seriam de decisão da Câmara e depois pede a esta para ratificar a sua
decisão para a qual era incompetente.

Será necessário ter em conta que só são suscetíveis de ratificação os atos anuláveis, os
atos nulos já não o serão.

Quando surgiu no CPA de 1991, os autores entenderam alargar o conceito de


convalidação em face de outros vícios de forma e de procedimento. Mas há vícios de
procedimento e de forma que são, por definição, insanáveis. Por exemplo: como é que se
sana o vicio por falta de audiência quando esta era devida? Se o momento desta
audiência passa depois não seria possível convalidar o ato.

Diferente seria, ao abrigo do regime da anulação (art.163/5 CPA), que nos diz que não se
produz o efeito anulatório quando o fim visado pela exigência procedimental ou formal
preterida tenha sido alcançado por outra via – o que dá origem á degradação de uma
formalidade essencial em formalidade não essencial. Por exemplo: no procedimento
de primeiro grau não há audiência mas o particular vem expressar a sua reclamação ou
recuso à decisão tomada e o órgão, na decisão final, rebate e confirma a decisão
anterior. Com este mecanismo da impugnação graciosa, alcançou-se o fim visado pela
participação na audiência, apesar de a decisão não ser aquela que o particular pretendia.
à A diferença deste mecanismo face à convalidação é que quando existe convalidação
torna-se válido o ato que seria inválido, com efeitos retroativos.

Quanto aos vícios de forma, o mais importante relaciona-se com a falta de


fundamentação do ato administrativo sendo que aqui já podemos encarar a
possibilidade de fundamentação à posteriori. A jurisprudência tem entendendido que
aqui não será possível a convalidação. Mas, isto não significa que não se possa afastar o
efeito anulatório ao abrigo do art.163/5 CPA. à Há uma assimilação do regime de
anulação ao regime da convalidação, sendo que quando não é possível a
convalidação se aplicará a anulação.

Quanto à reforma e conversão, já será possível face aos atos anuláveis e aos atos nulos
– art.164 CPA.

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A reforma é uma modificação do ato administrativo para um novo ato de 2º grau,
que se funde e se dirige, se relaciona com uma modalidade substancial do ato. A
reforma modifica de forma cirúrgica os segmentos do ato que são inválidos, sendo uma
modificação com fundamento na invalidade. Então, esta modificação é dirigida a
convalidar o ato, removendo o conteúdo inválido e substituindo-o por outro.

Quanto à conversão, aplica-se quando não é possível a reforma. Opera, mantendo o


conteúdo do ato, mas modificando o seu tipo legal. Por exemplo: alguém é nomeado
para a função pública, sendo que um requisito essencial era ter idade superior a X, sendo
que esta pessoa foi nomeada havendo desrespeito por este requisito. Sendo este ato nulo,
imaginando que é possível criar um vinculo não definitivo mas provisório, a única opção
de validar o ato é a conversão de um para o outro, alterando o tipo do ato, com efeitos
retroativos. à este efeito retroativo prevê-se no nº5.

§ Revogação: art.165: A revogação é o ato administrativo que determina a


cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou
oportunidade, à luz do interesse público que preside à competência em causa,
não se falando então aqui em atos discricionários.

Os efeitos de revogação são efeitos prospetivos, que se produzem daí em diante, sendo
que os efeitos produzidos até então se mantêm.

Porque é que o termo revogação não conta com o termo “administrativo”? Porque
estamos perante um ato de 2º grau que só pode ser praticado por órgãos administrativos
e por isso os tribunais não controlam. Já quanto à anulação, esta designa-se por “anulação
administrativa” porque poderá haver anulações administrativas.

Nos termos do art.167 CPA: Os atos administrativos não podem ser revogados quando
a sua irrevogabilidade resulte de vinculação legal ou quando deles resultem, para a
Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis.

No nº2 deste artigo estabelece-se um princípio ou regra de irrevogabilidade de atos


constitutivos de direitos, dos atos favoráveis, que criem ou modifiquem favoravelmente
a posição dos particulares. Estes são irrevogáveis devido a certeza e segurança
jurídica, mas podem haver exceções:

a) Na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos beneficiários;

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b) Quando todos os beneficiários manifestem a sua concordância e não estejam em
causa direitos indisponíveis – ou seja, quando o próprio beneficiário do ato der o
seu consentimento;
c) Com fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou
em alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais, num ou
noutro caso, não poderiam ter sido praticados.

Exemplo da superveniência de conhecimentos técnicos e científicos: no domínio da


discricionariedade técnica, é licenciada uma fábrica que lança efluentes líquidos que
contaminam um terreno, tendo o efeito de poluição, constituindo risco para o ambiente
e saúde. Sendo que à data em que é emitida a licença e com os conhecimentos técnicos e
científicos disponíveis, entende-se que aqueles efluentes não são suficientes para
fundamentar um indeferimento. Mas passando 3 anos, devido à evolução da ciência,
descobre-se que aquela fábrica produz efeitos danosos, o risco é maior do que o que se
levou em consideração na época, será possível revogar a licença.

Exemplo da alteração das circunstâncias de facto: construção num terreno que à época
da licença tinha condições para suportar a habitação, mas depois de dois invernos o
terreno torna-se inviável, há também justificação para se revogar a licença de
construção.

d) Com fundamento em reserva de revogação, na medida em que o quadro


normativo aplicável consinta a precarização do ato em causa e se verifique o
circunstancialismo específico previsto na própria cláusula. à esta alínea remete
para o art.149 CPA, uma vez que existe uma cláusula acessória de reserva de
revogação. Nesta alínea é necessário verificar-se um circunstancialismo
específico para ser possível a revogação, tendo esta clausula de revogação de ser
específica.

No nº4 deste artigo, é nos dito que a revogação prevista na alínea c) do n.º 2 deve ser
proferida no prazo de um ano, a contar da data do conhecimento da superveniência ou
da alteração das circunstâncias, podendo esse prazo ser prorrogado, por mais dois anos,
por razões fundamentadas.

No nº5, há uma remissão para a alínea c) do nº2, alínea essa que tem um cariz de tipo
expropriativo. Assim, os beneficiários de boa-fé do ato revogado têm direito a ser
indemnizados, nos termos do regime geral aplicável às situações de indemnização pelo

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sacrifício, mas quando a afetação do direito, pela sua gravidade ou intensidade, elimine
ou restrinja o conteúdo essencial desse direito, o beneficiário de boa-fé do ato revogado
tem direito a uma indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado
ou da parte do direito que tiver sido restringida. à isto estabelece-se no art.16 da Lei
67/2007, que se relaciona com esta indemnização pelo sacrifício. Já na parte final do nº5
(mas quando…que tiver sido restringida) aplica-se o regime da justa indemnização.

Nos termos do nº6 consideram-se de boa-fé os beneficiários que, à data da prática do ato
revogado, desconheciam sem culpa a existência de fundamentos passíveis de determinar
a revogação do ato.

§ Anulação: art.165 - anulação administrativa é o ato administrativo que


determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade.
Por definição, a anulação é retroativa, não havendo apenas cessação, mas
destruição dos efeitos.

Os atos nulos não podem ser revogados nem anulados, porque não há efeitos que possam
cessar ou ser destruídos.

Regime da anulação – art.168 CPA à Os atos administrativos podem ser objeto de


anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo
órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro
do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não
tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão. Assim, visto que o prazo
começa a contar a partir da data de conhecimento de invalidade, não estamos perante
um prazo objetivo. Ainda assim, temos um prazo absoluto e objetivo que se prende com
os cinco anos a contar da data de emissão do ato, tendo em conta salvaguardar a certeza
e segurança jurídica. Neste nº1 do art.168 CPA não estamos perante atos constitutivos
de direitos.

Já no art.168/2 estamos perante atos constitutivos de direitos, sendo que estes podem
ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano a contar da data da
respetiva emissão. No entanto, estabelecem-se exceções a esta regra nos termos do
art.168/4 CPA - Salvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo
diferente, os atos constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa
no prazo de cinco anos, a contar da data da respetiva emissão. Poderá a União Europeia
revogar atos relativos a fundos europeus caso tenha existido alguma ilegalidade na

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realização da despesa relativa a esses fundos e relativamente às regras que disciplinam a
sua regulação. Isto permite harmonizar o regime comunitário com o português.

Análise das alíneas do art.168/2 que estabelece a exceção dos cinco anos:

a) Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à


obtenção da sua prática;
b) Apenas com eficácia para o futuro, quando se trate de atos constitutivos de
direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação
continuada. Isto verifica-se nos casos de subsídios de desemprego ou bolsas de
estudo, visto que ambos apenas produzem efeitos para o futuro e, por isso, a
pessoa que recebe indevidamente um subsídio a que não tinha direito não terá de
o devolver.
c) Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja
legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização
administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de
restituição das quantias indevidamente auferidas.

No nº5 deste artigo 168 estabelece-se uma ressalva, que nos diz que quando o ato se tenha
tornado impugnável por via jurisdicional, o mesmo só pode ser objeto de anulação
administrativa oficiosa.

No nº6 vale o regime indemnizatório mais generoso da revogação administrativa,


pois não há razão para os beneficiários que desconhecessem sem culpa a existência da
invalidade não terem, no mínimo, direito ao mesmo regime indemnizatório.

No nº3 o ato é objeto de uma impugnação jurisdicional, podendo a administração anular


o ato até ao fim da audiência do julgamento e das alegações finais, ou seja, até quando o
processo é concluso ao juiz, sendo que a partir desse momento a decisão está nas mãos
do juiz.

Nos termos do art.169 estabelece-se a iniciática e competência: há iniciativa dos órgãos


competentes ou a pedido dos interessados (mediante reclamação ou recurso
administrativo) e ainda serão competentes os seus autores e os respetivos superiores
hierárquicos (desde que não se trate de ato da competência exclusiva do subalterno.

De acordo com o art.171, por regra, a revogação apenas produz efeitos para o futuro,
mas o autor da revogação pode, no próprio ato, atribuir-lhe eficácia retroativa quando

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esta seja favorável aos interessados ou quando estes concordem expressamente com a
retroatividade e não estejam em causa direitos ou interesses indisponíveis.

No art.172 estabelecem-se as consequências da anulação administrativa: anulação


administrativa constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que
existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos
deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação
jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.

§ Atos interpretativos e de retificação:

A retificação é uma correção de erros de cálculo ou materiais, sendo uma modalidade


de interpretação. Nos termos do art.174: Os erros de cálculo e os erros materiais na
expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos, podem ser
retificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do ato. Esta
retificação pode ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, produz efeitos
retroativos e deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do ato
retificado.

O ato interpretativo inclui-se no ato interpretado e, por isso, apresenta efeitos


retroativos.

Outros atos jurídicos da Administração:

§ Atos de conteúdo decisório: são atos administrativos onde se inclui os atos


prévios (nomeadamente os que se prendem com a aprovação de projetos de
arquitetura).
§ Atos declarativos: contrapõe-se aos atos administrativos propriamente ditos que
criam modificam ou extinguem relações jurídicas. Doutor Vieira de Andrade
distingue entre atos declarativos e as verificações e avaliações constitutivas.

Os atos declarativos têm a função de conferir certeza jurídica, tornando obrigatório o


acatamento por todos os operadores jurídicos da veracidade daquilo que é
declarado.

Estes atos limitam-se a isso mesmo, a fazer uma verificação simples e básica, primária,
como através de exames periciais ou certidões.

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O ato declarativo pode ser impugnado, como aqueles que derivam do notário, das
conservatórias, sendo isto da competência dos tribunais comuns e não dos administrativos
e fiscais. Estes atos, enfim, não têm efeito de consolidação que têm os atos
administrativos e, por isso, são insuscetíveis de ser anulados, o único vício de que
padecem é a nulidade e, por isso, não há prazo para a impugnação destes atos.

São chamados pela doutrina de atos instrumentais, mas Professor Doutor João Pacheco
de Amorim não concorda, pois pode haver lugar a estes atos fora de um procedimento e
não apenas dentro deste.

A diferença face às verificações, é que estas verdadeiramente criam, modificam ou


extinguem uma relação jurídico-administrativa, mas introduzem-se numa relação
apenas de verificação. A verificação dos pressupostos de um ato administrativo normal
tem efeitos para aquela decisão, por isso, essa verificação não se verifica na ordem
jurídica. Diferentemente dos atos declarativos, o ato de verificação esgota-se na própria
verificação que produz efeitos constitutivos. Exemplo de verificação constitutiva:
concluída a instrução tendo em vista encontrar o dono dos prédios sem o encontrar, dá-
se o ingresso desse imóvel na esfera do Estado. portanto, no fundo, os efeitos são de tipo
expropriativo. Qual a diferença deste face ao ato de expropriação? O ato de expropriação
implica a decisão de uma escolha discricionária, sendo que só depois dessa se dá a decisão
constitutiva, enquanto esta verificação é um ato vinculado.

As avaliações constitutivas criam algo mais que uma certeza jurídica, pois pressupõem
uma atividade que, de alguma medida, já é reserva de administração porque se faz uma
operação complexa, com uma tendência permanente. Existe discricionariedade
técnica, mas sem ser propriamente uma discricionariedade administrativa à há uma
pequena margem de escolha e, por isso, já não estamos perante atos estritamente
vinculados. Dentro destas avaliações podemos encontrar os pareceres.

A emissão dos pareceres obedece ao regime do art.92 CPA (ter em atenção às


coletâneas, visto que este artigo foi alterado pelo DL 11/2023, de 10 de fevereiro).

Os pareceres, enquanto avaliações jurídicas ou técnicas, são de diversos tipos: são


obrigatórios ou facultativos, conforme tenham, ou não, de ser solicitados pelo órgão
instrutor; são vinculantes ou não vinculantes, conforme tenham, ou não, de ser
seguidos pelo órgão decisor e haja norma especial que o preveja para ser vinculativo

48
– os pareceres previstos em normas jurídicas são, salvo disposição expressa em
contrário, obrigatórios e não vinculantes (cfr. artigo 91.º do CPA).

A tal tendência para a celeridade do procedimento leva a que um parecer obrigatório, seja
vinculativo ou não, são emitidos no prazo de 15 dias e se não o for então o
procedimento tem de prosseguir e ser decidido sem parecer. Se o parecer vier depois
destes 15 dias perde, então, a vinculatividade se assim o fosse. O órgão decisor tem então
limites temporais que tem de respeitar, sendo que então a sua competência se encontra
limitada. – art.128/6.

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

A teoria clássica ou tradicional do ato administrativo, relegava para um plano de quase


irrelevância jurídica o procedimento administrativo, ou seja, o processo de formação
da vontade da Administração Pública até à pratica do ato. Isto por duas razões:

§ Em primeiro lugar, porque se entendia não ter relevância jurídica externa, pois
apenas correspondia a uma fase de formação do ato administrativo.
§ Ainda, a este motivo aliava-se a uma certa tradição de segredo ou sigilo quanto
à vontade e decisões da administração, que se considerava não ser do
entendimento dos particulares, que apenas seriam notificados dessas decisões.

Portanto, desenvolvia-se uma cultura de arcana praxis, pois já que essa fase era
juridicamente irrelevante e os particulares não tinham de participar nela, então isso
formava efetivamente a prática do sigilo administrativo.

Na verdade, a evolução do direito administrativo na segunda metade do século XX foi no


sentido de progressivamente atribuir importância ao procedimento, considerar que os
particulares, os destinatários, os interessados na prática do futuro ato deviam participar
no procedimento e ter acesso a toda a informação procedimental, devendo ser
excecionais as situações de reserva e sigilo administrativo.

Por isso, hoje o procedimento tem relevância externa, produzindo efeitos externos –
muitos dos atos, mesmo que não sejam constitutivos (atos administrativos) não deixam
de ter efeitos externos. Por exemplo: ato que solicite uma diligência provatória.

49
Ainda, por força do princípio da transparência, que se desdobra numa série de
subprincípios, como comunicação, obriga a Administração a prestar toda a
informação sobre o decorrer do procedimento.

De todo o modo, há várias conceções sobre o procedimento:

§ A sua evolução deu-se com base num modelo do sistema de administração


executiva. Este, parte sempre da função do procedimento administrativo, tendo
em vista a realização do interesse público. Aqui, considera-se que o interesse
público não é apenas o interesse da comunidade, mas devendo ser entendido
como ponto de equilíbrio que deve ser alcançado entre os interesses, diversos
e muitas vezes conflituantes, da comunidade, dos indivíduos e grupos sociais.
à Existe uma ideia de interesse público em sentido estrito, que diz respeito a um
interesse apenas, sendo que no caso não é esta ideia que se deve seguir, mas sim
a ideia de interesse público em sentido amplo. Este interesse público é definido
previamente pela lei e cuja atividade está, por razões de sistema, sujeita a
fiscalização judicial posterior.

Este sistema leva à consequente impropriedade de outros paradigmas:

§ paradigma monista, de inspiração austríaca (Kelsen), baseado no modelo de lide,


típico de um processo judicial. Por isso, este paradigma reconduz a um único
modelo onde se junta o procedimento administrativo e o jurisdicional. Isto
assenta numa administração pública imparcial, em que se dá grande valor a
princípios como do contraditório ou da defesa do particular no procedimento.
Assim, dá-se uma certa assimilação excessiva do ato administrativo à sentença.

Este paradigma faz todo o sentido num certo tipo de procedimento, aquele a que
se designa procedimento sancionatório ou disciplinar. De facto, a atividade
administrativa sancionatória é de cariz jurisdicional. Mas, por norma, o
procedimento administrativo corresponde à lógica do direito administrativo
geral, que tem em conta o interesse público. A própria instrução do procedimento
não é levada a cabo de forma imparcial, pois a administração é parte no
procedimento, é lhe confiada um interesse que tem de ser defendido como se
fosse seu, sendo parcial. Há apenas imparcialidade face aos vários interesses
particulares que se podem confrontar nos procedimentos.

50
Assim, a AP tem uma obrigação positiva e uma obrigação negativa: quanto à positiva,
é nos dito que esta tem de considerar todos os interesses relevantes para o procedimento
e quanto à obrigação negativa é de ter em conta que a Administração Pública não deve
tomar em consideração aqueles interesses irrelevantes.

o modelos anglo-saxónicos da administração livre e «fair», fracamente


vinculada a soluções legais substantivas previamente definidas, em que o
procedimento é fator determinante e condição da legitimidade
decisória dos casos à há uma extrema valorização do procedimento
que vem compensar a menor densidade do direito que pré-determine
a atividade da Administração. Então, este modelo desenvolve-se num
contexto de inexistência de Direito Administrativo.
Se a administração proceder de forma correta isso assegurará o resultado
mais justo.

Não é este o nosso modelo de procedimento.

