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Perante o CPC de 2013, pode dizer-se que foi enfatizada a ideia de que
a acção declarativa comum se desenrola em torno de duas audiências: a
audiência prévia (art. 591º) e a audiência final (art. 604º). Até à audiên-
cia prévia, as partes trocam as peças escritas que expressam as respecti-
vas pretensões. Depois da audiência final, o juiz profere a sentença que
resolve o litígio em 1ª instância.
Em termos sequenciais, pode dizer-se que a nova acção declarativa se
estrutura em três fases ou etapas: a fase inicial, a fase intermédia e a fase
final.
A fase inicial, correspondendo à introdução do litígio em juízo, é aquela
em que as partes apresentam os respectivos articulados, servindo primor-
dialmente para o autor formular a sua pretensão e para o réu se defender.
A fase intermédia do processo apresenta três vertentes essenciais.
Por um lado, é a altura adequada para a verificação da regularidade da
instância. Por outro, pode aí ser proferida decisão que ponha termo ao
processo, seja por razões formais (absolvição da instância), seja por ra-
zões substanciais (procedência ou improcedência da acção). Além disso,
quando o processo não deva terminar aí, esta fase destina-se a preparar a
tramitação subsequente.
Dada a multiplicidade de vertentes da fase intermédia do processo,
a mesma contempla o despacho pré-saneador (art. 590º 2), a audiência
prévia (art. 591º), o despacho saneador (art. 595º), o despacho a identi-
ficar o objecto do litígio e os temas da prova (art. 596º) e ainda o des-
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PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
1. Fase inicial
A fase inicial da acção declarativa comum corresponde ao período intro-
dutório do pleito, sendo aqui que as partes apresentam os respectivos
articulados, ou seja, as peças escritas em que formulam as suas preten-
sões e expõem os respectivos argumentos perante o tribunal320, assim
definindo e delimitando os termos do litígio.
1.1. Articulados
1.1.1. Noção e espécies dos articulados
Nos termos do disposto nº 1 do art. 147º, “os articulados são as peças em que
as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos cor-
respondentes”.
Em função das condições da sua apresentação, do seu possível con-
teúdo e da função que desempenham, há diferentes espécies de arti-
culados.
Temos os articulados normais, que são as duas primeiras peças escritas
e que podem surgir em todas as acções: a petição inicial (arts. 552º e ss.),
apresentada pelo autor, marcando o início da acção, e a contestação (arts.
569º e ss.), na qual o réu aduz a sua defesa321.
319
Embora, por princípio, os actos de produção de prova tenham lugar na audiência final,
bem pode suceder que tais actos decorram antes e fora da audiência final, como acontece,
por exemplo, nos casos de produção antecipada de prova (art. 419º) e com a prova pericial
(arts. 467º e ss.). Por outro lado, o depoimento de parte pode ser prestado na audiência pré-
via (art. 456º 3). Também há casos em que o depoimento testemunhal não é prestado na
audiência final (art. 500º).
320
É a fase da “apresentação” do litígio ao tribunal, como lhe chamou José Alberto dos
Reis (CPC Anotado, Vol. II, p. 330).
321
A contestação pode servir também para o réu deduzir reconvenção, como se verá adiante
(art. 583º).
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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
322
Antes do CPC de 2013, podia haver um outro articulado eventual, a tréplica, a usar pelo
réu em determinadas condições (art. 503º do CPC de 1961).
323
O encerramento da discussão corresponde ao momento em que findam as alegações orais
dos advogados das partes na audiência final, nos termos da alínea e) do nº 3 do art. 604º.
324
Sem prejuízo dos casos em que a lei dispense tal, a forma articulada é obrigatória sempre
que as partes tenham constituído mandatário, como resulta do próprio preceito.
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PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
325
Nos últimos anos, após a Reforma de 1995/96, esse momento era o da realização da au-
diência preliminar [art. 508º-A 2.a) do CPC de 1961] ou, não havendo lugar a essa audiência,
após notificação para o efeito (art. 512º do CPC de 1961).
326
Já na acção comum sumaríssima, que tinha uma estrutura mais simples, os requerimentos
de prova deviam constar logo da petição inicial e da contestação (arts. 793º e 794º do CPC
de 1961).
327
Como veremos mais adiante, a lei regula casos em que, numa fase mais adiantada da lide,
as partes podem alterar os requerimentos probatórios inicialmente apresentados (art. 598º
1) e podem aditar ou alterar o rol de testemunhas (art. 598º 2).
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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
328
Nos termos da alínea a) do artigo 13º da Portaria nº 280/2013, de 26.8, a data e a hora de
expedição são certificadas pelo sistema informático de suporte à actividade dos tribunais.
