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Processo Civil Declarativo

D) Tramitação da Acção Declarativa Comum

Perante o CPC de 2013, pode dizer-se que foi enfatizada a ideia de que
a acção declarativa comum se desenrola em torno de duas audiências: a
audiência prévia (art. 591º) e a audiência final (art. 604º). Até à audiên-
cia prévia, as partes trocam as peças escritas que expressam as respecti-
vas pretensões. Depois da audiência final, o juiz profere a sentença que
resolve o litígio em 1ª instância.
Em termos sequenciais, pode dizer-se que a nova acção declarativa se
estrutura em três fases ou etapas: a fase inicial, a fase intermédia e a fase
final.
A fase inicial, correspondendo à introdução do litígio em juízo, é aquela
em que as partes apresentam os respectivos articulados, servindo primor-
dialmente para o autor formular a sua pretensão e para o réu se defender.
A fase intermédia do processo apresenta três vertentes essenciais.
Por um lado, é a altura adequada para a verificação da regularidade da
instância. Por outro, pode aí ser proferida decisão que ponha termo ao
processo, seja por razões formais (absolvição da instância), seja por ra-
zões substanciais (procedência ou improcedência da acção). Além disso,
quando o processo não deva terminar aí, esta fase destina-se a preparar a
tramitação subsequente.
Dada a multiplicidade de vertentes da fase intermédia do processo,
a mesma contempla o despacho pré-saneador (art. 590º 2), a audiência
prévia (art. 591º), o despacho saneador (art. 595º), o despacho a identi-
ficar o objecto do litígio e os temas da prova (art. 596º) e ainda o des-

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pacho a programar a audiência final e a designar as respectivas datas [art.


593º 1.d)].
A fase final do processo desdobra-se em dois momentos: a audiência
final e a sentença. Na audiência final, têm lugar os actos de produção de
prova e as alegações orais dos advogados das partes (art. 604º)319. Finda a
audiência, o processo é feito concluso ao juiz para a prolação da sentença
(art. 607º).

1. Fase inicial
A fase inicial da acção declarativa comum corresponde ao período intro-
dutório do pleito, sendo aqui que as partes apresentam os respectivos
articulados, ou seja, as peças escritas em que formulam as suas preten-
sões e expõem os respectivos argumentos perante o tribunal320, assim
definindo e delimitando os termos do litígio.

1.1. Articulados
1.1.1. Noção e espécies dos articulados
Nos termos do disposto nº 1 do art. 147º, “os articulados são as peças em que
as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos cor-
respondentes”.
Em função das condições da sua apresentação, do seu possível con-
teúdo e da função que desempenham, há diferentes espécies de arti-
culados.
Temos os articulados normais, que são as duas primeiras peças escritas
e que podem surgir em todas as acções: a petição inicial (arts. 552º e ss.),
apresentada pelo autor, marcando o início da acção, e a contestação (arts.
569º e ss.), na qual o réu aduz a sua defesa321.

319
Embora, por princípio, os actos de produção de prova tenham lugar na audiência final,
bem pode suceder que tais actos decorram antes e fora da audiência final, como acontece,
por exemplo, nos casos de produção antecipada de prova (art. 419º) e com a prova pericial
(arts. 467º e ss.). Por outro lado, o depoimento de parte pode ser prestado na audiência pré-
via (art. 456º 3). Também há casos em que o depoimento testemunhal não é prestado na
audiência final (art. 500º).
320
É a fase da “apresentação” do litígio ao tribunal, como lhe chamou José Alberto dos
Reis (CPC Anotado, Vol. II, p. 330).
321
A contestação pode servir também para o réu deduzir reconvenção, como se verá adiante
(art. 583º).

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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Podemos ter um terceiro articulado, a apresentar pelo autor, que é


um articulado eventual, pois não depende da simples vontade do autor a
sua utilização. Com efeito, a réplica, assim se designa este articulado (art.
584º), apenas pode surgir se, na contestação, o réu tiver formulado um
pedido reconvencional ou então tratando-se de uma acção de simples
apreciação negativa322.
Pode haver articulados supervenientes, destinados a permitir trazer ao
processo factos que tenham ocorrido depois da apresentação dos arti-
culados acima referidos, ou de que as partes só tenham tomado conhe-
cimento após aquela apresentação (arts. 588º e 589º). Por via disso, será
possível a sentença considerar esses factos objectiva ou subjectivamente
supervenientes, de modo a que a decisão final da acção corresponda à
situação existente no momento do encerramento da discussão (art.
611º)323.
Finalmente, podem ser apresentados articulados de aperfeiçoamento,
os quais têm na sua origem um convite feito pelo juiz da causa, quando
entenda que há insuficiências ou imprecisões na exposição ou concre-
tização da matéria de facto alegada. A função destes articulados é a de
completar ou corrigir os espontaneamente apresentados [art. 590º 2.b)
e 4].

1.1.2. Forma articulada


As peças escritas apresentadas pelas partes designam-se por articulados
porque a exposição (narração) dos seus argumentos de facto deve ser
feita por artigos, isto é, por proposições numeradas (art. 147º 2)324.
A forma articulada encontra justificação histórica na concisão e sinte-
tização que, por princípio, permite na exposição dos fundamentos invo-
cados pelas partes. Na verdade, é suposto que, apresentando os funda-
mentos separadamente (através das tais proposições numeradas), a parte
consiga ser bem mais sintética e concisa e também, por via disso, mais
exacta e clara, o que, seguramente, só lhe traz vantagens. Além disso,

322
Antes do CPC de 2013, podia haver um outro articulado eventual, a tréplica, a usar pelo
réu em determinadas condições (art. 503º do CPC de 1961).
323
O encerramento da discussão corresponde ao momento em que findam as alegações orais
dos advogados das partes na audiência final, nos termos da alínea e) do nº 3 do art. 604º.
324
Sem prejuízo dos casos em que a lei dispense tal, a forma articulada é obrigatória sempre
que as partes tenham constituído mandatário, como resulta do próprio preceito.

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constitui igualmente um benefício para a parte contrária e para o juiz da


causa. A alternativa a esta obrigatoriedade, seria permitir que a alegação
dos fundamentos da acção e da defesa assumisse a via redaccional, arra-
zoada ou contínua, o que, por certo, não contribuiria para a objectividade
e a sobriedade que devem caracterizar os articulados.

1.1.3. Indicação dos meios de prova nos articulados


Uma das inovações do CPC de 2013 traduz-se na obrigatoriedade de
as partes indicarem os respectivos meios de prova logo na petição ini-
cial e na contestação. Tradicionalmente, nas acções declarativas cíveis,
quer na forma comum ordinária, quer na forma comum sumária, havia
um momento processual tido como o adequado para a indicação dos
meios de prova, embora as partes não estivessem impedidas de apre-
sentarem os respectivos requerimentos probatórias com a petição ou a
contestação325,326.
Agora, o autor deve fazer constar da petição inicial o seu requeri-
mento probatório, sendo admitido a alterar tal requerimento no caso de
o réu contestar, podendo fazê-lo na réplica, se esta existir, ou no prazo de
10 dias a contar da notificação da contestação (art. 552º 2).
Por sua vez, o réu deverá incluir na contestação o respectivo requeri-
mento de prova, sendo que, tendo deduzido reconvenção e tendo o autor
apresentado réplica, pode ainda o réu alterar aquele requerimento pro-
batório, em 10 dias a contar da notificação da réplica [art. 572º d)]327.

1.1.4. Modo de apresentação a juízo dos articulados


Outra novidade do CPC de 2013 tem que ver com o modo de apresenta-
ção das peças escritas em juízo, passando a funcionar como regra aquilo
que era apenas uma faculdade.

325
Nos últimos anos, após a Reforma de 1995/96, esse momento era o da realização da au-
diência preliminar [art. 508º-A 2.a) do CPC de 1961] ou, não havendo lugar a essa audiência,
após notificação para o efeito (art. 512º do CPC de 1961).
326
Já na acção comum sumaríssima, que tinha uma estrutura mais simples, os requerimentos
de prova deviam constar logo da petição inicial e da contestação (arts. 793º e 794º do CPC
de 1961).
327
Como veremos mais adiante, a lei regula casos em que, numa fase mais adiantada da lide,
as partes podem alterar os requerimentos probatórios inicialmente apresentados (art. 598º
1) e podem aditar ou alterar o rol de testemunhas (art. 598º 2).

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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Assim, nos termos do nº 1 do art. 144º, quando as partes estejam patro-


cinadas por mandatário, a apresentação de peças escritas nos autos passa a
ser feita obrigatoriamente por transmissão electrónica de dados, valendo
como data da prática do acto a da respectiva expedição328, com dispensa
do envio do original da peça processual e dos respectivos documentos
(art. 144º 2), cabendo à secretaria providenciar pela extracção dos exem-
plares necessários quando haja necessidade de duplicados ou cópias, no-
meadamente para efeitos de citação ou notificação (art. 144º 6)329.
O nº 7 do art. 144º regula o uso de outras formas de apresentação de
peças escritas nos autos, seja a entrega na secretaria, seja a remessa por
correio registado, seja ainda o envio por telecópia, mas estas formas ape-
nas são admitidas nos casos em que, por tal não ser obrigatório, as partes
não estejam patrocinadas por mandatário.
O nº 8 do art. 144º abre uma excepção ao dever de transmissão elec-
trónica de dados previsto no nº 1, admitindo que, embora patrocinada
por mandatário, a parte faça uso dos meios alternativos indicados no
nº 7, quando haja justo impedimento para o uso de meios electrónicos330.

1.2. Petição inicial


A petição inicial é o articulado que o autor utiliza para formular a sua
pretensão de tutela jurisdicional e alegar os respectivos fundamentos de
facto e de direito. Esta peça desempenha uma função de capital impor-
tância já que, como sabemos, nenhum processo se inicia sem o prévio
impulso de uma das partes. Poderemos, portanto, afirmar que a petição
inicial é o articulado mais importante, a base de todo o processo. Sem a
petição, o processo não chega, sequer, a existir. É a entrada da petição
inicial em juízo que determina o momento do início da instância (nº 1
do art. 259º), sendo também esse acto que impede a caducidade rela-
tivamente aos direitos cujo exercício implique a via judicial (art. 333º 1
do CC).

328
Nos termos da alínea a) do artigo 13º da Portaria nº 280/2013, de 26.8, a data e a hora de
expedição são certificadas pelo sistema informático de suporte à actividade dos tribunais.
329
Como se vê, o art. 144º alude diversas vezes ao art. 132º e à Portaria prevista no nº 1 deste
preceito: trata-se da Portaria nº 280/2013, de 26.8, que regula a tramitação electrónica dos
processos judiciais.
330
Note-se que o art. 144º não se reporta apenas aos articulados, mas todas as peças escritas
apresentadas pelas partes em juízo.

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1.2.1. Estrutura e conteúdo da petição inicial


Quanto a esta matéria, rege o art. 552º, ao estabelecer os requisitos a
obser var na elaboração da petição inicial. Em termos esquemáticos,
podemos dizer que a petição inicial se estrutura em quatro partes fun-
damentais: o endereço, o intróito, a narração e a conclusão.

O endereço contém a designação do tribunal e do juízo onde a acção é


proposta [primeira parte da alínea a) do nº 1 do art. 552º]. Esta designa-
ção supõe, é claro, a prévia determinação do foro competente para apre-
ciar o pleito.

No intróito, deve o autor identificar as partes, indicando os seus nomes,


domicílios ou sedes, e, sendo possível, números de identificação civil e
de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho [segunda parte da
alínea a) do nº 1 do art. 552º]. Neste contexto, é importante atentar no
estado civil das partes, o que tem relevância, nomeadamente, para as
acções a que se refere o art. 34º. Por outro lado, se alguma das partes for
solteira, há interesse em determinar se é ou não maior, pois, não sendo,
podem levantar-se problemas ao nível da sua capacidade judiciária331.
Outra indicação a constar do intróito diz respeito à forma do processo,
devendo o autor indicar se a acção é comum ou especial [alínea c) do
nº 1 do art. 552º].

A narração constitui a parte nuclear ou substancial da petição inicial.


Nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 552º o autor, na petição, deve
“expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que
servem de fundamento à acção”.
No que respeita à exposição de factos, esta previsão tem conexão com
o art. 5º, que versa sobre o ónus de alegação das partes e os poderes de
cognição do tribunal. De acordo com o nº 1 do art. 5º, cabe às partes ale-
gar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que
se baseiam as excepções.
Assim, relativamente ao autor, é na petição inicial que este deve dar
cumprimento ao ónus de alegar os factos essenciais que constituem a
causa de pedir, isto é, todos aqueles de cuja verificação depende a procedência da

331
Cfr., a propósito, o Ac. do TRP de 14.4.1989 (CJ, 1989, II-226).

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pretensão deduzida. É na causa de pedir, melhor dito, nos factos que a cons-
tituem que o autor estriba ou sustenta o pedido formulado. Tais factos, na
expressão de Lebre de Freitas, são “todos aqueles que integram a previsão da
norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido”332,333.
A causa de pedir tem, pois, um substrato fáctico cuja alegação com-
pete ao autor, de modo a fundamentar a sua pretensão. É muito por isso
que usa falar-se em narração: o autor deverá expor (narrar) o quadro fac-
tual atinente ao tipo legal de que pretende prevalecer-se na acção instau-
rada. Tal narração fáctica envolverá a alegação e a descrição, por exemplo,
dos concretos factos relativos à celebração do negócio de compra e venda
de um bem por via do qual o autor ficou credor do preço sobre o réu334,
os factos relativos à ocorrência de um acidente de viação e respectivas
consequências e à responsabilidade civil daí decorrente, os factos rela-
tivos à celebração de um contrato de arrendamento e à conduta do réu

332
Cfr. Lebre de Freitas (Introdução…, p. 71).
333
Com uma visão diferente sobre o recorte fáctico da causa de pedir, sustentando que esta
é constituída (apenas) pelos factos que “realizam uma função constitutiva do direito invocado
pelo autor”, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 70). Tal visão, elaborada em face do
art. 264º do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, tinha por base a aparente repartição
dos factos em três categorias: essenciais; complementares; instrumentais. No mesmo passo,
porém, este autor aludia ao conceito de factos principais, como englobando os ditos essenciais
e complementares, mantendo que só os essenciais (por integrarem o núcleo essencial da si-
tuação jurídica invocada) integravam a causa de pedir: cfr. Teixeira de Sousa (Estudos so-
bre o novo..., ps. 70-72). Conforme assinala Lebre de Freitas (Sobre o novo...., p. 36, nota de
rodapé nº 19), tempos houve, antes da reforma de Reforma de 1995/96, em que Teixeira
de Sousa (As partes…, ps. 123) defendia o seguinte: “A causa de pedir é composta pelos factos cons-
titutivos da situação jurídica invocada pela parte, isto é, pelos factos essenciais à procedência do pedido.
São essenciais aqueles factos sem cuja verificação o pedido não pode ser julgado procedente”. Mais re-
centemente, já em face do CPC de 2013, Teixeira de Sousa (Algumas questões…, p. 396),
por referência aos nºs 1 e 2 do art. 5º, sustenta que “a causa de pedir não é constituída por todos
os factos de que pode depender a procedência da acção, mas apenas por aqueles que são necessários para
individualizar a pretensão material alegada pelo autor”. Para além de não nos revermos nesta tese,
como resulta do acima exposto, importa salientar que, neste ponto, o CPC de 2013 em nada
inovou, isto é, aquilo que antes se devia entender por causa de pedir continua a dever enten-
der-se agora. O mesmo é dizer que os factos essenciais a que alude o art. 5º 1 e o art. 552º 1.d)
são todos aqueles de que depende a procedência da acção.
334
Note-se que esta alegação do autor não tem de aludir à circunstância de o mesmo não
se encontrar pago, pois tal circunstância não é constitutiva do direito. Ao invés, o eventual
pagamento, dada a sua natureza extintiva (art. 342º 2 do CC), deverá ser alegado pelo réu.
A este propósito, cfr. o Ac. do TRC de 29.5.2012 (processo nº 160074/11.0YIPRT.C1), dispo-
nível em www.dgsi.pt.

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PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

violadora dos seus deveres de inquilino, os factos relativos à celebração


de um contrato promessa de compra e venda e à falta de cumprimento
do promitente vendedor, os factos relativos à posse de determinado bem
imóvel pelo autor e ao seu esbulho pelo réu, os factos relativos à invali-
dade formal de certo negócio335,336.
Será por via desses factos, isto é, pela demonstração desses factos em
juízo, que o autor poderá vir a alcançar a tutela jurisdicional desejada.
É da correspondência entre o quadro factual assim apurado nos autos e o
quadro fáctico previsto numa ou mais normas substantivas que resultará
o reconhecimento do direito invocado. Isso ocorrerá na sentença, fixando
esta em concreto os efeitos inerentes a tal reconhecimento, nos limites
do peticionado.

Recordando o que ficou dito a propósito do princípio dispositivo, im-


porta destacar que a conjugação da alínea d) do nº 1 do art. 552º com os
nºs 1 e 2.a) do art. 5º revela não haver qualquer ónus de alegação quanto
a factos instrumentais, isto é, factos que, não integrando a previsão norma-
tiva, apenas permitem a prova indiciária dos factos essenciais. Não ha-
vendo ónus de alegação, não é, pois, expectável (menos ainda exigível,
obviamente) que o autor alegue factos desta natureza na petição inicial.
Se a função desses factos é meramente probatória dos factos essenciais
(esses, sim, sujeitos ao ónus de alegação), o seu significado reporta-se
à vertente instrutória (probatória) da causa. Por isso mesmo, e assegu-
rando também que não há qualquer preclusão relativamente a factos
instrumentais, a alínea a) do nº 2 do art. 5º estabelece que o juiz deverá
considerar (e considerar ex officio) os factos instrumentais que resultem
da instrução da causa337,317.

335
A este propósito, fala-se na teoria da substanciação, na medida em que é suposto haver
uma indicação específica ou concreta dos factos constitutivos do direito feito valer. É este o
sentido do nº 4 do art. 581º. Como refere Lebre de Freitas (Introdução…, p. 66), “A teoria da
substanciação está inequivocamente consagrada no nosso sistema processual”. Diferentemente, Tei-
xeira de Sousa (Algumas questões…, ps. 398-399) entende que “não se pode dizer que o direito
processual civil português se orienta (…) pela teoria da substanciação”, referindo que está consa-
grada uma concepção “correspondente à chamada teoria da individualização aperfeiçoada”.
336
Para maiores desenvolvimentos, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, ps. 41-44, e
Introdução…, ps. 64-72).
337
Como se verá adiante, esta consideração dos factos instrumentais será reflectida na sentença,
ao nível da motivação da convicção do julgamento da matéria de facto (nº 4 do art. 607º).

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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
.
338

Por outro lado, recordando igualmente o que se avançou acerca do


princípio dispositivo, a alínea b) do nº 2 do art. 5º mostra bem que não há
preclusão quanto a factos que, embora essenciais, sejam complementares
ou concretizadores de outros inicialmente alegados (isto é, factos que, em-
bora necessários para a procedência das pretensões, não têm uma função
individualizadora do tipo legal)339.
A coerência do regime legal em análise tem implicações muito claras,
sublinhadas já quando se tratou o princípio dispositivo. Nos casos em que
a narração fáctica vertida na petição não cumpra cabalmente o ónus que
sobre o autor impende, teremos o seguinte quadro: ou a alegação contida
na petição inicial é de tal modo deficiente que não permite identificar o
tipo legal, caso em que ocorrerá ineptidão, por falta de causa de pedir
[art. 186º 2.a)]; ou a alegação, embora deficiente, permite essa identifi-
cação, caso em que se imporá, na altura própria, a prolação de despacho
pré-saneador de convite ao aperfeiçoamento fáctico do articulado (art.
590º 4). No primeiro caso, dir-se-á que foi omitida a alegação de factos
essenciais nucleares, ou seja, factos que integram o núcleo primordial da causa
de pedir e desempenham função individualizadora dessa causa de pedir:
daí a ineptidão. No segundo caso, apesar de assegurada a individualização

338
O que acaba de ser dito vale para os factos instrumentais em geral, isto é, para aqueles que
têm a mera função indiciária dos factos essenciais. Já não será assim quanto aos factos que
servem de base a presunções legais (art. 350º do CC). A razão é a seguinte: uma vez de-
monstrados em juízo, tais factos conduzem directamente ao efeito jurídico previsto na lei,
efeito que se impõe ao próprio julgador. Deste modo, os factos que suportam presunções
legais deverão ser qualificados como factos essenciais, integrando a causa de pedir e sujeitos
ao inerente ónus de alegação (art. 5º 1), acrescendo, como se dirá a propósito da sentença,
que deverão ser submetidos a um juízo probatório específico (com inclusão, se provados, na
fundamentação de facto da sentença: art. 607º 3). Neste sentido, Abrantes Geraldes (Sen-
tença…, p. 13, nota de rodapé nº 17). Em sentido diverso, embora refira a necessidade da sua
alegação, Teixeira de Sousa (Algumas questões…, ps. 398 e 401) submete ao estrito regime
dos factos instrumentais os pressupostos de facto de presunções legais, dizendo que os mes-
mos “são substituíveis por quaisquer outros”. Tal entendimento não coincide, porém, com o ex-
presso noutro lugar: cfr. Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 73).
339
Em termos práticos, isto é, ao nível do quotidiano forense, a solução legal em análise (inti-
mamente conjugada com outros aspectos a tratar a seu tempo) é de molde a gerar a ex-
pectativa de que, alterando-se uma técnica muito enraizada (e com justificação histórica),
a petição inicial se torne uma peça menos extensa, menos prolixa, uma peça em que o au-
tor concentre a alegação em factos susceptíveis de preencher o tipo legal de que pretende
prevalecer-se, dispensando-se de uma alegação pormenorizada e atomística, uma alegação
pejada de referências laterais, circunstanciais ou meramente instrumentais.

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PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

da causa de pedir, foi omitida a alegação de factos essenciais complementares


ou concretizadores, isto é, factos sem os quais a acção não pode proceder340.

Como consta ainda da alínea d) do nº 1 do art. 552º, o autor deve indi-


car as razões de direito que servem de fundamento à acção, o que respeita
ao enquadramento jurídico da pretensão deduzida, de modo a justificar,
em face dos factos alegados, o pedido formulado na acção que instaura.
Sendo possível dizer que esta vertente, a da qualificação jurídica, não
é tão relevante como a vertente fáctica, até porque, como estabelece o
nº 3 do art. 5º, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no to-
cante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (la cour
sait le droit), nem por isso deixa de constituir um ónus a que o autor deve
dar satisfação, quanto mais não seja para assegurar que o tribunal, caso
venha a adoptar diferente enquadramento jurídico, não deixe de ouvir as
partes antes de decidir341.

A conclusão é a parte da petição destinada à formulação do pedido, o


qual expressa a concreta tutela jurisdicional pretendida pelo autor ao
propor a acção [alínea e) do nº 1 do art. 552º].

340
É tendo presente isto que deve ser tomado o nº 1 do art. 5º: o ónus de alegação respeita
aos factos essenciais, quer os nucleares, quer os complementares ou concretizadores. A fun-
ção da alínea b) do nº 2 do art. 5º é sinalizar apenas o seguinte: a falta de alegação de factos
(essenciais) que sejam complemento ou concretização dos factos (essenciais) alegados não
gera preclusão e deve ser resolvida por convite ao aperfeiçoamento (art. 590º 4). Nesta li-
nha, Lebre de Freitas (Sobre o novo...., p. 37), usando embora a expressão “factos princi-
pais” (em vez de “essenciais”), refere que “o sentido da lei continua a ser necessariamente o mesmo:
os factos instrumentais não têm de ser alegados, mas todos os factos principais, como condições que são
de procedência da ação (…) estão sujeitos a essa exigência”. Assim, não se afigura exacta a ilação de
Mariana França Gouveia (O princípio…, ps. 608 e 613), quando parece defender que, com
o art. 5º, se “elimina a qualificação dos factos complementares e concretizadores como essenciais”. Por
seu turno, Teixeira de Sousa (Algumas questões…, p. 397) sustenta que “Apesar de os factos
complementares não participarem da causa de pedir, isto não significa que o autor não tenha o ónus de
os alegar na petição inicial”. Ora, se o ónus de alegação referido no nº 1 do art. 5º não atinge os
factos complementares, já que, para este autor, não integram a causa de pedir, onde radica
então o ónus de alegação desses factos complementares? Não é, por certo, na alínea b) do
nº 2 do art. 5º, que exclui a preclusão de factos complementares (e concretizadores) não ale-
gados, mas não dispõe sobre o ónus de alegação desses factos.
341
Do que se trata é de garantir a observância do princípio do contraditório, na vertente do
direito à pronúncia prévia a qualquer decisão (aqui, de direito). Sobre este ponto, cfr. Lebre
de Freitas (A ação declarativa…, ps. 44-45).

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O pedido é também um elemento fundamental da petição inicial, na


medida em que é por ele que se estabelecem, desde logo, os limites da
sentença, no caso de a acção vir a ser julgada procedente (art. 609º 1).
Tenha-se em atenção que o pedido deve ser expressamente formulado na
conclusão, não bastando que apareça acidentalmente referido na narra-
ção da petição342. O pedido deduzido na conclusão da petição representa
o corolário lógico dos factos descritos na narração, os quais são precisa-
mente o fundamento do pedido343.
Recordando as hipóteses anteriormente colocadas, o autor pedirá a
condenação do réu no pagamento da quantia relativa ao preço em dívida,
pedirá a condenação da companhia de seguros no pagamento de certo
valor a título de indemnização, pedirá a resolução do contrato de arrenda-
mento e a consequente condenação do réu a abandonar o locado, pedirá
a execução específica do contrato promessa pela prolação de sentença
que produza os efeitos da declaração negocial do promitente vendedor,
pedirá a condenação do réu na restituição do imóvel, pedirá a declaração
de nulidade do negócio em causa e, se for o caso, a restituição do que
tenha prestado.

Além do que se referiu, a petição deve conter a indicação do valor da


causa [alínea f ) do nº 1 do art. 552º].

O valor da causa, que deve ser expresso em moeda legal, representa


a utilidade económica imediata do pedido, a ele se atendendo, além do
mais, para determinar a competência do tribunal e a relação da causa com
a alçada do tribunal (nºs 1 e 2 do art. 296º). Para fixar o valor da causa, há
diversos critérios, previstos nos arts. 297º e seguintes. Assim, entre ou-
tros critérios, quando pela acção se pretende obter uma quantia certa em
dinheiro, é esse o valor da causa (art. 297º 1); o valor da acção de despejo
é o da renda de dois anos e meio, acrescido das rendas em dívida ou do
valor da indemnização, consoante o que superior (art. 298º 1); a acção de
alimentos definitivos tem por valor o quíntuplo da anuidade correspon-
dente ao pedido (art. 298º 3); o valor da acção de reivindicação do direito

Neste sentido, Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 245, em nota de rodapé).


342

De resto, a contradição ente o pedido e a causa de pedir é fonte de ineptidão, nos termos
343

do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 186º.

157
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

de propriedade é o da coisa reivindicada (art. 302º 1); o valor de uma


acção de divórcio ou de uma acção de interdição é o correspondente ao
da alçada da Relação e mais € 0,01 (art. 303º 1).

A petição inicial deve conter a indicação do domicílio profissional do


mandatário judicial [alínea b) do nº 1 do art. 552º] e, quando for o caso,
deve conter da petição a designação do agente de execução que efectuará
a citação ou do mandatário judicial que a promoverá [alínea g) do nº 1 do
art. 552º]344.

Nos termos do nº 3 do art. 552º, o autor deve ainda juntar à petição


documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça ou da
concessão do benefício de apoio judiciário345.

1.2.2. Modalidades do pedido


A petição inicial pode expressar diversos tipos de pedidos. Assim, além
da hipótese de formulação de pedido único, podem ser formulados pe-
didos alternativos, pedidos subsidiários, pedidos cumulativos, pedidos
genéricos e pedidos de prestações vincendas.

Nos termos do nº 1 do art. 553º, o autor pode formular pedidos alterna-


tivos. Segundo José Alberto dos Reis, “o pedido alternativo contrapõe-se

344
A este propósito, cfr. os nºs 7 e 8 do art. 552º e ainda os arts. 225º 2. c), 225º 3, 231º, 237º
e 238º.
345
Nos termos das tabelas I a IV do Regulamento das Custas Processuais (DL nº 34/2008, de
26.2), existem determinadas quantias que devem ser pagas a título de taxa de justiça, sendo
certo que o pagamento dessa taxa é realizado, regra geral, numa única prestação e deverá
ser efectuado até ao momento da prática do acto processual a ele sujeito. Assim sendo, com
a petição inicial, o autor deverá apresentar comprovativo do pagamento da taxa de justiça
devida (nº 1 do art. 14º do RCP e art. 145º). É de notar que a lei prevê a possibilidade de as
partes requererem apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais
encargos com o processo (art. 16º da Lei nº 34/2004, de 29.7), devendo, neste caso, o autor
juntar à petição inicial documento comprovativo da concessão do benefício do apoio judi-
ciário ou da apresentação do respectivo pedido (nº 2 do art. 29º da Lei nº 34/2004, de 29.7).
Finalmente, acrescente-se que a não junção do documento comprovativo de pagamento da
taxa de justiça ou da concessão do benefício do apoio judiciário (ou, pelo menos, da apre-
sentação do respectivo pedido) determina, nos termos da alínea f ) do art. 558º, a recusa da
petição inicial pela secretaria.

158
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

ao pedido fixo. O pedido é fixo quando o autor pede unicamente determinada


prestação; é alternativo quando pede disjuntivamente uma de duas prestações: uma
ou outra”346.
Na base do pedido alternativo está uma obrigação alternativa, de tal
forma que o direito do autor fica satisfeito efectuando-se uma só das pres-
tações, podendo afirmar-se que estas são juridicamente equivalentes.
O referido art. 553º refere dois tipos de direitos alternativos: os que o
são originariamente ou por natureza, e os que, embora não o sejam ini-
cialmente, se podem resolver em alternativa.
A primeira espécie, prevista nos arts. 543º e seguintes do CC, é aquela
em que a obrigação nasce ou se constitui de modo alternativo.
Quanto aos direitos que se podem resolver em alternativa, respeitam
a casos em que o credor, perante o incumprimento por parte do devedor,
tem a faculdade de optar por uma das várias soluções que a lei lhe apre-
senta em alternativa. Assim acontece no caso de impossibilidade parcial
do cumprimento, prevista no art. 802º do CC, em que o credor tem a
faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento da parte que
for possível. O mesmo se passa no caso do art. 808º do CC, em que, apesar
de ultrapassado o “prazo razoável”, parece ser de admitir que o credor
possa, em alternativa, optar entre rescindir o contrato, nos termos do art.
801º do mesmo diploma, ou insistir ainda pelo cumprimento347.
A circunstância de haver direitos e obrigações que se apresentam
em alternativa implica, necessariamente, uma escolha, com vista a
determinar qual dos direitos se exerce ou qual das prestações há-de ser
efectuada. Competindo a escolha ao credor, ou este a faz antes de ins-
taurar a acção e apresenta já um pedido fixo, ou não faz tal escolha e for-
mula, então, um pedido alternativo348. Nesta última hipótese, caberá ao
réu escolher a prestação a efectuar349. Tal escolha tanto pode ser feita
na pendência da causa (e, se esta for procedente, a condenação será já
na prestação escolhida), como depois de finda a acção (neste caso, a

346
José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 126).
347
Neste sentido, Castro Mendes (Direito... 1987, Vol. II, p. 393).
348
Note-se que, em caso de pedidos alternativos, o valor da causa é o do pedido de maior
valor (primeira parte do nº 3 do art. 297º).
349
Cfr. os arts. 549º e 542º 2 do CC. Sobre este ponto, cfr. José Alberto dos Reis (Comentá-
rio ao CPC, Vol. III, p. 128).

159
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

procedência dela implica a condenação em alternativa). O mesmo re-


gime se verifica quando o direito de escolha pertença inicialmente ao
devedor 350,351,352.

O nº 1 do art. 554º admite a formulação de pedidos subsidiários, logo


esclarecendo que pedido subsidiário é o que se apresenta ao tribunal
para ser tomado em consideração apenas no caso de não proceder um
pedido anterior353.
Quando propõe a acção, o autor tem em vista um determinado objec-
tivo, que exara na petição. Porém, pode suceder que, em certas situações,
o autor tenha dúvidas acerca da admissibilidade ou sucesso da sua pre-
tensão. Nesse caso, em vez de correr o risco de a ver improceder, tendo
de instaurar nova acção em que deduza outra pretensão, o demandante
pode logo deduzir na petição inicial os dois pedidos. Mas, porque tem
preferência por um deles, formula-o em primeiro lugar, de maneira que é
esse pedido que o tribunal vai analisar e decidir, só se debruçando sobre
o pedido apresentado em segundo lugar (ou seja, subsidiariamente) se
concluir pela improcedência do primeiro354.
Repare-se que há certos pontos de contacto entre os pedidos subsi-
diários e os alternativos, pois que em ambos se formulam várias preten-
sões, para ser atendida apenas uma. As diferenças são, porém, nítidas.
Enquanto, no caso da alternatividade, as pretensões se equivalem juridi-
camente, no caso da subsidiariedade, há uma graduação das pretensões
do autor. Na verdade, quando há pedidos subsidiários, a pretensão que o
autor quer ver realmente satisfeita é a que ele formula em primeiro lugar,
isto é, o seu pedido primário. Admitindo, contudo, que esse pedido possa

350
O art. 543º 2 do CC atribui o direito de escolha ao devedor, salvo disposição em contrário.
351
Sempre que a condenação seja em alternativa, a respectiva execução de sentença obser-
vará o disposto no arts. 626º 2, 550º. 3.a) e 714º.
352
Para a hipótese de o autor formular um pedido fixo quando o direito de escolha pertença
ao devedor, cfr. o nº 2 do art. 553º.
353
Para determinar o valor da acção, quando há pedidos subsidiários, atende-se apenas ao
valor do pedido apresentado em primeiro lugar (segunda parte do nº 3 do art. 297º).
354
Uma vantagem da dedução de pedidos subsidiários é a de não deixar precludir o direito
de se propor determinada acção sujeita a prazo. Neste sentido, Luso Soares (Direito…,
p. 261).

160
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

não proceder, deduz, então, outro pedido, o secundário, que, ao menos,


possa vir a ser procedente355.
Quanto aos requisitos para a formulação de pedidos subsidiários, o
nº 2 do art. 554º remete para as circunstâncias que impedem a coligação
de autores e de réus (art. 37º).

A figura dos pedidos cumulativos é regulada no art. 555º, aí se dizendo


que o autor pode, num só processo, deduzir cumulativamente vários
pedidos contra o mesmo réu356. Tal como acontece com as figuras ante-
riores, também aqui se assiste a uma pluralidade ou multiplicidade de
pretensões por parte do autor. Naquelas, porém, o autor visa obter ape-
nas uma das pretensões. Na cumulação de pedidos, o autor quer obter ao
mesmo tempo (e no mesmo processo) todas as pretensões formuladas.
A cumulação de pedidos tanto pode respeitar a relações jurídicas dife-
rentes, como à mesma. No primeiro caso, os pedidos cumulados são autó-
nomos; no segundo, os pedidos são principais e acessórios357. O que re-
leva é a circunstância de o autor pretender alcançar, simultaneamente,
vários efeitos jurídicos358.

355
Admitamos que dois indivíduos celebram um contrato-promessa de compra e venda de
um imóvel, tendo o promitente-comprador prestado sinal. Se o promitente-vendedor faltar
ao cumprimento da sua obrigação, o outro tem a faculdade de exigir a restituição do sinal
em dobro (cfr. o art. 442º do CC) ou de requerer a execução específica do contrato (cfr. o
art. 830º do CC). Se o promitente-comprador preferir a execução específica do contrato irá
formular pedido nesse sentido. Mas como há situações em que a execução específica acaba
por não ser possível, o autor, ao formular aquele pedido – e admitindo a eventualidade de o
mesmo não proceder –, pede, a título subsidiário, a restituição do sinal em dobro, na suposi-
ção de que este segundo pedido, se vier a ser considerado, terá procedência.
356
A cumulação de pedidos é relevante para a determinação do valor da causa, de tal modo
que, nos termos do nº 2 do art. 297º, o valor da acção é a quantia correspondente à soma dos
valores de todos os pedidos. Ainda segundo o mesmo preceito, quando, como acessório do
pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem
na pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.
357
Assim sendo, tanto haverá cumulação de pedidos se o autor pedir a condenação do réu
no pagamento do preço de uma coisa vendida e na restituição de um objecto entregue
em comodato, como se pedir a restituição de uma quantia mutuada e os respectivos juros.
No primeiro caso, os pedidos emergem de relações jurídicas distintas; no segundo, os pedi-
dos respeitam à mesma situação jurídica, sendo um deles acessório do outro.
358
Neste sentido, Paulo Cunha (Processo…, Tomo I, ps. 209-212) e Luso Soares (Direito…,
p. 259).

161
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

A cumulação depende da compatibilidade entre os pedidos, da iden-


tidade da forma do processo correspondente a todos eles e da identidade
do juízo competente para deles conhecer (cjg. o art. 555º com o art. 37º).
Quanto ao primeiro requisito, de natureza substancial, é evidente que
não seria admissível que o autor pudesse, no mesmo processo, formular
pedidos que fossem incompatíveis entre si, isto é, pedidos cujos efeitos
jurídicos fossem contrários ou opostos359.
Ao lado deste requisito, a lei impõe ainda outros dois, já de nível
processual. De acordo com o primeiro, a cumulação não será admitida
se a todos os pedidos não corresponder a mesma forma de processo360.
Portanto, o que a lei pretende evitar é que a um dos pedidos corresponda
processo comum, e a outro processo especial, ou a um deles certo pro-
cesso especial e ao outro processo especial diferente361. Já se a todos os
pedidos corresponder a forma comum de processo está garantida, por
princípio, a hipótese de cumulação362. O segundo requisito processual
respeita à competência do tribunal, fixando-se que a cumulação é admi-
tida desde que o tribunal onde a acção é proposta tenha competência
absoluta para conhecer de todos os pedidos, quer dizer, é exigido que
o tribunal da causa tenha competência internacional, material e hierár-
quica, ainda que a não tenha em razão do valor ou do território.

Até aqui, temos vindo a supor que os pedidos formulados na petição


inicial são perfeitamente determinados no seu quantitativo e conteúdo.
Há, porém, algumas situações em que o autor, no momento da proposi-
tura da acção, não tem condições para indicar em concreto aquilo que
pretende ou quanto pretende. Nesse caso, é admitido a formular um

359
Note-se, porém, que esta incompatibilidade substancial dos pedidos só releva no âmbito
da cumulação. Tratando-se já de pedidos subsidiários o problema não se coloca, como re-
fere a primeira parte do nº 2 do art. 554º. É que, neste caso, os pedidos não se destinam a
ser considerados em simultâneo, pelo que a incompatibilidade é apenas latente. O mesmo
se diga quanto aos pedidos alternativos, na medida em que apenas uma das pretensões será
concretizada, sendo irrelevante ponderar sobre a eventual incompatibilidade.
360
Atente-se que, face ao disposto nos nºs 2 e 3 do art. 37º, é possível o juiz autorizar a
cumulação, apesar de aos pedidos corresponderem formas processuais diversas, o que supõe
uma valoração casuística.
361
Repare-se, porém, na possibilidade de cumulação de alimentos no processo de divórcio
ou de separação sem o consentimento do outro cônjuge prevista no nº 2 deste art. 555º.
362
Sobre este ponto, cfr. José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 157).

162
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

pedido cujo objecto é apresentado globalmente, sem fazer a discrimina-


ção dos seus elementos constitutivos.
Estamos perante os pedidos genéricos, regulados no art. 556º, preceito
que indica as hipóteses em que é admitida a sua formulação, na certeza
de que as mesmas correspondem a situações excepcionais, já que, em
regra, o pedido deve ser apresentado sob a forma específica363.
O primeiro caso em que é permitido ao autor formular um pedido
genérico surge quando a acção tenha por objecto mediato uma universa-
lidade, de facto ou de direito [art. 556º 1.a)]. Em vez de um pedido deter-
minado, em que mencione todos os elementos integradores da universa-
lidade, o autor limita-se a indicar a universalidade de facto ou de direito
a que pertencem tais elementos364. Note-se, porém, como alertou José
Alberto dos Reis365, que esta faculdade de mencionar apenas a uni-
versalidade, sem especificar os seus elementos, não significa que o autor
possa deixar de identificar correctamente a própria universalidade, sob
pena de ineptidão da petição inicial.
É também permitida a formulação de pedido genérico quando, no
momento da propositura da acção, não é ainda possível fixar de modo
definitivo as consequências do facto ilícito [art. 556º 1.b)]366. Assim acon-
tece quando o réu, pela prática de um facto ilícito, causa danos ao autor
e este pretende obter a respectiva indemnização, não lhe sendo ainda
possível determinar a extensão desses danos.

363
Neste sentido, José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 172) e Castro
Mendes (Direito... 1987, Vol. II, p. 405).
364
Assim, admitamos que o autor pretende a condenação do réu na entrega de uma biblio-
teca. Se o demandante não estiver em condições de indicar, com rigor e precisão, todos os
livros que integram essa biblioteca, pode apresentar o seu pedido em termos genéricos,
requerendo a condenação do réu a entregar essa universalidade (a biblioteca). O mesmo
sucederá a propósito de uma universalidade de direito, como no caso de uma herança. Ima-
ginemos que, por testamento, um indivíduo foi instituído herdeiro universal do autor da
sucessão e pretende que um terceiro que está na posse de todos os bens dessa herança lhos
entregue (cfr. o art. 2075º do CC). Neste caso, não sabendo quais os bens que pertencem
à herança, justifica-se que o seu pedido seja formulado em termos genéricos, pedindo sim-
plesmente a entrega da herança, sem especificar os bens a entregar.
365
José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, ps. 174-175).
366
Como resulta deste art. 556º 1.b), a formulação de pedido genérico também é possível
por referência ao disposto no art. 569º do CC, preceito segundo o qual o pedido de indem-
nização não implica a indicação exacta da importância em que o lesado avalia os danos.

163
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil emergente


de acidentes de viação são talvez aquelas em que, com mais frequência, se
assiste à formulação de pedidos genéricos, precisamente porque aí, tan-
tas e tantas vezes, não há, no momento da propositura da acção, elemen-
tos que permitam determinar, com rigor e segurança, as consequências
do facto ilícito. Em face disso, o autor pode pedir que o réu seja conde-
nado em indemnização cujo montante se liquidará posteriormente367,368.
Por fim, é permitido formular pedido genérico quando a fixação do
quantitativo estiver dependente de prestação de contas ou de outro acto
que deva ser praticado pelo réu [art. 556º 1.c)].
É o que acontecerá quando o demandado, em virtude das suas funções
ou da prática de certos actos, estiver obrigado perante o autor a prestar
contas da sua actividade e a pagar àquele o saldo que vier a apurar-se.
E deve ser mesmo esse o pedido do autor, isto é, que o réu preste contas e
pague o saldo que se apurar. Trata-se de um pedido genérico, na medida
em que o autor pretende o pagamento da quantia que se liquidar como
saldo a seu favor, quantia essa cujo montante, à partida, ignora369.
Antes de concluirmos a análise dos pedidos genéricos, impõe-se mais
uma observação. Se o autor, nos termos em que tal lhe é permitido, invo-
car a necessidade de formular o pedido em termos genéricos e a acção
prosseguir, em que momento e por que meio se procede à respectiva
concretização ou liquidação?
A resposta encontra-se no nº 2 do art. 556º, segundo o qual, se a liqui-
dação puder ser feita até ao início da discussão da causa, o autor deduzirá
o incidente da liquidação, nos termos dos arts. 358º a 360º, relacionando
os objectos compreendidos na universalidade (e identificando-os devida-
mente) ou especificando os danos derivados do facto ilícito (e concluindo

367
Note-se que o disposto no art. 498º do CC, que fixa a prescrição do direito de indemniza-
ção, apesar de não se conhecer a extensão integral dos danos, não se coaduna com o protela-
mento da instauração da acção.
368
Para o caso de, no momento em que é proferida a decisão condenatória, não ser possível
conhecer a extensão integral dos danos, o art. 565º do CC admite que a indemnização seja fi-
xada em liquidação posterior, sem prejuízo de eventual indemnização provisória. Esta solução
tem reflexo na regulamentação do processo civil, como se vê pelos nos arts. 609º 2 e 358º 2.
369
O pedido de prestação de contas faz-se através de um processo especial, previsto nos arts.
941º e ss.

164
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

por um pedido de quantia certa)370. Quando não for possível fazer a li-
quidação na acção declarativa mas a decisão a proferir seja no sentido da
condenação, o nº 2 do art. 609º estabelece que o tribunal condenará no
que vier a ser liquidado, isto é, remete para mais tarde a determinação do
objecto ou da quantidade, observando-se então o disposto no nº 2 do art.
358º e nos nºs 3 e 4 do art. 360º371.

O art. 557º permite que o autor, em certas circunstâncias, peça a con-


denação do réu no cumprimento de prestações futuras, isto é, de pres-
tações ainda não vencidas e, portanto, em princípio, inexigíveis. São os
pedidos de prestações vincendas, que originam as chamadas condenações in
futurum.
A primeira situação em que é lícito pedir a condenação em prestações
futuras ocorre no caso de, estando o devedor obrigado a efectuar presta-
ções periódicas, deixar de cumprir alguma delas. Nesta hipótese, o autor
pode requerer a condenação do réu não só na prestação vencida como
nas que se vencerem enquanto persistir a obrigação (art. 557º 1)372.
O segundo caso de pedido de prestações futuras é aquele em que
a falta de título executivo na data do vencimento da obrigação possa

370
De todo o modo, no caso da alínea a) do nº 1 do art. 556º, se o autor não dispuser de
meios que permitam a concretização, deverá ser observado o disposto no nº 7 do art. 716º
(art. 556º 2).
371
A formulação de um pedido genérico cria dificuldades na definição de um critério seguro
quanto ao valor da causa, razão pela qual o nº 4 do art. 299º estabelece que o valor inicial-
mente aceite é corrigido assim que o processo forneça os elementos necessários.
372
É o que sucederá, por exemplo, num contrato de arrendamento, em que o inquilino está
obrigado ao pagamento da renda mensal (prestação periódica), de forma que, deixando de
pagar uma renda, o senhorio pode pedir não apenas a sua condenação no pagamento dessa
renda como das que se vencerem enquanto se mantiver o arrendamento. A condenação no
pagamento das rendas vincendas é uma condenação para futuro, que não prejudica o réu,
pois ele apenas é obrigado a pagar cada uma das futuras rendas quando atingido o respec-
tivo vencimento. Em contrapartida, evita que o autor tenha de propor uma acção de conde-
nação por cada nova renda que o inquilino deixe de pagar, pois este já está antecipadamente
condenado, podendo então passar-se logo à via executiva para obter o efectivo pagamento.
Quer dizer, estaremos nesse caso perante uma sentença com trato sucessivo que só por si
pode fundar a perseguição coerciva de tantas rendas quantas as que deixarem de ser pagas
atempadamente (cfr., a propósito, o nº 1 do art. 850º). Note-se que a hipótese aqui referida
não obsta a outras opções do credor e senhorio em face da falta de pagamento de rendas
pelo inquilino, nomeadamente a via da resolução do contrato (cfr. os arts. 1083º e 1084º do
CC).

165
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

causar prejuízo ao credor. E a lei adianta, exemplificando, o caso em


que se pretenda o despejo de um prédio para o termo do arrendamento.
Do que se trata é de fazer face ao receio de que, na data fixada para o
cumprimento da obrigação, o réu não cumpra ou retarde o cumprimento,
justificando-se então a obtenção antecipada de um título executivo (sen-
tença), susceptível de proporcionar a oportuna realização coercitiva da
obrigação373,374.
Do que se disse, resulta claro que o regime dos pedidos de prestações
futuras ou vincendas corresponde a hipóteses limitadas, pelo que, fora
desse âmbito, são de rejeitar pedidos dessa natureza.
Isto leva-nos a tomar em consideração o regime fixado no art. 610º,
onde se prevê o caso da instauração de uma acção pedindo o cumprimento
de uma obrigação ainda não vencida, e se estabelece que esse facto não
obsta a que o réu venha a ser condenado a efectuar a prestação no mo-
mento próprio, quer dizer, quando ela se tornar exigível. Pode colocar-se
a questão de haver aqui uma contradição de regimes, já que o art. 557º
aponta no sentido de o pedido de prestações futuras só caber em situa-
ções limitadas, enquanto o art. 610º parece cobrir todas as situações de
pedido de cumprimento de obrigações inexigíveis à data da propositura

373
Neste sentido, Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 183).
374
Imaginemos que o devedor está obrigado a restituir em certa data um prédio que o cre-
dor lhe entregou a título de comodato (cfr. os arts. 1129º e ss. do CC). Contando com a en-
trega na data convencionada, o credor prometeu arrendar esse prédio a uma terceira pessoa.
Porém, antes de atingida aquela data, o credor tem conhecimento de que o comodatário se
prepara para recusar, ou retardar, a restituição. Se esperasse por essa data para, perante o
incumprimento, propor a acção respectiva, pedindo a condenação do réu comodatário a res-
tituir o prédio, o autor, certamente, sofreria grave prejuízo, pois teria de aguardar o tempo
próprio da tramitação processual, vendo-se, entretanto, impossibilitado de cumprir a pro-
messa assumida. Hipótese similar ocorrerá se, no âmbito de um contrato de cessão de explo-
ração de estabelecimento comercial, houver uma data prevista para a restituição do esta-
belecimento e o cedente se aperceber de que o cessionário não irá proceder à restituição
no momento fixado. É a situações deste tipo que se dirige o nº 2 do art. 557º, permitindo a
obtenção de uma sentença que condene o réu na restituição do prédio na data devida (que
será a do termo do comodato ou da cessão de exploração), sentença essa susceptível de
ser imediatamente executada se a entrega não for feita voluntariamente, assim se evitando
maiores prejuízos para o credor. Também aqui é evidente o pedido de condenação in futu-
rum, já que, no momento da instauração da acção, o réu não está ainda em situação de in-
cumprimento, como, aliás, o autor reconhece. Do que se trata é de, face à perspectiva de
incumprimento, evitar um prejuízo grave decorrente da inexistência de título executivo no
momento em que o incumprimento vier a dar-se.

166
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

da respectiva acção. Porém, tal contradição é apenas aparente. De facto,


estes dois preceitos têm campos de aplicação diferentes.
O art. 557º fixa e define o regime regra, segundo o qual só é possível
formular pedidos de condenação relativamente a obrigações já vencidas
e, por isso, exigíveis. Este regime regra é, contudo, desatendido em certas
situações, expressamente referidas pelo próprio art. 557º, que foram já
analisadas. Quer dizer, trata-se aí de obrigações reconhecidamente ine-
xigíveis, para as quais se achou por bem, no entanto, admitir o respectivo
pedido, como expediente destinado a proteger os interesses do autor,
sem que daí resulte prejuízo para o réu. Significa isto que, fora dessas
situações, um pedido de condenação em prestações futuras deve ser
rejeitado, por prematuro.
É tendo presente este regime, isto é, sem o pôr em causa, que devemos
considerar o art. 610º. Admitamos que o autor propõe a acção pedindo o
cumprimento de uma obrigação, apresentando esta como exigível, mas o
juiz vem a concluir que a obrigação era, afinal, inexigível quando a acção
foi instaurada. A questão está em saber em que momento processual
chega o juiz a tal conclusão. Se essa inexigibilidade da obrigação for apu-
rada até ao despacho saneador (art. 595º), deve aí ser proferida decisão de
absolvição do réu da instância, a pretexto da falta de interesse em agir por
banda do autor. Mas se a inexigibilidade da obrigação só for reconhecida
depois do despacho saneador, então, aí sim, entrará em funcionamento o
regime do art. 610º. E este preceito admite que, embora a obrigação não
fosse exigível no momento em que a acção foi proposta, a sentença venha
a condenar o réu a efectuar a prestação quando esta se vencer.
Qual o motivo para esta diversidade de soluções, conforme a inexigibi-
lidade seja conhecida no despacho saneador, de um lado, ou na sentença,
de outro? A justificação foi apresentada por José Alberto dos Reis375: “o
art. 662º (...) obedece à ideia de salvar o processo, não obstante a inexigibilidade;
quer dizer, a doutrina do artigo foi ditada pelo princípio da economia processual”.
Este autor acrescenta ainda376: “Desde que o processo ultrapassa o despacho sa-
neador, desde que entra na fase mais onerosa, mais incómoda e mais pesada – fase
da instrução, da discussão e do julgamento – é de toda a conveniência que se apro-

375
José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. V, p. 76). Note-se que o preceito legal (o
art. 662º) referido no excerto citado respeita ao CPC de 1939, preceito que tinha a mesma
numeração no CPC de 1961, correspondendo ao actual art. 610º.
376
José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. V, p. 73).

167
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

veite, sempre que seja possível, a actividade judiciária que vier a ser exercida. Para
que se há-de inutilizar o processo e obrigar o autor a repetir o pleito, se a questão
pode ficar logo arrumada e decidida?”.
É perfeitamente compreensível esta solução. Realmente, até ao mo-
mento do despacho saneador, o processo é integrado essencialmente
pelas peças escritas oferecidas pelas partes. Nada obsta, portanto, a que,
julgando-se a questão à luz do princípio geral do art. 557º, segundo o
qual só é permitido formular pedidos relativos a obrigações vencidas, o
processo termine aí, absolvendo-se o réu da instância.
Já se o processo cumpriu toda a sua tramitação, restando a elaboração
da sentença final, será dispêndio de tempo e de trabalho dar tudo sem
efeito. Atento a essa realidade, o legislador resolveu, através do art. 610º,
aproveitar todos os actos praticados e, uma vez que a obrigação existe,
ordenar a condenação do réu a cumprir a obrigação, sem prejuízo, porém,
do prazo do respectivo vencimento. Quer dizer, o réu fica desde logo
condenado, mas só terá que cumprir quando se vencer a obrigação377.
Importa referir que a solução fornecida pelo art. 610º é, indiscutivel-
mente, uma solução de recurso e não a manifestação de um princípio
geral que admita pedidos relativos a obrigações futuras. Na verdade,
pode-se afirmar, com segurança, que este preceito só é de atender no âm-
bito da sentença “como resulta do seu texto, da sua localização e dos respectivos
trabalhos preparatórios”378.

1.2.3. Apresentação da petição inicial e actos subsequentes


A petição deve ser apresentada em juízo para se dar início à acção, sendo
precisamente o momento do recebimento da petição pela secretaria que
marca o início da instância (art. 259º 1).
O momento da propositura da acção é determinante para o efeito de
interromper a caducidade do direito de agir379.

377
Sendo o autor condenado nas custas e a satisfazer os honorários do advogado do réu, no
caso de o demandado não impugnar a obrigação (art. 610º 3).
378
Assim, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. V, ps. 72 e ss.), Varela/Bezerra/
/Nora (Manual…, p. 184) e Anselmo de Castro (Direito..., Vol. I, ps. 106-107 e 121). Em sen-
tido contrário, Castro Mendes (Direito... 1987, Vol. II, ps. 418-419).
379
Se, como tantas vezes acontece, a propositura de uma acção está sujeita a determinado
prazo, sob pena de caducidade (cfr., por exemplo, os arts. 1085º, 1410º e 1786º do CC), basta
este acto do autor para a impedir (cfr. o art. 331º 1 do CC).

168
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Uma vez que a petição deve observar determinados requisitos, im-


porta saber como deverá actuar a secretaria judicial quando, no momento
da apresentação daquele articulado, detectar o desrespeito por tais re-
quisitos.
A secretaria recusa o recebimento da petição inicial nos termos indicados
no art. 558º380, isto é, quando suceda algum dos casos seguintes:
– a peça não tenha endereço ou esteja endereçada a outro tribunal ou
autoridade;
– seja omitida a identificação das partes;
– não seja indicada a forma de processo;
– seja omitida a indicação do valor da causa;
– não seja comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida
ou a concessão de apoio judiciário;
– não esteja assinada;
– não seja indicado o domicílio profissional do mandatário consti-
tuído381;
– não esteja redigida em língua portuguesa;
– o papel utilizado não obedeça aos requisitos regulamentares382.

Acerca da intervenção da secretaria para os efeitos consignados no


art. 558º, importa realçar que a sua actuação se reconduz a um mero con-
trolo formal externo da petição, não lhe competindo qualquer tipo de
ponderação que vá para além disso383. Quer dizer, uma coisa é a secretaria
recusar a petição inicial por não ter sido dirigida àquele tribunal, por não
ter sido indicada a forma do processo ou por ter sido omitida a indicação
do valor da causa, tudo isso fazendo parte das suas atribuições fiscali-
zadoras neste contexto. Coisa bem diversa, e totalmente excluída do campo

380
O disposto neste artigo aplica-se, com as necessárias adaptações, aos demais articulados.
A este propósito, cfr. as posições de Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., ps. 286, 296 e
297) e Montalvão Machado (O dispositivo..., p. 168, em nota de rodapé nº 340).
381
Face ao que se disse acerca do modo de apresentação a juízo dos actos que devem ser pra-
ticados por escrito pelas partes, e conjugando o disposto nos arts. 132º e 144º com a Portaria
nº 280/2013, de 26.8, é possível dizer que o sistema electrónico em uso assegura sempre a
indicação do domicílio profissional do mandatário e a assinatura (electrónica) da peça pro-
cessual.
382
A propósito, cfr. o DL nº 135/99, de 22.4, em particular o seu artigo 24º.
383
A este propósito, cfr. Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Ano-
tado, p. 247).

169
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

do art. 558º, seria a secretaria pretender recusar a petição a pretexto


da incompetência do tribunal a que a petição vem dirigida, por erro na
forma de processo escolhida ou por erro no valor atribuído à acção.
Nos termos do proémio do art. 558º, a recusa da petição inicial é um
acto formal que deve ser justificado por escrito.
Em face da recusa, quando entenda que a mesma é injustificada, o
autor é admitido a reclamar para o juiz, nos termos do nº 1 do art. 559º384.
Se o juiz atender à reclamação, a petição considera-se recebida e a acção
segue os seus termos. Caso contrário, isto é, se o juiz confirmar a recusa, o
autor pode recorrer para a Relação, ainda que o valor da causa não ultra-
passe a alçada da 1ª instância (art. 559º 2).
Por outro lado, é de notar que, havendo recusa ou confirmação judi-
cial da mesma, o autor dispõe ainda da possibilidade de, no prazo de 10
dias, apresentar outra petição que esteja em condições de ser recebida,
valendo como data de início da acção aquela em que foi apresentada a
primeira petição inicial (art. 560º)385.

Uma vez recebida, a petição inicial é apresentada à distribuição. Este acto,


que tem em vista, segundo o art. 203º, a repartição igualitária do serviço
judicial, assegura a designação da secção, da instância e do tribunal em
que a acção correrá termos. A distribuição é feita sequencialmente se-
gundo as espécies indicadas no art. 212º (art. 209º 1).
Nos termos do disposto no art. 208º, a distribuição tem lugar diaria-
mente e é realizada de forma automática, estipulando o nº 2 do art. 16º da
Portaria nº 280/2013, de 26.8, que o sistema informático assegura que a
distribuição ocorre duas vezes por dia, às 9 e às 16 horas386.
Realizada a distribuição, procede-se à autuação do processo, nele
se integrando a petição inicial e os documentos que a acompanharam.

384
Esta reclamação consiste numa aplicação da norma geral prevista no nº 5 do art. 157º.
385
Para efeito deste regime, a confirmação judicial ora é a que tem lugar em 1ª instância, nos
casos em que o autor opte por não recorrer, ora é a que resulta do acórdão da Relação que
nega provimento ao recurso, quando o autor não se tenha conformado com a decisão de 1ª
instância.
386
Nos termos do art. 18º da Portaria nº 280/2013, de 26.8, os resultados da distribuição diá-
ria são publicados por meio de pauta no endereço http://www.citius.mj.pt, às 17 horas (cfr.
também o nº 2 do art. 209º).

170
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Este acto é já levado a cabo pela secretaria judicial correspondente à sec-


ção, instância ou tribunal designados.

1.2.4. Eventual despacho liminar


O nº 1 do art. 590º contempla a possibilidade de o juiz determinar que
a petição inicial lhe seja presente para despacho logo que recebida em
juízo. Neste caso, estaremos perante uma manifestação do exercício das
competências de gestão processual que a lei confere ao juiz (art. 6º) 387.
Quando assim suceder, haverá lugar à prolação de despacho liminar,
no âmbito do qual o juiz, em vez de ordenar a citação do réu, pode indeferir a
petição. É isso o que estabelece o referido nº 1 do art. 590º, sendo que o
indeferimento liminar pode dever-se a duas ordens de razões:
– quando o pedido seja manifestamente improcedente; é o que sucede
quando o juiz, pela simples leitura da petição, constata que a pretensão
do autor está manifestamente votada ao insucesso, correspondendo este
indeferimento a um julgamento antecipado do mérito da causa, por o
juiz concluir que não assiste razão ao autor, em face do direito material;
– quando se mostrem violados pressupostos processuais em termos de
gerar excepções dilatórias insusceptíveis de sanação e de que o juiz possa
conhecer oficiosamente; assim acontece, por exemplo, com a ilegitimi-
dade singular, a incompetência absoluta e a ineptidão da petição inicial.
Este despacho de indeferimento admite sempre recurso até à Rela-
ção, independentemente do valor da causa, nos termos consignados na
alínea c) do nº 3 do art. 629º. Interposto que seja tal recurso, o despacho
que o admita deve ordenar a citação do réu, tanto para os seus termos
como para os da causa (art. 641º 7).
A propósito do indeferimento liminar da petição, a parte final do
nº 1 do art. 590º manda aplicar o disposto no art. 560º, querendo isso
significar que o autor goza do benefício de apresentar nova petição subs-

387
Como se verifica, o nº 1 do art. 590º prevê uma outra razão para a petição inicial ser pre-
sente a despacho liminar: por determinação legal. Esses casos não ocorrem, por princípio,
na acção declarativa comum, podendo surgir em determinados processos especiais, como se
dirá adiante ao tratar da matéria da citação. Em rigor, na acção declarativa comum, apenas
se vislumbram dois casos de despacho liminar por determinação legal: i) quando a citação
pessoal do réu se frustre e haja necessidade de decretar a via edital da citação (art. 236º 1 in
fine); ii) quando tenha sido pedida a citação urgente do réu (art. 561º).

171
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

tituindo a que foi alvo de indeferimento. Para tal, o autor dispõe de 10


dias a contar da notificação do despacho de indeferimento liminar ou,
caso opte por recorrer, da notificação da decisão da Relação que confirme
o indeferimento.
Nos casos em que há despacho liminar a proferir sobre a petição ini-
cial com vista à citação, nos previstos pelo nº 1 do art. 590º, é de aceitar
que, além da alternativa de deferir (ordenando a citação) ou indeferir a
petição, o juiz convide o autor ao aperfeiçoamento da petição, quando se
mostrem desrespeitados pressupostos processuais susceptíveis de sana-
ção ou haja outras irregularidades supríveis388. Se é certo que, em regra,
o juiz não tem contacto com o processo na sua fase inicial, o que obsta a
qualquer verificação sobre a falta de pressupostos processuais ou outras
irregularidades, ficando tal verificação remetida para a fase intermédia
do processo [art. 590º 2.a) e 3], já nos casos em que, embora por razões
circunscritas, haja uma intervenção liminar do juiz, será útil providenciar
logo pelo suprimento de excepções dilatórias ou outras irregularidades
supríveis, desde que de conhecimento oficioso. Assim actuando, o juiz
convidará o autor ao aperfeiçoamento correspondente, de modo que ou
o vício vem a ser sanado e a acção prosseguirá, ou o vício persiste e a acção
deverá ser julgada extinta pela prolação de um despacho de indeferi-
mento (subsequente).

1.3. Citação do réu


1.3.1. Enquadramento
Recebida a petição inicial e cumpridas as formalidades introdutórias da
instância, nomeadamente as relativas à distribuição e autuação, o pro-
cesso está em condições de seguir os seus trâmites.
Neste contexto, por regra, o primeiro acto processual a levar a cabo
é o da citação do réu. O mesmo é dizer que, normalmente, o processo
não é feito concluso (ou seja, não é apresentado) ao juiz da causa logo no
início da instância. Com efeito, de acordo com o previsto nos arts. 562º
e 226º 1, compete à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade

388
Neste sentido, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 275) e Abrantes Geraldes
(Temas da reforma..., Vol. I, ps. 277-279).

172
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à regular


citação do réu389.

O art. 561º prevê a figura da citação urgente, traduzida na circunstância


de a mesma ter prioridade sobre as restantes, nomeadamente quanto às
diligências a realizar pela secretaria nos termos do art. 562º. O pedido de
citação urgente deverá ser formulado pelo autor na petição inicial, impli-
cando que tal peça seja apresentada a despacho judicial, cabendo ao juiz
determinar a urgência da citação quando considere justificado o reque-
rimento do autor390.

1.3.2. Citação e notificações


A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi pro-
posta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defen-
der, como está previsto na primeira parte do nº 1 do art. 219º391.
Com a citação, assegura-se o cumprimento do princípio do contradi-
tório e o inerente exercício do direito de defesa (art. 3º 1 e 2), devendo,
aliás, o réu ser advertido da consequência da falta de contestação (art.
563º). Acresce que é pela citação que se concretiza a relação processual,
sendo certo que, por regra, a proposição da acção só produz efeitos em
relação ao réu a partir do momento da citação (art. 259º 2).
No acto da citação, devem ser disponibilizados ao réu o duplicado da
petição inicial e as cópias dos documentos que a acompanhem. Além
disso, deve o demandado ser informado dos elementos identificativos da
acção para a qual é citado (tribunal, juízo, secção e número de processo),
do prazo de que dispõe para contestar e da necessidade de constituir

389
A este propósito, cfr. ainda os nºs 2 e 3 do art. 226º.
390
As razões que mais usam justificar a citação urgente são o receio de ausência do réu e a
iminência da prescrição. É que, ausentando-se o réu para parte incerta, a sua citação será
mais demorada, porque feita pela via edital (art. 240º) e o efeito cominatório para a eventual
falta de contestação será nulo [art. 568º b) in fine]. Quanto à prescrição, resulta do direito
substantivo (art. 323º 1 do CC) que esta só se interrompe, não com a propositura da acção,
mas com a citação do réu, pelo que, estando iminente a prescrição, é compreensível que a
citação se faça com a maior brevidade.
391
A citação emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa
interessada na causa (art. 219º 1 in fine). O conceito de “pessoa interessada” está ligado à fi-
gura da legitimidade.

173
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

advogado. Finalmente, deve o réu ser advertido das cominações em que


incorre se não contestar (arts. 219º 3 e 227º).
Por seu lado, nos termos do nº 2 do art. 219º, as notificações destinam-se
a dar conhecimento de um facto ou a chamar alguém a juízo, aplicando-
-se a todos os casos em que não haja lugar à citação.

1.3.3. Modalidades da citação


Nos termos do disposto no nº 1 do art. 225º, a citação de pessoas singulares
pode ser pessoal ou edital.

A citação pessoal é a que é feita na própria pessoa do citando, pelos


modos seguintes:
– por transmissão electrónica de dados [art. 225º 2.a)];
– pelo correio, através de carta registada com aviso de recepção, seu
depósito ou certificação da recusa de recebimento [arts. 225º 2.b), 228º
e 229º];
– por contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judi-
cial com o citando [arts. 225º 2.c), 231º e 232º];
– por mandatário judicial (arts. 225º 3, 237º e 238º).

A citação pelo correio, que constitui o regime regra e está regulada no


art. 228º, faz-se por carta registada com aviso de recepção, dirigida ao réu
e endereçada para a sua residência ou local de trabalho.
Os concretos procedimentos relativos ao acto de entrega da carta são
definidos nos diversos números deste art. 228º, avultando a exigência
de rigor na identificação da pessoa que recebe a carta, seja o próprio ci-
tando, seja terceira pessoa392. Quando a entrega da carta é feita na pessoa
réu, fica assegurado logo aí o seu próprio conhecimento, tratando-se de
uma efectiva citação pessoal. Sucede que a lei prevê e admite que, em cer-
tos casos, a carta seja entregue a “qualquer pessoa” que se encontre na
residência ou no local de trabalho do citando e que declare encontrar-se
em condições de a entregar prontamente ao citando, devendo ser adver-

392
Havendo recusa em receber a carta ou em assinar o aviso de recepção, seja pelo citando,
seja por alguma das pessoas referidas no nº 2 do art. 228º, observa-se o disposto no nº 6 do
mesmo preceito, lavrando-se nota do incidente e sendo o expediente devolvido ao tribunal.

174
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

tida expressamente nesse sentido (art. 228º 1 in fine, 2 e 4)393. A este pro-
pósito, é de notar que o nº 4 do art. 225º equipara à citação pessoal a
citação feita em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir
o conteúdo do acto, com a particularidade de a lei presumir que o citando
teve oportuno conhecimento da citação394.
Nos termos fixados no nº 1 do art. 230º, a citação feita nos termos do
art. 228º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de
recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, ainda que
o aviso de recepção tenha sido assinado por terceiro, havendo a presun-
ção de que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, sem pre-
juízo de demonstração em contrário.
O nº 5 do art. 228º, para os casos em que não seja possível a entrega
da carta para citação, estabelece que o distribuidor do serviço postal deve
deixar um aviso ao destinatário, com a menção do tribunal de onde pro-
vém e do processo a que respeita, ficando a carta durante oito dias ao dis-
por do citando para ser levantada no respectivo estabelecimento postal.
Nos casos em que não seja possível deixar aviso ao destinatário, o
distribuidor do serviço postal lavra nota dessa circunstância e devolve
o expediente ao tribunal. Nesse quadro, pode suceder que, devendo-
-se a impossibilidade a ausência do citando, o distribuidor postal tenha
obtido indicação de novo endereço do citando, caso em que, recebido
o expediente, deverá a secretaria repetir a citação, enviando nova carta
registada com aviso de recepção para esse novo endereço (art. 228º 8).
Se, porém, o distribuidor postal nenhuma informação tiver obtido acerca
do novo endereço do citando, que se encontrará em parte incerta, aquilo
que a secretaria deverá fazer é dar cumprimento ao disposto no nº 1 do
art. 236º para depois, se for apurado novo endereço, repetir a citação,
enviando nova carta registada com aviso de recepção para esse novo
endereço (art. 228º 9)395.

393
Reforçando as cautelas que este modo de citação implica, atente-se na advertência pres-
crita no art. 233º.
394
Trata-se, de todo o modo, de uma presunção relativa, pelo que é admitida prova em con-
trário.
395
O nº 1 do art. 236º regula as diligências a encetar quando, por ausência do citando em
parte incerta, seja impossível realizar a citação, o que passa por tentar obter informações
sobre o seu último paradeiro ou residência junto de certas entidades ou serviços, desig-
nadamente as referidas no preceito, sendo que o nº 2 do art. 236º impõe o dever de colabo-

175
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Ainda no âmbito da citação de pessoa singular por via postal, são de


salientar as especificidades previstas quando haja domicílio convencionado,
nos termos do disposto no art. 229º, para as acções destinadas ao cum-
primento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido
a escrito em que as partes tenham convencionado o local onde se têm
por domiciliadas para efeito de citação em caso de litígio. A figura do
“domicílio convencionado” tem por efeito vincular a parte a determinado
endereço (aquele por si indicado no documento que titula o contrato),
introduzindo um elemento acrescido de segurança em matéria de even-
tual e futura citação. Com efeito, assumindo-se que a pessoa tem domicí-
lio nesse local, bastará providenciar no sentido de que a carta para citação
seja remetida para aí, com isso se dando por efectuada a citação396.
Conforme refere o nº 1 do art. 229º, este regime aplica-se nas acções
cujo valor não exceda a alçada do tribunal da Relação ou, embora exce-
dendo, quando a obrigação respeite a fornecimento continuado de bens
ou serviços, sendo a citação feita meio de carta registada com aviso de
recepção com as formalidades prescritas no art. 228º (e devendo a carta
incluir todos os elementos referidos no art. 227º).
A partir daqui, exactamente por causa do significado da convenção
de domicílio, verifica-se que, no confronto com o regime do art. 228º,
este art. 229º é menos complacente perante certas ocorrências. Assim, se o
citando recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da
carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes devolver a carta
ao tribunal, mas a citação considera-se feita em face da certificação da
ocorrência (art. 229º 3). Nos casos em que o expediente tenha sido devol-
vido por não ter havido levantamento da carta no estabelecimento postal
dentro do prazo legal ou por ter sido recusada assinatura do aviso de re-
cepção ou o recebimento da carta por pessoa diversa do citando (nº 2 do
art. 228º), a citação é repetida, com o envio de nova carta registada com
aviso de recepção ao citando, com a advertência da cominação prevista
no nº 2 do art. 230º (art. 229º 4). Concretamente, a carta para citação
(com cópia de todos os elementos referidos no art. 227º) é deixada no

ração aos serviços que disponham de elementos sobre a residência, local de trabalho ou sede
de quem haja de ser citado.
396
Reforçando o sentido dessa vinculação, o nº 2 do art. 229º acautela que, enquanto não se
extinguirem as relações emergentes do contrato, é inoponível ao autor da acção qualquer
alteração do domicílio não comunicada nos termos aí previstos.

176
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

local correspondente ao domicílio convencionado, aí sendo deixada tam-


bém a advertência a que alude a parte final do nº 4 do art. 229º, sendo
incumbência do distribuidor postal certificar a data e o local exacto em
que depositou o expediente e devolver de imediato a certidão ao tribunal
(art. 229º 5)397. Acerca da data e do valor da citação por via postal reali-
zada no contexto do nº 5 do art. 229º, o nº 2 do art. 230º estabelece que
a citação se considera efectuada na data certificada pelo distribuidor do
serviço postal ou, quando tenha sido deixado aviso, no 8º dia posterior a
essa data, com a presunção de que o destinatário teve oportuno conheci-
mento dos elementos que lhe foram deixados.

Pode também ser usada a via postal, através de carta registada com
aviso de recepção, para a citação de réu residente no estrangeiro, mas
apenas na falta de tratado ou convenção (art. 239º 1 e 2)398. Se a via postal
não for possível ou se frustrar, a citação é operada através do consulado
português mais próximo, quando o réu for português, podendo ainda,
ouvido o autor, fazer-se uso de carta rogatória (art. 239º 3).

O art. 231º regula a citação por contacto pessoal com o citando. Este modo
de citação tem, em princípio, carácter residual, pois só ocorrerá quando
se frustre a via postal. Acresce que este contacto pessoal é realizado, em
regra, por agente de execução (nº 1), a quem compete transmitir ao ci-
tando os elementos referidos no art. 227º, elaborando e entregando ao
citando nota com tais indicações (nº 2), mais lhe entregando o duplicado
da petição inicial e cópia dos documentos que a acompanhem, lavrando,
por fim, certidão que será assinada pelo citado (nº 3)399,400.

397
Se não for possível o depósito da carta na caixa do correio do citando, o distribuidor pos-
tal deixa um aviso nos termos do nº 5 do art. 228º (art. 229º 5).
398
A propósito desta ressalva da lei, cfr. a Convenção relativa à citação e à notificação no
estrangeiro dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, aprovada para
ratificação pelo DL nº 210/71, de 18.5, e ratificada pelo Aviso publicado em 24.1.1974 (cfr.
também o Aviso publicado em 11.8.1977). Ainda a propósito da mesma ressalva, cfr. o Regu-
lamento (CE) 1348/2000 do Conselho, de 29.5.2000.
399
Cfr. os nºs 4 e 5 do art. 231º para a hipótese de o citando recusar assinar a certidão ou
receber o duplicado da petição inicial.
400
Cfr. os nºs 6 e 7 do art. 231º acerca da hipótese de o agente de execução designado pro-
mover a citação por outro agente de execução ou por um seu empregado.

177
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Nos termos do nº 8 do art. 231º, esta citação por contacto pessoal do


agente de execução pode substituir a citação por via postal, que não se
chega a encetar, quando o autor manifeste vontade nesse sentido logo na
petição inicial. Por outro lado, o nº 9 do art. 231º admite que o contacto
pessoal para citação seja cometido a funcionário judicial, quando o autor
assim o manifeste na petição inicial401.
Constitui também uma forma de citação por contacto pessoal, que
segue no essencial o regime do art. 231º, a citação promovida por manda-
tário judicial, a que aludem os arts. 237º e 238º, o que exige indicação
nesse sentido na petição inicial.
A citação edital tem lugar não só quando o citando se encontre em
parte incerta, como também quando sejam incertas as pessoas a citar
(art. 225º 6)402.
Nos arts. 240º a 244º estão fixadas as formalidades a observar neste
tipo de citação. Uma vez que não é possível levar ao conhecimento pes-
soal do citando a existência da acção, recorre-se à afixação de edital na
porta da casa da última residência ou sede que o citando teve no País e
à publicação de anúncio em página informática de acesso público (art.
240º)403. O teor do edital é especificado no nº 1 do art. 241º, cujo nº 2
estabelece que o anúncio reproduz o teor do edital e menciona o local da
respectiva afixação. Nos termos do nº 1 do art. 242º, a citação considera-
-se feita no dia em que se publique o anúncio, sendo que desse dia corre
o prazo da dilação, logo seguido do prazo para contestar, tal como refere
o nº 2 do mesmo preceito404.