Princípio da procedimentalização

Por isso, na Europa Continental está, normalmente, consagrado o princípio da


procedimentalização de toda a atividade administrativa, não só no que respeita à
prática dos atos administrativos, mas também no que tem em conta a emissão de
regulamentos e a celebração de contratos. Assim, toda a atividade dos atos príncipes
da administração requer procedimentalização no que diz respeito à formação e
execução.

Nota: há uma alteração no art.1/1 CPA, sendo que se passa a incluir a “execução” na
noção de procedimento administrativo.

Os objetivos da procedimentalização da atividade administrativa são:

§ implementação da participação dos interessados na formação de vontade da


Administração e ainda a participação de outros órgãos da Administração.
§ garantia de ponderação e realização de todos os interesses envolvidos.
§ máxima eficiência, coordenação e racionalização de tarefas complexas, que
são dirigidas a vários órgãos e serviços da Administração Pública, sendo através
do procedimento que se vão articulando estes vários serviços e órgãos da

51
administração. Por isso, o procedimento é o eixo que permite essa coordenação e
articulação.

Portanto, o ritmo do procedimento propicia uma maior ponderação dos interesses e uma
tomada de decisão mais ponderada e menos precipitada.

Na teoria do procedimento, é hoje pacífica a conceção adjetiva do procedimento, como


resposta adequada à construção teórica e às necessidades práticas. Por isso, o
procedimento está funcionalizado ao ato, sendo a prática deste ato o momento mais
relevante relativamente a todo o procedimento, pois é o ato que substancialmente
altera as situações jurídicas.

Por isso, o procedimento não é um ato complexo. à As declarações que integram o ato
complexo colocam-se em pé de igualde, pois todas elas se constituem como causa
imediata da produção de efeitos. Portanto, quando há mais de uma declaração que se
situe como causa imediata de efeitos então temos um ato complexo. Quando falamos
noutras declarações que só de forma mediata se projetam na esfera dos afetados pelo ato,
então a declaração insere-se no procedimento sendo um mero ato preparatório ou
instrutório.

Assim, o procedimento não é um conceito substantivo, não é constitutivo, apenas o


ato que deste deriva, que é preparado e que coloca termo ao procedimento, esse é
que se considera substantivo.

A definição legal do art.1/1 CPA fala em sucessão de atos e formalidades, já a definição


doutrinária de Vieira de Andrade integra apenas o enquadramento de atos jurídicos.
Professor Doutor João Pacheco de Amorim não acha relevante esta diferenciação.

O procedimento é também caracterizado por um resultado jurídico unitário, que é


sempre imputável ao ato e apenas a este. Todos os atos do procedimento, seja o
preparatório, seja o ato final, visa apenas um único resultado jurídico que é apenas
imputável ao próprio ato administrativo.

O procedimento, nos termos do art.1/1 CPA, quando se fala em sucessão ordenada, leva
a uma tramitação lógica e cronológica, constituindo uma sequência ordenada. Por
exemplo: tem de haver lugar a audiência antes da prática de um ato.

52
Tipos de procedimentos

§ Procedimentos de 1.º grau e procedimentos de 2.º grau (como impugnações


administrativas);
§ Procedimentos decisórios e procedimentos executivos – considera-se este 2º
tipo desatualizado face à nova definição de procedimento do CPA no art.1/1.
§ Procedimentos obrigatórios (formais) e procedimentos facultativos ou
informais;
§ Procedimentos bipolares (os únicos interesses que relevam são o interesse
público e os interesses do particular), sendo então um procedimento simples e
procedimentos poligonais, que são considerados complexos.
§ Procedimentos simples e complexos - normalmente, contemplam diferentes atos
administrativos autonomamente impugnáveis que são praticados ao longo do
procedimento com a participação de 2 ou mais órgãos administrativos e com uma
complexidade de interesses diferentes.
§ Procedimento geral e especial – normalmente, o procedimento é especial,
afastando em tudo o que for geral para ser aplicada a norma especial, por isso o
que é geral fica reduzido a mínimos.

Dentro dos procedimentos complexos, será necessário ter em conta


subprocedimentos, que conduzem à pratica de atos de controlo – autorizações e
aprovações, que começam com o envio do projeto do ato, que pode ser aprovado ou não,
não permitindo a produção de efeitos no caso da recusa de aprovação. O mesmo se diz
dos pareceres, que são atos instrutórios, com exceção dos pareceres vinculativos, que na
opinião do Professor são declarações que integram o ato complexo.

No caso dos procedimentos escalonados ou faseados, que antes da decisão há pré-


decisões, que são os atos prévios (que decidem definitivamente certas condições da
decisão global) ou decisões parciais (que decidem alguns dos aspetos do requerimento
ou da matéria em causa).

Os procedimentos coligados ou conexos - que podem ser paralelos (por exemplo:


avaliação de impacto ambiental que é paralelo ao licenciamento de certas atividades) ou
sucessivos (sequenciais) (por exemplo: procedimento de informação prévia que procede
ao processo de licenciamento).

53
Novas tendências procedimentais: mecanismos de simplificação administrativa

o desregulação, substituindo as autorizações ou licenciamentos por mera


comunicação de início de atividade (iniciativa de procedimento de
verificação para eventual oposição administrativa com ou sem prazo) –
aqui se inscreve a iniciativa governamental crismada de “licenciamento
zero”;
o relevância do silêncio endoprocedimental, que resulta da tendência de
substituir a regra, que se traduz no facto de que o indeferimento tácito
normalmente não é uma aceitação. – art.129 e 130/4 CPA.
o há uma tendência também de concentração, normalmente na verificação
ou autorização de projetos globais ou de rede, por exemplo: redes de
distribuição de gás), que substituem autorizações parcelares, que se
dirigiam a cada processo de licenciamento.
o Conferências procedimentais:
§ instrutórias: no mesmo procedimento, na mesma pessoa coletiva,
os mesmos serviços reúnem-se e flexibilizam o procedimento,
consertando pareceres de diversos serviços no mesmo
procedimento.
§ Deliberativas: quando, em procedimentos complexos tendentes à
prática de um ato administrativo, se reúnem os órgãos competentes
para uma decisão conjunta, que substitui a prática de vários atos
autónomos.
§ Coordenação, quando, em procedimentos complexos, se reúnem
os órgãos competentes para praticarem, simultaneamente, atos
administrativos autónomos.

Atualmente, as conferências deliberativas e de coordenação (não as instrutórias) estão


reguladas no CPA (artigos 77.º a 81.ª), que determina regras gerais sobre a sua
instituição (por lei, regulamento ou contrato interadministrativo), realização, audiência
dos interessados ou pública e conclusão.

54
Procedimento no CPA

O CPA é sobretudo um Código substantivo. Aquilo que se relaciona com o procedimento


estabelece-se na parte III, sendo esta parte substantiva; na parte IV apenas é de ter em
conta a parte dos procedimentos de segunda fase e a fase do procedimento executivo,
sendo uma parte adjetiva.

Também tudo o que que diz respeito ao regulamento, ato e contrato, se consagra na parte
IV.

o Princípios gerais do procedimento

Neste âmbito, Professor Doutor João Pacheco de Amorim tem um entendimento diferente
de muitos autores. Deste modo, é aqui de considerar o artigo do Professor que servirá de
orientação.

Fases do procedimento administrativo

Podemos falar no procedimento em sentido amplo, que integra a fase preparatória e


constitutiva, abrangendo o próprio ato e em sentido estrito onde se abrange a formação
do ato, a tramitação até à sua prática, mas sem o abranger.

Existem ainda duas fases eventuais:

§ Nos termos do art.155 CPA: O ato administrativo produz os seus efeitos desde a
data em que é praticado, salvo nos casos em que a lei ou o próprio ato lhe
atribuam eficácia retroativa, diferida ou condicionada. – assim, estamos perante
a fase integrativa de eficácia.
§ Na fase de execução, temos de a considerar como integrada no próprio
procedimento administrativo – art.1/1 CPA. É uma fase eventual, visto que nem
todos os atos são exequíveis, nem todos carecem de execução, alcançando os
objetivos a que se destinam através apenas da produção de efeitos. Os atos
inexequíveis são, por exemplo: os atos de autorização que afastam uma proibição
relativa, sendo que por imperativo lógico, ele alcança as suas finalidades últimas
apenas a partir da produção de efeitos.

55
1. Fase preparatória compõe-se de 3 subfases: iniciativa, instrução e audiência
dos interessados - A subfase da audiência dos interessados autonomiza-se da fase
de instrução face à sua relevância.

Integram-se aqui os atos preparatórios típicos, isto é, os atos jurídicos que estão
diretamente conexionados com o ato principal, visando a sua consumação e que não
produzem efeitos externos senão através dele. Não se consideram, assim, integrados no
procedimento: as operações materiais e comportamentos (por não serem atos
jurídicos), os «pressupostos» longínquos (por não terem uma conexão direta com o
procedimento, como, por exemplo, a delegação de poderes) e os atos com autonomia
funcional (por visarem produzir efeitos externos próprios, como acontece tipicamente
com a autorização para a prática de ato administrativo ou com a decisão de exclusão de
candidato de procedimento concursal, que é um ato destacável).

§ Fase de iniciativa: art.53 CPA – o procedimento administrativo inicia-se


oficiosamente ou por solicitação dos interessados.

Verdadeiramente, o procedimento e a sua tramitação está regulada nos arts.96 e ss. CPA.
à Quanto a este momento de iniciativa, é de notar os arts. 97 e 98 CPA que se relacionam
com o regulamento administrativo e os normativos referentes aos atos administrativos
dizem respeito aos art.102 a 109 CPA.

Então, a iniciativa (artigo 102.º), pode ser desencadeada pelo interessado (sendo como
tal qualificado quem tenha legitimidade para iniciar o procedimento, nos termos do artigo
68.º), por meio de um requerimento (artigos 102.º e ss.), ou por um órgão
administrativo através de um ato público de iniciativa, devendo distinguir-se, neste
caso, os procedimentos oficiosos (desencadeiam-se com um pedido por parte da
autoridade pública) dos procedimentos públicos não oficiosos (desencadeados por
propostas, requisições, pedidos).

Nos termos do art.102 apresentam-se os requisitos do requerimento inicial. Nos termos


do art.108, se este requerimento inicial não satisfizer os pressupostos do art.102, o
requerente é convidado a suprir as deficiências existentes.

O art.109 consagra também um regime importante relativo às decisões de indeferimento


– o órgão competente, na medida em que não decide em substância relativamente ao
requerimento, estabelece que a falta de um requisito prévio o indefere.

56
Nota: a lista do art.109 não é taxativa, mas exemplificativa.

§ Fase instrutória: art.99 CPA, que diz respeito ao regulamento administrativo e


a fase instrutória relativamente ao ato administrativo está regulada nos termos do
art.115 a 120.

A instrução é o momento de averiguação dos factos relevantes para a prática do ato.


Mas, não só. Pode conter em si diligências que não se relacionem diretamente com o
factos, como estudos de avaliações, que de alguma maneira servem para o órgão poder
comparar os interesses envolvidos na decisão. Então, além de verificar e aferir os factos
relevantes, individualiza-se e valoriza-se todos os interesses que têm de ser ponderados
para a tomada de decisão.

Particularmente, nestes arts.115 a 120 temos as diligências provatórias, de iniciativa


particular (quando estamos perante diligências de origem privada estamos perante
provas e alegações) ou pública e as diligências consultivas (em especial, os pareceres
- artigos 91.º/92.º).

Há lugar na fase de instrução à participação dos interessados, que atravessa


transversalmente o procedimento, mas tendo o seu momento alto na audiência dos
interessados.

A quem cabe a direção da instrução? Nos termos do art.58 CPA, à partida, há um


responsável pela direção do procedimento que conduzirá a instrução. O órgão decidente
tem aqui intervenções próprias, tais como as decisões de indeferimento liminar.

Doutor Vieira de Andrade adianta aqui as medidas provisórias – arts.89 e 90 e as


decisões de suspensão de procedimento. à de acordo com as suas palavras: perante a
admissibilidade de o órgão competente para a decisão final ordenar medidas provisórias
necessárias para prevenir lesões graves ou de difícil reparação dos interesses públicos
(artigos 89.º e 90.º) – embora possam ser ordenadas em qualquer fase do procedimento,
são mais prováveis durante a instrução – estas medidas produzirão efeitos jurídicos
próprios, muitas vezes lesivos da esfera jurídica dos particulares. Também a suspensão
do procedimento depende da existência de uma causa prejudicial, deve ser fundamentada
e, se lesiva, há-de ser suscetível de impugnação.

§ Audiência dos interessados: arts. 121 e ss., tendo de se ter em conta as alterações
introduzidas pelo DL11/2023 de 11 de fevereiro.

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Os interessados têm direito a ser ouvidos no procedimento antes da decisão final, tendo
estes ainda de ser informados acerca de um projeto de decisão, nos termos do art.121.
No exercício do direito de audiência, os interessados podem pronunciar-se sobre todas
as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como
requerer diligências complementares e juntar documentos.

O órgão só pode realizar uma audiência prévia, na qual deve incluir toda a matéria de
facto e de direito que sustenta o sentido provável da decisão,

O nº5 introduzido pelo DL refere que a realização da audiência não suspende a


contagem de prazos em procedimentos administrativos, sendo que no anterior nº3
(antes do DL) se suspendia a contagem do prazo em todos os procedimentos
administrativos.

Nos termos do art.124 dá-se a dispensa da audiência quando verificadas as situações


presentes no artigo, como em caso de urgência. Uma outra hipótese é, ao longo do
procedimento, os particulares, de forma oficiosa, já estão perfeitamente inteirados dos
contornos da futura decisão e por isso a audiência torna-se inútil. Outra razão de dispensa
será quando o sentido provável da decisão seja favorável. Ainda, quando o particular é
advertido de um sentido provável de decisão que possa comprometer a utilidade da
decisão a praticar, sendo que este poderá atuar tentando tornar a decisão inoperativa, o
órgão da administração tem de demonstrar razoavelmente que seja expectável que a
diligência possa comprometer a execução ou utilidade da decisão final à as razões de
dispensa têm de constar sempre da decisão final.

Nos termos do art.69 estabelecem-se os casos de impedimento, ao abrigo das garantias


de imparcialidade. Mas, o facto de alguém estar impedido não impede que a urgência o
impeça de atuar, nos termos do art.71/2 CPA à Os impedidos nos termos do artigo 69.º
devem tomar todas as medidas que forem inadiáveis em caso de urgência ou de perigo,
as quais carecem, todavia, de ratificação pela entidade que os substituir.

Tem de se distinguir as situações de mera urgência administrativa do estado


necessidade: este último implica um perigo grande, eminente, que requer resposta
imediata da Administração, sendo uma exceção ao princípio da legalidade – art.3/2 CPA.

O interessado, na audiência, se quiser manifestar a sua discordância deve justificá-la. à


Na fundamentação da decisão final, vai ter de se incluir, de forma sintética, as razões

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pelas quais no caso das alegações não serem entendidas, não forem suficientes de
demover a administração, explicar porque é que os argumentos adiantados pelos
interessados não levaram a alterar a decisão, sob pena de padecer a decisão final de um
vício de fundamentação insuficiente.

Este momento não é apenas um processo de contraditório, mas é igualmente sujeita ao


processo da boa administração, não se servindo apenas os interesses do particular. Por
isso, serve igualmente a defesa dos particulares e a defesa do interesse público.

2. Fase constitutiva: é o momento da prática do ato.

Produz-se o ato principal ou típico, que é, em regra, um ato simples (singular ou colegial,
conforme o órgão que o pratica), mas pode ser um ato compósito, com diferentes
pronúncias – ato complexo (com pronúncias iguais de diversos órgãos, como acontece
com despachos conjuntos de mais de um ministro), ato continuado (várias pronúncias,
do mesmo ou de órgãos diferentes, diversificadas no tempo, mas que só na sua conjunção
constituem os efeitos jurídicos, como o exame constante de prova escrita e oral), ato
composto em sentido estrito ou ato complexo desigual (com pronúncias desiguais, em
que um órgão decide e outro aprova, homologa ou certifica).

Nas deliberações dos órgãos colegiais, a fase constitutiva relaciona-se com a


necessidade de discussão prévia de todos os assuntos da competência do órgão que
vai ser objeto de deliberação. – arts. 23 a 35 CPA.

Por regra, requer-se uma decisão final expressa, embora o silêncio ainda hoje possa ter
relevância decisória na hipótese do deferimento tácito, nas condições e nos casos em
que tal esteja legalmente previsto (artigo 130.º do CPA).

3. Fase integrativa de eficácia: temos de recorrer à secção de eficácia do ato


administrativa, nos termos do art.155 e ss.

A eficácia do ato pode depender de atos da própria administração, como atos de


controlo preventivo e também de um ato do particular, como um ato de aceitação ou
adesão. Também há lugar a esta fase quando a eficácia do ato fique condicionada não
a um ato de aprovação, mas a um facto ou acontecimento, que nos termos de uma
cláusula acessória, de alguma maneira, condiciona o início da produção de efeitos a um
acontecimento futuro.

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São exemplos de controlo preventivo a aprovação da ata de um órgão colegial – esta é
condição de eficácia, sendo um simples documento provatório da reunião,
nomeadamente da discussão e deliberação. A discussão e deliberação têm, por definição,
forma oral, mas a ata em si pressupõe uma forma física e escrita.

A eficácia é diferida quando o início da produção de efeitos dependa de um termo que


pode ser certo ou incerto (é incerto quando se sabe que se vai dar essa situação, mas não
se sabe quando). A eficácia condicionada estabelece que os efeitos ficam sujeitos a uma
condição.

Atos integrativos de eficácia são aqueles atos (que podem ser atos administrativos ou atos
instrumentais) que, não contribuindo para a definição do conteúdo do ato
administrativo, nem operando no plano da validade, visam apenas remover os
obstáculos à sua operatividade efetiva, no que respeita aos seus efeitos típicos.

Os atos desfavoráveis só produzem efeitos aos visados a partir do momento da


notificação. Por isso, a notificação é um requisito de eficácia subjetiva (embora, na
opinião do Professor não seja sequer requisito de eficácia, mas forma de oponibilidade
dos efeitos ao interessado que ainda não tenha sido notificado da decisão).

No art.268/1 CPR e 82 a 84 do CPA, ao longo do procedimento, todo o interessado tem


direito a ser informado de todos os atos praticados no procedimento, em que ponto o
procedimento se encontra e quais os atos que falta praticar. Mas há exceções,
previstas no art.83 CPA.

Nota: o processo é o suporte material do procedimento, nos termos do art.1/2 CPA:


Entende-se por processo administrativo o conjunto de documentos devidamente
ordenados em que se traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento
administrativo. Por isso, uma coisa é o pedido de informação e outra coisa é a consulta
material e física dos suportes do procedimento.