329
Como se vê, o art. 144º alude diversas vezes ao art. 132º e à Portaria prevista no nº 1 deste
preceito: trata-se da Portaria nº 280/2013, de 26.8, que regula a tramitação electrónica dos
processos judiciais.
330
Note-se que o art. 144º não se reporta apenas aos articulados, mas todas as peças escritas
apresentadas pelas partes em juízo.
151
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
331
Cfr., a propósito, o Ac. do TRP de 14.4.1989 (CJ, 1989, II-226).
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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
pretensão deduzida. É na causa de pedir, melhor dito, nos factos que a cons-
tituem que o autor estriba ou sustenta o pedido formulado. Tais factos, na
expressão de Lebre de Freitas, são “todos aqueles que integram a previsão da
norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido”332,333.
A causa de pedir tem, pois, um substrato fáctico cuja alegação com-
pete ao autor, de modo a fundamentar a sua pretensão. É muito por isso
que usa falar-se em narração: o autor deverá expor (narrar) o quadro fac-
tual atinente ao tipo legal de que pretende prevalecer-se na acção instau-
rada. Tal narração fáctica envolverá a alegação e a descrição, por exemplo,
dos concretos factos relativos à celebração do negócio de compra e venda
de um bem por via do qual o autor ficou credor do preço sobre o réu334,
os factos relativos à ocorrência de um acidente de viação e respectivas
consequências e à responsabilidade civil daí decorrente, os factos rela-
tivos à celebração de um contrato de arrendamento e à conduta do réu
332
Cfr. Lebre de Freitas (Introdução…, p. 71).
333
Com uma visão diferente sobre o recorte fáctico da causa de pedir, sustentando que esta
é constituída (apenas) pelos factos que “realizam uma função constitutiva do direito invocado
pelo autor”, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 70). Tal visão, elaborada em face do
art. 264º do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, tinha por base a aparente repartição
dos factos em três categorias: essenciais; complementares; instrumentais. No mesmo passo,
porém, este autor aludia ao conceito de factos principais, como englobando os ditos essenciais
e complementares, mantendo que só os essenciais (por integrarem o núcleo essencial da si-
tuação jurídica invocada) integravam a causa de pedir: cfr. Teixeira de Sousa (Estudos so-
bre o novo..., ps. 70-72). Conforme assinala Lebre de Freitas (Sobre o novo...., p. 36, nota de
rodapé nº 19), tempos houve, antes da reforma de Reforma de 1995/96, em que Teixeira
de Sousa (As partes…, ps. 123) defendia o seguinte: “A causa de pedir é composta pelos factos cons-
titutivos da situação jurídica invocada pela parte, isto é, pelos factos essenciais à procedência do pedido.
São essenciais aqueles factos sem cuja verificação o pedido não pode ser julgado procedente”. Mais re-
centemente, já em face do CPC de 2013, Teixeira de Sousa (Algumas questões…, p. 396),
por referência aos nºs 1 e 2 do art. 5º, sustenta que “a causa de pedir não é constituída por todos
os factos de que pode depender a procedência da acção, mas apenas por aqueles que são necessários para
individualizar a pretensão material alegada pelo autor”. Para além de não nos revermos nesta tese,
como resulta do acima exposto, importa salientar que, neste ponto, o CPC de 2013 em nada
inovou, isto é, aquilo que antes se devia entender por causa de pedir continua a dever enten-
der-se agora. O mesmo é dizer que os factos essenciais a que alude o art. 5º 1 e o art. 552º 1.d)
são todos aqueles de que depende a procedência da acção.
334
Note-se que esta alegação do autor não tem de aludir à circunstância de o mesmo não
se encontrar pago, pois tal circunstância não é constitutiva do direito. Ao invés, o eventual
pagamento, dada a sua natureza extintiva (art. 342º 2 do CC), deverá ser alegado pelo réu.
A este propósito, cfr. o Ac. do TRC de 29.5.2012 (processo nº 160074/11.0YIPRT.C1), dispo-
nível em www.dgsi.pt.
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PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
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A este propósito, fala-se na teoria da substanciação, na medida em que é suposto haver
uma indicação específica ou concreta dos factos constitutivos do direito feito valer. É este o
sentido do nº 4 do art. 581º. Como refere Lebre de Freitas (Introdução…, p. 66), “A teoria da
substanciação está inequivocamente consagrada no nosso sistema processual”. Diferentemente, Tei-
xeira de Sousa (Algumas questões…, ps. 398-399) entende que “não se pode dizer que o direito
processual civil português se orienta (…) pela teoria da substanciação”, referindo que está consa-
grada uma concepção “correspondente à chamada teoria da individualização aperfeiçoada”.