401
Ainda a propósito da citação por contacto pessoal, o art. 232º regula as formalidades da
designada citação com hora certa, para os casos em que o agente de execução (ou funcioná-
rio judicial) apura que o citando reside ou trabalha efectivamente no local indicado mas não
o encontra no momento em que lá vai. Este modo de citação pode, em certos casos, implicar
a advertência fixada no art. 233º.
402
Ao ser assumida no processo a impossibilidade de realizar a citação, em virtude de o
citando estar ausente em parte incerta, mas antes de outros efeitos, o art. 236º acautela e im-
põe a realização de diligências destinadas a obter informação acerca do último paradeiro ou
da última residência conhecida, prevendo a notificação de determinadas entidades aí men-
cionadas.
403
Acerca desta publicação, cfr. o art. 24º da Portaria nº 280/2013, de 26.8.
404
Quando a citação é edital, a dilação é de 30 dias (art. 245º 3). A dilação respeita ao de-
curso de um prazo (prazo dilatório) que difere para certo momento o início da contagem

178
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

O CPC de 2013 passou a regular autonomamente a citação de pessoas


colectivas, mais exactamente no art. 246º, preceito que manda observar,
por princípio, as disposições relativas à citação de pessoas singulares
(nº 1), estabelecendo que a carta para citação prevista no nº 1 do art. 228º
é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pes-
soas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (nº 3), sendo
que o recebimento da carta tanto pode ser feito por representante le-
gal como por funcionário da citanda. Em caso de recusa da assinatura do
aviso de recepção ou de recebimento da carta, o distribuidor postal lavra
nota do incidente antes de devolver a carta, considerando-se a citação
efectuada em face da certificação dessa ocorrência. Se o expediente rela-
tivo à citação for devolvido por qualquer outra circunstância, repete-se a
citação nos termos fixados no nº 4 do art. 246º405.

1.3.4. Efeitos da citação


Os efeitos da citação são referidos no art. 564º, mas aos aí indicados
cabe acrescentar outros. É costume distingui-los entre efeitos substanti-
vos ou materiais e efeitos adjectivos ou processuais406.
Quanto aos efeitos substantivos da citação:
– faz cessar a boa fé do possuidor contra quem tenha sido proposta a
acção tendente, por exemplo, a reivindicar a coisa possuída [art. 1260º 1
e 2 do CC; art. 564ºa)];
– interrompe a prescrição, nos termos do art. 323º 1 do CC407;
– nas obrigações puras (sem prazo), vale como interpelação, gerando
o vencimento da obrigação e constituindo o devedor em mora a partir
desse momento (cfr. o art. 805º 1 do CC).

de outro prazo (no caso, o prazo peremptório para contestar). Acerca das modalidades do
prazo (dilatório e peremptório), cfr. o art. 139º.
405
Note-se que o regime previsto nos nºs 3 e 4 do art. 246º não se aplica quanto a entida-
des cuja inscrição no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas
Colectivas não seja obrigatória (art. 246º 5). É o que sucede com os condomínios e os patri-
mónios autónomos, tal como referem Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras no-
tas…, Vol. I, p. 220).
406
Sobre este ponto, cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual…, ps. 273 e ss.) e Luso Soares
(Direito…, ps. 296 e ss.).
407
Cfr. o art. 323º 2 e 4 do CC; cfr. também o art. 259º 2.

179
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

No que tange aos seus efeitos adjectivos, diz-se que a citação torna está-
veis os elementos essenciais da causa [art. 564º b)].
Em face do disposto no art. 260º, os elementos essenciais da causa, isto
é, aqueles que lhe dão identidade, são os sujeitos (autor e réu), a causa
de pedir (o facto jurídico concreto que fundamenta a pretensão) e o pe-
dido (a pretensão formulada em juízo pelo autor). Mas tal estabilidade
não significa imutabilidade, como, desde logo, a lei reconhece408.
Outro efeito adjectivo da citação é a inibição que resulta para o réu de
propor contra o autor acção destinada a apreciar a mesma questão jurí-
dica [art. 564º c)]. Do que se trata é de evitar a repetição da causa. Se isso
suceder, estaremos perante a figura da litispendência (arts. 580º a 582º).

Para terminar estas considerações relativas à citação, resta definir o


âmbito dos seus efeitos, esclarecendo que, ainda que a citação venha a ser
anulada (art. 191º), os efeitos por ela produzidos mantêm-se desde que o
réu venha a ser nova e regularmente citado nos trinta dias seguintes ao
trânsito em julgado do despacho de anulação (art. 565º), sem prejuízo do
regime próprio da interrupção da prescrição fixado no nº 3 do art. 323º
do CC.

1.3.5. Espécies de notificações


De acordo com o regime legal a que se sujeitam as notificações, é cos-
tume distinguir as notificações entre notificações dependentes (porque
surgem a propósito de processos já pendentes) e notificações avulsas.
As notificações dependentes podem destinar-se às próprias partes, seja
para lhes dar conhecimento de determinado facto, seja para as chamar a
juízo para praticar certo acto.
Quando se trate de notificação para mero conhecimento, esta é, em regra,
feita na pessoa do mandatário judicial (art. 247º 1), realizando-se por via
electrónica e devendo o sistema informático certificar a data da elabora-
ção da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao

408
A lei admite certas modificações da instância, quer subjectivas, quer objectivas. Quanto
às primeiras, cfr. os arts. 261º (renovação da instância), 262º e 263º (substituição na rela-
ção substantiva em litígio, por sucessão ou por acto entre vivos, e intervenção de terceiros).
Quanto às segundas, cfr. os arts. 264º e 265º (alterações do pedido e da causa de pedir) e o
art. 266º (reconvenção).

180
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

da elaboração ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o terceiro


dia não seja útil (art. 248º)409,410.

Atente-se nos arts. 221º e 255º, que regulam a matéria das notificações
entre mandatários, estabelecendo que todas as peças escritas apresentadas
nos autos após a notificação da contestação devem ser notificadas pelo
mandatário da parte apresentante ao mandatário da contraparte, noti-
ficação que deve ser feita por via electrónica, devendo o sistema infor-
mático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta
feita no terceiro dia posterior ao da elaboração ou no primeiro dia útil
seguinte a esse, quando o terceiro dia não seja útil.

Tratando-se de notificação para chamar a parte a juízo para a prática de


um acto pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também expedido
um aviso postal registado à própria parte, dando-lhe conta da data, do
local e do fim da comparência (art. 247º 2).

Estas notificações dependentes podem ainda dirigir-se, não às partes,


mas a intervenientes acidentais (v. g., testemunhas e peritos), sendo as
mesmas feitas por meio de aviso expedido por correio registado, indi-
cando-se a data, o local e o fim da comparência (art. 251º 2).

Ao lado das notificações dependentes, encontramos as notificações


avulsas, isto é, aquelas que são levadas a cabo independentemente de
qualquer acção, sendo sempre precedidas de despacho que as ordene
(art. 256º 1).
Estas notificações são feitas na própria pessoa do notificando e não
admitem oposição (arts. 256º e 257º). São exemplos de notificações avul-
sas, entre outras, a notificação para preferência (art. 1028º) e a notifica-
ção para revogação de procuração ou mandato (art. 258º).

409
Cfr. também o art. 25º da Portaria nº 280/2013, de 26.8.
410
Quando a parte não tiver constituído mandatário, o que supõe que o patrocínio judiciário
não seja obrigatório, as notificações são feitas directamente à própria parte, por carta regis-
tada com aviso de recepção remetida para a respectiva residência ou sede ou para o domicí-
lio escolhido para o efeito (art. 249º).

181
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

1.3.6. Casos em que a citação depende de despacho judicial


Conforme foi já assinalado, por referência ao disposto no nº 1 do art.
226º, a regra é a oficiosidade da citação, em termos de incumbir à secre-
taria providenciar pela citação do réu logo no início do processo, sem
necessidade da intervenção do juiz.
Temos, porém, casos excepcionais em que a citação não pode ser rea-
lizada pela secretaria sem que haja um despacho a ordená-la, pelo que o
processo vai concluso ao juiz logo após a apresentação da petição inicial
ou como acto prévio à citação.
Nos termos do previsto no nº 4 do art. 226º, a citação depende de pré-
vio despacho judicial:
– nos casos especialmente previstos na lei (v. g., na citação edital, como
se retira do art. 236º 1 in fine, e na acção de divórcio ou de separação sem
consentimento do outro cônjuge, como estabelece o nº 1 do art. 931º);
– nos procedimentos cautelares (arts. 362º e ss.) e em todos os casos
em que incumba ao juiz decidir da prévia audiência do requerido (v. g.,
nos processos de insolvência, nos termos do art. 29º do Código da Insol-
vência e da Recuperação de Empresas);
– nos casos em que a propositura da acção deva ser anunciada, nos
termos da lei (v. g., nas acções de interdição e inabilitação, como impõe
o art. 892º);
– quando se trate de citar terceiros chamados a intervir em causa pen-
dente (v. g., na intervenção principal provocada, nos termos do art. 319º);
– no processo executivo, nos termos dos nºs 6 e 7 do art. 726º;
– quando tenha sido pedida a citação urgente (art. 561º).

Visto que nos encontramos a analisar os trâmites da acção declarativa


comum, convém notar que, dos casos referidos no nº 4 do art. 226º, e sem
prejuízo da hipótese prevista no nº 1 do art. 590º (já tratada), esta inter-
venção liminar do juiz (isto é, em face da petição inicial) só é susceptível
de ocorrer quando a citação pessoal do réu se frustre e haja necessidade
de decretar a via edital ou quando tenha sido pedida a citação urgente
do réu411. É que, nos restantes casos, ou a intervenção do juiz ocorre mais

411
Embora a lei não faça hoje essa ressalva, deve entender-se que, nos casos em que a peti-
ção seja apresentada a despacho liminar em virtude de pedido de citação urgente [art. 226º
4.f )], é vedado ao juiz proferir despacho de indeferimento. Era esta a solução no CPC de
1961, como resultava dos seus arts. 234º 4.f ) e 234º-A 1. Tal ressalva radicava na pondera-

182
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

tarde ou não se trata de acções declarativas comuns (e a acção observa a


forma especial).

1.4. Contestação
Como já ficou dito, a citação tem em vista garantir o contraditório e per-
mitir ao réu a apresentação da sua defesa (art. 219º 1). Tal defesa é feita,
em regra, na peça processual denominada contestação. Sucede que, em
certas circunstâncias, o réu pode ainda aproveitar a contestação para de-
duzir pedidos contra o autor.
Por isso, é usual distinguir-se, dentro da contestação, a defesa pro-
priamente dita e a reconvenção; naquela, o réu toma posição perante a
pretensão contra si formulada pelo autor; nesta, o demandado passa ao
contra-ataque, formulando pedidos contra o autor412.

1.4.1. Contestação defesa


Na contestação defesa, o réu opõe-se ao pedido formulado contra si pelo
autor. Esta oposição pode ser:
– frontal ou directa, quer contradizendo os factos articulados na peti-
ção, quer afirmando que esses factos não podem produzir o efeito jurí-
dico desejado pelo autor ( primeira parte do nº 2 do art. 571º);
– lateral ou indirecta413, quer alegando factos que inibam o tribunal
de conhecer do mérito da causa (arts. 571º 2 e 576º 1 e 2), quer aduzindo
factos que impeçam, modifiquem ou extingam o direito invocado pelo
autor (arts. 571º 2 in fine e 576º 1 e 3).
No primeiro caso, estaremos perante a defesa por impugnação; no se-
gundo, perante a defesa por excepção.

a) Defesa por impugnação


Impugnar consiste em contrariar, refutar, pugnar contra. Na defesa por
impugnação, como se disse, o réu contradiz os factos alegados pelo autor,
ou afirma que tais factos têm um significado jurídico diferente do pre-
tendido pelo demandante.

ção de que mais valia acautelar os interesses visados com a citação urgente requerida do que
aquilo que um juízo de indeferimento liminar seria susceptível de propiciar.
412
Neste sentido, Manuel de Andrade (Noções..., p. 127) e Othmar Jauernig (Direito…, ps.
241 e 250).
413
Cfr. Manuel de Andrade (Noções..., p. 129).

183
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Verifica-se, portanto, que esta oposição, própria da impugnação, pode


ser de facto ou de direito.

Na oposição de facto, o réu não aceita os factos articulados pelo autor.


Tal oposição pode fazer-se de três modos:
– negando rotunda e genericamente os factos visados, apelidando-os
puramente de falsos. A isso se chama “inexactidão absoluta”414 ou negação
directa415;
– negando-os indirectamente, isto é, integrando-os numa outra pano-
râmica fáctica, apresentando uma “contraversão ou contra-exposição dos
mesmos factos”416. A isso se chama inexactidão relativa ou negação indirecta417
podendo também falar-se em impugnação motivada;
– invocando, em relação a eles, a figura do simples desconhecimento, pre-
vista no nº 3 do art. 574º. Esta oposição consiste na declaração, feita pelo
réu, de que não sabe se determinado facto é real. O réu não nega pro-
priamente o facto, mas também não o aceita, sem mais, como verdadeiro.
Esta forma de impugnação só é, contudo, admissível quanto a factos não
pessoais ou de que o réu não deva ter conhecimento418.

Estes três modos de impugnar factos, apesar de material e tecnica-


mente distintos, têm um denominador comum, qual seja o de, por via
deles, o réu não aceitar como verdadeiros os factos aduzidos pelo autor,
ora porque constituam puras inverdades, ora porque não se terão passado
da forma alegada (mas sim de outra, geradora de distinto resultado), ora
porque, simplesmente, se desconhecem.

414
Neste sentido, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 53).
415
Assim acontece quando, numa acção de condenação para recebimento do preço de venda
de uma coisa, o réu afirma que nada comprou ao autor.
416
Neste sentido, Manuel de Andrade (Noções..., p. 127).
417
Assim sucede quando o réu alega que o preço da venda de um objecto foi outro que não o
indicado e peticionado pelo autor, ou que o momento fixado para o pagamento não é aquele
que o autor invoca. Situação semelhante ocorre quando uma ré seguradora, rejeitando a res-
ponsabilidade civil que lhe é imputada, descreve o acidente de viação de forma diversa da
relatada pelo autor.
418
O simples desconhecimento não constitui, em rigor, uma forma de impugnação. É apenas
uma modalidade de defesa cujo efeito se reconduz ao da impugnação.

184
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Na oposição de direito, o que está em causa é a qualificação ou significa-


ção jurídica que o autor atribui aos factos narrados.
Neste caso, aceitando embora a verdade dos factos alegados na peti-
ção, o réu sustenta que deles não emergem os efeitos jurídicos que o au-
tor pretende (o que equivale a afirmar a inconcludência da pretensão)419.

É evidente, em ambos os tipos de oposição – de facto ou de direito –,


o carácter directo ou frontal da defesa, sendo de salientar, nas palavras de
José Alberto dos Reis, que “o réu se mantém dentro do terreno ou do campo
em que o autor se colocou”420, isto é, o réu esgrime com as mesmas armas que
o autor.
Vemos, portanto, que na impugnação, em qualquer das suas espécies,
o réu manifesta a sua oposição frontal, a sua discordância (ora de facto,
ora de direito) perante a petição do autor, tendo sempre em vista a sua
absolvição total ou parcial do pedido, por força da improcedência, total
ou parcial, da acção.

b) Defesa por excepção


Na defesa por excepção, o réu aceita a narração fáctica apresentada pelo au-
tor. Porém, faz chegar ao processo novos factos susceptíveis de gerar a sua
absolvição da instância (ou a remessa do processo para outro tribunal) ou
de impedir, modificar ou extinguir o direito que o autor pretende fazer
valer com a propositura da acção (art. 576º). Daí falar-se num “ataque late-
ral ou de flanco”421, na medida em que o réu sai do terreno em que o autor
se colocou, lançando mão de armas (factos) distintas das usadas pelo au-
tor na petição inicial. Em função do significado e alcance desta via defen-
sional, distinguimos excepções dilatórias e excepções peremptórias.

419
É o que sucede quando o réu, admitindo que, em virtude de um negócio, lhe foi entregue
uma coisa, afirma que tal entrega se fez a título de doação, daí não haver lugar à sua resti-
tuição, a título de comodato, como pretende o autor. Situação semelhante ocorre quando o
senhorio peticiona o despejo, com base em determinados factos, e o réu arrendatário, apesar
de aceitar a factualidade alegada, sustenta que tais factos não constituem motivo legal de
resolução do contrato de arrendamento.
420
José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 24).
421
Neste sentido, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 25).

185
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

As excepções dilatórias são as que, obstando a que o tribunal conheça do


mérito da causa, dão lugar à absolvição do réu da instância ou à remessa
dos autos para outro tribunal (art. 576º 2), consistindo na arguição de
quaisquer irregularidades ou vícios de carácter processual.
Quando analisámos os pressupostos processuais, vimos que eles são
os requisitos técnicos indispensáveis que devem verificar-se para que o
juiz possa debruçar-se sobre o mérito da causa, julgando a acção proce-
dente e condenando o réu no pedido ou julgando a acção improcedente
e absolvendo o réu do pedido. Também vimos que a falta não sanada de
algum desses requisitos gera o aparecimento de excepções dilatórias, que
inibem o juiz daquela actividade. Daí serem também designadas por ex-
cepções processuais, já que somente afectam a relação processual, sem
beliscarem a relação jurídica material, apenas protelando o momento em
que esta será apreciada422. Podemos, por isso, dizer, com Castro Men-
des, que, tendencialmente, as excepções dilatórias e os pressupostos
processuais são “o verso e o reverso da mesma realidade”423.
As excepções dilatórias são enunciadas no art. 577º, preceito que,
tendo carácter meramente exemplificativo (“São dilatórias, entre outras,…”),
é tão completo que cobre quase todas as hipóteses possíveis.
A primeira excepção dilatória respeita à incompetência absoluta ou rela-
tiva do tribunal. Já sabemos que a primeira dá lugar à absolvição da instân-
cia (art. 99º 1)424 e a segunda à translatio judicii (art. 105º 3).
A segunda excepção é a nulidade de todo o processo. Se o processo for
nulo, não faz sentido que o juiz profira uma decisão de mérito sobre a
questão apresentada ao tribunal. Esta nulidade surge quando a petição
inicial é inepta. Sendo esta peça a base de qualquer processo, padecendo
ela de algum dos vícios constantes do nº 2 do art. 186º, todo o processo
ficará inquinado, sendo, por isso, nulo (art. 186º 1).
São também excepções dilatórias a falta de personalidade judiciária e a
falta de capacidade judiciária de alguma das partes. Já se sabe que estas duas
figuras só tomam a natureza de excepções dilatórias se não forem, entre-
tanto, sanadas (art. 14º e arts. 27º e 28º, respectivamente).
Outra excepção dilatória é a falta de autorização ou deliberação que o au-
tor devesse obter. Há situações em que o representante da parte neces-
422
Neste sentido, Luso Soares (Direito…, p. 329).
423
Castro Mendes (Direito... 1987, Vol. II, p. 571).
424
Sem prejuízo da possibilidade prevista no nº 2 do art. 99º.

186
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

sita de autorização ou deliberação prévia para poder praticar certos actos.


Quando se trata do representante do autor, se ele não a tiver obtido, os
respectivos actos não podem ser praticados, pelo que a sua actuação em
juízo não estará “legitimada”. Daí que a acção não deva prosseguir, salvo
se, entretanto, a falta vier a ser sanada (art. 29º)425.
A excepção dilatória seguinte é a ilegitimidade das partes. Se com a exi-
gência da legitimidade se pretende garantir que estejam em juízo os ver-
dadeiros titulares da relação material litigiosa – de modo a que a decisão
a proferir possa efectivamente resolver o conflito –, bem se compreende
que não estando essas pessoas na acção, como autor e réu, a decisão que
vier a ser proferida não as poderá vincular. Por isso, não vale sequer a
pena apreciar a questão. Conforme se sabe, só a ilegitimidade plural é
sanável, pela intervenção dos interessados em falta (art. 311º e art. 316º
1). Se isso acontecer, já não faltará o pressuposto processual, donde não
ocorrerá a excepção dilatória correspondente.
Uma outra excepção dilatória é a coligação ilegal de autores ou de réus,
quando entre os pedidos não se verifique a conexão exigida pelo art. 36º.
Também esta excepção dilatória pode ser sanada através do expediente
previsto no art. 38º426.
Constitui excepção dilatória a pluralidade subjectiva subsidiária em infrac-
ção ao disposto no art. 39º.
E o mesmo se diga da falta de constituição de advogado por parte do autor
(nos casos em que é obrigatório o patrocínio judiciário) e da falta, insu-
ficiência ou irregularidade do mandato (no caso de o autor ter constituído
mandatário). Também esta situação só tomará a natureza de excepção
dilatória se a falta não for devidamente sanada (arts. 41º e 48º)427.
Constituem também excepções dilatórias a litispendência e o caso jul-
gado (arts. 580º a 582º).

O art. 578º estabelece que o tribunal deve conhecer oficiosamente de


todas as excepções dilatórias, apenas escapando a este regime de conhe-

425
Cfr., por exemplo, o art. 1938º 1.e) e 2 do CC. Note-se que, respeitando a falta ao réu, não
há excepção dilatória. O seu efeito é apenas o fixado no art. 29º 2 in fine.
426
Ocorrendo a hipótese prevista no nº 4 do art. 37º, a situação pode ser ultrapassada nos
termos dos nºs 2 e 3 do art. 38º, por remissão daquele nº 4.
427
Quando esteja em causa o patrocínio do réu, as irregularidades não sanadas geram apenas
a ineficácia da defesa (arts. 41º e 48º).

187
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

cimento a incompetência absoluta decorrente da violação de pacto pri-


vativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e a
incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo art. 104º, hipóteses
em que a excepção tem de ser invocada réu para que o tribunal a possa
apreciar.
Quanto à violação de pacto privativo de jurisdição e à preterição de tri-
bunal arbitral voluntário, o que está em causa é uma convenção celebrada
pelas partes, que o autor desrespeitou. Dado o carácter da convenção,
entendeu o legislador que compete ao réu a opção de a fazer valer (invo-
cando a excepção) ou não, assim se respeitando a vontade das partes.

A defesa por excepção peremptória consiste na alegação de factos impe-


ditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico visado pelo autor,
e tem como consequência a absolvição, total ou parcial, do pedido (art.
571º 2 in fine e art. 576º 3).
Neste tipo de defesa, a atitude do réu não se traduz em refutar os fac-
tos articulados pelo autor. O que sucede é que o réu traz ao processo
factos novos que se revelam impeditivos da válida e eficaz constituição do
direito invocado pelo autor, ou que, admitindo tal constituição, implicam
a alteração desse direito, continuando o mesmo a existir (mas com outros
contornos) ou, finalmente, factos que provocam a extinção do direito, o
que significa que o autor não pode tirar proveito dele.
Em qualquer dos casos, o que acontece é a alegação de uma circuns-
tância fáctica nova que visa a inutilização, em maior ou menor grau, do
pedido formulado pelo autor.
Ao contrário do que acontece com as excepções dilatórias, a propó-
sito das quais a lei processual faz uma enumeração extensa, apesar de
exemplificativa, em relação às excepções peremptórias, o legislador nada
estabelece, o que se compreende. É que, enquanto as excepções dilató-
rias são argumentos de natureza processual, sendo natural que a lei de
processo proceda à respectiva enunciação, já as excepções peremptórias
são argumentos de direito material, ficando a sua ponderação para a sede
própria428.

428
Apresentando exemplos típicos de excepções peremptórias, Remédio Marques (Acção
declarativa…, ps. 461-462).

188
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Em todo o caso, podemos adiantar que são factos impeditivos da cons-


tituição do direito do autor os que geram a invalidade dos negócios jurí-
dicos, como é o caso dos que consubstanciem o erro, o dolo, a coacção, a
simulação, a ilicitude ou a ilegalidade do objecto – excepções peremptórias
impeditivas.
Factos modificativos são, por exemplo, a concessão de uma moratória
ao réu devedor, a mudança do percurso ou lugar de uma servidão, a con-
centração (pela escolha) do objecto da obrigação – excepções peremptórias
modificativas.
Factos extintivos do direito alegado pelo autor são, por exemplo, o
pagamento, a dação em cumprimento, a caducidade, a prescrição, o per-
dão, a renúncia, a novação, a condição resolutiva, o termo peremptório
– excepções peremptórias extintivas429.

Note-se que as excepções peremptórias, como meio de defesa mate-


rial que são, respeitam ao mérito da causa, pois contendem com o fun-
do da questão, com a existência ou não, e em que termos, do direito do
autor. Por isso é que a sua procedência dá lugar à absolvição, total ou
parcial, do pedido. Neste aspecto, ou seja, quanto àquilo que o réu visa
ao impugnar ou ao excepcionar, há proximidade entre a defesa por ex-
cepção peremptória e a defesa por impugnação, pois em ambos os casos
o propósito do réu é ser absolvido do pedido. Cumpre explicitar, porém,
que a impugnação do réu assenta no entendimento de que não assiste
razão ao autor, seja de facto, seja de direito, pela que a respectiva preten-
são deverá improceder. Já na defesa por excepção peremptória, o réu não
enjeita o quadro factual ou jurídico apresentado pelo autor, mas a isso
opõe factos que têm por efeito impedir, modificar ou extinguir o direito
invocado pelo autor (direito que, em tese, seria reconhecido não fora a
eficácia da excepção peremptória).
Por outro lado, a absolvição do pedido a que conduz a procedência
das excepções peremptórias pode ser total ou parcial, em função, pre-
cisamente, do alcance com que a excepção atinge o direito do autor.
Por exemplo, quando, numa acção para cobrança de um crédito, o réu

429
A compensação, outra forma de extinção das obrigações à luz do direito substantivo,
decorrente do reconhecimento de um contracrédito do réu sobre o autor, está sujeita a um
regime processual específico, nos termos do art. 266º. 2.c), matéria que será tratada adiante.

189
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

se limitar a alegar que já pagou um terço da dívida (ou que o credor lhe
perdoou essa parte), é evidente que, a ser procedente, esta excepção con-
duzirá apenas à absolvição parcial do pedido, sendo o réu condenado na
parte restante. Já se a excepção atinge aquele direito em toda a sua dimen-
são, a absolvição do pedido será total. É o que acontecerá com a alegação
da prescrição, da caducidade, do pagamento total da dívida, dos motivos
de invalidade do negócio jurídico, enfim, da maior parte das excepções
peremptórias.

O art. 579º refere que o tribunal conhece oficiosamente das excep-


ções peremptórias cuja invocação a lei não faça depender da vontade do
interessado, o que equivale a remeter, e bem, para o direito substantivo
a resolução da questão. Assim, serão de conhecimento oficioso, entre
outras, as nulidades (art. 286º do CC), a caducidade estabelecida em
matéria excluída da disponibilidade das partes (art. 333º 1 do CC), o
pagamento, a novação e a dação em cumprimento430,431.

A propósito das excepções, ao lado da classificação legal de dilatórias


e peremptórias, têm surgido na doutrina diversos outros critérios clas-
sificativos. Pela sua relevância, faremos referência ao que distingue as
excepções propriamente ditas (ou em sentido estrito) das excepções em
sentido geral (ou lato).
Assim, as primeiras respeitam a questões de que o tribunal só tomará
conhecimento se forem expressa e formalmente invocadas pelo réu.
É o que acontece com a prescrição (art. 303º do CC), a incompetência
relativa do tribunal, nos casos não abrangidos pelo art. 104º (art. 578º),
a preterição do tribunal arbitral voluntário (art. 578º), as anulabilidades
substantivas (art. 287º do CC) e a caducidade estabelecida em matéria
da disponibilidade das partes (art. 333º 2 do CC). Para a eficácia destes
meios de defesa, é imprescindível que a parte a quem eles aproveitam

430
A propósito, cfr. Remédio Marques (Acção declarativa…, ps. 462-463).
431
Recorde-se que a prescrição nunca é de conhecimento oficioso (art. 303º do CC). Quanto
ao abuso de direito (art. 334º do CC), tem-se entendido, pacificamente, que o mesmo é de
conhecimento oficioso. Neste sentido, cfr. os Acs. do STJ, de 9.10.1979 (BMJ, 290º-352), de
26.3.1980 (BMJ, 295º-426), de 4.7.1980 (BMJ, 299º-320), de 21.1.1986 (BMJ, 353º-475), de
7.1.1993 (CJ, Acórdãos do STJ, 1993, I-5) e de 21.9.1993 (CJ, Acórdãos do STJ, 1993, III-19).

190
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

(no caso, o réu) alegue os factos correspondentes e manifeste o desejo


de beneficiar das respectivas consequências jurídicas. Se assim não for, o
tribunal não pode suprir a inércia do demandado.
Por seu turno, as excepções em sentido geral são meios de defesa de
que o tribunal pode e deve conhecer oficiosamente, desde que o pro-
cesso forneça os elementos necessários, ainda que o réu não se manifeste
exactamente nesse sentido. São desta índole quase todas as excepções
de natureza processual, tais como as dilatórias (art. 578º), as nulidades
substantivas (art. 286º do CC) e quase todos os factos extintivos das obri-
gações anteriormente referidos432.

1.4.2. Princípios estruturantes da defesa


a) Concentração da defesa na contestação: regra e excepções
O art. 573º prescreve que toda a defesa deve ser deduzida na contestação.
Daqui resulta que o réu deve incluir na sua peça processual todos os
meios de defesa de que disponha, seja a defesa directa (impugnação),
seja a defesa indirecta (excepções dilatórias e peremptórias), em vez de
reservar para momento ulterior do processo certos meios defensionais,
que utilizaria apenas no caso de improcedência dos primeiramente invo-
cados.
De um ponto de vista estritamente formal, parece não justificar-se
que o réu deva defender-se, em simultâneo, por excepções dilatórias e
por impugnação. Como se sabe, a matéria da impugnação, respeitando
ao mérito da causa, só será apreciada pelo tribunal se estiverem reunidos
determinados requisitos processuais, pelo que, estando o réu em con-
dições de alegar, por exemplo, a incompetência absoluta do tribunal, e
sendo tal arguição procedente, é evidente que a defesa por impugnação
que tiver sido apresentada não será, então, tida em consideração, pois
que se impõe o desfecho de absolvição da instância. Dir-se-á, numa si-
tuação deste género, que a defesa directa deduzida terá sido pura perda
de tempo e de trabalho.
Imagine-se, porém, que o réu era admitido a apresentar a sua defesa
por “fracções”, começando, naturalmente, pelas excepções dilatórias,

Para maior desenvolvimento sobre este ponto, cfr. José Alberto dos Reis (CPC Anotado,
432

Vol. III, ps. 31 e ss.), Manuel de Andrade (Noções..., ps. 132 e ss.) e Varela/Bezerra/Nora
(Manual…, ps. 292 e ss.).

191
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

dado o efeito que gera a procedência destas. Nesse caso, o réu iniciaria
a sua defesa invocando aquela incompetência absoluta do tribunal, ex-
cepção que teria de ser apreciada e decidida. Se viesse a ser julgada pro-
cedente, o réu seria absolvido da instância. Teria, então, sentido o que
anteriormente se referiu, quanto à desnecessidade de o réu se defender
logo (e também) por impugnação e excepções peremptórias. Mas, o que
aconteceria se aquela excepção de incompetência fosse julgada improce-
dente, e o tribunal entendesse que podia conhecer do mérito da causa?
Teria, então, de ser concedido ao réu novo prazo defensional, para que
este viesse agora discutir o fundo da questão. E alegando o quê? Preci-
samente aquilo que teria alegado, se o houvesse feito desde logo, isto é,
ao lado da arguição da incompetência absoluta. Daqui resulta que ao res-
peito do direito de defesa do réu acresce a garantia da rapidez processual,
bem como da boa fé na prática dos actos processuais, impedindo-se o réu
de utilizar a sua defesa como expediente para retardar o processo.
Deste modo, impondo-se ao réu o dever de concentrar na contestação
todos os seus argumentos defensionais, independentemente da sua natu-
reza e efeitos, assegura-se, ao mesmo tempo, um sistema de “jogo franco
e leal”433.

Associados ao princípio da concentração da defesa na contestação,


e como sua consequência, encontramos os princípios da preclusão e da
eventualidade.
Do princípio da preclusão resulta que todos os meios de defesa não in-
vocados pelo réu na contestação ficam prejudicados, não podendo ser
alegados mais tarde.
O princípio da eventualidade significa que, dado o risco de preclusão, o
réu há-de dispor todos os seus argumentos defensionais de maneira a que
cada um deles seja atendido no caso (ou na eventualidade) de qualquer
dos anteriores improceder434.

433
Neste sentido, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, ps. 43-45) e Varela/
/Bezerra/Nora (Manual…, ps. 310-311).
434
Por exemplo, o réu começará por invocar a incompetência absoluta do tribunal (excepção
dilatória); seguidamente, para a eventualidade de o tribunal se julgar competente, afirmará
que os factos se passaram de forma diversa (impugnação); por fim, alegará que, apesar de
tudo, já prescreveu o direito à indemnização feito valer autor (excepção peremptória).

192
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

A regra da concentração da defesa na contestação conhece algumas


limitações, que o próprio art. 573º refere. Tais limitações reconduzem-se
a duas espécies:

– defesa separada, prevista no art. 573º 1 in fine. É aquela que, por im-
posição legal, deve ser deduzida no prazo da contestação, mas fora desta,
isto é, em separado435;

– defesa posterior, prevista no art. 573º 2. É a que pode ser deduzida


após a apresentação da contestação e tem três modalidades:
i) a defesa superveniente, isto é, defesa fundada em factos objectiva
ou subjectivamente supervenientes (arts. 588º e 589º)436;
ii) a defesa autorizada por lei. Dela fazem parte aqueles meios de-
fensionais cuja dedução após a contestação a lei expressamente
admite, tais como a incompetência absoluta a que alude o art.
97º, a declaração de impedimento do juiz prevista no art. 116º 1,
a falta de citação do réu ou do Ministério Público (como parte
principal) a que se referem os arts. 187º e 198º 2, e a falta de vista
ou exame ao Ministério Público (como parte acessória) de que
tratam os arts. 194º e 198º 2;
iii) a defesa oficiosa, na qual se integram todos aqueles meios defen-
sionais de que o tribunal pode conhecer oficiosamente. É o que
se verifica com quase todas as excepções dilatórias (art. 578º)437
e com parte das excepções peremptórias.

435
Como exemplo de defesa separada é costume referir a invocação da suspeição do juiz,
nos termos dos arts. 121º 1 in fine e 122º 1. Embora se trate de um argumento que o próprio
autor pode invocar, na medida em que é inerente à garantia da imparcialidade do juiz, o
certo é que, quanto ao réu, deve surgir autonomamente face à contestação. Trata-se, de
todo o modo, de uma figura residual, pois hoje a regra é mesmo não haver defesa separada.
Tempos houve (até à Reforma Intercalar de 1985) em que a incompetência relativa era
deduzida em separado e por via incidental, o que constituía um autêntico exemplo de defesa
separada. Dando nota disto, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 96-97, nota de ro-
dapé nº 35).
436
Esta matéria respeita aos articulados supervenientes, de que trataremos adiante.
437
Atente-se, porém, no regime específico consagrado no nº 1 do art. 198º, quanto à inepti-
dão da petição inicial.

193
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

b) Ónus de impugnação
O outro princípio a ter em atenção na defesa do réu é o ónus de impug-
nação. Nos termos do nº 1 do art. 574º, na contestação, o réu há-de “tomar
posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo
autor”.
Quer isto significar que o réu não pode remeter-se a uma atitude
passiva, não se pronunciando sobre os factos articulados pelo autor, de-
vendo, outrossim, impugnar os factos que não reconheça ou não aceite.
Tal impugnação não carece, porém, de ser motivada, através de uma con-
traversão dos factos articulados pelo autor. Basta a mera negação expres-
sa do ou dos factos alegados438.
Se o réu não tomar posição sobre aqueles factos, entende-se que os
admite como exactos (primeira parte do nº 2 do art. 574º). Como se vê,
o ónus de impugnação tem associada a cominação seguinte: a falta de
impugnação implica a admissão desses factos por acordo (confissão tácita),
o que conduzirá a que os mesmos sejam tidos como assentes e provados
nos autos439.
O ónus de impugnação está, contudo, sujeito a algumas excepções. Desta
forma, apesar de não impugnados, não se têm como admitidos por acordo
os factos que se encontrem em manifesta oposição com a defesa conside-
rada no seu conjunto, os factos sobre os quais não seja admissível confis-
são e, ainda, os factos que só possam ser provados por documento escrito
(segunda parte do art. nº 2 do art. 574º)440.
Realmente, há situações em que a falta de impugnação de um facto
não pode implicar a confissão tácita dele, quando o mesmo esteja em

438
O que permite dizer que, hoje e desde a Reforma de 1995/96, a impugnação na contes-
tação pode limitar-se a uma mera negação em bloco de toda a matéria de facto alegada pelo
autor. Quer dizer, a lei não proíbe a chamada contestação por negação, ao contrário do que
acontecia até 1995/96.
439
Tenha-se em conta que o nº 3 do art. 573º consagra um regime específico para os casos
em que o réu, apesar de não impugnar, afirma que não sabe se determinado facto é real,
estabelecendo o seguinte critério: tratando-se de facto pessoal ou de que o réu deva ter
conhecimento, tal afirmação conduz à confissão do facto, valendo como impugnação no caso
contrário.
440
Atente-se, por outro lado, no regime excepcional fixado no nº 4 do art. 573º, para a repre-
sentação dos incapazes, ausentes e incertos pelo Ministério Público ou por advogado ofi-
cioso. Esse regime, afastando a solução do nº 1 e do nº 3 do art. 573º, justifica-se pelo carác-
ter impessoal deste tipo de representação.

194
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

inequívoca contradição com o que resulta da defesa globalmente con-


siderada. Apenas um juízo estritamente formalista defenderia solução
diferente. É lógico que não se pode considerar um facto como admitido,
só porque não foi concretamente impugnado, quando a análise da con-
testação nos permite concluir, com segurança, que o réu não aceita esse
facto como exacto.
Também não implica admissão por acordo a falta de impugnação de
um facto quando sobre ele não for admitida confissão. É o que sucede
com os chamados “factos inconfessáveis”, previstos no art. 354º do CC441.
É fácil compreender o sentido desta excepção. Se há casos em que a lei
proíbe a confissão expressa, impondo restrições ao princípio da autono-
mia da vontade, é evidente que a confissão tácita, resultante da falta de
impugnação, também não pode relevar, sob pena de vir a “obter-se por via
indirecta ou oblíqua aquilo que directamente não pode ser alcançado”442.
Por fim, não opera o ónus de impugnação quanto aos factos que care-
çam de ser provados por documento escrito. Conforme se sabe, em maté-
ria de declaração negocial, rege o princípio da consensualidade ou da
liberdade de forma (art. 219º do CC). Porém, em diversas situações, a
lei exige, sob pena de nulidade (art. 220º do CC), documento escrito ou
forma ainda mais solene443 para a celebração de certos negócios (trata-
-se aqui de um requisito ad substanciam). Assim, se o autor invocar, como
fundamento do pedido, um contrato para a celebração do qual a lei exija
a observância de forma especial, ainda que o réu não impugne esse facto,
nem por isso se dará como assente tal negócio, já que a sua celebração só
pode ser provada por documento escrito (art. 364º 1 do CC)444.

A finalizar a análise do ónus de impugnação, importa referir a solução


consagrada na parte final do nº 2 do art. 574º.
Já vimos que, face ao nº 1 do art. 5º, o ónus de alegação do autor na
petição inicial limita-se aos “factos essenciais que constituem a causa de pedir”.

441
Cfr. a anotação a este preceito de Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Ano-
tado….).
442
Neste sentido, Manuel de Andrade, citado por José Alberto dos Reis (Comentário ao
CPC, Vol. III, p. 518).
443
Cfr., entre outros, os arts. 875º, 947º, 1143º e 1250º, todos do CC.
444
Sobre o nº 2 do art. 364º do CC, cfr. Castro Mendes (Direito... 1987, Vol. II, p. 561, em
nota de rodapé).

195
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Daqui resulta, além do mais, não haver preclusão quanto a factos (essen-
ciais) complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados.
E mais resulta não haver ónus de alegação nem, tão pouco, preclusão
quanto a factos instrumentais. É na base disto que o nº 1 do art. 574º
reconduz o ónus de impugnação do réu aos “factos que constituem a causa
de pedir”.
Como se compreende, a circunstância de não haver ónus quanto à
alegação de certos factos não equivale à proibição de tal alegação. Conse-
quentemente, no caso de, embora sem necessidade, o autor ter alegado
factos instrumentais na petição inicial, é evidente que o réu não ficará
impedido de tomar posição sobre tais factos e de os impugnar. De todo o
modo, exactamente por inexistir aí um ónus de impugnação, a lei acautela
o seguinte: ainda que o réu não impugne esses factos instrumentais, daí
não resultará mais do que uma, digamos, admissão provisória dos mesmos,
porquanto tal admissão sempre pode ser afastada por prova posterior.
É isso mesmo que estabelece a parte final do nº 2 do art. 574º.

1.4.3. Contestação reconvenção


Nos termos do nº 1 do art. 266º, o réu pode aproveitar a contestação para
formular pedidos contra o autor. Estaremos, nesse caso, perante a figura
da reconvenção, na qual o réu (reconvinte), sendo titular de uma pretensão
autónoma contra o autor (reconvindo), a faz valer nesse processo, ha-
vendo, portanto, uma inversão de posições das partes ou, nas palavras de
José Alberto dos Reis, um “cruzamento de acções”445.
A reconvenção tem um carácter facultativo. Com efeito, porque o
pedido corresponde a uma acção própria, o réu pode optar entre fazê-
-lo valer em reconvenção e deduzi-lo em separado446. No entanto, esta
faculdade concedida ao réu está sujeita a certos limites e à observância de
determinados requisitos. Na verdade, a acção na qual se pretende enxer-
tar o pedido reconvencional está pendente porque (recorde-se o princí-
pio dispositivo) o autor a instaurou. Portanto, se fosse permitido ao réu –
sempre e em quaisquer circunstâncias – deduzir pedidos contra o autor,
isso poderia redundar, muitas vezes, em grave perturbação para a regular

445
José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 96).
446
Referindo-se a casos de reconvenção necessária, Remédio Marques (Acção declarativa…,
ps. 470-473). Para mais desenvolvimentos, Miguel Mesquita (Reconvenção e excepção…, ps.
415 e ss.).

196
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

e ordenada tramitação do processo. Apesar disso, mesmo nos casos em


que a reconvenção é admitida, é seguro que esta sempre irá condicionar a
fisionomia posterior do processo, embora aí se trate de uma “perturbação
controlada” e aceitável.
Analisemos, agora, os requisitos que a lei fixa para que a reconvenção
seja admitida, uns de carácter objectivo, outros de índole processual.

a) Requisitos objectivos da reconvenção


Os requisitos objectivos de admissibilidade da reconvenção respeitam
à natureza desta, exigindo a lei que entre o pedido original e o pedido
reconvencional se verifique uma determinada conexão, uma certa afini-
dade, pois “seria inadmissível que ao réu fosse lícito enxertar numa acção pen-
dente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma”447.
Esta matéria é regulada pelo art. 266º, cujo nº 2 indica, nas suas diver-
sas alíneas, os casos em que o réu pode deduzir pedidos contra o autor:

a) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de


fundamento à acção ou à defesa.
Neste primeiro caso, o pedido reconvencional encontra a sua base
de sustentação num facto jurídico que faz já parte do processo, pois foi
para aí levado pelas alegações do autor, na petição, ou do próprio réu, na
defesa.
Admitamos que o autor propõe uma acção, alegando ter celebrado
com o réu um contrato de compra e venda de certa coisa e que o preço se
encontra ainda em dívida, pedindo a condenação do réu no pagamento
dessa quantia. Se o réu, na contestação, reconhecer que celebrou o negó-
cio, mas alegar que já efectuou o pagamento do preço e, além disso, pe-
dir a entrega, pelo autor, da coisa vendida, estaremos aqui perante um
pedido reconvencional. Com efeito, enquanto invoca o pagamento, a
postura do réu é simplesmente defensional, por excepção peremptória.
Quando pretende que o autor lhe entregue a coisa vendida, manifesta-
mente, o réu formula uma pretensão própria, um pedido de condenação
do autor na entrega dessa coisa, pois este a isso está obrigado por efeito
do contrato de compra e venda que, note-se, foi o facto jurídico que ser-
viu de fundamento ao pedido do autor.

447
Neste sentido, José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 99).

197
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Daí admitir-se este pedido reconvencional, já que emerge do facto jurí-


dico que serviu de fundamento à acção.
Imagine-se, agora, que, em face da mesma petição inicial, o réu con-
testava e arguia a invalidade do negócio por, alegadamente, a sua vontade
ter sido viciada em virtude de dolo empregue pelo outro contraente (o
autor), concluindo pelo pedido de anulação do negócio. Também aqui a
sua atitude seria estritamente defensional, ainda por excepção peremp-
tória. Mas se, a partir dessa circunstância, o réu pretendesse ser indem-
nizado pelos prejuízos eventualmente sofridos, estaríamos já na presença
de um pedido reconvencional, correspondente a uma pretensão de tu-
tela jurisdicional substancialmente autónoma, fundada no facto jurídico (o
dolo) que serviu de base à alegação da defesa. Na verdade, o pedido de in-
demnização extravasa o âmbito da defesa, não sendo mera consequência
daquela excepção peremptória.

Chegados a este ponto, convém salientar que o réu na contestação


pode formular diversos tipos de pedidos, desde o pedido de absolvição ao
pedido reconvencional, passando pelo pedido de procedência das excep-
ções alegadas. Porém, quando, a propósito desta matéria, se fala em pedi-
do, pretende-se apenas referir aquele que corresponde a uma pretensão
autónoma. Por isso, mediante cada um desses pedidos, e a fim de determi-
nar a sua natureza reconvencional ou não, recorre-se ao seguinte critério:
se tal pedido é um efeito necessário da alegação defensional, equivalendo
apenas a tirar proveito completo dessa alegação, diz-se, então, que esse
pedido não é uma reconvenção; se, ao invés, o pedido formulado pelo réu
consiste numa verdadeira pretensão autónoma formulada contra o autor,
aí teremos um pedido reconvencional.

b) quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias


ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida.
Quanto às benfeitorias e despesas mencionadas nesta alínea, o pedido re-
convencional pode surgir, por exemplo, numa acção de reivindicação de
um prédio, se o réu, que nele fez obras de conservação, pretender o res-
pectivo reembolso448, ou se for pedida a restituição de uma coisa deposi-

448
Cfr. os arts. 216º e 1273º a 1275º do CC. Quanto à reconvenção pelo arrendatário, cfr. os
arts. 1046º do CC e 29º do NRAU.

198
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

tada e o réu depositário pretender que o depositante (autor) lhe pague as


despesas de conservação da coisa449.

c) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja


para obter a compensação, seja para obter o pagamento do
valor em que o crédito invocado excede o do autor.
A presente alínea regula as condições em que o réu, demandado para
o pagamento de certa quantia em dinheiro, se afirma simultaneamente
credor do autor e pretende ver reconhecido o seu próprio crédito na
mesma acção.
Em função do montante do contracrédito por si invocado, no con-
fronto com o crédito do autor, pode o réu obter dois tipos de efeitos.
Pode obter a compensação (quando o seu contracrédito seja igual ou
inferior ao crédito do autor) e assim a sua absolvição total ou parcial
do pedido. Mais do que isso (quando o seu contracrédito excede o cré-
dito do autor), pode o réu obter a condenação do autor no pagamento
do valor correspondente ao excesso.
A solução em análise, mais clara e precisa, sucede à que constava da
alínea b) do nº 2 do art. 274º do CPC de 1961 e que previa a reconvenção
quando o réu “se propõe obter a compensação”.
Durante muito tempo, a matéria da compensação foi objecto de
grande controvérsia, tanto na doutrina como na jurisprudência, pois não
era pacífico o entendimento quanto à forma como haveria de ser invo-
cada pelo réu na contestação, sendo útil recordar aqui, ainda que breve-
mente, os termos da questão, até para melhor se compreender a solução
ora consagrada na lei.

Conforme se sabe, à luz do direito substantivo, a compensação é um


meio de extinguir as obrigações (art. 847º do CC). Significa isto que se
um sujeito é devedor de outro em certa quantia, mas ao mesmo tempo
tem um direito de crédito sobre aquele, poderá eximir-se ao cumpri-
mento (extinguindo a sua obrigação), compensando a sua dívida com o
seu crédito, desde que observados os requisitos fixados na lei. Quando,
numa qualquer acção, o réu faz chegar ao processo factos novos que, não
contrariando os alegados pelo autor como fundamento da sua pretensão,

449
Cfr. o art. 1199º do CC.

199
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

constituem, contudo, causas impeditivas, modificativas ou extintivas do


direito invocado por aquele, diz-se que o réu se defende por excepção
peremptória, a qual, sendo procedente, conduz à sua absolvição do pe-
dido. E entre as excepções peremptórias extintivas, únicas que aqui inte-
ressam, é costume apontar-se, como já se fez, a prescrição, a caducidade,
o pagamento, o perdão, a dação em cumprimento e a novação.
Se a alegação de factos extintivos do direito do autor assume a natu-
reza de excepção peremptória, pareceria não haver motivo que justifi-
casse hesitações quanto à dedução da compensação. Ou seja, se todas
aquelas figuras extintivas do direito do autor se invocavam por via de ex-
cepção, o mesmo deveria acontecer com a compensação de créditos.
Todavia, este raciocínio poderia ser precipitado. Sendo indiscutível
que, à face do direito material, a compensação constitui, quanto aos seus
efeitos, uma figura com contornos semelhantes àqueloutras, fazendo ces-
sar a obrigação do réu (devedor) perante o autor (credor), não podemos
ignorar que a compensação tem particularidades que não se verificam
nas restantes figuras. Na verdade, quando o réu invoca factos relativos,
por exemplo, à caducidade, ao pagamento, ao perdão ou à dação em cum-
primento, tais alegações respeitam, indubitavelmente, à relação jurídica
sujeita à apreciação do tribunal, quer dizer, o direito do autor extinguiu-
-se ou porque não foi exercido em tempo, ou porque o réu efectuou o
pagamento, saldando a dívida, ou porque o autor perdoou ao réu a sua
obrigação, ou ainda porque o autor aceitou receber uma prestação em
lugar da que era devida. Já quando é arguida a compensação de créditos,
o direito do autor não se extingue ou cessa por qualquer circunstância
inerente ao próprio direito, ou melhor, à própria relação jurídica, mas,
tão-só, porque o réu é, simultaneamente, credor do autor, crédito esse
proveniente de uma outra relação jurídica havida entre ambos, e que
pode ser absolutamente distinta da apresentada pelo autor. Por se tratar
de uma nova relação jurídica trazida pelo réu para o processo, aí fazendo
valer o respectivo direito de crédito, faria sentido que o exercício deste
direito (de compensação) ocorresse através de pedido reconvencional.

Compreende-se agora a razão de ser da controvérsia acerca da natu-


reza jurídica da compensação em processo civil, para a resolução da qual
havia, essencialmente, duas correntes.

200
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Uma corrente defendia que a compensação deveria ser sempre invo-


cada como excepção peremptória, só envolvendo pedido reconvencional
nos casos em que o contracrédito de que o réu fosse titular excedesse o
crédito do autor, e apenas se o réu pretendesse fazer valer o seu direito
quanto à parte excedente450.
A outra corrente considerava que a compensação de créditos devia ser
sempre objecto de um pedido reconvencional, já que a dedução da com-
pensação ultrapassava a mera defesa, correspondendo a uma pretensão
autónoma, pelo que deveria ser invocada em reconvenção, dado que só
por este meio é permitido ao réu formular pedidos contra o autor451,452.

Ao longo dos anos, fomos entendendo que se afigurava mais adequada


a tese que defendia a via reconvencional para fazer operar a compensação
de créditos. Desde logo, por ser indiscutível que a compensação, dife-
rentemente das outras formas de extinção das obrigações, envolvia uma
pretensão substancialmente autónoma face ao pedido do autor. À face
do nosso direito substantivo, a compensação torna-se efectiva através de
declaração de uma das partes à outra (art. 848º 1 do CC). Tal declaração
pode fazer-se por diversos meios, judicial ou extrajudicialmente, desig-
nadamente, em acção judicial. Assim, se intentasse acção judicial com o
objectivo de obter a compensação, o autor, além de expor os factos rela-
tivos ao seu crédito sobre o réu (e o deste sobre si), pediria que, reco-
nhecendo-se tal crédito, se realizasse a compensação. Quando a compen-
sação fosse deduzida pelo réu, este deveria igualmente expor os factos
constitutivos do seu crédito, e, em seguida, formular o pedido respectivo.
Qual o teor desse pedido? Se não estivéssemos no âmbito da compensa-
ção, o réu pediria, por exemplo, a condenação do autor no pagamento

450
Esta corrente era sustentada por Vaz Serra (RLJ, 104º, ps. 276 e ss.; 105º, ps. 6 e ss.; 109º,
ps. 145 e ss.; e 110º, ps. 254 e ss.), Anselmo de Castro (A acção executiva..., p. 282, em nota
de rodapé, e ps. 283 e ss., adenda) e Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 124-132).
451
Defendiam esta tese Castro Mendes (Direito... 1987, Vol. II, ps. 369 e ss.), Manuel de
Andrade (Noções..., ps. 146 e ss.), Lopes-Cardoso (CPC Anotado 1967, em anotação ao art.
274º), Teixeira de Sousa (Litispendência e compensação…, p. 35) e Almeida Costa (Direito
das Obrigações, ps. 1031 a 1035).
452
Para uma análise mais pormenorizada das referidas correntes, cfr. Miguel Mesquita
(Reconvenção e excepção…, ps. 295 e ss.), Paulo Pimenta (Reconvenção…, ps. 469-478) e
Menezes Cordeiro (Da compensação…, ps. 130-133).

201
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

dessa dívida. No caso particular do contracrédito, o réu pretende justa-


mente que se reconheça o seu direito de crédito, e, nessa conformidade,
se opere a compensação deste com o do autor. Assim sendo, é óbvio que
o réu não se limitaria a pedir, sem mais, a condenação do autor a pagar
a quantia de que é devedor, mas a dedução da compensação levava, sem
dúvida, implícito esse juízo e intenção, já que é essência do fenómeno
compensatório fazer valer o crédito de que se é titular, para compensar
com a obrigação a que se está vinculado. Daqui resulta que o pedido con-
clusivo do réu seria complexo, pois incluiria o pedido de reconhecimento
do seu crédito, o pedido de compensação deste com o do autor e o pedido
de improcedência da acção, total ou parcialmente, na medida da com-
pensação a operar453. Daí que o meio próprio para o réu fazer valer o seu
crédito sobre o autor e, por via disso, obter a compensação de créditos
devesse ser o da reconvenção.
Além do mais, militavam nesse sentido diversas indicações legisla-
tivas. Primeiro, a própria evolução da alínea b) do nº 2 do art. 274º de
1961454. Depois, o cotejo do nº 2 do art. 308º e do nº 3 do art. 447º-A do
CPC de 1961 mostrava bem quanto o legislador considerava que a com-
pensação tinha processualmente natureza reconvencional455. Além disso,
as sucessivas leis de organização judiciária referiam-se à compensação
no domínio da reconvenção456. Também a Lei dos Julgados de Paz, no
seu art. 48º, não deixava dúvidas quanto ao entendimento do legislador
acerca do tratamento processual da compensação457.

Aqui chegados, a alínea c) do nº 2 do art. 266º revela que o legislador


quis tomar posição em termos de pôr fim à querela, tendo-o feito no sen-
tido previsível face aos inúmeros sinais legislativos já existentes e acaba-
dos de assinalar. Fica agora claro – mais claro, dir-se-á – que o réu, sempre
que se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento de tal crédito na

453
Cfr. Paulo Pimenta (Reconvenção…, p. 479).
454
Sobre este ponto, Paulo Pimenta (Reconvenção…, ps. 469-470).
455
No CPC de 2013, verifica-se o mesmo pelo nº 2 do art. 299º e pelo nº 3 do art. 530º.
456
Assim na alínea p) do art. 85º da Lei nº 3/99, de 13.1, e na alínea p) do art. 118º da Lei
nº 52/208, de 28.8. O mesmo sucede, aliás, com a nova Lei de Organização do Sistema Judi-
ciário, a Lei nº 62/2013, de 26.8, na alínea o) do seu art. 127º.
457
A Lei dos Julgados de Paz é a Lei nº 78/2001, de 13.7, alterada e republicada pela Lei
nº 54/2013, de 31.7.

202
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

acção em que está sendo demandado, deverá formular pedido reconvencional


nesse sentido e pedir a fixação das consequências possíveis em face desse
reconhecimento458.
Nessa conformidade, reconhecido que seja o crédito do réu, uma de
duas:
– se o valor desse crédito não exceder o do crédito do autor, é claro que
o réu só pode obter a compensação de créditos e a sua inerente absolvi-
ção do pedido (total ou parcial, em função da compensação operada);
– se o valor desse crédito for superior ao do crédito do autor, o réu
pode obter, além da sua absolvição total do pedido (pela compensação
integral dos créditos), a condenação do autor no pagamento do valor em
que o seu crédito exceda o do autor459.

Em face do exposto, é de entender que esta alínea c) do art. 266º tem


natureza interpretativa, para os efeitos do art. 13º do CC.

O regime em apreço não permite ao réu qualquer tipo de opção, isto


é, não se afigura possível ao réu optar entre a via reconvencional ou a
mera invocação de um crédito sobre o autor por meio de excepção pe-
remptória. Admitir essa opção seria reeditar a polémica do passado, bem
assim desrespeitar o intuito legislativo460.

458
Neste sentido, cfr. os Acs. do TRP de 12.5.2015 (processo nº 143043/14.5YIPRT.P1) e de
8.7.2015 (processo nº 19412/14.6YIPRT-A.P1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
459
Não estão cobertos pela previsão do art. 266º 2.c) os casos em que a compensação já te-
nha sido operada extrajudicialmente em momento anterior, pois aí o crédito do autor já está
extinto quando a acção é proposta, sendo então de invocar esse facto extintivo em sede de
defesa. A este propósito, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 131-132) fala em objec-
ção. Também não estão cobertos pela previsão legal, os casos em que o crédito do réu já te-
nha sido reconhecido judicialmente (noutro processo, portanto), até sob pena de repetição
de causas e inerente excepção de caso julgado ou, pelo menos, de litispendência (arts. 580º
a 582º). Quando assim for, estaremos perante o mero fenómeno extintivo que caracteriza a
compensação, a invocar em defesa por excepção peremptória. A este propósito, cfr. Ramos
de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 237).
460
Para justificar essa eventual opção não pode apelar-se ao carácter facultativo da reconven-
ção. A reconvenção é, realmente, facultativa, no sentido de que o réu não tem a obrigação ou
sequer o ónus de reconvir. Coisa diferente, já excluída de qualquer faculdade, é saber como
tem o réu de proceder quando pretenda obter o reconhecimento de crédito de que seja titu-
lar sobre o autor. A essa questão a lei responde: deduzindo reconvenção! Com uma perspec-
tiva contrária, referindo que nada mudou, “permanecendo a reconvenção fundada em compensação
facultativa”, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 131-132).

203
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

d) quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o


mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
Aqui, instaurada a acção pelo autor com determinado objectivo,
o réu não só se defende do pedido, impugnando ou excepcionando,
como, em manifesta atitude de contra-ataque, formula uma preten-
são autónoma cujo conteúdo corresponde precisamente ao pedido do
autor, se bem que em sentido inverso. Teremos um pedido reconven-
cional desta natureza quando, numa acção em que o autor pede que o
tribunal declare o seu direito de propriedade sobre um imóvel, o réu,
além de impugnar tal direito, pretende que se declare pertencer-lhe a
mesma propriedade.

b) Requisitos processuais da reconvenção


Já se sabe que a reconvenção corresponde a uma acção que se cruza, no
mesmo processo, com uma outra já pendente, proposta pelo autor, e que
encerra uma pretensão de tutela jurisdicional que o réu sempre poderia
formular em acção instaurada com esse objectivo.
Assim sendo, o regime processual a que se sujeita tal pedido do réu
há-de ser idêntico, seja apresentado em reconvenção, seja em acção pró-
pria. Por outras palavras, visto que, para deduzir o seu pedido em acção
própria, o réu (que aí seria autor) teria de observar todos os requisitos
técnicos que a lei exige para que se possa obter uma decisão de mérito,
isto é, teria de respeitar todos os pressupostos processuais, impõe-se en-
tão que, quando “aproveita” um processo já pendente, para nele enxertar
a sua própria acção, também dê cumprimento aos mesmos pressupostos,
sem o que, sob a veste da reconvenção, seriam torneadas, sem justifica-
ção, exigências de natureza processual.
Nessa conformidade, para a reconvenção ser admitida é necessária a
verificação de certos requisitos de ordem processual.
O primeiro requisito respeita à competência do tribunal, o que se justi-
fica pela circunstância de todos os tribunais terem definidos por lei
os respectivos âmbitos de competência, nomeadamente, em razão da
matéria e da hierarquia, razão pela qual não podemos sujeitar à apre-
ciação de um tribunal toda e qualquer questão, ignorando a sua vocação
jurisdicional.

204
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Por isso, para que ao réu seja possível deduzir reconvenção, é neces-
sário que o tribunal onde o processo está pendente se revele competente
para conhecer também da questão reconvencional. É este o sentido do
nº 1 do art. 93º ao fazer depender a reconvenção da competência do tri-
bunal em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, sem o que o
autor reconvindo será absolvido da instância reconvencional. A lei dispen-
sa, no entanto, por razões óbvias, a competência em razão do território461.
O segundo requisito de ordem processual diz respeito à forma do pro-
cesso, como se vê pelo nº 3 do art. 266º, que exige que ao pedido original e
ao pedido reconvencional corresponda a mesma forma processual.
Esta exigência da unidade da forma do processo visa impedir que o
enxerto da acção reconvencional no processo pendente possa causar per-
turbações e embaraços à sua normal e previsível tramitação. Nesta linha
de raciocínio, José Alberto dos Reis afirmou que “a reconvenção equi-
vale, no fundo, a uma acção proposta pelo réu contra o autor e faz-se mister que a
forma do processo seja adequada para a instrução, discussão e julgamento do pleito
reconvencional. Como a forma do processo é, em regra, determinada pelo pedido
do autor, segue-se que o processo só será idóneo para se instruir, discutir e julgar a
causa reconvencional se houver coincidência entre a forma de processo aplicável à
acção e a forma de processo aplicável à reconvenção”462.
Portanto, se estivermos numa acção comum, é admissível reconvenção
se a esta couber igualmente a forma comum de processo. E se a acção for
especial, a reconvenção só é admitida se lhe corresponder a mesma forma
especial, e não outra forma especial ou a forma comum463.

Antes de terminarmos o estudo da reconvenção, importa fazer quatro


últimas considerações.

A primeira, para dizer que o réu pode reconvir ainda que não se de-
fenda do pedido do autor464.

461
Relativamente ao critério da competência em razão do valor da causa, a questão é resol-
vida nos termos indicados no nº 2 do art. 93º.
462
José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 117).
463
Note-se que, apesar da diversidade das formas de processo, o juiz pode autorizar o en-
xerto reconvencional, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do art. 37º (art. 266º 3 in fine).
464
Neste sentido, cfr. o Ac. do TRL de 4.12.1953 (BMJ, 45º-209), e o Ac. do STJ, de 31.7.1956
(BMJ, 59º-462).

205
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

A segunda, para assinalar que a improcedência da acção e a absolvição


do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional, a
não ser que este seja dependente do pedido do autor, tal como estabelece
o nº 6 do art. 266º465.

A terceira, para afirmar que, em algumas hipóteses, a reconvenção


pode ser deduzida a título eventual, isto é, para ser atendida apenas
no caso de a acção proceder466. Assim sucede quando o réu pede uma
indemnização por benfeitorias realizadas na coisa cuja entrega é peti-
cionada pelo autor, de modo que só se atende ao pedido de benfeitorias
se for ordenada a restituição da coisa467.

Finalmente, para referir que a reconvenção pode não envolver apenas


o réu reconvinte e o autor reconvindo, sendo possível ao reconvinte sus-
citar a intervenção de terceiros que venham associar-se a si ou ao recon-
vindo, nos termos das disposições relativas à pluralidade de partes, ge-
rando o incidente da intervenção principal provocada regulado nos arts.
316º e seguintes (art. 266º 4)468. É de notar que este regime se aplica
quer a reconvenção contenda com um litisconsórcio necessário, quer
com um litisconsórcio voluntário. No caso deste último, porém, o juiz
pode recusar a reconvenção quanto ao terceiro, se entender que há grave
inconveniente na instrução, discussão e julgamento simultâneos da pre-
tensão original e da reconvencional. Nesse caso, o terceiro será absolvido
da instância reconvencional (art. 266º 5)469. Em contrapartida, no campo
do litisconsórcio necessário, o juiz não pode deixar de admitir o pedido
reconvencional, verificados que estejam os respectivos requisitos, natu-

465
Cfr., a propósito, o art. 286º 2.
466
Neste sentido, Manuel de Andrade (Noções..., p. 153). A este propósito, cfr. o Ac. do STJ
de 27.11.2003 (processo nº 03B3126) e os Acs. do TRP de 20.1.1998 (processo nº 9721262) e
de 5.2.2004 (processo nº 0432573), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
467
Cfr. o Ac. do TRP de 19.9.1989 (CJ, 1989, IV-196).
468
Neste sentido, cfr. o Ac. do TRC de 5.12.2012 (processo nº 4331/06.8TBAVR.C1), dispo-
nível em www.dgsi.pt.
469
Como o chamamento do terceiro é feito por citação (art. 319º) e esta depende de prévio
despacho do juiz [art. 226º 4. d)], afigura-se que, conjugando o art. 318º 2 e o art. 266º 5, bem
pode suceder que a reconvenção seja imediatamente rejeitada quanto ao terceiro e este não
chegue, sequer, a ser citado. Nesse cenário, não chega a colocar-se a hipótese da sua absolvi-
ção da instância, pois ele fica à margem do processo, acabando por não intervir na instância.

206
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

ralmente, com a inerente citação dos terceiros que hajam de intervir para
assegurar a legitimidade plural.

1.4.4. Estrutura e conteúdo da contestação


Face ao constante das diversas alíneas do art. 572º, podemos dizer que a
contestação inclui o intróito, a narração e a conclusão, em termos simila-
res aos referidos acerca da petição inicial.
No intróito, o réu deve dirigir a contestação ao tribunal em que pende
a acção, individualizando o processo pelo respectivo número, indicando
ainda os nomes das partes, até porque os restantes elementos constam já
da petição inicial.

A narração inclui três possíveis vertentes. Por um lado, a parte em que


o réu expõe as razões de facto e de direito pelas quais se opõe à pretensão
do autor, o que corresponde à defesa por impugnação, seja de facto, seja
de direito. Por outro lado, já ao nível da defesa por excepção, a narração
respeita à exposição dos factos essenciais em que se baseiam as excepções dedu-
zidas, o que tem conexão com o previsto no nº 1 do art. 5º470. Por fim, a
parte relativa aos fundamentos da reconvenção que o réu deduza contra
o autor.
Relativamente à defesa por excepção, cumpre destacar a exigência
contida na alínea c) do art. 572º, que se traduz no ónus de o réu especifi-
car separadamente as excepções deduzidas, com a cominação de os respectivos
factos não se considerarem admitidos por acordo em caso de falta de im-
pugnação. Do que se trata é de evitar que o réu dissemine pela contes-
tação (não separando, portanto) defesa por impugnação e defesa por ex-
cepção, com o risco de o autor não se aperceber de eventuais excepções
deduzidas. É que, face à remissão do nº 1 do art. 587º para o art. 574º,
o autor tem o ónus de impugnar os factos integradores de excepções

470
Com as devidas adaptações, recorde-se o que foi referido a propósito da causa de pedir,
face ao disposto no art. 5º: i) impende sobre o réu o ónus de alegação dos factos essenciais rela-
tivos às excepções peremptórias que deduza; ii) não há preclusões quanto a factos instrumen-
tais, devendo o juiz considerar todos os factos instrumentais que resultem da instrução da
causa; iii) não há preclusões quanto a factos (essenciais) complementares ou concretizadores dos
factos (essenciais) inicialmente alegados, devendo o juiz conhecer desses factos quando os
mesmos resultarem da instrução, na condição de assegurar às partes a possibilidade de sobre
eles se pronunciarem.

207
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

(factos novos, pois), sob pena de se terem como admitidos por acordo os
factos que não forem impugnados. Para que este ónus e esta cominação
possam funcionar com efectividade, a boa fé processual impõe que o réu
especifique separadamente as excepções que deduza, para ser então pos-
sível ao autor, primeiro, ficar ciente de cada excepção invocada, segundo,
optar conscientemente entre impugnar os respectivos factos e deixar de
o fazer. O que não seria aceitável era que o réu pudesse beneficiar da falta
de impugnação dos factos integradores de excepção por si deduzida em
virtude de o autor não se ter apercebido de tal excepção471.
No que respeita à reconvenção, nesta parte, a contestação faz as vezes
de uma autêntica petição inicial. Nessa medida, o nº 1 do art. 583º, para
além de estabelecer que a reconvenção deve ser expressamente identifica-
da e deduzida separadamente na contestação, estatui que o reconvinte deve
expor os respectivos fundamentos nos termos da alínea d) do nº 1 do art.
552º, o mesmo é dizer, o reconvinte deve expor os factos essenciais que
constituem a causa de pedir reconvencional e as razões de direito que
servem de fundamento à reconvenção.

A conclusão da contestação, como, aliás, já se disse a propósito da peti-


ção inicial, representa o corolário lógico das alegações feitas na narração,
isto é, o réu deve aí retirar as consequências daqueles argumentos. E como
essas consequências não são as mesmas para todos os argumentos (quer
dizer, o efeito da procedência de uma excepção dilatória é diferente do
da procedência de uma excepção peremptória, da impugnação, ou da
reconvenção), o réu deve destrinçar cada um desses efeitos na conclusão
da contestação.

471
Tratar-se-ia de um verdadeiro caso de benefício do infractor, o que é de repudiar. Sem pre-
juízo do que se dirá adiante, note-se que a dedução de excepções sem a respectiva especifi-
cação implicará a irregularidade da contestação, devendo ser proferido despacho pré-sanea-
dor de convite ao aperfeiçoamento da peça, nos termos do nº 3 do art. 590º. Por outro lado,
também sem prejuízo do que se dirá adiante, convém não confundir o ónus de o autor tomar
posição sobre os factos integradores das excepções deduzidas na contestação com a circuns-
tância de, face ao art. 584º, o terceiro articulado dos autos (a réplica) ter um âmbito mais
limitado do que era tradicional. Se o contraditório não puder ser exercido em articulado,
será exercido de outro modo, sobremaneira na audiência prévia (art. 3º. 4). O que releva é
que, quando for exercido e no modo por que o seja, o autor está sujeito ao regime do art.
574º ex vi do nº 1 do art. 587º.

208
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Refira-se que o réu não tem de indicar qualquer valor na contesta-


ção, salvo se não concordar com o valor atribuído pelo autor à acção,
podendo então impugná-lo, desde que ofereça outro valor em substitui-
ção daquele (art. 305º 1)472.
As coisas são diferentes se o réu tiver formulado um pedido recon-
vencional, caso em que deve declarar o valor da reconvenção (art. 583º 2),
o que bem se compreende, uma vez que esta é uma pretensão autónoma
que corresponde a uma acção própria e o nº 1 do art. 296º prescreve que
a toda a causa deve ser atribuído um valor certo. A questão do valor da
reconvenção é importante para os efeitos do art. 299º, pois este valor
pode acrescer ao da causa473. A soma de valores pode produzir efeitos
sobre o processo, mas apenas para os actos posteriores à reconvenção,
segundo dispõe o nº 3 do mesmo art. 299º474,475. Se o réu não indicar o
valor do seu pedido reconvencional, a secretaria não deixa de receber a
contestação. Porém, o reconvinte é convidado a indicar tal valor, sob pena
de a reconvenção (apenas ela, e não também a defesa deduzida) não ser
atendida (art. 583º 2 in fine).

Conforme já foi assinalado, por referência ao disposto no nº 2 do art.


147º, a contestação deve ser redigida sob a forma articulada, sendo este o
único modo de contestação que a lei expressamente autoriza. Contudo,

472
Caso o réu impugne o valor atribuído à acção pelo autor e indique outro em sua substi-
tuição, o autor é admitido a pronunciar-se no sentido de aceitar o valor indicado pelo réu
(art. 305º 2). Não sendo alcançado tal acordo, deverá observar-se o disposto no art. 308º,
competindo ao juiz determinar o valor; situação similar ocorre quando, embora haja acordo
das partes, o juiz não aceite esse acordo.
473
Esta soma tem lugar desde que o pedido reconvencional seja diferente do pedido do au-
tor, tal como estabelece o nº 2 do art. 299º, em conjugação com o nº 3 do art. 530º.
474
Correndo a acção os termos da forma única de processo comum, é evidente que a soma
de valores não terá efeitos ao nível da forma do processo, mas pode ter ao nível da com-
petência do tribunal, particularmente no confronto entre o juízo local cível (ou, não o ha-
vendo, o juízo de competência genérica) e o juízo central cível, podendo tal soma de valores
determinar a incompetência do tribunal onde a acção está pendente, com a inerente re-
messa do processo para o juízo central cível, nos termos do nº 2 do art. 93º [cfr. o arts. 117º
1.a) e 3 e o art. 130º 1 da LOSJ].
475
Note-se que a eventual a extinção da instância reconvencional não inutiliza os efeitos
processuais já produzidos pela dedução da reconvenção, nomeadamente quanto ao valor da
causa, nos termos do art. 299º 2. Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…,
Vol. II, p. 130, nota de rodapé nº 206).

209
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

ao lado da contestação articulada, pode falar-se da contestação por junção


de documentos.
Há contestação por simples junção de documentos quando o réu, no prazo
da contestação, apresenta, através de requerimento, documentos dos
quais resultam os factos que constituem a sua defesa. Embora o código
não lhe faça menção, é de admitir este tipo de contestação476,477.

Importa, agora, definir os termos em que o réu deve organizar to-


das as matérias que pretenda expor, tanto as relativas à defesa, como as
respeitantes à reconvenção. Recorde-se que, nos termos da alínea c) do
art. 572º, as excepções devem ser especificadamente separadas e que,
nos termos do nº 1 do art. 583º, a reconvenção deve ser expressamente
identificada e discriminadamente deduzida na contestação. Registe-se
que, além dos preceitos referidos, o código actual nada mais estabelece
quanto a isto478. Em virtude da necessidade de separar as matérias, deverá
então usar-se um critério de lógica e de boa arrumação processual.

Antes de mais, importa saber se a defesa há-de anteceder a recon-


venção ou o contrário. Ora, o lógico é que o réu comece por se defen-
der, até porque esta é a primeira e principal função que desempenha a
contestação, ao que acresce a circunstância de nem sempre ser possível
reconvir.
Já dentro da defesa, se o réu pretender alegar excepções (dilatórias
e peremptórias) e impugnar, qual a ordem por que hão-de ser invoca-
dos os diversos meios defensionais? Afigura-se que a defesa deve co-
meçar pela alegação das excepções dilatórias, uma vez que a sua proce-
dência, como sabemos, inibe o juiz de conhecer do mérito da causa479.
Depois, já no âmbito da defesa que respeita ao mérito da causa, onde
figuram as excepções peremptórias e a impugnação, o que se recomenda
476
Neste sentido, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, ps. 8 e 43) e Manuel de
Andrade (Noções..., p. 145).
477
Assim sucede, por exemplo, se, numa acção de cobrança, o réu se limita a juntar ao pro-
cesso o respectivo recibo de quitação.
478
O mesmo sucedia, aliás, com o CPC de 1961. Pelo contrário, o CPC de 1939, no seu art.
496º, estabelecia o seguinte: “Quando a defesa for simultaneamente contra a instância e contra o
pedido, a que for atinente à absolvição da instância deve preceder a que conduzir à absolvição do pedido”.
479
Parece ser este também o lugar próprio para a arguição das nulidades dos arts. 191º e 198º.
Em sentido idêntico, Manuel de Andrade (Noções...,p. 155, em nota de rodapé).

210
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

é que o réu comece por fazer frente à acção, contradizendo os factos


alegados pelo autor, ou o efeito jurídico que este pretende deles retirar.
É, pois, aconselhável que principie pela impugnação. Em seguida, deve
o réu invocar as excepções peremptórias que possa opor à pretensão do
autor. Na verdade, se o réu está em condições de impugnar e excepcio-
nar peremptoriamente, é mais lógico que comece pela impugnação. Isto
porque, ao impugnar, o réu contraria a tese do autor, não a aceitando,
no todo ou em parte, o que significa que repudia os factos com base nos
quais o autor formula o seu pedido ou, pelo menos, a respectiva qualifi-
cação jurídica. Em contrapartida, a defesa por excepção peremptória tem
outro conteúdo. Embora admita os factos apresentados pelo autor, o réu
lança mão de outros (novos) factos que têm por consequência impedir,
modificar ou extinguir o efeito jurídico daqueles invocados pelo deman-
dante. Assim sendo, antes de averiguar se o direito do autor se modificou
ou extinguiu, é conveniente apurar se ele se chegou a constituir e em que
termos480. O mesmo é dizer que, no âmbito das excepções peremptórias,
devem ser alegadas, primeiramente, as impeditivas, depois, as modifica-
tivas e, por fim, as extintivas.
Depois de todas as alegações defensionais deve, então, ser articulada a
matéria relativa ao pedido reconvencional.
A circunstância de a reconvenção dever ser deduzida discriminada-
mente em relação à defesa não implica que a conclusão da contestação
respeitante à defesa surja logo após os respectivos argumentos, para
então se iniciar a exposição dos fundamentos da reconvenção, seguida do
respectivo pedido conclusivo.
Na realidade, também não há no código nenhuma regra a observar
quanto a isto, pelo que ficará ao critério do contestante a organização da
sua peça, quer começando por expor todos os fundamentos da defesa e
da reconvenção, para então formular a conclusão (que incluirá ambas as
matérias), quer expondo a defesa e a respectiva conclusão, e, depois, a
reconvenção e o correspondente pedido.
De qualquer maneira, mostra-se bem mais adequado que a contes-
tação contenha apenas uma narração e uma só conclusão, versando em
simultâneo, mas discriminadamente, a matéria defensional e a matéria
reconvencional.