Além do direito à informação procedimental, temos o direito aos registos


administrativos, naturalmente com a salvaguarda daqueles que contêm segredos de
Estado. Hoje em dia, é referido o princípio do arquivo aberto, nos termos do art.17
CPA - Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos,
mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso,
sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à

60
investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas. à A lei de acesso a
estes arquivos e registos é LADA – Lei de Acesso aos Documentos Administrativos.

Distinção entre validade vs eficácia: Em regra, a eficácia de um ato está associada à sua
validade: os atos que são praticados com respeito pela lei (pelas normas jurídicas
aplicáveis) devem produzir os efeitos jurídicos correspondentes; os atos que não
respeitam as normas jurídicas não devem produzir os efeitos pretendidos. No entanto, os
dois conceitos são diferentes e não têm uma correspondência biunívoca:

• A validade tem a ver com a desconformidade do ato e as regras que se relacionam


com a sua produção. Assim, o ato em algum dos seus elementos (forma,
procedimento, conteúdo, pressupostos, fim, etc) padece de uma
desconformidade, sendo então uma desconformidade intrínseca (que não se
relaciona apenas com a substância, mas com os restantes elementos).

Quanto ao elemento do fim, aqui temos de dividir entre fim abstrato e concreto – quando
o ato administrativo é vinculado não se distingue os pressupostos do fim; mas quando o
ato é discricionário, uma coisa é o fim para o qual se concretiza na situação concreta e o
fim que é previsto na lei, que é abstrato.

• A ineficácia é um problema extrínseco, não estando em causa nenhum dos


elementos do ato, mas há qualquer coisa que obsta à produção de efeitos de um
ato que já se considera perfeito.
De certa maneira, a ineficácia pode ter consequências mais graves que a validade:
se o ato é ineficaz, existe na ordem jurídica, mas é como se não existisse.

Portanto, um ato anulável devido a invalidade pode ser executado, porque sendo anulável
produz os seus efeitos. à se o ato vier a ser anulado há um fenómeno de retroação
(destroem-se os efeitos até ao momento da prática do ato) e terá de existir uma
indemnização pela administração aos lesados. Este ato inválido é, então, eficaz. Já o ato
nulo, por definição não produz efeitos, sendo que então estes já se consideram como
ineficazes.

Nota: por outro lado, embora só excecionalmente, podem ser reconhecidos efeitos
putativos aos atos nulos, dando relevo jurídico a situações de facto por eles criadas,

61
perante o decurso do tempo, com fundamento em princípios jurídicos fundamentais,
como os princípios da boa fé, da proteção da confiança legítima e da proporcionalidade.

Atos de eficácia instantânea e atos de eficácia duradoura

§ Eficácia instantânea: esgota-se os efeitos no momento da sua produção, quando


se tornam eficazes. Por isso, não criam uma relação que perdura no tempo.
§ Eficácia duradoura: implica uma relação e especial de direito administrativo,
entre a administração e os particulares. Aqui inserem-se certas atividades
económicas, como algumas concessões ou alguns tipos de licenciamento que
impliquem este tipo de relação, tal como acontece também nas relações
profissionais e as atividades económicas de interesse geral.

Início da eficácia

Distinção entre retroatividade e retroação: não obstante haver similitude de regimes,


o fenómeno é diferente. A retroatividade afeta situações constituídas, sendo que os efeitos
se projetam para trás do ato. A retroação é um fenómeno de efeitos que recuam, mas que
não passam da prática de um determinado ato anterior. É isto que acontece com a
anulação – destrói-se os efeitos até à prática do ato anulável. Há também retroação
quando os atos estão sujeitos a eficácia diferida ou condicionada, sendo que se
retroagem à data da prática do ato.

Ainda, temos situações de retrodatação, que se verificam nos casos em que o ato é
praticado em momento constitutivo deslocado no tempo, concretamente, quando os
efeitos de um ato são reportados a uma data passada, porque esses efeitos deviam ter sido
produzidos, por imposição legal, em momento anterior ao da sua prática efetiva. O que
importa é que os efeitos do ato se comecem a produzir na data legalmente prevista.

O Código estabelece a regra geral da “eficácia ex nunc”: os efeitos do ato produzem-se


desde a data em que for praticado (artigo 155.º), mas admite exceções, quando a lei ou o
próprio ato lhe atribuam “eficácia retroativa” (artigo 156.º), “eficácia diferida” ou
“eficácia condicionada” (artigo 157.º).

62
A eficácia dos atos constitutivos de deveres ou encargos é sempre diferida, porque
depende da sua notificação aos destinatários – dado que os efeitos desfavoráveis só lhes
serão oponíveis após a notificação (artigo 160.º).

Fase eventual de execução dos atos administrativos:

Temos de distinguir quatro possíveis atributos do ato administrativo: imperatividade;


exequibilidade; executividade e executoriedade.

§ A imperatividade: relaciona-se com a autoridade ou obrigatoriedade decorrente


do poder de constituição unilateral de efeitos jurídicos na esfera dos particulares
(tradicionalmente designado por poder de “autotutela declarativa”), que é
característica de qualquer ato administrativo, que exprime um poder de império.
Há então um elemento orgânico, que se prende com o facto de ser praticado por
um órgão da administração, no exercício da atividade administrativa.

O ato pode ser administrativo e imperativo, mas não ser de tipo executivo, não estando
dotado de executividade.

§ Os exequíveis carecem de execução, ou seja, de operações materiais que


mudem de realidade, não bastando a alteração jurídica. Para o ato alcançar as
finalidades uteis é então necessário alteração da vida real, sendo necessário uma
atividade administrativa de execução para a produção dos efeitos visados. Por
exemplo: ato de demolição.

Os atos inexequíveis, por natureza, são todas as autorizações administrativas. Então, atos
não-exequíveis, pelo contrário, são capazes de produzir por si próprios os efeitos
visados, sem necessidade ou admissibilidade de execução – como acontece, por
exemplo, com os atos negativos, com os atos relativos a status e com grande parte dos
atos favoráveis.

A executividade e executoriedade relacionam-se apenas com os atos exequíveis.

§ Executividade: normalmente, ligam-se ao facto de o ato ser imperativo ou ser o


ato um título executivo (letras, cheques, livranças, etc.). Neste sentido, relaciona-
se com a força executiva da administração, dizendo respeito à função tituladora

63
do ato e corresponde à capacidade de basear uma execução sem pronúncia de
outro poder.

Por isso, pode (é suscetível) de fundar uma execução coerciva – caso o particular resista
ou desobedeça às determinações do ato administrativo, aquele ato funda uma execução
coerciva e os órgãos competentes da administração podem usar a força para suprir a
desobediência.

§ Executoriedade: o problema central é o da validade geral do princípio da


executoriedade («execução prévia») enquanto regra da força jurídica dos atos
administrativos suscetíveis de execução coativa (atos exequíveis que criem
deveres para os particulares, desde que eficazes). Poderá ser apenas o tribunal ou
poderá também a administração numa fase executiva do procedimento?

Art.175 e ss.: regime comum aplicável aos procedimentos administrativos: A presente


secção estabelece o regime comum aplicável aos procedimentos administrativos
dirigidos à obtenção, através de meios coercivos, da satisfação de obrigações
pecuniárias, da entrega de coisa certa, da prestação de factos ou ainda do respeito por
ações ou omissões em cumprimento de limitações impostas por atos administrativos. à
De facto, aqui estamos perante situações em que foi necessário recorrer ao uso da força
(mas a execução do ato administrativo pode então ser dispensada se o destinatário cumprir
os objetivos que o ato visa cumprir). à Se isto não acontecer, então recorre-se a esta fase
de execução.

O nº2 deste artigo ressalva a adoção de medidas policiais de coação direta. Quais são
estas medidas? De um modo geral, toda a atuação policial, sendo obrigações que
decorrem diretamente da lei. Assim, a administração policial não pratica atos
administrativos, mas apenas atuações materiais, executando diretamente a lei. São
medidas que se assemelham a atos administrativos, mas desprocedimentalizadas. Tudo
isto se relaciona com um ramo do direito administrativo – direito de polícia.

No art.176 temos a legalidade de execução, que nos diz qual a regra: a regra é a
executoriedade dos atos administrativos (regra da execução prévia) ou então é regra
os atos não serem executórios, tendo a administração de recorrer aos tribunais se os
quiser executar coercivamente?

64
No entanto, este artigo refere que só pode haver execução prévia nos termos
previstos na lei ou em situações de urgente necessidade pública. à
Aparentemente, então acabou este privilégio da execução prévia.

Mas, é de ter em conta o art.6 e 8 do diploma preambular do CPA de 2015. Por


isso, a regra da executoriedade mantém-se até à entrada em vigor do diploma
previsto no art.8/2 deste preâmbulo à O n.º 1 do artigo 176.º do Código aplica-
se a partir da data da entrada em vigor do diploma que define os casos, as formas
e os termos em que os atos administrativos podem ser impostos coercivamente
pela Administração, a aprovar no prazo de 60 dias a contar da data da entrada
em vigor do presente decreto-lei.

Assim, continua a ser válida a norma do art.149/1 da versão anterior do Código,


sendo que o entendimento vai no sentido de o art.176/1 (da versão atual do
Código) ter a sua eficácia suspensa.

Nos termos do art.177 CPA - Os órgãos da Administração Pública não podem praticar
qualquer ato jurídico ou operação material de execução sem terem praticado
previamente o ato administrativo exequendo. No nº2 há um reforço de garantias dos
particulares com esta decisão prévia ao procedimento executivo. O nº3 obriga a
administração a conferir um prazo adicional para ser feita a obrigação exequenda.
De acordo com o nº4: A notificação da decisão de proceder à execução pode ser feita
conjuntamente com a notificação do ato administrativo exequendo.

De acordo com o art.178, é aqui de ter em conta a importância do princípio da


proporcionalidade, utilizando os meios que envolvam os menores prejuízos para os
direitos e interesses dos particulares, mas que garantam a realização dos seus objetivos.

No art.179: Quando, por força de um ato administrativo, devam ser pagas prestações
pecuniárias a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta, segue-se, na falta de
pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal, tal como regulado
na legislação do processo tributário. Entende-se que o processo tributário é um processo
jurisdicionalizado. à órgão competente emite, nos termos legais, uma certidão com valor
de título executivo, que remete ao competente serviço da Administração tributária,
juntamente com o processo administrativo.

65
Só a prestação de facto infungível é que coloca problemas certos no que toca à
executoriedade, o resto considera-se resolvido nos termos do art.179/3.

De acordo com a garantia dos executados, ao abrigo do art.182 CPA: Os executados


podem impugnar administrativa e contenciosamente o ato exequendo e, por vícios
próprios, a decisão de proceder à execução administrativa ou outros atos administrativos
praticados no âmbito do procedimento de execução, assim como requerer a suspensão
contenciosa dos respetivos efeitos.

A FUNÇÃO ESTABILIZADORA DO ATO ADMINISTRATIVO

Esta função é ditada pela segurança jurídica, sendo este ato dotado de força próxima da
sentença. Neste sentido, aqui falamos do “caso decidido administrativo”.

Uma das características típicas do sistema de administração executiva é a do ónus de


impugnação dos atos administrativos, sob pena da respetiva consolidação
(inimpugnabilidade), apesar de uma eventual invalidade, desde que não se trate de atos
nulos. Assim, recai sobre os particulares e demais entidades com poderes para isso, o
ónus de impugnação, sob pena de se consolidarem na ordem jurídica e se tornarem
inatacáveis ou inimpugnáveis.

Apesar disto, há diferenças entre “caso decidido” e “caso julgado”:

• O caso julgado, aquela sentença que após o prazo de recurso jurisdicional adquire
esta designação, não pode mais ser modificado depois desse prazo, havendo
apenas excecionalmente um regime especial de revisão de sentenças.
• O caso resolvido ou decidido, passado o prazo de possibilidade de impugnação
judicial admite uma possibilidade de “revisão” pelos órgãos competentes, mas não
há possibilidade de ser objeto de controlo sucessivo pelos tribunais
administrativos. Este prazo poderá ser de um ano, quando os particulares tenham
sentido dificuldades em identificar o ato administrativo impugnável dada a
dificuldade inerente quando aos procedimentos complexos onde a administração
não é clara, etc.

Nota: o Ministério Público não pode impugnar qualquer ato administrativo, nem
substituir-se aos particulares quando estes tenham sido negligentes. Mas, apesar dos
requisitos relativamente apertados em termos de legitimidade, o Ministério Público pode
sim impugnar os atos administrativos que lesem o interesse público.

66
É de ter em conta que este fenómeno de consolidação dos efeitos, que se tornam
definitivos, mesmo de atos inválidos por caducidade do direito de impugnação judicial,
não significa que haja uma sanação dos respetivos vícios, apenas que os seus efeitos
se tornam definitivos. O ato mantem-se portanto, inválido, mesmo o ato anulável, o que
acontece é que não pode ser contenciosamente nem graciosamente impugnado (torna-se
judicialmente inimpugnável).

A força jurídica do «caso decidido» vale para a generalidade dos atos administrativos,
enquanto decisões de autoridade que definem o direito do caso concreto de forma
estável, em nome da segurança jurídica. à Hoje, esta estabilidade é afirmada, em
especial, relativamente aos «atos constitutivos de direitos» e aos “atos devidos” (de
conteúdo estritamente vinculado), de modo que a estabilidade do ato confere segurança
aos particulares contra pronúncias ablatórias provenientes da própria Administração –
os órgãos administrativos não podem revogar nem anular livremente os atos
constitutivos de direitos ou os atos que sejam legalmente (ou contratualmente) devidos
(artigo 167.º, n.º 2, e 168.º, n.º s 2 e ss, do CPA).

Assim, há uma aproximação do caso julgado administrativo relativamente aos atos


constitutivos de direitos (que podem ser discricionários e o que os caracteriza é o facto de
serem atos favoráveis, constituindo direitos ou interesses legalmente protegidos,
ampliando-os, ou então extinguindo decisões desfavoráveis.

Então, os atos constitutivos de direitos só podem ser revogados:

a) Na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos beneficiários;


b) Quando todos os beneficiários manifestem a sua concordância e não estejam em
causa direitos indisponíveis;
c) Com fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou
em alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais, num ou
noutro caso, não poderiam ter sido praticados;

Quando é referido “não poderiam ser praticados”, temos de ter em conta que a revogação
aqui se dá por razões de mérito, não por razões de interesse público, mas sim de devido
à superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou face a uma alteração
objetiva das circunstâncias de facto. Esta revogação, nos termos do nº4, deve ser
proferida no prazo de um ano a contar da data do conhecimento da superveniência

67
ou da alteração das circunstâncias, podendo esse prazer ser prorrogado por mais dois
anos se o assunto for complexo.

d) Com fundamento em reserva de revogação, na medida em que o quadro


normativo aplicável consinta a precarização do ato em causa e se verifique o
circunstancialismo específico previsto na própria cláusula.

Trata-se de uma revogação à luz do interesse público atual, não de interesse público no
sentido de uma apreciação subjetiva do órgão, mas sim do interesse público à luz de
circunstâncias objetivas, como caso haja um circunstancialismo concreto.

Nos termos desta alínea d) há então no ato uma cláusula acessória de reserva que prevê a
reserva de revogação, importando que a lei consinta na precarização do ato e esta cláusula
não poderá ser genérica, mas apenas específica.

Nos termos do art.149 é de ter em conta todas as cláusulas acessórias, não apenas as
de reserva. A aposição de cláusulas acessórias a atos administrativos de conteúdo
vinculado só é admissível quando a lei o preveja ou quando vise assegurar a
verificação futura de pressupostos legais ainda não preenchidos no momento da prática
do ato. Já se o ato for discricionário, poderá ter uma cláusula de reserva de revogação,
mas tem de se verificar os pressupostos da alínea d) do art.167 – circunstancialismo
específico e precarização do ato.

Nos termos do art.167/5 - os beneficiários de boa-fé do ato revogado têm direito a ser
indemnizados, nos termos do regime geral aplicável às situações de indemnização pelo
sacrifício, mas quando a afetação do direito, pela sua gravidade ou intensidade, elimine
ou restrinja o conteúdo essencial desse direito, o beneficiário de boa-fé do ato revogado
tem direito a uma indemnização correspondente ao valor económico do direito
eliminado ou da parte do direito que tiver sido restringida. – remete para o art.15 da lei
da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas de
direito público. Esta indemnização pelo sacrifício obedece a critérios de equidade que não
cobrem a totalidade do sacrifício, mas prevê-se a possibilidade de a afetação do direito
ser total.

Já no art.168 estabelece-se os condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa:

1 - Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis


meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de

68
invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento
da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos,
a contar da respetiva emissão.

Por isso, prevê-se um prazo absoluto de cinco anos para anulação de atos administrativos.
Dentro desses cinco anos, estabelece-se o prazo de seis meses, sendo esse um prazo móvel
porque depende destas verificações (momento da cessação do erro ou conhecimento da
causa de invalidade) e porque tem de se dar dentro do prazo de cinco anos.

Porquê o prazo dos cinco anos para atos que não sejam constitutivos de direitos? Por
razões de segurança jurídica.

Quanto, especificamente aos atos constitutivos de direitos: só podem ser objeto de


anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva
emissão. É uma norma linear com um prazo absoluto que não é prorrogável e não tem
nenhuma flexibilidade.

4 - Salvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente, os atos


constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco
anos, a contar da data da respetiva emissão, nas seguintes circunstâncias:

a) Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à


obtenção da sua prática;
b) Apenas com eficácia para o futuro, quando se trate de atos constitutivos de
direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação
continuada;
c) Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja
legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização
administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de
restituição das quantias indevidamente auferidas. – aqui, pode haver lugar a
anulação com imposição das quantias indevidamente auferidas – portanto, anula-
se o ato porque a legalidade deste estava condicionada a uma devida atuação do
particular, sendo que como este incumpriu o regime aplicável então há uma
invalidade.

Por isso, este nº4 introduz exceções europeias ditadas pela boa-fé.

69
Discutia-se a admissibilidade da figura da revogação-sanção (ou da invalidade
sucessiva), eventualmente com efeitos retroativos, designadamente quanto a atos cujo
conteúdo consista numa prestação pecuniária dependente da realização de um fim ou do
cumprimento de um modo (exemplo: subsídios concedidos para fins determinados ou que
impliquem encargos específicos relevantes). Mas, hoje, devemos falar em anulação-
sanção.

PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

Importa distinguir a matéria dos princípios gerais do procedimento administrativo


(art.53 a 64 CPA) e os princípios gerais da atividade administrativa (art.3 a 19 CPA).

Estes princípios incidem sobre o procedimento enquanto atividade adjetiva, ao


procedimento como instrução do ato, regulamento ou contrato, tendo também uma
projeção posterior aos atos, através dos atos integrativos de eficácia e os executivos.
Estes dizem respeito à atuação substantiva da administração, significando que há
atividade de conformação do conteúdo dos atos, regulamentos e contratos
administrativos.

Nesta perspetiva que contrapõe a forma ao conteúdo, o procedimento diz respeito à forma,
que se relaciona com os aspetos organizativos, sendo estes princípios como princípios
de organização. à O problema que aqui se coloca é que nas disposições do CPA, temos
princípios substantivos e organizativos que se encontram reunidos. Na opinião do
professor, os princípios do procedimento deveriam estar todos na parte III do CPA, que é
onde se encontra a maior parte deles. Por isso, qual terá sido o guia do legislador? Não
seguiu a natureza dos princípios, mas guiou-se sim pela importância dos princípios.

Por isso, tenha-se presente que nem sempre a inserção sistemática de uns e outros
(designadamente dos princípios do procedimento e dos princípios da atividade)
corresponde à respetiva natureza.

São de considerar aqui macroprincípios, que se desdobram noutros e são expressos em


muitos normativos do CPA, nomeadamente na parte II:

o Princípio do procedimento justo: os princípios gerais da atividade


administrativa são substantivos e conformam a atuação da administração,
nomeadamente no âmbito discricionário.

70
Por isso, em toda a sua atividade, inclusive na procedimental, e designadamente no
exercício dos seus poderes discricionários, está a Administração obrigada a observar
os princípios gerais que a regem, a saber o princípio da prossecução do interesse
público e da proteção dos direitos e interesses dos particulares (art.º 4.º), o princípio da
boa administração (art.º 5.º), o princípio da igualdade (art.º 6.º), o princípio da
proporcionalidade (art.º 7.º), os princípios da justiça e da razoabilidade (art.º 8.º), o
princípio da racionalidade (não expressamente consagrado na lei, mas que subjaz a todo
o direito), o princípio da imparcialidade (art.º 9.º) e os princípios da boa-fé e da tutela
da confiança (art.º 10.º).

Estes reconduzem-se, então, ao conceito aristotélico de justiça, tendo os administrados


direito a que o procedimento conclua com uma decisão justa. Mas assim como têm os
administrados o direito a uma decisão (substantiva) justa, independentemente do
conteúdo desta que, findo o procedimento, se irá projetar na sua esfera jurídica, têm eles
também o direito a exigir previamente da Administração que a sua atuação
procedimental (adjetiva) seja, também ela, e do mesmo modo (e), não discriminatória,
competente/capacitada, imparcial, justa, proporcionada, racional, razoável e pautada
pela boa-fé. É neste sentido que falamos também de um princípio do procedimento
administrativo justo.

Os princípios não são apenas parâmetros para o exercício da atividade administrativa,


mas, como todos os princípios gerais da atividade administrativa, são integrativos em
sentido amplo, ou interpretativa, conduzindo a administração no procedimento
administrativo a desempatar interpretações. Mas são também necessários quanto aos
poderes vinculados, visto que as normas nem sempre são claras e poderá ser necessária
a interpretação, funcionando como princípios interpretativos.

Por isso, estes princípios têm tríplice função:

§ como diretivas no âmbito procedimental, tendo em conta as competências


discricionárias. O legislador enuncia os pressupostos, mas não de forma completa,
visto que a administração tem de os completar.
§ função integrativa em sentido amplo ou interpretativa, levando à preferência
de uma interpretação possível, auxiliando os aplicadores da norma em matéria de
interpretação, sendo os princípios um fator de desempate das interpretações
concebíveis.

71
§ função integrativa em sentido estrito, que se relaciona com a integração de
lacunas.

Quando falamos na discricionariedade há lacunas voluntárias, em que a lei é


intencionalmente incompleta para a administração poder complementar os pressupostos
legais, sendo lacunas intralegais, por isso quando há intencionalidade das lacunas, os
princípios são como diretivas de preenchimento dessas lacunas.

Neste princípio do procedimento justo, então, na condução do procedimento, a


administração vai ter de aplicar os princípios necessários para prosseguir ao ato final.

Soluções procedimentais adotadas pelo Código e que constituem manifestações deste


princípio são, e a título de exemplo, no que respeita:

1) Princípio da igualdade procedimental: a obrigação de registo dos requerimentos


segundo a ordem da respetiva apresentação (art.º 105.º, n.º 2).

Este critério temporal decorre, então, do princípio da igualdade porque, de facto, o


critério aqui adotado não discrimina ninguém, sendo que a única discriminação se prende
com a entrada.

2) Princípio da boa administração procedimental, os deveres de eficácia,


eficiência, economicidade e celeridade na tramitação do procedimento (art.ºs
56.º, 59.º, 61.º e 77.º a 81.º);
3) Princípio da imparcialidade procedimental, na sua dimensão positiva, a
faculdade de se constituírem como interessados no procedimento os titulares de
posições jurídicas que possam ser afetadas pela decisão final (art.º 68.º, n.º 1). A
administração tem de ter em conta todos os interesses relevantes para a tomada da
decisão.

Há previsão da possibilidade de se constituírem como interessados, como atores no


procedimento, todos aqueles que podem ser afetados pela decisão final, relativamente aos
direitos que eles tenham, a todas as suas posições ativas ou passivas no procedimento.
Isto releva face ao princípio da igualdade procedimental porque obriga a administração a
ter em conta os interesses legítimos, proporcionando e obrigando a administração a ter
em conta os interesses de todos os sujeitos do procedimento.

Por exemplo: procedimento de licenciamento.

72
4) Princípio da proporcionalidade procedimental, o disposto nos art.ºs 178.º, n.º 1
(utilização de meios coercivos na execução dos atos administrativos) e 180.º
(adoção das diligências dirigidas à posse administrativa no âmbito da execução
para entrega de coisa certa – por exemplo: se for um imóvel, a posse
administrativa poderá relacionar-se com o arrombamento de uma porta, tendo
as pessoas de ser retiradas daquele local, reclamando então que todas as medidas
tomadas sejam o mínimo-indispensável, havendo uso parcimonioso da força).

Aqui, regula-se a execução coerciva, sendo que quando a administração utiliza a


força, esta deve ser usada de forma cautelosa e parcimoniosa.

5) princípio da racionalidade procedimental, a regra da admissibilidade de todos


e quaisquer requerimentos com autor identificado e cujo pedido seja inteligível,
ainda que padeçam de deficiências (as quais deverão ser supridas pelos
requerentes ou oficiosamente pelo órgão competente) – cf. art.º 108.º.

Este princípio é inerente a todo o direito, não estando consagrado em nenhum local, mas
sim referido pela jurisprudência.

Ainda, o art.102, faz uma série de exigências, onde entre as quais se expressam os
requisitos formais que são absolutamente necessários para que o pedido seja claro,
fundamentado de forma correta e não contraditório.

De todo o modo, recai sobre a administração o dever de corrigir e suprir todas as


deficiências, de acordo com os ditames da racionalidade. Então, num requerimento
obscuro, se a administração extrair daí um sentido, dotando o requerimento de sentido,
então ela fá-lo-á; mas se a administração não conseguir daí extrair um sentido, deve o
particular corrigir o requerimento.

6) princípio da razoabilidade procedimental, o critério de fixação de certos prazos


procedimentais (cf. art.ºs 59.º, 60.º, n.º 2, 100.º, n.º 1, 115.º, n.º 1 e 177.º, n.º 3).

A razoabilidade não é um imperativo lógico, mas sim uma exigência de equilíbrio e bom
senso.

7) princípio da boa-fé procedimental, os deveres que recaem sobre a Administração


e os interessados, de cooperação com vista à fixação dos pressupostos da
decisão, e apenas sobre os ditos interessados de concorrerem para a célere e
eficiente realização de diligências instrutórias (art.º 60.º).

73
Por isso, há obrigação de atuação da boa-fé para que a instrução corra bem e rapidamente.
à Pode ter a administração o “interesse” num procedimento, podendo ser tentada a
atrasar o procedimento, havendo um desleixo intencional. Por isso, aqui viola-se a boa-fé
procedimental. O mesmo se diz dos particulares, quando apresentam requerimentos
impertinentes ou dilatórios.

o Princípio do procedimento legalmente devido (duo process of law)

Não se confunde com o princípio do procedimento justo, no sentido em que este apenas
atenta à dimensão de defesa do particular no procedimento administrativo. Ainda,
todo o procedimento administrativo se pensa em termos iguais e paritários, quer para a
tutela do interesse público, quer para a tutela dos interesses particulares, sendo que uns e
outros conformam, então, o procedimento, nomeadamente a sua estrutura e lógica.

Concretiza-se o princípio do procedimento legalmente devido na genérica exigência de


participação dos interessados na formação das decisões que lhe digam respeito,
relevando, em especial, a respetiva audiência ou audição antes da tomada da decisão
final.

A participação, nesta vertente, efetiva-se através de um direito dos interessados ao


contraditório e à preparação da sua defesa, implicando as adequadas garantias (i) de
acesso aos documentos do processo, (ii) de produção de contraprova, (iii) do
acompanhamento por advogado, e (iv) de concessão de um tempo razoável para o
encetamento de tais diligências – verificando-se uma parcial coincidência de âmbitos
com o princípio da transparência no procedimento.

Esta dimensão é relevante e fundamental nos procedimentos sancionatórios latu


sensu, abrangendo todos os procedimentos que podem conduzir a decisões gravosas
para direitos fundamentais dos administrativos. Por exemplo: num procedimento
disciplinar coloca-se em causa o direito ao trabalho; no procedimento disciplinar
profissional, está em causa o direito ao trabalho; no procedimento contraordenacional
está em causa o direito de propriedade.

Mas há também procedimentos que não são de cariz sancionatório, mas podem também
ser gravosos para os particulares, como no caso do despejo administrativo.

74
Tal relevância justifica importantes diferenças de regime, como o da consequência da
nulidade da decisão sancionatória que não tenha sido precedida pela audiência do
interessado (cf. art.º 32.º, n.º 10 da CRP), vício gerador neste caso da nulidade da
decisão final pela dupla via das alíneas d) e l) do n.º 2 do art.º 161.º do CPA
(respetivamente, por consubstanciar tal omissão uma ofensa ao conteúdo essencial do
direito fundamental que estiver em causa, e uma preterição total do procedimento
legalmente devido, na medida em que nestes procedimentos a audiência do arguido é
trâmite absolutamente essencial). Isto, de acordo com a doutrina maioritária, apenas se
aplica aos procedimentos de cariz sancionatório.

o Princípio da transparência procedimental

Não está consagrado na CRP nem no CPA, mas é invocado em imensa legislação setorial.
Este, no fundo, desdobra-se e está na base dos direitos fundamentais dos
administrados, como o direito de participação no procedimento, direito à informação
procedimental, o direito à notificação dos atos administrativos; o direito à
fundamentação dos atos quando afetem direitos e interesses legalmente protegidos.

A transparência pode implicar uma posição ativa da administração, mas também


passiva. à A típica postura passiva traduz-se no direito de informação procedimental
e a típica conduta ativa proporcionadora de transparência no procedimento administrativo
concretiza-se com a comunicação (i) do início de procedimentos, (ii) dos projetos de
atos, (iii) da fundamentação de atos e (iv) dos atos já praticados.

Princípios procedimentais

Dos dez princípios gerais procedimentais que descortinamos no CPA, nem todos estão
expressamente mencionados no Código.

Comece por se referir que são objeto de explícita referência o princípio do inquisitório
(art.º 58.º), o princípio da cooperação e boa-fé procedimental (art.º 60.º e 77.º a 81.º), o
princípio da participação dos interessados no procedimento (art.ºs 12.º e 57.º, n.º 1), o
princípio da boa administração procedimental, nas vertentes da adequação e da
celeridade (art.ºs 56.º e 59.º), o princípio da gratuitidade do procedimento (art.º 15.º), o
princípio da utilização da língua portuguesa (art.º 11.º, n.º 3 CRP e 54.º CPA) e o

75
princípio da decisão (art.º 13.º), aqui se incluindo a decisão de 2.º grau, ou seja, a vertente
da obrigatoriedade do reexame ou revisão administrativa das decisões finais a
requerimento dos interessados (art.ºs 184.º a 199.º).

o Princípio do inquisitório:

Está previsto no art.58 CPA.

Diferentemente do que se passa no processo que é, em regra, alinhado pelas partes, o


princípio do inquisitório permite a administração decidir para além daquilo que lhe é
pedido, de forma mais ampla ou coisa diferente da que é pedida, quando o interesse
público assim o exige.

Este princípio pode não se aplicar a procedimentos especiais, designadamente:

§ Os que tenham estrutura multipolar.


§ Os que sejam mais moldados pelo princípio do dispositivo: basta, para tanto,
que as leis respetivas disponham em sentido contrário (art.º 2.°, n.º 5), invertendo
certos ónus de instrução, com a respetiva atribuição aos interessados,
designadamente em âmbitos em que seja mais difícil a obtenção de prova por
parte dos órgãos administrativos.
§ De tipo concursal, nos quais o princípio do inquisitório é afastado, em alguns
aspetos, por exigências de contraditório.
§ De avaliação em que a Administração assume uma posição de “juiz”, como
acontece nos exames em que cabe a um júri decidir sobre habilitações e
qualificações académicas ou profissionais.
§ Jurisdicionalizados, de resolução de conflitos entre terceiros, públicos ou
privados.

O princípio do inquisitório, que se contrapõe ao princípio dispositivo, confere à


Administração uma atitude procedimental ativa na condução do procedimento, impondo-
lhe deveres de agir oficiosamente em duas dimensões fundamentais: uma de cariz
formal ou ordenador, e outra de cariz material ou de conhecimento.

§ Procedimental/formal/ordenador: confere uma posição ativa ou de iniciativa


à administração, na condução do procedimento, devendo, por isso, o órgão

76
responsável pelo procedimento agir oficiosamente no sentido de determinar o
modo como o procedimento vai ser tramitado e instituído.

Portanto, como é próprio do paradigma da administração pública, esta não pode


renunciar ou diminuir a sua diligência em matéria de investigação dos factos, de
interpretação quanto às regras a aplicar e ponderar os interesses e valores relevantes.

O art.º 58. °, ao estabelecer que o responsável pela direção do procedimento e outros


órgãos que participem na instrução podem “proceder a quaisquer diligências que se
revelem adequadas e necessárias à preparação de uma decisão legal e justa, ainda que
respeitantes a matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos
interessados”, estabelece em termos inequívocos a dimensão ordenadora do princípio. E
o mesmo se diga dos art.ºs 56.º e 59.º, quando impõem ao dito responsável que oriente a
estruturação do procedimento por critérios de eficiência, economicidade, celeridade e
eficácia, “recusando e evitando tudo o que for impertinente e dilatório, e promovendo
tudo o que seja necessário a um seguimento diligente e à tomada de uma decisão dentro
de prazo razoável”.

§ Material/de conhecimento, que se relaciona com os poderes de busca, seleção e


avaliação dos factos relevantes e ponderação de interesses e, ainda, com a
interpretação do regime substantivo aplicável ao concreto caso objeto do
procedimento. Ou seja, trata-se, nesta vertente, da identificação dos fundamentos
de facto e de direito da decisão a tomar – a que acrescerá, caso tal decisão resulte
do exercício de poderes discricionários, a devida ponderação de todas as
dimensões de interesses públicos e privados envolvidos, com observância (agora
sim) dos princípios gerais da atividade administrativa.

Cabe apenas ao órgão instrutor a determinação da sequência procedimental? O


inquisitório não significa um monopólio administrativo da sequência procedimental,
pois pode o particular, com a sua participação, influenciar a ordenação do
procedimento, através da apresentação de pareceres, propostas e sugestões, que o órgão
administrativo está obrigado a levar em conta.

A consagração do princípio do inquisitório não significa a desvalorização da participação


e colaboração dos interessados no procedimento, para apuramento dos factos (e
interesses) relevantes, pois não é pelo facto de existir um dever de instrução dos órgãos
administrativos que os particulares estão dispensados de um (dever ou) ónus de intervir

77
nele, como hoje, de forma mais completa e explícita, relativamente ao que estipulava o
art.º 60.º do CPA de 1991, dispõe o novel princípio da cooperação e boa-fé procedimental
consagrado também no atual art.º 60.º.

o Princípio da cooperação e boa-fé procedimental

Prevê-se no art.60/1: “[n]a sua participação no procedimento, os órgãos da


Administração Pública e os interessados devem cooperar entre si, com vista à fixação
rigorosa dos pressupostos da decisão e à obtenção de decisões legais e justas”. à O nº1
incide sobre os órgãos da administração, mas estabelece logo o dever de cooperação
que recai sobre os interessados. É, então, um artigo que se destina à administração, mas
que também vincula os particulares através do princípio da cooperação leal, havendo
um dever de lealdade quanto às partes no procedimento e relaciona-se também com a
boa-fé nas atuações procedimentais.

Administração e interessados, em virtude da respetiva posição procedimental, ficam


assim reciprocamente vinculados a atuar de boa-fé e a colaborarem no esclarecimento e
na descoberta dos factos.

Já o nº2 especifica esse ónus ou dever que recai sobre os particulares, no sentido de recair
uma especial obrigação de ajudar a administração, “não empatando” a ação da
administração, devendo o particular ser económico e parco nas suas intervenções para
não prejudicar e obstar o desenvolvimento do procedimento.

Este é um princípio polivalente e de alguma maneira é uma projeção na instrução do


procedimento de um princípio mais amplo que é um princípio geral da atividade
administrativa, que é o princípio da colaboração da administração com os
particulares – art.11.

a) Cooperação entre entidades públicas

Tem de haver também cooperação entre as entidades públicas, quanto à tramitação do


procedimento. à Quanto ao dever de cooperação entre os órgãos administrativos, está
aqui consagrado um princípio amplo de colaboração entre as várias Administrações
Públicas, desde logo entre os diversos níveis territoriais pelos quais que ela hoje se
desmultiplica (local, regional, estadual e supraestadual ou comunitário) – incluindo, claro

78
está, o dever de colaboração das Administrações nacionais com a Administração
Pública da União Europeia, especificamente consagrado no art.º 19.º

Porque é que este princípio do art.19 está na parte geral do Código e apenas
estabelece consagração com a União Europeia e nada diz sobre a colaboração com
as administrações nacionais? É uma crítica por parte do Professor. Por isso, no
que toca às administrações nacionais inferimos indiretamente deste artigo, ao
contrário do que acontece na Alemanha e França.