480
Neste sentido, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 75).

211
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Refira-se, por fim, que os pedidos do réu, na conclusão da contestação,


devem ser formulados segundo a ordem da exposição dos respectivos
argumentos na narração.
Assim, supondo que a contestação alberga todas as matérias, deve
pedir-se:
– a procedência das excepções dilatórias e a consequente absolvição
do réu da instância481;
– que seja atendida a impugnação e, por isso, o réu absolvido do pe-
dido (pela improcedência da acção);
– a procedência das excepções peremptórias e, consequentemente, a
absolvição do réu do pedido;
– a procedência da reconvenção e, na sequência disso, a condenação
do autor reconvindo; se a reconvenção tiver por base um crédito invoca-
do pelo réu sobre o autor e o respectivo montante não exceder o do cré-
dito deste, o pedido a formular pelo réu deverá ser no sentido de operar
a compensação e de, em função da medida desta, ser absolvido do pedido
total ou parcialmente; se o crédito assim invocado pelo réu exceder o do
autor, o réu pedirá ainda a condenação do reconvindo no pagamento do
valor em que o crédito reconvencional excede o do autor.

1.4.5. Prazo da contestação


O prazo para a apresentação da contestação é de trinta dias, contados da
citação, nos termos do art. 569º 1482,483.
Esta regra sofre, contudo, alguns desvios. Assim, havendo vários réus,
se o prazo terminar em dias diferentes, cada um dos demandados ou

481
Ou a remessa do processo para o tribunal competente (art. 105º 3).
482
Quanto ao modo de contagem dos prazos, o art. 138º estabelece a regra da continuidade,
havendo suspensão da contagem no período das férias judiciais. A lei admite a possibilidade
de serem praticados actos fora do prazo, em caso de justo impedimento, nos termos do art.
140º. Independentemente de justo impedimento, é ainda possível praticar o acto nos três
dias uteis subsequentes ao termo do prazo, com sujeição, porém, ao pagamento de uma
multa, conforme estabelecem os nºs 5 a 8 do art. 139º.
483
Note-se que o prazo para a apresentação da contestação só começa a correr após a dila-
ção, quando a esta haja lugar. Nos termos do art. 245º a dilação ocorre, designadamente,
quando o réu resida fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a acção ou quando
tenha sido citado editalmente.

212
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

todos eles podem apresentar a sua contestação até ao termo do prazo que
começou a correr em último lugar (art. 569º 2). Esta solução justifica-se
já que, para além de não prejudicar o autor (visto o disposto no art. 575º
2), concede aos vários réus a possibilidade de uma defesa conjunta484.
Por outro lado, se o Ministério Público representar o réu, admite-se
que aquele prazo seja prorrogado, até ao máximo de trinta dias, nos casos
previstos no nº 4 do art. 569º.
Finalmente, há que atentar na solução constante dos nºs 5 e 6 do art.
569º, que consagra a possibilidade de o prazo da contestação ser prorro-
gado, até ao limite máximo de trinta dias, quando o réu o requeira e o tri-
bunal considere relevantes os motivos inovados 485,486. Na base desta pre-
visão está o seguinte: se, normalmente, o autor dispõe de condições para
preparar a acção que vai instaurar, colhendo elementos e documentos,
tantas vezes essenciais, que demoram tempo a ser obtidos e se não está
sujeito a prazos apertados para a propositura das acções, é conveniente
que, na medida do possível, se propicie algo de similar ao réu, o que se
traduz em conceder uma prorrogação do prazo para contestar, quando o
tribunal considerar existir motivo ponderoso que impeça ou dificulte a
organização da defesa no prazo legalmente definido487.

484
Atente-se no nº 3 do art. 569º, por via do qual se evita que os certos réus percam este
benefício se, entretanto, o autor desistir da instância ou do pedido quanto a um demandado
ainda não citado.
485
Assim acontecerá, por exemplo, quando for exageradamente vasto o número de questões
suscitadas, for de antecipar que se tornam necessários à elaboração da defesa elementos ou
documentos cuja obtenção é habitualmente morosa (como a derivada de buscas nas Con-
servatórias do Registo, nos Cartórios Notariais ou em Serviços de Finanças, etc.) ou quando,
de uma maneira geral, se puder concluir que o prazo originário de trinta dias não é, de facto,
compatível com a elaboração de uma profícua defesa.
486
O requerimento tendente à prorrogação tem de ser apresentado em tempo, isto é, antes
de terminar o prazo inicialmente fixado na lei para a contestação, sendo certo que tal apre-
sentação não suspende o prazo em curso. A decisão sobre o requerimento, que é proferida
sem ouvir a parte contrária, não admite recurso, tem de ser tomada em vinte e quatro horas
e pode ser comunicada ao réu através de um dos meios previstos na segunda parte do nº 5
do art. 172º (v.g., por telecópia, por comunicação telefónica ou por telegrama, etc.), respei-
tando-se ainda o nº 6 deste mesmo artigo.
487
No caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo da defesa for concedida apenas
a um deles, tal benefício deve considerar-se extensivo aos restantes demandados, por aplica-
ção adaptada do regime do art. 569º 2. Deste modo, fica assegurada a possibilidade de defesa
conjunta e em nada se prejudica a celeridade processual, já que os autos sempre aguarda-
riam o decurso do último prazo (cfr. o art. 575º 2).

213
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Apresentada a contestação em juízo488, não havendo lugar à sua recusa


pela secretaria489, é tal peça processual notificada ao autor, com o envio
do duplicado a si destinado (art. 575º 1), para que tome conhecimento da
atitude assumida pelo réu perante a acção490.

1.5. Revelia do réu


Já vimos que a citação do réu se destina a dar-lhe notícia da acção que
pende contra si, deste modo se assegurando o contraditório e propor-
cionando ao demandado a hipótese de se defender da pretensão contra
si formulada (art. 219º 1).
Assim citado, o réu tanto pode contestar como não, embora não seja
indiferente contestar ou deixar de o fazer, como se verá.
Quando não contesta a acção, o réu entra em revelia, correspondendo
a revelia ao estado em que se encontra o réu não contestante. A este pro-
pósito, podemos falar em revelia absoluta e em revelia relativa. Além disso,
podemos falar em revelia operante e em revelia inoperante. Sem prejuízo da
análise a fazer adiante, importa desde já assinalar que a natureza (abso-
luta ou relativa) da revelia não determina, sem mais, o regime da operân-
cia ou inoperância (isto é, dos efeitos) da revelia. Quer dizer, podemos
ter uma revelia absoluta e o seu efeito ser operante, assim como podemos
uma revelia relativa e o seu efeito ser inoperante491.

488
Tal como ficou dito a propósito da petição inicial, actualmente vigora o regime da auto-
liquidação da taxa de justiça devida pelas partes. Assim, o réu deve juntar à contestação do-
cumento comprovativo do pagamento prévio da taxa de justiça devida ou da concessão do
benefício do apoio judiciário (nº 1 do art. 14º do RCP e o art. 145º). Note-se que, diferen-
temente do que acontece com a petição, a falta do referido documento não obsta ao rece-
bimento da contestação, dispondo o réu do prazo de 10 dias para proceder a tal junção, sob
pena de ficar sujeito à cominação prevista no art. 570º (art. 145º 3). Para a hipótese de, no
momento em que contesta, o réu estar a aguardar decisão sobre o pedido de apoio judi-
ciário, cfr. os nºs 1 e 2 do art. 570º. Registe-se, por outro lado, que se houver reconvenção e
o valor desta acrescer ao indicado na petição (o que sucede quando o pedido reconvencio-
nal for distinto do original, nos termos do art. 299º), a taxa de justiça a pagar pelo réu deve
reflectir já essa soma (nºs 2 e 3 do art. 530º).
489
Quanto às hipóteses de recusa de recebimento da contestação pela secretaria, é de obser-
var, adaptadamente, a previsão do art. 558º.
490
Havendo várias contestações, a notificação faz-se nos termos do nº 2 do art. 575º.
491
Como se verá quando analisarmos a segunda parte da alínea b) do art. 568º, só aí a natu-
reza (absoluta) da revelia é critério para efeito de determinação do regime da revelia (inope-
rante)

214
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

A revelia diz-se absoluta quando, além de não deduzir oposição, o réu


não constitui mandatário nem intervém de qualquer forma no processo
(art. 566º). Perante este total alheamento do réu, e por se recear que o
mesmo radique em qualquer irregularidade no acto da citação, a lei acau-
tela que o juiz, antes de fazer funcionar qualquer cominação para a reve-
lia, apure se a citação respeitou todas as formalidades legais e promova a
sua repetição se constatar irregularidades. Como é evidente, se não fo-
rem detectadas irregularidades, o acto não tem de ser repetido. No caso
contrário, repete-se o acto e aguarda-se novamente o decurso do prazo
para a contestação. Se nem assim houver contestação, permanecendo o
réu em revelia, restará fixar os respectivos efeitos.

A revelia é relativa quando o réu, embora não deduzindo contestação,


constitui mandatário no processo ou intervém, de algum modo, na acção
(v. g., escolhendo domicílio para notificações ou requerendo a prorroga-
ção do prazo para contestar).
Este estado de revelia produz efeitos quer na situação processual do
demandado, quer na própria tramitação da acção. Em função desses efei-
tos, temos a considerar a revelia operante e a revelia inoperante.

1.5.1. Revelia operante


O réu, mais do que ter o direito, tem o ónus de contestar a acção, na
medida em que a revelia (sendo operante) produz efeitos que lhe são
desfavoráveis. Por isso mesmo é que uma das informações a transmitir
ao réu aquando da sua citação respeita às cominações em que incorre
em caso de revelia (arts. 227º 2 in fine e 563º)
A revelia operante tem por efeito a confissão dos factos articulados pelo
autor, tal como estabelece a parte final do nº 1 do art. 567º, sendo que este
regime tem lugar quando o réu, apesar de não contestar, tenha sido ou
deva considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa, ou, pelo
menos, haja juntado procuração a mandatário judicial, no prazo da con-
testação.
O efeito deste comportamento omissivo do réu é a chamada “confissão
tácita ou ficta”492. Tal confissão distingue-se da confissão judicial expressa,

492
Manuel de Andrade (Noções..., p. 254) e Varela/Bezerra/Nora (Manual…, ps.
543-545) preferiram a expressão “confissão presumida”. Lebre de Freitas (A confissão...,
p. 483-484) não aceita esta terminologia, optando por falar em “admissão”.

215
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

que consiste numa declaração de ciência, através da qual se reconhece


um facto cuja prova pertence à parte contrária (cfr. os arts. 355º e ss. do
CC). Por sua vez, a confissão a que conduz a revelia operante não depen-
de de qualquer declaração nesse sentido, bastando a própria inércia do
demandado.
Nos termos legais, não tendo o réu contestado e considerando-se
confessados os factos alegados pelo autor, restará apenas decidir a causa
“conforme for de direito” (art. 567º 2 in fine). Com efeito, confessados que
passam a ter-se os factos articulados na petição, deixa de haver controvér-
sia nessa sede, limitando-se a questão à valoração jurídica desses mesmos
factos.
Cumpre ressalvar que o estado de revelia operante em que se encon-
tra o réu, embora seja susceptível de potenciar tal desfecho, não conduz,
sem mais, à procedência da acção. É isto mesmo que mostra a parte final
do nº 2 do art. 567º. Propondo a acção, o autor formulou determinada
pretensão de tutela jurisdicional e fê-lo por referência ao quadro factual
que verteu na petição inicial. A operância da revelia leva a que se assuma
como verificado nos autos esse quadro factual, mas não mais do que isso.
Quer dizer, continuando o juiz a ter de julgar a causa “conforme for de di-
reito”, tal julgamento tanto pode conduzir à procedência da acção como
não. Numa palavra, na revelia operante, há confissão dos factos, mas não
do direito. Daí que se fale no efeito cominatório semi-pleno associado à
revelia operante493.

A operância da revelia gera o encurtamento da acção. Confessados os


factos, por ausência de contestação, não há mais articulados. Além disso,
são suprimidas todas as etapas ou actos processuais cuja existência radica
num quadro de litígio acerca dos factos da causa e à necessidade de pro-
duzir prova quanto aos mesmos.

493
Na verdade, apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem como confessados, o
juiz fica liberto para julgar a acção materialmente procedente, mas também (por exemplo)
para se abster de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (quando cons-
tate a violação de pressupostos processuais não sanados), para julgar a acção apenas parcial-
mente procedente (se, imagine-se, o autor houver formulado dois pedidos, sendo um deles
manifestamente infundado) e até para reduzir aos justos limites determinada indemnização
peticionada. Cfr. Leo Rosenberg (Tratado…, Tomo II, p. 171).

216
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Nessa conformidade, proferido que seja o despacho judicial a dar


como verificada a revelia e a fixar os efeitos da sua operância, o nº 2 do
art. 567º prevê que o processo passe imediatamente para um momento
de alegações escritas sobre a matéria de direito (única vertente ainda em
aberto, pois a matéria de facto está assente)494, após o que é proferida
sentença, julgando a causa conforme for de direito, nos termos já refe-
ridos495.

1.5.2. Revelia inoperante


A cominação fixada na lei para a revelia do réu conhece algumas excep-
ções, o que significa que, em determinadas circunstâncias, apesar de o
réu não ter contestado, nem por isso se consideram confessados os fac-
tos articulados pelo autor. Estamos então perante a revelia inoperante.
Nessa situação, como não se consideram confessados os factos articula-
dos na petição inicial, o autor não está dispensado da prova dos funda-
mentos fácticos da acção.

Nos termos da alínea a) do art. 568º, a revelia não opera quando, ha-
vendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante
impugnar. Nesta hipótese, basta que um dos réus conteste a acção para os
factos por ele impugnados não poderem ser considerados como confes-
sados em relação aos seus co-réus revéis. Desta forma, evita-se uma even-
tual discrepância no julgamento da matéria de facto, obstando-se a que
os factos articulados pelo autor sejam, no mesmo processo, considerados
como confessados quanto a uns réus e impugnados quanto a outros496.
Note-se que este benefício concedido aos réus revéis se circunscreve à
matéria impugnada pelo réu contestante. Por isso, os factos da petição

494
Nos termos da lei, estas alegações de direito são apresentadas, primeiro, pelo autor, de-
pois, pelo réu. Como tais alegações são redigidas e subscritas pelos advogados das partes,
o réu não contestante só pode produzir alegações se tiver constituído mandatário. Se assim
não acontecer, apenas o autor pode alegar. Neste sentido, Montalvão Machado (O dis-
positivo..., p. 194, nota de rodapé nº 383) e Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 92).
Em sentido contrário, sustentando que, neste último caso, o autor fica inibido de alegar,
a pretexto da quebra da igualdade das partes, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo...,
p. 211).
495
Cfr. o nº 3 do art. 567º acerca do conteúdo possível da sentença proferida neste contexto.
496
Por outro lado, evita-se que a questão de direito seja julgada duas vezes, uma por força do
nº 2 do art. 567º, outra no âmbito do art. 607º.

217
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

inicial que não hajam sido efectivamente impugnados são dados como
assentes, em relação a todos os réus [cjg. o art. 574º 2 com o art. 568º
a)]. Por outro lado, excepções eventualmente deduzidas pelo réu contes-
tante, sobremaneira as de carácter inoficioso, apenas a este aproveitam.

Nos termos da primeira parte da alínea b) do art. 568º, a revelia é ino-


perante quando o réu ou algum dos réus seja incapaz e a causa esteja no âmbito da
sua incapacidade. Estamos no domínio de acções que versam sobre matéria
para a qual o demandado carece de capacidade jurídica, sendo essa inca-
pacidade que justifica a protecção do incapaz que permaneça em revelia.
Simultaneamente, para evitar uma eventual discrepância no julgamento
da matéria de facto, estende-se tal benefício aos co-réus que sejam igual-
mente revéis.
Importa notar que a falta de contestação do incapaz (através do seu
representante, obviamente) não implica, desde logo, a afirmação de que
o mesmo se encontra em revelia, embora inoperante por força deste art.
568º b). É que, detectada a inércia dos legais representantes do inca-
paz, há ainda que dar cumprimento ao disposto no nº 1 do art. 21º, ci-
tando-se o Ministério Público e correndo novo prazo para a contestação.
Só no caso de o Ministério Público também não oferecer contestação é
que se assume que o réu incapaz entra em revelia, apesar de inoperante,
nos termos referidos.

De acordo com o disposto na segunda parte da alínea b) do art. 568º,


a revelia é também inoperante quando o réu ou algum dos réus tenha sido
citado editalmente e permaneça em revelia absoluta. Dado o carácter não pes-
soal desta forma de citação, e por não haver a certeza de que o réu tenha
tido efectivo conhecimento da acção que pende contra si, a lei opta por
não sujeitar o réu revel assim citado ao regime da revelia operante. Cabe
salientar que este é o único caso em que a natureza da revelia (absoluta,
no caso) determina o regime da (in)operância de tal revelia. Na verdade,
a cautela subjacente a esta previsão (que radica no carácter não pessoal
da citação) perde razão de ser quando for possível assumir que o réu tem
efectivo conhecimento da pendência da acção. É o que sucede quando
sua revelia for apenas relativa497. Deste modo, sendo seguro que o réu

497
É o caso de o réu citado editalmente constituir mandatário dentro do prazo da contesta-
ção ou de, nesse prazo, praticar qualquer acto no processo.

218
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

tem consciência de que foi demandado em juízo, perde justificação qual-


quer protecção acrescida. Em termos similares aos acima referidos, é de
notar que a mera falta de contestação do réu citado editalmente que per-
maneça em revelia absoluta não implica, sem mais, a aplicação do regime
da segunda parte da alínea b) do art. 568º. Na verdade, verificada a falta
de contestação, há que começar por cumprir o disposto no nº 1 do art.
21º, citando-se o Ministério Público para defender o réu e correndo novo
prazo para a contestação. Se também o Ministério Público não apresen-
tar contestação, então sim, assume-se que o réu fica submetido ao re-
gime da revelia inoperante, nos termos indicados. Por fim, tal como na
hipótese anterior e para obviar ao já mencionado risco de discrepância
no julgamento da matéria de facto, o benefício concedido ao réu citado
editalmente e que se encontre em revelia absoluta é alargado aos co-réus
revéis.

A quarta situação de inoperância da revelia está prevista na alínea c)


do art. 568º e ocorre quando a acção tenha por objecto relações jurídicas sub-
traídas ao domínio da vontade das partes. No domínio de acções que en-
volvem matéria de natureza indisponível, a previsão da inoperância da
revelia evita que as partes consigam, pela falta de contestação, um efeito
jurídico que não poderiam obter, quer por via de confissão em juízo498,
quer por via extrajudicial499.

Finalmente, estabelece a alínea d) do art. 568º que a revelia não pro-


duz efeitos quando se trate de factos para prova dos quais se exija documento
escrito. Se por lei (art. 364º do CC) ou por convenção das partes (art. 223º
do CC) for imposta determinada forma para a emissão de declarações
negociais, a lei de processo não pode permitir que a eventual falta de con-
testação conduza a um resultado contrário ao exigido pela lei substantiva
ou pela convenção. Tenha-se em atenção que, neste caso, a inoperância
da revelia é mais restrita do que nos anteriores. Quer dizer, por princípio,

498
Cfr. o nº 1 do art. 289º. Cfr., também, o art. 354º do CC.
499
A revelia é inoperante, por exemplo, nas chamadas acções de estado, tais como as de im-
pugnação de maternidade ou paternidade, as de divórcio ou separação de pessoas e bens,
e as de anulação de casamento. Referindo-se a casos de inoperância da revelia no contexto
deste normativo, cfr. o Ac. do TRG de 10.4.2008 (processo nº 52/08-2) e o Ac. do TRC de
17.3.2009 (processo nº 1090/08.3TJCBR.C1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

219
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

a falta de contestação implica a confissão de todos os factos articulados


pelo autor, nos termos do nº 1 do art. 567º, salvo daqueles que, efectiva-
mente, careçam de prova documental para a sua demonstração500.

Tal como se fez a propósito da revelia operante, importa agora verifi-


car quais as alterações que sofre a tramitação processual em virtude de
a falta de contestação não gerar a confissão dos factos articulados pelo
autor.
Para esse efeito, há que separar a alínea a) do art. 568º das restantes
alíneas deste preceito.
No primeiro caso, em que o réu revel beneficia da contestação apre-
sentada pelo seu co-réu (melhor dito, da impugnação deduzida por esse
co-réu), a tramitação processual não sofre alterações, na medida em que
sempre temos uma contestação nos autos. Assim, poderá haver réplica,
nas hipóteses em que esta peça seja de admitir (art. 584º). E terão lugar
todas etapas processuais posteriores, seja a fase intermédia, seja a fase
final do processo.
Nas hipóteses das alíneas b) e c) do art. 568º, a situação é diferente.
Na verdade, como não há contestação também não haverá lugar a réplica.
Na fase seguinte, isto é, na fase intermédia do processo, não se realizará
a audiência prévia [art. 592º 1.a)]. Mas, porque os factos articulados pelo
autor não se têm por confessados, sempre será necessário produzir prova
sobre eles, para que o juiz possa, em função disso, decidir o pleito. Assim,
ainda na fase intermédia, deverá ser cumprido o disposto no nº 2 do art.
593º, tal como impõe o nº 2 do art. 592º, sendo proferidos, pelo menos, o
despacho saneador (art. 595º), o despacho a identificar o objecto do lití-
gio e a enunciar os temas da prova (art. 596º) e ainda o despacho destinado
a programar os actos a realizar na audiência final, a estabelecer o número
de sessões e a sua provável duração e designar as respectivas datas [art.
593º 2.d)]. Depois, na fase final do processo, haverá lugar à audiência fi-
nal (art. 603º)501, seguindo-se a prolação da sentença (art. 607º).

500
Note-se o paralelismo entre as alíneas c) e d) do art. 568º e a segunda parte do nº 2 do
art. 574º.
501
De entre os actos a praticar na sentença, referidos no art. 604º, há que ter em conta que a
tentativa de conciliação, prevista no seu nº 1, está excluída nas acções prossigam ao abrigo da
alínea c) do art. 568º, face à limitação imposta pelo nº 1 do art. 289º.

220
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

A situação poderá ser algo diferente no caso previsto na alínea d) do


art. 568º. Com efeito, como a inoperância da revelia é determinada pela
falta de determinado documento, pode bem suceder que o juiz, logo após
a verificação da falta de contestação e por referência ao disposto na alínea
b) do nº 2 e no nº 3 do art. 590º, notifique o autor para proceder à res-
pectiva junção. Se o autor juntar o documento em falta, o juiz estará em
condições de julgar o mérito da causa, mas só o poderá fazer depois de
assegurado o contraditório, isto é, depois de permitir ao réu pronúncia
sobre tal documento, desde logo para os efeitos previstos nos arts. 444º
e 446º. Num cenário destes, mantendo-se a revelia do réu, o regime apli-
cável será então o do art. 567º, restando a produção de alegações escritas
sobre a matéria de direito, após o que será proferida sentença. Já no caso
de o réu opor qualquer arguição que implique produção de prova, a acção
não poderá deixar seguir a tramitação acima referida para os casos das
alíneas b) e c) do art. 568º, considerando-se em especial o disposto no
art. 449º502.

Ainda neste contexto, deve dizer-se que o tratamento favorável de


que usufrui o réu revel – seja porque o seu co-réu contestou, seja porque
é um incapaz, seja porque foi citado editalmente e permanece em revelia
absoluta – manter-se-á ainda que esse co-réu venha, entretanto, a confes-
sar o pedido, a transigir ou a ser absolvido da instância503.

Por fim, refira-se que a situação processual do réu revel só é condicio-


nada naquilo que estiver directamente associado à falta de contestação,
mantendo-se, quanto ao mais, todos os seus poderes processuais que não
estejam dependentes da circunstância de o réu ter contestado.
Assim, quanto à revelia operante, como se disse, o réu tem a faculdade
de alegar por escrito sobre a matéria de direito, desde que tenha advo-
gado constituído (art. 567º 2).

502
A este propósito, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 93, nota de rodapé nº 25).
503
Neste sentido, Anselmo de Castro (Direito..., Vol. III, p. 236), Castro Mendes (Di-
reito... 1987, Vol. II, p. 591, em nota de rodapé) e Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 352,
em nota de rodapé). Seguindo a posição adoptada no texto, cfr. o Ac. do TRP de 21.9.2010
(processo nº 474/04.0TBOAZ-I.P1) e o Ac. do TRG de 5.2.2012 (processo nº 534/10.9TB-
VLN.G1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

221
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Quanto à revelia inoperante, importa saber se esta é absoluta ou rela-


tiva. No primeiro caso, o réu não é notificado para nenhum acto ou dili-
gência processual, sem prejuízo da notificação da decisão final (art. 249º
2 a 4). No segundo caso, o réu revel é notificado para os actos proces-
suais504. Em ambas as situações, no que respeita às diligências de instru-
ção, visto que não apresentou requerimento probatório, o qual deve ser
vertido na contestação [art. 572º d)], o réu poderá, ainda assim, intervir
nos actos em que se produza prova (art. 415º 2), designadamente inqui-
rindo as testemunhas arroladas pelo autor ou marcando presença em
inspecção judicial. Quanto a iniciativas probatórias do próprio réu, estas
ficam limitadas à hipótese da prova por declarações de parte regulada no art.
466º. No que toca a alegações, o réu revel é admitido a produzir alega-
ções orais na audiência final [art. 604º 3.e) e 5]. Como é evidente, salvo
nas declarações de parte, que constituem um acto pessoal, toda a demais
actuação processual do réu revel há-de fazer-se através de mandatário
judicial505.

1.6. Réplica
A réplica é o terceiro articulado do processo declarativo comum, ca-
bendo ao autor a sua apresentação. Trata-se de um articulado eventual,
que só pode ter lugar em duas situações.
Por um lado, quando o réu haja formulado pedido reconvencional na
contestação, servindo a réplica para o autor “deduzir toda a sua defesa quanto
à matéria da reconvenção” (art. 584º 1)506.
Por outro lado, a réplica é admissível nas acções de simples apreciação
negativa, servindo para o autor “impugnar os factos constitutivos que o réu
tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado
pelo réu” (art. 584º 2).

504
Se estiver constituído mandatário, as notificações são, em regra, feitas na pessoa deste
(art. 247º). Caso contrário, as notificações são dirigidas ao próprio réu (art. 249º 1).
505
Afirmação esta que é feita na pressuposição de que é obrigatória a constituição de advo-
gado ou, não sendo, foi constituído mandatário judicial. Mesmo que o patrocínio judiciário
seja obrigatório, cfr. o nº 2 do art. 40º, que permite a prática de certos actos pela própria
parte. Quanto aos casos em que, não sendo obrigatória a constituição de advogado, a parte
não haja constituído mandatário, cfr. o nº 3 do art. 40º.
506
Nos termos deste preceito, o autor não pode opor nova reconvenção.

222
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

No confronto com o CPC de 1961, verifica-se que o CPC de 2013 tor-


nou a réplica uma peça ainda mais eventual, na medida em que restringiu
as hipóteses da sua apresentação. Com efeito, nos termos do nº 1 do art.
502º do CPC de 1961, a réplica servia, antes de mais, para o autor respon-
der às excepções deduzidas na contestação. Agora, face ao teor do art.
584º, quando o réu se defenda por excepção, o autor não dispõe de arti-
culado próprio para responder às excepções deduzidas507. Daqui decorre
que, nesses casos (tal como quando o réu se limita à defesa por impugna-
ção), a etapa inicial do processo fica reduzida a dois articulados508.
Cumpre referir que, apesar da inexistência de articulado para respon-
der às excepções, sempre fica assegurado ao autor o exercício do contra-
ditório quanto a tal matéria, mais exactamente na audiência prévia, tal
como estabelece o nº 4 do art. 3º509. Só não será assim se o juiz decidir
proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito, caso em
que determinará a notificação do autor para esse fim. Esta opção do juiz,
fundada no disposto no art. 547º, poderá ser particularmente útil nos ca-
sos em que, por referência ao estatuído no art. 592º 1.b), o juiz projecte
não realizar a audiência prévia, o que implica que a excepção dilatória
(nesta situação, só pode estar em causa uma excepção dilatória) tenha
sido debatida nos articulados510.

507
Não se esqueça, porém, o caso especial previsto no nº 2 do art. 103º, em que a resposta
à excepção de incompetência relativa tem sempre lugar em articulado, seja na réplica
(quando a esta houver lugar por qualquer das razões previstas no art. 584º), seja em
articulado próprio.
508
As restrições impostas pelo CPC de 2013 não se ficaram por aqui, porquanto, além de
diminuir o âmbito da réplica, eliminou o articulado tréplica, peça que, à luz do art. 503º do
CPC de 1961, o réu podia apresentar em certas condições, fundadas na necessidade de asse-
gurar o exercício do contraditório.
509
Para o caso de a acção ter valor não superior a metade da alçada da Relação, cfr. o disposto
no art. 597º.1.a).
510
Apesar de, nos termos da lei (art. 584º), a réplica se não destinar ao exercício do contradi-
tório quanto a excepções, afigura-se que, nos casos em que possa apresentar réplica para os
fins indicados no art. 584º, o autor terá o ónus de responder à matéria das excepções deduzidas na
contestação. É o que parece resultar das disposições conjugadas dos arts. 3º. 4 (a contestação
não é o último articulado admissível), 572º c) e 587º 1. Revê-se, desde modo, posição assu-
mida em obra conjunta: João Correia/Paulo Pimenta/Sérgio Castanheira (Introdução
ao estudo…, p. 71, nota de rodapé nº 73).

223
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

O prazo de apresentação da réplica é de 30 dias, contados da notifica-


ção da contestação (art. 585º)511.
Quanto à sua estrutura, a réplica é em tudo semelhante aos articula-
dos anteriores, integrando o endereço, o intróito, a narração e a conclu-
são, valendo aqui tudo o que já se disse acerca daqueles. Se deste arti-
culado constarem várias matérias, impõe-se que a sua exposição seja feita
discriminadamente, o mesmo devendo suceder na conclusão da peça.

Considerando a função da réplica (defesa perante a reconvenção ou


impugnação dos factos constitutivos alegados pelo réu em acção de sim-
ples apreciação negativa), a falta da sua apresentação ou a falta de im-
pugnação dos factos novos alegados pelo réu gera o efeito fixado no art.
574º, isto é, tais factos consideram-se admitidos por acordo (art. 587º
1). Face à remissão para o art. 574º, importa ressalvar que a falta de im-
pugnação de certos factos pode não implicar a sua admissão por acordo
se eles estiverem em oposição com o conjunto das alegações feitas pelo
autor (na própria réplica ou até petição inicial), se não for admissível
confissão sobre eles ou ainda se para prova dos mesmos for exigido do-
cumento escrito.
Por outro lado, sempre que deduza excepções na réplica, o autor deve
dar cumprimento ao fixado na alínea c) do art. 572º, com a cominação aí
prevista, isto é, deve especificar separadamente as excepções que deduza,
sob pena de, em caso de falta de impugnação, os respectivos factos não se
considerarem admitidos por acordo (art. 587º 2)512.
As alterações introduzidas pelo CPC de 2013 ao nível dos articulados
(eliminando a tréplica e restringindo o campo da réplica) tiveram outro
tipo de consequências, tal como a que se decorre do teor do art. 265º, que
mostra não ser possível ao autor usar a réplica para alterar o pedido e a
causa de pedir com a amplitude que havia no código revogado. Na ver-
dade, nos termos do nº 1 deste preceito, a alteração ou ampliação da causa
de pedir só pode ocorrer em consequência de confissão feita pelo réu e

511
Este prazo pode ser prorrogado, em termos similares aos previstos para a contestação (art.
586º).
512
Sempre que o autor invoque excepções na réplica, como não há mais articulados, ficará
assegurado ao réu o exercício do contraditório na audiência prévia, nos termos do nº 4 do
art. 3º, sem prejuízo, como se referiu já, de o juiz optar por proporcionar ao réu a resposta à
excepção por escrito, notificando-o para tal, ao abrigo do disposto no art. 547º.

224
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

aceita pelo autor. Quanto ao pedido, o nº 2 do art. 265º, permitindo a sua


redução em qualquer altura, estabelece que a ampliação apenas é per-
mitida se for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo513.

1.7. Articulados supervenientes


O nº 1 do art. 611º prescreve que a sentença deve tomar em consideração
os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se pro-
duzam posteriormente à instauração da acção, de modo a que a decisão
final corresponda à situação existente no momento do encerramento da
discussão. Um dos modos, quiçá o modo privilegiado, de o tribunal ace-
der a tais factos é o de as partes os alegarem.
O momento normal de alegação dos factos é o da apresentação dos
articulados. Assim, por regra, é na petição que o autor alega os factos
constitutivos do seu direito, competindo ao réu alegar, na contestação,
os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (até por
força do princípio da concentração da defesa neste articulado).
Porém, pode suceder que determinados factos constitutivos do direito
ocorram (ou cheguem ao conhecimento do autor) depois de apresentada
a petição. É igualmente possível que ocorram (ou cheguem ao conhe-
cimento do réu) factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele
direito, depois do oferecimento da contestação514. Estes são os chamados
factos (objectiva ou subjectivamente) supervenientes.

Face ao prescrito no citado nº 1 do art. 611º, impõe-se carrear para o


processo tais factos. De que modo? Através dos articulados supervenientes,
previstos nos arts. 588º e 589º, preceitos que revelam haver diversos mo-
mentos para a alegação de factos supervenientes.
Assim, se o processo admitir o articulado réplica e os factos constituti-
vos do direito ocorrerem ou chegarem ao conhecimento do autor depois
de apresentada a petição inicial, mas ainda a tempo de poderem ser ale-
gados na réplica, é em tal peça que essa dedução deve surgir, valendo a
réplica como o articulado posterior a que se refere o nº 1 do art. 588º.

513
Este regime é bem mais restritivo do que o que se encontrava nos nºs 1 e 2 do art. 273º do
CPC de 1961.
514
No sentido de que, apesar do teor do nº 1 do art. 506º, deve ser considerada a possibili-
dade de o réu alegar factos impeditivos (subjectivamente) supervenientes, Lebre de Frei-
tas/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Anotado, p. 341).

225
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Quando o processo não admitir réplica ou, admitindo, esses factos


constitutivos ocorrerem ou chegarem ao conhecimento da parte depois
de oferecida a réplica, no caso do autor, ou se os factos impeditivos, modi-
ficativos ou extintivos do direito feito valer em juízo ocorrerem ou che-
garem ao conhecimento da parte depois de apresentada a contestação,
no caso do réu515, a alegação dos factos supervenientes faz-se em novo
articulado, nos termos do nº 3 do art. 588º:
i) se houver lugar à audiência prévia e os factos ocorrerem ou che-
garem ao conhecimento da parte até ao encerramento dela, será nesta
diligência judicial que o novo articulado deve ser apresentado;
ii) se não houver lugar à audiência prévia, o novo articulado deve ser
apresentado nos dez dias contados da notificação da data designada para
a realização da audiência final;
iii) se houver audiência prévia e os factos ocorrerem ou chegarem ao
conhecimento da parte após o respectivo encerramento, será no início da
audiência final que o novo articulado deve ser deduzido516;
iv) no caso previsto em ii), se os factos ocorrerem ou chegarem ao conhe-
cimento da parte depois de decorridos o prazo ali indicado, será também
no início da audiência final que o novo articulado deve ser deduzido.

O articulado superveniente está sujeito a despacho liminar, podendo


ser rejeitado pelo juiz nos casos previstos na primeira parte do nº 4 do
art. 588º. Se for recebido, é notificada a parte contrária para lhe respon-
der, satisfazendo-se, assim, o contraditório517.
Importa referir que, em princípio e nos termos do nº 1 do art. 589º,
a apresentação do novo articulado depois de designado dia para a

515
O que aqui se diz vale inclusivamente para o réu que se encontre em regime de revelia, o
qual pode apresentar articulado superveniente quanto a facto ocorridos ou chegados ao seu
conhecimento após o decurso do prazo da contestação. Neste sentido, cfr. o Ac. do TRL de
30.11.2010 (processo nº 3895/05.8TVLSB-B.L1-1), disponível em www.dgsi.pt.
516
Se os factos ocorrerem ou chegarem ao conhecimento da parte após o início da audiência
final, a sua dedução tem lugar nos termos previstos no nº 2 do art. 589º, sendo feita oral-
mente.
517
Quanto ao oferecimento das provas juntamente com o articulado superveniente e a res-
posta, cfr. o nº 5 do art. 588º. Acerca do tratamento e consideração dos factos supervenien-
temente no conjunto dos demais elementos da causa, cfr. o nº 6 do art. 588º.

226
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

audiência final não suspende as diligências previstas nem implica o seu


adiamento. Se o articulado super veniente é deduzido depois de aberta a
audiência final, também não haverá, em regra, interrupção da audiência,
salvo quando se verifique o condicionalismo consignado na parte final do
nº 2 do art. 589º.

2. Fase intermédia
Findos os articulados, o processo é feito concluso ao juiz, assim se mar-
cando o início da segunda etapa da acção, a fase intermédia do pro-
cesso.
Esta fase tem por primeiro objectivo a verificação da regularidade da
instância. Sendo detectada alguma irregularidade susceptível de sanação,
promover-se-á o respectivo suprimento. Se a irregularidade for insanável
ou não for sanada, o processo termina já nesta fase518.
Quando a instância se mostrar regularizada, daí decorre que não ha-
verá obstáculos a que o mérito da causa seja apreciado. Tal apreciação
terá lugar neste momento da instância, se houver condições para isso,
ou seja, se o processo fornecer já todos os elementos (de facto e de di-
reito) necessários à decisão. Caso contrário, a acção deverá prosseguir,
destinando-se esta fase à preparação da tramitação subsequente.
De entre os actos ou diligências que terão lugar nesta fase processual,
destacam-se o despacho pré-saneador, a audiência prévia, o despacho
saneador, o despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enun-
ciar os temas da prova, bem assim o despacho destinado a programar e
agendar a audiência final.

2.1. Despacho pré-saneador


Salvo nos casos em que haja lugar a intervenção liminar do juiz, nos
termos admitidos no nº 1 do art. 590º, os trâmites da acção declarativa
comum apontam no sentido de o primeiro contacto do juiz com o pro-
cesso só ocorrer depois de apresentados os articulados.

518
Salvo se a persistência da irregularidade não implicar esse desfecho. É o caso, por exem-
plo, da falta de constituição de advogado por parte do réu, caso em que o vício não se reper-
cute na instância, mas só na defesa, como decorre do disposto no art. 41º (“sob pena de … ficar
sem efeito a defesa”).

227
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Nessa ocasião, o juiz deverá proceder a uma análise dos autos que
se espraia em diversas vertentes, daí podendo resultar a prolação de um
despacho pré-saneador519 destinado a realizar objectivos vários.

2.1.1. Casos de prolação do despacho pré-saneador


a) Suprimento da falta de pressupostos processuais ou de excepções dila-
tórias
A alínea a) do nº 2 do art. 590º estabelece que a primeira função a cumprir
pelo despacho pré-saneador é a de “providenciar pelo suprimento de excepções
dilatórias, nos termos do nº 2 do art. 6º”. Estamos aqui perante a assinalada
vertente de verificação da regularidade da instância, cometendo-se ao juiz
um papel activo, já que não lhe cabe uma mera função tabelar, outrossim
o dever de, caso alguma excepção ocorra e caso a mesma seja sanável,
tomar as diligências adequadas no sentido da sanação.
Importa notar que, confrontando o art. 590º 2.a) e o art. 6º 2, estes
preceitos usam expressões não coincidentes, embora o sentido de ambos
seja idêntico. Visto que, em regra, a violação de pressupostos processuais
gera excepções dilatórias, seria indiferente falar em falta de pressupostos
susceptíveis de sanação e em excepções dilatórias sanáveis. No entanto, e já
assim se disse, há casos em que a violação de um pressuposto processual
não implica, sem mais, uma excepção dilatória, como sucede nos casos
em que é obrigatória a constituição de advogado mas o réu não constitui
mandatário judicial. Embora o réu viole o pressuposto do patrocínio judi-
ciário obrigatório, tal violação não gera uma excepção dilatória. Ao invés,
como igualmente se disse, temos hipóteses de excepções dilatórias que
não decorrem da violação de um concreto pressuposto processual, como
acontece nos casos previstos nas alíneas d), f ) e g) do art. 577º.
Face ao disposto no nº 2 do art. 6º, as diligências a encetar pelo juiz em
sede de despacho pré-saneador podem ter uma dupla natureza. Por prin-
cípio, mais a mais estando em causa questões índole processual, cumprirá
ao juiz determinar a “realização dos actos necessários à regularização da instân-
cia” 520. No entanto, nas situações em que tal regularização não possa ser

519
Este despacho tem a designação legal que, desde a Reforma de 1995/96, lhe era já atri-
buída pela doutrina e pela jurisprudência.
520
Assim sucederá quanto estiver em causa a sanação da falta de personalidade judiciária de
sucursal ou delegação, caso em que o juiz ordena a citação da administração principal (art.

228
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

alcançada directamente por via da actuação do juiz, carecendo tal regula-


rização da mediação das partes, isto é, “quando a sanação dependa de acto que
deva ser praticado pelas partes”, aquilo que cabe ao juiz é advertir as partes
em conformidade, “convidando estas a praticá-lo”521.
Cumprida a previsão conjunta do nº 2 do art. 6º e da alínea a) do nº 2
do art. 590º, pode suceder que o vício venha a ser suprido (como é dese-
jável), mas também pode acontecer que (menos desejavelmente) o vício
persista. De todo o modo, a fixação dos efeitos decorrentes da prolação
do despacho pré-saneador ficará reservada para um momento posterior,
isto é, para o despacho saneador (art. 595º 1).

Relativamente ao despacho pré-saneador a proferir nos termos da


alínea a) do nº 2 do art. 590º, importa realçar que o propósito do legis-
lador é o de garantir condições para que o processo evolua em termos
de vir a ser proferida nos autos uma decisão de mérito, uma decisão que
aprecie os argumentos materiais invocados pelas partes, o mesmo é di-
zer que se pretende evitar que o desfecho da lide seja condicionado (em
maior ou menor escala) por motivos de carácter processual.
Sendo este o intuito legislativo, é natural o entendimento acerca do
carácter vinculado da actuação do juiz nesta sede, o que é induzido,
aliás, pelo próprio texto legal. Veja-se que o nº 2 do art. 6º [para o qual
remete o art. 590º 2.a)] estabelece que o juiz “providencia” pelo supri-
mento da falta de pressupostos processuais. Esta formulação verbal tem

14º), ou o suprimento da incapacidade judiciária da parte, cumprindo ao juiz ordenar a in-


terpelação (citação ou notificação, conforme a parte incapaz) do legal representante (arts.
27º e 28º).
521
É o que sucederá quando esteja em causa o suprimento de ilegitimidade decorrente de
violação de litisconsórcio necessário, devendo o autor ou o reconvinte ser convidado a re-
querer a intervenção principal de quem haja de ser parte em juízo (art. 316º 1). Também
assim com o suprimento da violação da obrigatoriedade do patrocínio judiciário, devendo
a parte ser convidada a constituir advogado (art. 41º). Igualmente no suprimento da falta
de autorização ou deliberação que o representante da parte devesse obter, devendo aquele
ser notificado para tal obtenção (art. 29º 1). Ou ainda no suprimento de coligação ilegal, de-
vendo o autor ser notificado para indicar o pedido que pretende ver apreciado (art. 38º 1).
Trata-se de casos em que o juiz não se pode substituir às partes, ora por não lhe competir
a chamada conformação subjectiva da instância, ora por a constituição de advogado radicar
numa escolha do mandante, ora por ser preciso um acto ou uma opção que apenas compete
à parte (ou seu representante).

229
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

carácter injuntivo, não deixando margem para dúvidas acerca daquilo


que se espera do juiz, significando que se trata de um verdadeiro poder-
-dever que ao juiz incumbe exercer, actuando em conformidade. Numa
palavra, verificadas as circunstâncias previstas para tal (“sendo caso disso”,
diz a lei), é obrigatória a prolação de despacho pré-saneador para os fins
indicados no art. 590º 2.a), não tendo o juiz margem para optar entre
proferir o despacho ou deixar de o fazer.
Conforme já se referiu, no regime processual vigente, o primeiro
contacto do juiz com o processo ocorre, em regra, depois de concluída
a apresentação dos articulados, o que corresponde ao momento em que
terá lugar a prolação do despacho pré-saneador (é o que resulta do pro-
émio do nº 2 do art. 590º). Atingido este momento processual, o juiz só
pode passar adiante, não proferindo tal despacho para os efeitos do art.
590º 2.a), quando não descortine a violação de pressupostos processu-
ais ou a ocorrência de excepções dilatórias522. Será, portanto, ilegítima a
actuação do juiz que, perante a falta de um pressuposto processual sus-
ceptível de sanação ou a existência de uma excepção dilatória suprível,
não diligencie pela sanação ou pelo suprimento e, logo a seguir, profere
despacho saneador (art. 595º) no qual declara a violação do tal pressu-
posto ou a verificação da tal excepção, fixando as respectivas consequên-
cias processuais (traduzidas, habitualmente, na absolvição da instância:
art. 278º 1)523.
Neste contexto, a não prolação do despacho pré-saneador prescrito
pelas disposições conjugadas dos arts. 590º 2.a) e 6º 2 constitui uma ir-
regularidade passível de influir no exame ou decisão da causa, o mesmo
é dizer que a omissão desse despacho gera uma nulidade processual,
nos termos do art. 195º, traduzida na omissão (pelo juiz) de um acto

522
É claro que também não proferirá despacho neste contexto quando o vício em causa for
insável, pois isso está excluído do âmbito da norma.
523
Pode, no entanto, suceder que tenha escapado à análise do juiz, no momento do art. 590º
2.a), um determinado vício sanável, que só vem a ser detectado no decurso da audiência pré-
via (art. 591º) ou mesmo aquando da elaboração do despacho saneador (art. 595º). Nesse
cenário, logo que se aperceba da situação, o juiz deverá suspender o que está a fazer e dar ime-
diato cumprimento ao nº 2 do art. 6º. O que aqui se refere é sem prejuízo da possibilidade
de o vício se mostrar, entretanto, sanado por acção voluntária das partes, quando viável.
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., p. 136).

230
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

(a prolação do despacho pré-saneador) que a lei prescreve, estando tal


nulidade submetida ao regime dos arts. 197º e 199º524.
A propósito dessa nulidade processual525, importa determinar os pre-
cisos termos em que a mesma pode ser suscitada. A violação do pres-
suposto processual haverá de ser imputável a uma das partes (ao autor,
normalmente; ao réu, em certos casos). Se a parte violou o pressuposto,
fê-lo, em princípio, por descuido ou por errónea ou inexacta interpre-
tação da lei. Se assim aconteceu, é natural que a parte persista nessa
conduta enquanto não for advertida para o problema. O normal será a
advertência surgir por via do despacho pré-saneador. Ora, se o juiz não
proferir esse despacho, teremos a referida nulidade processual. Quanto
à parte, por não ter sido advertida, continuará sem ter a noção da falta
em que incorreu. E, se não tem a noção dessa falta, menos ainda terá a
percepção de que, a esse propósito, foi cometida a nulidade traduzida
na omissão do correspondente despacho pré-saneador. E assim conti-
nuará, provavelmente, até que o desenrolar do processo lhe permita
tomar consciência da omissão do despacho pré-saneador, de modo a
suscitar aí a respectiva nulidade. Há duas situações em que, com maior
probabilidade, isso pode suceder.
Por um lado, quando a parte for convocada para a audiência prévia
cujo objecto inclua a discussão acerca da falta de um pressuposto pro-
cessual ou acerca de uma excepção dilatória [art. 591º 1.b)], sendo o res-
pectivo vício suprível. Assim notificada, a parte toma consciência de que
o juiz admite estar perante a falta de um pressuposto processual ou pe-
rante uma excepção dilatória, vício do qual se propõe conhecer, com as
inerentes consequências. Ora, se o vício é sanável, torna-se patente que
o juiz deveria ter começado por providenciar pelo seu suprimento, nos
termos do art. 6º 2, ex vi art. 590º 2.a). Não tendo o juiz procedido assim,
ocorre uma nulidade, nos termos do art. 195º, por omissão de formali-
dade prescrita pela lei. Sendo neste quadro que a parte se apercebe da
nulidade, a respectiva arguição deverá fazer-se no prazo de 10 dias (art.

524
A este propósito, cfr. o Ac. do TRC de 30.6.2011 (processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1),
disponível em www.dgsi.pt.
525
Trata-se de um nulidade secundária (inominada ou atípica), por oposição às nulidades
principais (nominadas ou tipificadas), matéria que será tratada adiante, a propósito do âm-
bito do despacho saneador, nos termos do art. 595º 1.a).

231
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

149º), contado da notificação do despacho que convoca a audiência pré-


via (art. 199º 1)526.
Por outro lado, quando não haja lugar à convocação da audiência
prévia527, a percepção acerca da nulidade processual por omissão do des-
pacho pré-saneador ocorrerá quando a parte for notificada do despacho
saneador [art. 595º 1.a)], no qual o juiz tenha declarado a falta de pressu-
posto processual ou a verificação de excepção dilatória (vícios sanáveis,
recorde-se) e decidido em conformidade, isto é, definido as inerentes
consequências. Só então estará a parte em condições de arguir tal nu-
lidade, dispondo do prazo de 10 dias (art. 149º), a contar da notificação
do despacho saneador (art. 199º 1).
Quer num caso quer noutro, arguida a nulidade e ouvida a parte con-
trária (art. 201º), a procedência da arguição terá por efeito a prolação
do despacho pré-saneador omitido, retomando o processo a sua marcha
desde aí, nos termos já analisados528.

Note-se que a prolação de despacho pré-saneador para os efeitos


previstos na alínea a) do nº 2 do art. 590º deverá ter lugar mesmo quan-
do o réu se encontre em regime de revelia operante529.

526
O que aqui se diz é na pressuposição de que, em face do teor do despacho que convoca
a audiência prévia, a parte logo tem efectivas condições para se aperceber da referida nuli-
dade, invocando-a em prazo contado da notificação desse despacho. Fora desse cenário,
pode suceder que tal percepção ocorra somente no decurso da audiência prévia [por exem-
plo, quando o juiz anuncia que vislumbra uma excepção dilatória ou a violação de um pres-
suposto processual e concede aos mandatários das partes oportunidade para alegarem, nos
termos do art. 591º 1b)]. Neste último caso, a arguição da nulidade poderá ser feita até termi-
nar a diligência, aplicando-se adaptadamente o nº 1 do art. 199º. É que, embora a nulidade já
tenha sido cometida antes, a parte só se apercebe disso no decurso da audiência prévia, tudo
se devendo passar como se a nulidade só então fosse cometida.
527
Os arts. 592º 1 e 593º 1 definem os termos, a estudar adiante, em que a audiência prévia
pode não ter lugar.
528
Temos para nós que o problema acabado de tratar deve ser sempre equacionado no âm-
bito das nulidades reguladas no art. 195º (pela omissão da prática de um acto que a lei pres-
creve). A alternativa (que não se nos afigura correcta) seria considerar que a decisão judicial
(o despacho saneador, normalmente) que declarasse a violação do pressuposto processual
ou a ocorrência da excepção dilatória (por cuja sanação o juiz nada fizera) padeceria do vício
(nulidade) de excesso de pronúncia [cfr. o art. 615º 1.d)].
529
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 92). Cfr., também, Lopes do
Rego (Comentários…, p. 407) e Paulo Pimenta (A fase do saneamento…, p. 143).

232
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Quer isto significar que, no momento destinado a assumir formal-


mente a operância da revelia e a fixar os respectivos efeitos (a que se se-
guiria o período de alegações escritas sobre a matéria de direito), o juiz
deverá começar por verificar a regularidade da instância.
Nesse quadro, sendo detectada a violação de um pressuposto proces-
sual ou identificada uma excepção dilatória, caso o vício seja sanável, o
juiz não poderá deixar de dar cumprimento ao que resulta das disposi-
ções conjugadas dos arts. 590º 2.a) e 6º 2.
Só depois disso é que será proferida sentença, “julgando a causa con-
forme for de direito” (art. 567º 2 in fine). Nessa conformidade, e sem pre-
juízo do disposto na segunda parte do nº 3 do art. 278º, a decisão versará
sobre o mérito da causa, se o vício estiver entretanto sanado, ou será de
absolvição do réu revel da instância, no caso contrário530.

b) Suprimento de irregularidades dos articulados


Nos termos da alínea b) do nº 2 do art. 590º, o despacho pré-saneador
servirá também para “providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos
termos dos números seguintes”. Neste âmbito, o despacho configura um con-
vite dirigido às partes para o aperfeiçoamento dos articulados oferecidos.
O nº 3 do art. 590º trata do convite destinado ao aperfeiçoamento dos
articulados irregulares, isto é, daqueles que “careçam de requisitos legais” e
daqueles que não tenham sido acompanhados de “documento essencial ou
de que a lei faça depender o prosseguimento da causa”. Podemos dizer que os

530
Note-se que, em algumas circunstâncias, as diligências tendentes à regularização da ins-
tância podem implicar que a prolação da sentença venha a ficar prejudicada. Basta pensar na
hipótese de, tratando-se de uma acção cujo objecto implique litisconsórcio necessário con-
jugal passivo (art. 34º 3), a mesma ter sido proposta apenas contra um dos cônjuges, que a
não contestou, gerando condições para ser submetido ao regime da revelia operante. Con-
frontado com esta ilegitimidade, que é sanável, o juiz deverá advertir o autor para providen-
ciar pela respectiva sanação, requerendo a intervenção principal do outro cônjuge (arts. 6º
2 e 316º). Concretizada a sua citação (art. 319º 1), com a inerente sanação da ilegitimidade,
aquele cônjuge será admitido a apresentar a respectiva contestação (nos precisos termos em
que o faria se tivesse sido citado logo no início da instância). Caso conteste e se defenda por
impugnação, tal defesa aproveita ao primitivo réu, que, continuando revel, verá a sua revelia
transformar-se em inoperante, nos termos fixados na alínea a) do art. 568º. Nesse caso, aca-
bará por ser cumprida a tramitação processual normal. Situação paralela ocorrerá se o côn-
juge do réu revel tiver de ser citado editalmente e igualmente não contestar, permanecendo
em regime de revelia absoluta. Também aí passará a vigorar o regime de revelia inoperante,
conforme estabelece a a alínea b) do art. 568º, pelo que processo seguirá o rito normal.

233
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

articulados irregulares encerram duas categorias: os irregulares propria-


mente ditos e os documentalmente insuficientes.
Os articulados irregulares propriamente ditos são os carecidos de requi-
sitos legais. Como requisitos legais dos articulados temos, desde logo,
aqueles cuja falta, se notada, implica a recusa do recebimento da petição
inicial pela secretaria, designadamente a identificação das partes, a indi-
cação do valor da causa e a indicação da forma do processo (art. 578º).
São, igualmente, entre outros, requisitos legais dos articulados a arti-
culação da matéria de facto (art. 147º 1), a especificação separada das
excepções deduzidas [art. 572º c)], a dedução discriminada da recon-
venção (art. 583º 1) e a indicação do valor da reconvenção (art. 583º 2).
Relativamente aos articulados irregulares documentalmente insuficientes,
estaremos perante casos em que tais peças não foram instruídas com do-
cumentos essenciais para a prova dos factos em que assentam as preten-
sões formuladas pelas partes ou não estão acompanhadas de documentos
que garantam o prosseguimento da instância531.
Na categoria dos documentos que a lei apelida de essenciais, serão de
incluir não só os documentos cuja junção é exigida, expressamente, pela
lei532, mas também os documentos que são imprescindíveis à prova de
um facto de que dependa o êxito da pretensão, quer esse facto “consti-
tua situação jurídica (necessariamente) precedente daquela que a parte quer fazer
valer”, quer seja um facto “constitutivo da própria situação jurídica para a qual
se pede tutela jurisdicional”533, isto é, quando esse facto é (ou integra) a cau-
sa de pedir ou a excepção deduzida534. Tratando-se, como se trata, de do-
cumentos cuja junção é indispensável para a prova de factos em que, di-
recta ou indirectamente, assentam (e de que dependem absolutamente)

531
No caso dos documentos sem os quais a causa não pode prosseguir, a sua falta de junção
conduz à suspensão da instância [art. 269º 1.d], que persistirá até que os documentos sejam
juntos ou até que sobrevenha a extinção da instância, por deserção [arts. 277º c) e 281º.1].
532
Cfr. os exemplos adiantados por Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 162), se bem
que respeitando a acções que observam forma especial e muitas delas prevendo despacho
liminar.
533
Aproveitámos a terminologia usada por Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 162-163).
534
Assim, são documentos essenciais a certidão de casamento (numa acção de alimentos
entre cônjuges), a certidão de nascimento ou o testamento (numa acção de petição de he-
rança), o contrato de arrendamento (numa acção de despejo), o contrato-promessa (numa
acção de execução específica), a escritura pública (numa acção de preferência).

234
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

as pretensões deduzidas, é óbvio que não faria sentido deixar uma acção
prosseguir a sua marcha sem o juiz se assegurar de que tal documento
existe e está junto aos autos. Daí o despacho convidando a parte a proce-
der à junção de tal documento. Se assim acontecer, a acção observará a
tramitação normal e terá o desfecho que vier a impor-se. Caso contrário,
a falta do documento equivalerá à impossibilidade de prova do facto em
causa, com a eventual improcedência da pretensão respectiva, o que será
decidido no despacho saneador [art. 595º 1.b)].
Detectando o juiz alguma das sobreditas irregularidades dos arti-
culados, o despacho pré-saneador será de convite à parte responsável
pela falta para providenciar pela sua sanação, nos termos do disposto no
nº 2 do art. 590º, fixando-se prazo para o efeito. Se o convite for satisfeito,
a irregularidade será ultrapassada, e a instância poderá prosseguir com
normalidade.
Nos casos em que a irregularidade persista, a consequência disso va-
riará em função da parte a quem haja sido dirigido o convite, da concreta
irregularidade e do próprio articulado a que respeite. Não há, pois, uma
consequência única e pré-definida, tudo dependendo da situação em
apreço, isto é, da natureza da irregularidade e do efeito que a mesma te-
nha na lide. De resto, considerando a diferente posição que as partes têm
no processo, é natural que a persistência de irregularidades imputáveis
ao autor tenha efeitos na instância e que as irregularidades imputáveis
ao réu se repercutam somente na vertente defensional, pondo em crise a
defesa, ou então se repercutam na instância reconvencional, quando a ir-
regularidade diga respeito a esta vertente da contestação. Seja como for,
é possível elencar aqui algumas das possíveis consequências resultantes
da persistência de certas irregularidades dos articulados.
Começando pela petição inicial, a inobservância dos requisitos legais
(sobremaneira os verificáveis pela secretaria judicial – art. 558º) im-
plicará a nulidade da peça, que não poderá ser atendida, acabando por
inquinar (tornando nulo) todo o processo e levando a que a instância
seja julgada extinta, devendo ser proferido despacho nesse sentido, nos
termos do art. 277º a)535. Se a irregularidade da petição inicial derivar
da falta de documento essencial para a prova de facto de que dependa

Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 87) e Lebre de Frei-
535

tas (A ação declarativa ..., p. 142).

235
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

o êxito da pretensão deduzida pelo autor, a consequência será a impos-


sibilidade de o tribunal dar esse facto como provado, o que conduzirá
ao insucesso da pretensão536. Quando a irregularidade respeite à falta de
documento que garanta o prosseguimento da causa, o que acontece é
que a causa não prossegue mesmo, ficando suspensa, nos termos do art.
276º 1.d), com a possibilidade de a instância vir, mais tarde, a extinguir-
-se [arts. 277º d) e 281º 1].
Tratando-se de uma contestação irregular, os efeitos dessa irregulari-
dade tanto podem atingir toda a peça, o que acontecerá, em regra, com
o desrespeito pelos requisitos legais relativos a esse articulado, como
podem tais efeitos limitar-se à matéria defensional, deixando incólume
a matéria reconvencional, ou vice-versa. Na primeira situação, a contes-
tação (toda ela) não poderá ser atendida e, por via disso, o réu ter-se-á
como revel, com os efeitos próprios537. Nos restantes casos, o vício produ-
zirá efeitos mais restritos. Assim, poderão não ser consideradas eventuais
excepções que não tenham sido deduzidas especificadamente [art. 572º
c)], poderá não prosseguir a instância reconvencional, quando não se
mostre junto aos autos documento de que dependa tal prosseguimento,
absolvendo-se o reconvindo daquela instância (art. 583º 3), bem como
poderá não ser dado como provado determinado facto, por falta de jun-
ção do respectivo documento (essencial), o que será de molde a impedir
o reconhecimento de uma excepção deduzida ou a conduzir à improce-
dência do pedido reconvencional.

O despacho pré-saneador destinado a convidar as partes a suprir as


irregularidades dos articulados tem natureza vinculada, isto é, perante
as irregularidades a que alude o nº 3 do art. 590º, o juiz não tem dispo-
nibilidade para optar entre proferir tal despacho ou deixar de o fazer538,
sendo certo que, neste contexto, a omissão injustificada do despacho
pré-saneador constitui uma nulidade processual nos termos do nº 1 do

536
Cfr. a advertência de Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., p. 165, nota de rodapé
nº 27), admitindo que, pontualmente, a solução possa vir a ser outra).
537
O regime será o da revelia relativa, pois que, ainda assim, o réu actuou em juízo. Neste
sentido Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., p. 165, nota de rodapé nº 26).
538
Neste sentido, cfr. o Ac. do TRC de 19.12.2012 (processo nº 1132/11.5TBCTV-A.C1), dis-
ponível em www.dgsi.pt.

236
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

195º, pois o juiz não pratica um acto (a prolação daquele despacho) que
lei prescreve539.

Em termos similares aos referidos acerca da violação de pressupostos


processuais e da ocorrência de excepções dilatórias, cabe salientar que
as medidas destinadas ao suprimento das irregularidades dos articula-
dos a que alude o nº 3 do art. 590º serão de observar mesmo nos casos
de revelia operante do réu540.
Deste modo, numa situação susceptível de levar à operância da reve-
lia do réu, o juiz, sempre que verifique que a petição inicial apresenta ir-
regularidades passíveis de sanação, deverá começar proferir o despacho
pré-saneador respectivo (art. 590º 3).
A partir daí, a sequência processual será uma ou outra, em função
de a irregularidade ter sido ou não suprida. Se foi suprida, será firmada
nos autos a operância da revelia, observando-se então o nº 2 do art. 567º,
tudo culminando na sentença que julgará a causa “conforme for de direito”.
Se não foi suprida, o juiz deverá tirar as respectivas ilações, de acordo
com os critérios há pouco enunciados, a propósito dos casos em que a
irregularidade respeita à petição inicial.

A terminar a referência ao despacho pré-saneador proferido para o


suprimento das irregularidades dos articulados, registe-se que não cabe
recurso do mesmo, tal como dispõe o nº 7 do art. 590º. A solução legal
assenta na consideração de que este despacho tem carácter provisório.
Uma vez notificada a parte, o processo fica a aguardar a sua actuação,
reservando-se para mais tarde (para o despacho saneador, normalmente)
a verificação da sanação do vício. Quando o vício tenha sido sanado, o juiz
declarará isso mesmo, estando o processo em condições de prosseguir.
Nos casos em que o vício persista, o juiz fixará por despacho as conse-
quências respectivas. Deste último despacho é que caberá recurso.

c) Aperfeiçoamento fáctico dos articulados


A terceira hipótese de prolação do despacho pré-saneador tem por ob-
jecto os articulados facticamente imperfeitos. De acordo com o estatuído no
539
Quanto ao modo de reagir perante tal nulidade, vale aqui, adaptadamente, o que ficou
dito acerca da nulidade pela omissão do despacho pré-saneador previsto no art. 590º 2.a).
540
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 92). Cfr., também, Lopes do
Rego (Comentários…, p. 407) e Paulo Pimenta (A fase do saneamento…, p. 152).

237
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

nº 4 do art. 590º, o despacho pré-saneador serve também para convidar


as partes a suprirem as insuficiências ou imprecisões na exposição ou
concretização da matéria de facto vertida nos respectivos articulados, fi-
xando-se prazo para tal.
Com a prolação do despacho pré-saneador neste contexto, procura-se
obter uma melhor definição dos contornos fácticos da questão submetida
à apreciação do tribunal. Nos seus articulados, as partes expõem as razões
de facto em que alicerçam as respectivas pretensões. Como se sabe, e de
acordo com o disposto no nº 1 do art. 5º, incumbe às partes alegar os “factos
essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções
invocadas”. Em cumprimento desse ónus de alegação, é suposto – no inte-
resse dos próprios litigantes, e com vista à justa composição do litígio, em
termos materiais – que tal exposição seja de modo a que a versão fáctica
constante dos autos corresponda o mais possível (se não completamente)
à situação real vivida pelos litigantes. Só assim poderemos aspirar a que a
decisão a proferir no processo resolva, material e efectivamente, a questão
que dividia as partes. Só assim evitaremos ter dois quadros fácticos, não
coincidentes: o verdadeiro (real); o desenhado em juízo. Nessa conformida-
de, a postura do juiz da causa, à luz do moderno processo civil, não há-de
ser já passiva, meramente circunscrita às “pistas” fornecidas pelas partes,
mas sim activa, advertindo-as para a conveniência de colmatar as insufi-
ciências ou imprecisões fácticas detectadas nas respectivas peças, contri-
buindo, decisivamente, para a adequação da sentença final à verdade, tudo
com vista a realizar a legitimação externa da decisão, pela correspondên-
cia da sentença à realidade extraprocessual541.
Face ao teor do nº 4 do art. 590º, o convite expresso neste despacho
é, então, para completar insuficiências ou corrigir imprecisões fácticas.
Os articulados imperfeitos sê-lo-ão a dois títulos, isto é, por facticamente
insuficientes ou por facticamente imprecisos.
São articulados facticamente insuficientes (incompletos) aqueles em que a
exposição fáctica, permitindo embora determinar ou descortinar a causa
de pedir ou a excepção invocada, não se revela suficiente ou bastante para
o preenchimento da figura em causa, isto é, não contém todos os factos
necessários para que possa operar-se a subsunção na previsão da norma
jurídica (ou normas jurídicas) de que a parte quer prevalecer-se. Nessa

541
Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., ps. 60-61).

238
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

situação, o juiz profere o despacho de convite ao aperfeiçoamento, por


entender que, na sua alegação, a parte omitiu factos (factos essenciais,
note-se) que era suposto ter articulado, face à estratégia processual por
si assumida.
Teremos articulados facticamente imprecisos (inexactos) quando a nar-
ração dos pontos de facto aí vertidos suscita dúvidas, seja porque não é
clara ou não é precisa, seja porque é vaga ou é obscura542, seja porque é
ambígua ou incoerente543. O mesmo se dirá das peças cujo teor é con-
clusivo, quer porque se omitiram os concretos factos que sustentam as
conclusões, quer porque a parte reproduziu a fórmula legal invocada544.

Neste âmbito, importa atentar que o convite ao aperfeiçoamento dos


articulados supõe, digamos, um limite fáctico mínimo, aquém do qual não é
possível diligenciar no sentido desse aperfeiçoamento.
Com efeito, e quanto ao autor, é imprescindível que o seu articulado
revele (individualize) a causa de pedir em que se baseia a sua pretensão.
Se faltar a causa de pedir, a petição será inepta, o mesmo sucedendo se
tal causa de pedir for ininteligível [art. 186º 2.a)], gerando até uma excep-
ção dilatória e a consequente absolvição do réu da instância [arts. 186º 1,
577º b) e 278º 1.b)]. Num caso e noutro, não será possível colmatar o ví-
cio por via do convite545. É que este convite ao aperfeiçoamento procura
completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza
de que a causa de pedir está lá (na petição) e é perceptível (inteligível).
Apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que
a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao
aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico
já traçado nos autos. Coisa diversa, e afastada do âmbito do nº 4 do art.
590º, seria permitir à parte, na sequência desse despacho, apresentar ex
novo um quadro fáctico até então inexistente ou de todo imperceptível (o
que, aqui, equivale ao mesmo)546.

542
Cfr. Montalvão Machado (O dispositivo…, ps. 256 e 268).
543
Cfr. Lopes do Rego (Comentários…, ps. 431-432).
544
Cfr. Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. I, ps. 65-66, e Vol. II, p. 81) e Lebre de
Freitas (A ação declarativa..., ps. 144).
545
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 144-145) e Lopes do Rego
(Comentários…, p. 431).
546
Esta perspectiva é, aliás, confirmada pelo nº 6 do art. 590º.

239
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Quem propõe uma acção, deduzindo determinada pretensão, deve


indicar a respectiva causa de pedir, ou seja, os factos constitutivos do di-
reito que pretende fazer valer, os factos que individualizam a situação
jurídica invocada. Ora, a factualidade a alegar pode ser mais ou menos
extensa, mais ou menos simples, conforme os elementos fácticos que
compõem aquela causa de pedir.
Quando a causa de pedir é simples, integrada por um só facto, a omis-
são desse facto, no articulado do autor, não poderá ser remediada através
do despacho previsto no art. 590º 4. Do que se trata aí é de uma omissão
total da causa de pedir, cujo suprimento implicaria uma verdadeira ino-
vação fáctica, o que não é possível nesta fase do processo547.
Nos casos em que a causa de pedir é complexa, composta por diversos
elementos, se nenhum deles foi alegado pelo autor, também não haverá
causa de pedir, com as consequências que acabámos de apontar.
Se, em contrapartida, o autor alegou apenas alguns desses factos, omi-
tindo os restantes, a questão está em saber se os elementos constantes
dos autos permitem individualizar a causa de pedir. Em caso negativo,
continuará a faltar a causa de pedir, não sendo de proferir o despacho
pré-saneador. Em caso afirmativo, isto é, quando, apesar da insuficiência
da alegação, for possível identificar a causa de pedir, justifica-se convidar
o autor a aperfeiçoar a petição inicial, de modo a completar a sua alega-
ção, fazendo chegar ao processo os factos omitidos e que era suposto ter
alegado, face à previsão da norma jurídica de que pretende prevalecer-
-se. Neste ponto, a questão estará em determinar se a detectada insu-
ficiência de alegação fará a petição inicial resvalar para a ineptidão ou
se o articulado deve ser tido apenas como facticamente imperfeito548.
Sem prejuízo de poder antecipar-se, genericamente, um ou outro crité-
rio a utilizar em juízo, a resposta sempre dependerá dos contornos da
acção em concreto.
Por outro lado, quando a alegação fáctica vertida no articulado do
autor permitir individualizar e preencher a causa de pedir, mas se apre-
sentar em termos imprecisos ou inexactos, será também de proferir
o despacho pré-saneador regulado no nº 4 do art. 590º, convidando o

547
Assim, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 79) e Montalvão Machado
(O dispositivo…, ps. 266-267).
548
A propósito, Lebre de Freitas (A confissão..., p. 41, e Introdução..., p. 57, nota de rodapé
nº 49).

240
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

autor a corrigir o seu articulado, precisando ou concretizando as afirma-


ções originárias.
Finalmente, quando o articulado do autor contiver afirmações que
reproduzem a fórmula legal invocada ou têm mera significação técnico-
-jurídica, importa apurar se a alegação contida na peça processual se
circunscreve a tais afirmações ou se as mesmas surgem acompanhas de
outras, essas sim, de verdadeiro conteúdo fáctico. No primeiro caso, te-
remos de concluir pela ineptidão da petição, por falta de causa de pedir,
com as inerentes consequências549. No segundo caso, e desde que, apesar
da pouco hábil alegação, seja possível descortinar a causa de pedir, por
terem sido alegados factos que a individualizem, justifica-se convidar o
autor a aperfeiçoar a sua peça, de modo a que alegue factos que concre-
tizem as afirmações de conteúdo jurídico (e conclusivo) exaradas inicial-
mente.
Neste domínio, importa reforçar a ideia de que o convite ao aperfei-
çoamento só faz sentido se, apesar de tudo, tiver sido alegada matéria de
facto que, desde logo, permita a individualização da causa de pedir550.
O que temos vindo a dizer reporta-se ao lado activo da relação proces-
sual, isto é, à causa de pedir, cuja invocação compete ao autor, de acordo
com o ónus que sobre si impende551. Mas igual tratamento há-de ser
dispensado ao lado passivo, tendo em conta as excepções opostas pelo
réu à acção contra si instaurada. Nessa conformidade, mutatis mutandis,
aplicar-se-ão às excepções as considerações desenvolvidas a propósito da
causa de pedir. Assim, sempre que, perante o articulado do réu, se possa
concluir que foi alegada uma determinada excepção, a qual se encontra
individualizada nos autos, por terem sido invocados, ao menos, alguns do
factos que a compõem, justifica-se que o réu seja convidado a completar
a sua defesa, alegando os demais factos omitidos, com vista à subsunção
na norma jurídica de que o réu pretende prevalecer-se. Será, também, de
proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento do articulado da defesa
quando se entenda que, embora individualizada a excepção, certos pon-
tos de facto aí alegados carecem de concretização ou pormenorização.

549
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. I, ps. 65 e 210) e Lebre de
Freitas (A ação declarativa..., p. 144, nota de rodapé nº 9).
550
Fora desses casos, a imperfeição fáctica não poderá ser remediada. Neste sentido, Lebre
de Freitas (A ação declarativa..., p. 144).
551
Raciocínio semelhante valerá para a causa de pedir reconvencional.

241
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Será, ainda, de proferir tal despacho quando as peças da defesa conte-


nham afirmações de cariz meramente técnico-jurídico, acompanhadas
de outras de real conteúdo fáctico, desde que estas últimas garantam a
individualização da excepção. Fora das situações referidas, isto é, sempre
que a excepção não esteja identificada, por carência de suporte fáctico,
teremos um caso de nulidade da excepção, impeditiva da sua valoração
nos autos552.

Quando o juiz, findos os articulados, entenda que as peças escritas


oferecidas pelas partes apresentam insuficiências ou imprecisões na ex-
posição ou concretização da matéria de facto, será de proferir o despacho
pré-saneador previsto no nº 4 do art. 590º, com vista ao aperfeiçoamento
correspondente. Nesse despacho, o juiz deverá indicar os concretos pon-
tos de facto (insuficientemente ou imprecisamente expostos) que, na sua
perspectiva, carecem de ser completados ou corrigidos, fixando prazo para
se proceder ao aperfeiçoamento do articulado original553.
Neste plano, deve registar-se que os articulados com que o juiz se de-
para, na fase intermédia do processo, têm o teor e o conteúdo que as par-
tes, através dos respectivos mandatários, lhes conferiram. Numa palavra,
essas peças denunciam a estratégia processual de cada um dos litigantes.
Estratégia que, por princípio, há-de ter sido delineada de modo cuidado,
ponderado e consciente, tendo em conta o objectivo das pretensões for-
muladas em juízo. Tanto mais que, em regra, as partes estão patrocinadas
por advogado. Nessa conformidade, a intervenção do juiz, apontando de-
feitos (insuficiências ou imprecisões) na narração dos factos, deve pau-
tar-se por grande rigor e sobriedade. Assim, não cabe ao juiz imiscuir-se
nas opções assumidas pelas partes, nem sugerir outras alternativas, ainda
que, eventualmente, mais vantajosas. Essas decisões cabem, exclusiva-
mente, às partes. Quer dizer, neste âmbito, a estratégia da parte baliza a
intervenção do juiz. É dentro desses limites, e só dentro deles, que o juiz
deve cuidar de verificar se a alegação fáctica apresenta insuficiências ou
imprecisões, proferindo o despacho pré-saneador quando conclua haver

552
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 144).
553
Ou articulados originais. Com efeito, o despacho pré-saneador incide, simultaneamente,
sobre todas as peças escritas oferecidas pelas partes, ao longo da fase inicial do processo.
Portanto, detectadas que sejam imperfeições fácticas, será proferido o despacho de convite
ao aperfeiçoamento, o qual atingirá a peça ou as peças que apresentem essas imperfeições.

242
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

imperfeições, e não o proferindo no caso contrário. Por outras palavras, a


causa de pedir da acção é aquela (e só aquela) que o autor tiver invocado,
e não outra que ao juiz parecesse mais adequada à procedência da acção.
Paralelamente, a excepção é a que o réu (bem ou mal) tenha decidido
opor ao autor, e não outra qualquer. Por outro lado, os factos impugnados
são só os que o réu refutou, e não quaisquer outros, ainda que ao juiz se
afigure vantajosa para a defesa a impugnação de mais este ou aquele facto
alegado pelo autor.

Os nºs 5 e 6 do art. 590º definem os parâmetros em que o aperfei-


çoamento pode desenrolar-se. Assim, querendo corresponder ao convite
que lhe foi dirigido, a parte é admitida a apresentar um articulado des-
tinado a colmatar as imperfeições fácticas para as quais o juiz a alertou.
Tal articulado servirá, pois, para completar ou para corrigir o inicialmente
produzido (cfr. a parte final do nº 4 do art. 590º), razão pela qual pode-
mos designá-lo por articulado de aperfeiçoamento554. Este novo articulado
terá a extensão e o desenvolvimento que forem aconselhados pela situa-
ção em concreto, em função, designadamente, da maior ou menor insu-
ficiência ou imprecisão da alegação inicial555. Em certos casos, é possível
que o aperfeiçoamento demande a elaboração integral de uma nova peça
(v. g., uma nova petição ou uma nova contestação) na qual, aproveitando
embora alguma da alegação fáctica anterior, se reformule a exposição ou
a concretização da matéria de facto primitivamente alegada. Nessas hipó-
teses, o articulado de aperfeiçoamento como que consome (ou substitui)
o espontaneamente apresentado. Noutros casos, a nova peça poderá ter
um carácter mais cirúrgico, visando, somente, acrescentar um determi-
nado ponto de facto, corrigir certa imperfeição expositiva, concretizar
ou esclarecer uma afirmação. Aí, o teor da peça apresentada acresce ao do
articulado espontaneamente apresentado. Sempre se dirá, todavia, que a
versão fáctica da parte constitui um todo, que se determina pela conjuga-
ção das duas peças apresentadas, a original e a de aperfeiçoamento.