No CPA constituem concretizações deste os institutos da solicitação de auxílio


administrativo – art.66 – e o da conferência de serviços ou procedimental – art.77 a
81 CPA.

b) A boa-fé procedimental

O princípio da boa-fé como princípio geral da atividade administrativa, na sua vertente


de tutela da confiança, parte da consideração da conduta administrativa criadora de
confiança, enquanto comportamento ativo ou omissivo no exercício da função
administrativa, conduta essa que é apreendida pelos seus destinatários como indiciadora
de uma determinada conduta futura. Ou seja, é o conhecimento dessa conduta pretérita da
Administração que funda as expectativas (que terão de ser naturalmente expectativas
legítimas) e a confiança dos referidos destinatários na concretização da dita conduta
futura.

Neste sentido, prescreve o art.º 10.º, n.º 2 do CPA a necessidade de a Administração, no


cumprimento do dever que sobre ela recai de agir e de se relacionar de boa-fé com
os particulares, considerar, em especial, “a confiança suscitada na contraparte pela
atuação em causa” (assim como “o objetivo a alcançar com a atuação empreendida”).

Podem existir consequência pela má-fé, tanto a nível dos particulares, como da
Administração.

o Principio da participação dos interessados no procedimento

Este apresenta três justificações ou dimensões:

§ Interesses dos particulares que sejam sujeitos do procedimento. Então, há uma


dimensão de defesa ou garantística, que dá origem a um outro princípio que

79
parcialmente coincide com este – duo process of law, que todo ele é garantístico,
acentuando na dimensão de contraditório.
§ Dimensão de participação coadjuvatória com a administração, no sentido do
cumprimento do princípio da legalidade, da prossecução do interesse público
e do dever de boa administração. Mesmo quanto ao mérito, pode haver
coincidência do interesse público e do particular, ajudando isto à prossecução do
interesse público.
§ Dimensão legitimadora da função executiva do Estado através da participação
dos administrados ou governados na atividade administrativa, ainda que tão-
só a título consultivo. Por isso, podemos falar em democracia participativa e
representativa. Quando há audiência, de modo geral, reforça-se a legitimação do
poder executivo.

Constitui a audiência dos interessados outro desdobramento do princípio da


transparência: sendo os efeitos do ato a praticar desfavoráveis para o seu destinatário (ou
para parte dos seus destinatários, se estes forem dois ou mais), fica a Administração
obrigada a revelar antecipadamente para o exterior quer a justificação do ato a praticar
(como a enunciação dos seus pressupostos de facto e de direito), quer a respetiva
motivação (isto é, nos atos discricionários, com a exposição dos motivos que, na
ponderação levada a cabo no âmbito da margem de livre apreciação do órgão, levam este
a projetar uma decisão com aquele conteúdo e não com outro possível).

o Princípio da boa administração procedimental

O princípio da boa administração procedimental está aqui plasmado em dois artigos


distintos:

Quanto ao princípio da adequação procedimental, prescreve o art.º 56.º que“[n]a


ausência de normas jurídicas injuntivas, o responsável pela direção do procedimento
goza de discricionariedade na respetiva estruturação, que, no respeito pelos princípios
gerais da atividade administrativa, deve ser orientada pelos interesses públicos da
participação, da eficiência, da economicidade e da celeridade na preparação da
decisão”. Nos termos do art.º 59.º, “[o] responsável pela direção do procedimento e os
outros órgãos intervenientes na respetiva tramitação devem providenciar por um
andamento rápido e eficaz, quer recusando e evitando tudo o que for impertinente e

80
dilatório, quer ordenando e promovendo tudo o que seja necessário a um seguimento
diligente e à tomada de uma decisão dentro de prazo razoável”, sendo esta a vertente de
celeridade.

Tal como o n.º 1 do art.º 5.º, só que agora especificamente no que respeita à condução do
procedimento (numa dimensão apenas adjetiva, por conseguinte, e já não substantiva)
atribuem os art.ºs 56.º e 59.º ao responsável do procedimento um poder discricionário na
respetiva condução, estabelecendo em simultâneo, enquanto acervo de verdadeiros e
imediatos padrões de conduta – isto sem prejuízo dos padrões decorrentes do princípio
do procedimento justo («no respeito pelos princípios gerais da atividade administrativa»)
–, os critérios de eficiência, economicidade e celeridade.

Quanto mais eficazes sejam os meios escolhidos maior o grau de realização dos
objetivos pretendidos pela administração, relacionando-se isto com o art.56.

No que se refere ao dever procedimental de a Administração atuar com celeridade, não


significa que a Administração deva instruir o procedimento com esse exclusivo propósito
(de tomar uma decisão rápida que lhe ponha termo o quanto antes): deverá antes a
celeridade ser temperada com a correta instrução do procedimento, correta instrução
essa que não se compadece, as mais das vezes, com uma excessiva celeridade.

Note-se que a violação do dever de celeridade pode ter consequências jurídicas: com
efeito, uma excessiva demora do procedimento é passível de consubstanciar uma
negligência originadora de responsabilidade disciplinar (por violação de um dever
disciplinar específico) e civil do responsável pela direção do procedimento e/ou outros –
art.128 CPA.

o Princípio da gratuitidade

Nos termos do n.º 1 do art.º 15.º, “[o] procedimento administrativo é tendencialmente


gratuito, na medida em que leis especiais não imponham o pagamento de taxas por
despesas, encargos ou outros custos suportados pela Administração” – prevendo os
números seguintes a possibilidade de redução ou isenção de tal pagamento em caso de
insuficiência económica, falta de meios essa a comprovar nos termos da lei sobre apoio
judiciário, com as devidas adaptações.

Por isso, estas taxas pretendem poupar os recursos da administração, na medida em


que faz sempre sofrer ao particular uma consequência. Assim, a gratuitidade e a aplicação

81
de taxas em leis especiais deve ser entendida no sentido de que não se deve recorrer
quando não haja justificação para isso.

Podemos referir duas taxas:

§ Substantiva: direitos e posições substantivas decorrentes de uma decisão final


favorável à pretensão do particular (como acontece em certos procedimentos
de iniciativa particular, de que constituem típicos exemplos, no domínio do
urbanismo, os procedimentos de licenciamento de obras particulares e de
loteamento). Por exemplo: uma licença de construção – as taxas relativamente a
esta pode ser elevada, sendo uma taxa substantiva porque tem em conta a
sobrecarga de toda a infraestrutura.
§ Procedimental: é a taxa devida pelo próprio procedimento, ou seja, como
contrapartida do serviço público prestado com a instauração e tramitação do
processo em si mesmo considerado, sendo uma taxa procedimental.

No art.130 prevê-se o deferimento tácito – quando a entidade não respeita o prazo previsto
na lei, considera-se tacitamente deferida a decisão final. É de notar que a falta de
pagamento de taxas ou despesas não impede o deferimento tácito – art.130/6.

o Princípio da utilização da língua portuguesa

Prescreve este princípio consagrado no art.º 54.º, quanto à forma das declarações quer da
Administração, quer dos demais intervenientes no procedimento (designadamente dos
interessados), sejam elas escritas, sejam orais, a obrigatoriedade do uso da língua
portuguesa – obrigatoriedade essa já decorrente do art.º 11.º, n.º 3 da Constituição
(«Símbolos nacionais e língua oficial»), onde se dispõe que “[a] língua oficial é o
Português”.

A violação deste, de atos que sejam redigidos em língua estrangeira, a consequência


será a nulidade por carência absoluta de forma legal – al.g) do nº2 do art.161 CPA.

Os regulamentos, atos administrativo e contratos públicos da Administração, assim como


os atos instrumentais e declarações integrantes das demais fases dos respetivos
procedimentos (fase preparatória e fases integrativa de eficácia e executiva) têm, pois, e
em suma, que ser redigidos em língua portuguesa, devendo aqueles cujo conteúdo, por

82
justificadas circunstâncias, haja sido formulado, na origem, numa língua estrangeira, ser
objeto de uma tradução certificada ou notarial, antes da respetiva assinatura.

o Princípio da decisão

Está consagrado no art.13 do CPA. à Os órgãos da Administração Pública têm o dever


de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados,
nomeadamente sobre os que aos interessados digam diretamente respeito, bem como
petições, representações, reclamações ou queixas formuladas.

Então, este nº1 estabelece dois deveres ou princípios:

§ Dever genérico de resposta ou pronúncia sobre assuntos da sua competência


que lhe sejam apresentados.

Este dever estabelece-se sobre todas as entidades públicas, reproduzindo o art.52 da CRP,
sendo que toda a entidade pública tem então este dever de resposta, que não se confunde
com o dever de decidir.

Por exemplo: o direito de petição seria redundante se não se correspondesse um


dever.

O dever de pronúncia ou resposta dos órgãos administrativos existe sempre face a


qualquer petição séria e constitui um dever de natureza constitucional, correspondente
ao direito fundamental de petição dos cidadãos, em matérias que lhes dizem respeito ou
à Constituição e às leis, nos termos do art. 52.° CRP.

O dever de resposta pode ser apenas de pronúncia ou de decisão, sendo que este último
só existe quando a pretensão é formulada em vista da defesa de interesses próprios do
peticionante e tem por objeto o exercício de uma competência jurídico-administrativa
concreta de aplicação da lei à situação jurídica do pretendente.

§ Dever de decisão.

83
Os órgãos administrativos devem-se pronunciar sobre todos os assuntos da sua
competência que lhes sejam apresentados pelos particulares, mas não têm o dever
(procedimental) de os decidir, o que seria de resto inexequível.

Note-se que esta obrigação genérica consagrada no n.º 1 do artigo 13.º do atual Código,
de pronúncia ou resposta, não implica que a autoridade instada tenha que se pronunciar,
por exemplo, sobre sucessivas e repetidas petições, de igual conteúdo, de um mesmo e
obcecado impetrante. Nem que, depois de receber centenas de reclamações de conteúdo
essencialmente idêntico sobre um determinado problema, tenha de responder
individualizadamente a cada um dos reclamantes: neste caso (pense-se numa Junta de
Freguesia populosa, de um grande centro urbano, mas com modestos recursos humanos
e materiais), à luz de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, estará cumprido o
dever constitucional e legal da autoridade instada se esta se limitar a uma única
pronúncia – à elaboração de um só texto – e à respetiva publicitação num local de
estilo, como a sua página de Internet.

No CPA existiu uma alteração importante que permitiu o redireccionamento das matérias,
pois anteriormente falava-se em interesse geral e agora fala-se em interesse público,
o que permite perceber que só há, então, dever de resposta se a questão tiver relacionada
com a competência do âmbito executivo. Assim, torna-se agora claro que compete à
Administração tão só pronunciar-se sobre assuntos de interesse geral relativos ao poder
executivo ou administrativo, e não sobre os privativos dos demais poderes e funções do
Estado (cabendo neste caso o dever de pronúncia ao Presidente da República, à
Assembleia da República, às assembleias legislativas regionais e aos tribunais e
respetivos órgãos de autogoverno).

Com efeito, o (atual) art.º 13.º regula dois distintos deveres, a saber (1) o dever de
genérica pronúncia ou resposta das autoridades administrativas face a qualquer
petição (séria), que radica no n.º 1 do art.º 52.º da Constituição (direito fundamental de
petição); e (2) o dever de decisão procedimental, que apenas existirá se a pretensão
radicar na defesa de interesses próprios do requerente e suscitar o (obrigatório) exercício
de uma verdadeira competência do órgão requerido. à no entanto, o nº1 do art.13 é
ambíguo, no sentido em que não distingue os dois deveres de forma clara, embora eles
sejam distintos: quando fala em “assuntos da sua competência”, no sentido estrito,
estamos perante um dever jurídico de decisão. Já se falarmos em competências no sentido
mais lato, estamos perante o dever de resposta.

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Assim, se a epígrafe se reporta mais ao dever de decisão (quando deveria fazer menção
de forma separada aos dois deveres compreendidos pelo normativo), a redação do n.º 1
(sobretudo a sua parte final) parece contemplar em primeiro lugar o dever geral de
resposta. Já o n.º 2 pretenderá regular especificamente o dever de decisão, dada a
utilização do termo (decisão) e a referência à prática de ato administrativo.

Quando se fala no artigo em “assuntos que digam respeito aos interessados”, temos de
relacionar com direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos. à Mas é de
admitir que não só os particulares de interesses legalmente protegidos ou titulares
de direitos subjetivos, mas também os restantes particulares podem ter um interesse
direto e legítimo, sendo simples titulares de um interesse de facto.

Nos termos do art.55 CPTA, o particular funciona como uma espécie de auxiliar da lei,
sendo que tem legitimidade para impugnar o ato ou recorrer aos meios de tutela dos
particulares, como a reclamação e os recursos hierárquicos, aqueles particulares que
tenham um simples interesse de facto ou um interesse direto, pessoal e legítimo.

O nº2 do art.13 abre uma exceção ao dever de decisão – aqui, já não se tem em causa
o dever de resposta, mas apenas o de decisão. Isto leva a reconhecer a existência pela
banda da Administração de um dever de reapreciação do mérito da pretensão do
requerente passado o prazo dos dois anos, através de um novo e verdadeiro ato
administrativo.

Prévio ou pressuposto do dever de decidir, é o dever de proceder, que consiste no


dever de dar andamento ao procedimento até à prática da decisão final, com máximo
aproveitamento dos atos e trâmites procedimentais já realizados.

Nota: tal como existe o princípio do aproveitamento do ato administrativo também existe
um dever de aproveitamento do procedimento administrativo.

Mas, é de ter em conta duas situações em que não chega a existir uma decisão sobre a
pretensão do interessado:

§ Quando falta algum pressuposto do procedimento, como a competência do órgão


ou o interesse direito, pessoal e legítimo.

85
§ Nas situações em que é a Administração a decidir da oportunidade do exercício
daquela competência. Ou seja, nos casos em que há um poder discricionário de
que disponha o órgão competente relativo à oportunidade de agir.

Em suma, o princípio consagrado neste art.º 13.º não se esgota no dever de decidir
sobre o objeto da pretensão. Ele abrange ainda o prévio e instrumental dever em que
está também investido o órgão instado de (i) conhecer ex ante quaisquer questões que se
possam revelar prejudiciais ao normal desenvolvimento do procedimento (nomeadamente
da verificação ou não dos pressupostos procedimentais, como a competência do órgão
requerido, a caducidade do direito que se pretenda exercer, a ilegitimidade do requerente
ou a extemporaneidade do pedido – cf. n.º 1 do art.º 109.º), ou, existindo
discricionariedade relativamente ao quando, de apreciar a conveniência de decidir
naquele momento sobre tais questões. Esta prévia decisão poderá ser tomada no sentido
da aceitação ou, ao invés, da recusa em apreciar o objeto do pedido, seja por
impossibilidade, seja por inoportunidade de o procedimento se desenvolver e de,
consequentemente, sobre o mesmo pedido vir a tomar uma decisão final.

Para que, perante um requerimento que lhe seja apresentado, a Administração fique
constituída no dever de decidir, é necessária a verificação dos pressupostos
procedimentais a que a lei condiciona o desenvolvimento regular do procedimento
— permitindo, designadamente, e sendo caso disso, a formação do ato tácito positivo —
e que se desdobram nas seguintes espécies:

i) pressupostos procedimentais subjetivos: competência do órgão que recebe o pedido e


legitimidade do requerente;

ii) pressupostos procedimentais objetivos: inteligibilidade, unidade e tempestividade do


pedido, atualidade do direito que se pretende exercer e inexistência de decisão sobre
pedido igual (do requerente) tomada há menos de dois anos (art.º 13.°, n.º 2).

Não existindo tais pressupostos, também não existe o dever de decidir, embora possa ou
deva subsistir o dever genérico de pronúncia.

Note-se, no respeitante à competência do órgão que recebe o pedido, que se verifica este
pressuposto ainda que o requerimento seja apresentado a órgão incompetente, e
independentemente mesmo de a incompetência ser relativa ou absoluta (por pertencer o
órgão a outro ministério ou a outra pessoa coletiva) e do grau de culpa do requerente (de

86
ser o seu erro desculpável ou indesculpável): nos termos do atual art.º 41.º, o órgão que,
por equívoco do particular, tenha recebido indevidamente o requerimento terá sempre e
em todo o caso a obrigação de o reencaminhar para o órgão competente, valendo a data
da primeira apresentação para efeitos de tempestividade do pedido.

Temos ainda duas modalidades de não atender à pretensão do interessado, deixando-


o na mesma situação, não havendo uma alteração da ordem jurídica:

§ Conduta omissiva – a administração nada decide.


§ Administração emana uma decisão expressa de indeferimento, seja através de
poderes discricionários, seja vinculados, entendendo a administração que deferir
o pedido seria ilegal.

O novo regime processual, para a recusa da tomada de decisões administrativas


correspondentes a um poder vinculado de decidir de acordo com a pretensão do particular
retirou a tais indeferimentos a natureza de ato administrativo: estaremos assim perante
«atos menos que administrativos», sendo que, note-se, não obstante esta desqualificação,
nem por isso deixam de ser fonte de dispensa do dever de decidir requerimentos
repetitivos, nos termos do n.º 2 do art.º 13.º.

Para ambas as condutas da administração, uma por ação e outra por omissão, que se
traduzem numa recusa tácita ou expressa, e impedem de atender àquela pretensão do
particular, o CPTA enuncia uma única e mesma via processual para reagir às duas
modalidades:

§ Ação de condenação à prática de ato devido:


o se a competência for discricionária, esta ação, de acordo com Sérvulo
Correia, deveria chamar-se de ação de condenação à administração a
exercer corretamente o exercício do seu poder discricionário. Por isso,
pretende-se repetir a ponderação, se se entender que não foram praticados
os atos corretos através deste poder discricionário, sendo que o juiz apenas
pode dar diretivas às quais a administração tem de atender.
o Se a competência for vinculada, o juiz pode já condenar a administração
a praticar determinado ato. A partir do momento em que o Tribunal
condena a administração a praticar outro ato, então considera-se que se
desconsidera a anterior decisão da administração.

87
Nota: O facto de a administração não atender à pretensão do particular não significa
uma violação do dever de decisão, porque a decisão foi transmitida pelo órgão, que
cumpre o seu dever, visto que apenas há um dever de decidir sobre o objeto da pretensão
e não de decidir de acordo com a pretensão. O que se coloca em causa, segundo a visão
tradicional é a legalidade e não o dever de decisão, pois podem existir atos ilegais de
recusa.

Assim sendo, uma vez propiciada tal oportunidade ao órgão administrativo competente, e não
a tendo este aproveitado (mantendo ilegalmente intocada a posição do particular, seja porque
nada decidiu, seja porque decidiu contra legem) em qualquer das várias hipóteses que se
prefiguram de vinculação do órgão administrativo ao deferimento da pretensão (pura
omissão ou inércia, decisão expressa de recusa de apreciação do objeto do pedido ou
decisão expressa de indeferimento propriamente dito), e passado o «período de nojo» dos
dois anos a que se refere o n.º 2 do art.º 13.º, fica aberto o caminho para o tribunal vir a
decidir em segunda mão (em sede revisiva) sobre o conteúdo da dita pretensão, na medida
dos seus poderes cognitivos.

Neste período de nojo de dois anos, então, a administração não tem o dever de decidir
e, por isso, toda a resposta ou pronúncia que ela dê nesse espaço de tempo não se
considerará um ato administrativo.

Mas, neste período ficará dispensada do dever de resposta ou pronúncia? Não, apenas não
tem o dever de decidir. Passados esses dois anos, o particular poderá apresentar um novo
requerimento.

E o que a Administração decidiu deixa de estar protegido? Deixa de haver proteção do


caso decidido? Considera-se que estamos perante um caso decidido formal durante os
dois anos, mas não se considera que estejamos perante um caso de ato decidido material,
pois se assim fosse a administração poder-se-ia ver na obrigação de não poder alterar o
que decidiu anteriormente.

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VÍCIOS DO ATO ADMINISTRATIVO
Quanto aos elementos do ato administrativo, normalmente refere-se a competência, o
procedimento, os pressupostos, o conteúdo e o fim. Resumindo, insere-se aqui a
competência, a forma e o fim e em termos de substância temos os pressupostos e o
conteúdo.

Quanto aos vícios do ato existe uma classificação que deriva da jurisprudência:
usurpação de poderes, falta de atribuições, incompetência (simples), desvio de poder
e violação de lei. à Os três primeiros vícios são, no sentido lato, incompetências. Já o
desvio de poder é próprio do poder discricionário, visto que se prossegue um outro
interesse público ou um interesse privado.

Conceção estrutural do ato administrativo

Surgem como momentos relevantes do ato, o sujeito, o objeto e a estatuição,


distinguindo, dentro desta, os aspetos substanciais, relativos ao fim e ao conteúdo, e os
aspetos formais, que incluem o procedimento de formação e a forma de exteriorização.

o Sujeito

Quem é o sujeito do ato administrativo? O sujeito é, naturalmente, uma pessoa coletiva


pública. As pessoas coletivas que integram a Administração Pública em sentido
organizativo são, através dos respetivos órgãos, que exprimem a vontade da pessoa
coletiva, os sujeitos típicos do ato administrativo.

Mas esta regra comporta exceções, podendo ser também sujeitos administrativos as
entidades privadas que exerçam poderes públicos e órgãos de entidades públicas não
administrativas, como os conselhos superiores das magistraturas, os tribunais e os demais
órgãos do poder do Estado.

Assim, temos várias dimensões onde podemos localizar vícios quanto ao sujeito. Para que
o ato seja válido, é preciso que o órgão:

a) atue dentro das atribuições (finalidades) legais da pessoa coletiva (ou ministério)
a que pertence. É de ter em conta que os ministérios e as secretarias gerais das
regiões autónomas, diferentemente, as atribuições são atribuídas a complexos
orgânicos e não verdadeiras pessoas coletivas.
Dentro de cada pessoa coletiva pública ou ministério temos os diversos órgãos, a
quem são distribuídas competências:

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b) exerça competências (poderes abstratos, considerados normalmente como
poderes de autoridade para a prática de atos administrativos) que lhe tenham sido
concedidas pela lei (ou tenham sido nele delegadas com base na lei), em razão da
matéria, da hierarquia e do território.
c) possua legitimação para exercer no caso concreto a competência, verificando-se
os requisitos e condições legais de exercício do poder.

Se o ato praticado não for da competência do órgão e nem sequer se integre nas atribuições
da pessoa coletiva ou do ministério, mas se enquadre, por exemplo, nas competências do
tribunal, temos presente uma usurpação de poder – 161/2/a, que o comina com a
nulidade.

Se o ato praticado não for da competência do órgão que o pratica e se situar fora das
atribuições da pessoa coletiva ou do ministério, mas não extravase os poderes do Estado,
existe uma incompetência absoluta ou falta de atribuições, que como a usurpação de
poderes, gera nulidade.

Se se tratar apenas de incompetência simples, praticado por uma pessoa coletiva pública
mas fora da sua competência, gera apenas anulabilidade. A incompetência pode ser em
razão:

§ Da matéria;
§ Hierarquia – por exemplo: uma delegação de poderes que caduca e o órgão
continua a exercer o seu poder quando na verdade já não o tem e, por isso, o ato
está ferido de incompetência;
§ Território: quando os órgãos tenham competência territorialmente limitada.

Há ainda uma terceira vertente onde se localiza o vício relativo ao sujeito que se relaciona
com os requisitos e condições:

§ Investidura do titular do órgão;


§ Nos órgãos colegiais, é de referir o quórum;
§ Autorização do órgão supraordenado.

O não preenchimento destes requisitos, ainda que o órgão em abstrato seja competente e
não sejam extravasadas as suas atribuições, a falta de um destes requisitos torna o ato
inválido por falta de legitimação constitutiva da capacidade de agir.

90
o Objeto

É o quid sobre o qual incidem os efeitos do ato, aqueles que o ato visa produzir.

O objeto poderá ser uma pessoa ou uma coisa, sendo que é regra que incida sobre uma
pessoa. Assim, um ato pode ser como objeto uma pessoa, tendo em conta a situação da
nomeação, autorização, imposição ou comportamento; uma coisa (expropriação;
classificação de bens – como quando é classificado como património mundial ou
qualificação de prédios, como no caso de prédio desconhecido, porque há alguém que
não está determinado não sofre diretamente os efeitos, sendo que os efeitos incidem
diretamente sobre a coisa) ou um outro ato administrativo (revogação, anulação,
ratificação).

Nota: os bens de domínio público não podem ser expropriados, mas apenas transferidos.

O “objeto”, em sentido estrito, distingue-se do “conteúdo” (os efeitos jurídicos que o ato
visa produzir) e do “fim” (a finalidade de interesse público visada) do ato, embora se
verifique o uso corrente dos conceitos de objeto mediato (objeto propriamente dito) e de
objeto imediato (conteúdo) como conceitos ligados entre si – por vezes, a lei ou a doutrina
utilizam até o conceito com o alcance de englobar simultaneamente o objeto e o conteúdo
(ou trata-os em conjunto, como, por exemplo, no artigo 161.º, n.º 2 c) do CPA).

Neste sentido, aqui falamos do objeto mediato e não do objeto imediato, que se
relaciona com o conteúdo.

§ Os requisitos de validade do ato relativos ao objeto

Embora sejam diversas as arrumações doutrinárias, consideram-se


fundamentalmente os seguintes requisitos:

a) a existência (possibilidade física ou jurídica): o objeto tem de existir no plano


dos factos e do direito – de modo que não é possível a requisição de uma coisa
já perecida, a nomeação de uma pessoa falecida ou a revogação de um ato
entretanto extinto, quanto à impossibilidade jurídica. Falamos em possibilidade
e não existência, devido aos bens futuros.
b) a idoneidade (adequação do objeto ao conteúdo): o objeto, enquanto tal, tem de
preencher as qualificações necessárias para suportar os efeitos do ato,
incidindo sobre um objeto idóneo – não se pode validamente nomear como
funcionário uma pessoa que não reúna os requisitos legais (de idade ou de

91
habilitações literárias, por exemplo) ou expropriar um terreno incluído no
domínio público, sendo que este terreno existe em termos físicos, sendo que em
abstrato seria juridicamente possível a respetiva expropriação, mas de facto eles
apenas podem ser transferidos ;
c) a legitimação (qualificação específica para sofrer em concreto os efeitos do ato):
o objeto, para além de idóneo em abstrato, tem de preencher as condições
subjetivas legais para – no âmbito de um concurso, não se pode validamente
adjudicar um contrato a um candidato cuja proposta tenha sido excluída ou
nomear para um lugar alguém que não tenha sido candidato ou que tenha
desistido;
d) a determinação (determinabilidade identificadora, conforme o tipo de ato): o
objeto, seja pessoa, coisa ou ato, tem de ser perfeitamente individualizado ou
determinado – não é válida a decisão de promover “o funcionário mais
experiente” de um serviço ou de declaração de utilidade pública dos “terrenos
necessários” para a realização de uma certa obra pública.

A “anatomia” do ato administrativo tem como principal função a descoberta de vícios do


ato administrativo.

o Estatuição:

A estatuição refere-se à decisão, em si, isto é, à declaração formal que visa produzir
transformações no mundo jurídico. Resumindo, a estatuição é o próprio ato jurídico.

§ Aspetos substanciais:

1) Fim:

O fim para que está preordenado o poder do órgão administrativo, normalmente, não está
expresso na norma, visto que se infere, seja da própria enunciação do poder, seja
sobretudo a partir da formulação dos pressupostos que se tenham de verificar em concreto
para que a Administração fique investida do poder. No fundo, os pressupostos são
indicadores do fim, como aquelas circunstâncias, não referentes ao sujeito ou ao objeto,
de cuja ocorrência a lei faz depender a validade da decisão.

A verificação desses pressupostos hipotéticos nos casos concretos da vida (pressupostos


reais) impõe e justifica a decisão administrativa – a justificação constitui a

92
fundamentação formal do ato pela comprovação concreta da existência real dos
pressupostos definidos em abstrato na norma habilitante. A justificação é uma importante
componente da fundamentação do ato administrativo, sendo uma exigência formal.

Há dificuldades naturais na concretização do fim quando a lei utiliza conceitos


indeterminados na formulação da hipótese normativa. Neste contexto, Vieira de
Andrade faz uma distinção, na opinião do professor, apenas tendencial e não rigorosa: os
conceitos que se situam na estatuição relacionam-se mais com as faculdades ação (como
tomar as medidas adequadas), enquanto se estiverem na hipótese relacionam-se e
traduzem-se mais numa complementação dos pressupostos, devendo a administração
completar, no caso concreto, a norma.

Quanto a estes conceitos indeterminados, a avaliação administrativa dos pressupostos


legais, para efeitos da verificação da sua ocorrência no caso concreto, pode ser
juridicamente vinculada ou então remeter o agente para uma “valoração própria do
exercício da função administrativa”. Quando há uma valoração própria dentro de uma
margem discricionária temos, para além de uma concretização dos pressupostos, uma
concretização do fim, levada a cabo pelo órgão administrativo.

Quando existam conceitos imprecisos face a poderes vinculados, basta que o órgão
interprete corretamente as normas e que acerte na verificação dos pressupostos para que,
de forma automática, seja realizado ou prosseguido o fim público. Verificados na vida
real estes pressupostos e tomando o órgão a decisão que a lei o impende para tomar, o fim
público é automaticamente prosseguido, com base na norma.

Assim, sempre que falamos no fim, necessariamente falamos nos pressupostos,


havendo uma ligação intrínseca entre ambos. O fim só é completamente predeterminado
nas competências vinculadas, sendo que quando há momentos discricionários, o fim
prosseguido pelo órgão tem em conta as escolhas feitas por este.

2) Conteúdo do ato ou objeto imediato:

De algum modo em paralelo com o objeto, são os seguintes os requisitos de validade do


ato relativos ao conteúdo:

a) a compreensibilidade: o conteúdo tem de ser suscetível de compreensão racional,


não podendo ser contraditório, vago ou ininteligível. No fundo, são exigências
de racionalidade do ato administrativo, que é também um princípio geral da

93
atividade administrativa. [ato de licenciamento de loteamento no qual se
determina que “o pagamento de uma compensação pelo particular a ser criada e
aprovada pela Assembleia Municipal”].
b) a possibilidade: os efeitos visados não podem ser impossíveis fisicamente
[adjudicação de prestação de serviços a prestar no ano anterior – TCA-S
12/02/09] ou contrariar uma proibição legal absolutamente imperativa (não
podem ser legalmente impossíveis);
c) a licitude: os efeitos visados têm de ser conformes à ordem jurídica (não é
válida, por exemplo, a habilitação profissional para o exercício de uma atividade
criminosa);
d) a legitimidade: a decisão não pode ofender diretamente normas ou princípios que
regem a atividade administrativa.

Por norma, um ato que seja inválido, em princípio, se causou danos, além de inválido,
podendo ser anulado, pode também gerar a responsabilidade civil do seu autor,
apresentando uma característica de ilicitude. Quando o ato põe em causa ou não observa
os determinados requisitos pressupõe-se o âmbito da ilegalidade, quanto à ilegitimidade.

Temos o conteúdo principal e o acessório. –Z Dentro do principal temos as cláusulas


típicas e as cláusulas particulares (integram o conteúdo principal do ato, mas exprimem
opções no âmbito da discricionariedade do órgão), enquanto no acessório estabelecem-
se as cláusulas acessórias.

No quadro do exercício de poderes discricionários, é importante a distinção entre as


cláusulas particulares – que respeitam ao conteúdo principal do ato, tal como é
concretizado ou determinado no caso específico pelo órgão competente (autor) no uso
dos seus poderes próprios – e as cláusulas acessórias – que, embora igualmente
discricionárias, apenas respeitam à eficácia do ato ou então determinam aspetos marginais
ou não imprescindíveis do respetivo conteúdo.

As cláusulas acessórias permitem adaptar o conteúdo do ato às circunstâncias do caso


concreto, presentes ou futuras, e implicam sempre, ainda de que de diversas maneiras,
uma limitação do alcance normal do ato principal. Assim, relacionam-se com a eficácia
do ato e regulam aspetos acessórios do conteúdo. Podem ainda ser encargos laterais que
se impõem ao beneficiário do ato.

O artigo 149.º do CPA prevê quatro tipos de cláusulas acessórias:

94
a) a condição – a eficácia do ato fica dependente de um acontecimento futuro e
incerto, mas possível, cuja verificação a desencadeia (condição suspensiva ou
inicial) ou a extingue (condição resolutiva ou final); estamos perante uma
condição potestativa (ou impura) quando o acontecimento depende da vontade de
alguém, designadamente do destinatário;
b) o termo – a eficácia do ato fica dependente de um acontecimento futuro e certo,
muitas vezes um prazo, cuja verificação a desencadeia (termo inicial) ou a
extingue (termo final);
c) o modo – consiste num encargo ou ónus (dever de fazer, não fazer ou suportar),
imposto num ato de conteúdo principal positivamente favorável (autorização,
concessão), encargo que, ao contrário da condição e do termo, não afeta a eficácia
do ato, e cujo incumprimento pelo destinatário pode levar a uma execução,
eventualmente coativa, ou a outras consequências sancionatórias, incluindo a
possibilidade de revogação do ato (favorável).
d) a reserva (reserva de revogação, reserva de modo ou outra) – através da qual o
autor do ato se reserva o exercício de um poder ou faculdade que, de outro modo,
não teria ou não poderia exercer (poder de revogação de ato favorável, poder de
imposição de novos encargos em atos de eficácia duradoura ou outros poderes
legítimos).

Distinção entre cláusula particular, condição potestativa e modo:

i. a cláusula particular integra o conteúdo principal da decisão


concreta e o respetivo conteúdo corresponde a uma modalidade
necessária de exercício da atividade autorizada ou concedida
(licença para vender bolos na praia, mas em invólucros fechados;
licença para abrir um clube noturno, mas com insonorização
reforçada);
ii. a condição potestativa implica um ónus, a verificação prévia de
um pressuposto dependente da vontade do destinatário, mas que
não constitua uma obrigação deste (licença para instalar um
andaime, com a condição de fazer um seguro ou assinar um “termo
de responsabilidade”);
iii. o modo impõe uma obrigação ao destinatário, alheia ao conteúdo
típico da autorização ou que não seja de verificação prévia, embora

95
dependa desse conteúdo principal (obrigação de pavimentar o
passeio público em frente ao edifício, imposta na licença de
construção).

A Administração não é livre na aposição de cláusulas acessórias aos atos administrativos,


estando sujeita a limites, que agora constam expressamente do artigo 149.º, n.ºs 1 e 2.

Há a considerar o problema específico dos limites à “reserva de revogação”, que sempre


foi muito discutido na doutrina e que está atualmente regulado no artigo 167.º, n.º 2, alínea
d), do CPA). Aí se dispõe que a reserva de revogação de atos constitutivos de direitos
só é admissível na medida em que “o quadro normativo aplicável consinta a
precarização do ato em causa” e a cláusula preveja um “circunstancialismo
específico” que justifique a revogação.

3) Relação entre o fim e o conteúdo:

Nos momentos em que há discricionariedade existem valorações, desde logo no


preenchimento dos pressupostos legais e também conceitos indeterminados que se ligam
à faculdade de ação, ao poder de agir ou decisão administrativa.

Há uma relação direta entre o fim e o conteúdo, que assume especial relevância na
metodologia da formação da «vontade administrativa» quando os atos envolvem
momentos discricionários de decisão: a avaliação integrada das considerações e
valorações em que se baseia o juízo de preenchimento no caso concreto dos pressupostos
legais (e, portanto, da verificação do fim de interesse público em causa) projeta-se nos
argumentos e ponderações que permitem a escolha administrativa da melhor solução para
o interesse público, tal como foi concretizado, funcionando como motivos da decisão – a
ponderação com vista à decisão implica um “vaivém” argumentativo entre a hipótese e
a estatuição normativa baseado nas circunstâncias do caso concreto.

Aqui, falamos dos vícios na discricionariedade, que não se esgotam no desvio de poder,
existindo mais possibilidades.

96
§ Aspetos formais

1) Procedimento:

Temos aqui de distinguir:

Procedimento legal: constituído pelos trâmites obrigatórios em cada procedimento.

Mas, pode acontecer também o facto de a lei regular procedimentos especiais, aplicando-
se o regime geral do procedimento do CPA apenas de forma subsidiária.

Procedimento voluntário: o procedimento não é apenas constituído por trâmites


obrigatórios, podendo a administração determinar outros trâmites voluntários.

Para efeitos de invalidades procedimentais relevam, sobretudo, os trâmites obrigatórios.


Os voluntários não deixam de ser juridicamente relevantes, nomeadamente à luz dos
princípios gerais e também em termos de validade, mas constituindo uma importância
menor.

De acordo com Vieira de Andrade: “A projeção do conteúdo dos atos preparatórios na


feitura do ato não diz respeito ao procedimento – por exemplo, um parecer erróneo pode
afetar a validade do ato decisório quanto ao conteúdo, mas não dá origem a um vício
procedimental”.

Professor introduz uma correção à ideia de Vieira de Andrade: o vício de conteúdo


consome o vício procedimental. A ideia que se pretende aqui é que o ato final, à partida,
havendo violação ou inobservância de qualquer formalidade essencial, este será afetado
na sua globalidade. Por exemplo: procedimento onde é obrigatório um inquérito. A falta
deste, ainda que não se estabeleça uma ligação entre a falta de inquérito e a decisão
final, é um trâmite essencial que inquina o ato final. Havendo um vício que padeça de um
ato procedimental, desde que corresponda a uma formalidade essencial, por força da
impugnação unitária, o agir administrativo inválido ou contrário ao direito, apenas pode
ser atacado face ao ato final, por razões de economia processual.