554
Na terminologia de Montalvão Machado, trata-se de um articulado “judicialmente esti-
mulado” (O dispositivo…, p. 259).
555
Neste sentido, Montalvão Machado (O dispositivo…, p. 276) e Lebre de Freitas (Revi-
são..., p. 479).

243
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Seja qual for o exacto conteúdo do articulado de aperfeiçoamento,


sempre deverá proporcionar-se à contraparte o exercício do contraditó-
rio (art. 590º 5), a qual poderá apresentar uma peça de resposta aos ajus-
tamentos fácticos ali operados. Por outro lado, de acordo com o nº 6 do
art. 590º, as alterações à matéria de facto, levadas a cabo nos articulados
de aperfeiçoamento, hão-de observar os limites definidos pelos arts. 573º
e 574º.
Conforme já foi referido, a intervenção do juiz, proferindo despacho
de convite ao aperfeiçoamento dos articulados, está sempre balizada pela
matriz fáctica definida pelas partes, nas suas alegações originais. O que
está em jogo, apenas e só, é completar ou corrigir o quadro fáctico vertido
nos autos, não já ampliar, alterar ou substituir tal quadro. Menos ainda,
criar, inovadoramente, um qualquer quadro fáctico. Tal circunstância
decorre de regras já estudadas, nomeadamente acerca do princípio da
estabilidade da instância e da organização da contestação. Acresce que as
partes têm o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de
pedir e aqueles em que se baseiam as excepções (art. 5º 1), alegação que
deve cumprir-se nos articulados. Finda a etapa dos articulados, dir-se-
-á, em tese geral, que se encontram estabelecidos os contornos fácticos
essenciais da causa. Está definida a causa de pedir e estão arguidas as ex-
cepções que o réu opôs à acção. A partir desse momento, mostra-se pre-
cludida a possibilidade de o autor sair da causa de pedir por si invocada,
substituindo-a por outra, assim como não pode o réu lançar mão de novas
excepções. O que se permite, isso sim, é arranjar, retocar (completando
ou corrigindo) os factos originariamente alegados. Por isso, o autor não
pode aproveitar o convite que lhe foi dirigido para introduzir alterações à
causa de pedir ou ao pedido que, originariamente, formulou no processo.
Nem, tão pouco, o réu é admitido, ao abrigo desse convite, a lançar mão
de novos argumentos defensionais ou a impugnar pontos de facto que,
inicialmente, não refutou. Menos ainda poderá pretender deduzir um
pedido reconvencional que, pura e simplesmente, não formulara na sua
primitiva contestação556. No âmbito da defesa, o demandado está sujeito
ao princípio da concentração da defesa na contestação, regulado no art.
573º, o que obsta à dedução posterior de excepções não invocadas na-
quela peça557. Além disso, do ónus de impugnação, previsto no art. 574º,

556
Cfr. Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 304).
557
Sem prejuízo, naturalmente, dos desvios consignados no próprio art. 573º.

244
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

resulta que, em regra, os factos essenciais não impugnados (isto é, sobre


os quais não seja tomada posição definida) se consideram admitidos por
acordo. Logo, mal se compreenderia que o réu, em plena fase intermédia
do processo, pudesse vir a refutar matéria que, anteriormente, admitira,
por não a ter contrariado.

Proferido o despacho pré-saneador de convite ao aperfeiçoamento


fáctico dos articulados espontaneamente apresentados nos autos, e de-
corrido o prazo aí fixado, importa precisar as consequências que daí
derivam para processo e que tipo de reacção podem ter as partes. Note-
-se, desde já, que este despacho proferido nos termos do nº 4 do art. 590º
não é passível de recurso, conforme estabelece o nº 7 do mesmo preceito.
Coisa distinta é as partes poderem acatar ou não a interpelação do juiz.
A este propósito, relembre-se que o despacho de convite é motivado pela
circunstância de o juiz entender que este ou aquele articulado apresenta
insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria
de facto. Já se disse que o objectivo desse convite é beneficiar o quadro
fáctico do litígio, aproximando a matéria vertida nos autos da realidade,
assim se propiciando que a decisão final possa adequar-se a essa reali-
dade, isto é, que seja alcançada, materialmente, a justa composição do
litígio. O que equivale a afirmar que as imperfeições detectadas são sus-
ceptíveis de comprometer as pretensões deduzidas em juízo. Por outro
lado, este convite é para ser feito independentemente da parte que possa
vir a beneficiar dos aperfeiçoamentos pretendidos, ou seja, o completar
das insuficiências e o corrigir das imprecisões tanto pode redundar em
vantagem para a própria parte interpelada, como para a contraparte.
Além disso, sabemos que as partes têm o ónus de introduzir em juízo
os factos que sustentam as pretensões aí deduzidas (art. 5º 1), factos que
o tribunal tem de considerar para decidir, sem prejuízo dos relevantes
poderes de cognição fixados no nº 2 do art. 5º.
Comecemos por considerar a hipótese em que a parte decide não ace-
der ao convite que lhe foi dirigido pelo juiz. Face a tudo o que já se disse,
teremos de concluir que, em termos imediatos, nenhuma consequência
desfavorável há-de resultar para a parte, menos ainda sendo de lhe aplicar
quaisquer sanções558. Tudo o que possa vir a suceder, mesmo a eventual

558
Neste sentido, Montalvão Machado (O dispositivo…, p. 259). Cfr., também, Paula Costa
e Silva (Saneamento e condensação…., p. 234).

245
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

decisão de improcedência da acção ou da excepção, ficará relegada para


o despacho saneador, momento em que o juiz deverá determinar se as
imperfeições fácticas em causa justificam (ou não) o julgamento ante-
cipado do mérito da causa [art. 595º 1.b)]559. Nos casos em que a parte
corresponder ao convite que lhe foi dirigido, apresentará, como vimos,
um articulado de aperfeiçoamento. A esse articulado, sujeito aos limites
que já tivemos oportunidade de referir, seguir-se-á um outro, no qual a
contraparte pode responder aos pontos que foram objecto do aperfeiçoa-
mento, conforme vimos também.

As diligências acabadas de referir, tendentes a obter o aperfeiçoa-


mento fáctico dos articulados, serão também de observar nos casos em
que o réu seja revel, e a sua revelia seja operante560.
Como se sabe, quando a revelia é operante, os factos articulados pelo
autor consideram-se confessados (art. 567º 1). Deste modo fixados os
factos alegados pelo autor, seguir-se-á o julgamento da causa “conforme
for de direito” (art. 567º 2) cabendo ao juiz aplicar o direito aos factos
assim tidos como provados. Se esses factos corresponderem à previsão
normativa, a acção será julgada procedente. Já assim não acontecerá
quando o juiz entenda não estar preenchida aquela previsão.
Tal como se referiu anteriormente, a revelia operante do réu não im-
plica, em si, a procedência da acção, embora, naturalmente, esse seja o
desfecho mais previsível: basta que, dos factos articulados pelo autor,
possa concluir-se que lhe assiste razão em face do direito substantivo.
Já se disse também que o nosso ordenamento jurídico-processual con-
sagra o chamado efeito cominatório semi-pleno, significando isso que
a revelia operante gera a confissão dos factos alegados pelo autor, mas
não do direito que o mesmo invoca. Aliás, esta solução é a que melhor se
adequa ao disposto no nº 3 do art. 5º, do qual resulta que o juiz goza de
liberdade no que respeita ao enquadramento jurídico da questão (ideia
que costuma expressar-se pelo brocardo latino jura novit curia).

559
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 89).
560
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., ps. 92-93), Lopes do Rego
(Comentários..., p. 407), Paula Costa e Silva (Saneamento e condensação…, p. 268) e Paulo
Pimenta (A fase do saneamento…, p. 168). Cfr. ainda o Ac. do TRC de 19.6.2013 (processo
nº 1132/11.5TBSCD.C1), disponível em www.dgsi.pt.

246
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Tudo isto para assinalar que, no regime da revelia operante, o desfe-


cho da lide, em termos favoráveis ao autor, supõe que a matéria de facto
por este articulada (e dada como provada, por confessada) seja ade-
quada à obtenção da consequência jurídica por si visada. Quer dizer, é
suposto que a alegação fáctica contida na petição inicial se mostre per-
feita. É necessário que tal alegação não padeça de insuficiências ou im-
precisões que obstem à procedência da causa.
No entanto, pode suceder que, apesar da revelia operante do réu, a
alegação fáctica contida na petição inicial revele imperfeições (insufi-
ciências ou imprecisões) que levem a que matéria assente (por confes-
sada) não chegue para que a acção proceda. Nesse caso, até de modo a
evitar um tratamento diferente para o mesmo assunto – a imperfeição
fáctica da petição inicial –, em função de haver ou não contestação do
réu, impõe-se que o regime do nº 4 do art. 590º seja observado também
nos casos de revelia operante561.
Assim sendo, confrontado com o quadro de operância da revelia do
réu, mas afigurando-se-lhe que a alegação fáctica vertida na petição ini-
cial apresenta insuficiências ou imprecisões, o juiz deverá proferir des-
pacho pré-saneador de convite ao aperfeiçoamento, no sentido de o
autor proceder aos ajustamentos fácticos convenientes. Quer isto signi-
ficar que não será permitido ao juiz, sem mais, proferir sentença a julgar
improcedente a acção, a pretexto de que os factos alegados (e confes-
sados) não são bastantes (por insuficientes ou imprecisos) para que o
autor obtenha ganho de causa562.
Na sequência do convite que lhe for dirigido, o autor terá oportuni-
dade de apresentar, nos termos já tratados, um articulado de aperfeiçoa-
mento, seja para completar, seja para corrigir a alegação original563.

561
Nas palavras de Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Anotado,
p. 270), “seria injusto” (para o autor) que tal não sucedesse.
562
Até se poderia dizer que, nesse caso, o juiz estaria cumprindo o dever de julgar a causa
“conforme for de direito” (art. 567º 2), pois aplicaria o direito aos factos da causa, que seriam
somente os alegados originariamente na petição inicial. O problema está precisamente na
circunstância de a petição inicial se mostrar facticamente imperfeita.
563
Por comodidade, dá-se aqui como reproduzido o que já ficou ditou acerca do exacto
enquadramento do convite ao aperfeiçoamento, designadamente, no que respeita ao limite
fáctico mínimo que deve estar preenchido e ao âmbito dos próprios ajustamentos que o autor
pode realizar.

247
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Sempre que o autor apresente esse articulado de aperfeiçoamento,


disso será notificado o réu, proporcionando-se-lhe o exercício do con-
traditório (art. 3º e 590º 5)564.
Daqui pode resultar que o réu persista no seu silêncio, continuando
sem tomar posição sobre a matéria articulada pelo autor, o que equi-
vale à manutenção da sua revelia (operante), com o subsequente encur-
tamento da tramitação e a aplicação do regime previsto no nº 2 do art.
567º, em que, após a produção de alegações escritas, é proferida sen-
tença, “julgando a causa conforme for de direito”.
Mas pode também suceder que o réu pretenda tomar posição sobre
os factos articulados pelo autor. Nesse caso, parece curial que o réu seja
admitido a deduzir uma contestação-defesa integral, isto é, com a ex-
tensão que esta peça poderia ter tido se originariamente oferecida565.
Em determinada perspectiva, poderá parecer que ao concedermos ao
réu a oportunidade de deduzir, tardiamente, uma defesa que omitiu,
estaríamos a tornear os ónus de contestar em tempo, de impugnar os
factos articulados pelo autor e de concentrar nessa peça todos os ar-
gumentos defensionais. E estaríamos a ignorar as preclusões inerentes
àqueles ónus e as cominações que lhes vão associadas566. Numa palavra,
estaríamos a auxiliar o réu.
Porém, bem pode suceder que o réu não tenha contestado, entrando
em revelia, por ter entendido (bem ou mal, não importa) que, face ao
teor da petição, cujo duplicado lhe foi entregue no acto da citação (art.
235º), a acção estava votada ao insucesso. Logo, convencido de que o des-
fecho da acção (perante o mero teor da petição, insiste-se) era o da sua
improcedência, o réu pode ter achado que não valeria a pena contestar.
Se não fosse mesmo proferido o despacho regulado pelo nº 4 do art.
590º, é óbvio que a revelia operante do réu se manteria, nos seus preci-
sos termos, sendo de observar o disposto no nº 2 do art. 567º. E aí, uma
de duas: ou a acção seria julgada procedente, para o que teria contribuído
a falta de contestação (gerando a confissão dos alegados na petição), ou

564
Neste sentido Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Anotado,
p. 270).
565
Neste exacto sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., p. 93).
566
A propósito, Lebre de Freitas (Introdução ..., ps. 145-147), que conjuga os conceitos re-
feridos com a ideia de auto-responsabilidade das partes.

248
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

a acção seria julgada improcedente, apesar da revelia, o que significaria


que o prognóstico do réu fôra acertado567.
Diferentes deverão ser as coisas quando o juiz tiver convidado o au-
tor a aperfeiçoar a petição inicial. Desde logo, se tal convite ocorreu, foi
porque se considerou que a petição inicial apresentava certas imperfei-
ções fácticas, as quais, provavelmente568, poderiam condicionar a solu-
ção jurídica da questão, em prejuízo do autor. Portanto, concedida ao
autor a oportunidade para melhorar a narração fáctica da petição, deve-
rá o réu ter oportunidade de se pronunciar sobre essa matéria. E como
os eventuais ajustamentos operados pelo autor versam sobre os factos
alegados na petição, passando a constituir um todo incindível, a resposta
do réu há-de, igualmente, poder versar sobre esse todo569.
Sempre que o réu venha a tomar posição sobre os factos articulados
pelo autor, deduzindo, portanto, a sua defesa, a situação de revelia ces-
sará, e o processo seguirá a sua normal tramitação.

Ainda a propósito do despacho pré-saneador destinado ao aperfei-


çoamento fáctico dos articulados, importa salientar que o CPC de 2013
cuidou de precisar a questão do regime deste despacho, explicitando
o seu carácter vinculado, fazendo-o no sentido correcto. Quer dizer, o
legislador quis tornar claro que, verificadas as circunstâncias previstas
no nº 4 do art. 590º, o juiz não pode deixar de proferir o despacho pré-

567
O que se diz acerca da motivação do réu para não contestar fica pela mera suposição.
Na verdade, várias outras poderão ser as razões para se não contestar uma acção, desde o
reconhecimento da verdade dos factos alegados na petição, até ao simples (mas grave) des-
cuido ou o esquecimento de contestar em tempo. Mas também é certo, sem embargo do
regime específico do justo impedimento (cfr. o art. 140º), que a lei passa à margem dessas
razões, bastando-se com a circunstância de, em termos objectivos, não ter entrado em juízo
a peça defensional. A propósito, cfr. Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., p. 78, nota de
rodapé nº 19).
568
Entenda-se: provavelmente, mas não necessariamente. Em rigor, o sentido do convite é o
de melhorar o quadro fáctico da causa, para permitir que a decisão a proferir trabalhe sobre
factos que tenham correspondência com a realidade, e não, obviamente, auxiliar uma das
partes. Aliás, o que ocorre na sequência desse convite tanto pode “beneficiar” como “preju-
dicar” a parte interpelada, tudo dependendo, afinal, do que vier a ser alegado e, mais tarde
(se for o caso), provado.
569
À falta de um critério seguro, que a análise casuística não garante, dir-se-á que mais vale o
risco de, eventualmente, aqui e ali, o réu poder sair beneficiado, do que o risco inverso, isto
é, o risco de se coarctar o fundamental direito de defesa.

249
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

-saneador, sob pena de tal omissão configurar uma nulidade (art. 195º).
No domínio do anterior código, após a Reforma de 1995/96, por refe-
rência à expressão “pode” inserta no nº 3 do art. 508º (no confronto
com a expressão “convidará” do nº 2 do mesmo preceito), havia quem
sustentasse que o convite ao aperfeiçoamento fáctico dos articulados
constituía uma faculdade do juiz, que este exerceria ou não conforme
entendesse, sem que a omissão de tal convite gerasse nulidade. Em
contrapartida, também havia quem defendesse que se tratava de um
poder-dever ou poder funcional, não sendo indiferente o seu exercício
(ou não) pelo juiz. Por nós, sempre entendemos que se tratava de um
poder-dever, não estando na disponibilidade do juiz a opção de proferir
ou não o despacho de convite ao aperfeiçoamento570. Agora, o cotejo do
teor do nº 3 do art. 590º (o juiz convida) com o do nº 4 do mesmo pre-
ceito (incumbe ainda ao juiz convidar) põe termo a quaisquer dúvidas
quanto à natureza vinculada de ambos os convites e, por inerência, às
consequências da respectiva omissão.
Acerca dessas consequências, cabe frisar que a falta de prolação de
despacho pré-saneador nos termos e para os efeitos do nº 4 do art. 590º
configura a omissão de um acto que lei prescreve. Ora, visto que tal irre-
gularidade é susceptível de influir na decisão da causa, estaremos peran-
te uma nulidade processual, submetida ao regime do art. 195º571.
A violação do disposto no nº 4 do art. 590º será especialmente os-
tensiva quando o juiz, além de omitir a prolação do despacho pré-sane-
ador de convite ao aperfeiçoamento, logo julga a acção improcedente
no despacho saneador (art. 595º 1), com fundamento na deficiência da
alegação contida na petição inicial. Já se disse que os casos mais graves
de deficiência de alegação pelo autor conduzem à ineptidão da petição
inicial, pelo que o efeito processual será a absolvição do réu da instân-
cia, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 278º 1.b) e 577º b).
Também já se demonstrou que, face ao regime vigente, os demais casos
de deficiência de alegação não têm natureza preclusiva e são passíveis

570
Para mais desenvolvimentos, Paulo Pimenta (A fase do saneamento…, ps. 182 e ss.). Cfr.
também Montalvão Machado/Paulo Pimenta (O novo processo..., p. 213, nota de rodapé
nº 485).
571
Neste sentido, cfr. os Acs. do TRP de 5.7.2006 (processo nº 0632391) e de 6.5.2010 (pro-
cesso nº 81/07.6TBARC.P1) e o Ac. do TRL de 15.5.2014 (processo nº 26903/13.4T2SNT.
L1-2), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

250
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

de sanação, mediante convite ao aperfeiçoamento expresso em despa-


cho pré-saneador (art. 590º 4). O que não pode jamais acontecer é o
juiz aperceber-se de uma deficiência de alegação fáctica (que, por não
gerar ineptidão, sempre será sanável) e nem assim proferir o despacho
pré-saneador, para, logo de seguida, no despacho saneador, julgar a
acção improcedente, a pretexto da tal deficiência de alegação. Ao pro-
ceder assim, o juiz viola a lei, na medida em que omite a prolação de um
despacho que a lei impõe, com a inerente nulidade (art. 195º 1). Assim
que se aperceber da nulidade, a parte interessada deverá argui-la pe-
rante o próprio juiz, nos termos do art. 199º.
A propósito da arguição dessa nulidade processual, importa determi-
nar os precisos termos em que a mesma pode ter lugar, pois tal arguição
depende da percepção da mesma pela parte, o que não ocorrerá sempre
nos mesmos termos. A questão está em saber em que condições a parte
toma consciência da omissão do despacho pré-saneador, de modo a
suscitar a respectiva nulidade. Em termos similares aos referidos a pro-
pósito da omissão do despacho pré-saneador previsto no art. 590º 2.a),
afigura-se que haverá dois cenários em que, com maior probabilidade, a
parte pode tomar essa consciência.
Por um lado, quando for convocada para a audiência prévia cujo
objecto inclua a discussão de facto e de direito a anteceder uma deci-
são sobre o mérito da causa, mas desde que tal convocatória contenha
indicações que permitam à parte aperceber-se de que o projectado
conhecimento do mérito radica na imperfeição (por insuficiência ou
imprecisão) da alegação fáctica. Deste modo notificada, a parte toma
consciência de que o juiz, assim procedendo (convocando de imediato
a audiência prévia e não proporcionando oportunidade para o aperfei-
çoamento do articulado), omitiu a prática de um acto prescrito por lei,
com a inerente nulidade, nos termos do art. 195º. Sendo neste quadro
que a parte se apercebe da nulidade, a respectiva arguição deverá fazer-
-se no prazo de 10 dias (art. 149º), contado da notificação do despacho
que convoca a audiência prévia (art. 199º 1)572.

572
O que aqui se diz é na pressuposição de que, em face do teor do despacho que convo-
ca a audiência prévia, a parte tem efectivas condições para se aperceber da referida nuli-
dade, invocando-a em prazo contado da notificação desse despacho. Fora desse cenário, o
mais provável é que tal percepção somente ocorra no decurso da audiência prévia (quando
o juiz, finalmente, dá a conhecer a sua perspectiva acerca da pretensa imperfeição fáctica).

251
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Por outro lado, quando não haja lugar à convocação da audiência


prévia573, a percepção acerca da nulidade processual por omissão do
despacho pré-saneador ocorrerá quando a parte for notificada do pró-
prio despacho saneador [art. 595º 1.b)], no qual o juiz, com fundamento
na pretensa imperfeição fáctica, profere uma decisão sobre o mérito da
causa. Só aí estará a parte em condições de arguir tal nulidade, dispondo
do prazo de 10 dias (art. 149º), a contar da notificação do despacho sa-
neador (art. 199º 1)574.

A finalizar a análise do regime do despacho pré-saneador regulado


no nº 4 do art. 590º, impõe-se conjugar o aqui previsto com o disposto
na alínea b) do nº 2 do art. 5º, como condição de uma visão abrangente
do sistema consagrado no CPC de 2013.
Como acaba de ser visto, nenhuma acção pode findar no despacho
saneador com um juízo de improcedência fundado na mera deficiência
da alegação de facto, pois isso revelará que foi omitido o despacho pré-
-saneador de convite ao aperfeiçoamento fáctico do articulado.
Em contrapartida, nos casos em que a acção não termine no despa-
cho saneador, a falta de prolação de despacho pré-saneador não significa
que inexistam deficiências fácticas nos articulados. O que se pode dizer
é que o juiz entendeu não haver insuficiências ou imprecisões na exposi-
ção ou concretização da matéria de facto alegada. Ou então que, embora
existindo tais deficiências, o juiz não se apercebeu delas.

Quando assim for, a arguição da nulidade poderá ser feita até terminar a diligência, apli-
cando-se adaptadamente o nº 1 do art. 199º. É que, embora a nulidade já tenha sido come-
tida antes, a parte só se apercebe disso no decurso da audiência prévia, tudo se devendo pas-
sar como se a nulidade só então fosse cometida.
573
Os arts. 592º 1 e 593º 1 definem os termos, a estudar adiante, em que a audiência prévia
pode não ter lugar.
574
A nulidade em apreço não deve confundir-se com as chamadas nulidades da sentença
(art. 615º), cujo regime é igualmente aplicável aos despachos (art. 613º 3), pois o problema
não estará no conteúdo do despacho saneador, outrossim na omissão do despacho pré-
-saneador. Neste sentido, cfr. o Ac. do TRP de 5.7.2006 (processo nº 0632391), disponível
em www.dgsi.pt. Acresce que o eventual tratamento do assunto pelo regime do art. 615º se-
ria contrário à ideia de economia processual, pois implicaria que a arguição da respectiva
nulidade se fizesse por via de recurso (art. 615º 4), num esquema necessariamente mais
complexo e demorado. E ainda que o juiz deferisse a arguição de nulidade por ocasião do
despacho previsto no nº 1 do art. 641º, tal só aconteceria depois de decorridos os prazos para
alegações e contra-alegações.

252
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Num cenário ou noutro, a verdade é que o processo seguirá os seus


termos para além do despacho saneador. Será a partir daí, em particular
a partir da realização das diligências instrutórias, que pode haver lu-
gar ao funcionamento do regime fixado na alínea b) do nº 2 do art. 5º.
Quer dizer, em função da prova produzida nos autos, poderão revelar-
-se factos complementares ou factos concretizadores dos inicialmente
alegados, factos esses, uns e outros, essenciais à procedência das pre-
tensões deduzidas – factos que haverão de ser considerados pelo juiz na
sentença, nos termos definidos naquele preceito.
Em condições ideais, isto é, num quadro em que, perante o teor dos
articulados, o juiz tivesse ampla capacidade para se aperceber de toda e
qualquer deficiência de alegação, os factos a que se refere o art. 5º 2.b),
seriam, afinal, factos cuja falta de alegação o juiz poderia sinalizar atra-
vés do despacho pré-saneador. Consequentemente, satisfeito que fosse
o convite ao aperfeiçoamento fáctico, daí em diante, a questão seria so-
mente a de saber se a prova a produzir nos autos confirmaria a realidade
de facto alegada (quer inicialmente, quer após o convite). Desse modo,
ficaria praticamente neutralizada a aplicação do regime contido naquele
art. 5º 2.b). A razão é simples: quanto mais completa e precisa for a ale-
gação feita pelas partes, menores serão os casos de omissão de factos de
natureza completar ou concretizadora.
Equivale isto a dizer que, havendo embora um nexo entre o disposto
no art. 590º 4 e o disposto no art. 5º 2. b), tais preceitos operam de modo
distinto, posto que orientados para um objectivo comum, qual seja o da
justa composição do litígio assente numa decisão material conforme à
realidade das coisas. Essa diferença de regimes expressa-se claramente
naquilo que deve ser a atitude do juiz em cada um dos momentos.
Quando se trata de accionar o nº 4 do art. 590º o quadro é o seguinte:
na fase intermédia do processo, o juiz, confrontado com os articulados
das partes e percebendo quais as pretensões deduzidas, detecta defi-
ciências (insuficiências ou imprecisões) na alegação fáctica; uma vez
que a persistência de tais deficiências pode condicionar a decisão a
proferir, o juiz sinaliza tais deficiências e profere despacho de convite
ao aperfeiçoamento; na sequência disso, será aperfeiçoada a respectiva
peça processual, de modo a que os autos contenham uma alegação de
facto completa e precisa; daí em diante, tudo será uma questão de prova
dos factos alegados.

253
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

As coisas são diferentes no funcionamento da alínea b) do nº 2 do


art. 5º: numa fase bem mais adiantada da instância, através da prova pro-
duzida, chegam aos autos factos que acrescem aos inicialmente alegados
(valendo como complementares) ou factos que minuciam ou pormenori-
zam os originariamente alegados (valendo como concretizadores); o juiz
deverá considerar tais factos na decisão a proferir, na certeza de que tais
factos têm a natureza de essenciais, isto é, sem eles as respectivas preten-
sões não podem proceder.
Afigura-se claro que, no caso do art. 590º 4, o juiz deve adoptar uma
postura activa, dando nota da deficiência da alegação e promovendo, por
via do convite, que a alegação original seja aperfeiçoada. Repare-se que
estamos ainda num estádio processual compatível com a alegação de
factos pelas partes. Em contrapartida, no caso do art. 5º 2.b), a atitude
do juiz é outra, dir-se-á mais passiva, que se traduz em estar receptivo
a factos que brotem ou resultem da própria actividade instrutória, to-
mando-os em consideração. Na medida em que se contêm no âmbito da
causa de pedir ou das excepções deduzidas e são determinantes para o
reconhecimento da pretensão inerente, tais factos deverão ser incluídos
na decisão.
Colocadas assim as coisas, logo se conclui que o regime consignado
no art. 5º 2.b) tem uma clara natureza residual relativamente ao meca-
nismo previsto no art. 590º 4, funcionando primordialmente como
uma espécie de válvula de escape destinada aos casos que escapem ao
controlo que deve ter lugar por ocasião do despacho pré-saneador575.
Não se pense, porém, que a possibilidade de funcionar o esquema do
art. 5º 2.b) é de molde a tornar menos relevante (ou menos utilizável) o
despacho pré-saneador. É que existe uma profunda diferença entre con-
vidar ao aperfeiçoamento dos articulados, assim induzindo que (por via
da respectiva alegação) entrem nos autos factos, e confiar somente na
dinâmica da instrução, a qual tanto pode revelar factos existentes, mas
não alegados, como pode não revelar tais factos. Neste último caso, isto
é, se tais factos não resultarem da instrução, é evidente que não serão
considerados na decisão, não tanto porque seguramente não existissem

575
Reflectindo sobre isto, o Ac. do TRP de 30.4.2015 (processo nº 5800/13.9TBMTS.P1),
disponível em www.dgsi.pt, refere que o regime do art. 5º 2. b), representa, na prática, “outra
possibilidade de suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria
de facto sobre a qual irá recair a decisão de mérito”.

254
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

na realidade das coisas, mas porque a sua falta não foi oportunamen-
te sinalizada pelo juiz, levando a que tudo ficasse entregue à instrução
(dir-se-á: à álea da instrução), comportando o risco de esta não conduzir
à revelação desses factos576,577,578.

d) Determinação da junção de documentos


A alínea c) do nº 2 do art. 590º prevê mais uma finalidade do despacho
pré-saneador, no sentido de determinar a junção de documentos de
modo a reunir condições para, no momento da prolação do despacho

576
Ponderando neste sentido, à face dos arts. 264º 3 e 508º 3 do CPC de 1961, após a Re-
forma de 1995/96, Paulo Pimenta (A fase do saneamento…., ps. 187 e ss.).
577
Há ainda um outro aspecto que não é de desconsiderar: o exercício do contraditório é
muito melhor e mais facilmente acautelado no esquema do nº 4 do art. 590º, como mostra o
nº 5 do mesmo preceito, do que no plano do art. 5º 2.b). Também daqui se retira aquilo que
deve funcionar como regra e aquilo que deve valer apenas para situações limite.
578
A coerência do regime tem ainda mais implicações, como se passa a expor. Por um lado,
suponhamos que, em determinada acção, não é proferido despacho de convite ao aperfei-
çoamento fáctico e que a tramitação prossegue sem que da instrução resultem factos a con-
siderar nos termos do art. 5º 2.b). Mais suponhamos que, ao elaborar a sentença, o juiz con-
clui que a acção deve improceder por falta de alegação de determinados factos essenciais,
isto é, factos sem os quais a pretensão deduzida não pode ser reconhecida. Se tais factos não
foram alegados inicialmente, se não houve convite ao aperfeiçoamento e se a instrução não
relevou tais factos, será correcta a decisão de improcedência? A resposta é negativa. Na ver-
dade, se o juiz apenas no momento da sentença se apercebe da insuficiência da alegação,
o problema é o mesmo: foi omitida a prolação do despacho pré-saneador previsto no art.
590º 4 e tal omissão configura uma nulidade, nos termos do art. 195º, implicando que a tra-
mitação seja ajustada em conformidade. E isso acontecerá por iniciativa do juiz, desde que
se consciencialize em tempo, caso em que não deverá proferir sentença, antes repondo o
processo no momento do despacho pré-saneador e fazendo o convite ao aperfeiçoamento.
Ou então acontecerá por via do reconhecimento da nulidade, na sequência da sua arguição
pela parte interessada, arguição que ocorrerá perante a notificação da sentença. Por outro
lado, a questão pode suscitar-se também em fase de recurso. Assim será se a 1ª instância jul-
gou a acção procedente com base em certo quadro factual, mas a 2ª instância entende que
tal factualidade não é bastante para o juízo de procedência. Num caso destes, a Relação não
pode, sem mais, revogar a sentença e decretar a improcedência da acção. Com efeito, se a
Relação entende que o tipo legal em causa supõe a verificação de mais factos, o que se im-
põe é fazer o processo descer à 1ª instância, em termos de ser proferido despacho pré-sanea-
dor de convite ao aperfeiçoamento, assim se propiciando a alegação dos factos cuja omissão
é assinalada pela Relação. Nas duas situações acabadas de referir, a rejeição da solução pro-
posta implica tratar diferentemente a mesma problemática em função do momento proces-
sual em que a mesma é suscitada, o que não se afigura próprio, mais a mais porque inexiste
no sistema processual qualquer suporte para essa diversidade de abordagens.

255
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

saneador (art. 595º), o juiz poder apreciar excepções dilatórias ou conhe-


cer, no todo ou em parte, do mérito da causa. Está aqui em causa a preo-
cupação de evitar que, por meras razões documentais, seja relegada para
a sentença a decisão de matérias que o juiz poderia conhecer já na fase
intermédia do processo.

2.2. Audiência prévia


Mantendo e enfatizando algo que provém da Reforma de 1995/96, o
CPC de 2013 estabelece a realização de uma audiência a ter lugar na
fase intermédia do processo.
Trata-se da audiência prévia, que se assume como um dos momentos
mais marcantes da acção declarativa. Esta audiência visa assegurar, com
efectividade, a aproximação entre as partes, e estas e o tribunal, através
de uma cultura de diálogo. Visa ainda que a actuação dos sujeitos proces-
suais seja dominada pela ideia da oralidade e da cooperação entre todos.
A audiência prévia contém virtualidades que a tornam um palco privile-
giado onde, simultaneamente, actuam todos os intervenientes proces-
suais, numa verdadeira comunidade de trabalho, sendo tal audiência um
dos expoentes máximos da oralidade e da cooperação que caracterizam o
processo civil moderno579.
A marcação da audiência é feita por meio de despacho, o qual deve indi-
car, concretamente, o seu objecto e finalidade (art. 591º 2). O teor deste
despacho é muito importante. Na realidade, a previsão desta audiência no
nosso processo civil resulta do reconhecimento das vantagens do diálo-
go proporcionado pelo contacto directo dos intervenientes no processo.
Tal diálogo só será proveitoso se todos forem preparados para o mesmo.
Ora, essa preparação supõe que as partes e seus mandatários saibam o
que vai acontecer, o que vai discutir-se, o que vai tratar-se na audiência
prévia. Disso devem ser informados pelo despacho que marca a audiên-
cia. O mesmo é dizer que o juiz deve ter o cuidado e o rigor de indicar, ex-
pressamente, o objecto da audiência prévia, tanto mais que, podendo, em
abstracto, a audiência prévia cumprir diversas finalidades, há que definir
quais as finalidades a considerar em cada concreto processo.
579
Na economia da acção declarativa comum, a audiência prévia sucede à audiência prelimi-
nar que estava prevista no art. 508º-A do CPC de 1961, após a Reforma de 1995/96. A insti-
tuição da audiência preliminar representou, à data, um forte investimento legislativo. Sobre
este ponto, cfr. Paulo Pimenta (A fase do saneamento..., ps. 209 e ss.). Lamentavelmente, a
experiência do foro ficou muito aquém das expectativas do legislador.

256
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Nessa conformidade, se pretender procurar a conciliação das partes, o


juiz deve referir isso no despacho. Se pretender ouvir as partes acerca de
uma excepção dilatória, deve identificar a excepção. Se a audiência tiver
por fim esclarecer este ou aquele ponto de facto alegado nos articulados,
deve ser dada nota disso. Se o juiz projectar conhecer do mérito da causa,
e houver vários pedidos formulados (originais ou reconvencionais) ou
houver excepções peremptórias, é indispensável indicar de qual aspecto
do mérito da causa pretende conhecer-se, para que as partes preparem
a sua intervenção sobre esse tema. Não é adequado, nem cumpre a lei, o
despacho que contenha singelas referências genéricas ou que se limite a
remeter para as alíneas do nº 1 do art. 591º ou a reproduzi-las.

Sem prejuízo do que se dirá adiante, é possível afirmar, pelo cotejo


dos arts. 591º 1 (audiência prévia), 592º 1 (não realização da audiência pré-
via), 593º 1 (dispensa da audiência prévia) e 593º 3 (requerimento de realização
de audiência prévia), que a tramitação de uma acção declarativa comum
incluirá, em curso normal, a realização de uma audiência prévia: é este
o sentido preciso do nº 1 do art. 591º, quando refere que, “Concluídas as
diligências (…), se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia…”.
Dito de outro modo, no processo declarativo comum, a audiência pré-
via apenas deixará de realizar-se em dois planos: i) quando a lei assim o
estabeleça, nos casos indicados no art. 592º; ii) quando o juiz dispense a
realização da audiência, ao abrigo do nº 1 do art. 593º. Sucede, porém,
que a dispensa da audiência prévia pelo juiz não tem carácter definitivo,
dependendo sempre da atitude das partes, na medida em que estas (e
basta uma delas) podem impor a realização de tal audiência, nos termos
previstos no nº 3 do art. 593º: é aquilo a que se chama audiência prévia
potestativa.
O modo como a lei regula esta matéria terá a virtude de evitar a ree-
dição da discussão que havia em torno da pretérita audiência preliminar
e da questão de saber se era obrigatória (ou não) a sua realização, por
referência aos arts. 508º-A e 508º-B do CPC de 1961, após a Reforma de
1995/96.
Discutir hoje se a audiência prévia é obrigatória (ou não) terá por efeito
deslocar a atenção do que é fundamental: as virtualidades da audiência
prévia e das finalidades que permite alcançar. Mais do que afirmar, um
tanto retoricamente, que a audiência prévia é (ou não) obrigatória, im-

257
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

porta que os juízes e os advogados portugueses se consciencializem de


que o propósito legislativo é o de que os processos comportem, normal-
mente, duas audiências580.
Nessa medida, é expectável que a audiência prévia se realize, seja por con-
vocação do juiz (art. 591º 1), seja a requerimento das partes (art. 593º 3).
De todo o modo, e fora do caso específico do nº 1 do art. 592º (em que
o próprio legislador assume a não realização desta audiência), é patente
que, ao contrário do que sucedia no passado, a realização (ou não) da
audiência prévia e o que daí resultar para o devir processual será uma
responsabilidade partilhada do juiz e das partes e seus mandatários, o que é
mais uma forma de concretizar aquilo que se designa por visão participada
do processo.

2.2.1. Finalidades da audiência prévia


Como resulta do nº 1 do art. 591º, a audiência prévia pode destinar-se a
diversos fins, enunciados nas suas diversas alíneas. Tendo presente o teor
deste preceito, cabe ao juiz, processo a processo, determinar quais des-
sas finalidades deverão ser asseguradas em cada concreta acção, precisa-
mente em função daquilo que os autos revelarem e justificarem. Atente-
mos agora nos fins a que pode destinar-se a audiência prévia581,582.

a) Tentativa de conciliação das partes


De acordo com o art. 591º 1.a), a primeira finalidade da audiência prévia
é a de realizar tentativa de conciliação das partes, nos termos definidos pelo
art. 594º583.

580
Sobre a questão da obrigatoriedade (ou não) da audiência prévia, é eloquente o modo
como Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 485), ambos juí-
zes de direito, se expressam: “O legislador enfrenta este problema confiando que a nova audiência se
imporá pelos seus méritos. O juiz executa melhor e com maior facilidade o seu trabalho se realizar a au-
diência prévia; tanto basta para que se considere que a regra será seguida”.
581
É de referir que, nos termos do nº 3 do art. 591º, a falta das partes ou dos seus mandatários
não constitui motivo de adiamento da audiência prévia, na certeza de que, para a marcação
da data desta audiência, deve ser observado o disposto no art. 151º, com vista a obter acordo
de agendas.
582
Nos termos do disposto no nº 4 do art. 591º, a audiência prévia é, sempre que possível,
gravada.
583
Conforme estabelece o nº 1 do art. 594º, a conciliação das partes, desde que legalmente
possível, pode ser tentada em qualquer estado da causa, começando até por aí a audiência
final, como se vê pelo nº 2 do art. 604º. De todo o modo, é de registar que, como estabelece

258
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Cumprida a etapa inicial dos autos, e antes de o processo avançar, é


conveniente que o juiz pondere sobre a hipótese de se obter a concilia-
ção das partes. Quando se lhe afigure viável tal possibilidade, convocará
a audiência prévia para esse efeito. A perspectiva de uma conciliação en-
tre as partes assume particular importância neste momento processual,
isto é, na fase intermédia do processo. Se, por um lado, estão lançados
os dados da questão e definidos os seus contornos essenciais, mercê da
exposição que as partes fizeram das respectivas pretensões (permitindo
a cada uma delas fazer uma ideia do que poderá esperar do processo), por
outro lado, é ainda uma altura de bastante incerteza quanto ao desfecho
da lide, pois muito depende do modo como vierem a desenrolar-se os
actos processuais subsequentes, em especial a produção de prova e a res-
pectiva valoração, ao que acresce a circunstância de esses actos serem os
mais desgastantes, trabalhosos e dispendiosos.
Na verdade, é conveniente que, nesta altura de transição processual,
as partes façam um balanço da actividade já desenvolvida e uma previsão
da que falta realizar, ponderando os riscos, dificuldades e encargos que
o prosseguimento dos autos envolve, contrapondo-os às possíveis conve-
niências e vantagens de uma solução concertada do litígio. Daí que o juiz
deva confrontar as partes com a tentativa de conciliação, assim se promo-
vendo um contacto das partes e dos respectivos mandatários com vista à
resolução, por consenso, do litígio que a acção encerra.
Como é evidente, e o nº 1 do art. 594º confirma, esta tentativa de con-
ciliação só pode ocorrer nas causas que caibam no âmbito dos poderes
de disposição das partes. Por outro lado, importa referir que, segundo o
nº 4 do art. 594º, “frustrando-se, total ou parcialmente, a conciliação, ficam con-
signados em acta as concretas soluções sugeridas pelo juiz, bem como os fundamen-
tos que, no entendimento das partes, justificam a persistência do litígio”.
Relativamente ao juiz, a previsão legal pretenderá marcar o relevo
da sua intervenção com intuito conciliatório, o que supõe uma atitude
simultaneamente empenhada (se nada ficar em acta, parecerá que o juiz
nenhuma concreta solução sugeriu) e cuidada (serão de evitar sugestões
que não se afigurem objectivamente equitativas ou que de algum modo
possam ser tomadas como constrangedoras para qualquer das partes).

o nº 1 do art. 594º, as partes não podem ser convocadas exclusivamente para o fim da conci-
liação mais do que uma vez .

259
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Relativamente às partes, a previsão legal terá em vista prevenir casos


em que a não conciliação radique apenas em “motivos fúteis ou insigni-
ficantes”584, isto é, a frustração da conciliação deverá decorrer de razões
plausíveis (ainda que apenas subjectivamente plausíveis)585.

b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito sobre questões a deci-


dir no despacho saneador
Nos termos do art. 591º 1.b), a segunda finalidade da audiência prévia é a
de facultar às partes a discussão de facto e de direito, seja sobre excepções dila-
tórias de que o juiz deva conhecer, seja sobre o mérito da causa, quando
o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do pedido
ou de excepções peremptórias.
Assim, quando o juiz deva apreciar uma excepção dilatória, apreciação
que terá lugar no despacho saneador, a proferir, em princípio, na própria
audiência [arts. 591º 1.d), 595º 1.a) e 595º 2], tal decisão deverá ser ante-
cedida de uma discussão entre as partes a realizar na audiência prévia.
As excepções dilatórias a que se reporta o preceito em análise são tanto as
que foram suscitadas pelas partes nos articulados como as que o juiz haja
de conhecer oficiosamente (art. 578º). Concretizando, podemos enun-
ciar três situações em que deve ser convocada a audiência prévia, para os
fins referidos no art. 591º 1.b). Em primeiro lugar, quando o juiz pretenda
apreciar uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que não tenha
sido suscitada e discutida pelas partes nos articulados. Deste modo, evita-
-se que as partes sejam confrontadas com uma decisão que não espera-
riam, cumprindo-se, de resto, o estatuído no nº 3 do art. 3º586. Depois,
quando se trate de uma excepção dilatória que uma parte tenha invocado
naquele que era o último articulado admitido no processo. Aqui, o que
está em jogo é o respeito pelo contraditório, proporcionando à outra parte
a resposta à excepção, tal como, aliás, prescreve o nº 4 do art. 3º587. Final-
584
Cfr. Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 309).
585
Para maior desenvolvimento acerca da postura que é de esperar do juiz, das partes e dos
mandatários destas, no âmbito da tentativa de conciliação, cfr. Paulo Pimenta (A fase do sa-
neamento…, ps. 220-225).
586
Numa palavra, pretende-se evitar as chamadas decisões-surpresa. Neste sentido, Teixeira
de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 309).
587
Na tramitação da acção declarativa comum, é de entender que a garantia do exercício do
direito de resposta imporá, só por si, a convocação da audiência prévia. Quando o nº 4 do
art. 3º coloca a hipótese de “não havendo lugar a ela” (a audiência prévia), está a referir-se, não

260
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

mente, quando o juiz entenda que, embora a excepção tenha sido discu-
tida (invocada e respondida) nos articulados, se justifica um aprofunda-
mento dessa discussão, para melhor o habilitar a decidir a questão.

Por outro lado, quando o juiz, findo o período dos articulados e con-
siderando o estado do processo, entender que dispõe de condições para
decidir já o mérito da causa, decisão que, a ter lugar, será incluída no
despacho saneador, a proferir, em princípio, nessa audiência [arts. 591º
1.d), 595º 1.b) e 595º 2], a audiência prévia será então destinada a facul-
tar às partes uma discussão sobre as vertentes do mérito da causa que o
juiz projecta decidir. É de toda a conveniência que o juiz não decida o
litígio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham
a oportunidade de produzir alegações orais, de facto e de direito, acerca
do mérito da causa, sendo que o âmbito dessas alegações depende do
caso concreto588. Assim, nessas alegações, as partes poderão fazer os
considerandos que tenham por convenientes, no sentido de justificar e
fundamentar a procedência das respectivas pretensões. Além disso, as
alegações poderão servir também para as partes tomarem posição sobre
eventuais excepções peremptórias não discutidas nos articulados, mas
que o juiz entenda poder conhecer oficiosamente589. Acresce que deve ser
proporcionada às partes a possibilidade de produzirem alegações quando
o juiz se proponha decidir o mérito da causa num enquadramento jurí-
dico diverso do assumido e discutido pelas partes nos articulados590.

à falta da sua convocação, mas à inexistência da figura na tramitação de uma concreta forma
processual. No entanto, tal como se deixou referido, pode suceder que, nos uso dos poderes
de que dispõe, o juiz opte por proporcionar à parte o exercício do contraditório por escrito
quanto a alguma excepção dilatória invocada na contestação ou na réplica, caso em que a
audiência prévia pode não se destinar a esse concreto fim, havendo mesmo situações em que
não se realiza sequer [art. 592º 1.b)].
588
A propósito, cfr. Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 112).
589
Atente-se que o conhecimento oficioso de uma excepção não afasta o princípio de que os
factos que sustentam aquela excepção devem ser introduzidos no processo pelas partes, sem
prejuízo do disposto no art. 412º. A propósito, cfr. Lebre de Freitas (A ação declarativa...,
ps. 97-98, e Introdução..., p. 150, nota de rodapé nº 3).
590
Neste caso concreto, como é evidente, as alegações serão circunscritas à vertente jurídica
da causa. A faculdade de as partes produzirem estas alegações é uma manifestação do prin-
cípio do contraditório, no plano do direito. Cfr., a propósito, Lebre de Freitas (Introdu-
ção..., ps. 133-136).

261
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

A convocação das partes para a audiência prévia, no contexto da alínea


b) do nº 1 do art. 591º, é pertinente a vários títulos. Antes de mais, impede
que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, prova-
velmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-
-surpresa (art. 3º 3). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada
intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma
precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de,
sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo,
a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a exis-
tência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito. Expres-
são disso mesmo é a segunda parte do nº 2 do art. 591º, referindo que o
despacho determinativo da audiência prévia para este efeito não consti-
tui caso julgado sobre a possibilidade de apreciação imediata do mérito
da causa, de modo a não vincular o juiz à intenção por si manifestada591.
Por outro lado, sabendo as partes que, no caso de o juiz pretender decidir
o mérito da causa logo no despacho saneador, serão convocadas para uma
discussão adequada, não terão de preocupar-se em utilizar os articula-
dos para logo produzirem alegações completas sobre a vertente jurídica
da questão592. A solução consagrada permite, portanto, que os articula-
dos mantenham a sua vocação essencial (exposição dos fundamentos da
acção e da defesa), ao mesmo tempo que garante a discussão subse-
quente, se necessária, em diligência própria.

c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do


litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria
de facto
De acordo com o art. 591º 1.c), a audiência prévia pode também destinar-
-se a discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do
litígio, e a suprir as insuficiências ou imprecisões que ainda subsistam ou que,
entretanto, se evidenciem. Neste contexto, a audiência prévia pode ter

591
Nem outra solução seria razoável. Se o juiz concluísse, após o debate, que não havia, afi-
nal, condições para a decisão imediata do mérito, impor tal decisão seria forçá-lo a decidir
por decidir. Para obviar a isto, naturalmente, os juízes deixariam de afirmar a intenção de
conhecimento imediato, o que sempre implicaria a subsequente tramitação processual, se
calhar, inutilmente.
592
O que se diz não colide com o disposto no art. 552º 1.), para a petição inicial, e no art.
572º b), para a contestação, acerca da “exposição das razões de direito”.

262
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

em vista (cumulativamente ou não) duas finalidades. De um lado, pode


destinar-se à discussão das posições das partes, com vista à delimitação
dos termos do litígio. De outro lado, a audiência pode destinar-se a pro-
porcionar o suprimento de insuficiências ou imprecisões na exposição da
matéria de facto.
A este propósito, importa notar que, nessa audiência, o juiz deve adop-
tar uma postura activa e dialogante. Quer dizer, o juiz deve participar na
discussão destinada a delimitar os termos do litígio, não se limitando a
assistir, assim como deve apontar as insuficiências ou imprecisões de que
(no seu entender) os articulados padeçam593. De resto, é compreensível
que assim seja. Se o juiz entendeu que era pertinente delimitar os ter-
mos do litígio, discutindo as posições das partes, há-de ser ele a lançar o
mote dessa discussão e a mantê-la, enquanto for útil. Igualmente, se o juiz
detecta insuficiências ou imprecisões fácticas, deve indicá-las com preci-
são, para que seja possível às partes diligenciarem pelo aperfeiçoamento
respectivo.
Quanto à delimitação dos termos do litígio, o que está em causa é a pos-
sibilidade de o juiz entender por bem promover uma discussão (em que
participará, como se disse), de modo a que, do confronto de posições, se
clarifique ou se determine com rigor aquilo que cada um dos litigantes
pretende realmente594. Esta delimitação do litígio tanto pode respeitar à
sua vertente fáctica, como à jurídica (ou a ambas, obviamente)595. Uma
vez melhor definidos os contornos do litígio, mais proficuamente decor-
rerão os actos subsequentes do processo, com vista à desejada justa com-
posição de tal litígio.
Relativamente à convocação da audiência prévia para o aperfeiçoamento
da exposição da matéria de facto, devemos conjugar os arts. 591º 1.c) e 590º
4. Quer dizer, se o juiz, quando o processo lhe foi feito concluso, para

593
Reveladora dessa circunstância é a própria letra da lei, conforme se retira do confronto
das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 591º. Na primeira (já analisada), diz-se que a audiência tem
por fim “facultar às partes” um debate sobre determinados pontos (debate a que o juiz assiste
e do qual tirará as devidas ilações). Na última alínea (ora em análise), diz-se que a audiência
se destina a “discutir as posições das partes... e suprir as...”, discussão e suprimento (ou tentativa
de) em que participarão todos os intervenientes processuais.
594
Neste sentido, Paula Costa e Silva (Saneamento e condensação…, p. 239).
595
Assim, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, ps. 114-116) e Lebre de Freitas
(Introdução..., p. 188). Sobre este ponto, cfr., ainda, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo...,
ps. 309-310).

263
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

os efeitos do disposto no art. 590º, tiver constatado que os articulados


oferecidos pelas partes se mostravam facticamente imperfeitos, terá
já proferido despacho pré-saneador, convidando as partes a suprirem
as insuficiências ou imprecisões detectadas, nos termos já estudados.
Se as partes, assim notificadas, acederam ao convite e supriram, de modo
satisfatório, as imperfeições, o problema ficou encerrado, sem que seja
preciso convocar a audiência prévia (para esse fim, claro). Já se as partes,
embora acedendo à interpelação (apresentando articulado para o efeito),
não foram capazes (no entendimento do juiz, note-se) de sanar, integral-
mente, aquelas imperfeições, ainda podem agora ser convocadas para a
audiência prévia, de modo a que, finalmente, venham a colmatar as insu-
ficiências que ainda subsistam596. Mas se as partes não corresponderam,
de todo, ao convite, faculdade que lhes assiste, como vimos também, não
fará sentido convocá-las para uma audiência que se adivinha improfícua.

Note-se que o art. 591º 1.c) estabelece ainda que a audiência prévia se
destina ao suprimento das insuficiências ou imprecisões que se tornem
patentes na sequência do debate. Agora, como se compreende, estas concre-
tas insuficiências ou imprecisões não poderão ter constituído motivo para
a convocação da audiência prévia, já que só se revelaram, só se tornaram
patentes, pelo debate cuja realização implicou aquela audiência. Do que
se trata é de, estando as partes presentes, aproveitar para, logo aí, resolver
todas as questões inerentes à exposição da matéria de facto.

Sempre que, no decurso da audiência prévia, e no âmbito da finalidade


em análise, venham a ser supridas insuficiências ou imprecisões fácticas,
deverão ficar registadas na acta da audiência as concretas alegações pro-
duzidas com vista a tais aperfeiçoamentos, bem como as alegações profe-
ridas em sede de resposta. Esta documentação revela-se imprescindível,
já que as alegações então produzidas fazem parte de um todo (a versão
fáctica das partes), acrescendo, pois, ao que ficou narrado nos articulados
apresentados por estas.

596
O confronto da previsão do nº 4 do art. 590º com a da alínea c) do nº 1 do art. 591º mostra
que o regime daquele preceito prevalece sobre este, ou seja, por princípio, não deverá o juiz
omitir o despacho do nº 4 do art. 590º, substituindo-o pela convocação directa da audiência
prévia para o efeito do alínea c) do nº 1 do art. 591º. Assim, Lebre de Freitas (A ação declara-
tiva..., p. 173, nota de rodapé nº 11).

264
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

d) Proferir despacho saneador


Estabelece a alínea d) do nº 1 do art. 591º que a audiência prévia se des-
tina a proferir despacho saneador, nos termos do nº 1 do art. 595º.
De acordo com o nº 1 do art. 595º, o despacho saneador desempenha
uma dupla finalidade decisória. Por um lado, nos termos da alínea a), o
despacho destina-se a proferir decisão sobre questões técnico-proces-
suais. Por outro lado, conforme estabelece a alínea b), o despacho sanea-
dor dirige-se à prolação de decisão relativa ao mérito da causa.
Deve dizer-se que o despacho saneador constitui uma figura autó-
noma face à audiência prévia, desde logo porque a decisão contida neste
despacho (apreciando determinadas matérias) realiza uma função pro-
cessual distinta da levada a cabo pela audiência prévia, ainda que também
na fase intermédia. De resto, trata-se de um despacho cuja prolação sem-
pre ocorre no processo, independentemente de haver ou não aquela au-
diência597. Se houver audiência prévia, deve ser aí proferido, oralmente,
sem prejuízo de se mostrar conveniente a sua prolação por escrito [arts.
591º 1.d) e 595º 2]. Se não houver audiência prévia, o despacho saneador
será proferido por escrito e depois notificado às partes (art. 592º 2 e art.
593º 2 e 3)598.
Dada a referida autonomia substancial e funcional do despacho sanea-
dor, decidimos tratar a respectiva matéria separadamente, destacando-a
das considerações que temos vindo a fazer a respeito da audiência prévia.

e) Determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização pro-


cessual
Nos termos fixados na alínea e) do nº 1 do art. 591º, a audiência prévia
pode destinar-se também a determinar a adequação formal, a simplificação ou
a agilização processual, nos termos previstos no nº 1 do art. 6º e no art. 547º.
O conteúdo das decisões a tomar pelo juiz nesta sede é condicionado,
obviamente, pelas particularidades de cada processo. De todo o modo,

597
Quer dizer, o despacho saneador é próprio da fase intermédia do processo e não tanto da
audiência prévia, embora esta também seja própria daquela fase. Tenha-se presente que, nos
processos em regime de revelia operante, a tramitação não comporta esta fase intermédia,
pelo que não haverá também despacho saneador (cfr. o art. 567º).
598
Os casos em que não há audiência prévia são os que resultam da previsão dos artigos 592º
1 e 593º 1. Além disso, nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, a
aplicação do regime fixado no art. 597º também conduz a que, em certos casos, a audiência
prévia não se realize.

265
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

a fase intermédia do processo é um dos momentos mais propícios para


inter venções desta natureza, por referência àquilo que os autos revelam
em face dos articulados e por antecipação àquilo que será o devir pro-
cessual. A audiência prévia, pelo contacto que propicia entre o juiz e os
mandatários das partes, é um palco privilegiado para tal, à luz de uma vi-
são participada do processo em que é importante que o juiz, para melhor
decidir, colha os contributos que a audição das partes lhe proporciona.

f ) Proferir despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar


os temas da prova
De acordo com o disposto na alínea f ) do nº 1 do art. 591º, outra finali-
dade a cumprir na audiência prévia é a de, após debate, proferir o despacho
destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, previsto
no nº 1 do art. 596º, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes.
Esta finalidade da audiência prévia só faz sentido, naturalmente, nas
acções que devam prosseguir para além da fase intermédia do processo.
Do que se trata é de levar o juiz e as partes a consciencializarem-se da-
quilo que está efectivamente em discussão, isto é, daquilo sobre que ver-
sará a solução jurídica do pleito. Além disso, procura-se definir o âmbito
da actividade instrutória da causa.
Considerando também aqui a autonomia do despacho previsto no
nº 1 do art. 596º, o seu tratamento será feito fora das considerações res-
peitantes à audiência prévia.

g) Programar os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número


de sessões e a sua provável duração e designar as respectivas datas
Por fim, a audiência prévia destina-se a programar os actos a realizar na au-
diência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as
respectivas datas, tal como refere a alínea g) do nº 1 do art. 591º.
Nesta vertente, a audiência prévia servirá para o juiz e os advogados
das partes definirem os termos em que, previsivelmente, a audiência final
deverá decorrer, estabelecendo-se os actos a praticar nessa audiência, o
número de sessões que a audiência terá, a sua duração e, obviamente,
as datas em que se realizará. Esta programação exige e impõe, desde logo,
um acordo de agendas, de modo a que a(s) data(s) designada(s) seja(m)
da conveniência de todos e de modo a que todos fiquem assim vinculados.
Daqui decorrerão, seguramente, inúmeras vantagens, logo avultando a

266
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

de diminuir drasticamente os casos em que a audiência final é adiável


(cfr. o art. 603º). Por outro lado, o cumprimento rigoroso deste preceito
evitará algo que, com demasiada frequência, sucedia nas acções cíveis.
Com efeito, era habitual serem convocadas em bloco e para a mesma
data todas as pessoas a serem ouvidas em juízo (v. g., testemunhas e peri-
tos), independentemente do seu número e sem se ter em conta a possível
demora de cada inquirição. Tal modo de proceder acabava por levar a
que muitas dessas pessoas tivessem de se deslocar inúmeras vezes a tri-
bunal até, finalmente, chegar a sua vez de deporem. Para além de isso
aparentar uma certa displicência e desorganização na gestão do tempo
e das diligências processuais, era fonte de deslocações inúteis e de incó-
modos desnecessários para todos quantos eram assim convocados.
O novo regime visa imprimir rigor neste domínio, sendo muito relevan-
te o empenho do juiz e dos mandatários das partes no sentido de, com
um grau mínimo de previsibilidade, definir quem deve ser ouvido em cada
sessão da audiência final e por quanto tempo, em termos de logo ser pos-
sível antever o número de sessões que a audiência final deverá ter, cujas
datas deverão também ficar definidas e agendadas na própria audiência
prévia. Acresce que este agendamento e programação da audiência final
terá a virtude de conferir real conteúdo à previsão da alínea b) do nº 2 do
art. 602º.

2.3. Despacho saneador


Relativamente ao despacho saneador e ao que nele deve ser tratado ou
apreciado, o CPC de 2013 não traz novidades. Estamos perante um des-
pacho a proferir em todas as acções de processo comum599, sendo que,
de acordo com o nº 1 do art. 595º, o despacho saneador desempenha
uma dupla finalidade decisória, pois tanto se destina a decidir questões
de índole técnico-processual como a apreciar o mérito da causa.
De acordo com a alínea a) daquele nº 1, este despacho destina-se ao
conhecimento de excepções dilatórias e nulidades processuais. Nos termos da alí-
nea b), o despacho destina-se ao conhecimento imediato do mérito da causa.

599
Não assim nas acções não contestadas e submetidas ao regime da revelia operante, pois
o processo passa directamente para alegações escritas, após o que é proferida sentença, jul-
gando a causa conforme for de direito (art. 567º), conforme já se viu. E não necessariamente
assim nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação (art. 597º), conforme
se verá.

267
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

No que respeita à primeira vertente decisória, esta corresponde à fun-


ção mais tradicional e própria do despacho saneador. Pretende-se evitar
que a acção declarativa percorra toda sua tramitação, sem que esteja as-
segurada a possibilidade de, no momento da sentença, vir a ser proferida
uma decisão que aprecie o mérito da causa. Nessa conformidade, impõe-
-se que, cumprida a etapa inicial do processo, seja feita uma triagem, com
vista a detectar eventuais irregularidades da instância. Se o processo não
tiver de terminar aí, por razões de ordem formal, dir-se-á estarem reuni-
das, em princípio600, as condições para que, oportunamente, o processo
seja decidido de mérito.
Quanto ao segundo aspecto da função decisória do despacho sanea-
dor, diremos que tem carácter excepcional ou eventual601. Nos casos em
que, para além de não haver impedimentos de ordem formal, o estado
do processo permite ao juiz pronunciar-se já sobre o mérito da causa
(julgando a acção procedente ou improcedente), tal pronúncia deve ser
vertida no despacho saneador. Desse modo, não se relega para a sentença
uma decisão que pode ser proferida, sem necessidade de mais provas, na
própria fase intermédia do processo: é o que pode chamar-se “julgamento
antecipado da lide”602.
De seguida, iremos analisar as questões a apreciar no despacho sanea-
dor, em cada uma das mencionadas vertentes decisórias.

2.3.1. Conhecimento de questões processuais


Em primeira linha, correspondendo à sua função primordial, o despacho
saneador destina-se ao conhecimento de questões processuais. Decor-
rido o período inicial do processo, é altura de verificar a regularidade da
instância, nas suas diversas facetas. Importa verificar se estão respeitados
todos os pressupostos processuais e os demais requisitos técnicos da ins-
tância. A preocupação fundamental, neste domínio, é evitar um proces-
samento inútil. É evitar que o processo avance, sem que todos os seus
aspectos formais se mostrem regulares603.

600
Diz-se “em princípio”, pois é possível que algo tenha escapado a essa triagem. Daí o dis-
posto no nº 1 do art. 608º, impondo uma última verificação por ocasião da sentença.
601
Expressão também usada por Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 179).
602
Expressão usada por Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 381).
603
Assinale-se que foi, precisamente, esta preocupação que esteve na base da criação legisla-
tiva do “despacho regulador da instância”, em 1907 (Decreto nº 3, de 29.5), preocupação que se

268
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Como se sabe, certas irregularidades são de molde a atingir todo o


processo, impedindo o juiz de proferir uma decisão de mérito. É o que
acontece com a maioria das excepções dilatórias (arts. 278º 1 e 577º).
Nesses casos, é evidente que toda e qualquer actividade processual sub-
sequente à fase intermédia do processo seria em vão, pois o desfecho se-
ria sempre o mesmo, isto é, o juiz sempre teria de abster-se de conhecer
do mérito da causa. Portanto, antes de avançar na tramitação processu-
al, impõe-se levar a cabo esta verificação da regularidade da instância, a
fim de garantir que só avancem os processos que reúnam condições for-
mais para tal. Nos casos em que assim não aconteça, o processo deve ficar
por aí.

Ao lado das irregularidades mais graves (até pelos seus efeitos), outras
há que apenas tocam certos aspectos ou fracções do processado. Assim
sucede, nomeadamente, quando a contestação apresenta determinados
vícios decorrentes da não especificação de excepções aí deduzidas [art.
572º c)], vícios que afectam tais excepções, mas não inquinam a defesa
por impugnação. Analogamente, as irregularidades relativas ao pedido
reconvencional (art. 583º) ficam circunscritas a este, sem afectarem
a contestação defesa. Também a violação, pelo réu, do pressuposto do
patrocínio judiciário obrigatório (arts. 40º e 41º) implica que fique sem
efeito a sua defesa. Nestas situações, apesar dos vícios apontados, é evi-
dente que os mesmos (pelo âmbito limitado dos seus efeitos) não con-
tendem com o prosseguimento da instância. No entanto, é certo que as
tais fracções do processado que forem atingidas não deverão mais ser tidas
em conta, ao longo da acção, até porque seria inútil fazê-lo. Portanto (e
retomando os exemplos apontados), a instância deverá prosseguir como
se não tivessem sido deduzidas as excepções, como se não houvesse
pedido reconvencional604 e como se o réu não tivesse contestado.
Para esse efeito, é necessário proferir nos autos uma decisão expressa e

aprofundou com a instituição do próprio “despacho saneador”, em 1926 (Decreto nº 12:353, de


22.09), e se manteve no CPC de 1939 e no CPC de 1961.
604
A violação desses requisitos, se não sanada, poderá determinar a extinção da instância
reconvencional, dela se absolvendo o autor reconvindo, prosseguindo os autos para apre-
ciação do pedido original. Recorde-se que a eventual extinção da instância reconvencional
não inutiliza os efeitos processuais já produzidos pela dedução da reconvenção, designada-
mente, quanto ao valor da causa, nos termos do art. 299º 2.

269
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

formal, decretando isso mesmo, decisão que será proferida no despacho


saneador.

Por outro lado, as irregularidades podem resultar de desvios na pró-


pria tramitação processual, seja pela prática de actos não permitidos,
seja pela omissão da prática de outros que a lei prescreve, seja ainda pela
prática de certos actos com desrespeito pelas formalidades fixadas por
lei. Quanto a tais irregularidades, é conveniente a tomada de medidas
tendentes a determinar a sua extensão e respectivos efeitos, anulando-se
o processado que deva sê-lo e aproveitando-se o não inquinado, a fim de
que o processo possa retomar a sua tramitação em termos regulares.

Relativamente a esta primeira função do despacho saneador, a alínea


a) do nº 1 do art. 595º prescreve que o juiz deverá conhecer das excepções
dilatórias e nulidades processuais que lhe cumpra apreciar, seja porque
foram arguidas pelas partes, seja porque os elementos constantes dos
autos permitem o seu conhecimento oficioso.

Quanto ao conhecimento das excepções dilatórias no despacho saneador, im-


porta começar por referir que, ao contrário do que sucedia no passado
(até à Reforma de 1995/96), a alínea a) do nº 1 do art. 595º não estabele-
ce a ordem a observar na apreciação de tais excepções605. Perante isso, o
adequado será o juiz tomar como referência a solução inscrita no nº 1 do
art. 608º, isto é, o juiz deverá conhecer das excepções dilatórias segundo
a ordem imposta pela sua precedência lógica606.
Por outro lado, importa ter presente que a circunstância de haver deter-
minados vícios de ordem processual pode não impedir, afinal, a prola-
ção de uma decisão de mérito. Basta que tais vícios sejam sanáveis e a
sua sanação se efective607. O que passa, desde logo, pela prolação do

605
O art. 510º 1.a) do CPC de 1961 prescrevia o respeito pela ordem designada no seu art.
288º, em paralelismo, aliás, com o fixado no respectivo art. 660º 1, para a sentença. Este re-
gime já constava, de resto, do CPC de 1939 (cfr. os seus arts. 514º e 660º, remetendo ambos
para o art. 293º). Com a Reforma de 1995/96, os arts. 510º 1.a) e 660º 1 deixaram de remeter
para a ordem indicada no art. 288º do CPC de 1961.
606
Neste sentido, Lopes do Rego (Comentários…, p. 442). Sobre este ponto, cfr. a opinião
de Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 128).
607
Sem prejuízo sempre do regime particular contido na segunda parte do nº 3 do art. 278º,
já referido oportunamente.

270
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

despacho pré-saneador, nos termos já tratados. Daí que, neste âmbito,


a decisão a proferir no despacho saneador, ao abrigo do disposto no art.
595º 1.a), deva harmonizar-se com o despacho pré-saneador e com o que
tiver sucedido na sequência daquele. De resto, e conforme se disse, uma
vez proferido o despacho pré-saneador, fica, normalmente, reservada
para o despacho saneador a apreciação daquilo que decorrer ou resultar
da prolação de tal despacho.
Nessa conformidade, chegado o momento de proferir o despacho sa-
neador, deve o juiz proceder à verificação da regularidade da instância, o
que aqui significa verificar se procedem excepções dilatórias ou, noutra
formulação, se estão respeitados os pressupostos processuais608. Quando
não tiver sido invocada qualquer excepção dilatória e quando não detec-
tar alguma das que pode conhecer oficiosamente, o juiz declarará isso
mesmo no despacho. Nesse caso, a primeira parte do despacho saneador
será bastante singela, limitando-se a referir a inexistência de excepções
dilatórias. Ou melhor, quando conclua pela inexistência de excepções
dilatórias que radiquem na violação de pressupostos processuais, o que
o juiz deverá assinalar no despacho saneador é, justamente, a verificação
dos pressupostos processuais. É certo que a lei não impõe a declaração,
pela positiva, de que se mostram respeitados os pressupostos proces-
suais. O art. 595º 1.a) apenas manda conhecer das excepções dilatórias
invocadas ou que o juiz possa suscitar oficiosamente. Daí poderá, even-
tualmente, retirar-se a conclusão de que, não tendo sido invocada qual-
quer excepção, nem sendo caso do seu conhecimento oficioso, ao juiz
bastará nada dizer a esse propósito, o que equivalerá à afirmação implí-
cita de que os pressupostos estão respeitados609.
Não obstante, somos de opinião de que será conveniente exarar no
despacho saneador a declaração expressa de que os pressupostos pro-

608
Recorde-se que, como dito, não há exacta correspondência entre a violação de pressupos-
tos processuais e a ocorrência de excepções dilatórias.
609
Assim se pronuncia Lopes do Rego (Comentários…, p. 442), sustentando que, por ser
inútil, “deverá deixar de ter lugar a genérica e tabelar declaração de ‘’existência’’ de todos os pressupos-
tos processuais”. Com posição semelhante, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 180).
Atente-se que, já face ao CPC de 1961 antes da Reforma de 1995/96, assim se pronunciava
Anselmo de Castro (Direito…., Vol. II, p. 266), embora a orientação e a prática dominantes
fossem em sentido contrário.

271
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

cessuais se mostram verificados610. Primeiro, a circunstância de tal decla-


ração ser genérica e tabelar611 não lhe retira qualidade ou substância.
Segundo, essa declaração há-de resultar da ponderação rigorosa do juiz
sobre as questões (os pressupostos) aí referidas, no âmbito daquilo que
pode apreciar. Terceiro, a necessidade de proferir uma declaração ex-
pressa exige do juiz uma determinada disciplina de raciocínio, cujas van-
tagens são óbvias, tanto para o próprio magistrado, como para o processo.
Quarto, se o juiz declara (positivamente) que este, aquele e aqueloutro
pressupostos estão verificados, as garantias de que, efectivamente, não
há obstáculos processuais à oportuna decisão do mérito da causa são bem
maiores do que no caso de o juiz nada dizer sobre o assunto. Em sín-
tese, defendemos a declaração positiva da verificação dos pressupostos
processuais, não só pelas vantagens que pode proporcionar, mas também
porque a lei não a afasta, ao que acresce o facto de não apresentar quais-
quer inconvenientes612.
Nos casos em que tenha sido arguida uma concreta excepção dilató-
ria, que o juiz entenda não dever proceder, o despacho saneador incluirá
a decisão respectiva, devidamente fundamentada, julgando improce-
dente tal excepção. Quanto às demais excepções dilatórias, susceptíveis
de conhecimento oficioso, a sua não ocorrência determina a declaração
(genérica) da verificação dos pressupostos processuais, nos termos so-
breditos.
Já na hipótese de ter sido invocada, ou detectada oficiosamente, uma
excepção dilatória susceptível de proceder, mas sendo tal vício sanável,
o juiz deveria ter começado por lavrar o despacho pré-saneador, nos ter-

610
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 127, nota de rodapé
nº 202).
611
Do género: “o tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm
legitimidade e estão patrocinadas”. Esta declaração poderá ser acrescida de outras referências
que sejam pertinentes no caso concreto, tais como as relativas à coligação de partes, ao pe-
dido formulado (genérico, cumulativo ou subsidiário) e ao pedido reconvencional.
612
O possível inconveniente, susceptível de dúvidas no regime do CPC de 1961 anterior
à Reforma de 1995/96, deixou de existir. Tratava-se de saber se esta declaração genérica, no
despacho saneador, gerava caso julgado formal sobre a existência de pressupostos proces-
suais ou a inexistência de excepções dilatórias. Desde a Reforma de 1995/96, a questão ficou
resolvida, com a redacção então dada à primeira parte do nº 3 do art. 510º do CPC de 1961,
no sentido de que o caso julgado só respeitaria às “questões concretamente apreciadas”. Como se
dirá ainda, o CPC de 2013 mantém este critério (primeira parte do nº 3 do art. 595º).

272
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

mos das disposições conjugadas dos arts. 590º 2.a) e 6º 2. Consequente-


mente, sobre essa excepção, o teor do despacho saneador dependerá do
desenlace das diligências tendentes à respectiva sanação. Se o vício tiver
sido sanado, o despacho saneador deverá, sucintamente, dar conta das
medidas tomadas para o efeito e concluir pela decisão de improcedên-
cia (determinada pelo suprimento) da excepção. Se o vício permanecer
insanado, o despacho saneador deverá julgar procedente a excepção dila-
tória, com as consequências inerentes ao vício em causa.
Finalmente, invocada pelas partes ou suscitada oficiosamente uma
excepção dilatória insuprível, não faria sentido, nesse âmbito, proferir
despacho pré-saneador. Portanto, o juiz reserva para o próprio despacho
saneador a apreciação da excepção e a decisão sobre a sua procedência,
com indicação das respectivas consequências613. Como se sabe, em regra,
a persistência de uma excepção dilatória tem por efeito a abstenção do
conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição do réu da instân-
cia, nos termos do nº 1 do art. 278º614.

Quando a apreciação das excepções dilatórias não conduzir à extin-


ção da instância, deverá o juiz passar ao conhecimento das nulidades pro-
cessuais.
Genericamente, as nulidades processuais decorrem da inobservância
de formalidades prescritas na lei, a que esta faz corresponder uma inu-
tilização, maior ou menor, dos actos assim praticados615. Segundo o art.
195º, tais nulidades podem derivar da prática de um acto que a lei não
permite, da omissão de um acto que a lei prescreve, ou da prática de um
acto (permitido ou obrigatório) sem o cumprimento das formalidades
devidas.

613
Tenha-se presente que a arguição de uma excepção dilatória (espécie ora em análise)
implica o exercício do contraditório. Se este pôde ocorrer nos articulados (ora na réplica,
quando haja lugar a esta, ora em articulado próprio, mediante notificação para tal, nos mol-
des já referidos) e se o juiz entender que a excepção dilatória procederá, a decisão de pro-
cedência poderá ser vertida no despacho saneador, sem que se realize audiência prévia, ao
abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 592º. O mesmo regime se aplicará no caso de
excepção dilatória suscitada oficiosamente pelo juiz, desde que seja proporcionada às partes
a respectiva pronúncia como acto prévio à decisão (de procedência) a proferir no despacho
saneador.
614
Sempre sem prejuízo do regime fixado no nº 3 do mesmo art. 278º.
615
Cfr. Manuel de Andrade (Noções..., p. 176).

273
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

No despacho saneador, o juiz deverá preocupar-se em verificar se na


tramitação processual terão sido cometidas irregularidades. Em caso afir-
mativo, impõe-se determinar a extensão (ou gravidade) das mesmas, isto
é, até que ponto se terão repercutido na eficácia e idoneidade do pro-
cesso616, e, sendo caso disso, decretar a invalidade do acto viciado e de
outros que o devam acompanhar na invalidação (art. 195º 1 e 2).

Em alguns casos, a lei destaca determinadas irregularidades e indica


os efeitos da sua ocorrência, o que significa a antecipação de que elas
sempre se repercutem, negativamente, na relação processual e causam
prejuízos ao processo. É o que acontece com a ineptidão da petição (art.
186º)617, com a falta de citação (arts. 187º e 188º), com a sua nulidade (art.
191º), com o erro na forma do processo (art. 193º) e com a falta de vista ou
exame ao Ministério Público como parte acessória (art. 194º).
Estamos perante nulidades principais, tipificadas ou nominadas, isto é,
nulidades expressamente referidas na lei de processo, o que se justifica
pela respectiva relevância, embora o regime e os efeitos de cada uma se-
jam variáveis618.
Concretizando (e deixando de fora a ineptidão da petição inicial, que
é uma excepção dilatória), temos que a nulidade de falta de citação, que
ocorre nos casos indicados no art. 188º, implica a nulidade de todo o pro-
cessado após a petição inicial, apenas se salvando esta (art. 187º)619. Ainda
assim, é possível a sanação deste vício, se quem devia ter sido citado in-
tervier no processo sem logo arguir a irregularidade (art. 189º). Por ou-
tro lado, a nulidade de falta de citação é de conhecimento oficioso (art.
196º), pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não
estiver sanada (art. 198º 2), deve ser apreciada pelo juiz, logo que dela

616
Cfr. Rodrigues Bastos (Notas…, Vol. I, p. 263).
617
Importa ter presente que a nulidade de ineptidão da petição inicial, pela sua gravidade,
gera a nulidade de todo o processo (art. 186º 1), constituindo-se em excepção dilatória [arts.
577º b) e 278º 1.b)].
618
Tradicionalmente, aproveitando a epígrafe do art. 204º do CPC de 1961 (correspondente
à do actual art. 198º), estas nulidades (com exclusão da nulidade da citação) eram designa-
das por “principais”, sendo “secundárias” as restantes. Cfr. Manuel de Andrade (Noções...,
ps. 178 e ss.) e Varela/Bezerra/Nora (Manual…, ps. 388 e ss.). Usando outra terminologia,
Lebre de Freitas (Introdução..., p. 27, nota de rodapé nº 27) chama nulidades “típicas” às
primeiras e “atípicas” às demais.
619
Atente-se no disposto no art. 190º, para a falta de citação no caso de pluralidade de réus.

274
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

se aperceba, podendo este suscitá-la em qualquer estado do processo,


enquanto estiver por sanar (art. 200º 1).
Relativamente à nulidade da citação, esta verifica-se quando o acto, em-
bora realizado (isto é, o vício não se subsume aos casos mais graves, gera-
dores da falta de citação e previstos no art. 188º), o foi sem observância
das formalidades prescritas na lei (art. 191º 1)620. Em regra, o conheci-
mento deste vício depende da sua arguição, cujo prazo é o que tiver sido
indicado para a contestação (cfr. a primeira parte do nº 2 do art. 191º).
No entanto, prevê-se o conhecimento oficioso do vício nos casos indi-
cados na segunda parte do nº 2 do referido art. 191º (art. 196º), o que
acontecerá logo que o juiz dele se aperceba, podendo suscitar o vício em
qualquer estado do processo, enquanto o mesmo não deva considerar-
-se sanado (art. 200º 1). Seja como for, apenas se tomará em atenção a
irregularidade quando daí puder resultar prejuízo para a defesa do citado
(art. 191º 4)621.
Outra nulidade tipificada é a do erro na forma do processo, prevista no
art. 193º, que decorre da circunstância de o autor ter usado uma via pro-
cessual inadequada para fazer valer a sua pretensão622. Nos termos do nº 1
daquele preceito, esta irregularidade importa apenas a inatendibilidade
dos actos que não possam ser aproveitados, praticando-se os actos neces-
sários para que o processo se aproxime, na medida do possível, da forma
prevista na lei, devendo sempre evitar-se que o aproveitamento de actos
colida com as garantias da defesa (cfr. o respectivo nº 2). Quanto ao seu
regime, temos que é de conhecimento oficioso (cfr. o art. 196º), só pode
arguida até à contestação ou nesta peça (art. 198º 1), e, caso não tenha
sido apreciada antes623, deverá sê-lo no despacho saneador, ou até à sen-
tença final, se não houver aquele despacho (art. 200º 2).

620
Para uma análise mais pormenorizada das formalidades do acto de citação, cfr. Lebre de
Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, ps. 371 e ss.).
621
Atente-se no regime particular fixado no art. 566º, no âmbito do regime da revelia abso-
luta do réu. Aí, detectada qualquer irregularidade no acto de citação, pode o juiz dela
conhecer sempre, mandando repetir o acto.
622
Cfr. Rodrigues Bastos (Notas…, Vol. I, p. 261).
623
Embora o momento normal para conhecimento desta e doutras nulidades seja o des-
pacho saneador, é prevista a sua apreciação em momento anterior (cfr. os nºs 1 e 2 do art.
202º). Em alguns casos, tal como o do erro na forma do processo, é conveniente que, quanto
antes, sejam tomadas medidas para adequar a tramitação, colocando-a no trilho certo.
No curso normal de uma acção declarativa comum, e fora dos casos excepcionais de des-

275
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Ainda a propósito da nulidade por erro na forma do processo, im-


porta dar conta de que a redacção do art. 200º, ao reproduzir a que se
encontrava no art. 206º CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, pode
continuar a suscitar a questão de saber se o proferimento do despacho
saneador tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento desta concreta
nulidade. É que, no domínio do CPC de 1961, a aplicação conjugada dos
seus arts. 204º 1 e 206º 1 levava a concluir no sentido daquela preclusão.
Dizia-se aí que, sem prejuízo do seu conhecimento anterior, a nulidade
devia ser conhecida no despacho saneador, se o processo o comportas-
se. Proferido o despacho saneador, a nulidade só podia ser conhecida
mediante invocação dos interessados. Ora, no caso de erro na forma do
processo, esta nulidade só podia ser arguida até à contestação ou neste
articulado. Daí a dita preclusão624. Com a Reforma de 1995/96, o nº 2
do art. 206º do CPC de 1961, limitava-se a prescrever que, sem prejuízo
do seu conhecimento prévio, a nulidade indicada no art. 199º devia ser
apreciada no despacho saneador. Se o processo não tivesse despacho sa-
neador, poderia ser conhecida até à sentença final.
Após a Reforma de 1995/96, a questão era a de saber se essa evolução
legislativa significaria que, não tendo sido declarada a nulidade por erro
na forma do processo no despacho saneador, poderia o juiz fazê-lo mais
tarde. O assunto em apreço prendia-se com uma outra alteração legisla-
tiva, também ocorrida em 1995/96, que ficou consignada no nº 3 do art.
510º do CPC de 1961, segundo a qual apenas se forma caso julgado (for-
mal) sobre as questões concretamente apreciadas no despacho saneador.
Tal solução, se aplicada à questão da nulidade por erro na forma do pro-
cesso, talvez devesse levar à conclusão de seria permitido o reconheci-
mento desta nulidade, mesmo depois de o despacho saneador ter sido
proferido.

pacho prévio à citação (cfr. o art. 590º 1), o primeiro contacto do juiz com os autos ocorre
no final dos articulados, quando o processo lhe é feito concluso para a prolação de despacho
pré-saneador, sendo caso disso (cfr. o nº 2 do art. 590º). Se o juiz detectar o erro na forma
do processo, será conveniente dar logo cumprimento ao art. 193º, tanto mais que isso pode
condicionar a posterior tramitação. Neste sentido, ainda em face do CPC de 1961 após a Re-
forma de 1995/96, cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, p. 376).
624
Idêntico regime tinha a ineptidão da petição inicial, enquanto que as nulidades por falta
de citação e por falta de vista ou exame ao Ministério Público podiam ser conhecidas depois
do despacho saneador, até à sentença final (cfr. os arts. 193º, 194º, 200º, 204º e 206º 1, todos
do CPC de 1961).

276
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Não obstante, tal como já entendíamos perante a Reforma de 1995/


/96625, parece-nos que, quanto a este aspecto, o regime a observar é o que
vinha do passado, ou seja, a prolação do despacho saneador tem efeitos
preclusivos quanto ao conhecimento da nulidade por erro na forma do
processo626.
Por um lado, esta é solução que melhor se articula com o sistema de
arguição das nulidades previsto no art. 198º, em termos de o respectivo
nº 1 se conjugar com o nº 2 do art. 200º, e o seu nº 2 se conjugar com o
nº 1 do art. 200º627.
Por outro lado, diremos que é contrário à lógica processual o conheci-
mento da nulidade por erro na forma do processo numa fase mais adian-
tada do processo, designadamente, na sentença, pois que, as mais das
vezes (e atento o carácter sequencial dos actos), isso acabaria por impli-
car a repetição de todo o processado, solução pouco compatível com a
dinâmica do próprio processo628.

A finalizar este ponto, resta acrescentar que o art. 193º, além de tratar
a figura do erro na forma do processo (no que é similar ao antecedente
art. 199º do CPC de 1961), regula também a hipótese de erro na qualifica-
ção do meio processual utilizado pela parte, impondo ao juiz a sua correc-
ção oficiosa e a determinação de que sejam seguidos os termos proces-
suais adequados. O sentido desta previsão é claro: evitar que por meras
razões de índole formal deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida
em juízo629.
625
Cfr. Paulo Pimenta (A fase do saneamento..., p. 255).
626
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 62), Lebre de Freitas
(A ação declarativa..., p. 182), Lopes do Rego (Comentários…, p. 197) e Rodrigues Bastos
(Notas…, Vol. I, ps. 269-270).
627
Cfr., neste sentido, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, p. 391).
628
As considerações feitas sobre o erro na forma do processo são aplicáveis também à figura
da ineptidão da petição inicial. Assim, pese embora a sua qualidade de excepção dilatória,
o respectivo regime deve ter em conta, designadamente, os arts. 196º, 198º 1 e 200º 2, com
realce para o carácter preclusivo do despacho saneador quanto ao seu conhecimento. A este
propósito, cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, ps. 391-392) e Rodri-
gues Bastos (Notas…, Vol. I, ps. 269-270).
629
Justificam a aplicação do nº 3 do art. 193º: a dedução de incidente de intervenção acessó-
ria provocada (art. 321º) para suprir preterição de litisconsórcio necessário (quando deveria
ser intervenção principal provocada – art. 316º); a interposição de recurso da decisão que
aprecie a competência relativa (quando o meio é a reclamação – art. 105º 4); a interposi-

277
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

A última das nulidades tipificadas é a prevista no art. 194º, e respeita


aos casos de falta de vista ou exame ao Ministério Público, quando este deva
intervir como parte acessória630. No que respeita ao respectivo regime,
importa dizer que este vício se considera sanado desde que o assistido te-
nha feito valer os seus direitos no processo através do seu representante
(art. 194º 1). Trata-se de uma nulidade de conhecimento oficioso (art.
196º), que pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto
não deva considerar-se sanada (art. 198º 2), que o tribunal deve conhe-
cer logo que dela se aperceba, podendo suscitá-la em qualquer estado do
processo, enquanto não deva considerar-se sanada (art. 200º 1).

Fora dos casos tipificados na lei, as irregularidades detectadas na trami-


tação processual só constituirão nulidade se a lei assim determinar ou então
quando o vício possa influir no exame ou decisão da causa (art. 195º 1)631.
Este sistema remete o juiz para uma análise casuística, susceptível de só
invalidar o acto que não possa, de todo, ser aproveitado, sendo certo que
a nulidade de um acto acarreta a invalidação dos actos da sequência pro-
cessual que daquele dependam absolutamente (art. 195º 2)632.

Quanto ao regime destas nulidades (inominadas, secundárias ou atípi-


cas), a regra é a de que o juiz só conhecerá delas mediante arguição (arts.
196º in fine e 197º), salvo se for notada durante a prática de acto a que
o juiz presida, devendo este providenciar pelo cumprimento da lei (art.
199º 2). Relativamente à arguição do vício susceptível de configurar esta
categoria de nulidade, e nos termos do art. 199º 1, se a parte estiver pre-

ção de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 671º) perante decisão do relator na
Relação (quando deveria ser formulada reclamação para a conferência – art. 652º 3). Para
mais exemplos, cfr. Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 485).
630
A intervenção acessória do Ministério Público está prevista e regulada nos arts. 5º 4 e 6º
da Lei nº 60/98, de 27.8, e no art. 325º. A propósito desta intervenção acessória, cfr. as ano-
tações de Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, ps. 378-380 e 637-638) e
de Lopes do Rego (Comentários…, p. 317).
631
Deve ter-se também como irregularidade susceptível de constituir nulidade processual
a prática de um acto ou a sua omissão em violação da sequência processual fixada pelo juiz
ao abrigo do art. 547º. Com idêntica posição, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC
Anotado, ps. 381-382), nesse contexto preconizando a interpretação extensiva do nº 1 do art.
195º do mesmo diploma.
632
Sobre este aspecto, Lebre de Freitas (Introdução..., ps. 20 e ss.).

278
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

sente (por si ou por mandatário) no momento em que a falta é cometida,


a arguição há-de ser feita enquanto o acto (audiência ou diligência) não
terminar. Quando a parte não estiver presente, o prazo (que é o geral, de
dez dias – art. 149º) para arguir esta nulidade conta-se do momento em
que, depois de cometida a irregularidade, a parte intervier no processo
ou em que for notificada para qualquer efeito posterior, desde que, no úl-
timo caso, possa presumir-se que tomou conhecimento do vício ou podia
ter tomado, se agisse com diligência. Arguida a nulidade, o juiz deve logo
apreciá-la (art. 200º 3)633.
Antes de terminarmos a análise das nulidades processuais, importa
fazer mais algumas referências.

A primeira, para tratar o caso da nulidade que se traduz em praticar


um acto depois de esgotado o prazo peremptório fixado para o efeito. Se a
parte dispõe de um prazo para praticar um acto nos autos e não o faz,
ficará precludida a hipótese de o praticar depois (art. 139º 3). Se, ainda
assim, a parte praticar o acto, tudo se deve passar como se o acto nunca
tivesse sido praticado. O mesmo é dizer que a prática posterior do acto
constituirá uma nulidade processual, a sancionar em conformidade.
A questão está, todavia, em saber que tipo de nulidade será esta. Por um
lado, não pertencerá às nulidades principais, pois que estas são as tipifi-
cadas na lei. Restaria qualificá-la de secundária, até porque correspon-
de à prática um acto que a lei não admite (após o decurso do respectivo
prazo). Só que, nesta última hipótese, visto o regime das nulidades se-
cundárias, o conhecimento do vício da prática intempestiva do acto pro-
cessual ficaria dependente da arguição da parte contrária. Ora, atento o
sentido das regras sobre os prazos processuais (e dos efeitos associados
ao respectivo decurso), afigura-se que o conhecimento judicial desta
questão não pode ficar na dependência das partes. Assim sendo, a neces-
sidade de permitir, como se impõe, que o juiz controle por si a oportuna
e tempestiva prática dos actos processuais conduzirá ao entendimento

633
São exemplos de nulidades secundárias: a falta de notificação da contestação ao autor; a
falta de notificação à parte da data audiência final em que aquela deva prestar depoimento; a
falta de notificação da contraparte antes do decretamento de perícia; a apresentação do arti-
culado réplica fora do condicionalismo do art. 584º. Para mais desenvolvimentos, Lebre de
Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, p. 383).

279
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

de que, embora o decurso do prazo para a prática de um acto, com a pre-


clusão da possibilidade de praticar esse acto, configure um caso de não
admissão legal da sua prática, típico das nulidades secundárias (art. 195º
1), se o acto vier a ser praticado, o juiz deverá conhecer oficiosamente da
nulidade em causa634. Imaginemos que o prazo respeita à apresentação
de uma peça processual. O decurso do prazo impedirá a sua válida apre-
sentação posterior635. Mas se, ainda assim, tal peça der entrada em juízo,
não deverá ser atendida, sendo até de ordenar o respectivo desentranha-
mento dos autos, à luz da ideia de que o controlo sobre o respeito pelos
prazos processuais, com a hipótese de suscitar a nulidade decorrente da
sua violação, é atribuição oficiosa do juiz, independentemente de even-
tual arguição pela parte contrária636.

A segunda referência, para dizer que a decisão a proferir sobre a maté-


ria das nulidades processuais supõe a observância do contraditório, em
obediência ao princípio geral consignado no art. 3º, concretizado, aliás,
pelo art. 201º. Nessa conformidade, tendo sido arguida determinada nuli-
dade, impõe-se verificar se ambas as partes a debateram (ou puderam
debater) nos articulados. Se assim aconteceu, o juiz poderá decidir a
questão no despacho saneador, sem prejuízo de até a poder decidir antes,
como vimos. No caso de o contraditório não ter funcionado nos arti-
culados, o juiz deverá ainda ouvir a parte contrária antes de decidir, salvo
em caso de manifesta desnecessidade ou, independentemente disso,
se a decisão for no sentido do indeferimento da arguição (art. 201º).
Por outro lado, se a nulidade for suscitada oficiosamente pelo juiz, a deci-

634
Esta circunstância levou Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, p. 382)
a falarem em nulidade sui generis. Atente-se que, já antes, Anselmo de Castro (Direito…,
Vol. III, ps. 115-119) chamava a atenção para o problema, destacando o carácter publicista do
processo e o interesse público subjacente aos prazos, para incluir esta nulidade no grupo das
principais.
635
Sem embargo do regime do justo impedimento (art. 140º) e da hipótese de prática do
acto fora de prazo, mediante o pagamento de multa (art. 139º 4 e 5).
636
Segundo cremos, o problema acabado de referir colocar-se-á, mutatis mutandis, noutras
situações. Será o caso, por exemplo, de o autor apresentar a réplica fora dos casos previstos
no art. 584º. Também aqui teremos a prática de um acto que a lei não admite, mas que não
cataloga como nulidade principal, vício do qual o tribunal há-de poder conhecer oficiosa-
mente, sem carecer de arguição da contraparte, decretando a inatendibilidade da peça e o
seu desentranhamento dos autos.

280
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

são deve ser antecedida de audiência prévia das partes, salvo em caso de
manifesta desnecessidade (art. 3º 3).

A terceira referência a fazer nesta sede respeita ao regime instituído,


ex novo, pelo nº 2 do art. 630º, nos termos do qual as decisões proferidas
sobre nulidades secundárias (previstas no nº 1 do art. 195º) são irrecor-
ríveis, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do con-
traditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade
de meios de prova637.

Por fim, deve dizer-se que as nulidades processuais que referimos não
se confundem com os regimes particulares de nulidade da sentença e de
despachos judiciais, previstos no arts. 615º 1 e 613º 3, nem com os casos de
incorrecção da decisão por erro material (art. 614º), nem com os casos de
erro de julgamento, de facto ou de direito (art. 616º 2)638.
Acrescente-se ainda que, nos casos em que o acto nulo se encontra
coberto por uma decisão judicial, o meio próprio de reacção não é já a
arguição dessa nulidade perante o juiz da causa, mas o recurso de tal deci-
são, nos termos gerais. Por outras palavras, dos despachos recorre-se, contra as
nulidades reclama-se.

Em regra, as matérias indicadas na alínea a) do nº 1 do art. 595º devem


ser, efectivamente, apreciadas e decididas no despacho saneador, nos ter-
mos sobreditos, não sendo correcto relegar o seu conhecimento para a
sentença. Mas é claro que essa apreciação no despacho saneador supõe
que estejam reunidas condições para tal. Compreende-se que assim seja.
Se estão em causa vícios ou irregularidades susceptíveis de perturbarem
ou mesmo comprometerem a decisão sobre o mérito da causa, é de toda a
conveniência que o processo só avance se a instância estiver regularizada.
Se o juiz, perante uma determinada excepção dilatória, pudesse deixar
de a conhecer no despacho saneador (julgando-a já procedente e absol-
vendo o réu da instância), reservando a decisão para a sentença final, é

Sobre este ponto, cfr. Abrantes Geraldes (Recursos…, ps. 58-61).


637

638
Para uma visão mais pormenorizada dos diversos vícios da decisão, Teixeira de Sousa
(Estudos sobre o novo..., ps. 215 e ss.).

281
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

óbvio que estaria a onerar as partes e o próprio tribunal com uma trami-
tação inútil e inglória, já que, apesar de todo o trabalho a desenvolver na
instrução e discussão da causa, o desfecho sempre seria a abstenção do
conhecimento do mérito. Registe-se que, sobre este assunto, já houve um
tempo em que o texto legal era bem mais explícito no sentido acabado
de referir. Era assim no nº 2 do art. 510º do CPC de 1961, na redacção
anterior à Reforma de 1995/96, ao estabelecer que as questões formais
só podiam deixar de ser resolvidas no despacho saneador “se o estado do
processo impossibilitar o juiz de se pronunciar sobre elas, devendo neste caso justi-
ficar a sua abstenção”. Apesar de o texto legal ser outro (e já é assim desde
aquela Reforma), parece que será de observar o mesmo regime, sob pena
de podermos cair em situações bem contrárias à eficácia processual e à
economia de meios.
Assim, cabe ao juiz verificar se os elementos constantes dos autos o im-
pedem de conhecer no despacho saneador das questões formais indica-
das na alínea a) do nº 1 do art. 595º. Nos casos em que, excepcionalmente,
o juiz entenda faltarem elementos para uma correcta decisão, remetê-
-la-á para a sentença, lavrando despacho justificativo nesse sentido639,640.
A propósito desse despacho, o nº 4 do art. 595º estabelece que não cabe
recurso do despacho que, com fundamento na falta de elementos para
a decisão imediata, relegue para a sentença a apreciação das matérias
de que deva conhecer641. Importa salientar que a impossibilidade de re-
curso fixada no preceito citado não contraria o que dissemos quanto à
obrigatoriedade de conhecimento das questões processuais no despacho
saneador. Por outras palavras, a impossibilidade daquele recurso não se

639
Diz-se “excepcionalmente” porque, atenta a natureza das questões a decidir, o habitual é
o processo conter já todos os elementos necessários. A propósito do carácter restrito deste
diferimento, cfr. Teixeira de Sousa (Sobre o sentido..., ps. 116-117). Cfr. ainda Abrantes
Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 131).
640
A propósito da justificação a exarar nesse despacho de diferimento, cfr. José Alberto
dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, ps. 185-186).
641
Dado que o nº 4 do art. 595º reproduz o regime constante do nº 5 do art. 510º do CPC
de 1961, na redacção anterior à Reforma de 1995/96, mantém actualidade a doutrina fixada
pelo Assento nº 10/94 (DR, Iª Série-A, de 26.05.1994): “Não é admissível recurso para o Su-
premo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que, revogando o saneador-sentença que conhecera do
mérito da causa, ordena o prosseguimento do processo, com elaboração da especificação e questionário”.
Neste sentido, Lopes do Rego (Comentários…, ps. 439-440).

282
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

reconduz, longe disso, à concessão de discricionariedade ao juiz acerca


das decisões a proferir no despacho saneador642.

É também no despacho saneador que devem ser ponderadas as con-


sequências resultantes do não aperfeiçoamento de irregularidades dos
articulados que tenham sido objecto de despacho pré-saneador. Con-
forme vimos, a existência de irregularidades nos articulados leva o juiz a
proferir despacho convidando as partes ao aperfeiçoamento respectivo.
Ressalvado o caso particular em que a cominação prevista para a falta de
sanação é a suspensão da instância (que deve ser logo decretada), as de-
mais consequências serão fixadas no despacho saneador, após a aprecia-
ção que o juiz deve fazer sobre a regularidade da instância ou de alguns
aspectos desta643. Assim, em função da concreta irregularidade, da parte
que a haja cometido e do articulado em que tal sucedeu, deverá o juiz
definir os respectivos efeitos. Tais efeitos, prejudicando este ou aquele
aspecto da instância serão, em regra, parciais, não contendendo com a
pendência da causa644.
O despacho saneador é ainda o momento adequado para o juiz conhe-
cer do vício decorrente da falta de algum pressuposto específico relativo
ao réu, vício susceptível de inquinar a contestação645.

Para concluirmos a referência às decisões a proferir no despacho


saneador sobre questões processuais, deve destacar-se a solução consig-
nada na primeira parte do nº 3 do art. 595º, onde se mantém a impor-
tante solução instituída pela Reforma de 1995/96. De acordo com este
preceito, o despacho saneador proferido sobre as matérias indicadas no
art. 595º 1.a) “constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões
concretamente apreciadas”.
Daqui resulta que a circunstância de o juiz exarar no despacho sanea-
dor uma declaração genérica no sentido de que inexistem excepções dila-

642
Esta solução legal, que remonta à Reforma Intercalar de 1985, apenas procurou evitar
que o eventual recurso pudesse comprometer a celeridade processual.
643
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 166).
644
Recorde-se o que já ficou dito acerca do caso em que a nulidade do articulado é total e
respeita à petição inicial. Aí, o vício acabará por redundar em nulidade de todo o processo,
constituindo uma excepção dilatória, submetida ao regime desta.
645
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 182).

283
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

tórias ou nulidades processuais não é impeditiva de, mais adiante, vir a


ser reconhecida uma excepção ou nulidade. Uma declaração genérica
assim contida no despacho saneador não constituirá caso julgado formal (art.
620º e 628º). Este só ocorre quanto às excepções ou nulidades que forem
objecto de concreta apreciação646.

2.3.2. Conhecimento do mérito da causa


Cumprida a primeira parte do raciocínio decisório que preside à elabo-
ração do despacho saneador, e concluindo que não há factores impedi-
tivos do conhecimento do mérito da causa, haverá então o juiz de pon-
derar sobre a hipótese de conhecimento imediato do mérito da causa.
Quer dizer, assumida a inexistência de obstáculos à decisão de mérito,
importa determinar se tal decisão pode ser proferida já no despacho
saneador, em plena fase intermédia do processo, ou se é necessário a
instância continuar, com vista à obtenção de elementos que permitam
ao tribunal, a final, isto é, na sentença, pôr termo ao litígio, resolvendo,
materialmente, a questão.
Não constitui regra, longe disso, as acções cíveis serem decididas,
quanto ao mérito, logo no despacho saneador. É que, até esse momento,
o processo apenas integra as peças escritas produzidas pelas partes. Con-
siderando a função essencial dos articulados das partes, o normal é que,
atingida a fase intermédia do processo, a vertente fáctica da questão se
mostre controvertida, tornando-se imprescindível a produção de prova
que habilite o tribunal a formar a sua convicção sobre o quadro fáctico
necessário para a solução jurídica do pleito. Dado que, normalmente,
parte significativa da actividade probatória só ocorre depois desta fase
intermédia, o processo terá de avançar, tornando impossível antecipar
para o despacho saneador a decisão sobre o mérito da causa.
Se o que vimos de referir é o normal, tão normal que a tramitação da
acção declarativa e a sequência das fases e dos actos processuais assentam
nessa suposição, a verdade é que também há causas que reúnem con-
dições para a decisão final do processo poder ser proferida, sem neces-
sidade de mais provas, logo no despacho saneador. Assim acontecerá nas

646
Recorde-se, porém, que a declaração genérica contida no despacho saneador preclude a
declaração posterior da ineptidão da petição inicial e do erro na forma do processo, face ao
regime fixado no nº 2 do art. 200º, conforme já foi assinalado.

284
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

acções em que a matéria de facto relevante já se encontra definida (pro-


vada) ao findar da fase inicial do processo, restando apenas o enquadra-
mento jurídico respectivo.
Na altura do despacho saneador, os factos a considerar na deci-
são de mérito serão os que possam ter-se como provados em virtude
de confissão647, de admissão648 ou de documento junto aos autos649,650.
Esse enquadramento conduzirá à procedência ou à improcedência da
acção, conforme os factos apurados preencham (ou não) a previsão
normativa correspondente à causa de pedir ou à excepção peremptória
deduzida.
É exactamente a esse tipo de situações que se reporta a alínea b) do
nº 1 do art. 595º, ao prever o conhecimento imediato do mérito da causa,
“sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apre-
ciação, total ou parcial, do pedido ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exce-
ção perentória”. Quer dizer, embora possa não ser normal ou frequente,
impõe-se que, quando possível, o juiz conheça imediatamente do mérito
da causa, não deixando para mais tarde (para a sentença) aquilo que pode
resolver já, o que radica num critério de economia processual e de razoa-
bilidade, já que toda a posterior actividade processual nada acrescentaria
de pertinente à questão.
Concretizando, o conhecimento do mérito da causa, nos termos da
alínea b) do nº 1 do art. 595º, pode manifestar-se dos modos a seguir
enunciados, sendo que tal conhecimento pode não determinar a extin-
ção da instância651.
A acção será julgada procedente no despacho saneador, e o réu conde-
nado no pedido, findando a instância, quando estejam plenamente pro-
vados os factos integradores da causa de pedir, desde que não tenham

647
Cfr., os arts. 352º e ss. do CC, e os arts. 46º e 452º e ss.. Sobre o tema, cfr. Lebre de Frei-
tas (A ação declarativa..., ps. 265 e ss., e A confissão..., ps. 159 e ss., e 235 e ss.) e Teixeira de
Sousa (As partes..., ps. 241-243).
648
Cfr., a propósito, os arts. 574º e 587º 1, que regulam o ónus de impugnação e fixam o efeito
da sua inobservância.
649
Cfr. os arts. 362º e ss. do CC, e os arts. 423º e ss.. Sobre o tema, cfr. Lebre de Freitas (A
ação declarativa..., ps. 227 e ss.) e Teixeira de Sousa (As partes..., ps. 243-252).
650
A propósito dos critérios de apreciação da prova, cfr. Lebre de Freitas (A ação declara-
tiva..., ps. 211-214) e Teixeira de Sousa (As partes..., ps. 236 e ss.).
651
Para este efeito, seguimos de perto a exposição de Lebre de Freitas (A ação declarativa...,
ps. 183-185).

285
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

sido deduzidas excepções peremptórias ou, tendo-o sido, quando os


factos invocados não preencham a previsão normativa correspondente652
ou, então, quando tenha sido feita prova de que tais factos (ou alguns
deles) não ocorreram.
A acção será julgada improcedente no despacho saneador, e o réu
absolvido do pedido, com extinção da instância, sempre que os factos
articulados pelo autor não permitam a produção do efeito jurídico pre-
tendido. Note-se que, neste caso, a eventual insuficiência do suporte
fáctico da pretensão do autor só há-de ser tomada em conta depois de
accionado o mecanismo de convite ao aperfeiçoamento dos articulados
facticamente imperfeitos (art. 590º 4). Por outro lado, esta decisão será
de proferir quer os factos tenham sido impugnados, quer não. Isto é, a
improcedência da acção resulta da constatação da sua inconcludência, ou
seja, mesmo que todos os factos alegados se demonstrassem, nem assim
a acção procederia653.
A acção será também julgada improcedente no despacho saneador,
e o réu absolvido do pedido, extinguindo-se a instância, quando estiver
plenamente provado que não se verificaram os factos integradores da
causa de pedir. A mesma decisão deverá ser proferida quando só alguns
desses factos não tenham, comprovadamente, ocorrido, e seja de concluir
que a eventual prova dos restantes não será suficiente para a procedência
da acção, pouco importando, portanto, a continuação do processo.
A acção será julgada improcedente no despacho saneador, e o réu ab-
solvido do pedido, extinguindo-se a instância, quando estiverem plena-
mente provados os factos em que assenta a excepção peremptória invo-
cada pelo réu.
A excepção peremptória invocada será julgada improcedente no des-
pacho saneador, em virtude de os factos invocados não permitirem a
produção do respectivo efeito ou quando esteja provado que esses factos
(ou alguns deles) não ocorreram. Neste caso, a decisão de improcedência
da excepção não põe termo ao processo, devendo a instância prosseguir,
circunscrita agora à matéria relativa à causa de pedir, que se encontra
carecida de prova.

652
Cfr. Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II., p. 137).
653
Cfr. Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II., ps. 136-137).

286
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

No campo das questões relativas ao mérito da causa que estejam em


condições de ser decididas na fase intermédia do processo, a regra é,
portanto, a da obrigatoriedade do seu conhecimento no despacho sanea-
dor, mesmo que tal decisão não ponha termo ao processo654. Como se
imagina, quando o juiz coloca a si próprio a questão de saber se tem,
efectivamente, condições para conhecer do mérito da causa no despacho
saneador, o mais frequente é ser duvidoso o sentido da resposta. Quer
dizer, poucos serão os processos em que, na fase intermédia, o juiz pode,
claramente, concluir que todos os factos alegados estão provados ou não
provados. Haverá sempre um conjunto, mais ou menos alargado, mais ou
menos relevante, de factos que se mantêm controvertidos. O problema
estará em determinar o relevo a atribuir a tais factos, isto é, em saber
se a decisão de mérito pode ser proferida logo no despacho saneador,
apoiando-se nos factos já apurados e desatendendo os demais, ou não.
Por outro lado, esta dificuldade é agravada pela perspectiva de a ques-
tão de direito poder ter mais do que uma solução, implicando que o re-
levo dos referidos factos (ainda controvertidos) varie em função desta ou
daquela possível solução jurídica. Nessas situações, justifica-se que o juiz
só conheça do mérito da causa no despacho saneador quando “possa emitir
uma decisão segura que, em princípio, não seja afectada pela evolução posterior”655
do processo, designadamente, em via de recurso. Por uma questão de
cautela, e para esse efeito, o juiz deverá usar um critério objectivo, isto é,
tomando como referência indicadores que não se cinjam à sua própria
convicção acerca da solução jurídica do problema656.

Importa referir que o conhecimento do mérito da causa mencionado


na alínea b) do nº 1 do art. 595º tanto pode respeitar ao pedido original
como ao pedido reconvencional, sendo aplicáveis a este último, adapta-
damente, todas as considerações que temos feito. Acresce que, nos ter-
mos do mesmo preceito, o conhecimento do pedido pode ser meramente
parcial657.

654
Porque, em todos os casos referidos, a decisão versa sobre o mérito da causa, o recurso
próprio é o de apelação (cfr. o art. 644º 1 e 2).
655
Cfr. Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 138).
656
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, ps. 137-139) e Lebre de
Freitas (A ação declarativa..., p. 186).
657
Note-se que a possibilidade de julgamentos parciais no despacho saneador não abran-
ge a hipótese de proferimento, nesse despacho, de decisão de improcedência de uma das

287
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Deve ainda mencionar-se a hipótese de os factos integradores da causa


de pedir ou da excepção peremptória dependerem de prova documental.
Já nos referimos a esta situação quando tratámos do proferimento do
despacho pré-saneador perante articulados irregulares documentalmente
insuficientes. Dissemos que há determinados documentos essenciais cuja
apresentação é indispensável, quer por exigência da lei, quer por serem
imprescindíveis para a prova de um facto (integrador da causa de pedir
ou da excepção peremptória) de que depende o êxito da pretensão dedu-
zida. Mais dissemos que, dada a importância fulcral desses documentos,
não faria sentido deixar uma acção prosseguir a sua marcha sem nos asse-
gurarmos de que tal documento existe e está nos autos. Daí a prolação
do despacho pré-saneador, nos termos do nº 3 art. 590º, convidando a
parte a proceder à junção do documento em falta. Acrescentámos ainda
que, junto o documento, a acção observaria a sua tramitação normal e
teria o desfecho que viesse a impor-se, considerando todos os elementos
constantes dos autos. Caso contrário, a falta do documento equivaleria
à impossibilidade de prova do facto respectivo, com a eventual impro-
cedência da pretensão, o que seria objecto de apreciação no despacho
saneador. Nessa conformidade, chegado o momento do despacho sanea-
dor, ao constatar que o facto ou os factos que integram a causa de pedir
ou a excepção só podem ser provados por documento, o qual não está
junto aos autos (apesar do convite dirigido ao autor ou ao réu), e sendo
tais factos imprescindíveis para a procedência do pedido, qual será a
decisão do juiz nesse despacho? Neste ponto, deve atender-se ao sentido
da exigência do documento.
Quando o documento (autêntico, autenticado ou particular) em falta
é exigido como uma formalidade ad substantiam, tal meio de prova não
pode ser substituído por qualquer outro, nem por outro documento que
não tenha força probatória superior (art. 364º 1 do CC)658. Daqui decor-
re a impossibilidade de prova do facto respectivo e, consequentemente,
a improcedência da acção ou da excepção peremptória, o que deve ser
declarado no próprio despacho saneador. Nesse âmbito, de nada adian-

causas de pedir fundamento da acção. Neste sentido Abrantes Geraldes (Temas da re-
forma…, Vol. II, p. 139, nota de rodapé nº 219) e Lebre de Freitas (A ação declarativa...,
p. 187, em nota de rodapé).
658
A exigência desta formalidade pode resultar da lei (art. 364º 1 do CC) ou de convenção
das partes (art. 223º 1 do CC).

288
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

taria o prosseguimento da instância, já que, independentemente de tudo


o mais, a pretensão deduzida sempre esbarraria na falta de prova de um
facto do qual depende a sua procedência659.
Quando resultar, claramente, da lei que o documento em falta é exi-
gido como mera formalidade ad probationem, ou seja, apenas para prova da
declaração (art. 364º 2 do CC), a solução pode vir a ser diferente. Nesses
casos, e de acordo com o referido preceito do código civil, o documento
pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, tendo
esta última de constar de documento de igual ou superior força proba-
tória. Supondo que não há confissão extrajudicial, resta a hipótese de a
falta do documento ser colmatada por confissão judicial. Essa confissão
implica a prestação de depoimento de parte (art. 452º). Para efeito da
matéria que estamos a tratar – o conhecimento do mérito da causa no
despacho saneador –, o depoimento de parte há-de ser prestado na pró-
pria audiência prévia (cfr. o nº 3 do art. 456º), o que supõe a sua deter-
minação pelo juiz ou requerimento da contraparte ou da comparte (cfr.
o nº 1 do art. 452º e o nº 3 do art. 453º). Se o depoimento tiver lugar na
audiência prévia, é possível a questão de mérito ser decidida no despacho
saneador, sendo o sentido da decisão condicionado pelo teor do depoi-
mento, o que tanto pode conduzir à procedência, como à improcedência
da pretensão em causa660. No caso de a parte que devia depor não com-
parecer ou, comparecendo, não responder ao que lhe for perguntado,
tal atitude, para além da condenação da parte em multa, terá por efeito
permitir ao tribunal apreciar livremente o valor da conduta para efeitos
probatórios (art. 357º 2 do CC e art. 417º 2), sendo na sequência e em
função desse juízo que a questão do mérito será decidida no despacho
saneador, seja pela procedência, seja pela improcedência da pretensão
em análise661. Por fim, quando não tenha sido requerido ou determinado

659
Sem prejuízo de ter sido impugnado o documento (art. 444º) ou de lhe haver sido oposta
uma excepção probatória (art. 446º), dependendo a respectiva decisão de produção de
prova.
660
Se o depoimento não conduzir ao reconhecimento da declaração negocial, o facto corres-
pondente será tido como não provado, com a improcedência da acção ou da excepção pe-
remptória. Se, pelo contrário, o depoimento conduzir à confissão, o facto será dado como
provado. Perante isso, a decisão será proferida de imediato (no despacho saneador), sempre
que não haja necessidade mais provas quanto a outros factos relevantes.
661
Sobre este assunto, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 185-186).

289
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

oficiosamente o depoimento de parte, uma vez que isso corresponde, em


termos práticos, à preclusão da hipótese de prova do facto, estará o juiz
em condições de decidir a questão logo no despacho saneador, no sen-
tido da improcedência da acção ou da excepção peremptória662.

Prosseguindo a análise da matéria referente à prolação do despacho


saneador, temos, então, o seguinte quadro.
Se o juiz, no momento em que profere esse despacho663, entender
que o processo ainda não está em condições de ser decidido material-
mente, por o estado da causa o não permitir, bastar-lhe-á fazer uma breve
referência a tal circunstância, concluindo o despacho com a declaração
expressa dessa impossibilidade, sendo certo que não é admitido recurso
do despacho pelo qual o juiz, com fundamento na falta de elementos,
remeta para a sentença a decisão sobre o mérito da causa (art. 595º 4).
Se, pelo contrário, o juiz considerar que o estado da causa já lhe per-
mite o conhecimento do mérito da causa – o que significa que os factos
necessários para a resolução do litígio estão já provados no processo, não
carecendo, portanto, de ulterior actividade probatória664 –, a decisão de
mérito deverá ser antecipada para o despacho saneador, caso em que o
despacho saneador funcionará como sentença final, sendo assim consi-
derado (art. 595º 3 in fine)665 e conduzindo à extinção da instância [art.
277º a)], salvo se a decisão de mérito aí proferida conhecer apenas de
algum dos pedidos formulados, devendo a acção prosseguir quanto aos
demais666.
662
Tenha-se em conta que, embora seja possível a prestação de depoimento de parte na
audiência prévia (art. 456º 3), o mais habitual é que ocorra na audiência final [arts. 456º 1
e 604º 3.a)]. Portanto, a situação a que aludimos no texto (decisão no despacho saneador,
atenta a preclusão da hipótese de prova do facto, por não ter sido requerido o depoimento
de parte) supõe que à parte que podia fazer tal requerimento tenha sido concedida oportu-
nidade efectiva para tal. Cremos que esta solução é a que melhor conjuga os interesses em
presença, expressando, de resto, o sentido actual dos princípios da cooperação e do contra-
ditório. Parecendo defender o carácter oficioso da convocatória da parte para depor na au-
diência prévia, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 186, nota de rodapé nº 18).
663
E depois de cumprida a alínea a) do nº 1 do art. 595º, sem que o processo deva terminar
por razões de ordem processual, naturalmente.
664
Neste sentido, Castro Mendes (Direito..., Vol. II, p. 638).
665
Trata-se de uma peça que nas lides forenses se usa designar por saneador-sentença.
666
Pode, igualmente, suceder que a decisão proferida no despacho saneador respeite à recon-
venção, continuando pendente a acção original, ou vice-versa, desde que, neste caso, a ques-

290
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Em face do exposto, verifica-se que o despacho saneador integra


dois capítulos667. O primeiro capítulo respeita aos fins mencionados na
alínea a) do nº 1 do art. 595º (conhecimento de questões processuais).
O segundo capítulo é destinado ao fim referido na alínea b) do nº 1 do
art. 595º (conhecimento do mérito da causa). No entanto, tal despacho
pode quedar-se pelo primeiro capítulo, se o juiz, com fundamento em
razões de natureza processual, puser termo à instância. Recorde-se que
tal desfecho supõe a impossibilidade de aplicação do regime particular
instituído na segunda parte do nº 3 do art. 278º, nos termos já estudados,
naquilo que configura uma preocupação no sentido da prevalência da
substância sobre a forma.

Para concluirmos as referências à prolação do despacho saneador,


resta tratar do nº 2 do art. 595º, nos termos do qual o despacho sanea-
dor deve ser proferido oralmente, pelo juiz, mediante ditado para a acta.
Todavia, para a hipótese de as questões a resolver nesse despacho terem
uma complexidade que não se coadune com a decisão oral, o legislador
prevê a possibilidade de o juiz se reservar a faculdade de lavrar por es-
crito o despacho saneador, no prazo de 20 dias (cfr. a segunda parte do
nº 2 do art. 595º). Nesses casos, a audiência prévia suspende-se, fixando-
-se logo data para a sua continuação, se disso for caso (art. 595º 2 in fine).
A este propósito, importa ter em conta os possíveis sentidos da decisão a
proferir no despacho saneador. Nuns casos, o despacho pode pôr termo
ao processo. Assim acontece com a declaração de absolvição da instância
e com a decisão que julga a acção procedente ou improcedente. Noutros
casos, a decisão pode não implicar o fim do processo. É o que sucede com
a decisão que julga improcedente uma excepção dilatória ou uma ex-
cepção peremptória, bem como com a decisão que só conhece de algum
dos pedidos.
Na primeira situação, isto é, quando o despacho saneador põe termo
ao processo, não parece que tenha utilidade retomar a audiência prévia

tão reconvencional mantenha utilidade (cfr., a propósito, o nº 6 do art. 266º). Por outro lado,
é de notar que a decisão de improcedência de uma excepção peremptória, versando embora
sobre o mérito da causa, também não põe termo à instância, pelo contrário.
667
A propósito do despacho saneador, cfr., ainda, o regime consagrado no nº 5 do art. 595º,
relativo às acções destinadas à defesa da posse. Sobre este ponto, Paula Costa e Silva (Sanea-
mento e condensação…, ps. 265-267).

291
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

(que tinha sido suspensa), já que o único acto a praticar será a simples
leitura do despacho saneador, na presença das partes. Nesse caso, é mais
adequado que a decisão lhes seja notificada, nos termos gerais, tal como
seria se não tivesse havido sequer audiência prévia668. Na segunda hipó-
tese, como o processo não termina com a prolação do despacho saneador,
deverá proceder-se à sua leitura em nova sessão da audiência prévia, após
o que se passará a praticar os demais actos que tenham justificado a sua
convocação ainda não realizados, designadamente os relativos às alíneas
f ) e g) do nº 1 do art. 591º.
De qualquer modo, atente-se que, nos termos da lei, a possibilidade
de suspensão da audiência para o proferimento do despacho saneador
por escrito tem carácter excepcional, não podendo, pois, constituir uma
habitualidade acerca do modo de prolação do despacho saneador, nos
processos em que haja lugar à audiência prévia.

2.4. Identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da


prova
Uma das inovações do CPC de 2013 é a de, nas acções que não devam
terminar na fase intermédia do processo, ser proferirdo despacho des-
tinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova,
conforme prescreve o nº 1 do art. 596º.

Neste domínio, para melhor se compreender o sentido e alcance do


regime instituído inovatoriamente pelo CPC de 2013, mostra-se conve-
niente uma breve resenha acerca do quadro legal antecedente.

a) A selecção da matéria de facto no CPC de 1939 e no CPC de 1961


Tradicionalmente, a pretexto da circunstância de a disponibilidade da re-
lação jurídica privada se repercutir na disponibilidade do processo, dizia-
-se que a definição do objecto (fáctico) do processo cabia às partes, no
sentido de que era direito e era encargo daquelas aportar ao processo os
factos que sustentavam as respectivas pretensões, em termos tais que o
tribunal, na decisão a proferir, só podia tomar em consideração os factos
alegados (e provados) pelas partes.

668
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 174, nota de rodapé nº 15), expli-
citando o alcance da expressão “se for caso disso” (cfr. o art. 595º 2 in fine).

292
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Assim, num sistema processual civil pautado pelo princípio dispositivo


(ao menos na sua formulação clássica), a actuação do juiz era essencial-
mente passiva, porquanto, na decisão a proferir, apenas deveria basear-se
nos factos alegados pelas partes. Sobre estas recaía, consequentemente,
o ónus de alegação dos factos a considerar pelo juiz. Mas a passividade
do juiz não se ficava por aí. Com efeito, às partes competia ainda a ini-
ciativa da prova dos factos alegados, cabendo ao juiz um mero papel de
fiscalização relativamente à actividade instrutória, finda a qual era, então,
proferida decisão sobre os factos provados e não provados.
O processo civil português foi marcado, ao longo de décadas, por uma
peça processual – o questionário –, a elaborar pelo juiz, depois de finda
a fase dos articulados. Tal como previsto no art. 515º do CPC de 1939669
e no art. 511º do CPC de 1961, findos os articulados e quando o processo
houvesse de prosseguir670, o juiz deveria proceder ao saneamento fáctico
da causa, organizando a especificação e o questionário. Na especificação
eram vertidos os factos considerados confessados, admitidos por acordo
das partes ou provados por documentos. Do questionário faziam parte os
factos alegados que, por serem controvertidos, teriam de ser provados.
Tais factos eram elencados sob a forma de quesitos, com subordinação a
números671.
Nos termos do art. 514º do CPC de 1939, o questionário “só compreen-
derá, de entre os factos articulados, controvertidos e pertinentes à causa, os que
forem indispensáveis para a resolver”.
De acordo com o art. 511º do CPC de 1961, o juiz “seleccionará entre
os factos articulados os que interessam à decisão da causa, segundo as várias solu-
ções plausíveis da questão de direito, (…) quesitando (…) os pontos de facto contro-
vertidos”.
Na economia da acção declarativa, realizada esta selecção da maté-
ria de facto, toda a actividade processual subsequente (sobremaneira a
instrução) era delimitada pelos termos do questionário. Com efeito, era

669
Em rigor, diga-se que esta peça foi instituída no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto
nº 21:694, de 29.9.1932, mais exactamente pelo respectivo art. 15º. O Decreto nº 21:694 fez
parte de um conjunto de diplomas promulgados a partir de 1926, encetando diversas alte-
rações na legislação processual civil que vieram a culminar no CPC de 1939.
670
No CPC de 1961, era ainda suposto que a acção tivesse sido contestada.
671
Relativamente à especificação, embora a lei nada dissesse, quer em 1939, quer em 1961, a
prática instituída era a de enunciar os factos provados por alíneas.

293
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

por referência aos quesitos constantes daquela peça que as partes orga-
nizavam a sua estratégia probatória672, era por referência a esses quesitos
que se realizava a produção de prova e era a esses quesitos que, finda
a produção de prova, o tribunal iria responder673. Nas palavras de José
Alberto dos Reis, “O questionário exerce uma dupla função de limite: limita
o âmbito das diligências de produção de prova, limita o poder jurisdicional do tri-
bunal colectivo”674.
Concluído o julgamento da matéria de facto, seria proferida sentença,
antecedida da possibilidade de alegações das partes sobre a vertente jurí-
dica da causa. Na sentença, em sede de fundamentação de facto, o juiz
haveria de levar em conta os factos admitidos por acordo, provados por
documento ou por confissão e ainda os que tivessem sido dados como
provados na resposta aos quesitos675.
Um sistema processual deste género implicava um esquema rígido e
fechado quanto ao acervo fáctico dos autos. Por um lado, os factos con-
siderados, a final, na sentença sempre seriam, no limite, todos os factos
articulados pelas partes. Por outro lado, havendo preclusões quanto à
alegação de factos, só seriam considerados os factos que as partes tives-
sem originariamente vertido nos respectivos articulados, o que equivale
a dizer que, cumprida a fase dos articulados, que era a primeira etapa do
processo, ficava encerrada a possibilidade de o acervo fáctico dos autos
sofrer qualquer evolução. Este sistema era reforçado por um intenso re-
gime de ónus e cominações ao nível da contestação, já que, sob pena de se
considerarem admitidos por acordo, o réu deveria tomar posição definida
sobre cada um dos factos articulados na petição676. Nessa conformidade,

672
De resto, era na sequência da organização do questionário que as partes eram notificadas
para apresentarem os respectivos requerimentos probatórios (art. 516º do CPC de 1939 e
art. 512º do CPC de 1961).
673
Era o que resultava do art. 653º f ) do CPC de 1939 e do art. 653º 2 do CPC de 1961. O tri-
bunal não se pronunciava, todavia, sobre os factos que, embora constantes do questionário,
só pudessem provar-se documentalmente, nem sobre os que (entretanto) estivessem prova-
dos por confissão, por acordo das partes ou por documento.
674
José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, ps. 204 e ss.).
675
Cfr. o art. 659º do CPC de 1939 e do CPC de 1961.
676
Só não seria assim, isto é, a cominação não operava se os factos não impugnados especifi-
cadamente estivessem em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto, ou
se fossem inconfessáveis ou se só pudessem ser provados por documento. Era o que resul-
tava do disposto no art. 494º do CPC de 1939 e no art. 490º do CPC de 1961.

294
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

atingida a segunda fase do processo, quando o juiz procedia à selecção


da matéria de facto, a sua actividade consistia em analisar e confrontar as
peças escritas oferecidas pelas partes, nos termos seguintes: desconside-
rando os factos que, embora articulados, não tinham relevo para a decisão
da causa, o juiz levaria à especificação os factos que logo aí podiam ser
tidos como assentes, quer por terem sido confessados, quer por se mos-
trarem provados por documentos, quer por não terem sido impugnados;
e levaria ao questionário os factos que se mostrassem controvertidos, seja
porque tivessem sido impugnados especificadamente, seja porque, em-
bora não impugnados, fossem inconfessáveis, só pudessem provar-se por
documento, ou estivessem em oposição com a defesa considerada no seu
conjunto. Bem vistas as coisas, esta actividade do juiz tinha uma natureza
essencialmente burocrática, pois a selecção fáctica radicava no cotejo das
peças oferecidas pelas partes. Ainda assim, face ao (decisivo) relevo que
tinha no devir processual, esta selecção sempre foi encarada com grande
zelo pelas partes e pelo tribunal. A importância da selecção expressava-
-se, desde logo, na circunstância de as partes poderem reclamar para o
próprio juiz e poderem recorrer do despacho que apreciasse as recla-
mações677. Quanto às partes, visando ter o menor encargo probatório,
cada uma delas procurava que fossem levados à especificação os factos a
si favoráveis e ao questionário os factos favoráveis à parte contrária. Já o
juiz, quanto melhor procedesse à selecção fáctica, menor era a hipótese
de haver reclamações e, por inerência, menor era a hipótese de proce-
der eventual recurso contra o despacho que conhecesse das reclamações.
Uma vez elaborado, o questionário passava a funcionar como um guião
para as fases processuais seguintes, por ele se orientando as partes e o
tribunal.
Se atentarmos no CPC de 1939, vemos que as diligências destinadas
à produção de prova só podiam recair sobre os factos “constantes do ques-
tionário” (art. 517º), sobre cada um dos factos “especificados no questionário”
não podiam ser inquiridas mais de cinco testemunhas (art. 636º), as tes-
temunhas eram interrogadas sobre os factos “incluídos no questionário” que
tivessem sido articulados pela parte que a ofereceu (art. 641º) e, por fim,

Cfr. o proémio do art. 515º do CPC de 1939 e o respectivo § 3º; cfr. os nºs 4 e 5 do art. 511º
677

do CPC de 1961. Note-se que, no CPC de 1961, a hipótese de recurso era diferida para o mo-
mento do recurso da decisão final.

295
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

no julgamento da matéria de facto, o tribunal, de entre os “factos mencio-


nados no questionário”, declarava quais julgava ou não provados [alínea g)
do art. 653º]678.
No CPC de 1961, o regime era similar, pois as diligências destinadas
à produção de prova só podiam recair sobre os factos “constantes do ques-
tionário” (art. 513º), sobre cada um dos factos “incluídos no questionário”
não podiam as partes produzir mais de cinco testemunhas (art. 633º), as
testemunhas eram interrogadas sobre os factos “incluídos no questionário”
que tivessem sido articulados pela parte que as ofereceu (art. 638º) e, no
julgamento da matéria de facto, o tribunal, de entre os “factos quesitados”,
declarava quais julgava ou não provados (art. 653º 2) 679,680.
Deste modo, o que estava no questionário era para ser considerado,
pois se aí tinha sido levado é porque tinha interesse para decisão da causa.
O que não estava no questionário não era para ser considerado, pois se
aí não estava é porque não tinha sido oportunamente alegado, logo era
matéria excluída da cognição do tribunal. Assim colocadas as coisas, o
questionário entroncava plenamente em conhecidos brocardos como
“iudex judicare debet secundum allegata et probata partium” ou “quod non est in
actis (partium) non est in mundo” ou ainda “da mihi facta, dabo tibi ius”.
O sistema mostrava-se, pois, perfeito. Esta perfeição era, todavia, apa-
rente. Na verdade, o processo funcionava em circuito fechado. O mesmo
é dizer que o “descobrimento da verdade” (art. 264º do CPC de 1939) ou o
“apuramento da verdade” (art. 264º 3 do CPC de 1961) de que falava a lei
correspondia a uma verdade formal, a uma verdade processual.
Tal como estava estruturado, o sistema processual civil português
assentava na pressuposição (ou ficção) de que a realidade da vida a que
se reportava cada concreta lide tinha sido suficiente e adequadamente
vertida nos respectivos articulados. Por isso, ainda que, na pendência da

678
Esta alínea g) do art. 653º do CPC de 1939 admitia a possibilidade de, encerrada a dis-
cussão, o tribunal formular quesitos novos, cujo teor era limitado pelos factos alegados pelas
partes.
679
Em sede de julgamento de facto, o CPC de 1961 marcou, ainda assim, uma importante
evolução, na medida em que passou a impor-se ao tribunal o dever de fundamentação da
decisão, se bem que limitada aos factos provados.
680
Também aqui se previa a hipótese de formulação de quesitos novos, mas sempre com limi-
tação aos factos articulados pelas partes, nos termos das disposições conjugadas do arts.
650º 2.f ) e 664º do CPC de 1961.

296
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

causa, houvesse a percepção de alguma desconformidade entre o ale-


gado e a realidade das coisas, a resposta do sistema era de indiferença,
vedando-se a entrada dessa realidade nos autos. Tudo a pretexto de que
ónus de alegação recaía sobre as partes e a pretexto de que o tribunal só
podia “servir-se dos factos articulados pelas partes” (art. 664º do CPC de 1939
e de 1961). A expressão máxima dessa indiferença do sistema face à rea-
lidade estava exactamente no questionário e no modo como era enten-
dido. Concluída a fase dos articulados e operado o saneamento fáctico
dos autos, ficava definido o lastro fáctico da lide. Por muito viva e rica, por
muito reveladora que fosse a instrução, o limite sempre seria o dos que-
sitos, isto é, ao tribunal apenas interessava saber se era provado aquilo
que era perguntado. Caso fosse provado o que era perguntado, muito
bem; caso não fosse, muito bem igualmente. Isto era assim, mesmo que
houvesse condições (em face das diligências instrutórias) para dar como
provada factualidade que, não correspondendo em absoluto ao que es-
tava quesitado, fosse apta a assegurar a conformidade da decisão da causa
com a realidade das coisas, tal como revelada em juízo.
Fruto de toda uma concepção assente em ónus e preclusões, que ten-
dia para a estabilização da matéria de facto relevante na fase do sanea-
mento681, o questionário surgia como o repositório dos factos articula-
dos que se mostrassem carecidos de prova. Esta peça era integrada por
quesitos (questões de facto), sendo por referência a eles que decorreria
a actividade probatória e aos quais responderia o órgão incumbido do
julgamento da matéria de facto, no estrito âmbito da sua intervenção.
Tendo em conta a precisa função dos quesitos, o entendimento corrente
e prevalecente ao longo de décadas era o de que os quesitos deveriam ser
elaborados em termos simples e claros, para que as partes soubessem,
concretamente, o que devia ser provado, e para que a respostas respec-
tivas pudessem ser, igualmente, objectivas e concisas. Nessa perspec-
tiva, o aconselhável seria que a cada quesito correspondesse um facto,
em termos de o órgão de julgamento lhe poder responder do seguinte
modo: “provado” ou “não provado”. Isto é, dever-se-ia evitar que o tribunal
tivesse de responder fazendo distinções, reservas ou restrições682. Estas

Lopes do Rego (Comentários…, p. 444).


681

Sobre este ponto, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, ps. 223-224) e Manuel
682

de Andrade (Noções…, p. 189).

297
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

recomendações acerca do modo de redigir os quesitos, se bem que não


tivessem um carácter rígido e inflexível683, destinavam-se a alertar o juiz
para o cuidado a ter na elaboração do questionário. É que o julgamento
da matéria de facto, em vez de ser feito “em linguagem corrida, mediante a
narração completa dos factos (...) que o tribunal considere provados”, assumia “o
estilo analítico e desarticulado de meras respostas sucessivas aos diferentes quesitos
do questionário”684.
A realidade forense veio a mostrar que o modo como eram, habitual-
mente, redigidos os quesitos acabava por funcionar como um elemento
perturbador ou limitador, tanto para os actos probatórios, como para o pró-
prio acto do julgamento de facto.
Na verdade, era habitual e frequente o questionário ser reconduzido
“à minuciosa, rígida e formalística formulação de quesitos, reproduzindo cada uma
das afirmações de facto atomisticamente feitas pelas partes nos articulados”685.
Daí resultava, tantas e tantas vezes, um elenco desgarrado e fragmentário
de factos probandos. Também era frequente, perante duas versões dife-
rentes constantes dos articulados, quesitar o mesmo ponto de facto em
duplicado, uma vez na versão do autor, outra na versão do réu. Conse-
quentemente, acabava por ser normal que a leitura da resposta aos quesi-
tos (conjugada com os factos especificados) não permitisse descortinar o
quadro fáctico a que respeitavam. Outras vezes, a exagerada preocupação
de limitar a resposta às sacramentais fórmulas “provado” ou “não provado”
era impeditiva de que se alcançasse uma decisão conforme à realidade
das coisas, cuja dinâmica era inconciliável com a rigidez e inflexibilidade
dos quesitos e das respostas correspondentes686.
Por outro lado, muitas vezes acontecia o juiz não permitir que a inqui-
rição às testemunhas ultrapassasse o rígido e redutor teor dos quesitos,
a pretexto de que era só a isso que tinha de responder. Mas também havia
juízes que impediam a formulação de perguntas nos termos constantes
do questionário, a pretexto de que assim se induzia a resposta da teste-
munha. Com isso, por um lado ou por outro, deixavam-se de fora várias

683
José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 224).
684
Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 651).
685
Lopes do Rego (Comentários…, p. 444).
686
Para além dos riscos de as respostas isoladas aos quesitos virem a ser contraditórias entre
si, em termos de conduzir à anulação do julgamento de facto. A propósito, Lopes do Rego
(Comentários…, p. 446).

298
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

questões (laterais, circunstanciais ou instrumentais), em relação às quais


a testemunha estaria em condições de depor, com rigor e verdade, e dos
quais poderiam resultar importantes contributos para a justa composição
do litígio. Como é bom de ver, a inquirição das testemunhas por mero
decalque do questionário retirava ao depoimento toda a sua espontanei-
dade e naturalidade, acabando por impedir que a testemunha contasse a
sua história, aquilo que viu, que percepcionou ou sentiu, afinal, que trans-
mitisse aquilo para cuja transmissão fora chamada a depor687.
Numa palavra, a prática forense, em vez do aproveitamento das virtua-
lidades que o questionário poderia ter enquanto elemento disciplinador
da actividade probatória, acabou, inadvertidamente, por transformar tal
peça num espartilho, que amarrava as partes e o juiz688. Ora, esta situação
acabava por ter efeitos perversos e artificiais. Por exemplo, numa acção
de efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação,
tendo o autor alegado que o veículo segurado na ré circulava à velocidade
de 90 km/hora, ou conseguia mesmo provar esse facto, ou sujeitava-se
a que o tribunal o desse como não provado, sem que houvesse decisão
(de facto) acerca da velocidade a que circularia tal veículo, aspecto que
poderia conduzir à improcedência da acção. Todavia, era insólito que não
houvesse nenhuma declaração (decisão) relativa à velocidade, apesar de
ser óbvio que a alguma velocidade haveria o veículo de circular. Ainda
assim, a visão redutora do questionário argumentaria que o tribunal se
limitava a responder à questão colocada, assim cumprindo a sua função.
Na mesma ordem de ideias, uma visão rígida do questionário impedia
que se perguntasse simplesmente qual era a cor de uma coisa, sendo pre-
ciso formular tantos quesitos quantas as cores aventadas nos articulados,
quando é certo que a coisa só haveria de ter uma cor, sendo essa que inte-
ressaria determinar nos autos.
Sendo perceptíveis e evidentes os constrangimentos a que conduzia o
questionário, nos rígidos termos em que era entendido e praticado, por
muito que se bradasse contra tal situação, a inércia instalada nos tribu-

687
Dando nota disso, e criticando tal modo de proceder de certos juízes, como se o questio-
nário fosse um colete de forças, Abrantes Geraldes (Temas da reforma… Vol. II, p. 213).
688
Para isso contribuíam diversos preceitos, já assinalados, que apontavam no sentido de que
toda a instrução girava mesmo em torno do questionário, seja no CPC de 1939, seja no de
1961.

299
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

nais sempre se louvava na afirmação de que tudo ocorria nos termos da


lei de processo689.

Contribuindo para toda a rigidez apontada havia ainda a circunstân-


cia de a selecção fáctica supor a cuidada distinção entre matéria de facto
e matéria de direito, o que era particularmente exigente na elaboração do
questionário. Com efeito, se o questionário respeitava à matéria con-
trovertida ou carecida de prova, se era sobre essa matéria que versava
a instrução do processo, isto é, a actividade probatória ou de produção
de prova, e se a prova, nos termos do disposto no art. 341º do CC, tem
por função a demonstração da realidade dos factos, então só poderia ser
levada ao questionário matéria de facto, até porque o órgão incumbido
de apreciar a prova não podia pronunciar-se senão sobre questões de
facto (art. 646º 4 do CPC de 1939 e de 1961).
Esta distinção entre matéria de facto e matéria de direito marcava de
forma indelével todo o processo civil, desde os articulados até à decisão
final da causa, mesmo em recurso. Por um lado, as partes deviam organi-
zar as suas peças escritas de modo a não confundir, a não misturar, a ale-
gação de factos com a respectiva valoração jurídica e, menos ainda, a não
reduzir a sua alegação a meras afirmações de pendor conclusivo ou jurí-
dico. Por outro lado, a estrutura do processo civil radicava na clara demar-
cação entre a intervenção do órgão (colegial ou singular) incumbido de
julgar a matéria de facto e a intervenção do juiz a quem competia lavrar a
sentença, o mesmo é dizer que a necessidade desta distinção assentava na
decomposição do acto do julgamento, separando-se o que respeitava a puros
factos do que se referia ao respectivo tratamento jurídico. Como se sabe,
a norma jurídica “pressupõe uma situação da vida que se destina a reger, mas que
não define senão tipicamente nos seus caracteres mais gerais”690. Desse modo, a
sua aplicação implica o prévio apuramento dos factos concretos suscep-
tíveis de se integrarem na previsão normativa. Apurados os factos, terá
lugar a sua valoração jurídica, a fim de que possa vir a produzir-se o efeito
jurídico (estatuição) fixado na norma.

689
Apesar do incontornável relevo que a lei atribuía ao questionário, a prática judiciária foi
ainda mais longe, pois se instalou uma visão fundamentalista desta peça processual, elevada
assim a um estatuto que, por certo, nem José Alberto dos Reis (responsável pela criação do
questionário) imaginara.
690
Anselmo de Castro (Direito…, Vol. III, p. 268).

300
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Nessa conformidade, e tal como era sustentado então, a selecção da


matéria de facto apenas deveria versar sobre factos. Em contrapartida,
deveria excluir-se da selecção de facto tudo o que correspondesse a con-
ceitos de direito, não deixando, contudo, de atender-se aos casos em que,
na formulação da lei, fossem utilizados conceitos jurídicos que tinham
também uso na linguagem corrente, como acontecia com as expressões
“empréstimo”, “venda”, “arrendamento”, “pagamento”, “hóspede”, “sinal”,
etc. Nesses casos, seria de admitir a inclusão desses termos na selecção da
matéria de facto, valendo como factos e tomando-os no seu significado
comum691. Já assim não deveria ser, todavia, quando o objecto da acção
estivesse, ainda que só em parte, dependente da determinação do signifi-
cado exacto daquelas expressões, as quais configurariam uma questão de
direito, insusceptível de ser seleccionada692.
Fosse como fosse, esta rígida necessidade de separar tão radicalmente
facto de direito era decorrência da já referida cisão entre o momento
do julgamento da matéria de facto e o momento do enquadramento
jurídico da factualidade apurada e ainda da circunstância de a cada um
daqueles momentos corresponder a intervenção de um órgão decisor
distinto (tribunal colectivo ou juiz singular no primeiro; juiz singular no
segundo).
Embora a Reforma de 1995/96 não tenha alterado este quadro, a ver-
dade é que, com o passar dos anos, e por razões várias (entre as quais
avulta a cada vez menor intervenção do tribunal colectivo, a ponto de o
colectivo ter mesmo deixado de intervir), foi-se tornando cada vez mais
artificiosa, ao menos na dinâmica da produção de prova e da respectiva
valoração, esta distinção entre facto e direito. É que, mesmo nas acções
ordinárias, chegou uma altura em que o tribunal funcionava em juiz

691
Neste sentido, Anselmo de Castro (Direito…, Vol. III, p. 269) e Lebre de Freitas (A
ação declarativa..., p. 195).
692
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. I, p. 197), Anselmo de Cas-
tro (Direito…, Vol. III, p. 269), Castro Mendes (Do conceito..., ps. 574 e 587-588) e Lebre de
Freitas (A ação declarativa..., p. 195). Por exemplo, devia ser considerada matéria de direito a
expressão “empréstimo”, quando a acção tivesse por objecto determinar a que título o autor
entregou ao réu a quantia em dinheiro que peticionava em juízo. Igualmente, devia ser toma-
da apenas no seu sentido técnico-jurídico a expressão “arrendamento” usada pelo réu para
obstar à entrega do prédio reivindicado pelo autor. Também não devia ser tomada como facto
a expressão “hóspede”, quando a acção de despejo se fundasse na previsão correspondente ao
actual art. 1083º 2.e) do CC, em conjugação com o art. 1093º do mesmo diploma.

301
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

singular, sendo precisamente o mesmo juiz a decidir de facto e de di-


reito693. Funcionando assim o sistema, só critérios formais justificavam
que persistisse a distinção do órgão decisor.
Como se verá, com o CPC de 2013, continuando a desempenhar pa-
pel fundamental, a vários níveis, a distinção entre facto e direito, o modo
como o sistema está instituído permite evitar e diluir muitos dos precio-
sismos formais que, a partir de certo ponto, marcaram negativamente o
regime precedente694. Como veremos, há, desde logo, duas razões para a
rigidez do passado ser suplantada: i) é o mesmo o juiz que intervém ao
longo do processo, seja na audiência prévia, seja na audiência final, seja
na elaboração da sentença; ii) deixa de haver cisão entre o julgamento da
matéria de facto e o enquadramento jurídico da questão, sendo ambas as
vertentes apreciadas na sentença final.

b) A selecção da matéria de facto no CPC de 1961 após a Reforma de


1995/96
A designada Reforma de 1995/96 tem como suporte o DL nº 329º-A/95,
de 12.12, e o DL nº 180/96, de 25.9, reportando-se os respectivos efeitos
a 1 de Janeiro de 1997.
Convém começar por recordar que, relativamente à questão da selec-
ção da matéria de facto, a Reforma de 1995/96 apresenta dois momen-
tos. Inicialmente, o DL nº 329º-A/95, na redacção atribuída ao art. 511º
do CPC de 1961, projectou a abolição da peça até então designada por
“especificação”, já que se falava apenas em “fixação da base instrutória”,
assim se seleccionando a “matéria de facto relevante para a decisão da causa,
segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se
controvertida”695.

693
Desde 2000, fruto das sucessivas alterações introduzidas no art. 646º do código revogado,
nunca ou quase nunca intervinha o tribunal colectivo nas acções cíveis comuns ordinárias,
caso em que a audiência final era conduzida pelo juiz que presidiria ao colectivo, se a sua
intervenção tivesse tido lugar (nº 5 do art. 646º do código revogado), cabendo a esse juiz
proferir o despacho de julgamento da matéria de facto e depois elaborar a sentença.
694
Reflectindo em tom crítico, não tanto sobre a rigidez do sistema, mas sobre o modo como
o mesmo era entendido e praticado, ao mesmo tempo deixando notas para o futuro, Abran-
tes Geraldes (Temas da nova reforma…, ps. 63-66).
695
Em harmonia, a alínea d) do nº 1 do art. 508º-A, na redacção introduzida pelo DL nº 329-A/
/95, previa que, havendo audiência preliminar e tendo a acção sido contestada, aí fosse
seleccionada, após debate, a “matéria de facto relevante que constitui a base instrutória da causa”.

302
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Para além de ser possível surpreender aqui um intuito de maior fle-


xibilidade e generalidade na enunciação das questões de facto a provar,
registe-se que a projectada inexistência de uma peça com funções aná-
logas à especificação não deixava de ser um sinal claro de corte com o
passado. Porém, o DL nº 180/96 determinou uma inflexão, já que, dando
nova redacção ao art. 511º e ao art. 508º-A do CPC de 1961, acabou por
estabelecer que, além da “base instrutória”, seria de enunciar a “matéria de
facto considerada assente”, acabando, ao menos nesta parte, por induzir uma
ideia de continuidade.

Antes de prosseguir na análise do regime instituído pela Reforma de


1995/96, importa referir que as alterações então introduzidas surgiram
depois de terem ficado pelo caminho os trabalhos de revisão do código
elaborados pela Comissão Varela, sendo que um dos pontos mais contro-
versos nesse âmbito foi o da manutenção/supressão do questionário.
A Comissão Varela desenvolveu os seus trabalhos em três momentos es-
senciais. Primeiro, na preparação da chamada Reforma Intercalar, dada
à estampa no DL nº 242/85, de 9.7. Depois, apresentando o Anteprojecto
de 1988 e, mais tarde, o Anteprojecto de 1990. Para o que aqui releva, se o
documento de 1988 foi tido por conservador, pois mantinha o esquema da
especificação e do questionário (art. 404º), o de 1990 foi tido por radical,
já que, além de eliminar a figura da especificação, transferia para o início
da audiência final “a indicação dos factos essenciais da causa que interessa ave-
riguar”, indicação que competiria ao juiz presidente do colectivo e que
podia ser feita “sob a forma de quesitos” (art. 507º 1 e 2).
É interessante recordar, tal como foi em devido tempo relatado por
Antunes Varela696, o dilema que se viveu no seio dessa Comissão Revi-
sora acerca do destino a dar à especificação e ao questionário. Como ponto
de partida, “reconheceu-se a absoluta necessidade de uma peça que, antes de a
instrução principiar, indique a matéria de facto controvertida que interessa ao exame
e decisão da causa”. Apelando a que “não se estranhe que a peça não exista nou-
tros sistemas processuais”, mas entendendo “que se havia exagerado, em alguns
aspectos, o papel importante do questionário, convertendo-o numa espécie de mito
do processo português”, intentou-se, nas palavras de Antunes Varela, “um
processo de desmistificação do questionário”, mantendo, todavia, a figura, tal

696
Antunes Varela (Do anteprojecto ao projecto…, ps. 358-362).

303
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

como se vê no Anteprojecto de 1988. Perante a constatação de que “a


manutenção do questionário continuou a suscitar vivas críticas, quer na judica-
tura, quer nos próprios meios forenses”, a ponto de o parecer da Comissão de
Legislação da Ordem dos Advogados declarar que “Só por si a manutenção
do esquema actual da fase de condensação parece pôr em causa a necessidade de
publicação de um novo Código de Processo Civil”, a Comissão Revisora equa-
cionou uma alternativa. Continuando a Comissão Revisora convicta da
necessidade de uma peça que “sirva de guia útil a toda a actividade instru-
tória do tribunal”, o Anteprojecto de 1990 propôs então uma solução que
eliminava a especificação e substituía o questionário por uma “simples in-
dicação escrita dos factos que interessa averiguar”, a fazer pelo juiz no início
da audiência final. Esta solução, logo apelidada de questionário de bolso697,
também foi muito mal recebida pelos profissionais forenses, ora pelo seu
carácter unilateral e um tanto impositivo698, ora por levar a que as partes
só fossem confrontadas com a matéria a provar numa fase muito adian-
tada da lide.
Na sequência do que antecede, é possível dizer que, em meados da dé-
cada de 90 do século XX, havia um consenso generalizado quanto à necessi-
dade de abandonar as figuras da especificação e do questionário, havendo
igualmente consenso sobre a inconveniência de a delimitação da instru-
ção ocorrer apenas à entrada da audiência final. Ainda numa nota de en-
quadramento, cumpre ter presente que, em face do citado Anteprojecto
de 1990, tecendo fortes críticas à solução aí proposta, Lebre de Freitas
sustentou que “a solução alternativa a um esquema rígido de especificação / ques-
tionário (como o que tem existido, desde o C.P.C. de 1939) pareceria dever ser a
delimitação, participada entre o tribunal e as partes, dos grandes temas da prova
no litígio concreto”699.
Foi com este quadro que se confrontou o legislador de 1995/96, cujos
trabalhos foram lançados a partir das “Linhas Orientadoras da nova legisla-
ção processual civil”700, documento que, divulgado em finais de 1992, é o
antecedente mais próximo do DL nº 329-A/95.

697
Lopes do Rego (Comentários…, p. 428).
698
Tratar-se-ia de um “diktat unilateral do juiz”, nas palavras de Lebre de Freitas (Parecer…,
p. 774).
699
Lebre de Freitas (Parecer…, p. 774).
700
O texto das “Linhas orientadoras” foi tornado público numa edição, sem data, do Minis-
tério da Justiça. Encontra-se também publicado no Boletim da Ordem dos Advogados (1993), ps.

304
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Após 1 de Janeiro de 1997, tendo entrado em vigor o regime instituí-


do pela Reforma de 1995/96, mesmo independentemente da questão de
saber como formalizar a selecção da matéria de facto, é insofismável que
tal selecção sempre teria de perder o significado que lhe era apontado no
CPC de 1939 e no CPC de 1961, pela simples razão de que os parâmetros
do sistema processual civil português sofreram uma importante altera-
ção. Na verdade, mantendo-se embora a matriz do dispositivo, que não
foi arredada (nem tinha de ser), deixou de poder sustentar-se que, na
decisão da causa, o juiz português continuava limitado aos factos origina-
riamente alegados pelas partes, porquanto os seus poderes de cognição
foram significativamente alargados. Dito de outro modo, se é verdade
que o ónus de alegação continuou a impender sobre as partes, cabendo
a estas introduzir nos autos os factos que sustentavam as respectivas pre-
tensões, não é menos verdade que a decisão da causa passou a poder ser
consubstanciada em mais factos do que os alegados pelas partes. Para isso
contribuiu também a circunstância de as cominações tradicionalmente
associadas ao ónus de alegação terem sido justamente restringidas. Cum-
pre salientar que o verdadeiro suporte deste novo quadro conceptual não
advinha apenas da (re)ponderação entre dispositivo (atenuação) e ofi-
ciosidade (ampliação), outrossim da consagração de um novo princípio
processual, o princípio da cooperação, que o Preâmbulo do DL nº 329-A/
/95 qualificava como “princípio angular e exponencial do processo civil”.
A partir daí, nada mais poderia ser igual no processo civil português.
A partir daí, não era mais suposto o juiz ter uma atitude passiva, inerte,
distante ou expectante, devendo o juiz, outrossim, empenhar-se em criar
condições para vir a proferir uma decisão de mérito, sendo que uma efec-
tiva decisão do mérito da causa não seria propriamente a que viesse a ser
proferida no final de um processo que decorresse regularmente perante
um terceiro judicante, isto é, uma decisão proferida estritamente secun-
dum allegata et probata partium. A efectiva decisão do mérito da causa seria
aquela que assegurasse a justa composição do litígio, seria aquela que asse-
gurasse a adequação da sentença à realidade extraprocessual.

Relativamente ao acto de selecção da matéria de facto a operar no fi-


nal dos articulados, não era suposto, após a Reforma de 1995/96, que tal

51 e ss., bem como na revista Sub Judice – Justiça e Sociedade (1992), ps. 37 e ss..