Em termos de invalidades procedimentais temos de distinguir aquilo que se chamam


formalidades essenciais e não essenciais: estas últimas consubstanciam uma ilegalidade,
mas uma ilegalidade não invalidante. Ou seja, não têm como consequência,
designadamente, a invalidade da decisão final. Tipicamente, o incumprimento de normas

97
mais ordenadoras ou indicativas, como as que estabelecem os prazos para a
administração atuar, são não invalidantes, mas ilegais.

Qualquer ilegalidade, nomeadamente a ilicitude, pode gerar responsabilidade civil, ou


seja, um dever de indemnizar. Mas, aqui, no que toca a formalidades essenciais não
tratamos a ordem da ilicitude, mas a possibilidade de invalidar.

Dentro das formalidades essenciais há ainda as formalidades relativamente


essenciais e as absolutamente essenciais: as últimas nunca são degradáveis, gerando
sempre invalidade a sua preterição ou o vício que as afete. As relativamente essenciais
podem ser degradáveis, podendo haver degradação de uma formalidade relativamente
essencial em não essencial.

O art.163/5 estabelece o mesmo esquema, mas em termos um bocadinho diferentes:


mantém-se uma invalidade, mas afasta-se o efeito anulatório.

No art.163/5 CPA, o efeito que se prevê, não se confunde com o art.164, sendo que neste
possibilita-se a sanação do vício de determinado ato, que são diferentes consoante a
sanção seja anulabilidade ou nulidade, enquanto no art.163/5 permite-se que o ato
anulável não seja anulado, mas o vício mantém-se, sendo que a isto se chama princípio
do aproveitamento do ato administrativo. à Quando se anula um ato administrativo
este terá de ser novamente praticado, mas sem o vício. Mas se olharmos para as
circunstâncias do ato concreto de que repetido tudo novamente, o ato terá o mesmo
conteúdo e sentido, então não fará sentido anular.

Nota: o art.163 apenas se refere a atos anuláveis, enquanto o art.164 se refere a atos nulos
e anuláveis.

2) Forma

A forma designa a manifestação exterior do ato administrativo, isto é, a maneira como


a própria decisão se exterioriza (oral, escrita, sinais, gestos).

Neste sentido, não são formas:

ü As documentações probatórias (como, por exemplo, as atas que comprovam as


decisões tomadas nas reuniões dos órgãos colegiais, porque a forma das
deliberações dos órgãos colegiais é, por definição, oral, sendo oral e não escrita
já que o modo como se forma a vontade é através de vontade e votações orais. As

98
atas apenas servem de documento provatório, sendo apenas considerada como
requisito de eficácia);
ü As documentações meramente comunicativas (as notificações ou as
publicações).

Vieira de Andrade refere que aqui vale o princípio da liberdade de forma. No entanto, o
professor considera que aqui não se deve isso subscrever, visto que os órgãos colegiais
não têm liberdade de forma porque as suas decisão são proferidas de forma oral e os
órgãos singulares têm como forma de exteriorizar a decisão a forma escrita.

Já os atos do governo podem ter quatro tipos de formas, dentro da forma escrita: podem
ser resoluções do Conselho de Ministros, decretos, portarias e despachos. Aqui, a não ser
que a lei exija, há já liberdade de forma.

Assim, o princípio da liberdade de forma não valerá no sentido estrito, na divisão


entre forma escrita e forma oral, mas poderá valer num sentido amplo.

Como é evidente, há formas que têm requisitos de competência. Por exemplo: a


resolução de conselho de ministros apenas pode ser tomada em conselho de ministro, tal
como as portarias são ministeriais.

De acordo com Professor, os atos praticados por via eletrónica são proferidos através
forma escrita, sendo esta uma forma específica, visto que aquilo que é escrito não é
considerado num papel. O suporte eletrónico é, de algum modo, o suporte físico.

Aqui insere-se o tema do dever de fundamentação expressa dos atos administrativos


(artigos 152.º a 154.º do CPA), sendo um dever formal, porque a “justificação”
(comprovação de que se verificam no caso concreto os pressupostos vinculados do ato) e
a “motivação” (a indicação das razões específicas das escolhas discricionárias) têm de
ser contextuais, isto é, têm de constar da forma pública que contém a decisão, ainda que
por remissão. à Isto é, no mesmo texto, tem de se incluir a decisão (que é o conteúdo e
sentido do que se decide), que é diferente da fundamentação (que se prende com a
justificação, motivos e verificação dos factos que levam a administração a agir para a
prática do ato).

Porque é que a fundamentação é considerada como forma? É forma porque não


podemos confundir a fundamentação com os fundamentos. Ou seja, pode haver
discrepância, por exemplo, entre os fundamentos alegados e aqueles que são os reais

99
motivos e verdadeiros fundamentos. Naturalmente que se presume que a fundamentação
corresponde aos fundamentos. Por isso, exige-se a fundamentação para se perceber se o
ato padece ou não de vícios, podendo existir aqui vícios formais e materiais. Pode existir
uma fundamentação impecável, mas não haver efetivamente um fundamento – caso do
indecisor indeciso – o ato que é praticado através do lançamento da moeda, põe em causa
o princípio da racionalidade e o fundamento não existe, sendo um vicio formal de falta
de fundamentação, com a consequência jurídica da anulabilidade – art.163 CPA.

Existem declarações anómalas, como, por exemplo, as que consubstanciam “atos


tácitos» – decisões que estão contidas em outras pronúncias jurídicas expressas, por serem
delas pressuposto lógico necessário –, ou “atos concludentes» – resultados decisórios que
decorrem inequivocamente de outras decisões (“decisões prejudiciais”). Estas
declarações tinham um objetivo de que, nos tempos do contencioso de anulação, em que,
fora as ações sobre contratos, muitas vezes para se conseguir recorrer ao tribunal era
necessário criar um ato administrativo inventado.

Um dos grandes problemas da “forma” é o do relevo jurídico do silêncio da


Administração, que pode ser entendido como incumprimento do dever de pronúncia, mas
também pode ter valor decisório, seja de assentimento ou deferimento ou, pelo contrário,
de recusa ou indeferimento. Em matéria de «ato» silente, como vimos, deve entender-se
atualmente o seguinte:

a) Consumou-se o desaparecimento da figura do indeferimento silente, com a revogação


do antigo artigo 109.º do CPA (que referia o chamado “indeferimento tácito”) - revogação
que já resultava tacitamente da entrada em vigor, em 2004, do CPTA.

b) Mantém-se o deferimento silente («deferimento tácito») como ato administrativo de


criação legal, com isenção de forma e com o conteúdo definido pelo requerimento, nos
casos expressamente previstos na lei (v. o artigo 130.º do CPA) – embora haja
contradições fortes na doutrina: uma parte propõe que se generalize a figura para as
atuações particulares sujeitas a autorização (na linha da Diretiva Serviços da União
Europeia, para as actividades económicas), outra parte sustenta a limitação da sua
admissibilidade ou mesmo, radicalmente, a extinção da figura.

c) Subsistem casos especiais em que o silêncio releva como mero facto jurídico, que serve
apenas para abrir a via contenciosa, funcionando como pressuposto processual de uma
ação judicial – é o que acontece, por exemplo, com o silêncio perante impugnação

100
administrativa (artigo 198.º, n.º 4, do CPA) ou perante o requerimento de reversão de
prédio expropriado (artigo 74.º, n.º 4, do Código das Expropriações).

Portanto, estas declarações anómalas têm muito pouca importância desde 2004.

INVALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO

A legitimidade do ato administrativo, entendida em sentido amplo, tem a ver com a sua
aptidão para prosseguir o interesse público de acordo com as normas e princípios jurídicos
(legalidade e juridicidade) e as normas de boa administração (conveniência e mérito).

No entanto, os vícios de mérito tornaram-se menos relevantes. Por isso, vamos estudar os
vícios de legalidade e juridicidade, isto é, o incumprimento de disposições normativas e
princípios jurídicos.

Em geral, distinguem-se os vícios invalidantes (“ilegalidades” que afetam


potencialmente os efeitos do ato) e vícios não-invalidantes (meras «irregularidades», que
não são suscetíveis de afetar a produção normal de efeitos pelo ato, relacionando-se com
formalidades não essenciais).

1. Inexistência: inadequação atual

Em sentido filosófico ou ontológico quando estamos perante inexistência falamos num


não ato, no sentido em que aquilo que não é um ato administrativo é um não ato.

O ato administrativo inexistente refere-se sempre a uma mera aparência de um ato


administrativo. Mas, na verdade, essa aparência que é apenas uma ilusão, pois podemos
estar perante um ato privado da Administração ou um ato provado cujo autor nem detém
poderes públicos, um outro ato de autoridade no exercício de outro poder do Estado (como
sentença ou lei) ou estamos perante um ato em formação, que ainda não se encontra
perfeito.

Às vezes, a lei fala em atos inexistentes, aparecendo este ato como figura legal. Mas hoje
em dia já não podemos falar deste como um ato em que faltam elementos essenciais, pelo
que quando se fala, atualmente, de ato inexistente, devemos entender que estamos perante
um ato nulo, sendo passível de impugnação.

Neste sentido, como refere Vieira de Andrade: “A inexistência não é hoje uma categoria
necessária enquanto tipo de invalidade, distinta da nulidade. No entanto, tendo em conta
que por vezes as próprias leis se referem a atos inexistentes, em contextos que não podem

101
significar a mera situação de facto de inexistência, pode admitir-se a figura para efeitos
de impugnação – já não se pode é falar de uma “nulidade-inexistência”, para
caracterizar um subconjunto de atos nulos, com vícios muito graves, aos quais se devesse
aplicar, por princípio, em termos radicais, o regime da nulidade, porque o CPA revisto
eliminou a categoria das nulidades por natureza (por “falta de elementos essenciais”).”

Já o ato nulo não é uma mera aparência, visto que é um ato acabado ou perfeito, sendo
um ato de autoridade, com todos os seus elementos, mas é um ato que padece de um
vício grave e evidente, sendo incompatível com o princípio da legalidade da
administração a subsistência de qualquer efeito daquele ato. à não pode produzir efeitos
um ato que atende de forma grave à ordem jurídica.

O ato nulo não produz quaisquer efeitos e face a este está legitimado o direito de
resistência. No entanto, a legitimidade de resistência há de depender de uma futura
qualificação que fará o tribunal, sendo que é um risco desobedecer a este ato nulo, pois o
tribunal pode não o classificar como tal.

Por isso, é necessário encarar o art.161 CPA cum grano salis, visto que há mais situações
de nulidade do que aquilo que é estabelecido neste nº1. Cada uma das situações aqui
descritas tem de ter sempre presente a ideia de gravidade e evidência.

Tipos de invalidade:

São tipos de invalidade a nulidade (que determina a improdutividade total do ato como
ato jurídico) e a anulabilidade (que confere ao ato uma produtividade provisória e
condicionada, visto que está sujeito a anulação pelos tribunais ou pela administração,
desde que verificados os determinados condicionamentos).

A anulabilidade tem sido vista como a consequência normal da ilegalidade ou, pelo
menos, como o regime típico da invalidade do ato administrativo. à Porque é que a
anulabilidade é o regime típico quando o princípio da legalidade poderia proclamar o
inverso? Devido a razões de segurança jurídica, proteção da confiança legitima,
praticabilidade e razões de interesse público, num universo em que se desenvolvem
exponencialmente as áreas de intervenção administrativa e aí ganham importância
decisiva as actividades autorizativa, concessória e prestadora, que visam a constituição
de direitos e a produção de efeitos favoráveis para os particulares.

102
Quanto ao regime da declaração dos atos nulos e da anulação dos atos anuláveis:

Os atos nulos são objeto de uma sentença ou ato meramente declarativo, ou seja, ato da
administração que declara erga omnes a nulidade é um ato declarativo e não
constitutivo, pois o ato vem apenas atestar ou certificar que aquele ato, por ser nulo,
nunca produziu qualquer efeito, independentemente da administração ter pretendido a
pretensão de efeitos.

Havendo declaração de nulidade, tem de se reconstituir, em termos práticos e de atuação


material, a situação que existiria se não fosse a prática do ato nulo, sendo que
naturalmente a Administração incorrerá em responsabilidade civil pelos prejuízos
causados.

O ato anulável, na prática, não é muito diferente. O ato produz os seus efeitos e a sentença
do tribunal tem efeitos retroativos, destruindo-se os seus efeitos jurídicos e reconstruindo-
se a situação hipotética legal se não fosse a prática do ato anulável, incorrendo num dever
de indemnizar pelos prejuízos causados.

Uma coisa é um ato administrativo de declaração de nulidade ou uma sentença que o faça,
por definição, com força erga omnes, e outra coisa é qualquer autoridade administrativa
ou tribunal conhecer incidentalmente a nulidade de um ato administrativo quando, por
exemplo, a questão da validade do ato for prejudicial face ao processo civil ou no
procedimento administrativo que corra junto dessa autoridade.

A ineficácia do ato nulo exprime uma incapacidade que resulta da lei como efeito
automático (ipso iure), que o tribunal ou o órgão administrativo competente se limitam
a declarar, enquanto a perturbação da eficácia do ato anulável só se produz mediante
uma pronúncia de anulação, seja administrativa ou judicial, que anule o ato – não
deve, aliás, por isso mesmo, confundir-se um ato nulo (originariamente) com um ato
anulado, já que este produziu validamente efeitos, ainda que provisórios, até à anulação.

No que respeita à eficácia, a improdutividade absoluta do ato nulo (relativamente aos


efeitos próprios visados) contrasta com a eficácia provisória do ato anulável, submetido
a um ónus de impugnação, e, mais ainda, com a eventual eficácia plena dos atos anuláveis
tornados inimpugnáveis (por não tiver havido impugnação tempestiva, ou seja, no tempo
em que deveria ter existido).

103
Nota: Há regimes de nulidades atípicas, nomeadamente no âmbito do urbanismo, que
tem em conta um período de 10 anos, sendo que passado este tempo nada se pode fazer
quanto aos atos de gestão urbanística, tornando-se inimpugnável, tanto por particulares,
pelo ministério público, como qualquer outra entidade.

Admite-se a ratificação (convalidação), reforma ou conversão dos atos anuláveis,


mas, apesar de se passar a admitir a reforma e a conversão, mantém-se a impossibilidade
da ratificação dos atos nulos (artigo 164.º do CPA). Assim:

§ Nos termos do nº3 do art.162 não se prejudica a possibilidade de atribuição


de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, em
determinadas situações, com fundamento em princípios jurídicos fundamentais,
como os princípios da segurança jurídica, da boa fé e da proteção da confiança
legítima ou o princípio da proporcionalidade, designadamente associados ao
decurso do tempo.
§ No que respeita à anulabilidade, é de salientar que o CPA, em 2015, na linha de
uma prática jurisprudencial alargada e com o objetivo de a disciplinar
normativamente, passou a admitir a não produção do efeito anulatório, apesar da
invalidade, em três circunstâncias (artigo 163.º, n.º 5):
a) permite-se o aproveitamento do ato, isto é, a sua não anulação pelo juiz, apesar
da invalidade, quando o conteúdo do ato não possa ser outro, nos casos de
conteúdo devido, legalmente vinculado, ou de redução da discricionariedade
a zero (“quando a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma
solução como legalmente possível”) – a Administração, na sequência da anulação,
iria praticar outro ato com os mesmos efeitos. O ato continua a ser inválido, mas
permite-se os seus efeitos.

Neste sentido, o efeito anulatório não se produz, por força da lei, apesar de o ato não ser
válido, já que o vício formal ou substancial se mantém.

Nota: A competência, em abstrato, pode ser discricionária, mas poderá existir uma
redução desta a zero.

Por exemplo: o ato é sempre inválido caso falte a audiência dos interessados. Mas,
pressupondo que a competência é vinculada, por vezes, a audiência não serve de muito,
visto que a administração tem de decidir naquele sentido que lhe é permitido.

104
b) admite-se a irrelevância do vício de procedimento ou de forma quando o fim
visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido
alcançado por outra via, isto é, quando da violação não tenha resultado no caso
uma lesão efetiva dos valores e interesses protegidos pelo preceito formal ou
procedimental violado, por esses valores ou interesses terem sido suficientemente
protegidos por outra via (trâmite substituível por outro ou forma suprível por
outra) – corresponde à situação tradicionalmente formulada pela jurisprudência
como “degradação das formalidades essenciais em não essenciais”.

No entanto, a posição jurisprudencial de “degradação das formalidades essenciais em não


essenciais” , foi objeto de uma resposta crítica de parte da doutrina, baseada na
revalorização do «direito das formas», que tende a conferir relevância invalidante à
violação de preceitos formais, sobretudo ao incumprimento de normas procedimentais e
daquelas que visam assegurar a imparcialidade subjetiva dos titulares dos órgãos
decisores.

Por exemplo: não houve audiência, mas o interessado conseguiu apresentar um recurso
ou reclamação, tendo a administração conhecido a opinião do particular. Quando ela
nada decide, mesmo que conheça a opinião deste, há uma dupla desconsideração, porque
reiteradamente a administração ignora o particular – não produz a fase de audiência e
não lhe responde à reclamação ou recurso. Neste sentido, isto será relevante, visto que
existiu efetivamente uma lesão dos interesses do interessado.

c) o vício gerador de invalidade também é improdutivo, na prática, quando, no caso


concreto, se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato
teria sido praticado com o mesmo conteúdo – isto é, que não teve qualquer
influência na decisão.

Nota: esta alínea diz respeito aos atos discricionários.

Os casos de nulidade

O CPA prevê atualmente um único fundamento para a nulidade dos atos administrativos:
a determinação expressa da lei, seja nos casos previstos no artigo 161.º, n.º 2, seja nas
situações previstas em leis avulsas.

105
O nº2 estabelece um paradigma de gravidade e, portanto, temos de modelar situações
convocáveis a propósito destes casos, que se aproximam destes e tomam como referência
a mesma razão de ser. Ou seja, aqui há todo o elenco, mas há situações mais ou menos
próximas não elencadas, tendo de se aplicar a solução prevista nesta lista. Neste sentido,
o “designadamente” previsto no artigo estabelece que, então, podem ocorrer outras
situações, desde que se aproximem desta lista.

Deixou de prever, o CPA, por razões de segurança jurídica, as chamadas nulidades por
natureza, que se verificavam mediante a falta de qualquer elemento essencial do ato.

Os casos previstos no CPA respeitam a vícios relativos a momentos essenciais relativos


ao sujeito, ao objeto, ao fim, ao conteúdo, à forma e ao procedimento do ato.

No que respeita à nulidade, devem ser considerados nulos por natureza aqueles atos que
sofram de um vício especialmente grave e, em princípio, evidente, avaliado em função
das características essenciais de cada tipo de ato.