305
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

selecção se fizesse como até então, nem era suposto que a peça que veio a
ser designada por base instrutória se reconduzisse ao velho questionário.
De todo o modo, a questão que logo se colocou foi a de saber se a passa-
gem do “questionário” para a “base instrutória” era uma simples alteração de
designação ou se, mais do que isso, representava uma nova perspectiva
da selecção da matéria de facto. Isto é, após 1 de Janeiro de 1997, o sen-
tido da selecção da matéria de facto, especialmente da matéria ainda por
provar, seria distinto do tradicional? Deve dizer-se que o aparecimento
das já referidas “Linhas orientadoras” criou a expectativa de que o novo
ordenamento jurídico-processual pudesse dar um passo em frente, nesta
matéria701. Tal não aconteceu, porém. Melhor dizendo, a evolução do
regime não foi tão decisiva como se esperava. Na realidade, o articulado
do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96 não permitia a conclusão de
que a base instrutória correspondia à enunciação dos grandes temas de
prova702. Em contrapartida, também não parecia que se reconduzisse ao
velho questionário703.
Quanto a este ponto, podia dizer-se que o regime instituído pela Re-
forma de 1995/96 parecia configurar um meio termo entre a quesitação
minuciosa, pormenorizada e rígida do sistema antigo e a formulação de
grandes temas probatórios. Daqui decorria que a elaboração da base ins-
trutória deveria continuar a ser norteada pela preocupação de discipli-
nar a instrução, definindo a matéria carecida de prova, mas sem tolher
a dinâmica própria da realidade factual subjacente ao processo, isto é,
procurando contribuir para que, no julgamento da matéria de facto, o tri-

701
Assim esperava, por exemplo, Lebre de Freitas (Revisão…, ps. 467-468).
702
Neste sentido, Abrantes Geraldes, (Temas da reforma…, Vol. II, p. 145), e Lopes do
Rego (Comentários…, p. 444).
703
Defendendo que não há diferença entre o questionário e a base instrutória, Pais de
Sousa/Cardona Ferreira (Processo…, ps. 26-28). No tom que caracterizou a aprecia-
ção que fez da Reforma de 1995/96, também Antunes Varela (A reforma do processo civil…
p. 196), não distingue as duas peças, referindo-se à base instrutória como “a nova máscara
nominal, com que a lei procura ocultar ou disfarçar o mau olhado do velho questionário”. Note-se
que, inicialmente, comentando o projecto de revisão, Lebre de Freitas (Revisão…, ps.
419 e 468), sustentou que o questionário se manteria, embora “crismado de base instrutória”.
No entanto, mais tarde, o mesmo autor reconhece que a substituição do questionário pela
base instrutória não foi mera “operação de cosmética”, e visou conferir maior generalidade à
formulação das questões de facto. Cfr. Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 176, nota de
rodapé nº 23, e p. 178, nota de rodapé nº 34).

306
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

bunal tivesse margem para explanar o efectivo e concreto quadro fáctico


que lhe foi dado a observar pela prova produzida em juízo.
Nessa medida, respeitando sempre o quadro fáctico traçado pelas par-
tes, as questões de facto a incluir na base instrutória teriam a minúcia e
os contornos que o próprio litígio aconselhasse. É sabido que, dentro de
certos limites, a narração fáctica contida nos articulados pode ser mais
ou menos pormenorizada, em função da estratégia processual da própria
parte. No entanto, em sede de elaboração da base instrutória, o juiz não
teria de impressionar-se com a eventual pormenorização daquela narração
fáctica, acabando por reproduzir todas as alegações que se mostrassem
controvertidas. Perante aquele quadro fáctico, o juiz deveria, isso sim,
discernir quais eram, verdadeiramente, os pontos de facto cuja indagação
se justificava para a boa decisão da causa. Seriam esses os pontos de facto
a integrar na base instrutória. As questões correspondentes deveriam
ser formuladas com o enquadramento (mais ou menos pormenorizado,
mais ou menos abrangente) que se afigurasse mais adequado, face à reali-
dade que os autos pretendiam reproduzir. Deste modo, o juiz não deveria
limitar-se, como antigamente, a fazer um confronto dos articulados das
partes, para daí extrair, um tanto acriticamente, os factos controvertidos.
O modo mais flexível, mas não menos rigoroso, de proceder à organiza-
ção da base instrutória, deveria ter implicações na actividade de produ-
ção de prova e bem assim em sede de julgamento da matéria de facto.
É certo que, no CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, o teor do
nº 1 do art. 511º, que mandava seleccionar “a matéria de facto relevante para
a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que
devam considerar-se controvertidas”, e da alínea e) do nº 1 do art. 508º-A, que
mandava seleccionar “após debate, a matéria de facto relevante que se considera
assente e a que constitui a base instrutória, nos termos do disposto no artigo 511º”,
poderia ser mais assertivo em termos de marcar melhor a diferença entre
a selecção antiga e a nova. Mas, tal como anteriormente, o significado da
selecção fáctica não se media apenas pelos preceitos que se lhe referiam
directamente, outrossim por um conjunto de outros dispositivos que, a
jusante, tratavam da instrução e do julgamento da matéria de facto.
Ora, com a Reforma de 1995/96, o CPC de 1961, embora, aqui e ali,
tenha ficado um pouco aquém do que era expectável, deu sinais bens cla-
ros no sentido de que o quotidiano forense não deveria manter-se. Desde
logo, quanto ao objecto da prova, passou a dizer-se que a instrução da

307
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

causa “tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que
devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova” (art. 513º), o que,
não excluindo que a instrução pudesse tomar como referência a base ins-
trutória, significava que o limite da instrução não era, apenas e só, aquela
peça. Depois, acerca do limite de depoimentos testemunhais, a lei passou
a dizer que o número de testemunhas por parte se reportava a “cada um
dos factos que se propõe provar” (art. 633º), e não, como antigamente, aos
factos constantes do questionário. Relativamente ao regime do depoi-
mento, a lei estabelecia que a testemunha é interrogada “sobre os factos
articulados ou impugnados pela parte que a ofereceu” (art. 638º), e não, como
anteriormente, sobre os factos constantes do questionário. Em harmo-
nia com isso, também a regulamentação do julgamento de facto era dife-
rente. A um regime que mandava o tribunal declarar os factos, de entre
os quesitados, que julgava provados e não provados, sucedeu o regime
que prescrevia a prolação de uma decisão que “declarará quais os factos que
o tribunal julga provados e quais o que julga não provados” (art. 653º 2)704.
Nesta sede, o regime processual civil derivado da Reforma de 1995/96,
por via da superação dos tradicionais quesitos, por via da distinção entre
factos essenciais e factos instrumentais (art. 264º), bem assim por via do
reforço das exigências na fundamentação da decisão de facto, implicava
que o próprio julgamento de facto se orientasse por uma nova perspec-
tiva. Assim, “em vez de um rol atomístico e inorgânico de factos e circunstâncias
que o tribunal julgou provados, não provados ou provados apenas em parte, a des-
crição da matéria de facto deverá necessariamente ter em conta a funcionalidade
própria de cada facto – a função essencial ou meramente probatória ou instrumen-
tal por ele desempenhada – e a conexão existente entre os diversos segmentos ou par-
celas da matéria de facto relevante, carecendo ainda de revelar o modo de formação
da convicção do tribunal”705.
Quer dizer, o novo esquema da selecção da matéria de facto condu-
zia a que o julgamento de facto não tivesse de se apresentar como um

704
A propósito do julgamento da matéria de facto, é importante salientar a evolução ocor-
rida ao nível da respectiva fundamentação. A um regime que não exigia fundamentação (art.
653º do CPC de 1939) seguiu-se um regime que exigia a especificação dos fundamentos da
convicção só quanto aos factos julgados provados (art. 653º 3 do CPC de 1961), até termos,
finalmente, a exigência de fundamentação quanto a factos provados e não provados (art.
653º 3 do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96).
705
Lopes do Rego (Comentários…, p. 546).

308
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

conjunto desgarrado de respostas. Assim, a decisão de facto deveria


constituir uma descrição de uma determinada situação (de facto), tal
como esta foi dada a observar ao tribunal pela prova produzida nos autos.
Ao modo mais flexível de definir o objecto da prova corresponderia
uma maneira mais flexível de o tribunal dar conta do quadro fáctico que
emergiu dos autos. A apontada maleabilidade no julgamento da matéria
de facto não poderia significar falta de rigor e critério, pelo contrário.
Mau seria que o tribunal moldasse a descrição fáctica por si realizada, desa-
tendendo à prova, efectivamente, produzida. Continuava sendo indiscu-
tível que o tribunal só podia basear-se nos elementos constantes do pro-
cesso, estando-lhe, portanto, vedado descrever a realidade factual tal como
(apenas) supunha esta ter acontecido. Do que se tratava, isso sim, era de
assegurar que o julgamento de facto fosse integrado e articulado, criando
uma visão de conjunto dos factos apurados em juízo, mas sem qualquer
inovação ou suposição fáctica. Esse novo regime, se conferia maleabili-
dade ao julgamento de facto, exigia do tribunal uma acção muito mais
rigorosa, atenta e ponderada na apreciação da prova. Já não estaria em
jogo a mera resposta facto por facto, de modo descomprometido ou indife-
rente em relação ao quadro fáctico a que essas respostas pudessem con-
duzir, sendo que, muitas vezes, como a experiência mostrava, esse quadro
acabava por ser lacunoso, confuso, truncado, inerte, enfim, incapaz de ex-
pressar a dinâmica que animava a realidade a que os autos se reportavam.
Com esse novo regime, o tribunal tinha a possibilidade de expor a sua
versão integral acerca do quadro fáctico litigioso apurado, de acordo com
a convicção que tivesse formado. Daqui resultava que a decisão sobre a
matéria de facto, não deixando de cumprir a função que lhe era própria,
poderia e deveria apresentar o recorte que cada processo concreto justi-
ficasse706. Acrescia que a circunstância de essa decisão poder conter a dita
versão integral do quadro fáctico litigioso teria uma enorme vantagem.
É que a simples leitura (ainda em privado) dessa decisão logo permitiria
ao juiz a quem coube a apreciação da prova verificar se o quadro fáctico
aí explanado era coerente e sustentado, se era verosímil, se era compatí-
vel com o que teria acontecido na realidade da vida. Quando assim não
fosse, isto é, quando esse quadro fáctico suscitasse dúvidas, tivesse falhas
ou incongruências, poderia ser sinal de que algo faltava esclarecer ou de

706
Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, ps. 225 e ss.).

309
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

que algo teria escapado ao tribunal. Nessa situação, o aconselhável seria


voltar à sala da audiência, ordenando o que fosse adequado à descoberta
da verdade, dentro dos limites legais, conforme previa a segunda parte do
nº 1 do art. 653º do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96.
Em conformidade com este novo regime, já ao nível da decisão final,
persistindo embora a previsão do art. 664º do CPC de 1961 após a Re-
forma de 1995/96, a lei era clara ao não restringir os poderes cognitivos
do tribunal em matéria de facto àquilo que tivesse sido originariamente
alegado, já que era feita a ressalva do disposto no respectivo art. 264º, o
que tinha conexão com a possibilidade de ampliação da base instrutória
de que falava a alínea f ) do nº 2 do art. 650º do mesmo diploma.

Decorrida cerca de uma década e meia sobre o início dos efeitos da


Reforma de 1995/96, apesar das significativas alterações introduzidas no
código, o quotidiano forense pouco ou nada mudou. A selecção da maté-
ria de facto continuou a ser realizada como sempre707, continuou a haver
quesitos, o âmbito e os limites da produção de prova foram os de sem-
pre708, o uso dos poderes cognitivos pelo tribunal raramente se espraiou
pelos nºs 2 e 3 do art. 264º do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, e
o julgamento da matéria de facto continuou sendo uma réplica da velha
resposta aos quesitos.

c) O regime consagrado no nº 1 do art. 596º: identificação do objecto do


litígio e enunciação dos temas da prova
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 596º, para que remete a alínea f )
do nº 1 do art. 591º, devendo a acção prosseguir, será proferido, após de-
bate, despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas
da prova.

707
Dando também nota disso, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol.
I, p. 506).
708
Sintomática da persistência de uma certa praxis é a circunstância de nunca terem feito
escola determinadas sugestões doutrinárias, tal como a de, em sede de prova testemunhal, o
limite do número de depoimentos (art. 633º) não ser necessariamente definido pelos pon-
tos de facto constantes da base instrutória mas por factos naturalisticamente considerados.
A este propósito, cfr. Lopes do Rego (Comentários…, p. 525), Teixeira de Sousa (Estudos
sobre o novo…, ps. 81-82) e Paulo Pimenta (A fase do saneamento…, p. 322).

310
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

O objecto do litígio é definido em face dos pedidos deduzidos (das pre-


tensões formuladas) e corresponde ao thema decidendum709. Visto que esta
operação de identificação apenas ocorre nas acções que devam pros-
seguir, é evidente que só há a considerar as pretensões (pedidos) que
permaneçam em controvérsia710. A identificação do objecto do litígio na
fase intermédia do processo, corresponde a antecipar para este momento
processual aquilo que, até agora e nos diplomas anteriores, só surgia na
sentença, sendo salutar e proveitoso, quer para as partes, quer para o juiz,
esta sinalização depois de finda a etapa dos articulados. Este acto terá a
virtualidade de, em devido tempo, focar os intervenientes processuais no
enquadramento jurídico da lide711.

Relativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais da que-


sitação atomística e sincopada de pontos de facto que, como vimos, carac-
terizou o nosso processo civil durante mais de sete décadas. O que agora
está em jogo é permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela
causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decorra sem barreiras artifi-
ciais e sem quaisquer constrangimentos, com isso se assegurando a li-
vre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a
decisão da causa712. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente

709
Também Lebre de Freitas (A ação declarativa …, p. 198) define o objecto do litígio pelos
pedidos formulados. Acerca da pretensão como objecto do processo, Lebre de Freitas (In-
trodução …, ps. 55-61). Para mais desenvolvimentos, reflectindo, além do mais, sobre o thema
decidendum, Castro Mendes (Do conceito…, ps. 125 e ss.). Com visão diferente, que parece
não assegurar a destrinça entre o “objecto do litígio” e as “questões que ao tribunal cumpre solu-
cionar” na sentença (art. 607º 2), Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…,
Vol. I, p. 504) reconduzem o objecto do litígio ao pedido e à causa de pedir.
710
Os pedidos objecto de apreciação no despacho saneador, nos termos do art. 595º 1.b) não
integrarão já o objecto do litígio. É nesta linha que Lebre de Freitas (A ação declarativa …,
p. 198), afirma que a identificação do objecto do litígio consiste na enunciação dos pedidos
deduzidos “sobre os quais haja controvérsia”.
711
Em face do código revogado, só na sentença (art. 659º 1), isto é, depois de cumprida toda
a tramitação em 1ª instância, havia a identificação do objecto do litígio. Esta identificação
surgia, assim, tardiamente e, além disso, de modo unilateral, pois cabia ao juiz tal tarefa.
712
Por isso é que o art. 410º, sobre o objecto da instrução, diz que esta tem por objecto “os
temas da prova enunciados”. Como é evidente, a prova recai sobre factos e não sobre temas.
O que o art. 410º pretende significar é que, na produção de prova, os factos a considerar
serão todos os que tenham atinência com os temas enunciados. Acerca do alcance deste pre-
ceito, é interessante o confronto com o teor do art. 517º do CPC de 1939 e com o teor do art.

311
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais
fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produ-
zida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sen-
tença à realidade extraprocessual.

Estamos aqui perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem ne-
cessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação
de factos, seja na eliminação de um nexo directo entre os depoimentos
testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos713, seja ainda na
inexistência de uma decisão judicial que, tratando a matéria de facto dos
autos, se limite a “responder” a questões que não é suposto serem sequer
formuladas.
Relativamente aos critérios que deverão nortear a enunciação dos te-
mas da prova, cumpre dizer que o método a empregar é fluído, não sendo
susceptível de se submeter a “regras” tão precisas e formais quanto as
relativas ao questionário e à base instrutória714.
Como se viu, no regime precedente, a definição da matéria controver-
tida, posto que trabalhosa e minuciosa, era feita por um método formal
e burocrático, que consistia no cotejo do teor dos articulados com vista
a determinar as zonas de controvérsia, procedendo-se então, em bloco e
acriticamente, à sua transposição para o questionário, primeiro, e para
base instrutória, depois. Além disso, havia a particular necessidade de
distinguir meticulosamente matéria de facto de matéria de direito, pois
o questionário tinha como destinatário o tribunal colectivo, incumbido
apenas de apreciar questões de facto (daí o disposto no tradicional art.
646º 4 do código revogado).
No regime instituído pelo CPC de 2013, o juiz do processo é o mesmo
do início ao fim, sendo ele a intervir na enunciação dos temas da prova,
sendo ele a presidir à audiência final (sempre em tribunal singular) e sen-

513º do CPC de 1961 (sendo que a redacção deste último não era a mesma antes e depois da
Reforma de 1995/96).
713
Por isso é que o nº 1 do art. 516º, acerca do regime do depoimento testemunhal, refere
que a testemunha “depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova”. E por isso é que o novo
código não tem qualquer disposição correspondente ao art. 633º do código revogado.
714
Segundo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 508), “Conhe-
cendo os propósitos do legislador, rapidamente se conclui que não devemos perder muito tempo com a dis-
cussão dogmática em torno do conteúdo dos “temas da prova”.(…) Apenas importa saber se a ferramenta
especificamente construída é adequada ou não ao julgamento da concreta causa na qual foi elaborada”.

312
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

do ele a proferir a sentença, decidindo de facto e de direito. Por via disso,


sendo o julgador o mesmo, perderão sentido muitos dos preciosismos em
que se enredavam os processos, para saber se isto ou aquilo podia ou não
ser quesitado, o mesmo é dizer que, para este efeito, se esbate a distinção
entre matéria de facto e matéria de direito715.
Agora, a enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente
pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas.
Nessa conformidade, os temas da prova serão aqueles que os exactos ter-
mos da lide justifiquem. Numa primeira aproximação, pode dizer-se que
haverá tantos temas da prova quantos os elementos integradores do tipo
ou dos tipos legais accionados pelas alegações das partes, o que implica
que o juiz e os mandatários das partes atentem nisso. Para essa pondera-
ção contribuirá também a circunstância de, nos termos do CPC de 2013, a
enunciação dos temas da prova ocorrer em seguida à identificação do ob-
jecto do litígio, já que esta identificação logo demandará uma adequada
consciencialização daquilo que estará realmente em jogo em cada acção.
Numa outra perspectiva, é também possível antecipar que os temas da
prova sejam enunciados em distintos graus de abstracção ou concreti-
zação, tendo em conta diversas circunstâncias, desde o modo como as
partes articularam os fundamentos da acção e da defesa até ao tipo de
prova (v. g., perícia) a utilizar para determinados segmentos da matéria
de facto716.
Por exemplo, numa acção de efectivação de responsabilidade civil
extracontratual, cujo tipo legal integra os elementos facto, dano, ilicitude,
culpa e nexo de causalidade, os temas da prova a enunciar haverão de asse-
gurar tópicos sobre cada um desses elementos. Assim, tratando-se de um
acidente de viação, poderá ser tema da prova a velocidade a que circulava
uma viatura, a sinalização existente no local, o limite legal de velocidade

715
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 198), admitindo mesmo a possi-
bilidade de a enunciação dos temas da prova usar qualificações jurídicas (algo que era im-
pensável no domínio do questionário e da base instrutória). Também Ramos de Faria/Ana
Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 510) não excluem que os temas da prova sejam
identificados “por referência a conceitos de direito ou conclusivos”. Pela nossa parte, nada há a opor
a tal técnica, tomada que seja como mais uma manifestação da necessária flexibilidade que
deve caracterizar a instrução, dentro dos naturais limites a observar: a causa de pedir e as
excepções deduzidas.
716
Reflectindo neste sentido, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol.
I, p. 509).

313
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

no local, os estragos sofridos pela viatura sinistrada, as lesões corporais da


vítima ou a perda de ganho desta, etc.
Tratando-se de acção destinada à resolução de contrato de arrenda-
mento com fundamento em uso do locado para fim diverso daquele a que
se destina, será tema da prova o uso que o locatário dá ao locado.
E se o fundamento da resolução for o não uso do locado por mais de
um ano, serão temas da prova a falta de uso do locado e a duração dessa
falta de uso.
Numa acção de impugnação pauliana, serão temas da prova a situação
patrimonial do alienante após a alienação, a natureza (pessoal ou não) do
acto, a data da constituição do crédito, a data do negócio impugnado, as
consequências da alienação quanto à possibilidade de o crédito vir a ser
satisfeito e ainda, sendo o negócio oneroso, a consciência do alienante e
do adquirente quanto ao prejuízo que o acto causou ao credor.
Numa acção de preferência instaurada a propósito da alienação de um
prédio confinante, será tema da prova a área do prédio do autor (pre-
ferente), a área de cultura na zona e a natureza dos prédios, visto que
o reconhecimento do direito de preferir depende da área do prédio no
confronto com a área de cultura e esta varia em função da classificação
do terreno como de sequeiro, de regadio arvense ou de regadio hortícola.
Perante a excepção de caducidade do direito de preferência, será tema
da prova o momento em que o preferente teve conhecimento dos ele-
mentos do negócio relativos, por exemplo, à data programada para a res-
pectiva formalização, ao preço e às condições de pagamento.
Se for excepcionada a prescrição do direito à indemnização, consti-
tuirá tema da prova a data em que o lesado teve conhecimento do direito
ao ressarcimento.
E se for excepcionado o pagamento da quantia peticionada a título de
preço numa compra e venda, poderá ser tema da prova a liquidação do
valor titulado pela respectiva factura.

Colocadas as coisas nestes termos, logo se intui que, neste novo re-
gime, a produção de prova decorrerá de modo muito mais fluído e flexí-
vel, sendo bom para o processo tudo aquilo que contribua para o tribunal
formar a sua convicção acerca da verificação (ou não) dos elementos inte-
gradores dos tipos legais em causa. Ponto fundamental é que não haja

314
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

obstáculos a que, na instrução, seja abordado tudo quanto tenha atinên-


cia com o que se discute nos autos717.
Recordando o pretérito regime do questionário e da base instrutória,
a formulação de quesitos equivalia as mais das vezes a impedir a consi-
deração de quaisquer pontos que não tivessem correspondência atomís-
tica ou naturalística com as questões previamente formuladas, o mesmo
é dizer que a selecção de facto assim operada, mais do que apenas cir-
cunscrever a instrução, tinha por efeito “delimitar preclusivamente o objeto
da decisão de facto” 718, aí radicando, aliás, a perversão desse sistema.
Em contrapartida, a flexibilidade ínsita no conceito de temas da prova
garante, só por si, que a respectiva enunciação seja ora mais vaga ou di-
fusa, ora mais concreta ou precisa, tudo dependendo daquilo que seja,
realmente, adequado às necessidades de uma instrução apta a propiciar a
justa composição do litígio719. Por exemplo, é de antecipar que, numa acção
que tenha por objecto vícios de construção numa empreitada, os temas
da prova sejam enunciados com um grau de minúcia maior do que nos
casos acima referidos. Assim, antevendo-se desaconselhável que o tema
da prova que se reporte só aos “defeitos” que a obra apresenta, fará sen-
tido segmentar tais defeitos (v. g., infiltrações, rachadelas, soalho, pintura,
portas, janelas, sistema eléctrico, sistema de exaustão). Tudo dependerá,
afinal, daquilo que ao próprio processo convier para que, insiste-se, a ins-
trução conduza à descoberta da verdade, isto é, ao apuramento da reali-
dade da concreta obra a que os autos se reportam. Como tal, estando em
causa vícios de construção em certa empreitada, perfeitamente definida
nos autos, o novo regime é absolutamente incompatível com o enten-
dimento de que um certo e concreto defeito fica excluído da decisão só
porque não foi expressa e precisamente referido nos articulados.
Importa referir que a maleabilidade ou plasticidade que a enunciação
dos temas da prova confere à instrução não dispensa o juiz de, no momento
em que proceder ao julgamento da matéria de facto – o que ocorrerá na
sentença –, indicar com precisão os factos provados (e os factos não pro-
vados).

717
Ainda no decurso dos trabalhos de revisão do código, antecipando esta ideia, Paulo
Pimenta (Tópicos para a reforma…, ps. 127-131, e Saneamento e audiência preliminar, ps. 30-33).
718
Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 509).
719
Esta fórmula – justa composição do litígio – encontra-se em inúmeros preceitos (v. g., art.
6º 1, art. 7º 1 e art. 411º) e deve constituir sempre o ponto de referência para a actuação do
juiz e das partes.

315
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Nessa conformidade, a título meramente exemplificativo, o julgamento


da matéria de facto implicará uma decisão concreta e precisa sobre a
velocidade a que circulava certa viatura (v. g., 70, 90 ou 140 km/hora),
sobre a sinalização existente no local do acidente (v. g., traço contínuo, si-
nal de stop, sinal luminoso vermelho para certa viatura), sobre o limite de
velocidade no local (v. g., 50, 90 ou 120 km/h), sobre os estragos sofridos
pela viatura sinistrada (v. g., amolgadela em toda a parte lateral direita,
vidro dianteiro partido), sobre lesões corporais da vítima (v. g., fractura
da perna esquerda, traumatismo craniano), sobre a perda de ganho (v. g.,
deixou de auferir vencimento durante três meses, à razão de 1.000 euros
líquidos por mês). Noutro caso, o julgamento de facto implicará a decla-
ração de que o inquilino usa o locado como estabelecimento de café.
Numa outra hipótese, o julgamento de facto pode implicar a afirmação
de que o inquilino habitacional tem o locado fechado, abandonado e sem
qualquer utilização há mais de 18 meses.
Na mesma linha, por referência a excepções deduzidas, o julgamento
de facto pode passar pela declaração de que o preferente recebeu em
certa data comunicação escrita da qual constavam informações acerca da
ocasião prevista para a formalização do negócio, do preço e das condi-
ções de pagamento. Ou pode passar pela declaração de que, no âmbito
da compra e venda ajuizada, o réu entregou ao autor quantia em dinheiro
correspondente ao indicado na factura.
O que interessa mesmo é que a decisão de direito a proferir tenha por
base a realidade tal como esta se revelou nos autos por via da instrução.
Esta realidade é constituída por factos concretos. São esses os factos a
expressar no julgamento de facto. Tais factos serão objecto de valoração
jurídica, o que é feito de seguida, pelo mesmo juiz e na mesma peça pro-
cessual (a sentença).

Este novo regime, no confronto com o precedente, tem ainda outra


enorme vantagem. No esquema que caracterizava o questionário e a base
instrutória, em que eram seleccionadas as afirmações de facto vertidas
pelas partes nos articulados, em que se esperava do tribunal uma resposta
sobre a prova (ou não prova) de cada um desses pontos de facto e em que
tudo era muito rígido e formal, assumia especial relevo o modo de for-
mulação do quesito. Tendo presente que cada parte estava onerada com
a prova dos factos que sustentavam a respectiva pretensão (art. 342º do

316
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

CC), a prática tida por correcta ia no sentido de que “Na formulação do que-
sito (relativo a facto afirmado por uma das partes e negado pela outra), o juiz deve
escolher sempre a versão adequada à repartição do respectivo ónus probandi”720.
Não poucas vezes, era decretada a anulação da decisão de 1ª instância,
com a inerente repetição do julgamento (ao menos em parte), a pretexto
de que o quesito se mostrava indevidamente formulado721. Com o novo
sistema, a enunciação dos temas da prova não implica qualquer compro-
misso quanto às regras da distribuição do ónus da prova722. Quer dizer,
nesse momento do processo apenas se trata de balizar a instrução. Só mais
adiante, já na sentença, e já depois de ter declarado os factos provados e
os factos não provados, é que o juiz irá tirar consequências sobre a falta
de prova deste ou daquele facto e, em função da natureza do mesmo,
declarar a improcedência da acção (tratando-se de facto constitutivo do
direito) ou a improcedência da excepção (se o facto for impeditivo, por
exemplo). E se, porventura, o tribunal de recurso qualificar de modo di-
verso o facto quanto à sua natureza, isso não constituirá problema porque
o quadro factual é o que já se encontra definido, havendo apenas que fixar
os efeitos desse quadro à luz do (novo) enquadramento jurídico adop-
tado723.

Importa salientar, e mais uma vez por confronto com o regime ante-
rior, que o novo esquema processual desloca para sentença a definição,
a um só tempo, do quadro factual da causa, isto é, dos factos apurados
nos autos, por referência aos quais será determinada a solução jurídica
do pleito.
Nessa medida, o CPC de 2013 não prevê que, na fase intermédia do
processo, seja feita qualquer fixação dos factos que se mostrem já pro-
vados nesse momento processual, isto é, não prevê a elaboração de uma
peça similar, seja em função, seja em conteúdo, à antiga “especificação” ou
à antiga “matéria de facto assente”.

720
Era esta a advertência de Varela/Bezerra/Nora (Manual… p. 413, nota).
721
Por exemplo, tido um facto como constitutivo do direito, o quesito era formulado em fun-
ção disso; no entanto, se a Relação entendesse que o facto tinha natureza impeditiva, a for-
mulação do quesito teria de ser outra.
722
Neste sentido, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 509).
723
Reflectindo neste sentido, Lebre de Freitas (Do conteúdo…, ps. 71-73.). Cfr. também Le-
bre de Freitas (A ação declarativa…, p. 198).

317
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Apesar disso, é evidente que a enunciação dos temas da prova só deve


contemplar a hipótese de a instrução recair sobre matéria de facto que
ainda não possa ter-se como demonstrada na fase intermédia do pro-
cesso724. Assim sendo, salvo em casos de imprecisão em tal operação,
aquilo que não for coberto pelos temas da prova enunciados estará ex-
cluído da instrução. Daí a importância do debate que deve anteceder a
enunciação dos temas da prova, nos termos da alínea f ) do nº 1 do art.
591º. Tal debate permitirá aos advogados e ao juiz ganharem consciência
precisa do que deve ser ou não objecto da instrução725.

Por fim, registe-se que, ainda nos termos da alínea f ) do nº 1 do art.


591º, a audiência prévia serve também para decidir as reclamações que as
partes apresentarem contra o despacho previsto no nº 1 do art. 596º, isto
é, o despacho que identifica o objecto do litígio e que enuncia os temas
da prova. De resto, a possibilidade de tal reclamação consta do nº 2 do
próprio art. 596º.
Se bem que a lei não o diga expressamente, deve entender-se que, tal
como no regime precedente, a reclamação pode ter por fundamento a
deficiência, o excesso ou a obscuridade do despacho726.

724
Nessa fase do processo, os factos essenciais a ter como demonstrados, e assim excluídos
da produção de prova, serão os seguintes: i) os admitidos por acordo, em virtude de falta de
impugnação; ii) os confessados; iii) os provados por documentos.
725
O que se disse não obstará a que, num caso ou noutro, sejam vertidos numa peça pró-
pria os factos essenciais (e só estes) já tidos por provados. A acontecer, tal listagem de factos
deverá ser justificada pela sua utilidade em cada concreto processo, à luz de um critério de
adequação formal (art. 547º), não se vendo que possa ter lugar em todos os processos, de
modo tabelar e acrítico. Primeiro, porque não está prevista na lei (e não está de caso pen-
sado). Segundo, porque a sua função será meramente utilitária, destituída, pois, de qualquer
significado processualmente vinculativo. Com idêntica posição, Ramos de Faria/Ana Luísa
Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 511). Embora sem pormenorizar, Lebre de Freitas
(A ação declarativa…, p. 198, nota de rodapé nº 52) admite a enunciação de factos assentes.
Também Abrantes Geraldes (Sentença…, p. 17) alude à possibilidade de serem assinala-
dos os factos que dispensam a produção de prova, mas situando tal operação no início da
audiência final ou já no seu decurso. Quanto a este ponto, embora tudo dependa das especi-
ficidades de cada processo, será de evitar que os trabalhos da audiência final se enredem em
questões que têm óbvia natureza prévia e meramente utilitária.
726
Nas palavras de Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 175, nota de rodapé nº 18), a
deficiência consiste “na omissão de pontos relevantes para a decisão da causa”, o excesso consiste
“na inclusão de pontos irrelevantes, fora do objeto do processo ou não introduzidos pelas partes, devendo

318
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Nos termos do nº 3 do art. 596º, a decisão que aprecie as reclamações


admitidas pelo nº 2 do mesmo preceito apenas é impugnável no recurso
que vier a ser interposto da decisão final.

2.5. Casos em que a audiência prévia não se realiza


Se o propósito legislativo é, como vimos, o de que, em curso normal, as
acções declarativas tenham audiência prévia e audiência final, desempe-
nhando aquela, além do mais, uma função preparatória desta, casos há
em que se opta por não impor a realização da audiência prévia, tal como
resulta do art. 592º, o que acontece em duas situações.
Na primeira situação, regulada na alínea a) do nº 1 do art. 592º, a au-
diência prévia não se realiza nas acções não contestadas que corram ter-
mos em regime de revelia inoperante, ou seja, em obediência ao disposto
nas alíneas b), c) e d) do art. 568º.
Estamos perante acções em que o réu não deduziu contestação mas,
devido à inoperância da revelia, sempre tem de ser produzida prova
quanto aos fundamentos da acção727, razão pela qual esta tem de prosse-
guir os seus termos. Todavia, a abstenção do réu justifica que a audiência
prévia não se realize. Quando assim suceder, o nº 2 do art. 592º determina
a observância do nº 2 do art. 593º, nos termos que serão referidos adiante.

A outra situação em que a audiência prévia não se realiza é quando,


nos termos fixados na alínea b) do nº 1 do art. 592º, o juiz entenda pro-
ferir despacho saneador a julgar procedente uma excepção dilatória e,
assim, absolver o réu da instância. Se o processo vai terminar no despa-
cho saneador com um juízo de absolvição da instância [arts. 278º 1 e 595º
1.a)], também não se realizará a audiência prévia728. No entanto, para tal

sê-lo” e a obscuridade consiste “em redação que suscite dúvidas quanto à identificação do objeto do
litígio ou ao enunciado dos temas da prova”.
727
Os fundamentos da acção ou parte deles: tenha-se presente que o âmbito da inoperância
da revelia decorrente da alínea d) do art. 568º se limita aos factos cuja prova dependa de
documento escrito.
728
A formulação da alínea b) do nº 1 do art. 592º (havendo o processo de findar no despacho sanea-
dor pela procedência de excepção dilatória), no confronto com o disposto no nº 1 do art. 593º (nas
acções que hajam de prosseguir), mostra com total clareza o propósito legislativo: as acções de-
clarativas não devem terminar com decisão de mérito no despacho saneador sem que o mes-
mo seja proferido no contexto da realização de uma audiência prévia. Consequentemente,
a prolação de despacho saneador que conhece do mérito da causa e põe termo ao processo,

319
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

acontecer, isto é, para que o juiz possa não convocar a audiência prévia,
logo absolvendo o réu da instância no despacho saneador, é exigido que a
excepção dilatória em causa “já tenha sido debatida nos articulados”.
Nessa conformidade, se estivermos perante uma excepção dilatória
não debatida nos articulados, por muito que a acção possa vir a findar
no despacho saneador com a absolvição do réu da instância, a audiência
prévia sempre tem de ser realizada, para os efeitos consignados na alínea
b) do nº 1 art. 591º, o que mais não é do que uma decorrência do princípio
do contraditório. Isto será assim, quer se trate de uma excepção dilatória
suscitada oficiosamente pelo juiz (art. 3º 3), quer se trate de uma excep-
ção dilatória deduzida pelo réu na contestação729 (art. 3º 4). Num caso e
noutro, não pode o juiz decidir a excepção sem ouvir ambas as partes, no
primeiro caso, ou sem ouvir o autor730, no segundo caso.
No que toca a excepções deduzidas pelo réu na contestação ou pelo
autor na réplica, face ao âmbito mais reduzido da réplica (art. 584º) e
face à supressão da tréplica, torna-se claro que, em muitos dos casos, o
normal decurso da acção na fase introdutória do processo não permitirá
que as excepções sejam “debatidas nos articulados”731, o que equivalerá a
que não possa tão facilmente deixar de realizar-se a audiência prévia ao
abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 592º.
Esta dificuldade732 é, no entanto, perfeitamente contornável se o juiz
assim o entender, quanto mais não seja, no momento do despacho pré-

sem a convocação de audiência prévia destinada a facultar às partes a discussão de facto e de


direito sobre a matéria a decidir naquele despacho, é motivo de nulidade processual, com
fundamento na omissão de acto (a audiência prévia) que a lei prescreve: art. 195º. Neste sen-
tido, cfr. os Acs. do TRL de 9.10.2014 (processo nº 2164/12.1TVLSB.L1-2) e de 13.11.2014
(processo nº 673/03.2TYLSB.L1-6), bem assim o Ac. do TRP de 24.9.2015 (processo
nº 128/14.0T8PVZ.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
729
Ou pelo autor, na réplica, tratando-se de acções de simples apreciação negativa ou de
reconvenção.
730
Ou o réu, se a excepção foi levantada na réplica.
731
Mais precisamente, nos casos em que o réu, impugnando ou não, se limitou à defesa por
excepção. Aí, face ao teor do art. 584º, o autor não dispõe de articulado no qual responda à
excepção. Diferente será a situação se, além da defesa por excepção, o réu formulou pedido
reconvencional ou se a acção for de simples apreciação negativa. Nesse cenário, dispondo
da réplica para os fins indicados no art. 584º, o autor estará em condições de responder às
excepções nesse articulado, tendo mesmo o ónus de o fazer, tal como foi oportunamente as-
sinalado.
732
Esclareça-se que esta dificuldade tem origem nos trabalhos parlamentares que antecede-
ram a publicação da lei que aprovou o CPC de 2013, a Lei nº 41/2013, de 26.6. Na verdade,

320
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

-saneador, isto é, quando o processo lhe for apresentado nos termos do


nº 2 do art. 590º. Constatando que foi arguida uma excepção dilatória733
no último articulado admissível ou apercebendo-se da existência de uma
excepção dilatória não suscitada, quando anteveja que uma e outra po-
derão proceder, basta ao juiz proferir um despacho a conceder à parte
(ou às partes) a oportunidade de pronúncia por escrito sobre a excepção
invocada (ou suscitada oficiosamente). Nessa conformidade, passará a es-
tar verificado o requisito da alínea b) do nº 1 do art. 592º, pois a excepção
já se mostra então “debatida nos articulados”734,735.

a proposta de lei apresentada no parlamento assegurava a perfeita aplicabilidade do art.


592º 1.b), pois previa que as excepções fossem sempre respondidas na réplica (e na tréplica,
quando fosse o caso). Os trabalhos parlamentares é que conduziram à redução do âmbito da
réplica (e à supressão da tréplica). A referida proposta de lei tem o nº 113/XII/2ª e está dis-
ponível em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.
aspx?BID=37372.
733
Note-se que isto se coloca apenas no caso de excepções dilatórias, tal como mostra o art.
592º 1.b).
734
O despacho assim proferido pelo juiz é um caso patente de adequação formal (art. 547º),
traduzido na circunstância de proporcionar à(s) parte(s) a apresentação de articulado para
tratar determinada questão. Pode suceder, todavia, que o juiz, em face do que resulte da
audição da(s) parte(s), venha a concluir que não se confirma a excepção dilatória. Nesse
caso, voltará a funcionar o regime regra, pelo que, cumprindo a lei, deverá o juiz convocar
audiência prévia, por referência ao art. 591º. Como é evidente, não poderia o juiz ficar vin-
culado a julgar procedente a excepção dilatória, quando, afinal, ouvidas as partes, entende
que a mesma não ocorre.
735
O art. 592º 1.b) é explícito quanto à hipótese aí prevista: i) o processo finda pela pro-
cedência de uma excepção dilatória; ii) o processo finda no despacho saneador. Quer isto
significar que a excepção dilatória aqui prevista deverá conduzir à absolvição da instância.
O preceito em causa não se dirige ao caso particular da excepção dilatória de incompetência
relativa do tribunal, cujo efeito não é o de findar o processo, mas apenas a translatio judicii
(art. 105º 3), ao que acresce que a decisão de procedência de tal excepção não deve ser pro-
ferida no despacho saneador mas em decisão avulsa (como se retira, a contrario, do nº 3 do
art. 104º), sendo ainda que tal excepção tem um regime próprio de exercício de contradi-
tório (art. 103º 2). Quer dizer, independentemente do regime consagrado no art. 592º 1.b),
a natureza da figura nunca contenderia com a realização de audiência prévia. E mesmo que
tal excepção dilatória fosse suscitada pelo juiz, afigura-se que lhe bastaria notificar ambas as
partes para se pronunciarem antes de decidir, sempre por escrito e fora da audiência prévia.
Como uma visão diferente, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I,
p. 491).

321
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

2.6. Casos de dispensa da audiência prévia pelo juiz e hipóteses de


audiência prévia potestativa
Apesar de a regra ser a realização da audiência prévia, para algum dos
fins indicados no art. 591º 1, devendo o juiz, em cada processo, determi-
nar quais os concretos fins a considerar, assim o anunciando no despacho
convocatório de tal audiência (art. 591º 2), o nº 1 do art. 593º confia ao
juiz a possibilidade de dispensar a audiência prévia quando esta se des-
tine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e), e f ) do nº 1 do art. 591º.
O modo como este art. 593º está construído revela que há dois tipos
de enquadramentos, ambos tendo como pano de fundo a ideia segundo a
qual, em curso normal, a audiência prévia deve ter lugar.
Tendo presente que a regra acerca da realização da audiência prévia
expressa o entendimento legislativo de que há objectivos que só serão
efectivamente alcançados por via desta audiência e das suas virtualida-
des, conseguimos descortinar que as finalidades previstas nas alíneas a),
b) e c) do nº 1 do art. 591º, a colocar-se a questão de serem materializadas,
só podem sê-lo mesmo por via da realização da audiência prévia.
Neste contexto, é particularmente significativa a previsão da citada alí-
nea b)736, pois está em jogo assegurar o exercício do contraditório, na acep-
ção de direito a produzir alegações antes de uma decisão judicial (art. 3º 3).
E o confronto da alínea b) do nº 1 do art. 591º com a alínea b) do nº 1 do
art. 592º revela o seguinte: i) sempre que o juiz projecte conhecer no
despacho saneador de uma excepção peremptória ou de algum pedido
(independentemente do possível sentido da decisão), deverá convocar
audiência prévia para os efeitos do art. 591º 1.b); ii) se o juiz projectar
conhecer apenas de uma excepção dilatória no despacho saneador, jul-
gando-a procedente e absolvendo o réu da instância, poderá dispensar a
audiência prévia para os efeitos do art. 591º 1.b), se tal excepção já tiver
sido debatida nos articulados, aplicando-se, então, o art. 592º 1.b); iii) se
o juiz projectar conhecer no despacho saneador apenas de uma excepção
dilatória não debatida nos articulados, deverá convocar audiência prévia
para os efeitos do art. 591º 1.b).

736
Isto porque a finalidade da alínea a) do nº 1 do art. 591º (tentativa de conciliação) pode
surgir “em qualquer estado do processo” (art. 594º 1), embora o momento imediatamente a
seguir à troca de articulados seja uma ocasião propícia para tentar a conciliação. Quanto à
finalidade da alínea c) do nº 1 do art. 591º, só mesmo uma ponderação casuística revelará a
necessidade de ser prosseguida.

322
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Relativamente às finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f ) do nº 1


do art. 591º, embora devam também ser cumpridas através da realização
da audiência prévia, o legislador outorga ao juiz a (primeira) ponderação
sobre a (des)necessidade de tal audiência se realizar. De resto, quanto à
prolação de despacho saneador, prevista no art. 591º 1.d), se a audiência
prévia se destinasse apenas a tal737, configuraria uma inutilidade convo-
car os mandatários das partes para se limitarem a assistir ao ditado para
a acta a que alude o nº 2 do art. 595º. Quanto às finalidades previstas nas
alíneas e) e f ) do nº 1 do art. 591º, importa notar que em ambas é des-
tacada a intervenção dos mandatários das partes a anteceder a decisão
do juiz738, sinal claro de que o legislador antecipa o relevo do contributo
dessa intervenção para a economia dos autos e para a qualidade da deci-
são. No entanto, confiando no prudente critério do juiz, o legislador con-
cede a este a opção de assumir a dispensa da audiência prévia quando
esteja em causa apenas realizar algum dos fins indicados nas três mencio-
nadas alíneas.
Se a opção do juiz for essa – opção legítima, mas que o legislador revela
não ser a mais desejada, visto que (ao menos num primeiro momento) não
se realiza a audiência prévia –, deverá então o juiz, nos 20 dias seguintes
ao termo dos articulados, proceder nos moldes indicados no nº 2 do art.
593º.
Nessa conformidade, deverá o juiz começar por proferir despacho
saneador [art. 593º 2.a)]. Depois, se for o caso739, deverá o juiz proferir
despacho determinando a adequação formal, a simplificação ou a agiliza-
ção processual [art. 593º 2.b)]. De seguida, e na certeza de que acção não
termina nesta fase740, deverá o juiz proferir o despacho previsto no art.

737
E não também à produção de alegações a anteceder o próprio despacho saneador.
738
Estas alíneas referem que a decisão do juiz ocorre “após debate”.
739
Como é evidente, só em face de cada concreto processo é possível a ponderação sobre a
necessidade de providenciar pela adequação formal ou pela simplificação ou agilização pro-
cessual.
740
Se terminasse nesta fase, uma de duas: ora havia absolvição do réu da instância no despa-
cho saneador, e este despacho era proferido na audiência prévia, após alegações [art. 591º
1.b) e d)], ou era proferido por escrito, não se tendo realizado a audiência prévia [art. 592º
1.b)]; ora havia decisão sobre o mérito da causa no despacho saneador, absolvendo-se ou
condenando-se o réu no pedido, e este despacho sempre seria proferido na audiência prévia
[art. 591º 1.b) e d)]. Em qualquer dos casos, sempre estaríamos fora do âmbito do art. 593º 2,
o que é confirmado pelo nº 1 deste art. 593º, que se refere às acções que “hajam de prosseguir”.

323
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

596º 1 [art. 593º 2.c)]. Finalmente, deverá o juiz proferir despacho desti-
nado a programar os actos a realizar na audiência final, estabelecendo o
número de sessões e a sua duração provável e designando as respectivas
datas [art. 593º 2.d)]741.
Como tudo isto acontece fora da audiência prévia, as partes têm de
ser notificadas dos despachos proferidos pelo juiz nos termos sobreditos
(poderão ser quatro despachos, mas serão sempre três, pelo menos)742.
Assim notificadas as partes, abre-se um momento de (segunda) pon-
deração sobre a (des)necessidade de a audiência prévia se realizar. É que,
segundo o nº 3 do art. 593º, as partes são admitidas a reclamar dos despa-
chos proferidos nos termos das alíneas b), c) e d) do número anterior743,
mas tal reclamação tem de ser apresentada na audiência prévia, cuja
realização as partes deverão requerer em 10 dias a contar da notificação
daqueles despachos.
Na perspectiva do legislador, a inércia das partes, não requerendo a
realização da audiência prévia, significa que se conformam com o deci-
dido pelo juiz quanto à dispensa da audiência prévia e quanto ao teor dos
mencionados despachos.
Já se for requerida pelas partes (e basta que seja uma a requerer) a
realização da audiência prévia, a segunda parte do nº 3 do art. 593º esta-
belece que o juiz deverá convocá-la para um dos 20 dias seguintes.

O regime consignado no nº 3 do art. 593º conduz a que venha a reali-


zar-se a audiência prévia que o juiz, num primeiro momento, decidiu dis-
pensar. Quer isto significar que, no novo código, as partes podem deter-
minar a realização daquela diligência: será uma audiência prévia potestativa.
Aliás, é essa a única via que as partes têm para reagir àquelas três espécies
de despachos que o juiz proferiu unilateralmente, isto é, sem beneficiar

741
É também exactamente assim que o juiz deve agir, isto é, cumprindo a estatuição do nº 2
do art. 593º, nos casos, já tratados, de acções não contestadas que devam prosseguir em re-
gime de revelia inoperante. Para esses casos, a alínea a) do nº 1 do art. 592º prevê a não reali-
zação da audiência prévia, mas o respectivo nº 2 mandar aplicar o nº 2 do art. 593º.
742
O único despacho que não é seguro que haja é o de adequação formal ou de simplificação
ou agilização processual, a que se refere a alínea b) do nº 2 do art. 593º, tudo dependendo
das necessidades do próprio processo em concreto.
743
Compreensivelmente, o art. 593º 3 não refere o despacho (que é o despacho saneador)
previsto na alínea a) do nº 2 do art. 593º. É que a impugnação do despacho saneador faz-se
por via de recurso, nos termos gerais (art. 644º 1).

324
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

do contributo que os mandatários das partes poderiam dar, contributo


que acabarão por dar, pois a audiência prévia terá, afinal, de realizar-se.
Quanto ao âmbito dessa audiência prévia potestativa, o nº 3 do art.
593º estabelece que a mesma se destina a apreciar as questões suscitadas
e, ainda, acessoriamente, a fazer uso do previsto na alínea c) do nº 1 do
art. 591º.
Daqui resulta que as reclamações propriamente ditas apenas são apre-
sentadas no decorrer dessa audiência prévia. Dito de outro modo: noti-
ficadas dos referidos despachos, e em caso de discordância com algum
deles, o que as partes têm a fazer é, no prazo de 10 dias, declarar nos autos
quais são os despachos (ou segmentos destes) sobre os quais pretendem
apresentar reclamação e, a esse título, requerer a realização da audiên-
cia prévia. Quando esta se realizar, sabendo-se antecipadamente quais
os despachos (ou seus segmentos) sobre que haverá reclamação, a parte
reclamante exporá os seus argumentos, haverá pronúncia da contraparte
e o juiz decidirá.
Deste modo, teremos aquilo que teríamos se a audiência não tivesse
sido dispensada, ou seja, teremos o debate a que aludem as alíneas e) e f )
do nº 1 do art. 591º.
O regime em apreço, reforçando a preocupação do legislador quanto
às virtualidades da audiência prévia, deposita no juiz e nas partes (e não ape-
nas naquele, nem apenas nestas) a responsabilidade última quanto à even-
tual dispensa da audiência prévia, o que é também um meio de assegurar
a já referida visão participada do processo744.

2.7. Alteração do requerimento probatório e aditamento ou altera-


ção ao rol de testemunhas
Já ficou dito que o CPC de 2013, quebrando a tradição do nosso pro-
cesso civil, impõe às partes o ónus de apresentarem os seus requerimen-
tos probatórios nos respectivos articulados, como resulta do art. 552º 2
e do art. 572º d)745. Esta opção legislativa, por certo mais exigente para

744
Esta solução, além de bem diferente, é mais virtuosa do que a contida no art. 508º-B do
CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, preceito que, mais a mais, era invocado com dema-
siada frequência e ligeireza para dispensar audiências preliminares que até deveriam ter
lugar.
745
Apesar de a tradição ser no sentido de a prova ser indicada num momento intermédio
da tramitação, já havia relevantes desvios, como era o caso do processo declarativo comum

325
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

quem litiga em juízo, tem a vantagem de permitir que haja mais cedo nos
autos uma noção sobre as implicações processuais das estratégias proba-
tórias das partes. Isso será particularmente útil para a audiência prévia,
quando aí se ponderar sobre a marcação da data da audiência final e se
fixar o número de sessões a realizar e a sua duração provável, bem assim
sobre quem deverá ser convocado para cada sessão.
Não obstante, do nº 1 do art. 598º resulta que as partes são admitidas
a alterar o requerimento probatório que tenham apresentado, podendo
fazê-lo na audiência prévia, seja a audiência desde logo marcada pelo
juiz, em cumprimento da regra do art. 591º, seja a audiência potestativa,
isto é, marcada mediante requerimento deduzido em face da dispensa da
audiência decretada pelo juiz (nº 3 do art. 593º). A alteração aqui prevista
não parece conhecer restrições, apenas se exigindo que a parte tenha
apresentado inicialmente requerimento probatório, condição para se fa-
lar em alteração746. Acresce que o requerimento probatório apresentado
neste contexto (de alteração) está sujeito ao regime a que se submete tal
requerimento quando apresentado nos articulados747. Em contrapartida,
esta alteração, a ocorrer, e embora não seja um acto típico da audiência
prévia, deve ter lugar aí mesmo, o que supõe que tal diligência se realize
no contexto definido no próprio nº 1 do art. 598º. Deste modo, se o juiz
dispensar a audiência prévia ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 593º,
não é legítimo a qualquer das partes requerer a realização de audiência

sumaríssimo (arts. 793º e 794º do CPC de 1961) e regime processual civil experimental
(art. 8º 5), regulado pelo DL nº 108/2006, de 8.6, em que a prova era logo indicada nos arti-
culados.
746
Na alteração prevista no nº 1 do art. 598º inclui-se, naturalmente, a hipótese de requerer
meios de prova não indicados inicialmente. E também constitui alteração de requerimento
probatório (permitida, pois) a circunstância de a parte vir agora arrolar testemunhas ou re-
querer perícia, quando (apenas) juntou à petição ou à contestação documentos para pro-
va dos fundamentos da acção ou da defesa (art. 423º 1). Em sentido semelhante, Ramos de
Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 519).
747
Por exemplo, quanto às testemunhas arroladas nos articulados, vigora a regra segundo
a qual as mesmas são a apresentar pelas partes, salvo quando estas requeiram a respectiva
notificação para comparência ou para inquirição por meio de equipamento tecnológico (art.
507º 2). É essa também a regra a aplicar se, no âmbito da alteração do requerimento proba-
tório admitida pelo nº 1 do art. 598º, forem arroladas testemunhas.

326
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

prévia apenas com fundamento na intenção de alterar o requerimento


probatório748.

Os nºs 2 e 3 do art. 598º consagram um outro regime mais específico,


circunscrito já à prova testemunhal, que se traduz na possibilidade de o
rol de testemunhas ser aditado ou alterado.
Deve notar-se que o regime do nº 1 do art. 598º, já analisado, tem dife-
renças assinaláveis relativamente ao regime dos nºs 2 e 3 deste mesmo
preceito. Por um lado, uma coisa é alterar o requerimento probatório, ou-
tra coisa, bem mais limitada, é alterar ou aditar o rol de testemunhas, que
é apenas um dos segmentos do requerimento probatório. Por outro lado,
a alteração prevista no art. 598º 1 tem um momento processual definido
para ocorrer (na audiência prévia), enquanto o aditamento ou alteração
ao rol de testemunhas tem um limite até qual pode acontecer (até 20
dias antes da data em que se realize a audiência final)749,750. Finalmente,
quanto às testemunhas indicadas ao abrigo da alteração prevista no art.
598º 1, aplica-se o regime fixado no nº 2 do art. 507º, isto é, a parte pode
requerer a respectiva notificação para comparecência ou inquirição por
meio de equipamento tecnológico, sob pena de ter de as apresentar, ao
passo que as testemunhas indicadas em consequência do aditamento ou

748
Por outro lado, afigura-se que, fora da audiência prévia, não fará sentido admitir a altera-
ção do requerimento probatório, não só porque a lei não o prevê, mas também porque daí
resultaria potencialmente prejudicado tudo quanto tivesse sido definido para a tramitação
subsequente do processo, em especial quanto à programação da audiência final, nos termos
da alínea g) do nº 1 do art. 591º ou nos termos da alínea d) do nº 2 do art. 593º. Por isso, não
parece adequada a ideia, aventada por Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras
notas…, Vol. I, p. 520), de a notificação dos despachos proferidos ao abrigo do nº 2 do art.
593º incluir a interpelação das partes para, querendo, alterarem os seus requerimentos pro-
batórios, no caso de não pretenderem reclamar desses despachos nos termos previstos no
nº 3 do art. 593º. Nesse cenário, sairia frustrada toda a utilidade da concentração dos actos e
da programação do devir processual propiciadas por uma audiência prévia.
749
Quando tal suceder, a parte contrária é notificada para, querendo, usar de igual facul-
dade, em cinco dias (art. 598º 2 in fine).
750
A antecedência de 20 dias deve ter-se como reportada à data inicialmente designada para
a realização da audiência final (ou da primeira sessão desta), isto é, independentemente de
haver adiamento ou de haver mais do que uma sessão. Neste sentido, cfr. o Ac. do TRP de
12.5.2015 (processo nº 7724/10.2TBMTS-B.P1), disponível em www.dgsi.pt.

327
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

da alteração ao rol a que alude o nº 2 do art. 598º são sempre a apresentar


(art. 598º 3)751.

2.8. Especificidades da tramitação nas acções de valor não superior


a metade da alçada da Relação
A circunstância de, nos termos fixados no art. 548º, o processo comum
seguir forma única é susceptível de submeter a uma determinada tra-
mitação (mais elaborada ou complexa) processos que talvez não o jus-
tificassem. Num cenário destes, ganha particular acuidade o zelo do juiz
no exercício de poderes de agilização e de simplificação processual (art.
6º 1) e de adequação formal (art. 547º), tomando medidas para que a
tramitação a observar ou os actos a praticar correspondam às efectivas
necessidades ou exigências da questão litigiosa. Tais poderes são, como
dito, poderes-deveres, isto é, poderes que a lei confere ao juiz para
serem exercidos com vista à justa composição do litígio (art. 6º 1 in fine)
e com vista a assegurar um processo equitativo (art. 547º in fine) e have-
rão de ser exercidos em todas as acções, qualquer que seja o seu valor.
Sem prejuízo disso752, mas pensando concretamente nas acções co-
muns de valor não superior a metade da alçada da Relação, o legislador,
como que exemplificando o que pode ser a flexibilidade da tramitação,
consagrou a solução que se encontra no art. 597º, destinada a ser accio-
nada depois de cumprida a fase inicial do processo. Aliás, “é na fase inter-
média da ação que a boa gestão do processo mais pode contribuir para a satisfação
do propósito de resolver com rapidez e eficiência (logo, justiça) os litígios em tri-

751
É indiscutível que a figura prevista no nº 2 do art. 598º é também susceptível de pôr em
crise a programação da audiência final já firmada nos autos. De todo o modo, relativamente
à hipótese do nº 1 deste mesmo preceito, o risco será mais controlado, por duas ordens de
razões. Por um lado, estamos só a falar de testemunhas e não outros meios de prova cuja
realização e consideração agora teria efeitos bem mais gravosos para a referida programa-
ção, sendo exemplo mais marcante a prova pericial. Por outro lado, visto que as testemunhas
assim aditadas ou alteradas são sempre a apresentar pelas partes, não é crível, num plano
de normalidade, que estas estruturem toda a sua estratégia probatória em testemunhas cuja
presença em juízo podem acabar por não garantir, com todos os riscos inerentes.
752
E não esquecendo que, ao longo do código, encontramos disposições em que o legislador,
usando o critério do valor da acção, consagra soluções específicas, de que são exemplo o nº 5
do art. 468º, a parte final do nº 1 do art. 511º e a parte final do nº 5 do art. 604º.

328
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

bunal. É a fase na qual a plasticidade da forma mais se justifica, permitindo que se


adeqúe a tramitação ao caso concreto”753.
Neste tipo de acções, findos os articulados, e independentemente de
haver lugar à prolação de despacho pré-saneador (art. 590º 2), é colocada
à disposição do juiz uma panóplia de opções quanto à tramitação subse-
quente dos autos.
Assim, haverá por certo acções em que, apesar de o seu valor não exce-
der o referido limite, a questão decidenda aconselha e justifica a obser-
vância de uma tramitação similar à definida tabelarmente para o processo
comum754. Mas também haverá outras acções em que, concluída a apre-
sentação dos articulados, será possível avançar directamente para a au-
diência final [art. 597º g)].
Entre estes dois limites, poderemos encontrar as mais variadas situa-
ções, ou seja, casos em que será preciso assegurar o contraditório quanto
a excepções não debatidas nos articulados [art. 597º a)], casos em que
será útil convocar audiência prévia [art. 597º b)], casos em que se imporá
proferir despacho saneador [art. 597º c)], casos que justificarão outras
medidas de adequação formal, de simplificação ou de agilização proces-
sual [art. 597º d)], casos em que se mostrará conveniente proferir des-
pacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas
da prova [art. 597º e)] ou ainda casos em que será aconselhável proferir
despacho destinado a programar os actos a praticar na audiência final, a
estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as
respectivas datas [art. 597º f )]755,756.
753
Cfr. Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 513).
754
Nesses casos, a via adequada é a convocação de audiência prévia nos termos e para os efei-
tos do art. 591º, tudo se processando como se a norma do art. 597º não existisse.
755
Note-se que as hipóteses consignadas nas diversas alíneas do art. 597º não são alternati-
vas, isto é, não se excluem reciprocamente. É perfeitamente possível uma opção do juiz que con-
cilie ou conjugue duas ou mais alíneas. Por exemplo, pode ser proferido despacho sanea-
dor e designada logo data para a audiência final, como pode ser proferido o despacho do
nº 1 do art. 596º e o despacho previsto na alínea f ) deste art. 597º. Na verdade, tudo depende
daquilo que, à luz de um critério de boa gestão processual, os autos justifiquem ou exijam.
756
Importa atentar na diferença que vai da alínea f ) para a alínea g) do art. 597º. Uma coisa
é o juiz limitar-se a designar dia e hora para a audiência final, nos termos da alínea g). Esta
forma, digamos, genérica de marcação da audiência final significa que, na perspectiva do juiz
e por princípio, a audiência final e os actos a ela respeitantes (art. 604º) decorrerão apenas
numa sessão e na data designada (ou em duas sessões, de manhã e de tarde, na data desig-
nada). Esta forma de marcação da audiência final é reservada para os casos mais simples em

329
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

O regime do art. 597º confere ao juiz a hipótese de fazer uma opção


entre diversas possibilidades antecipadamente alinhadas pelo legislador,
o que significa que, nesse contexto, a decisão de gestão processual (por-
que é disso que se trata) tomada pelo juiz se inscreve no uso legal de um
poder discricionário, não sendo susceptível de impugnação em recurso
(art. 630º 1)757. Problema diferente é o de saber como podem as partes
reagir às decisões tomadas pelo juiz já como decorrência do rumo assim
dado ao processo à luz deste art. 597º.
Comecemos pela opção traduzida na não convocação da audiência
prévia, assinalando que, nas acções cujo valor não exceda metade da al-
çada da Relação, não é expectável (ao menos, em curso normal) a reali-
zação de audiência prévia, sendo confiada (apenas) ao juiz a ponderação
sobre a utilidade da sua convocação. Daqui resulta, por conseguinte,
que às partes não assiste a possibilidade de, potestativamente, obterem
a realização de tal audiência, não sendo aplicável o regime do nº 3 do
art. 593º758.
Sendo tomada a opção de proferir despacho saneador, a forma de
reacção contra tal despacho é o recurso, nos termos gerais (art. 644º 1).
Se o juiz optar pela prolação do despacho previsto no nº 1 do art. 597º,
as partes são admitidas a reclamar do mesmo, pois tal hipótese é acaute-
lada pelo nº 2 do próprio art. 596º. Tal reclamação haverá de ser feita por

que, assumidamente, não se mostre necessária maior precisão, seja quanto às (várias) ses-
sões da audiência final, seja quanto aos actos que aí terão lugar e respectiva duração, isto é,
para os casos em que não se afigure necessário programar a audiência. Em todos os demais
casos, e sempre à luz de um critério de boa gestão, deverá a audiência ser programada nos
moldes referidos na alínea f ). De resto, como se vê pelo teor da alínea a) do nº 2 do art.
602º, não é indiferente haver programação da audiência final.
757
Neste sentido, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 514).
758
Deve notar-se que, neste caso, isto é, no caso de o juiz optar por não convocar a audiência
prévia, as partes não dispõem da possibilidade prevista no nº 1 do art. 598º. Na verdade, a
alteração do requerimento probatório admitida neste preceito supõe a realização da audiên-
cia prévia. Significa isto que, nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação,
as partes deverão ser mais cautelosas quanto aos requerimentos probatórios que apresentam
nos articulados, já que não podem alterá-los (podendo sempre, mas isso é outra coisa, alte-
rar ou aditar o rol de testemunhas: art. 598º 2). Esta é uma consequência da simplificação
procedimental imposta pelo art. 597º, que não constitui novidade no nosso sistema. Já era
assim no processo comum sumaríssimo, no CPC de 1961, e continua a ser assim na acção
declarativa especial prevista nos arts. 1º a 5º do Anexo ao DL nº 269/98, de 1.9, pelo que não
pode falar-se em (injustificada) restrição das garantias das partes em sede probatória.

330
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

escrito, a apresentar no prazo geral de 10 dias (art. 149º), sendo, após


contraditório, igualmente decidida por escrito.
Relativamente à opção de proferir decisão de adequação formal, sim-
plificação ou agilização processual, a situação é algo diferente, visto tal
decisão ser antecedida da audição das partes, conforme prescreve a alí-
nea d) do art. 597º, de modo que a única forma de reacção é o eventual
recurso, nos termos limitados do nº 2 do art. 630º759.
No caso de o juiz optar por proferir despacho de programação da au-
diência final nos termos enunciados na alínea f ) do art. 597º, as partes
são admitidas a reclamar por escrito, no prazo geral de 10 dias, sendo a
reclamação decidida também por escrito.
Por fim, se o juiz optar pela hipótese prevista na alínea g) do art. 597º,
limitando-se a designar dia e hora para a audiência final, deverá ser ob-
servado o disposto no art. 151º, pelo que a data definida deverá resultar de
prévio acordo (obtido por escrito) com os mandatários, como estabelece
o respectivo nº 1, sendo que, caso tal não seja possível, os mandatários
sempre poderão fazer uso do mecanismo previsto no nº 2 do mesmo pre-
ceito760.

3. Fase final
Conforme foi já assinalado, a fase final do processo desdobra-se em dois
momentos: a audiência final e a sentença. Na audiência final, têm lugar

759
Neste ponto, fazendo o confronto com regime do art. 591º 1.e) e do art. 593º, verifica-se
o seguinte: no primeiro caso, a realização da audiência prévia assegura logo a audição das
partes antes da decisão, sendo a decisão apenas impugnável nos termos do art. 630º 2; no se-
gundo caso, o juiz decide sem ouvir as partes, mas qualquer delas pode reclamar, desde que
requeira a realização de audiência prévia para tal, sendo a decisão que decida a reclamação
impugnável nos termos do art. 630º 2. Já no caso do art. 597º d), como é assegurada a prévia
audição das partes (que deve processar-se por escrito), a reacção contra a decisão propria-
mente fica relegada para o regime do art. 630º 2. Numa leitura susceptível de gerar redun-
dância e que parece desatender ao segmento “após audição das partes”, Ramos de Faria/Ana
Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 514) sustentam que, nesta última situação, é
admitida reclamação, seguida de eventual recurso.
760
Também por aqui se verifica a diferença entre as alíneas f ) e g) do art. 597º, confirmando-
-se que a última deve ser usada em casos de maior simplicidade e em que, previsivelmente, a
audiência final não careça de programação, sendo, pois, de utilização residual. Acresce que,
no caso da alínea g), não se trata de reclamar nos moldes acima referidos, até porque a reac-
ção ao despacho implica uma prévia concertação dos mandatários, com vista à sugestão de
datas alternativas (e não de programação alternativa).

331
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

os actos de produção de prova761 e as alegações orais dos advogados das


partes (art. 604º). Finda a audiência, o processo é feito concluso ao juiz
para a prolação da sentença (art. 607º).

3.1. Audiência final


3.1.1. Regime: juiz singular; tendencial inadiabilidade; gravação
O regime da audiência final no CPC de 2013 apresenta importantes
alterações.
A primeira delas consiste na consagração expressa da regra do juiz
singular (art. 599º)762.

Outra alteração a merecer destaque respeita ao regime da tendencial


inadiabilidade da audiência final, estabelecendo o nº 1 do art. 603º que a
audiência só não se realizará em três situações.
O primeiro caso de adiamento é o de haver impedimento do tribunal.
Nesse quadro, o nº 2 do art. 603º impõe que fique consignado em acta
o fundamento do impedimento do tribunal, exigindo ainda, quando o
adiamento se deva à realização de outra diligência, a identificação do
processo a que respeita tal diligência. Esta previsão visa reforçar o grau
de rigor do juiz na marcação de diligências, evitando a sobreposição de
agendamentos.
O segundo caso de adiamento da audiência final é o da falta de algum
dos advogados763, mas aqui apenas se a data da audiência não tiver sido

761
Embora, por princípio, os actos de produção de prova tenham lugar na audiência final,
bem pode suceder que tais actos decorram antes e fora da audiência final, como acontece,
por exemplo, nos casos de produção antecipada de prova (art. 419º) e com a prova pericial
(arts. 467º e ss.). Por outro lado, o depoimento de parte pode ser prestado na audiência pré-
via (art. 456º 3). Também há casos em que o depoimento testemunhal não é prestado na
audiência final (art. 500º).
762
Já foi referido que, nos últimos anos, em especial desde 2000, o tribunal funcionava
habitualmente em juiz singular, raramente ou nunca intervindo o colectivo. Isso deveu-
-se muito à redacção que o DL nº 183/2000, de 10.8, deu ao nº 1 do art. 646º do código re-
vogado, ao fazer depender a intervenção do colectivo de requerimento de ambas partes.
Consequentemente, nestes últimos anos, todas as alusões legais ao colectivo reportavam-se
como que a uma ficção. Doravante, fica assente o regime de juiz singular.
763
Nos termos do nº 5 do art. 151º, os mandatários judiciais devem comunicar prontamente
ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença.

332
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

marcada mediante acordo prévio764. Este caso de adiamento revela a im-


portância do acordo de agendas, acordo que é largamente potenciado
pela realização da audiência prévia, nos termos da alínea g) do nº 1 do art.
591º. Quer dizer, havendo audiência prévia e marcando-se aí, por acordo
entre o juiz e os mandatários das partes, a data da audiência final, a even-
tual falta de um dos advogados à audiência final não impede a sua realiza-
ção765. Esta solução, que se mostra bastante exigente para os advogados,
impõe o maior rigor na marcação de diligências por parte do juiz, não só
para evitar sobreposições geradoras de impedimento do próprio tribunal
(daí o nº 2 do art. 603º), mas também no sentido de respeitar outras dili-
gências que os advogados já tenham agendadas em outros processos766.
O terceiro caso de adiamento da audiência final previsto no nº 1 do
art. 603º é a falta de algum dos advogados, ocorrendo justo impedimento.
A figura do justo impedimento encontra-se regulada no art. 140º, sendo
o seu teor revelador de que a norma está projectada para, em certas situa-
ções, ser autorizada a prática de um acto depois de esgotado a prazo pre-
visto para tal. Para o que agora nos ocupa (adiamento da audiência final),
aquele art. 140º deverá ser aplicado tendo em conta a especificidade do

764
Neste contexto, deve entender-se que a marcação é feita mediante acordo prévio quando
a data da audiência final tenha sido fixada como prescreve o nº 1 do art. 151º. Haverá igual-
mente acordo prévio para este efeito no caso de, nos termos indicados nos nºs 2 e 3 do art.
151º, o juiz alterar a data inicialmente fixada e a substituir pela(s) data(s) alternativa(s)
proposta(s) pelos mandatários. Já no caso de o juiz manter a data inicialmente fixada, é ób-
vio não pode falar-se em acordo prévio, com o consequente risco de adiamento da audiência
final em caso de falta de algum dos advogados (art. 603º 1). Neste sentido, cfr. Ramos de Fa-
ria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas …, Vol. I, p. 528) Cumpre ainda notar que, para os
efeitos do nº 2 do art. 151º, o impedimento a invocar pelo(s) mandatário(s) deverá ser outro
serviço judicial já marcado, havendo que indicar expressamente a diligência e o processo a
que respeita.
765
Como uma das finalidades da audiência prévia é a indicada na alínea g) do nº 1 do art.
591º, tendo a audiência sido convocada (também) para esse fim, a data (ou datas) da au-
diência final aí designada resultará de “acordo de agendas”, vinculando para os efeitos do
nº 1 do art. 603º os mandatários presentes, mas também os mandatários que hajam faltado
injustificadamente. Com posição idêntica, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primei-
ras notas …, Vol. I, p. 528). A este propósito, note-se que, nos termos do nº 3 do art. 591º, não
constitui motivo de adiamento da audiência prévia a falta do mandatário.
766
Como acabou de ser dito, as diligências que o mandatário tenha previamente agendadas
noutros processos merecem tutela e protecção, já que pode ser fundadamente oposta tal cir-
cunstância ao juiz que pretenda designar para a mesma data qualquer diligência: é esse o
sentido do nº 2 do art. 151º.

333
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

art. 603º, ou seja, constituirá justo impedimento o evento não imputável


ao mandatário que obste à sua comparência na audiência final767.
Neste contexto, podemos ter casos de impedimento de comparência
do advogado na audiência final, porém, com possibilidade de comunicar
atempadamente tal impedimento, sendo que o mandatário tem o dever
de comunicar prontamente ao tribunal qualquer circunstância impedi-
tiva da sua comparência (art. 151º 5). Mas também poderá haverá situa-
ções em que o impedimento é absoluto, seja para comparecer, seja para
comunicar em devido tempo a impossibilidade de comparecer. Em qual-
quer caso, cumpre notar que a lei exige a prova da matéria susceptível de
gerar justo impedimento (art. 140º 2).
Assim, importará considerar se a circunstância invocada como gera-
dora de justo impedimento teve lugar antes da data fixada para a reali-
zação da audiência final e se foi possível a sua comunicação aos autos
em devido tempo, caso em que, a ser assim reconhecido o justo impedi-
mento, deverá ser dada sem efeito a própria audiência. Por outro lado,
se não for possível comunicar tal circunstância em termos de permitir
que seja dada sem efeito a audiência, mas ainda a tempo de permitir a
sua avaliação até ao momento em que a audiência final deveria ter iní-
cio, caso seja reconhecido o justo impedimento, deverá ser adiada tal
audiência. Por fim, se a circunstância invocada como geradora de justo
impedimento não for conhecida dos autos no momento em que a au-
diência deveria ter início, a falta do advogado não impedirá a realização
da audiência, mas, se vier a ser invocado e reconhecido o justo impe-
dimento, daí resultará a repetição dos actos praticados na ausência (jus-
tificada, afinal) do advogado.

Como se vê, do nº 1 do art. 603º resulta a tendencial inadiabilidade da


audiência final. A este propósito, importa destacar duas outras previsões,
cada uma delas marcada pelo objectivo de evitar que, de modo indirecto,
se frustrasse o intuito legislativo de evitar o adiamento da audiência final.
O primeiro caso respeita à figura da suspensão da instância por acordo
das partes, estabelecendo o nº 4 do art. 272º que de tal suspensão (admi-

767
Constituem casos de justo impedimento, para os efeitos do nº 1 do art. 603º, os de mater-
nidade, de paternidade e de falecimento de familiar, nos termos regulados nos arts. 2º e 3º
do DL nº 131/2009, de 1.6.

334
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

tida por períodos que, na totalidade, não excedam três meses) não pode
resultar o adiamento da audiência final768.
O segundo caso contende com a prova documental, fixando o nº 2 do
art. 423º o limite de 20 dias antes da data em que se realize a audiência
final para a apresentação de documentos que não hajam acompanhado o
articulado respectivo, limite este que permite em tempo útil (isto é, ainda
antes do início da audiência final) o exercício do contraditório quanto aos
documentos assim juntos.

Importa ainda aludir ao regime da gravação da audiência final, nos ter-


mos ora regulados no art. 155º.
Até ao aparecimento do CPC de 2013, a lei admitia a hipótese de ser
requerida a gravação da prova nas acções cuja decisão fosse susceptível de
recurso ordinário, o que significava haver uma conexão entre a gravação
da prova e a possibilidade de impugnação da decisão proferida em 1ª ins-
tância sobre a matéria de facto769.
Agora, nos termos consignados nos nºs 1 a 6 do art. 155º, a gravação
tem um outro significado e uma maior amplitude. Desde logo, em vez de
se falar em gravação da prova, fala-se em gravação da própria audiência
final, isto é, de toda a audiência final770. Depois, a gravação ocorre por
imposição legal e em todos os casos, quer dizer, sem necessidade de reque-
rimento e independentemente da questão do recurso.
Quanto ao procedimento da gravação, o nº 1 do art. 155º estabelece
que o funcionário judicial deverá assinalar na acta o início e o termo de
cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento, respectiva
resposta e decisão, bem assim o início e o termo das alegações orais.
De acordo com o disposto no nº 2 do art. 155º, sem prejuízo de outros
meios disponíveis, a gravação será efectuada em sistema sonoro, devendo
tal gravação ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias, a contar do
768
Nessa linha, o nº 4 do art. 275º determina que a suspensão da instância acordada pelas
partes “não prejudica os atos de instrução e as demais diligências preparatórios da audiência final”.
769
Era isto que decorria, genericamente, do disposto nos arts. 522º-B, 522º-C, 685º-B e
712º do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, sendo certo que o primeiro dos preceitos
referidos previa também a hipótese de a gravação acontecer “quando o tribunal oficiosamente
determinar a gravação e nos casos especialmente previstos na lei”. A matéria da gravação era ainda
tratada pelo DL nº 39/95, de 15.2.
770
Note-se que a gravação prevista neste preceito reporta-se a todas as audiências finais, ou
seja, audiências de acções, de incidentes e de procedimentos cautelares.

335
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

respectivo acto771, tal como estipula o nº 3 do mesmo preceito. O nº 4


do art. 155º, com a virtude de clarificar um aspecto que vinha sendo con-
troverso na prática forense, estabelece o prazo de dez dias para a arguição
de qualquer falta ou deficiência da gravação, prazo que se conta do mo-
mento em que a gravação é disponibilizada.
Com este novo regime de gravação, é previsível que as audiências fi-
nais decorram de modo mais célere e fluído, pois deixará de haver lugar à
tradicional documentação, em acta e na própria ocasião, de requerimen-
tos, respectivas respostas e despachos.
Procurando salvaguardar a desejável e (agora) possível fluidez da au-
diência final, mas antevendo a utilidade e a conveniência de haver suporte
escrito de determinados actos aí praticados, o nº 5 do art. 155º estabelece
que a secretaria procede à transcrição de requerimentos, respectivas res-
postas e decisões que o juiz determine, oficiosamente ou a requerimento
e por despacho irrecorrível. O nº 6 deste preceito define o prazo de cinco
dias, a contar do respectivo acto, para a secretaria proceder à transcri-
ção determinada, sendo que as partes dispõem de cinco dias, a contar da
notificação da sua incorporação nos autos, para a arguição de qualquer
desconformidade da transcrição772.

3.1.2. Realização da audiência final


Não havendo motivos para o seu adiamento, realiza-se, então, a audiência
final (art. 604º 1).

a) Tentativa de conciliação
Nos termos do nº 2 do art. 604º, o primeiro acto a praticar na audiência
final é o da tentativa de conciliação, desde que a causa se encontre no âm-
bito dos poderes de disposição das partes. Neste contexto, são aplicáveis
as considerações já feitas acerca da tentativa de conciliação a promover
na audiência prévia, com a particularidade de que, frustrada a concilia-
ção, se entrará de imediato na produção de prova, cujo decurso pode ter
efeito esbater as possibilidades de conciliação.

771
Quer isto significar que, decorrendo uma audiência final em várias sessões, o prazo para
disponibilização da gravação deve ser considerado por referência a cada concreta sessão.
772
Os nºs 7 a 9 do art. 155º regulam a documentação dos demais actos processuais presididos
pelo juiz.

336
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

b) Produção de prova
Relativamente aos actos a praticar na audiência final, esgotada a hipó-
tese de conciliação, o nº 3 do art. 604º apresenta uma sequência de
actos semelhante à que se encontrava no nº 3 do art. 651º do código revo-
gado773. Sem prejuízo dos casos em que a prova deva ser produzida antes
e fora da audiência final, esta audiência é o momento próprio e adequado
para a produção de prova, num regime de oralidade, imediação e contra-
ditoriedade.
No termos da alínea a) do nº 3 do art. 604º, a prova começará pela
prestação de depoimentos de parte, o que se justifica à luz do objectivo deste
meio de prova: a confissão de factos. É que, ao menos em abstracto, em
função do seu alcance e extensão, a confissão pode tornar despiciendos
os demais meios de prova.
O acto seguinte de produção de prova consiste na exibição de reprodu-
ções cinematográficas ou de registos fonográficos, tal como estatui a alínea b) do
nº 3 do art. 604º.
Depois, nos termos indicados na alínea c) do nº 3 do art. 604º, haverá
lugar aos esclarecimentos verbais dos peritos que tenham sido convocados
para a audiência final, quer oficiosamente, quer a requerimento das par-
tes (art. 486º).
As diligências de produção de prova em audiência culminam na inqui-
rição das testemunhas, como resulta do art. 604º 3.d).
Esta ordem de produção de prova fixada no nº 3 do art. 604º, embora
deva ser observada em regra, pode ser alterada pelo juiz, nos casos em
que tal se justifique (art. 604º 7), o que, naturalmente, implica uma deci-
são fundamentada quanto às razões dessa alteração.

Importa notar que os actos probatórios a praticar na audiência final


podem incluir ainda a figura das declarações de parte, de que trata o art.
466º. Considerando o carácter um tanto residual ou supletivo deste meio

773
Atente-se na previsão do nº 1 art. 601º, nos termos da qual, quando a matéria de facto sus-
cite dificuldades de natureza técnica cuja solução dependa de conhecimentos especiais que
o juiz não possua, pode este designar pessoa competente que assista à audiência final e aí
preste os esclarecimentos necessários, sendo que, nos termos do nº 2 do art. 601º, a designa-
ção do técnico é feita, em regra, no despacho que marcar o dia para a audiência. Acrescente-
-se que, segundo o referido nº 1, é também possível, em qualquer estado da causa, requisitar
os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos.

337
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

de prova e dado que a lei se limita a estabelecer um limite (“até ao início das
alegações orais em 1ª instância”) para ter lugar, é compreensível que a prova
por declarações de parte não seja referida na sequência constante do nº 3
do art. 604º. Este meio de prova surgirá se surgir e no momento em que
surgir, com o referido limite temporal, pelo que caberá ao juiz enquadrar
as declarações de parte nos demais actos a praticar em audiência até ao
início das alegações orais.

c) Discussão da causa – alegações orais


Finda a produção de prova, passa-se ao momento da discussão da causa, isto
é, aos debates orais entre os advogados das partes.
Relativamente a estas alegações orais, previstas na alínea e) do nº 3
do art. 604º e que constituem o último acto a praticar na audiência fi-
nal, o CPC de 2013 introduziu uma importante alteração. Com efeito,
quebrando-se mais uma tradição do nosso sistema, deixa de haver cisão
entre alegações de facto e alegações de direito, estabelecendo a lei que
as alegações orais servem para os advogados exporem “as conclusões, de
facto e de direito, que hajam extraído da prova produzida”774. Como é próprio
das alegações em processo, estas alegações orais destinam-se a influen-
ciar, tanto ao nível dos factos como ao nível do enquadramento jurídico,
a decisão final da causa em 1ª instância, que será expressa na sentença
(art. 607º)775.
A cisão que havia no passado entre alegações de facto e alegações de
direito conjugava-se com a circunstância de haver igualmente uma sepa-

774
No CPC de 1961, nas acções ordinárias, as alegações orais a produzir após a produção de
prova em audiência recaíam sobre a matéria de facto, procurando os advogados fixar os fac-
tos que deviam considerar-se provados e aqueles que o não foram [art. 652º 3.e) e 5]. Depois
disso, tinha lugar o julgamento da matéria de facto (art. 653º 1 e 2), após o que havia novas
alegações, agora sobre o aspecto jurídico da causa, podendo estas últimas alegações fazer-se
oralmente ou por escrito, conforme opção das partes (arts. 653º 5 e 657º). Nas acções sumá-
rias, o regime era semelhante, embora a discussão do aspecto jurídico da causa fosse oral
(art. 790º). Só no processo sumaríssimo é que havia uma só alegação, simultaneamente de
facto e de direito (art. 796º 6).
775
O direito de influenciar a decisão, produzindo alegações antes de uma decisão ser pro-
ferida, é uma relevante expressão da moderna concepção do princípio do contraditório.
O âmbito da alegação define-se pelo âmbito da decisão: só de direito; de facto e de direito.
No caso da audiência final, como lhe sucede a sentença, na qual o juiz decide de facto e de
direito, as alegações são de facto e de direito. A propósito do direito de influenciar a decisão,
Lebre de Freitas (Introdução..., ps. 124 e ss.).

338
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

ração, em termos decisórios, entre o julgamento da matéria de facto e a


solução jurídica do pleito, surgindo esta última na sentença.
Como o CPC de 2013 concentrou na sentença aquelas duas vertentes
decisórias (art. 607º), deixou de haver motivo para cindir as alegações de
facto e de direito.
Ainda acerca das alegações orais, a parte final da alínea e) do nº 3 e o
nº 5 do art. 604º revelam que cada advogado pode ter duas intervenções
(alegação e réplica), sendo que a alegação não pode exceder uma hora e a
réplica não pode exceder trinta minutos, embora, a requerimento e com
fundamento na complexidade da causa, o juiz possa autorizar que aquele
limite de tempo seja ultrapassado776.
Deve notar-se que o momento em que findam as alegações orais dos
advogados das partes marca o momento processual do encerramento da
discussão, o qual releva para diversos efeitos, nomeadamente quanto à
alegação de factos supervenientes (art. 588º 1), quanto aos factos a con-
siderar na sentença (art. 611º 1) e quanto aos fundamentos dos embargos
de executado em execuções baseadas em sentença [art. 729º g)].

A finalizar a matéria da audiência final, há que fazer duas referências


mais.
A primeira, no âmbito dos poderes que o art. 602º confere ao juiz “para
tornar útil e breve a discussão e para assegurar a justa decisão da causa”, para assi-
nalar que compete em especial ao juiz “dirigir os trabalhos e assegurar que es-
tes decorram de acordo com a programação definida”, como se vê pela alínea a)
do nº 2 do art. 602º. Esta previsão tem especial relevo, quer em si, quer na
medida em que se conjuga, dando-lhe real conteúdo e sentido útil, com
o disposto no art. 591º 1.g). Quer isto dizer que tem de haver um fio con-
dutor entre a programação da audiência final e o efectivo decurso desta.
À luz da ideia de uma adequada gestão do processo e dos actos aí prati-
cados, se é fundamental que o juiz assegure que a audiência final decorra
nos termos programados, não menos fundamental é que haja rigor, zelo
e cooperação na programação da audiência final. Com isto se destaca, de
novo, a importância da audiência prévia na economia da acção declarativa

776
Note-se que, conforme já referido noutro contexto, nos termos da parte final do nº 5 do
art. 604º, nas acções de valor não superior à alçada da 1ª instância, os períodos de alegação e
de réplica são reduzidos a metade.

339
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

cível, na certeza de que, salvo em situações mais simples, poucas vezes o


juiz deverá sentir-se habilitado para, sem o contributo dos mandatários
das partes, programar a audiência final, para os efeitos do art. 593º 2.d),
isto é, dispensando a audiência prévia777. Acresce que a programação da
audiência final na audiência prévia, se feita com um genuíno espírito de
cooperação (art. 7º 1), tem a virtude de comprometer e responsabilizar
todos os intervenientes processuais no propósito de que a audiência final
decorra conforme a programação efectuada778.

A segunda referência é para assinalar que o CPC de 2013 reforçou o


regime da plenitude da assistência do juiz (art. 605º), estabelecendo-se
que o juiz que iniciou a audiência final a deve concluir e deve elaborar a
sentença, ainda que ocorra transferência, promoção ou aposentação779,
havendo também um reforço da regra da continuidade da audiência (art.
606º 2), prescrevendo-se que, não sendo possível concluir a audiência
num dia, esta é suspensa, devendo ser designada para continuação a data
mais próxima, por acordo de agendas (art. 606º 3)780. Nos casos em que a

777
Os eventuais riscos dessa opção do juiz sempre poderão ser compensados por via da au-
diência prévia potestativa, nos termos do nº 3 do art. 593º, assim se restabelecendo condi-
ções para o juiz beneficiar desse inestimável contributo dos mandatários das partes na pro-
gramação da audiência final. Note-se que, mesmo nas acções de valor não superior a metade
da alçada da Relação, embora o art. 597º f ) permita uma programação unilateral da audiência
final, ainda aí se podem atenuar os tais riscos, ao ser garantida às partes, e tem de ser (já o
dissemos), a hipótese de reclamação escrita contra o despacho respectivo.
778
Consequentemente, caso um mandatário ou uma parte ajam de modo menos conforme
na audiência final, o juiz terá condições para, por referência à programação definida, tomar
as medidas adequadas. Como é bom de ver, o juiz estará tão mais legitimado para exercer
esses poderes quanto mais a programação tiver sido cuidada e ponderada (e não um mero
simulacro).
779
Só não será assim se, no caso de aposentação, esta tiver por fundamento a incapacidade fí-
sica, moral ou profissional, ou então se for preferível a repetição dos actos já praticados (art.
605º 3). Por outro lado, como assinalam e explicam Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro
(Primeiras notas …, Vol. I, p. 528), o cotejo do nº 3 e do nº 4 deste art. 605º não permite con-
cluir que o juiz aposentado deixa de elaborar também a sentença.
780
O caso aqui referido (impossibilidade de a audiência ser concluída num dia) deve ficar re-
servado para dois tipos de situações: i) quando, logo na fase intermédia do processo, o juiz e
as partes não hajam antevisto a necessidade de marcar mais do que uma data para a audiên-
cia final; ii) quando, independentemente disso, a evolução do processo (v. g., a produção de
prova ou outras circunstâncias supervenientes) acabe por exigir que a audiência final pros-
siga em mais sessões.

340
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

continuação não ocorra dentro de 30 dias, seja por impedimento do tri-


bunal, seja por impedimento dos mandatários em consequência de outro
serviço judicial já marcado, deverá ficar registado isso mesmo em acta,
com a identificação expressa da diligência e do processo a que respeita
(art. 606º 3)781.

3.2. Sentença
Nos termos do nº 1 do art. 607º, encerrada a audiência final (e esta en-
cerra-se quando terminam as alegações orais), o processo é concluso ao
juiz, devendo ser proferida sentença no prazo de 30 dias.
Quebrando mais uma das tradições do processo civil português, o
CPC de 2013 pôs termo à figura do julgamento autónomo da matéria de
facto, que acontecia após a produção de prova e os debates sobre a maté-
ria de facto. Agora, findas as alegações orais na audiência final, passa-se
logo para o momento da sentença, de modo que esta peça albergará, além
do mais, aquilo que anteriormente era a decisão que apreciava a prova
produzida em juízo e declarava, em função disso, os factos provados e
os factos não provados. Nessa conformidade, o art. 607º contém uma
estrutura que, até certo ponto, faz a síntese do que, de modo estanque,
se encontrava previsto no CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96 nos
arts. 653º e 655º, de um lado, e no art. 659º, de outro. Quer isto significar
que, à luz do novo código, será feita a um só tempo e na mesma peça pro-
cessual toda a ponderação relativa ao acervo fáctico dos autos, o que tem
a enorme vantagem de assegurar uma visão de conjunto sobre tal acervo
e, em consequência, uma visão mais completa, mais precisa e mais arti-
culada do quadro factual dos autos.
Antes de analisarmos a estrutura e o conteúdo da sentença, importa
salientar o disposto na segunda parte do nº 1 do art. 607º, prevendo a
possibilidade de o juiz, no momento em que está a elaborar a sentença e
quando se não julgar suficientemente esclarecido, ordenar a reabertura da
audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais dili-
gências necessárias782.

781
Nos termos do nº 4 do art. 606º, para efeitos do limite de 30 dias fixado no número ante-
rior, não é considerado o período de férias judiciais, nem o período em que, por razões estra-
nhas ao tribunal, se aguarde a realização de diligências de prova (v. g., perícias).
782
É verdade que a hipótese de reabertura da audiência já existia no nº 1 do art. 653º do CPC
de 1961, mas aí reportada ao (estrito) julgamento da matéria de facto, não havendo situação

341
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

3.2.1. Estrutura e conteúdo da sentença


A sentença apresenta a seguinte estrutura: relatório, fundamentos e de-
cisão783.
O relatório é a parte destinada à identificação das partes e do objecto
do litígio, sendo ainda destinada à enunciação das questões que ao tribu-
nal cumpre solucionar (art. 607º 2). A identificação das partes não carece
de particular desenvolvimento, visto que os seus elementos constam já
dos autos. O objecto do litígio corresponderá, em regra, ao que foi prete-
ritamente firmado na fase intermédia do processo aquando da prolação
do despacho previsto no art. 596º. De todo o modo, neste momento da
instância, deverá o juiz enunciar os pedidos deduzidos784. As questões a so-
lucionar pelo tribunal são as respeitantes à causa de pedir e às excepções,
aqui se incluindo tanto as que hajam sido invocadas pelas partes como as
que sejam de conhecimento oficioso.
Os fundamentos compreendem a discriminação dos factos que o juiz con-
sidera provados e o enquadramento jurídico desses factos, por via da indica-
ção das normas jurídicas aplicáveis, sua interpretação e aplicação ao caso
concreto (art. 607º 3)785.
Por fim, a decisão é a parte da sentença em que o juiz resolve a questão
que lhe foi colocada, assim pondo termo ao processo, seja julgando a
acção procedente e condenando o réu no pedido (total ou parcial-
mente), seja julgando a acção improcedente e absolvendo o réu do
pedido, seja mesmo absolvendo o réu da instância, tudo em função das
circunstâncias do processo submetido à consideração do tribunal786 (art.
607º 3 in fine).

similar aquando da elaboração da sentença, o que se justificava pela cisão entre julgamento
de facto e julgamento de direito. A novidade do nº 1 do art. 607º é que a reabertura da au-
diência ocorrerá no momento da sentença e quando ainda está em aberto o quadro factual
dos autos, que apenas será firmado na própria sentença.
783
No CPC de 1961, até à Reforma Intercalar de 1985, era mesmo esta a terminologia do art.
659º (funcionalmente correspondente ao actual art. 607º).
784
Estes pedidos são tanto os deduzidos pelo autor como pelo réu reconvinte.
785
A falta de especificação dos respectivos fundamentos de facto e de direito implica a nuli-
dade da sentença, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 615º.
786
A decisão constitui o corolário lógico dos fundamentos, pelo que a eventual contradição
entre estas duas dimensões conduzirá à nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do
nº 1 do art. 615º.

342
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Num plano de normalidade, o desfecho de uma acção cível em 1ª ins-


tância deverá expressar-se numa sentença que julgue materialmente o
litígio. Aliás, para estarmos a falar em sentença, é sinal de que o processo
continuou a sua tramitação para além da fase intermédia, é sinal de que o
processo não findou na fase intermédia, seja por razões de forma, seja por
razões de substância. Dito de outro modo, é sinal de que no despacho sa-
neador oportunamente proferido (art. 595º) foi assumido não haver obs-
táculos ao conhecimento do mérito da causa, mas também foi assumido
que, na ocasião, não era possível logo conhecer do mérito da causa. Assim
sendo, sempre num plano de normalidade, será pouco previsível que ve-
nha a concluir-se pela impossibilidade de haver uma pronúncia sobre o
mérito quando apenas falta proferir a sentença.
De todo o modo, o nº 1 do art. 608º impõe que a sentença conheça
primeiramente das questões processuais susceptíveis de conduzir à ab-
solvição da instância, devendo o juiz atender à ordem lógica da sua pre-
cedência787.
Dado que, em regra, as questões processuais devem ficar arrumadas
no despacho saneador, isso equivale a dizer que o juiz só haverá de pro-
nunciar-se sobre as mesmas na sentença em dois casos: i) quando, por
falta de elementos, tenha relegado para a sentença a sua apreciação (art.
595º 4); ii) quando se trate de questões não abrangidas pelo caso julgado
(formal) constituído sobre o trânsito em julgado do despacho saneador
(art. 595º 3).

O nº 2 do art. 608º estabelece o dever de o juiz resolver todas as questões


que as partes hajam levantado, salvo se a decisão de uma prejudicar a de
outras788.
É o que se verifica quando é julgada procedente uma excepção di-
latória, pois isso obsta a que o juiz se debruce sobre o mérito da causa.
Mesmo no âmbito das questões relativas ao mérito, estando alegadas cir-
cunstâncias impeditivas e circunstâncias extintivas do direito do autor, se

787
Note-se que, tal como é expressamente ressalvado pelo nº 1 do art. 608º, a eventual veri-
ficação de razões para a absolvição da instância só conduzirá mesmo a esse desfecho quando
a tal não se oponha a previsão contida na segunda parte do nº 3 do art. 278º, nos termos já
analisados.
788
Precisando o alcance da expressão “todas as questões”, Lebre de Freitas (A ação decla-
rativa…, ps. 320-321).

343
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

for julgada procedente a causa impeditiva, ficará prejudicada a decisão


da outra, uma vez que aquela basta para fazer naufragar a pretensão do
autor, tanto mais que, não se tendo constituído o direito, é óbvio que não
se coloca o problema da sua extinção.
Havendo pedidos primários e subsidiários, dever-se-á começar por
conhecer daqueles, atendendo a estes apenas se aqueles não procede-
rem. Tratando-se de pedidos principais e acessórios (secundários), os
principais devem ser apreciados em primeiro lugar.
Atente-se que, nos termos deste nº 2 do art. 608º, o juiz só pode apre-
ciar as questões suscitadas pelas partes, sem prejuízo da faculdade ou
obrigação de conhecimento oficioso789.

No âmbito dos denominados limites da condenação, o nº 1 do art. 609º,


estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior
ou em objecto diverso do que se pedir, o que é uma decorrência do cha-
mado princípio do pedido e caracteriza um sistema processual pautado pelo
dispositivo790,791. Como é evidente, a sentença pode condenar em quanti-
dade inferior à peticionada: basta que os elementos colhidos no processo
não justifiquem integralmente a pretensão do autor, impondo que a pro-
cedência da acção seja apenas parcial792.

789
A violação do nº 2 do art. 608º gera a nulidade da sentença, ora por omissão de pronún-
cia, ora por excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 615º.
790
A violação desta regra implica a nulidade da sentença, conforme estatui a alínea e) do
nº 1 do art. 615º. A propósito do regime do nº 1 do art. 609º, atente-se no Acórdão Unifor-
mizador de Jurisprudência nº 13/96, de 15.10.1996, publicado no DR nº 274/96, Iª Série-A,
de 26.11.1996, que firmou o seguinte: “O tribunal não pode, nos termos do art. 661º, nº 1 do Có-
digo de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização
em montante superior ao valor do pedido do autor”.
791
Quando haja pedido único, é simples constatar se a sentença (não) condena em valor
superior ao pedido. Sendo formulados vários pedidos em regime de cumulação, ainda que
principais e acessórios, é duvidoso que, para os efeitos do nº 1 do art. 609º, possa desconsi-
derar-se a autonomia de cada pedido. Se o autor pedir a condenação do réu em 100 (pedido
I) e em 200 (pedido II), o valor da acção é 300 (art. 297º 2). E o limite total da condenação é
300 (100 + 200). Mas será que a sentença pode condenar o réu em 300, resultando essa con-
denação da soma de 130 (pelo pedido I) e de 170 (pelo pedido II)? Embora a condenação se
contenha no dito limite total, há excesso de condenação quanto ao pedido I.
792
Atente-se, ainda assim, na previsão do nº 3 do art. 609º, que admite uma decisão não
totalmente coincidente com o peticionado: requerida a manutenção da posse em lugar da

344
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

De acordo com o disposto no nº 2 do art. 609º, é possível haver con-


denação no que vier a ser liquidado posteriormente, sempre que, no mo-
mento em que a sentença for proferida, o processo não reúna os elemen-
tos necessários para se determinar o objecto pretendido ou a quantia
pedida.
Quando analisámos as modalidades do pedido formulado na petição
inicial, referimos a figura do pedido genérico (art. 556º). É o que aconte-
ce quando, ao propor a acção, o autor não está em condições de indicar
concretamente o que pretende ou quanto pretende.
Nesse caso, se a liquidação não se fizer durante a acção, mais exacta-
mente até ao início da discussão da causa (alegações orais), nos termos do
incidente regulado nos arts. 358º a 360º, a sentença – se a acção dever pro-
ceder, bem entendido –, embora condene o réu, remeterá tal liquidação para
momento posterior: é o que se designa por sentença de condenação gené-
rica. Quando assim for, o incidente de liquidação será deduzido depois de
proferida a sentença, dando origem à renovação da instância declarativa,
caso esta se mostre já extinta (art. 358º 2)793.
Situação análoga pode dar-se quando o pedido do autor até seja lí-
quido mas do decurso da lide resultem dúvidas quanto ao objecto ou à
quantidade a abranger na condenação, por falta de prova dos factos res-
pectivos (não falta de prova dos factos constitutivos do direito invocado,
mas do quantum da prestação devida).
Em qualquer dos casos, admite-se a condenação imediata na parte
que já se apresente líquida (art. 609º 2 in fine).

restituição ou esta em vez daquela, o juiz conhece do pedido correspondente à situação real-
mente verificada.
793
Quando a acção declarativa termine com uma condenação genérica, nos termos do nº 2
do art. 609º, a sentença só goza de exequibilidade depois de operada a liquidação no pro-
cesso declarativo, nos termos previstos no nº 2 do art. 358º. Quer isto significar que a liqui-
dação deverá ser prévia à eventual execução da sentença. Só excepcionalmente é que não
será assim, como resulta do disposto no nº 5 do art. 716º. Na verdade, este preceito admite
que a liquidação na fase introdutória da execução (projectada no nº 4 do art. 716º apenas
para títulos extrajudiciais) tenha lugar em dois casos: i) quando não vigore o ónus de pro-
ceder à liquidação no processo declarativo (como sucede com a sentença proferida em pro-
cesso crime que condene em indemnização civil); ii) quando a condenação genérica conste
de sentença arbitral.

345
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

O art. 610º define o conteúdo da sentença nos casos em que venha a


apurar-se que a obrigação era inexigível no momento em que foi instau-
rada a acção.
Tal como ficou assinalado antecipadamente, aquando da análise do
regime do pedido de prestações vincendas, à luz do art. 557º, a previsão
do art. 610º só é aplicável no momento da sentença, e não já por ocasião
da prolação do despacho saneador. Na verdade, a solução contida no art.
610º é guiada pelo propósito de aproveitamento do processado, segundo
o princípio da economia processual794.
Em regra, não é permitida a formulação de pedidos de condenação in
futurum. Quando o autor o faça assumidamente, isto é, revelando que a
obrigação é inexigível no momento da entrada da petição inicial, deverá
o juiz, no despacho saneador, decretar a absolvição do réu da instância,
visto tratar-se de uma acção instaurada prematuramente. Há casos, po-
rém, indicados no art. 557º, em que, a título excepcional, o autor é admi-
tido a deduzir pedido de condenação do réu em prestações vincendas.
O referido art. 610º tem um outro enquadramento, marcado pela cir-
cunstância de o autor formular o pedido de condenação como se a obri-
gação fosse exigível quando se inicia a instância mas vir a concluir-se que
assim não era, sendo que o juiz só obtém esse convencimento depois de
decorrida toda a tramitação, estando já a elaborar a sentença.
Nesse caso, o preceito em análise prevê que o juiz aprecie o pedido de
condenação e, se for o caso, julgue a acção procedente.
Nos termos do nº 1, apesar de a obrigação ser inexigível quando a acção
foi proposta, se o réu contestar a obrigação, o juiz conhecerá da sua exis-
tência e condenará o réu a cumprir no momento devido.
Nos casos em que o réu não questione a existência da obrigação, o
nº 2 do art. 610º prevê a condenação no cumprimento da obrigação, quer
esta se vença no decurso da acção, quer em data posterior à sentença,
assegurando ao réu o benefício do prazo nesta última hipótese. Ainda no
campo da inexistência de litígio acerca da obrigação, se a inexigibilidade
radicar na falta de interpelação ou na circunstância de o cumprimento
não ter sido pedido no domicílio do devedor, a dívida tem-se por vencida

794
Escrevendo por referência ao art. 662º do CPC de 1939 (correspondente ao actual art.
610º), José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. V, p. 76), assinalava que “o art. 662º (...)
obedece à ideia de salvar o processo, não obstante a inexigibilidade; quer dizer, a doutrina do artigo foi
ditada pelo princípio da economia processual”.

346
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

desde a citação. É o que decorre, respectivamente, das alíneas a) e b) da-


quele nº 2, acrescentando o nº 3 do art. 610º que, nos casos previstos nas
ditas alíneas, recai sobre o autor o encargo do pagamento das custas e dos
honorários do advogado do réu.

O art. 611º prescreve que a sentença deve ter em conta os factos cons-
titutivos, modificativos ou extintivos do direito ocorridos depois de ins-
taurada a acção, em termos de a decisão proferida corresponder ao es-
tado de coisas existente no momento do encerramento da discussão795.
Quer dizer, se entre o momento da apresentação do litígio e o encer-
ramento da discussão tiverem ocorrido alterações nos elementos a causa,
isso deve ser considerado pela sentença, em termos de a causa ser “deci-
dida tal como deveria sê-lo se os factos em questão já se tivessem produzido ao tempo
da instauração do pleito”796.
Admitamos que, proposta uma acção de despejo com fundamento no
facto de, num arrendamento para habitação, o inquilino dar hospedagem
a mais de três pessoas797, o réu, na pendência da causa, deixava de ter
hóspedes ou reduzia o seu número ao limite legal. E admitamos que, ins-
taurada acção para obter a condenação do réu no pagamento de certa
quantia, o réu (ou um terceiro) vinha a pagar tal quantia ao autor.
Estas ocorrências posteriores ao início da instância poderão ser trazi-
das a juízo e atendidos pela sentença? Para que isso aconteça, a lei esta-
belece algumas limitações, de direito processual e de direito material
(art. 611º).
Por um lado, esta atendibilidade de factos supervenientes não pode
violar o estatuído noutras disposições, designadamente, as que discipli-
nam a alteração da causa de pedir (cfr. os arts. 264º e 265º). Por outro
lado, só são de atender os factos que, à luz do direito substantivo, tenham
influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida.
Nessa conformidade, recordando os exemplos apresentados, pode-
mos concluir que, a confirmar-se o alegado pelo autor na petição e o ine-
rente direito à resolução do arrendamento, tal direito não seria prejudi-
cado pela ocorrência superveniente de o inquilino passar a respeitar a lei

795
Este preceito corresponde a uma generalização do disposto no art. 588º para os factos
supervenientes.
796
Neste sentido, Manuel de Andrade (Noções..., p. 301).
797
Cfr. os arts. 1083º 2 e 1093º do CC.

347
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

quanto ao número de inquilinos. Em contrapartida, na medida em que


configura um facto extintivo do direito de crédito, o pagamento da dívida
no decurso da acção deveria ser considerado, pois que extingue o direito
exercido798.
Retomando o exemplo da acção de despejo instaurada com o funda-
mento acima mencionado, caso tal fundamento não fosse demonstrado,
mas viesse a ser apurada na acção matéria susceptível de motivar a resolu-
ção do arrendamento a outro título799, nem assim a acção poderia ser jul-
gada procedente, já que isso equivaleria a uma alteração (não permitida)
da causa de pedir.

A sentença deve conter ainda a referência às custas judiciais, estabele-


cendo o nº 6 do art. 607º que o juiz deve condenar os responsáveis pelas
custas, fixando a medida ou proporção dessa responsabilidade.
Em matéria de custas, a regra contida no nº 1 do art. 527º é a de que
deve ser condenada no respectivo pagamento a parte que tenha dado
causa à acção ou, não havendo vencimento da acção, que tenha tirado
proveito do processo.
De todo o modo, o nº 2 do art. 527º estabelece que se entende ter dado
causa às custas do processo a parte vencida800,801,802,803.
798
Neste caso, mostrando-se satisfeita a pretensão do autor, o juiz deve declarar extinta a
instância, com fundamento em inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e)
do art. 277º, condenando, porém, o réu no pagamento das custas, por ter dado causa à acção
(arts. 611º 3 e 536º 3).
799
Por exemplo, a violação de regras de higiene, de sossego e de boa vizinhança, nos termos
do art. 1083º 2.c) do CC.
800
Com fundamento na especial complexidade, pode ser determinada a aplicação de taxa de jus-
tiça agravada para os efeitos do disposto no nº 7 do art. 530º (em conjugação com o nº 5 do
art. 6º do Regulamento das Custas Processuais) nos processos que: i) contenham articulados
ou alegações prolixas; ii) respeitem a questões de elevada especialização jurídica, especifi-
cidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito di-
verso; iii) impliquem um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova com-
plexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
801
O art. 531º admite a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional nos casos de manifesta
improcedência da pretensão, quando a parte não tenha agido com a prudência ou diligência
devida.
802
Tenha-se presente, porém, o regime do art. 535º, nos termos do qual o réu, embora con-
denado, não pagará as custas, outrossim o autor: será quando o réu não tiver contestado a
acção e lhe não tenha dado causa. O nº 2 do art. 535º indica os casos em que se considera
não ter o réu dado causa à acção, o que está associado a casos de falta de interesse em agir

348
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
.
803

Por outro lado, quando for o caso, a sentença deverá conter pronúncia
sobre a litigância de má fé e respectivos efeitos.
Os casos de litigância de má fé, que supõem um quadro de dolo ou negli-
gência grave, são os elencados no nº 2 do art. 542º:
– dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento a parte
não devia ignorar;
– alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para
a decisão da causa;
– omissão grave do dever de cooperação;
– uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios proces-
suais, com o fim de alcançar um objectivo ilegal, impedir a desco-
berta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fun-
damento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Estabelece o nº 1 do art. 542º que, tendo litigado de má fé, a parte


é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária (cujo
conteúdo é definido no art. 543º), sendo certo que a decisão que con-
dene por litigância de má fé, independentemente do valor da causa e da
sucumbência, admite sempre admitido recurso, em um grau804.

A sentença poderá ainda considerar os factos demonstrativos de um uso


anormal do processo (art. 612º), ora porque evidenciem que a acção consti-
tui um acto simulado, ora porque produzam a convicção segura de que as
partes pretendem obter um fim proibido por lei805.

por parte do autor [alíneas b), c) e d)] ou ao propósito de o autor obter um desfecho sem
que o réu tenha contribuído para tal [alínea a)].
803
O art. 536º define critérios de responsabilidade por custas nos casos em que a demanda
ou a oposição eram fundadas no momento em que ocorreram e deixaram de o ser por cir-
cunstâncias posteriores, não imputáveis à partes, estabelecendo o nº 1 que as custas são
repartidas em partes iguais e indicando o nº 2 quando se entende que a alteração de cir-
cunstâncias não é imputável às partes. Por outro lado, para os demais casos de extinção da
instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide [art. 277º e)], o nº 3 do
art. 536º faz recair a responsabilidade por custas sobre o autor, salvo se a impossibilidade ou
a inutilidade forem imputáveis ao réu, estabelecendo o nº 4 um caso um que tal ocorre.
804
No campo da condenação por litigância de má fé, cfr. o art. 544º, relativamente à res-
ponsabilidade do representante de incapazes, e o art. 545º, quanto à responsabilidade do
mandatário.
805
Sobre o tema, cfr. Lebre de Freitas (Introdução..., p. 135).

349
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

3.2.2. Regime dos fundamentos da sentença


Pelo seu significado e relevo, mais a mais porque estamos perante um
aspecto em que o CPC de 2013 inovou, importa analisar com mais deta-
lhe o regime dos fundamentos da sentença.
A este propósito, como já se referiu, o nº 3 do art. 607º estabelece que
o juiz deve, por um lado, discriminar os factos que considera provados e,
por outro, indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspon-
dentes.Isto significa que há duas ordens de fundamentos: fundamentos de
facto e fundamentos de direito.

a) Fundamentos de facto
Neste domínio, e em conformidade com o anteriormente referido, cum-
pre destacar a circunstância de o regime instituído pelo CPC de 2013 não
prever um momento processual autónomo em que o juiz aprecie a prova
produzida, pelo que tal tarefa é agora executada na própria sentença.
No regime processual anterior, havendo um momento destinado à
apreciação da prova produzida (o chamado julgamento da matéria de fac-
to), era aí que o tribunal tinha de se pronunciar sobre os factos provados
e não provados, referindo uns e outros (art. 653º do CPC de 1961 após
a Reforma de 1995/96). Nessa medida, quando chegava a altura de ela-
borar a sentença, o juiz já trabalhava só com “factos provados”, quer os
preteritamente dados como provados806, quer ainda os que, nesse momento,
se mostrassem “admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão
reduzida a escrito” (art. 659º 3 do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96).
Consequentemente, os fundamentos de facto da sentença, para os efei-
tos do revogado art. 659º 3, eram habitualmente um simples repositório
de factos pré-adquiridos ou, pelo menos, adquiridos por meio de prova
tabelada.

No CPC de 2013, face ao teor do art. 607º, só na sentença ocorre a


ponderação efectiva acerca dos factos da causa. Tal ponderação expressa-
-se em vários planos: i) discriminação dos factos que o juiz considera pro-

806
Neste cenário e na economia do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, os factos pre-
teritamente dados como provados eram de uma dupla natureza: i) os que constituíam a maté-
ria assente fixada depois de findos os articulados, nos termos do art. 508º-A 1.e); ii) os que
resultavam do julgamento da matéria de facto, após a produção de prova em audiência, nos
termos previstos no art. 653º 2.

350
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

vados; ii) decisão sobre a matéria de facto (declaração dos factos provados
e não provados); iii) fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
A discriminação dos factos que o juiz considera provados, imposta pelo nº 3
do art. 607º, respeita aos factos essenciais, sendo a natural decorrência da
decisão sobre a matéria de facto e aglutinando apenas os factos que foram
dados como provados: são precisamente esses factos essenciais que cons-
tituem o fundamento de facto da sentença.
A decisão sobre a matéria de facto constitui o chamado julgamento de facto,
isto é, a pronúncia do juiz acerca dos factos que julga provados e dos
factos que julga não provados, conforme estabelece o nº 4 do art. 607º,
devendo esta pronúncia versar sobre os factos essenciais, sendo certo que
os factos provados tanto serão os que resultaram da prova produzida nos
autos como os que “estão admitidos por acordo, provados por documentos ou
por confissão reduzida a escrito”.
A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto respeita à motivação da
convicção, exigindo a análise crítica das provas, com a indicação das ilações
tiradas dos factos instrumentais e a especificação dos demais fundamen-
tos decisivos para a convicção do julgador, tudo nos termos do nº 4 do
art. 607º.

Como se disse já, a discriminação de que trata o nº 3 do art. 607º supõe


um prévio juízo sobre os factos provados e não provados, isto é, supõe o
julgamento de facto, constituindo tal discriminação um repositório limi-
tado àqueles factos que ficaram provados. Esta sequência de raciocínio é
diversa daquilo que aparece vertido na sentença. Com efeito, na redacção
da sentença, o cumprimento da prescrição contida no nº 3 e no nº 4 do
art. 607º leva a que, uma vez elaborado o relatório (nº 2 do art. 607º), o
juiz logo proceda à discriminação expressa e autónoma dos factos essenciais
que considera provados. Isto porque tais factos é que constituem o funda-
mento de facto da sentença e será por referência a eles que se desenvolverá
a ponderação relativa à solução jurídica do pleito.
Conforme se vê pelo confronto do nº 3 e da parte inicial do nº 4 do
art. 607º, o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os
que julga não provados (nº 4), mas tem de discriminar os que considera
provados (nº 3).
No plano dos factos (e continuamos a falar de factos essenciais), a sen-
tença tem de indicar tanto os factos provados como os factos não pro-

351
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

vados, o que releva até para a eventual impugnação da decisão sobre a


matéria de facto: nisso consiste a declaração a que alude o nº 4 do art. 607º.
O que sucede é que os factos provados a declarar como tal devem ter
uma referência própria e autónoma: aí reside a discriminação dos factos
provados imposta pelo nº 3 do art. 607º. Quer isto significar que o elenco
dos factos provados vale, em simultâneo, como resultado do julgamento de
facto e como a fundamentação de facto da própria sentença807.

Relativamente aos factos que o juiz considera provados, também aqui é


de assinalar a profunda alteração operada pelo CPC de 2013. Note-se que
a enunciação dos temas da prova (art. 596º 1) e o modo como é suposto
decorrer a instrução da causa (art. 410º) significa que deixará de haver
questões de facto atomística e sincopadamente colocadas. E se não há
questões (perguntas) formuladas, também não haverá respostas a dar808.
Como se viu, a função dos temas da prova enunciados é somente a de
balizar a produção de prova, dentro dos limites decorrentes da causa de
pedir e das excepções deduzidas. Como se disse também, com maior ou
menor fluidez, com maior ou menor concretização, os temas da prova ser-
vem para delimitar a instrução e nunca para definir de antemão o efectivo
conteúdo do julgamento de facto. E isto é fácil de explicar: o julgamento
de facto será o resultado da produção de prova, sendo de esperar que a
decisão que constitui o julgamento de facto expresse fielmente a realidade
histórica tal como esta se revelou nos autos809.

807
Esta discriminação dos factos considerados provados face aos não provados explica-se
também pela circunstância de, na economia da decisão final da causa ao nível da 1ª instância, os
factos não provados nenhuma função desempenharem, tudo se passando como se não tives-
sem sido sequer alegados. Naturalmente, isso não obsta a que, em sede de recurso, a Relação
venha a ter outro entendimento (art. 662º) sobre os factos provados e não provados.
808
À luz do CPC de 1939 e do CPC de 1961, o julgamento da matéria de facto passava por
responder ao questionário – eram as chamadas respostas aos quesitos (cfr. o art. 653º do
CPC de 1939 e do CPC de 1961). E se, após a Reforma de 1995/96, o art. 653º do CPC de
1961 deixou de aludir expressamente a uma resposta à base instrutória, é sabido que a prá-
tica forense se manteve inalterada: onde se respondia ao questionário, passou a responder-
-se à base instrutória, através da mesma técnica de sempre: “provado”, “não provado”,
“provado apenas que”. O novo código rompe com esse sistema e abre outros horizontes ao
processo civil português.
809
A este propósito, cfr. o Ac. do STJ de 13.11.2014 (processo nº 444/12.5TVLSB.L1.S1) e o Ac.
do TRL de 29.5.2014 (processo nº 444/12.5TVLSB.L1-6), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

352
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Nessa conformidade, depois de concluída a produção de prova e


quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar – e relatar de forma
expressa, precisa e completa – os factos essenciais que se provaram em
juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e
sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser
feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a
parte final do nº 4 do art. 607º810.
Este novo regime da sentença revela potencialidades e assegura con-
dições no sentido da obtenção de um quadro fáctico decisório muito
mais completo e conforme à realidade das coisas, assim se assegurando
uma efectiva adequação da sentença à realidade extraprocessual. Resulta
do exposto que só mesmo no último momento em 1ª instância fica defi-
nido o quadro factual dos autos, em clara superação de um sistema que
apontava para uma certa cristalização dos factos da causa (quer os pro-
vados, quer os probandos) num momento relativamente prematuro dos
autos. O mesmo é dizer que há um fio condutor entre a atenuação das
preclusões quanto à alegação de factos e o reforço dos poderes de cogni-
ção do tribunal (art. 5º), a enunciação dos temas da prova (art. 596º 1), o
âmbito da instrução (art. 410º) e a vertente fáctica da fundamentação da
sentença (art. 607º 3 e 4).
É interessante notar que, confrontando o novo regime processual com
o anterior, a centralidade fáctica da lide se desloca da fase intermédia do
processo para o momento da sentença.
Os concretos factos essenciais que sustentam as posições das partes
devem ser alegados nos articulados pelas partes. A eventual insuficiência
de alegação deverá ser suprida por convite ao aperfeiçoamento.

810
É com exactidão e clarividência que Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras
notas…, Vol. I, p. 543) apontam o seguinte: “O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como
ela resultou demonstrada da produção de prova. (…) Não há qualquer fundamento para o juiz se cingir
aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas
formas. Ele [o juiz] é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-
-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta de retalhos. A narra-
ção deve ser integrada por orações simples, não compreendendo interrogações, exclamações ou qualquer
pontuação indicadora de estados emocionais. Encerra uma descrição factual, e não juízos conclusivos.
Os álibis para as descrições incoerentes e inconsequentes escasseiam no novo código”. Também Abran-
tes Geraldes (Sentença…, p. 7, nota de rodapé nº 8) assinala que o relato dos factos pro-
vados “deve evidenciar, de forma imediata, coerente e lógica, a realidade sob apreciação, o que de modo
algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos que nem sequer internamente se mostram ordena-
dos”. A este propósito, cfr. igualmente Lemos Jorge (A caminho da sentença…, ps. 138-139).

353
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Na fase intermédia do processo, e apenas para delimitar o âmbito da ins-


trução, são enunciados os temas da prova (os quais, sem o impedir, não
supõem particular concretização fáctica).
Na sentença, o juiz deve indicar os concretos factos essenciais que resul-
taram provados, sendo que o juiz considerará quer os factos essenciais ale-
gados pelas partes (espontaneamente ou mediante convite), quer os factos
essenciais complementares ou concretizadores revelados pela instrução [obser-
vando o prescrito na alínea b) do nº 2 do art. 5º].

Como se adiantou, e resulta do nº 4 do art. 607º, integrarão o con-


junto dos factos declarados como provados os seguintes: i) aqueles cuja
demonstração resulte da prova produzida em juízo; ii) aqueles que se
mostrem admitidos por acordo; iii) aqueles que estejam provados por
documentos; iv) aqueles que resultem de confissão reduzida a escrito.
Importa ter presente que existem diferentes planos de apreciação dos
factos assim declarados como provados, conforme estabelece, de resto, do
nº 5 do art. 607º, nos termos do qual o juiz “aprecia livremente as provas se-
gundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, sendo certo que essa livre
apreciação não inclui “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial,
nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plena-
mente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Neste contexto, há que distinguir os casos de prova livre dos casos de
prova legal (tabelada ou tarifada). Existem meios de prova cuja força pro-
batória se impõe ao juiz, não tendo este qualquer margem de valoração
acerca da factualidade expressa por tais meios probatórios. É o que su-
cede com os factos cuja prova resulte de documentos811, de confissão812 ou
de acordo das partes813.

811
A força probatória dos documentos pode respeitar a documentos autênticos (art. 371º 1
do CC), autenticados (art. 377º do CC) e particulares (art. 376º 1 do CC). Nunca é demais
referir que o facto provado por documento não se reconduz ao próprio documento, sendo
este apenas um meio de prova. Nesta sede, em vez de se limitar a remeter para o documento
ou a dá-lo como reproduzido, o juiz deve escolher (referindo-o explicitamente) o facto cuja
prova se funda no documento, assinalando o segmento ou segmentos do documento que
permitem a afirmação da prova do facto. Neste sentido, Abrantes Geraldes (Sentença…,
p. 19, nota de rodapé nº 26).
812
O art. 358º do CC estabelece a força probatória da confissão, o que sempre supõe que esta
seja admitida por lei (art. 351º do CC).
813
A admissão de factos decorre do regime do nº 2 e do nº 3 do art. 574º ou do nº 1 do art. 587º.

354
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

No mais, impera o regime da livre a apreciação da prova, querendo


isto significar que o juiz deverá apreciar os meios de prova “segundo a sua
prudente convicção acerca de cada facto”, nos precisos termos do nº 5 do art.
607º. Assim ocorre na prova pericial (art. 389º do CC e art. 489º), na
prova por inspecção judicial (art. 391º do CC), na prova por verificação
não judicial qualificada (art. 494º 3), na prova testemunhal (art. 396º do
CC)814 e na prova por declarações de parte (art. 466º 3). Ainda por refe-
rência ao disposto no nº 5 do art. 607º, é de notar que o princípio da livre
apreciação da prova cessa quando estejam em jogo factos para cuja prova
a lei exija formalidade especial815.

Nos termos consignados no nº 4 do art. 607º, relativamente aos fac-


tos declarados como provados em resultado da prova produzida em juízo,
bem assim relativamente aos factos declarados não provados, o juiz de-
verá explicitar o raciocínio decisório, “analisando criticamente as provas,
indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fun-
damentos que foram decisivos para a sua convicção”: é a fundamentação da con-
vicção do julgamento de facto.
A fundamentação da convicção subjacente à decisão de facto consti-
tui, sem dúvida, uma das mais delicadas e significativas vertentes da inter-
venção do juiz, porquanto, mais do que o mero acto de declarar provados
ou não provados certos factos, é indispensável que o julgador explicite as
razões pelas quais decidiu assim e não de outro modo. Tais razões exigem
sempre a análise crítica das provas e a especificação dos demais fundamentos
decisivos para a convicção do juiz816. É assim que o juiz explicará por que
motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que mo-
tivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por
que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada
levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não
deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários
depoimentos. E é ainda assim que, por referência a certo depoimento e a

814
Relativamente à prova testemunhal, atente-se nas limitações prescritas nos arts. 393º,
394º e 395º do CC.
815
Para mais desenvolvimentos acerca do princípio da livre apreciação da prova e suas restri-
ções, Lebre de Freitas (Introdução…, ps. 196-200).
816
Como é evidente, jamais serão conformes à lei meras referências vagas e genéricas às “tes-
temunhas inquiridas”, à “inspecção judicial” ou à “perícia”.

355
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como
o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões coloca-
das, as hesitações que não teve (ou teve), a naturalidade e a tranquilidade
que teve (ou não)817.
Enfim, o juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua con-
vicção se formou, impondo-se a “identificação precisa dos meios probatórios
concretos em que se alicerçou a convicção do julgador” e ainda “a menção das ra-
zões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal
oposto relativos ao mesmo facto” 818,819.
A fundamentação da convicção do julgamento de facto, além de cons-
tituir a observância do dever constitucional de fundamentação das deci-
sões judiciais (art. 205º da CRP), desempenha uma função indispensável
para a compreensão da decisão pelos seus destinatários, para a sua even-
tual impugnação pelas partes e ainda para o seu controlo pelo tribunal de
recurso820. Acresce que a necessidade de motivar o julgamento de facto
sempre levará o juiz a confrontar a sua íntima convicção com os elemen-
tos probatórios constantes dos autos, em termos de aquela convicção
encontrar apoio nestes elementos, o que contribui fortemente para evitar
decisões fundadas em meras impressões ou em simples intuições821.

Ainda no âmbito da fundamentação da convicção do juiz em sede de


julgamento de facto, importa agora analisar o tratamento a dar aos factos
instrumentais, face ao disposto no nº 4 do art. 607º.
Os factos instrumentais servem para a prova indiciária dos factos
essenciais, porquanto através deles se poderá chegar, por via de pre-
sunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes.

817
Similarmente, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, ps. 315-316).
818
Cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 655).
819
Na certeza de que cada caso ditará específicos e particulares cuidados na apreciação da
prova, é de subscrever a posição de Abrantes Geraldes (Sentença…, p. 8, nota de rodapé
nº 11), quando adverte para o seguinte: “Cientes de que a verdade absoluta é estranha ao Direito
e que, por conseguinte, a formulação de juízos judiciários deve assentar, conforme as circunstâncias e a
natureza do caso, em critérios que se orientem pela verosimilhança ou pela maior ou menor probabili-
dade, não devem ser feitas exigências probatórias irrealistas que, na prática, acabem por revelar uma
situação de denegação de justiça”.
820
Cfr. o art. 662º 2.d).
821
Cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 654) e Lebre de Freitas (A ação declarativa...,
p. 317). Acerca do grau de convicção, cfr. Castro Mendes (Do conceito..., ps. 321-328).

356
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

Quer isto dizer que os factos instrumentais desempenham “uma função


probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material
das pretensões e da defesa”822.
Conforme resulta do nº 1 do art. 5º, o ónus de alegação aí previsto não
se dirige aos factos instrumentais, mas somente aos factos essenciais, o
que logo implica a inexistência de qualquer preclusão quanto a eventuais
factos instrumentais não alegados823. Acresce que o juiz pode livremente
considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, tal
como estabelece a alínea a) do nº 2 do art. 5º824.
Já foi sendo dito, por mais de uma vez, que os factos a discriminar pelo
juiz para os efeitos do nº 3 do art. 607º serão somente os factos essen-
ciais825. A explicação é a seguinte: se é esta fundamentação que vai servir
de base à subsunção jurídica a operar, da mesma só terão de constar fac-
tos essenciais, os únicos com virtualidade para assegurarem o preenchi-
mento das previsões normativas a considerar.
Pela mesma ordem de razões, a declaração dos factos provados e não
provados a que alude o nº 4 do art. 607º também se reporta a factos
essenciais, até porque, como se viu, a discriminação dos factos (essenciais)
provados é feita a partir daquela decisão sobre os factos (essenciais) pro-
vados e não provados.
Nessa conformidade, o campo privilegiado dos factos instrumentais é
o da motivação da convicção do julgamento de facto, sendo este o sentido
do segmento “indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais” constante
do nº 4 do art. 607º826.
A convicção do juiz acerca dos factos essenciais da causa é o culmi-
nar de um processo lógico-dedutivo formado com base em diversos ele-

822
Assim, Lopes do Rego (Comentários…, ps. 252-253).
823
É evidente que a inexistência de ónus de alegação não equivale à proibição de alegação
desses factos.
824
Recorde-se que a cominação associada ao ónus de impugnação só vigora plenamente para
os factos essenciais e não já para os factos instrumentais. Estes últimos, embora não impug-
nados, não se consolidam e podem ser afastados por prova posterior, como assegura o art.
574º 2 in fine.
825
Neste sentido, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, ps. 548).
826
Pronunciando-se igualmente no sentido de que, por princípio, o lugar dos factos instru-
mentais é na motivação da convicção do julgamento de facto, Abrantes Geraldes (Sen-
tença…, p. 14) e Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, ps. 549).

357
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

mentos, sendo a motivação da convicção o meio de o juiz exteriorizar e objectivar


tal processo.
O convencimento do juiz acerca da realidade de certo facto essencial
pode fazer-se por diversos meios, alguns mais directos outros mais indirec-
tos: “Não há prova sem percepção do juiz, mas esta pode recair directamente sobre o
objecto ou sobre um facto do qual se possa concluir, segundo a experiência, a existên-
cia de um outro facto. Quando os factos caem directamente sob os sentidos do juiz
há prova directa – é o que sucede na inspecção judicial. Quando entre o juiz e os fac-
tos se interpõe outro facto, a prova é indirecta (testemunhas, documentos)”827,828.
É precisamente na prova indirecta que intervêm os factos instrumen-
tais, cuja função, como se disse, é a de permitir a prova dos factos essen-
ciais, o que supõe um processo dedutivo lógico estruturado em máximas
da experiência humana que se baseiam numa convenção social ou numa lei na-
tural829. É este o campo das presunções judiciais, ou seja, das ilações tiradas
pelo julgador de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido,
o que só pode ocorrer nos termos e nos casos em que é admissível prova
testemunhal (cfr. os arts. 349º e 351º do CC)830,831.
A lei impõe que o juiz, quando a sua convicção acerca da realidade
de factos essenciais resulte de dedução estribada em factos instrumen-
tais, assuma isso mesmo e exponha o raciocínio por si desenvolvido para
chegar à ilação relativa ao facto essencial. Considerando que os factos
instrumentais, por si só, não relevam para o juízo de procedência ou im-
procedência das pretensões deduzidas em juízo, compreende-se que, por

827
Assim se expressou Manuel Rodrigues, citado por Castro Mendes (Do conceito de
prova…, p. 176).
828
Sendo a inspecção judicial (490º) o caso mais impressivo de prova directa, também a apre-
sentação de coisas móveis ou imóveis (art. 416º) assim poderá ser considerada. Os outros
meios de prova configuram prova indirecta, nomeadamente os documentos (arts. 423º e ss.),
a perícia (arts. 467º e ss.), a verificação não judicial qualificada (art. 494º) e a prova testemu-
nhal (arts. 495º).
829
A este propósito, cfr. Castro Mendes (Do conceito de prova…, ps. 178-184), secundado por
Lebre de Freitas (Introdução…, ps. 172-173.
830
Conforme assinala Castro Mendes (Do conceito de prova…, p. 179), a ligação do facto ins-
trumental ao facto essencial que daquele se deduz pode ser imediata ou mediata, querendo
esta última significar que pode haver uma cadeia de presunções até se alcançar a ilação do
facto essencial.
831
Podem encontrar-se em Abrantes Geraldes (Sentença…, ps. 15-17) alguns exemplos de
acções em que a convicção acerca de factos essenciais se alicerça em presunções judiciais.

358
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

regra, não sejam tratados noutro plano, isto é, não sejam objecto de um
juízo probatório específico, surgindo outrossim na explanação do raciocí-
nio subjacente ao juízo probatório relativo aos factos essenciais832.
O que importa saber é em que termos o juiz logrou convencer-se da
realidade dos factos essenciais. Se tal convencimento resultou de ilação
tirada de um facto instrumental, o juiz deverá explicar isso mesmo, refe-
rindo com precisão o facto instrumental sobre o qual trabalhou e a pro-
gressão do raciocínio encetado até ser alcançado tal resultado probatório.
Como é evidente, isto não autoriza que fique por explicar o próprio meio
que permitiu ao juiz firmar o facto instrumental (que é o facto conhecido
que suporta a ilação que conduzirá ao facto desconhecido, isto é, ao facto
essencial)833. É que faz necessariamente parte da motivação da convic-
ção subjacente ao julgamento de facto baseado em factos instrumentais a
indicação precisa dos termos em que julgador acedeu ao facto instrumental. Caso
contrário, por muito esclarecida que fosse a dedução feita a partir do
facto instrumental, sempre ficaria por explicitar o quadro subjacente à
dedução e, com isso, por fundamentar devidamente o juízo relativo ao
próprio facto essencial834.

832
É esta também a opinião de Abrantes Geraldes (Sentença…, p. 14). Noutra perspectiva,
defendendo a necessidade de um juízo probatório específico sobre os factos instrumentais,
Soares Gomes (Decisões judiciais…, ps. 342-344).
833
Se tal sucedesse, teríamos por certo uma decisão de facto que pecava por deficiência de
fundamentação, a ponto de o próprio tribunal da Relação dever determinar a descida do
processo à 1ª instância, nos termos da alínea d) do nº 2 do art. 662º.
834
Ontem como hoje, os riscos de “manipulação das presunções judiciais” a que alude Soares
Gomes (Decisões judiciais…, p. 343) enfrentam-se com rigor e exigência ao nível da motiva-
ção da convicção, e não tanto submetendo os factos instrumentais ao mesmo tratamento dos
factos essenciais, na certeza de que uns e outros representam dimensões valorativas diversas.
Aliás, uma das consequências das más práticas associadas ao questionário e à base instrutória
foi a de os factos essenciais e os instrumentais serem tratados indistintamente pelo tribunal
(e, assim, submetidos ao mesmo tipo de juízo probatório). Dando nota disso, Abrantes Ge-
raldes (Sentença…, ps. 11-12). É patente que o CPC de 2013, pela formulação do art. 5º 2.a)
e especialmente do art. 607º 4, visa recolocar ordem neste delicado domínio. Pode dizer-se,
com Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, ps. 548-549), que isso
equivale a “dotar de maior qualidade a decisão sobre os factos essenciais que vêm a ser os fundamentos
da decisão final da causa, em sentido estrito, reconduzindo a motivação da pronúncia de facto, pelo enri-
quecimento que esta inclusão [dos factos instrumentais] lhe proporciona, à centralidade que o art. 205º,
nº 1, da CRP obriga”.

359
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Ficou dito que os factos instrumentais podem servir de base a pre-


sunções, mais precisamente a presunções judiciais, as quais respeitam a
ilações tiradas pelo julgador, guiado por regras da experiência (art. 349º
do CC). Nesses casos, a função do facto instrumental é probatória rela-
tivamente ao facto essencial, devendo ser tratado a esse título, isto é, ao
nível da motivação da convicção do julgamento de facto.

Diferentes serão as coisas quando estivermos perante presunções legais


(art. 350º do CC), que se caracterizam pela circunstância de, perante a
verificação de certos pressupostos de facto, a ilação a tirar corresponder a
um resultado imposto por lei.
Se o resultado ou conclusão jurídica é imediata decorrência da ve-
rificação de determinados pressupostos de facto, o ponto nuclear da
ponderação judicial está precisamente nesses pressupostos. Nessa me-
dida, tais pressupostos de facto assumem foros de essencialidade, impondo-
-se que sejam objecto de um juízo probatório específico, valendo então
como factos essenciais e não apenas como instrumentais835. Por exemplo,
a propósito dos danos causados por edifício que ruir, por vício de cons-
trução ou defeito de conservação, o art. 491º 1 do CC presume a culpa
do proprietário ou do possuidor. Este é um caso em que a ilação firmada
depende de um juízo probatório específico acerca da posse ou da proprieda-
de, condição necessária para ser accionada a presunção legal. Na mesma
linha, se pensarmos nos vários casos de presunção de paternidade estabe-
lecidos no art. 1871º do CC, tratando-se aí de um resultado fixado por lei
a partir de certo quadro factual, então os factos susceptíveis de accionar
a presunção (previstos em cada uma das alíneas daquele preceito) valem
como essenciais e demandam um juízo probatório específico quanto à sua
verificação836,837.

835
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Sentença…, p. 14).
836
O exemplo relativo à presunção legal de paternidade encontra-se em Abrantes Geral-
des (Sentença…, p. 13), cujas considerações a propósito se acompanham, nomeadamente
quando, em coerência com a natureza essencial dos factos que sustentam a presunção,
adverte para o seguinte: i) na pendência de acção proposta com base numa presunção,
a invocação de outra presunção configura alteração da causa de pedir, sujeita às restrições
dos arts. 264º e 265º; ii) em tal acção, a sentença não pode reconhecer a paternidade com
fundamento em presunção distinta da que foi invocada na petição inicial. Com entendimen-
to contrário, Teixeira de Sousa (Algumas questões…, ps. 398 e 401), submete ao estrito re-
gime dos factos instrumentais os pressupostos de facto de presunções legais, dizendo que os

360
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
837
.
Ainda acerca do tratamento a dispensar aos factos instrumentais, há
que antecipar que, em certas situações, poderá ser duvidosa a qualificação
a dar a certas categorias de factos, seja em função do modo como os factos
são alegados, seja por não ser unívoca a qualificação jurídica da contenda.
Nesses casos, é aconselhável a adopção de critérios mais pragmáticos ou
funcionais, em detrimento de opções mais conceptuais ou dogmáticas.
Por outras palavras, deverá seguir-se um critério maximalista, em de vez
minimalista. Consequentemente, até pela vantagem de limitar o risco de
eventual anulação da decisão em sede de recurso, a pretexto da omissão
de factos tidos como necessários para a decisão838, será mais prudente
submeter tais factos a um juízo probatório específico839.

Antes de finalizar a análise à vertente de facto da sentença, é de sa-


lientar a previsão contida na parte final do nº 4 do art. 607º, que aponta
no sentido de que o resultado valorativo a que o juiz chegue terá de pas-
sar sempre pelo crivo da compatibilização de toda a matéria de facto adquirida,
querendo isso significar que o julgamento de facto firmado na sentença
deverá assegurar a concatenação de todos os pontos de facto, em vista
de um quadro factual lógico, coerente e verosímil, tudo isso temperado
ainda pela extracção de presunções a partir dos factos apurados, podendo
tais presunções ser impostas por lei ou por regra de experiência.

Por fim, cumpre ter presente que o juiz deverá ainda considerar duas
outras categorias de factos, sem estar dependente da sua alegação pelas
partes, como decorre do teor da alínea c) do nº 2 do art. 5º.
De um lado, os factos notórios, isto é, os factos que são do conhecimento
geral. Factos notórios são os factos conhecidos ou susceptíveis de conhe-
cimento pela generalidade das pessoas de um círculo mais ou menos alar-

mesmos “são substituíveis por quaisquer outros”. Tal entendimento não coincide, porém,
com o expresso noutro lugar: cfr. Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 73).
837
A essencialidade a reconhecer aos pressupostos de facto susceptíveis de suportar uma
presunção legal terá inevitáveis consequências para os efeitos do disposto no art. 5º.
Nesse caso, o ónus de alegação previsto no respectivo nº 1 versa sobre a factualidade que
preenche os pressupostos da presunção legal. Foi isto mesmo que se disse aquando do tra-
tamento da matéria da petição inicial e, mais concretamente, da causa de pedir.
838
Cfr. a parte final da alínea c) do nº 1 do art. 662º.
839
Sugerindo tal cautela, Abrantes Geraldes (Sentença…, p. 17) e Ramos de Faria/Ana
Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 549).

361
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

gado, aí se incluindo as partes e o juiz da causa, em termos de não haver


motivos para duvidar da sua existência840. Atenta a sua natureza, além de
não terem de ser alegados, também não carecem de demonstração (noto-
ria non egent probatione), nos termos consignados no nº 1 do art. 412º841,842.
De outro lado, os factos de conhecimento jurisdicional prévio do tribunal.
Trata-se de factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do
exercício das suas funções (e não de factos do conhecimento privado do
juiz). Atenta a origem (funcional) do conhecimento destes factos, a lei
dispensa a respectiva alegação e prova pelas partes843, mas a sua conside-
ração supõe que o juiz faça juntar aos autos documento comprovativo do
facto cujo conhecimento é invocado, tal como exige o nº 2 do art. 412º844.

b) Fundamentos de direito
Nos termos da segunda parte do nº 3 do art. 607º, cumpre ao juiz indicar
as normas jurídicas aplicáveis, interpretá-las e aplicá-las ao caso concreto.
Estamos agora no âmbito do enquadramento jurídico da lide, aqui
vigorando o princípio segundo o qual jura novit curia, isto é, o princípio
da liberdade de julgamento quanto às regras de direito, com expressão
no nº 3 do art. 5º845.

840
São exemplos de factos notórios, a distância entre as duas maiores cidades do país, a
realização de um evento de grande relevo (v. g., a Expo 98 ou o Euro 2004), um aconteci-
mento histórico ou político relevante (v. g., o 25 de Abril de 1974 ou o fim da soberania por-
tuguesa em Macau), a entrada em circulação do euro, a ocorrência de um sismo ou de um
incêndio de elevadas dimensões, a presença da Troika em Portugal entre 2011 e 2014.
841
A propósito dos factos notórios, cfr. Lebre de Freitas (Introdução..., ps. 169-171). Tei-
xeira de Sousa (As partes..., ps. 207-208). Para maior desenvolvimento, Castro Mendes
(Do conceito…, ps. 614 e ss, especialmente ps. 628-638).
842
Como assinala Teixeira de Sousa (As partes..., p. 208), a pretensa notoriedade de um
facto não pode obstar a que a parte interessada intente demonstrar que, afinal, o facto não é
real.
843
O que se pretende, segundo José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 264), é
“desobrigar da prova os factos passados e provados noutro processo, factos esses que o tribunal conhece por
virtude do exercício das suas funções”.
844
Assim acontecerá, por exemplo, quando a causa constitua repetição de uma outra pen-
dente no mesmo tribunal ou já decidida por sentença, transitada em julgado, proferida pelo
mesmo tribunal. Pode também ocorrer quando o juiz introduz no processo um facto que já
foi demonstrado (documentalmente) num outro processo em que interveio (v. g., a morte
de uma das partes ou a transferência da propriedade de um imóvel).
845
Tenha-se presente que esta liberdade de julgamento deve, nos termos do nº 3 do art. 3º, res-
peitar a proibição de decisões-surpresa. Quando, ao elaborar a sentença, o juiz se consciencia-

362
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM

O referido enquadramento jurídico opera-se por via da subsunção dos


factos julgados provados na norma ou normas jurídicas aplicáveis, isto é,
na norma ou normas cuja previsão abstracta abarque a situação material
concretamente apurada nos autos846, sendo o desfecho dessa subsunção
reflectido na concreta decisão a proferir.
Tradicionalmente, falava-se em silogismo judiciário para descrever o
raciocínio a desenvolver na operação de subsunção, em que a premissa
maior seria a previsão contida na norma jurídica aplicável, a premissa menor
seria fornecida pelos factos declarados como provados e a conclusão se-
ria representada pela decisão judicial, traduzindo a aplicação concreta
da estatuição inserta na norma. O certo é que tal entendimento foi evo-
luindo em virtude da constatação de que a “generalidade das sentenças obe-
dece a um traçado formal mais complexo do que esse módulo rígido e excessivamente
elementar”847. Com efeito, tantas e tantas vezes, os factos apurados não
se reconduzem à previsão abstractamente veiculada numa única norma
jurídica, mas em várias. Assim, “em lugar de assentar sobre um único silogismo,
a decisão final repousa sobre os vários silogismos que ajudam, cada qual com a sua
contribuição a encontrar a resposta completa à pretensão formulada pelo autor, à
luz do direito aplicável” 848. Depois, há diversos domínios, nomeadamente
na integração de lacunas e no preenchimento de conceitos gerais e inde-
terminados, em que a intervenção do julgador vai muito para além de

lize de que poderá vingar um enquadramento jurídico não equacionado pelas partes, seja nos
articulados [arts. 552º 1.d) e 572º c)], seja nas alegações orais produzidas na audiência final [art.
604º 3.e)], deverá ser assegurado àquelas a oportunidade de se pronunciarem à luz desse novo
enquadramento. Sobre este ponto, Lebre de Freitas (Introdução…, ps. 133-136).
846
É nesta altura que, com base na factualidade apurada, o juiz deve resolver as questões
de saber se a dívida foi contraída em proveito comum do casal [art. 1691º 1.c), 2 e 3 do CC], se
houve reputação como filho e tratamento como filho ou se houve concubinato duradouro, nas acções
de investigação de paternidade [art. 1871º 1.a) e c) do CC], se houve simulação na celebração
de um negócio (art. 240º do CC), se a alteração das circunstâncias em que as partes con-
trataram é anormal (art. 437º do CC), se o objecto ou fim do negócio é contrário à ordem pú-
blica ou ofensivo dos bons costumes (arts. 280º e 281º do CC), se os benefícios obtidos por um
dos contraentes através do contrato são excessivos ou injustificados (art. 282º do CC), se havia
velocidade exagerada, inadequada ou excessiva, se há necessidade de habitação pelo senhorio para
denúncia do arrendamento [art. 1101º a) do CC], se há violação de regras de higiene, de sossego e
de boa vizinhança pelo locatário [art. 1083º 2.a)], se o autor da testamento estava incapacitado
de entender o sentido da sua declaração (art. 2199º do CC).
847
Cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 672).
848
Cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual…, ps. 673-674).

363
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

meros raciocínios lógico-formais849. Por isso, na actualidade, “tem sido


reconhecido que a fundamentação da sentença não é tão linear e unidireccional,
mas que o método de interpretação das normas aos factos provados se desenvolve de
forma mais circular ou até pendular – o chamado círculo hermenêutico” 850.
Raciocinando nos termos referidos, aplicando o direito aos factos ti-
dos como provados na acção, o juiz alcança a decisão relativa ao mérito da
causa e concluirá pela procedência ou improcedência (total ou parcial)
do pedido.

849
Cfr. Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 318, nota de rodapé nº 5).
850
Cfr. Soares Gomes (Decisões judiciais…, p. 352).

364
E) Instrução

Outra das alterações trazidas pelo CPC de 2013 contende com os pre-
ceitos atinentes à instrução, isto é, à produção de prova em juízo. Tradi-
cionalmente, estes preceitos estavam incluídos nas disposições relativas
à tramitação da acção declarativa comum ordinária (arts. 513º a 645º do
CPC de 1961). Agora, encontram-se no Título V do Livro II do CPC de
2013, constituindo os arts. 410º a 526º.
Quer isto dizer que, quebrando a tradição do nosso sistema, os pre-
ceitos sobre a instrução foram deslocados para a parte geral do código,
o que se compreende se tivermos presente que as suas previsões não são
típicas ou exclusivas da acção declarativa, aplicando-se outrossim em to-
dos os domínios processuais em que haja lugar a diligências de produção
de prova, no processo declarativo ou no executivo, na forma comum ou
na especial, em acções, em procedimentos cautelares ou em incidentes.
Por outro lado, ao retirar-se cerca de uma centena e meia de preceitos da
regulamentação da acção declarativa, contribui-se para enfatizar o sen-
tido da concentração processual na acção declarativa e para destacar a
ideia de que a acção declarativa comum deve decorrer em torno de duas
audiências: a audiência prévia e a audiência final. Com efeito, atentando
na regulamentação da acção declarativa comum, verificamos que a au-
diência prévia está tratada nos arts. 591º a 593º, surgindo a audiência final
logo a partir do art. 599º. Acresce que está cada vez mais esbatida, se
não eliminada, a ideia de que a instrução constituía uma fase autónoma
do processo declarativo, o que supunha uma visão estanque e sequencial
da tramitação, algo que hoje não tem verdadeira correspondência com a

365
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

realidade. Mesmo no passado, quando se dizia que a instrução constituía


a terceira fase do processo (a seguir às duas primeiras fases: articulados
e saneamento; antecedendo as duas últimas: discussão e julgamento, e
sentença), tal afirmação desatendia a circunstância de parte da instrução,
desde logo a respeitante à prova documental, ter lugar privilegiado no
momento da apresentação dos articulados. Por outro lado, quando se fa-
lava em instrução, tanto se podia aludir à designada actividade instrutória
(traduzida na indicação dos meios de prova de que as partes pretendiam
fazer uso em juízo), como à actividade probatória (relativa já à utilização
daqueles meios, à concreta produção de prova), sendo certo que uma e
outra das actividades não correspondiam a momentos estanques e fecha-
dos851.

1. Prova. Função da prova. Objecto da instrução


Nas acções submetidas a juízo há, por princípio, duas vertentes a con-
siderar, na medida em que as partes estejam em desacordo em ambas.
De um lado, temos a vertente fáctica. De outro, a vertente jurídica.
Quando, proposta uma acção com determinados fundamentos de
facto, os mesmos não são questionados pelo réu, ora porque confessa tais
factos, ora porque a falta de impugnação desses factos conduz à respec-
tiva admissão, a vertente fáctica fica estabilizada assim que finda a fase
inicial do processo, restando apenas decidir a questão no plano do di-
reito, o que deverá ocorrer logo na fase intermédia do processo, mais
precisamente no despacho saneador, nos termos indicados na alínea b)
do nº 1 do art. 595º. Já quando, como é mais frequente, aquilo que divide
as partes não se restringe ao enquadramento jurídico da questão, mas
assenta em divergentes pontos de vista acerca da realidade das coisas, a
solução jurídica só poderá ser equacionada depois de definido o quadro
fáctico da questão litigiosa.

É aqui que entra a necessidade da prova.


A prova é a actividade desenvolvida em juízo no sentido do convenci-
mento do julgador da realidade de um facto. Nesta linha, o art. 341º do

Aceitando a nova inserção sistemática das disposições relativas à instrução, Ramos de


851

Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 333). Aceitando também, embora
com reservas, Isabel Alexandre (A fase da instrução…, ps. 13-14). Criticando-a, Lebre de
Freitas (Sobre o novo...., p. 24).

366
INSTRUÇÃO

CC estabelece que as provas “têm a função de demonstração da realidade dos


factos”852. A referida actividade passa pela utilização de meios susceptí-
veis de assegurar aquele convencimento, ou seja, passa pela utilização de
meios de prova.

Conforme resulta do art. 410º, a delimitação do objecto da instrução


é assegurada pelos temas da prova enunciados nos termos indicados no
nº 1 do art. 596º.
Para compreender o art. 410º, convém que tenhamos presentes as ra-
zões históricas subjacentes à opção legislativa pela figura dos temas da
prova: i) o propósito de libertar o processo do espartilho que sempre
constituíram o questionário e a base instrutória (definindo prematura e
preclusivamente o conteúdo do julgamento de facto); ii) o propósito de
que a produção de prova decorra somente balizada pelos limites naturais
do processo, isto é, pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas.
Nessa conformidade, sendo indiscutível que a prova recai sobre factos con-
cretos (e não sobre temas), o art. 410º pretende assinalar que os factos a
apurar em juízo serão todos quantos (ora porque alegados, ora porque
resultantes da própria instrução) tenham atinência com os temas da prova
enunciados853. De resto, a parte final do art. 410º confirma claramente
que, haja ou não enunciação de temas da prova, a instrução tem por ob-
jecto factos854.

852
Sobre o conceito de prova e as acepções em que pode ser tomada, cfr. Manuel de An-
drade (Noções...., ps. 191-193), Varela/Bezerra/Nora (Manual…., ps. 440-443) e Castro
Mendes (Direito... 1987, Vol. II, ps. 659-661).
853
No CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, o objecto da prova era assim definido no art.
513º: “A instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam consi-
derar-se controvertidos ou necessitados de prova”. A formulação que hoje temos no art. 410º, não
visando uma solução tecnicamente diferente (pois a prova respeitará a factos concretos),
tem a incontornável virtude de afastar os riscos a que, durante anos, conduziu a interpreta-
ção do revogado art. 513º, preceito que até era tido como tecnicamente exacto. Revelando a
utilidade da formulação adoptada, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…,
Vol. I, p. 333-334). Apontando incorrecção terminológica ao art. 410º, Lebre de Freitas
(A ação declarativa...., p. 207).
854
O princípio iura novit curia, com expressão no nº 4 do art. 5º, tem por natural consequên-
cia não haver prova tendo por objecto o direito ou questões de direito. De todo o modo,
estando em causa a existência e o conteúdo de direito consuetudinário, local ou estrangeiro,
a parte que invocar este tipo de direito deve, nos termos do art. 348º 1 do CC, fazer a respec-

367
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Os factos cuja demonstração se busca em processo hão-de ser aqueles


que se mostrem relevantes para a boa decisão da causa, o que nos reconduz
aos factos essenciais, isto é, àqueles de cuja verificação depende a proce-
dência das pretensões deduzidas pelas partes. Mas também poderão ser
factos que constituam a base de uma presunção legal855. Seja com for, só devem
considerar-se factos (ainda) carecidos de demonstração.
Em conformidade com tudo quanto já foi dito, é evidente que a ac-
tividade probatória pode recair sobre factos instrumentais, na medida em que
podem ser um meio, através das ilações que permitem, de demonstração
daqueles factos essenciais. Neste âmbito, face ao disposto na parte final
do nº 2 do art. 574º, não pode ser rejeitada a pretensão probatória que
vise afastar a admissão provisória de factos instrumentais.

Quando falamos em factos como objecto da prova, estamos a referir


os “acontecimentos e circunstâncias concretos, determinados no espaço e no tempo,
passados e presentes, do mundo exterior e da vida anímica humana que o direito ob-
jectivo converteu em pressuposto de um efeito jurídico”856. Além das ocorrências
ou eventos reais, a prova também poderá ter por objecto as “ocorrências
virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros
juízos de facto” 857,858,859.

tiva prova, embora o tribunal deva indagar oficiosamente sobre a questão. A este propósito,
cfr. Manuel de Andrade (Noções…, p. 195) e Teixeira de Sousa (As partes…, ps. 213-215).
855
Como já se referiu, a propósito da fundamentação da sentença, assumem foros de essen-
cialidade (com o inerente juízo probatório) os pressupostos de facto que servem de base a
uma presunção legal, visto que a ilação tirada a partir deles corresponde a um resultado im-
posto por lei.
856
Cfr. Rosenberg (Tratado…., T. II, p. 209). São factos internos os que respeitam a estados
anímicos ou psíquicos.
857
Cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual..., ps. 408-409). É do domínio dos factos hipotéticos
a circunstância de os danos não serem evitados, ainda que houvesse a diligência devida (art.
492º 1 in fine do CC), a produção dos danos, ainda que não houvesse culpa (art. 493º 1 in fine
do CC) e a situação que o lesado teria caso não tivesse sofrido a lesão (art. 562º do CC).
858
Segundo Manuel de Andrade (Noções…, p. 194) podem ser objecto de prova: “tanto os
factos do mundo exterior (..) como os da vida psíquica”; (..), tanto os factos reais (…) como os hipotéti-
cos; tanto os factos nus e crus (…) como os juízos de facto”.
859
Para Anselmo de Castro (Direito…, Vol. III, p. 268), “são factos não só os acontecimentos ex-
ternos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”.

368
INSTRUÇÃO

Importa acrescentar que, sob pena de as mais das vezes saírem frus-
tradas as pretensões das partes, a prova produzida em juízo não tem pro-
priamente em vista a demonstração da realidade dos factos num grau de
certeza absoluta. Com efeito, nas palavras de Antunes Varela, a prova
“visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prá-
tica do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na cer-
teza relativa do facto”860. Também Lebre de Freitas, na senda de Castro
Mendes, assinala que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a reali-
dade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente
atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente
probabilidade ou verosimilhança” 861.