Análise do art.161 CPA:

§ Art.161/2/a - Os atos viciados de usurpação de poder à existe um vício relativo


ao sujeito, sendo este considerado como um dos vícios mais graves, porque aqui
estamos perante um órgão da Administração que não só não detém
competências, como também pratica atos que estão fora das atribuições da
pessoa coletiva. Mas, mais do que isto, considera-se extremamente grave porque
o órgão atuou numa área reservada ao poder judicial, havendo uma invasão à
esfera das atribuições do poder judicial e uma consequente violação da separação
de poderes.

Os casos mais frequentes desta situações prendem-se com domínios em que a


administração acaba por praticar decisões através das quais dirime conflitos entre
particulares. Por exemplo: situações de licenciamento de um muro de divisão.

§ Art.161/2/b – Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas


coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre. à Por norma, as
atribuições repartem-se pelas pessoas coletivas.

Quanto às pessoas coletivas públicas de fins específicos, as atribuições variam em razão


da matéria ou dos fins de que essas pessoas são encarregadas. Quanto às pessoas coletivas
públicas territoriais, estas têm atribuições idênticas, sendo o seu limite é apenas territorial.

106
Será de considerar que existem pessoas coletivas de fins específicos que também terão
como um outro limite o território.

Por exemplo: caso de uma câmara municipal que emite uma licença de construção face
a um proprietário do terreno, terreno esse que já está estabelecido nos termos de outro
território e, por isso, o ato emitido por esta é nulo.

Esta é a regra, mas há exceções: os ministérios e as secretarias regionais. Ao nível do


Estado, a repartição de atribuições dá-se pelos vários ministérios e ainda dentro da mesma
pessoa coletiva existem vários feixes de atribuições repartidos pelas várias secretarias
regionais.

À luz dos princípios da evidência e da gravidade, há dois exemplos em que terá de


haver uma interpretação extensiva e restritiva:

Ex: diretor regional da educação do norte decide abrir um inquérito a um professor do


Algarve. Todos nós temos a intuição de que a gravidade desta incompetência é idêntica
ou muito próxima da falta de atribuições, nomeadamente quando o critério é territorial.
A gravidade é tal que nem lhe pode ser aplicado o regime da anulabilidade, porque isto
é contrário aos princípios da atividade administrativa e aos princípios da ordem jurídica.
Assim, há uma interpretação extensiva do art.161/2/b, podendo a situação ser aqui
incluída.

Ex2: o ministro pratica um ato da competência e atribuições de um instituto público que


está sob a sua tutela e superintendência. Formalmente, o instituto tem atribuições que já
não terá o ministério. Mas, as atribuições, levantado o véu do instituto público, são
atribuições do Estado, apenas confiadas a um instituto público. Assim, o ato praticado
pelo ministro efetivamente é inválido, mas a consequência não pode ser a nulidade,
porque apesar do vício ter uma gravidade relativa, deve vigorar aqui apenas o regime
geral da anulabilidade dos atos administrativos. Assim, aqui já seria feita uma
interpretação restritiva, sendo apenas um caso de incompetência simples.

Nota: estas duas situações apenas constituem o entendimento do Professor, não


consubstanciam uma verdade absoluta.

§ Art.161/2/c - Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou


constitua ou seja determinado pela prática de um crime.

107
§ Art.161/2/d - Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito
fundamental à é uma formulação genérica, com conceitos que oferecem alguma
indeterminação. Aqui, fala-se em Direito Fundamental e não apenas em DLG,
havendo uma invalidade mais abrangente.

Por exemplo: ato de despejo ilegal viola um direito fundamental (direito à habitação) e,
por isso, é nulo. Ainda, será nulo um ato sancionatório em que não tenha sido dada
oportunidade de defesa ao destinatário.

§ Art.161/2/e - Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse


privado à é um vício da relação entre o conteúdo e fim, sendo que se se prossegue
fins de interesse privado o vício é mais grave do que se apenas se se prosseguir
um outro fim público que não era o pretendido, no sentido em que não só não se
cumpre o fim legal, como se revela que o agente administrativo utiliza os
poderes públicos que lhe foram confiados para proveito pessoal ou, de todo o
modo, para satisfazer interesses privados de alguém.
§ Art.161/2/f - Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral à quanto
à coação física, não há dúvidas. Já a coação moral é necessário ser entendida de
modo restrito, pois esta tem de ser algo evidente e grave, sendo que a gravidade e
evidência reforçam-se para que se possa observar este vício.

Os restantes vícios da vontade, como o dolo ou a negligência não relevam, em regra,


diretamente e autonomamente como vícios do sujeito, relevando apenas indiretamente
como vícios de fim ou conteúdo ou como indícios ou manifestações de uso incorreto do
poder discricionário.

§ Art.161/2/g – Os atos que careçam em absoluto de forma legal à vícios de


forma, que consistem no incumprimento do modo de exteriorização do ato,
incluindo a falta ou insuficiência da fundamentação obrigatória, geram, em regra,
a anulabilidade do ato, podendo, no entanto, provocar a nulidade nos casos mais
graves, quando se verifique uma «carência absoluta de forma legal» (artigo
161.º, n.º 2, alínea g)), ou constituir meras irregularidades, quando estejamos
perante aspetos formais menores, que devam qualificar-se, em si, como formas
«não-essenciais».
§ Art.161/2/h - As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou
com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos – pode o órgão

108
obedecer ao quórum de constituição, mas não significa que o quórum deliberativo
esteja preenchido, o que causa a consequência de nulidade – art.29/2 e 3. Ainda,
o tumulto tem de ser algo que se relacione com a inoperatividade do órgão, tem
de ser de tal forma grave que condicione o órgão na sua liberdade e autónomia.
§ Art.161/2/i - Os atos que ofendam os casos julgados.
§ Art.161/2/j - Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes à no
fundo, é um vício que se relaciona com os atos declarativos. E, em princípio, esta
alínea abrange também os atos de verificação constitutiva, aqueles atos
administrativos que se esgotam numa verificação, enquanto a verificação dos seus
pressupostos de outros atos administrativos apenas valem para aquele ato e não se
esgotam apenas numa única verificação.

Neste sentido, numa verificação constitutiva, enquanto ato certificativo, deve ter-se por
elemento essencial a veracidade dos factos certificados, sendo a falsidade equiparável à
carência absoluta de objeto ou de conteúdo.

§ Art.161/2/k – os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei à


aqui está em causa o princípio da legalidade tributária, sendo que a falta de base
legal de obrigação pecuniária tem como consequência a nulidade.
§ Art.161/2/l - Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição
total do procedimento legalmente exigido. à exemplo: a lei para determinados
contratos e a partir de determinados valores, exige abertura de procedimento
concursal para a escolha do contratante. Se a administração recorrer ao ajuste
direto, ignorando a exigência de procedimento, há nulidade do ato de
adjudicação.
Ø Vícios relativos ao sujeito: usurpação de poder, falta de atribuições,
incompetência e falta de legitimação.

São nulos os atos praticados com usurpação de poder ou fora das atribuições (artigo
161.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPA) – qualificação que valerá também para os atos
praticados por órgão territorialmente incompetente na administração descentralizada, mas
na opinião do Professor também se deve referir a administração desconcentrada.

São nulos também os atos com faltas graves de legitimação (falta de convocatória do
órgão colegial ou falta de reunião, falta absoluta de investidura do titular) – devendo a
tumultuosidade ou a falta de quórum (artigo 161.º, n.º 2, alínea h) do CPA) ser

109
interpretadas, nos casos concretos, em função da sua gravidade (o tumulto terá de ser
violento e, quanto ao quórum, há-de ter-se em conta o disposto no artigo 29.º, n.ºs 2 e 3).

São ainda nulos os atos praticados sob coação absoluta (física) ou coação moral
(artigo 161.º, n.º 2, alínea f) do CPA), mas justifica-se uma “redução teleológica” da
coação moral, que deve ser grave e evidente para gerar a nulidade.

Os restantes vícios da vontade (dolo, negligência) não relevam, em regra, diretamente


(autonomamente) como vícios do sujeito – relevam indiretamente como vícios de fim ou
de conteúdo, designadamente como indícios ou manifestações de uso incorreto do poder
discricionário.

Ø Vícios relativos ao objeto: impossibilidade, indeterminação, falta de idoneidade


e falta de legitimação. Serão nulos, em princípio, os atos cujo objeto seja
impossível (física ou juridicamente) ou indeterminado (v. o artigo 161.º, n.º 2,
alínea c)). São anuláveis, em regra, os atos nas situações de falta de idoneidade ou
de falta de legitimação do objeto.

Ø Vícios relativos à estatuição:


§ vícios formais:
I. Os vícios de procedimento, que resultam da falta de trâmites processuais,
provocam, em geral, a anulabilidade, mas, em alguns casos, geram a
nulidade (violação de direitos fundamentais procedimentais,
designadamente em atos sancionatórios, ou preterição total do
procedimento legalmente exigido – artigo 161.º, n.º 2, alíneas d) e l)), ou
constituir meras irregularidades – estes vícios não devem ser confundidos
com os vícios que ocorram nos atos do procedimento, por exemplo,
pareceres ou provas ilegais, que podem influir na decisão e projetar-se
nela, determinando, então, vícios de conteúdo.
II. Os vícios de forma, que consistem no incumprimento do modo de
exteriorização do ato, incluindo a falta ou insuficiência da fundamentação
obrigatória, geram, em regra, a anulabilidade do ato, podendo, no entanto,
provocar a nulidade nos casos mais graves, quando se verifique uma
«carência absoluta de forma legal» (artigo 161.º, n.º 2, alínea g)), ou
constituir meras irregularidades, quando estejamos perante aspetos

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formais menores, que devam qualificar-se, em si, como formas «não-
essenciais».

§ Vícios substanciais
I. Os vícios de fim têm relevo autónomo apenas no domínio vinculado,
quando falte o pressuposto abstrato (falta de base legal) ou o pressuposto
de facto (a situação concreta invocada não existe - «erro de facto» - ou não
é subsumível na hipótese legal - «erro de qualificação dos factos» ou «erro
de direito quanto aos factos»).
Aqui, então opera uma distinção entre vícios no domínio discricionário e vícios no
domínio vinculado.
Em alguns casos, a falta de base legal gera nulidade, devido ao princípio da tipicidade
dos atos administrativos, sendo que faz parte da facti species esta base legal, como nos
procedimentos sancionatórios.
Exemplo: é invocado um terramoto e na verdade o que aconteceu foi apenas uma cheia
– falta de pressuposto de facto, havendo um erro de facto; quando a lei prevê
determinado regime quando aconteça um terramoto e esse regime é aplicado a uma cheia
então falta o pressuposto abstrato para a suposta cheia.
Note-se, porém, que a fundamentação errada é irrelevante, quando, apesar do erro, os
pressupostos legais se verifiquem na realidade. Por isso, quando há um engano na
qualificação de facto dada pelo órgão, mas por acaso na realidade ocorreram aqueles
pressupostos, o que importa é que objetivamente ocorram pressupostos concretos que se
subsumam aos pressupostos abstratos.
Os vícios da discricionariedade refletem-se sempre no conteúdo do ato. No domínio
discricionário, quer se trate de espaço de avaliação relativo à própria hipótese legal, quer
se trate de uma prerrogativa de decisão ou de um poder de escolha conferido na estatuição,
os vícios relativos aos pressupostos projetam-se sempre na escolha do conteúdo (por
exemplo, nos casos tradicionais de «desvio de poder»). Normalmente, os vícios relativos
aos pressupostos conduzem à anulabilidade, mas podem provocar nulidades em
circunstâncias que tornem a ilegalidade especialmente grave – quando a falta de base
legal se equipara à falta de atribuições (por exemplo, quando o fim prosseguido pelo ato
seja um interesse privado ilícito, ou em caso de falta de lei habilitante em matéria de
imposição tributária – artigo 161.º, n.º 2, alíneas e) e k)).

111
II. Os vícios de conteúdo incluem, quer os defeitos que afetam diretamente
o conteúdo, quer as incorreções relativas aos motivos que estiveram na
base da decisão discricionária (sendo então, em rigor, vícios na relação
fim-conteúdo).
Em geral, o conteúdo viciado conduz à anulabilidade do ato, mas também aqui se
verificam alguns casos de nulidade: a impossibilidade, a incompreensibilidade e a
ilicitude grave do conteúdo, designadamente nos casos em que constitua ou seja
determinado pela prática de um crime ou ofenda o conteúdo essencial de um direito
fundamental, bem como, nos casos de ato administrativo certificativo, a sua falsidade
(artigo 161.º, n.º 2, alíneas c), d) e j)).
Os vícios no uso de poderes discricionários – que se verificam quando os motivos
invocados pelo autor do ato para tomar a decisão se comprovam inexistentes, deficientes,
falsos, desviados, errados, irrelevantes (assenta a sua decisão em motivos que não são
relevantes para a decisão), contraditórios, incongruentes ou ilegítimos – são vícios na
relação fim-conteúdo (vícios funcionais da decisão), normalmente associados à violação
de princípios jurídicos (imparcialidade, justiça, igualdade, proporcionalidade,
racionalidade, veracidade, boa fé) que provocam, na generalidade dos casos, a
anulabilidade do ato.

112
RECLAMAÇÕES E RECURSOS ADMINISTRATIVOS

As impugnações administrativas desempenham um papel potencialmente relevante na


fiscalização da legalidade e também da oportunidade administrativa (mérito), bem como
na garantia dos direitos e interesses dos particulares – que dispõem da possibilidade de
fazer o autor refletir sobre a decisão tomada ou de convocar, para uma eventual revisão
do ato, um órgão superior, supostamente mais habilitado ou de vistas mais largas. Do
mesmo modo, o particular pode atualmente apelar para o autor do ato ou para o órgão
superior, reagindo contra a omissão ilegal de atos administrativos, solicitando a sua
prática (artigo 184.º do CPA).
Aqui, prevê-se um autocontrolo administrativo e qualquer ato administrativo é passível
de reclamações ou recursos.

§ Reclamação
O particular pode expressar o seu ponto de vista sobre um projeto de ato da administração.
à Através da reclamação, os interessados (186.º) solicitam uma revisão da primeira
decisão ao órgão autor do ato, em princípio no prazo de 15 dias (artigo 191.º) ou, em
caso de omissão ilegal, no prazo de um ano (artigo 187.º).
A vantagem prática da reclamação é que suspende o prazo de impugnação judicial,
embora não impeça o reclamante de propor a ação respetiva e de requerer providências
cautelares (artigo 59.º, n.ºs 4 e 5 do CPTA, bem como os n.ºs 3 e 4 do artigo 190.º do
CPA). Neste sentido, a reclamação não suspende a eficácia do ato, a não ser quando
seja uma reclamação necessária ou então quando o autor do ato, oficiosamente ou a
pedido dos interessados, considere que a execução imediata causa ao destinatário
prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação e a suspensão não cause prejuízo de maior
gravidade ao interesse público - artigo 189.º, n.º 2, do CPA.
A reclamação é, em regra, facultativa, mas pode ser necessária, quando, por
determinação legal expressa ou inequívoca, seja pressuposto da impugnação judicial ou
condenação à prática do ato (artigo 185.º, n.ºs 1 e 2). Assim, quando é necessária, será
obrigatório haver uma reclamação pelo interessado para que “se abram as portas do
tribunal”.
Na reclamação pode solicitar-se a declaração de nulidade, a anulação do ato ou a respetiva
convalidação, se o ato for considerado ilegal, ou a sua suspensão, revogação, modificação
ou substituição, por razões de oportunidade ou conveniência (artigo 185.º, n.º 3).

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§ Recursos hierárquicos

Salvo disposição legal em contrário, podem ser objeto de recurso hierárquico todos os
atos administrativos praticados por órgãos subalternos, isto é, sujeitos a poderes de
hierarquia de outros órgãos. Os interessados podem agora também por esse meio
reagir contra a omissão ilegal de atos administrativos por um órgão subalterno
(artigo 193.º do CPA).

O interessado solicita ao superior hierárquico do órgão autor a revisão do ato – que, como
no caso da reclamação, pode consistir na respetiva declaração de nulidade, anulação
ou convalidação, se o ato for considerado ilegal (ou mera confirmação, no caso
contrário). à O superior poderá suspender, revogar, modificar ou substituir o ato,
por razões de oportunidade ou conveniência, ainda que em sentido desfavorável ao
recorrente, mas só quando disponha de poderes dispositivos (e não de mera fiscalização),
por não se tratar de uma competência exclusiva do subalterno (artigo 197.º, n.º 1).

O recurso hierárquico é, em regra, facultativo, mas pode ser necessário, quando, por
determinação legal expressa, seja pressuposto da impugnação judicial ou da condenação
à prática do ato (artigo 185.º, n.ºs 1 e 2).

O recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do ato até à respetiva decisão


ou o esgotamento do prazo para decidir (189.º, n.º 1 do CPA), data em que começará
igualmente a correr o prazo de impugnação judicial. Mas, o recurso hierárquico
facultativo não suspende automaticamente a eficácia do ato, a não ser que o autor ou
o superior, ponderando o interesse público e os interesses do destinatário, determine a
suspensão. No entanto, suspende (mas não interrompe) o prazo de impugnação judicial
ou para pedir a condenação à prática de ato, embora não impeça o recorrente de propor
no tribunal a ação respetiva (artigos 189.º e 190.º do CPA e artigo 59.º, n.ºs 4 e 5 do
CPTA).

A decisão do superior expressa pode ser de confirmação ou de revisão, anulando ou


então revogando, modificando, substituindo ou praticando o ato, conforme os seus
poderes (e sem sujeição ao pedido, eventualmente em sentido desfavorável ao recorrente),
nos termos do artigo 197.º – não sendo necessária a audiência prévia (a não ser em
algumas situações de modificação ou substituição). A eventual falta de decisão dentro
do prazo, bem como a confirmação do ato não constituem atos de indeferimento, mas

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um facto ou um ato jurídico que desencadeia a eficácia do ato recorrido, bem com o início
da contagem do prazo para a respetiva impugnação judicial, ou, em caso de omissão, para
o pedido de condenação à prática de ato devido (artigo 198.º, n.º 4 do CPA)

§ Recursos administrativos especiais

É o caso dos recursos delegatórios e os recursos tutelares.

Nos recursos especiais delegatórios há recurso para outro órgão da mesma pessoa
coletiva, mas quando não haja hierarquia, incluindo o recurso de atos do órgão delegado
para o delegante ou de decisão de membro, comissão, secção ou de segmento de órgão
colegial para o plenário (mesmo que a lei refira a impugnação como “reclamação”.

Nos recursos tutelares recorre-se para o órgão de outra pessoa coletiva, com poderes de
superintendência ou de tutela.

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