2. Ónus de alegação, iniciativa da prova e ónus da prova. Princí-


pio do inquisitório. Princípio da aquisição processual. Crité-
rio de julgamento em casos de dúvida
Para que o juiz se convença da realidade de um facto deverá ser produ-
zida prova em conformidade. Salvo se houver limitações quanto ao
modo de prova de certos factos ou quanto à utilização de certos meios
probatórios, é possível o convencimento do julgador derivar de qualquer
meio probatório a que o tribunal tenha acesso, independentemente da
parte de quem proveio o concreto meio de prova e independentemente
de esse meio de prova ter sido accionado por requerimento das partes
ou por determinação do tribunal, como se verá adiante.
De todo o modo, não é indiferente a natureza (constitutiva, impedi-
tiva, modificativa ou extintiva) de cada facto, seja para determinar a parte
a quem tal facto aproveita, seja para definir os efeitos decorrentes da falta
da respectiva prova, o que conduz à questão do ónus da prova de uns factos
e de outros.
O art. 342º do CC estabelece o critério geral da repartição do ónus da
prova entre as partes. Nos termos do seu nº 1, a quem “invocar um direito
cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Resulta do nº 2
que compete à parte contrária “a prova dos factos impeditivos, modificativos
ou extintivos do direito invocado”.

860
Antunes Varela, citado em Varela/Bezerra/Nora (Manual..., p. 436 e nota de rodapé
nº 1).
861
Lebre de Freitas (Introdução…, p. 200).

369
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Por regra, quem propõe uma acção invoca determinado direito, daí
partindo para a formulação do concreto pedido. Na mesma linha, o de-
mandado, para além da eventual impugnação dos factos alegados na peti-
ção, é admitido a invocar matéria com virtualidade impeditiva, modifica-
tiva ou extintiva do direito invocado pelo demandante. Significa isto que
cada uma das partes terá o ónus de provar os factos susceptíveis de funda-
mentar a respectiva pretensão: ao autor (ou reconvinte) caberá provar os
factos que sustentam o direito por si feito valer; ao réu (ou reconvindo)
cumprirá a prova dos factos que sustentam a sua defesa por excepção.
Em virtude disso, isto é, por existir conexão entre a parte beneficiada
com a prova de determinado facto e o (óbvio) interesse dessa parte na
prova de tal facto, há uma certa tendência para fazer coincidir o conceito
de ónus da prova com o de iniciativa da prova. Em rigor, as coisas colo-
cam-se em três planos distintos: ónus de alegação; (conveniência da) inicia-
tiva da prova; ónus da prova862.
Para o reconhecimento de um direito em juízo, aquele que demanda
deverá sustentar a sua pretensão, o que passa pela observância do ónus de
alegação dos factos constitutivos desse direito, nos termos consignados
no nº 1 do art. 5º.
Tal direito apenas será reconhecido se os factos de que emerge forem
demonstrados em juízo. Em caso de falta de prova, tais factos não se te-
rão por demonstrados. E se houver dúvida sobre a realidade de um facto,
também isso levará a que se tenha por não provado tal facto.
Dado que a prova dos factos constitutivos do direito interessa ao au-
tor, como condição do reconhecimento do direito por si feito valer, dir-
-se-á que é da natureza das coisas a conveniência do autor na iniciativa da
prova, aportando aos autos os meios probatórios que tenha por aptos ao
convencimento do juiz. Sucede, porém, que a falta de iniciativa probató-
ria ou uma iniciativa mal sucedida não significam, sem mais, que o facto
deixe de ser demonstrado.
Por um lado, o art. 411º, consagrando o princípio do inquisitório, estabe-
lece o poder-dever de o juiz “realizar ou ordenar todas as diligências necessárias
ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de

Dando nota da não sobreposição dos conceitos, Lebre de Freitas (Introdução…, p. 177 e
862

nota de rodapé nº 60). Cfr. também Lebre de Freitas (A ação declarativa…, ps. 210-211).

370
INSTRUÇÃO

que lhe é lícito conhecer”863. São manifestações do inquisitório as previsões


contidas nos arts. 436º (requisitar documentos), 452º (determinar de-
poimento de parte), 477º (ordenar perícia), 490º (realizar inspecção
judicial), 494º (determinar verificação não judicial qualificada) 501º (in-
quirir testemunhas no local da questão) e 526º (inquirir oficiosamente
testemunhas). E destas diligências bem poderá resultar demonstrado o
facto constitutivo do direito do autor.
Por outro lado, à luz do art. 413º, que consagra o princípio da aquisição
processual864, será irrelevante, por regra, a origem da prova, isto é, quando
a prova produzida nos autos conduza à demonstração de certo facto cons-
titutivo do direito do autor, o juiz deverá considerar tal facto como pro-
vado, ainda que a sua convicção tenha por base um meio de prova apor-
tado pelo réu, e não pelo autor,865.
Assim sendo, pode dizer-se que o critério característico do ónus da
prova releva, não para efeito da iniciativa da prova e não para a conside-
ração das provas produzidas em juízo, mas sim para a fixação das conse-
quências decorrentes da falta de prova de certo facto, começando até na
fixação das consequências decorrentes da persistência de dúvida acerca
da realidade desse facto. Por outras palavras, a alusão ao critério do ónus
da prova deve ser reservada para a fixação das consequências (negativas)
que decorrem para a parte em virtude da falta de prova de factos de que
depende o reconhecimento da sua pretensão, até porque a regra do ónus
da prova é uma regra de decisão866.

863
O art. 411º corresponde ao nº 3 do art. 265º do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96.
Remonta àquela Reforma a alteração da formulação legal relativa às competências instru-
tórias do juiz (de “o juiz tem o poder de ordenar” passou-se para “incumbe ao juiz realizar ou orde-
nar”), configurando tais competências como um poder-dever ou um poder vinculado. Neste sen-
tido, Lopes do Rego (Comentários…, ps. 259-260) e Lemos Jorge (Os poderes…, ps. 62-64).
864
Cfr. Castro Mendes (Do conceito..., ps. 166-167, e Direito... 1987, Vol. II, ps. 659-661).
865
A parte final do art. 413º ressalva as disposições que declarem irrelevante a alegação de
um facto, quando não seja feita por certo interessado. Em rigor, esta ressalva contende mais
com a articulação entre o ónus de alegação das partes e os poderes de cognição do tribu-
nal (art. 5º), já que o problema não está tanto a origem da prova, mas na circunstância de a
mesma revelar matéria que o juiz só pode considerar mediante a alegação da parte a quem
aproveitam (é o caso das excepções peremptórias inoficiosas). Dando nota disto, por refe-
rência aos arts. 264º e 515º do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, Lebre de Freitas/
/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Anotado, Vol. 2º, p. 401).
866
Cfr. Manuel de Andrade (Noções…, p. 199).

371
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Até esse momento, isto é, enquanto não se esgotarem as vias proba-


tórias possíveis (incluindo, naturalmente, as que o juiz pode e deve desen-
cadear oficiosamente867), será prematuro um raciocínio orientado pelos
critérios do ónus da prova, especialmente para justificar a inércia do tri-
bunal perante o desígnio do apuramento da verdade e da justa composição do
litígio marcado no art. 411º.
Nessa medida, também não deve ser confundido aquilo que é próprio
do princípio do inquisitório, em que a actuação do juiz é vinculada desde que se
convença da necessidade de certa diligência probatória, com uma pretensa auto-
-responsabilidade das partes em sede probatória. É evidente que as par-
tes têm o ónus de indicar os meios de prova de que pretendem fazer uso
nos autos, sendo previsível que a omissão de tal indicação lhes seja des-
favorável868. De resto, não seria próprio as partes confiarem em exclusivo
nos poderes inquisitórios do tribunal, esperando que fosse o juiz a deter-
minar toda e qualquer diligência de prova, o que redundaria, as mais das
vezes, num exercício errático e infrutífero, por falta de um critério mí-
nimo para tal. Na verdade, o inquisitório deve orientar-se por um padrão
mínimo de objectividade, condição para ser exigível que o juiz adopte
certa conduta em matéria instrutória. Para isso, muito contribuirá o zelo
probatório das partes. De todo o modo, uma vez verificados os pressu-
postos que lhe impõem exercer as incumbências previstas no art. 411º, é
vedado ao juiz justificar a sua inércia com a tal auto-responsabilidade das
partes869,870,871.

867
Reflectindo sobre o exercício dos poderes instrutórios do juiz, Lemos Jorge (Os poderes…,
ps. 64-79).
868
Embora a omissão não conduza à irregularidade do articulado, a lei refere o requerimen-
to probatório como um dos elementos a incluir na petição inicial e na contestação, como se
vê pelos arts. 552º 2 e 572º d), respectivamente.
869
Acerca do princípio da auto-responsabilidade das partes, Lebre de Freitas (Introdução…,
ps. 181-183).
870
Embora a propósito de outra vertente, Lemos Jorge (Os poderes…, ps. 67) mostra bem
que se colocam em planos diferentes (logo, não inconciliáveis) o direito das partes à prova
(“destinado a tutelar os seus interesses”) e o poder-dever do juiz (“destinado a tutelar um interesse
público de descoberta da verdade, instrumental à realização da justiça”).
871
É à luz deste critério que, segundo cremos, deve ser tomado o que Lebre de Freitas
(Introdução…, p. 176) escreve nos termos seguintes: “ao juiz cabe, no campo da instrução do pro-
cesso, a iniciativa e às partes incumbe o dever de colaborar na descoberta da verdade, respondendo ao que
lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e prati-
cando os atos que forem determinados”. A leitura desenquadrada do segmento citado poderia

372
INSTRUÇÃO

Retomando o que vinha sendo dito, se o facto é constitutivo do direito


invocado e não foi demonstrado em juízo, a consequência da falta de
prova do facto será uma decisão negativa quanto a esse direito.
Além disso, como o non liquet sobre tal facto não desonera o juiz do
dever de decidir (art. 8º do CC), havendo dúvida quanto à existência
desse facto, a sua natureza constitutiva impõe que a dúvida seja resolvida
contra a parte a quem o facto aproveita, tal como prescreve o art. 414º,
isto é, dar-se-á como não provado esse facto872, o que levará também, agora
neste contexto, ao não reconhecimento do direito invocado pelo autor
da acção873.

3. Ónus da prova em casos especiais e inversão do ónus da prova


A lei consagra critérios especiais acerca do ónus da prova e critérios de inver-
são do ónus da prova.
Face ao disposto nº 1 do art. 343º do CC, nas acções de simples apreciação
negativa, incumbe ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que
se arroga, o que é compatível com o oportunamente referido acerca da
arrogância extrajudicial do réu (afirmando a titularidade de um direito),
aí radicando, aliás, a necessidade do recurso à via judicial por banda do
autor, o mesmo é dizer o seu interesse em agir.
Depois, nos termos do nº 2 do art. 343º do CC, nas acções que devam
ser propostas dentro de certo prazo a contar do momento em que o autor
teve conhecimento de determinado facto, é ao réu (salvo quando da lei
resulte solução diversa) que incumbe a prova do decurso do prazo, o que
aponta para a natureza extintiva de tal circunstância.

induzir uma ideia excessiva: a legitimação da absoluta inércia da parte. O equilíbrio do nosso
regime legal resulta da intersecção de duas dimensões: por um lado, o ónus da iniciativa
probatória das partes; por outro, o poder-dever do juiz em sede instrutória. Daqui resulta o
seguinte: jamais as partes podem encontrar naquele poder-dever um pretexto para negli-
genciarem a sua iniciativa probatória; jamais o juiz pode ver naquela iniciativa probatória
um alibi para a sua própria inércia. O critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível
da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa com-
posição do litígio. Verificando-se o pressuposto da necessidade, o juiz tem um dever oficial de
agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever.
872
Note-se que a operância do critério contido no art. 414º conduz apenas a isto mesmo: é
dado como “não provado” o facto. Tal critério não implica já que se dê como provado o facto
contrário. Parecendo ter ideia diferente, Teixeira de Sousa (As partes..., p. 216).
873
O art. 414º estabelece um outro critério: a dúvida sobre a repartição do ónus da prova é
resolvida contra a parte a quem o facto aproveita.

373
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Segundo o estabelecido no nº 3 do art. 343º do CC, se o direito ale-


gado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe
a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu, o que revela
estarmos perante factos constitutivos874; em contrapartida, se o direito esti-
ver sujeito a condição resolutiva ou a termo final, incumbe ao réu provar a veri-
ficação da condição ou o vencimento do prazo, o que mostra tratar-se de
factos extintivos875.

O art. 344º do CC prevê a inversão do ónus da prova em algumas situa-


ções, querendo isso significar que, em desvio à regra, a prova do facto não
tem de ser feita pela parte a quem o mesmo aproveita, antes recaindo
sobre a outra parte o encargo de provar o facto contrário.
Há inversão do ónus da prova quando a parte beneficia de presunção
legal (art. 344º 1 do CC), tida esta como a ilação que a lei tira de um facto
conhecido para firmar um facto desconhecido876. A presunção legal ra-
dica em regras da experiência: trata-se de dar como assente um facto a par-
tir da demonstração de outro facto, tendo em conta o elevado grau de
probabilidade ou de verosimilhança da conexão entre este facto (base da
presunção) e aquele outro (facto presumido)877.
Como a parte que tem a seu favor a presunção legal escusa de provar
o facto a que aquela conduz (art. 350º 1 do CC), cabe-lhe então a prova
do facto que constitui a base da presunção, isto é, sempre cabe à parte a
demonstração do facto probatório, aquele em que se alicerça a presunção
legal.
Num caso destes, em que o reconhecimento da pretensão deduzida
em juízo corresponde à afirmação de um resultado decorrente de uma
presunção legal, a centralidade da alegação e da prova desloca-se para
os factos probatórios, a serem considerados como essenciais (integrando
a causa de pedir: art. 5º 1) e a reclamarem um juízo probatório especí-
874
Explicitando o sentido da solução, Varela/Bezerra/Nora (Manual…., p. 465).
875
Defendendo a natureza extintiva da condição resolutiva e do termo, “visto se tratar de facto
extintivo do direito do demandante”, Varela/Bezerra/Nora (Manual…., p. 465). Pronun-
ciando-se no sentido de que “são qualificados como factos impeditivos”, Teixeira de Sousa (As
partes…, p. 224).
876
Entre muitas outras previsões, estabelecem presunções legais os arts. 312º, 458º 1, 493º,
503º 3, 799º, 830º 2, 1260º 2, 1145º 1, 1268º 1, 1871º 1 do CC. Para mais indicações, cfr. Tei-
xeira de Sousa (As partes…, p. 225).
877
Cfr. Lebre de Freitas (A ação declarativa…, ps. 210-211).

374
INSTRUÇÃO

fico (integrando, se provados, a fundamentação de facto da sentença: art.


607º 3).
Poderá questionar-se a necessidade da alegação do próprio facto pre-
sumido. Tal alegação, se surgir isolada, implicará, não a ineptidão da peti-
ção, mas a sua deficiência, a suprir mediante convite ao aperfeiçoamento
(art. 590º 4), para que o autor esclareça a factualidade da qual pretende
extrair o facto presumido alegado, o que exige a especificação do ou dos
factos probatórios susceptíveis de suportar a ilação conducente ao facto
presumido. Já se tal alegação for feita em simultâneo com a alegação dos
factos probatórios, corresponderá apenas à explicitação do resultado a
que tais factos haverão de conduzir878.

Há também inversão do ónus da prova nos casos de dispensa ou liberação


legal ou convencional do ónus da prova (art. 344º 1 do CC)879,880, bem assim
quando a parte contrária haja culposamente impossibilitado a prova àquele a
quem a competia fazer (art. 344º 2 do CC). Neste último caso, a inversão
do ónus da prova surge como reacção à atitude da parte que, com dolo ou
negligência, criou uma situação em que a parte contrária (inicialmente
onerada com a prova do facto) fica impossibilitada de cumprir o ónus
e, assim, de provar o facto que lhe era favorável881. Tal como assinala a
878
Acerca disto, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 210, e Introdução…, 179) afirma que
a inversão do ónus da prova decorrente de presunção legal não dispensa a alegação do facto
presumido. Noutro passo, o mesmo autor afirma que os factos probatórios “só podem ser alega-
dos em vez do facto principal (presumido) quando constituam a base duma presunção legal”: cfr. Lebre
de Freitas (A ação declarativa…, p. 189-190).
879
Quanto à dispensa ou liberação legal do ónus da prova, exemplificando com os arts. 68º 2,
360º e 779º do CC, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, ps. 208-209, e Introdução…, p. 178,
nota de rodapé nº 62) explica que esta figura “traduz-se na obtenção dum resultado sem a apresen-
tação dum meio de prova ou qualquer atividade probatória: o facto dispensado de prova é dado por assen-
te por razões diversas duma regra da experiência”. Cfr. também Lebre de Freitas (Introdução…,
p. 178, nota de rodapé nº 62).
880
A dispensa ou liberação convencional do ónus da prova decorre de contrato probatório, a
submeter-se ao regime do art. 345º. A propósito, cfr. Remédio Marques (Acção declarativa…,
ps. 598-599).
881
Assim sucederá quando a parte destrói um documento que tem em seu poder, quando era
por via dele que a contraparte lograria a prova de certo facto (v. g., a entidade hospitalar des-
trói a ficha do doente, cuja teor permitiria apurar não terem sido adequados os tratamentos
ministrados, perante o quadro clínico do doente). Nesse cenário, invertido o ónus da prova,
fica esta parte onerada com a demonstração da adequação dos tratamentos aplicados. A este
propósito, cfr. os arts. 429º (documentos em poder da parte contrária), 430º (não apresen-

375
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

segunda parte do nº 2 do art. 344º do CC, este regime de inversão do


ónus da prova não obsta à aplicação de outras sanções fixadas na lei de
processo.

4. Valoração da prova (prova livre e prova legal). Meios de prova


e sua força vinculativa
É possível encontrar diversos graus de vinculação do julgador àquilo que
resulta da prova.
A regra é a da designada livre apreciação da prova, querendo isso signifi-
car que o juiz deverá proceder ao julgamento da matéria de facto segundo
a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 607º 5), a partir da
análise e ponderação dos diversos meios de prova produzidos. Neste
domínio desempenharão papel de relevo as máximas da experiência (fun-
dadas na normalidade das coisas), enquanto critérios de referência que
orientam o juiz no desenvolvimento do raciocínio decisório, justificando
e validando ilações sucessivas até ser alcançado o convencimento acerca
da realidade.
Apesar de a regra ser a da prova livre, há importantes áreas em que
vigora a prova legal (tabelada ou tarifada), significando isso que o valor
(valor probatório) de certos meios de prova é definido pela lei, impondo-
-se ao julgador.
Mesmo dentro da prova legal, há diferentes graus a considerar, em
função das condições em que será possível pôr em causa tal prova, fa-
lando-se então em prova bastante, plena e pleníssima882.
Diz-se prova bastante a que permite a formação da convicção do julga-
dor, mas que é susceptível de ser abalada por contraprova, entendida esta
como a criação de dúvida no espírito do julgador. Nos termos do dispos-
to no art. 346º do CC, sendo produzida prova sobre um facto pela par-
te a quem o mesmo aproveita, a parte contrária pode opor contraprova
acerca desse facto, com o intuito de o tornar duvidoso, bastando-lhe isso.

tação do documento) e 417º 2 (recusa da colaboração). Situação também aqui enquadrável


será a de o réu da acção de investigação de paternidade recusar submeter-se a exame de san-
gue, já que, podendo não ser o único meio de prova, é “um meio de prova de especial relevância”
– a este propósito, cfr. Lopes do Rego (Relevância dos exames de sangue…, p. 73).
882
Cfr. Castro Mendes (Direito…1987, Vol. II, ps. 672-677), Lebre de Freitas (A ação decla-
rativa…, ps. 211-214) e Teixeira de Sousa (As partes…, ps. 237-238).

376
INSTRUÇÃO

Com efeito, instalada a dúvida sobre o facto, o julgador não o pode dar
como provado883.
A prova plena é aquela que apenas é abalada pela prova do contrário.
Produzida prova legal plena, a forma de evitar que o julgador dê o res-
pectivo facto como provado é demonstrar que, afinal, o facto não ocorreu
(art. 347º do CC). É este o regime que caracteriza as presunções legais
iuris tantum, relativas ou ilidíveis (art. 350º 2 do CC)884. Assim acontece
também com os documentos autênticos (art. 371º do CC), cuja força pro-
batória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (art. 372º do CC)885.
A prova pleníssima não pode ser abalada sequer por prova do contrário,
sendo característica das presunções legais iuris et de iure, absolutas ou ini-
lidíveis, a que alude a parte final do nº 2 do art. 350º do CC886. Neste con-
texto, importa notar que a impossibilidade de ilisão respeita ao próprio
facto presumido. Assim, a parte contrária não está inibida de impugnar
o facto que sustenta a presunção, acabando por impedir que aquela seja
accionada.

Quanto aos meios de prova, o Código Civil enumera os seguintes887:


confissão (arts. 352º a 361º), prova documental (arts. 362º a 387º), prova

883
É exemplo o regime do art. 374º do CC, em que o valor probatório da letra e da assinatura
de documento pode ser posto em causa mediante simples impugnação da parte contrária,
o que conduz a um estado de dúvida acerca da respectiva veracidade. Assim, caberá à parte
que quer prevalecer-se do documento suplantar essa dúvida, o que passará por outras vias
probatórias.
884
É esta circunstância, aliás, que determina a inversão do ónus da prova consignada na pri-
meira do nº 1 do art. 344º.
885
Note-se que há restrições à prova testemunhal perante facto plenamente provado por do-
cumento ou por outro meio com força probatória plena (art. 393º 2 do CC), sendo que tais
restrições se estendem à presunção judicial (art. 351º).
886
Contêm presunções inilidíveis os arts. 243º 3, 579º 2, 1260º 3 e 2198º 2 do CC.
887
Por vezes, fala-se em prova por presunções, o que poderia induzir a ideia de que as presun-
ções seriam mais um meio prova (note-se que as presunções são referidas nos arts. 349º a
351º do CC, imediatamente antes dos diversos meios de prova tratados neste diploma legal).
Em rigor, as presunções não são meios de prova, na medida em que não são aptas à demons-
tração de factos, suportando outrossim um raciocínio que conduzirá à assunção de um facto
(o facto presumido). Deste modo, as presunções valem como meio de dispensa de prova do
facto presumido. Neste sentido, Teixeira de Sousa (As partes…, p. 210). Confirmando que
“a prova por presunções não tem autonomia processual” e assinalando que “o facto que serve de base à
presunção será provado por qualquer outro meio”, Manuel de Andrade (Noções…, p. 217).

377
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

pericial (arts. 388º e 389º), prova por inspecção (arts. 390º e 391º) e prova
testemunhal (arts. 392º a 396º).

No que respeita à força vinculativa destes meios de prova, pode dizer-


-se que, regra geral, eles são apreciados livremente pelo tribunal, como se
alcança do art. 358º 3 e 4 do CC (para a confissão extrajudicial e judicial
não escrita), dos arts. 366º, 371º 2, 376º 3 do CC (para os documentos),
do art. 389º do CC (para a prova pericial), do art. 391º do CC (para a ins-
pecção judicial) e do art. 396º do CC (para o depoimento testemunhal).
Não obstante, há alguns casos de apreciação legal (vinculada, tabelada ou
tarifada) de prova, como acontece com a confissão judicial escrita (art.
358º 1 do CC), com a confissão extrajudicial constante de documento di-
rigida à parte contrária (art. 358º 2 do CC) e com certa prova documental
(arts. 371º 1, 376º 1 e 377º do CC).

5. Princípio da audiência contraditória


A produção de prova em processo submete-se ao princípio da audiên-
cia contraditória, previsto no art. 415º, no sentido de garantir a ambas as
partes o acompanhamento dos actos instrutórios e probatórios (nº 1).
Quanto às provas constituendas, a parte não revel é notificada para to-
dos os actos de preparação e produção de prova, assegurando-se-lhe
ainda a faculdade impugnar seja a admissão seja a força probatória das
provas pré-constituídas (nº 2)888.

6. Dever de cooperação para a descoberta da verdade


O art. 417º consagra o dever de cooperação e estabelece que todas as pes-
soas, partes ou não, devem prestar a sua colaboração para a descoberta
da verdade, respondendo ao que lhes for solicitado, submetendo-se às
inspecções, facultando o que for requisitado e praticando os actos que
forem determinados.
A recusa de colaboração é sancionada e, se provier da parte, além da
sanção, o tribunal apreciará livremente tal conduta para efeitos proba-

888
Como manifestação deste princípio, cfr., entre outros, os arts. 461º 1, 467º 2, 468º 2,
471º 1, 474º, 476º 1, 480º 3 e 4, 485º 2, 491º, 514º, 518º 2, 521º e 523º. Cfr. ainda o art. 420º 2,
sobre a produção antecipada de prova, e o art. 427º, quanto à prova documental.

378
INSTRUÇÃO

tórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova nos termos fixados no


nº 2 do art. 344º do CC (art. 417º 2)889,890.

7. Actividade instrutória
Salvo quando a atitude da parte (ora confirmando, ora não impugnando
o alegado pela contraparte) leva à demonstração dos factos, a formação
da convicção do juiz acerca dos factos da causa implica a produção de
prova, querendo isto significar o desenvolvimento de certa actividade
processual traduzida na utilização de meios virtualmente aptos a con-
tribuírem para o convencimento do julgador. Esta actividade processual
pode ser abordada em diversos planos, desde o da indicação dos meios
de prova de que as partes pretendem fazer uso até à determinação ofi-
ciosa de diligências de prova, passando pela concreta produção de prova
e culminando na análise e valoração das provas.

No que respeita à indicação dos meios de prova pelas partes, já vimos


que, por rega, devem ser incluídos na petição inicial e na contestação os
requerimentos probatórios respectivos [arts. 552º 2 e 572º d)].
E também já vimos que os requerimentos probatórios podem ser alte-
rados em algumas situações. Quanto ao autor, se o réu contestar, a alte-
ração do requerimento probatório pode ter lugar sempre, ora na réplica,
havendo lugar a esta, ora no prazo de 10 dias a contar da notificação da
contestação (art. 552º 2). Quanto ao réu, este poderá alterar o seu reque-
rimento probatório no caso de, tendo formulado pedido reconvencional,
o autor replicar, dispondo para isso de 10 dias a contar da notificação da
réplica [art. 572º d)].
Depois disso, as alterações ao requerimento probatório poderão ocor-
rer na audiência prévia, quer esta seja logo convocada pelo juiz, nos ter-
mos do art. 591º, quer seja convocada na sequência de requerimento po-
testativo de alguma das partes, ao abrigo do nº 3 do art. 593º (art. 598º 1).
De modo mais limitado, porque circunscrito à prova testemunhal, o
nº 2 do art. 598º admite que o rol de testemunhas seja aditado ou alterado
até 20 dias antes da data em que se realize audiência final891.

889
O nº 3 do art. 417º prevê os casos em que a recusa de colaboração é legítima.
890
Sobre este ponto, cfr. o art. 357º 2 do CC, bem assim os arts. 429º e 430º.
891
Nesta situação, o nº 2 do art. 598º confere à parte contrária igual faculdade, sendo esta
notificada para esse efeito e dispondo de 5 dias, sendo certo que, tal como prescreve o

379
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Vejamos agora o modo como o CPC de 2013 regula a utilização de


cada um dos meios de prova.

7.1. Prova por apresentação de coisas móveis ou imóveis


Nos termos do art. 416º, as partes podem oferecer como meio de prova
uma coisa móvel ou imóvel.
Se a coisa móvel puder, sem inconveniente, ser posta à disposição do
tribunal, a parte deve entregá-la na secretaria judicial, dentro do prazo
previsto no art. 423º, sendo a parte contrária admitida a examinar a coisa
e a fotografá-la (art. 416º 1 in fine).
No caso de imóveis, ou de móveis que não seja possível depositar na
secretaria, deve a parte que indicar este meio de prova requerer a noti-
ficação da parte contrária, dando-se a esta oportunidade de examinar e
fotografar a coisa (art. 416º 2).
Dado que esta apresentação de coisas móveis ou imóveis tem uma
função probatória, a parte que pretenda utilizar este meio de prova deve
indicar logo os factos que visa comprovar através da apresentação da coisa.
Acresce que este meio de prova não é impeditivo de prova pericial ou
por inspecção quanto às coisas apresentadas (art. 416º 3).

7.2. Prova documental


A prova documental é a que resulta de documento, entendendo-se por
documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de repro-
duzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (art. 362º do CC).
No âmbito dos documentos escritos, temos os autênticos e os parti-
culares (art. 363º 1 do CC). São autênticos os documentos exarados, com
as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua com-
petência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo
notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os demais
documentos são particulares892 (art. 363º 2 do CC). Os documentos par-

nº 3 do art. 598º, as testemunhas assim aditadas ou alteradas pelas partes são a apresentar
por elas.
892
Atente-se que é equiparado ao documento particular o documento electrónico cujo con-
teúdo seja passível de apresentação como declaração escrita, nos termos do art. 3º do DL
nº 290-D/99, de 2.8, diploma que regula a validade, eficácia e valor probatório dos do-
cumentos electrónicos e assinatura digital. Sobre este ponto, cfr. Lebre de Freitas (A ação
declarativa..., ps. 241-242).

380
INSTRUÇÃO

ticulares são tidos por autenticados, quando confirmados pelas partes,


perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais (art. 363º 3
do CC)893.

O regime processual da prova documental, definido nos arts. 423º e


seguintes, sofreu uma importante alteração com o CPC de 2013, na parte
relativa ao limite temporal da sua apresentação, o que se conjuga com a
propósito de assegurar que a audiência final se realize na data marcada
e que, uma vez iniciada, decorra sem perturbações de maior quanto à
entrada de documentos 894.
A regra relativa à apresentação de documentos está consignada no nº 1
do art. 423º e aponta no sentido de que os documentos destinados a fazer
prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados
com o articulado em que sejam alegados os factos correspondentes.
O nº 2 do mesmo preceito admite, porém, a apresentação posterior
daqueles documentos até 20 dias antes da data em que se realize a au-
diência final895,896, sujeitando-se a parte à multa respectiva, salvo se justi-
ficar a apresentação tardia897.
Ultrapassado o limite temporal marcado no nº 2 do art. 423º, a junção
de documentos, sobremaneira no decurso da audiência final, está sujeita
às limitações fixadas no nº 3 do mesmo preceito, a saber: i) só são admi-
tidos os documentos cuja apresentação não tenha possível até então;

893
Para mais desenvolvimentos acerca do regime da prova por documentos, Lebre de Frei-
tas (A ação declarativa..., ps. 227-249) e Teixeira de Sousa (As partes…, ps. 243-252).
894
É esse propósito que justifica a solução do acordo de agendas na marcação da audiência
final [arts. 151º e 591º 1.g) e 593º 3] e a restrição das condições em que pode ocorrer a sus-
pensão da instância por acordo das partes (art. 272º 4), como já se disse.
895
Antes da vigência do CPC de 2013, o limite para esta apresentação posterior de do-
cumentos era o encerramento da discussão em 1ª instância (art. 523º do CPC de 1961), o que
tinha por efeito, tantas e tantas vezes, provocar o adiamento da audiência final ou a suspen-
são dos trabalhos, de modo a assegurar o exercício do contraditório. Além disso, a junção
de documentos no decurso da audiência final funcionava como elemento perturbador dos
depoimentos em curso. Agora, a antecedência imposta relativamente ao início da audiência
final assegura o oportuno contraditório e obvia a intuitos exclusivamente dilatórios.
896
Esta antecedência fixada na lei deve ser entendida como reportada à data em que a au-
diência final se realize efectivamente. Assim, em caso de eventual adiamento (art. 603º), rea-
bre-se a hipótese de apresentar documentos até 20 dias antes da nova data. Neste sentido,
Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 249, nota de rodapé nº 65A).
897
Cfr. o art. 427º, sobre a necessidade de notificação à parte contrária da junção de do-
cumento com o último articulado ou depois dele.

381
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

ii) só são admitidos os documentos cuja apresentação se tenha tornado


necessária em virtude de ocorrência posterior.
Acerca dos documentos apresentados a coberto da previsão do nº 3 do
art. 423º, e procurando evitar que daí resulte o adiamento ou suspensão
da audiência final, o art. 424º estabelece que, por princípio, tal apresen-
tação não obsta à realização das diligências de produção de prova agen-
dadas, assegurando-se embora o direito de a parte contrária examinar
os documentos no próprio acto, ainda que com suspensão dos trabalhos
pelo tempo necessário. Só não será assim quando o tribunal considerar o
documento relevante e declare que existe grave inconveniente no pros-
seguimento da audiência (art. 424º in fine)898,899.
Em condições normais, encerrada a discussão em 1ª instância, o passo
seguinte será a prolação da sentença, nos termos indicados no nº 1 do
art. 607º. Importa considerar, porém, a eventualidade de, nos termos
previstos na segunda parte deste nº 1, o juiz determinar a reabertura da
audiência para os fins aí indicados. Nesse cenário, limitado, contudo aos
respectivos termos, poderá voltar a ter aplicação o regime de apresen-
tação de documentos consignado no nº 3 do art. 423º.
O art. 429º regula a hipótese de a parte pretender utilizar um do-
cumento que se encontre em poder da parte contrária, caso em que de-
verá requerer a notificação dela para apresentar o documento, devendo
identificá-lo e indicar, na medida do possível, os factos que, através dele,
pretende provar900.

898
Encerrada a discussão em 1ª instância, o art. 425º regula a possibilidade de, já em recurso,
serem admitidos documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Importa ainda atentar no nº 1 do art. 651º, que prevê a junção de documentos em recurso
num outro quadro: o de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento profe-
rido na 1ª instância.
899
Da conjugação do art. 426º com o nº 2 do art. 651º resulta o seguinte: os pareceres de advo-
gados (mas não dos que patrocinam as partes: Ac. do TRE de 27.5.1976 − BMJ, 260º-185),
professores ou técnicos podem ser juntos em qualquer estado do processo, nos tribunais de
1ª instância; já em 2º instância, as partes apenas podem juntar pareceres de jurisconsultos,
e não de outros técnicos, sendo o limite dessa junção o início do prazo para a elaboração
do projecto de acórdão. Neste contexto, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras
notas…, Vol. II, p. 80) referem a hipótese de ser junto à alegação de recurso, quando é im-
pugnada a decisão sobre a matéria de facto, “parecer técnico não jurídico”, dada a sua função de
esclarecer o julgador quanto a factos de natureza técnica.
900
Cfr. os arts. 430º e 431º, sobre a hipótese de não apresentação do documento. Por ou-
tro lado, acerca da utilização de documentos em poder de terceiro, cfr. os arts. 432º a 434º.

382
INSTRUÇÃO

7.3. Prova por confissão das partes


Nos termos do disposto no art. 352º do CC, “confissão é o reconhecimento
que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte
contrária”.
A confissão das partes pode fazer-se por diversos meios, judicial ou
extrajudicialmente (art. 355º do CC). Entre as formas de confissão judi-
cial (art. 356º do CC), a que tem tratamento processual autónomo é a
que resulta do depoimento de parte (arts. 452º e ss.)901.
O depoimento de parte pode ser requerido ou oficiosamente deter-
minado (art. 452º)902. Sendo requerido, devem logo indicar-se, concre-
tamente, os factos sobre que o depoimento há-de recair, sob pena de re-
cusa (art. 452º 2). Nos termos do nº 3 do art. 553º, cada uma das partes
pode requerer o depoimento da parte contrária bem como o dos seus
compartes, desde que o pretenso depoente tenha capacidade judiciária
(art. 453º 1)903,904.

Cfr. ainda, a propósito da requisição de documentos e informações pelo tribunal, os arts.


436º e 437º, a conjugar com o art. 7º 4.
901
As outras formas de confissão judicial são as feitas nos articulados, por termo no processo,
ou por prestação de informação ou esclarecimentos ao tribunal (art. 356º do CC). Relativa-
mente à última modalidade, cfr. o nº 2 do art. 7º.
902
Sustentando que o depoimento determinado pelo juiz ao abrigo nº 1 do art. 452º tem
uma amplitude maior do que no correspondente preceito do código revogado (nº 1 do art.
552º do CPC de 1961), Isabel Alexandre (A fase da instrução…, ps. 34-37). Defendendo que
o segmento aditado (“informações ou esclarecimentos”) nada acrescenta de substancial, Ramos
de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 353).
903
Considerando a finalidade do depoimento de parte (o eventual reconhecimento de factos
desfavoráveis ao depoente), é compreensível que nenhuma das partes possa oferecer o seu
próprio depoimento. Já quanto ao requerimento de depoimento de um comparte, é de no-
tar que o mesmo só faz sentido quando a posição assumida nos autos pelos compartes (em
litisconsórcio ou em coligação) não seja comum, em termos de poder haver a expectativa de
que, em depoimento, um deles reconheça factos que lhe sejam desfavoráveis e favoreçam
aquele (comparte) que requereu o depoimento. Se a posição for comum, a eventual confis-
são do depoente prejudicá-lo-ia não só a si mas também ao comparte que requereu o depoi-
mento, o que é contrário à essência desta figura. Por outro lado, nunca esse depoimento
poderia servir para fazer prova de factos favoráveis ao requerente do depoimento (e tam-
bém favoráveis ao próprio depoente), pois isso redundaria num depoimento testemunhal,
proibido pelo art. 496º. Sobre este ponto, Lebre de Freitas/Montalvão Machado/ Rui
Pinto (CPC Anotado, Vol. 2º, ps. 470-471).
904
Cfr. o art. 453º 2, quanto ao depoimento de parte de inabilitados e de representantes de
incapazes, pessoas colectivas ou sociedades, e o art. 455º sobre o depoimento do assistente
(cjg. com o art. 328º 3).

383
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Normalmente, o depoimento de parte é prestado na audiência final


[arts. 456º e 604º 3.a)]905, para o que deve notificar-se pessoalmente o
depoente, dando-se-lhe conta da data, local e fim da comparência (art.
253º 2)906.
Antes de começar o depoimento907, o juiz deve dar cumprimento ao
disposto no art. 459º, isto é, alertar o depoente para o significado moral
do juramento a prestar, e incitá-lo a depor com verdade, advertindo-o
para as sanções aplicáveis às falsas declarações, exigindo, de seguida, que
o depoente preste juramento, segundo a fórmula constante do nº 2 do
mesmo preceito, sendo que a recusa a prestar juramento implica recusa
a depor (art. 459º 3), atitude que será livremente apreciada pelo tribunal
para efeitos probatórios (art. 357º 2 do CC).
O interrogatório, feito pelo juiz, incidirá sobre os factos que consti-
tuem o objecto do depoimento (art. 460º), sendo certo que o depoente
só pode ser interrogado sobre factos pessoais ou de que deva ter conhe-
cimento (art. 454º 1)908.
O depoente deve responder às perguntas de forma clara, podendo,
para o efeito, consultar documentos ou apontamentos de datas ou factos,
mas não pode trazer o depoimento escrito, assegurando-se à parte con-
trária a possibilidade de requerer as instâncias necessárias para o esclare-
cimento ou completamento das respostas (art. 461º).
Embora o interrogatório seja feito pelo juiz (art. 460º), os advogados
das partes, além de assistirem ao depoimento, podem pedir directamente
esclarecimentos ao depoente (art. 462º 1)909.
Nos termos do nº 1 do art. 463º, o depoimento prestado perante o
tribunal da causa é reduzido a escrito, na parte que envolva confissão, a

905
O depoimento pode também ser prestado na audiência prévia (art. 456º 3).
906
Contudo, o depoimento pode ocorrer noutro lugar e momento, quando se verifiquem as
circunstâncias indicadas no nº 1 do art. 556º e no art. 557º. Por outro lado, se a parte re-
sidir fora do município onde se encontra sediado o tribunal ou o juízo, o depoimento será
prestado por meio de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visu-
al e sonoro, em tempo real, a partir do tribunal ou do juízo da área da sua residência (arts.
456º 2 e 502º).
907
Quanto à ordem dos depoimentos, cfr. o art. 458º.
908
Mas nunca sobre factos criminosos ou torpes de que a parte seja arguida (art. 454º 2).
909
Cfr. Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Anotado, Vol. 2º,
p. 481).

384
INSTRUÇÃO

fim de ter a força probatória plena da confissão judicial escrita (art. 358º


1 do CC)910,911.

7.4. Prova por declarações das partes


Tradicionalmente, em processo civil, as próprias partes apenas prestavam
depoimento em juízo quando tal fosse requerido pela parte contrária ou
determinado oficiosamente pelo juiz, sendo certo que isso acontecia
com intuito confessório. Essa vertente tradicional mantém-se no CPC de
2013, resultando do disposto nos arts. 452º a 465º, acabados de analisar.
A verdade é que sempre foi um tanto controvertida a questão de sa-
ber em que medida haveriam de ser valoradas as afirmações feitas pelas
partes naquilo em que não tivessem conteúdo confessório. Poderia o juiz
ignorar em absoluto essa vertente do declarado pelas partes? Ou poderia
tomar isso em consideração, à luz do princípio da livre apreciação da pro-
va, procedendo à sua valoração em conjunto com os demais elementos
dos autos?912
Por outro lado, a dinâmica da vida e dos processos foi mostrando que
aquele regime tradicional, justaposto às prescrições substantivas relati-
vas à prova por confissão, conduzia a situações que, aqui e ali, acabavam
por constranger o direito à prova e por criar certos desequilíbrios entre
as partes. Por exemplo, no caso de um acidente entre viaturas conduzi-
das pelos respectivos proprietários, proposta acção para efectivação de
responsabilidade civil por um dos condutores, o autor não poderia depor
salvo com intuito confessório, mas o outro condutor poderia depor como
testemunha arrolada pela companhia de seguros ré. Outro exemplo: no
domínio de relações negociais entre duas sociedades comerciais, em que
intervieram, de um lado, o gerente ou o administrador e, de outro, o di-
rector comercial, na respectiva acção judicial, o director comercial pode

910
No art. 563º do CPC de 1961, previa-se a redução do depoimento a escrito, mesmo que
tivesse sido gravado. À luz do CPC de 2013, a gravação ocorre sempre (art. 155º), pelo que o
art. 463º deixou de fazer qualquer alusão à gravação, mantendo a exigência da redução a es-
crito. Quanto ao regime das confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos arti-
culados, cfr. os arts. 46º e 465º 2.
911
Para mais desenvolvimentos acerca do regime da prova por confissão, Lebre de Freitas
(A ação declarativa..., ps. 255-276) e Teixeira de Sousa (As partes…, ps. 241-243).
912
Recordando diversos aspectos do regime anterior ao CPC de 2013, Isabel Alexandre (A
fase da instrução…, ps. 26-30).

385
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

depor como testemunha arrolada pela sua entidade patronal, mas o ge-
rente ou o administrador, porque legais representantes da sociedade, ape-
nas poderão depor em sede de depoimento de parte. Mais um exemplo:
em acções que contendam com relações jurídicas indisponíveis, como a
acção de divórcio, não é possível requerer o depoimento de parte do ou-
tro cônjuge com vista a produzir prova, por não ser admissível confissão.
Noutro plano, importa reconhecer que, no decurso da produção de
prova em audiência, pode suceder que certos aspectos não fiquem sufi-
cientemente clarificados, havendo pertinência em esclarecer, precisar ou
concretizar esses pontos, sob pena de escaparem à percepção do julgador
ou tal percepção não ser a mais adequada. Às vezes, só mesmo as partes
podem assegurar isso. No regime anterior, ou o juiz se consciencializava
dessa conveniência e tinha a iniciativa de pedir os esclarecimentos, ou
então as partes não podiam voluntariar-se para esse efeito.
O CPC de 2013, mantendo, como se disse, o regime tradicional, pas-
sa a prever a possibilidade de as próprias partes tomarem a iniciativa de
prestação de declarações, nisto consistindo a prova por declarações de parte,
regulada no art. 466º.
É de notar, desde logo, que esta figura tem carácter voluntário, na me-
dida em que é a própria parte que se oferece para depor, requerendo a
prestação de declarações (art. 466º 1)913. Depois, estas declarações ape-
nas podem recair sobre factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente
ou de que tenha conhecimento directo (art. 466º 1). Além disso, e ao contrá-
rio da generalidade dos meios de prova, que devem ser indicados em mo-
mento prévio, o requerimento relativo à prova por declarações de parte

913
A natureza voluntária das declarações de parte significa que este meio de prova não pode
ser requerido pela contraparte nem determinado oficiosamente pelo juiz. Quanto à parte
contrária, tem ao seu dispor o regime do depoimento de parte (art. 452º 2), até porque,
esse sim, tem intuito confessório. Por seu turno, o juiz tem ao seu dispor mecanismos ade-
quados e suficientes, ora determinando o depoimento de parte (art. 452º 1), ora solicitando
esclarecimentos (art. 7º 2). O sentido e a função desta nova figura não parece consentir ou-
tro entendimento. Com idêntica posição, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 278).
Também assim, embora referindo que a questão oferece dúvidas, Isabel Alexandre (A
fase da instrução…, p. 31). Admitindo a determinação oficiosa das declarações de parte, com
base no art. 411º, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 365).
Na jurisprudência, rejeitando a oficiosidade, cfr. o Ac. do TRL de 10.4.2014 (processo
nº 2022/07.1TBCSC-B.L1-2), admitindo a oficiosidade, cfr. o Ac. do TRG de 17.9.2015 (pro-
cesso nº 912/14.4TBVCT-A.G1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

386
INSTRUÇÃO

pode ser apresentado até ao início das alegações orais em 1ª instância (nº 1 do
art. 466º). Cumpre ainda notar que, ao propor-se prestar depoimento
neste contexto, a parte deve indicar os factos sobre que há-de recair o seu
depoimento (art. 452º 2 ex vi art. 466º 2)914.
Tratando a questão da força probatória das declarações de parte, o
nº 3 do art. 466º estabelece que tais declarações estão sujeitas ao regime
da livre apreciação do tribunal, em conexão, de resto, com nº 5 do art.
607º, a não ser que constituíam confissão, pois aí teremos já o sistema de
prova vinculada915.
Face ao sistema probatório instituído, o mais provável é que a prova
por declarações de parte tenha uma natureza essencialmente supletiva,
isto é, será um meio ao qual as partes recorrerão nos casos em que, face à
natureza pessoal dos factos a averiguar, pressintam que os outros meios
probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convenci-
mento do juiz. Nessas situações, embora não exclusivamente nessas, é
natural que a parte seja levada a supor que o seu próprio depoimento
terá a virtualidade de contribuir para que a convicção do juiz se forme em
sentido favorável à sua pretensão916.
O carácter supletivo da prova por declarações de parte é induzido, aliás,
por duas circunstâncias. Por um lado, por não ser exigida a sua menção
no requerimento probatório inicial, como acontece com os demais meios
de prova. Por outro lado, por poder ser requerido até ao início das ale-
gações orais em 1ª instância, isto é, até ao último momento em que, em
curso normal, é possível a produção de prova917.

914
A omissão dessa indicação dos factos deve suprida mediante convite judicial. Nesse sen-
tido, cfr. o Ac. do TRP de 18.12.2013 (processo nº 114/09.1TBETR-A.P1) e o Ac. do TRG de
12.11.2015 (processo nº 7178/11.6TBBRG-A.G1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
915
Nos termos do nº 2 do art. 466º, à prova por declarações de parte aplica-se o disposto no
art. 417º (dever de cooperação para a descoberta da verdade) e ainda, com as necessárias
adaptações, a regulamentação sobre o depoimento de parte (arts. 452º a 465º). Assim, o
interrogatório deverá ser feito pelo juiz (art. 460º), podendo os advogados pedir directa-
mente esclarecimentos ao depoente (art. 462º). Havendo confissão, o depoimento é redu-
zido a escrito (art. 463º 1).
916
Esta disposição (este impulso, às vezes) para depor comporta riscos, já que bem pode
suceder que, em vez de conseguir o seu propósito, a parte declarante acabe por ficar vin-
culada a afirmações de conteúdo confessório.
917
Como resulta da colocação da alínea e) do nº 3 do art. 604º e do teor do nº 4 do mesmo
preceito, as alegações orais são o último acto a praticar na audiência final e apenas depois de
concluídas as diligências de produção de prova.

387
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Quando a prestação de declarações de parte for requerida em tempo


útil, ou seja, até à audiência prévia ou no decurso desta, deverá ser con-
siderada na programação dos actos a praticar na audiência final. Nos de-
mais casos, assim que for confrontado com tal requerimento, caberá ao
juiz enquadrar esta diligência nos actos a praticar na audiência, previstos
nas primeiras quatro alíneas do nº 3 do art. 604º.
Embora a lei nada diga a este propósito, afigura-se, por princípio, que,
sendo requerido este meio de prova no decurso da audiência final, a parte
deverá estar presente no momento do requerimento, em termos de po-
der depor na ocasião918.
Requerida a prestação de declarações por uma das partes, é evidente
que a outra pode fazer idêntico requerimento, bastando que esteja tam-
bém presente no acto. Se, todavia, a contraparte não estiver presente na
audiência final, não se afigura que lhe deva ser dado conhecimento de tal
requerimento, a pretexto do princípio do contraditório ou do princípio
da igualdade. Por um lado, não há um nexo directo entre as declarações
de parte do autor e as do réu, em termos de as declarações de um cons-
tituírem resposta às do outro (e vice-versa). Por outro lado, se vai haver
declarações de parte, é sinal de que ainda não se iniciaram as alegações
orais em 1ª instância, pelo que a parte contrária, por si e sem necessidade
de ser notificada para o efeito, está em tempo de se propor prestar decla-
rações919.

918
A não ser assim, ter-se-ia de admitir que a parte (não presente na audiência) anunciasse
ao juiz, através do respectivo mandatário, a intenção de prestar declarações para os efeitos
do art. 466º, com a necessidade de a audiência final prosseguir noutra sessão para esse efeito.
É de reconhecer que tal solução, além poder servir intuitos dilatórios, não joga com a opção
legislativa assente no relevo da programação da audiência final e na tendencial inadiabili-
dade desta. De todo o modo, visto que o direito à prova merece tutela adequada, haverá, por
certo, circunstâncias em que o juiz, consciencializando-se do eventual relevo das declara-
ções da parte não presente na audiência, deverá admitir que o requerimento seja formulado
pelo mandatário e a parte ouvida entretanto. Nesta ponderação, entende-se que o juiz ha-
verá de considerar as razões pelas quais a parte não está presente (na certeza de que a pre-
sença em audiência não é obrigatória, salvo havendo convocatória expressa) e as razões pelas
quais não antecipou a conveniência do requerimento agora formulado. Desde modo, não se
adere por inteiro ao entendimento de Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras no-
tas…, Vol. I, p. 365), mas reformula-se posição assumida noutro local: João Correia/Paulo
Pimenta/Sérgio Castanheira (Introdução ao estudo…, ps. 57-58).
919
Tudo isto não obsta a que, em raciocínio similar ao exposto na nota anterior e em home-
nagem ao direito à prova, o juiz admita que a manifestação de vontade quanto à prestação

388
INSTRUÇÃO

7.5. Prova pericial


A prova pericial – que pode resultar de requerimento das partes ou de de-
terminação judicial (art. 467º 1) – tem por fim a percepção ou apreciação
de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos
especiais que o julgador não possua, ou quando os factos, relativos a pes-
soas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388º do CC).
Nos termos do nº 1 do art. 568º, a perícia é requisitada pelo tribunal a
entidades competentes para o efeito920. Quando tal não seja possível ou
conveniente, a perícia é realizada por um único perito, nomeado pelo
juiz da causa. Porém, a perícia pode ser colegial (isto é, realizada por três
peritos921) quando o juiz o determine oficiosamente ou alguma das partes
o requeira (art. 468º 1)922.
O perito é obrigado a desempenhar com diligência a função para que
tiver sido nomeado, sob pena de multa quando infrinja os deveres de cola-
boração com o tribunal (art. 469º 1), podendo ser destituído pelo juiz
se for negligente no desempenho do encargo que lhe foi cometido (art.
469º 2). É aplicável aos peritos, com as necessárias adaptações, o regime
de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes (art. 470º 1)923.
Quando requeira a perícia, a parte deve indicar logo, sob pena de rejei-
ção, o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretenda

de declarações de parte provenha do mandatário, ouvindo-se entretanto o constituinte não


presente na ocasião. Com uma posição mais radical, rejeitando qualquer interrupção ou sus-
pensão da audiência para que a contraparte possa requerer prestação de declarações, Ramos
de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 366). Defendendo a necessidade
de a contraparte ser notificada para, querendo, requerer a prestação declarações e enfati-
zando a igualdade de armas, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 278, e Sobre o novo....,
p. 29).
920
É o caso do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, do Instituto Nacional
de Medicina Legal, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e do Laboratório de Exa-
me de Documentos e Escrita Manual da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
Quanto às perícias médico-legais, cfr. o nº 3 do art. 467º e a Lei nº 45/2004, de 19.8.
921
Um nomeado pelo tribunal e os outros dois indicados pelas partes (art. 468º 2).
922
Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, a perícia é apenas sin-
gular (art. 468º 5).
923
Sobre os impedimentos do juiz, cfr. os arts. 115º e 117º; sobre a suspeição, cfr. o art. 120º.
Há casos de dispensa legal do exercício da função de perito (art. 470º 2), bem assim a hipó-
tese de pedido de escusa (art. 470º 2). O art. 471º regula as condições em que são alegadas
as causas de impedimento, suspeição e dispensa legal da função de perito, e em que é reque-
rida a escusa.

389
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

ver esclarecidas com este meio de prova (art. 475º 1)924. Se entender que
a diligência requerida é pertinente, o juiz, depois de ouvir a parte contrá-
ria (art. 476º 1), fixa o objecto exacto da perícia (art. 476º 2)925. Quando
o juiz determinar oficiosamente a realização de perícia, deverá no des-
pacho fixar o respectivo objecto, sendo as partes admitidas a sugerir o
alargamento a outra matéria (art. 477º).
A perícia tem início em data e local designados pelo juiz (art. 478º 1) e
os peritos, após a prestação do respectivo compromisso (art. 479º), pro-
cedem à inspecção e averiguações necessárias à elaboração do relatório
pericial (arts. 480º a 483º). O resultado da perícia é expresso em relatório,
no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre a
matéria que constitui o objecto da perícia (art. 485º).
Notificado o relatório às partes (art. 485º 1), estas são admitidas a
apresentar reclamação contra o mesmo, com fundamento em deficiên-
cia, obscuridade ou contradição, ou alegando que as conclusões não estão
devidamente fundamentadas (art. 485º 2). Não havendo motivo para de-
satender as reclamações, o juiz determinará que o perito complete, escla-
reça ou fundamente o relatório (art. 485º 3)926.

A lei admite que qualquer das partes requeira a realização de segun-


da perícia, devendo o respectivo requerimento, a apresentar em 10 dias
a contar do conhecimento do resultado da primeira perícia927, conter as
razões da discordância relativamente ao relatório pericial (art. 487º 1).
Independentemente da actuação das partes, o juiz pode sempre deter-
minar a realização de segunda perícia, quando a julgue necessária para o
apuramento da verdade (art. 487º 2), sendo certo que, em ambos os ca-
sos, o objecto da segunda perícia coincide com o da primeira, tendo por
fim a correcção de eventuais inexactidões do resultado desta (art. 487º
3). A segunda perícia terá o mesmo número de peritos da primeira e terá

924
A perícia pode reportar-se tanto aos factos alegados pelo requerente, como aos alegados
pela parte contrária (art. 475º 2).
925
Nos termos consignados no art. 474º, a parte que requereu a perícia não pode desistir
dela sem a anuência da parte contrária.
926
Ainda que não haja reclamações, sempre pode o juiz ordenar que o perito complete,
esclareça ou fundamente o relatório (art. 485º 4).
927
Este prazo conta-se da notificação do relatório pericial (art. 485º 1), mas, se houver recla-
mações contra o relatório (art. 485º 2), conta-se da notificação do relatório complementar.

390
INSTRUÇÃO

a estrutura daquela (colegial, se foi colegial; singular, se foi singular), não


podendo nela intervir quem tiver participado como perito na primeira
(art. 489º)928.

Os peritos podem ser convocados para comparecer na audiência fi-


nal, aí prestando esclarecimentos nos termos referidos no art. 604º 3.b),
quando algumas das partes o requeira ou o juiz assim ordene (art. 486º).

Quanto ao valor probatório da perícia, o art. 489º estabelece que a


segunda perícia não invalida a primeira, sendo ambas apreciadas livre-
mente, em conjugação, de resto, com o prescrito no art. 389º do CC.

7.6. Prova por inspecção


A prova por inspecção tem por fim a percepção directa de factos pelo juiz
(art. 390º do CC), tratando-se de uma diligência probatória que pode
ser requerida pelas partes ou ordenada oficiosamente pelo tribunal (art.
490º 1).
Neste contexto, prevê-se a possibilidade de o juiz, com ressalva da in-
timidade da vida privada e familiar e da dignidade humana, inspeccionar
coisas ou pessoas, a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interes-
se à decisão da causa, mais se prevendo a possibilidade de o juiz se deslo-
car ao local da questão ou mandar proceder à reconstituição dos factos,
quando a entender necessária (art. 490º 1).
As partes são admitidas a participar na inspecção, devendo ser notifi-
cadas do dia e hora respectivos, podendo prestar esclarecimentos ao juiz
e alertá-lo para factos que interessem à decisão da causa (art. 491º).
Da inspecção deve ser lavrado um auto, no qual se registem todos os
elementos úteis para o exame e decisão da causa, com a possibilidade de
o juiz determinar que se tirem fotografias para serem incorporadas no
processo (art. 493º)929.
O resultado da inspecção está sujeito à livre apreciação do juiz (art.
391º do CC).

928
Com posição diferente, admitindo que à perícia singular se siga uma colegial e o inverso,
Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 378).
929
O juiz pode ser acompanhado por técnico apto a elucidá-lo sobre a averiguação e inter-
pretação dos factos que se propõe observar, técnico esse que, nomeado no despacho que
determina a inspecção, deverá comparecer na audiência final (art. 492º).

391
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

7.7. Prova por verificações não judiciais qualificadas


O CPC de 2013 introduziu um novo meio de prova, previsto no art. 494º,
que se designa por verificações não judiciais qualificadas930.
O nº 1 deste preceito prevê a hipótese de, “nos casos em que seja legal-
mente admissível a inspecção judicial”, o juiz entender que, face à natureza
da matéria ou à relevância do litígio, não se justifica a percepção directa
dos factos pelo tribunal, podendo então ser incumbido técnico ou pes-
soa qualificada de proceder aos actos de inspecção de coisas ou locais ou
de reconstituição de factos e de apresentar o seu relatório, aplicando-
-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 490º a 493º.
Apesar de o texto do art. 493º induzir que este meio de prova é (apenas)
de determinação oficiosa, eventualmente em face de um requerimento
de inspecção judicial apresentado pelas partes, nada obsta a que estas, ao
requererem a inspecção, logo avancem a hipótese de se realizar alterna-
tivamente a verificação não judicial não qualificada931.
Face à colocação sistemática do preceito e face à sua própria formu-
lação, vemos que o campo de aplicação deste novo meio de prova é o que
tradicionalmente correspondia à inspecção judicial. A diferença radica, não no
conteúdo da diligência, outrossim na pessoa que dirige o acto ou nele
participa: na inspecção é o juiz (daí ser judicial), nestas verificações é um
técnico ou pessoa qualificada (daí ser não judicial).
A inspecção judicial tem a vantagem de proporcionar ao juiz da causa
um contacto directo com algo (coisa ou pessoa) ou com a realidade (des-
locação ao local da questão), mas também exige disponibilidade e condi-
ções do juiz para o efeito.
Até agora, quando a inspecção, independentemente do motivo, aca-
bava por não ser realizada, a via probatória (alternativa) de que as partes
se socorriam para demonstrar aquilo (ou parte daquilo) que seria expec-
tavelmente demonstrado pela inspecção acabava por ser a prova teste-
munhal.
Com esta nova figura, temos um meio de prova que permite a averi-
guação com acrescida eficácia e fiabilidade de factos que, não implicando
o juízo científico inerente à prova pericial, podem ser melhor fixados ou
esclarecidos por entidade isenta, imparcial e tecnicamente apetrechada
930
Assumindo que a se trata de um “verdadeiro meio de prova – instituto de direito probatório mate-
rial”, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 381).
931
Neste sentido, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 381).

392
INSTRUÇÃO

(permitindo ao tribunal evitar a menos fiável prova testemunhal, dispen-


sando igualmente inspecções judiciais que não sejam proporcionais ao
relevo e à natureza da matéria litigiosa)932.
O que subjaz à prova pericial é a necessidade de conhecimentos espe-
ciais que o juiz não tem (art. 388º do CC): daí a necessidade de um pare-
cer pericial. Colocado perante matéria para cuja percepção é destituído
de conhecimentos especiais, nunca pode o juiz equacionar o seu conven-
cimento por via de uma inspecção judicial, impondo-se que determine
a realização uma perícia933. Situação análoga, embora por outras razões,
teremos quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de
inspecção (art. 388º in fine do CC)934.
É certo que a lei fala em “técnico ou pessoa qualificada” (nº 1 do art.
494º), mas o grau da qualificação exigida sempre dependerá do que estiver
em causa, sendo perfeitamente possível que a verificação seja cometida
a um funcionário judicial, assim como a um agente de execução ou a um
notário. O critério será o da aptidão da pessoa designada para aquilo que
se visa com a diligência: uma verificação qualificada935.
Quanto à força probatória das verificações não judiciais qualificadas,
o nº 2 do art. 494º estabelece que as mesmas são livremente apreciadas
pelo tribunal, sem prejuízo das atestações realizadas por autoridade ou
oficial público936.

932
Acerca desta nova figura, António Martins (Código…, p. 222) antecipa que “pode ter rele-
vância, em termos de celeridade do processo e de fiabilidade da prova, a produção deste meio de prova, em
acções em que, não sendo necessária ou justificável a inspecção judicial, ainda assim o conhecimento físico
das características do local ajudará na percepção e valoração da restante prova, como sucederá nas acções
reais de reivindicação, nas acções respeitantes a acidentes de viação e nas acções tendo por objecto contrato
de empreitada”.
933
Como é evidente, a circunstância de haver perícia não inibe o juiz de realizar uma inspec-
ção judicial, mas a função desta última diligência é somente a da “percepção directa dos factos
pelo tribunal” (art. 390º do CC).
934
Não obstante, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 300) afirma que a verificação não
judicial qualificada “mais não se trata do que de um perícia”. Também Isabel Alexandre (A fase
da instrução…, p. 42) entende esta figura como modalidade de prova pericial. No sentido do
texto, situando a questão no quadro base da inspecção judicial, Ramos de Faria/Ana Luísa
Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, ps. 381-382).
935
Também Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 382) afirmam
que a qualificação varia em função do objecto da diligência.
936
Explicitando o sentido a dar à primeira parte do nº 2 do art. 494º, Ramos de Faria/Ana
Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, ps. 383-384).

393
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

7.8. Prova testemunhal


No campo da prova testemunhal, pretende-se que o depoente revele ou
exponha as suas percepções sobre os factos objecto de prova937.
Em princípio, podem depor como testemunhas todas as pessoas que,
não estando interditas por anomalia psíquica, tenham aptidão física e
mental, cabendo ao juiz verificar a capacidade natural das pessoas indica-
das como testemunhas, de modo a avaliar a admissibilidade e a credibili-
dade do depoimento (art. 495º)938,939.
Não podem ser testemunhas aqueles que podem depor como partes
(art. 495º), nesta restrição se incluindo os representantes de incapazes,
pessoas colectivas ou sociedades (art. 453º).
As testemunhas que as partes pretendam fazer depor em juízo são
indicadas no respectivo rol, designando-se nomes, profissões e moradas
(art. 498º 1).
Como já foi dito, o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado
até 20 dias antes da data da realização efectiva da audiência final, nos ter-
mos do nº 2 do art. 598º940, cabendo, porém, à parte assegurar a apresen-
tação da testemunha (art. 598º 3). Por outro lado, as testemunhas arrola-
das podem ser substituídas se ocorrer alguma das situações previstas nos
nºs 1 e 3 do art. 508º941. Além disso, a parte pode desistir a todo o tempo
da inquirição de testemunhas por si indicadas (art. 498º 2).

937
Os arts. 393º, 394º e 395º do CC estabelecem restrições quanto à prova testemunhal,
assim afastando este meio de prova. Precisando o alcance destas restrições, Lebre de Frei-
tas (A ação declarativa..., ps. 280-283). Não obstante, admitindo a prova testemunhal acer-
ca do acordo simulatório, quando haja início de prova documental, cfr. o Ac. do TRG de
12.11.2013 (processo nº 243/1999.G1), disponível em www.dgsi.pt.
938
Há alguns casos de recusa legítima a depor (art. 497º 1), devendo as pessoas que se encon-
trem nessa situação ser advertidas pelo juiz da faculdade de se recusar a depor (art. 497º).
Se o juiz não fizer essa advertência, será cometida uma nulidade secundária (art. 195º 1), a ar-
guir pela parte interessada, no próprio momento ou, pelo menos, enquanto o acto (sessão da
audiência final) não terminar, desde que essa parte esteja presente, por si ou por mandatário
(art. 199º 1).
939
O nº 3 do art. 497º estabelece que devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao
segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativa-
mente aos factos abrangidos pelo sigilo, sendo aplicável então o regime do nº 4 do art. 417º.
940
Porque releva a data da realização efectiva, caso a audiência não se realize na data pre-
vista, fica sempre em aberto o regime do art. 598º 2. Neste sentido, Lebre de Freitas
(A ação declarativa..., p. 286, nota de rodapé nº 21A).
941
Neste contexto, é de observar o disposto no art. 510º. Por outro lado, a falta de testemu-
nha não constitui motivo de adiamento dos outros actos de produção de prova, sendo ouvidas

394
INSTRUÇÃO

Quanto ao número de testemunhas, o art. 511º estabelece que os auto-


res não podem oferecer mais de 10 testemunhas, havendo igual limitação
para os réus que apresentem uma única contestação (nº 1)942,943. Em caso
de reconvenção, cada uma das partes pode ainda oferecer outras tantas
testemunhas (nº 2). O limite do número de testemunhas é reduzido para
metade nas acções de valor não superior à alçada da 1ª instância (art.
511º 1 in fine)944.
Apesar de haver um limite legal quanto ao número de testemunhas,
é prevista a possibilidade de o juiz, por decisão irrecorrível, proferida no
âmbito dos poderes de gestão processual, admitir um número superior
de testemunhas, quando a natureza e a extensão dos temas da prova o
justifiquem (art. 511º 4)945.

O depoimento testemunhal pode também resultar da iniciativa do


tribunal. Com efeito, à luz do art. 526º, é possível que seja notificada
para depor determinada pessoa, não arrolada como testemunha (ou
de cujo depoimento se haja prescindido)946, quando, por qualquer cir-
cunstância inerente ao processo, haja razões para presumir que ela tem
conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa. Trata-

as testemunhas não faltosas (art. 508º 2). Relativamente às testemunhas faltosas, para além
de aplicação de multa, faltando injustificadamente, pode ser determinado que compareçam
sob custódia (art. 508º 4). Tal sanção não será aplicada, porém, se a audiência for adiada por
razão estranha à falta da testemunha, desde que a parte se comprometa a apresentar a teste-
munha na nova data (art. 508º 5).
942
Havendo vários réus e várias contestações, o limite de testemunhas afere-se por cada
contestação apresentada. Porém, para este efeito, exige-se uma pluralidade material de
contestações. Se as diversas contestações tiverem o mesmo conteúdo, essa pluralidade será
meramente formal, não havendo razão para o limite de testemunhas ser considerado para
cada contestante. Já assim se pronunciava José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. IV, ps.
407-408).
943
Consideram-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol ultrapassem o limite
legal (art. 511º 3).
944
Embora a lei não o diga expressamente, deve entender-se que esta redução para metade é
também de observar quando haja reconvenção cujo valor não exceda a alçada da 1ª instância.
945
A irrecorribilidade funciona apenas quando o juiz defere o pedido para ser ultrapassado
o limite de testemunhas, sendo já recorrível o despacho que indefira tal pretensão, porquanto,
sendo embora uma decisão de gestão processual, contende com a admissibilidade de meios
de prova, ficando submetida ao regime do nº 2 do art. 630º. Com entendimento similar,
Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 396).
946
Cfr. a segunda parte do nº 2 do art. 498º.

395
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

-se de uma inquirição oficiosamente decretada pelo juiz, no exercício de


um poder-dever, isto é, de um poder vinculado, cujo critério subjacente
é o da necessidade da diligência para o apuramento da verdade e a justa
composição do litígio, nos termos balizados pelo princípio do inquisitó-
rio (art. 411º).

No âmbito da prova testemunhal, o CPC de 2013 inverteu o tradicio-


nal critério relativo à convocação das testemunhas. Com efeito, em prin-
cípio e nos termos do nº 2 do art. 507º, as partes têm o ónus de apresen-
tação das testemunhas por si arroladas, salvo se requererem a respectiva
notificação para comparência ou inquirição por meio de equipamento
tecnológico, requerimento esse a fazer no próprio rol947. O nº 2 do art.
507º deve ser compaginado com o nº 1 do art. 502º, em termos de se en-
tender que, quando residam fora do município onde se encontra sediado
o tribunal ou o juízo, as testemunhas apenas serão inquiridas por meio de
equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual
e sonoro, em tempo real, a partir do tribunal ou do juízo da área da sua
residência, se a parte que as indicou requerer a sua notificação para tal
modo de inquirição, sob pena de terem de ser apresentadas948.

Conforme estabelece o art. 500º, as testemunhas depõem na audiên-


cia final949, presencialmente950 ou por meio de equipamento tecnológico
(art. 502º)951, segundo a ordem fixada no art. 512º, excepto:
– se tiverem sido inquiridas antecipadamente (art. 419º);

947
Esta solução foi importada do regime previsto no nº 5 do art. 11º do DL nº 108/2006,
de 8.6.
948
Note-se que a redacção do art. 502º resulta de alteração legislativa operada pela Lei
nº 40-A/2016, de 22.12 (diploma que reviu a LOSJ, nos termos já referidos). Agora, a lei alu-
de à inquirição “por meio de equipamento tecnológico”, em vez de “por teleconfência”. Pena é que a
nova redacção do art. 502º não tenha sido acompanhada de cuidada alteração terminológica
em diversos outros preceitos, desde logo os seguintes: 456º 2; 486º 2; 500º e 507º 2. Não
obstante, noutros lugares deste texto, já foi utilizada terminologia conforme à nova redacção
do art. 502º.
949
Relativamente à compensação a que, nos termos do art. 525º, as testemunhas têm direito,
em virtude da sua comparência para depor, cfr. a Portaria nº 419-A/2009, de 17.4.
950
‘•–‡”‘•†‘†‹•’‘•–‘‘ƒ”–Ǥͭͨͩº, as testemunhas são inquiridas no local da questão,
quando o juiz, por si ou a requerimento das partes, o entenda por conveniente.
951
Cfr. o art. 520º, acerca da possibilidade de depoimento através de comunicação directa
com o tribunal.

396
INSTRUÇÃO

– se residirem no estrangeiro e houverem de ser inquiridos por carta


rogatória, ou por carta precatória expedida para consulado português
que não disponha de meios técnicos que permitam a comunicação, por
meio visual e sonoro, em tempo real (art. 172º);
– se gozarem da prerrogativa de serem inquiridas na sua residência
ou na sede dos respectivos serviços (art. 503º);
– se estiverem impossibilitadas de comparecer (art. 506º);
– se forem inquiridas por acordo das partes (art. 517º);
– se o depoimento for apresentado por escrito (arts. 518º e 519º).

O depoimento é antecedido do juramento e do interrogatório preli-


minar, com as formalidades prescritas pelo art. 513º. Terminado o inter-
rogatório preliminar, pode ter lugar o incidente da impugnação, visando
obstar ao depoimento, deduzido pela parte contra a qual a testemunha
for produzida, com os fundamentos mencionados no art. 514º. Os termos
deste incidente são os indicados no art. 515º e, se for julgada improce-
dente a impugnação, terá início o interrogatório da testemunha952.

O regime do depoimento é definido no art. 638º, cujo nº 1 estabelece


que a testemunha depõe sobre a matéria dos temas da prova, devendo fa-
zê-lo com precisão, indicando de modo concreto e fundamentado a razão
da ciência invocada. Deve sublinhar-se que a formulação deste preceito
legal, aludindo à “matéria dos temas da prova”, confirma a intenção legisla-
tiva de que a prova testemunhal se produza sem as restrições formais que
caracterizavam o sistema de pretérito. Por outro lado, o CPC de 2013 não
contém qualquer norma que limite o número de depoimentos sobre esta
ou aquela matéria, sendo muito significativa a eliminação da solução que
constava do art. 633º do CPC de 1961, que admitia apenas cinco depoi-
mentos sobre cada facto. Tal solução, típica de um regime demasiado rí-
gido, burocrático e formalista, acabava por condicionar o direito à prova.

952
Quanto à ordem dos depoimentos, havendo mais de uma testemunha a inquirir, o nº 1 do
art. 512º manda ouvir primeiro as testemunhas do autor e depois as do réu, pela sequência
constante do respectivo rol, salvo se o juiz determinar a alteração da ordem (por despacho
que deve ser fundamentado) ou se as partes acordarem nessa alteração. Cfr. o art. 512º 2,
para o caso de a testemunha ser funcionário da secretaria.

397
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO

Agora, as testemunhas arroladas podem depor virtualmente sobre toda a


matéria atinente aos temas da prova953.

O interrogatório é feito pelo advogado da parte que a ofereceu, po-


dendo, a seguir, o advogado da parte contrária formular perguntas (ins-
tâncias) à testemunha, de maneira a que o depoimento se complete ou
esclareça (art. 516º 2 e 4).
Resulta da lei que o juiz tem um papel residual e de controlo no decurso
da prova testemunhal. Por um lado, a lei estabelece que o interrogató-
rio e as instâncias são feitos pelos advogados das partes, sem prejuízo dos
esclarecimentos pedidos pelo juiz no seu decurso (art. 516º 4). Por outro
lado, a lei comete ao juiz uma função fiscalizadora quanto ao modo como
os mandatários tratam as testemunhas ou formulam as questões (art. 516º
3) e uma função supletiva, prevendo que avoque o interrogatório, se tal
for necessário para assegurar a tranquilidade da testemunhas ou para pôr
termo a instâncias inconvenientes (art. 516º 6). Independentemente da
(excepcional) avocação do interrogatório, no final deste e das instâncias,
o juiz pode “fazer as perguntas que julgue convenientes para o apuramento da
verdade” (art. 516º 4 in fine)954.

São previstos mais dois incidentes no âmbito da prova testemunhal: a


contradita e a acareação.
Na contradita, a parte contra a qual o depoimento foi produzido alega
circunstâncias susceptíveis de abalarem a credibilidade de tal depoi-
mento, quer por afectaram a razão da ciência invocada pela testemunha,

953
Esta circunstância não deve fazer recear depoimentos intermináveis. Os depoimentos
testemunhais correspondem a um meio de prova que as partes têm o direito de utilizar em
juízo, devendo o juiz retirar daí o melhor proveito para formar a sua convicção, em conjunto
com os demais elementos disponíveis. Mas como as testemunhas devem indicar a razão da
ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o seu conhecimento (art. 516º 1),
o juiz deverá ser rigoroso neste ponto. Além disso, deverá o juiz atentar se os advogados
fazem perguntas pertinentes ou impertinentes, não permitindo estas últimas (art. 517º 3).
Finalmente, em termos mais genéricos, o art. 602º 2.d) confere ao juiz poderes no sentido
de exortar os mandatários a abreviarem inquirições e instâncias manifestamente excessivas e
impertinentes e a cingirem-se à matéria relevante para o julgamento da causa.
954
Assinalando a diferença entre os esclarecimentos a pedir pelo juiz no decurso do interrogató-
rio e das instâncias e as perguntas a colocar à testemunha no final do depoimento, Lebre de
Freitas (A ação declarativa..., ps. 289-290 e nota de rodapé nº 31).

398
INSTRUÇÃO

quer por diminuirem a fé que ela possa merecer (art. 521º). O incidente
é deduzido quando o depoimento termina, e processa-se nos termos do
art. 641º.
A acareação, que pode ser suscitada oficiosamente ou a requerimento
das partes, destina-se a confrontar quem tiver deposto contradito-
riamente acerca de determinado facto, sendo admitida a propósito de
depoimentos testemunhais, como destes e do depoimento de parte (art.
523º). Este incidente é processado nos termos do art. 524º.

Quanto à força probatória dos depoimentos das testemunhas, vigora o


regime da livre apreciação pelo tribunal (art. 396º do CC).

8. Valor extraprocessual das provas


O art. 421º regula o valor extraprocessual das provas, prevendo que certas
provas produzidas num processo sejam utilizadas noutro processo contra
a mesma parte. É o que acontece com os depoimentos, quer de parte
(arts. 452º e ss.), quer testemunhais (arts. 616º e ss.), e com os arbitra-
mentos (arts. 568º e ss.).
Para que as provas sejam reconhecidas noutro processo, a lei exige que
tenham sido produzidas com audiência contraditória da parte, enten-
dendo-se que não é necessário que a parte contrária haja efectivamente
intervindo, participado ou assistido, bastando que tenha tido oportuni-
dade disso, ou seja, que tenha sido notificada para esse fim955. Além disso,
é necessário que as garantias probatórias das partes no processo em que
as provas foram produzidas não sejam inferiores às garantias propicia-
das pelo processo em que se pretende invocar tais provas, sob pena de
as mesmas valerem apenas como princípio de prova (art. 421º 1 in fine)956.
Acresce ainda a condição de o primeiro processo não ter sido anulado na
parte relativa à prova que se pretende invocar (art. 421º 2).

955
Neste sentido, Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 493). Cfr., sobre a questão, o Ac. do
TRC de 19.5.1981 (CJ, 1981, III-204).
956
Fala-se em princípio de prova para referir figuras que, por si, não são bastantes para assegu-
rar a prova de um facto, valendo apenas na medida em que permitam, conjugadamente com
outros elementos, tal prova. Sobre os graus de prova, distinguindo prova stricto sensu, mera
justificação e princípio de prova, Teixeira de Sousa (As partes…, ps. 200-204).

399

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