336
Para maiores desenvolvimentos, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, ps. 41-44, e
Introdução…, ps. 64-72).
337
Como se verá adiante, esta consideração dos factos instrumentais será reflectida na sentença,
ao nível da motivação da convicção do julgamento da matéria de facto (nº 4 do art. 607º).
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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
.
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338
O que acaba de ser dito vale para os factos instrumentais em geral, isto é, para aqueles que
têm a mera função indiciária dos factos essenciais. Já não será assim quanto aos factos que
servem de base a presunções legais (art. 350º do CC). A razão é a seguinte: uma vez de-
monstrados em juízo, tais factos conduzem directamente ao efeito jurídico previsto na lei,
efeito que se impõe ao próprio julgador. Deste modo, os factos que suportam presunções
legais deverão ser qualificados como factos essenciais, integrando a causa de pedir e sujeitos
ao inerente ónus de alegação (art. 5º 1), acrescendo, como se dirá a propósito da sentença,
que deverão ser submetidos a um juízo probatório específico (com inclusão, se provados, na
fundamentação de facto da sentença: art. 607º 3). Neste sentido, Abrantes Geraldes (Sen-
tença…, p. 13, nota de rodapé nº 17). Em sentido diverso, embora refira a necessidade da sua
alegação, Teixeira de Sousa (Algumas questões…, ps. 398 e 401) submete ao estrito regime
dos factos instrumentais os pressupostos de facto de presunções legais, dizendo que os mes-
mos “são substituíveis por quaisquer outros”. Tal entendimento não coincide, porém, com o ex-
presso noutro lugar: cfr. Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 73).
339
Em termos práticos, isto é, ao nível do quotidiano forense, a solução legal em análise (inti-
mamente conjugada com outros aspectos a tratar a seu tempo) é de molde a gerar a ex-
pectativa de que, alterando-se uma técnica muito enraizada (e com justificação histórica),
a petição inicial se torne uma peça menos extensa, menos prolixa, uma peça em que o au-
tor concentre a alegação em factos susceptíveis de preencher o tipo legal de que pretende
prevalecer-se, dispensando-se de uma alegação pormenorizada e atomística, uma alegação
pejada de referências laterais, circunstanciais ou meramente instrumentais.
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É tendo presente isto que deve ser tomado o nº 1 do art. 5º: o ónus de alegação respeita
aos factos essenciais, quer os nucleares, quer os complementares ou concretizadores. A fun-
ção da alínea b) do nº 2 do art. 5º é sinalizar apenas o seguinte: a falta de alegação de factos
(essenciais) que sejam complemento ou concretização dos factos (essenciais) alegados não
gera preclusão e deve ser resolvida por convite ao aperfeiçoamento (art. 590º 4). Nesta li-
nha, Lebre de Freitas (Sobre o novo...., p. 37), usando embora a expressão “factos princi-
pais” (em vez de “essenciais”), refere que “o sentido da lei continua a ser necessariamente o mesmo:
os factos instrumentais não têm de ser alegados, mas todos os factos principais, como condições que são
de procedência da ação (…) estão sujeitos a essa exigência”. Assim, não se afigura exacta a ilação de
Mariana França Gouveia (O princípio…, ps. 608 e 613), quando parece defender que, com
o art. 5º, se “elimina a qualificação dos factos complementares e concretizadores como essenciais”. Por
seu turno, Teixeira de Sousa (Algumas questões…, p. 397) sustenta que “Apesar de os factos
complementares não participarem da causa de pedir, isto não significa que o autor não tenha o ónus de
os alegar na petição inicial”. Ora, se o ónus de alegação referido no nº 1 do art. 5º não atinge os
factos complementares, já que, para este autor, não integram a causa de pedir, onde radica
então o ónus de alegação desses factos complementares? Não é, por certo, na alínea b) do
nº 2 do art. 5º, que exclui a preclusão de factos complementares (e concretizadores) não ale-
gados, mas não dispõe sobre o ónus de alegação desses factos.
341
Do que se trata é de garantir a observância do princípio do contraditório, na vertente do
direito à pronúncia prévia a qualquer decisão (aqui, de direito). Sobre este ponto, cfr. Lebre
de Freitas (A ação declarativa…, ps. 44-45).
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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
De resto, a contradição ente o pedido e a causa de pedir é fonte de ineptidão, nos termos
343
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PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
344
A este propósito, cfr. os nºs 7 e 8 do art. 552º e ainda os arts. 225º 2. c), 225º 3, 231º, 237º
e 238º.
345
Nos termos das tabelas I a IV do Regulamento das Custas Processuais (DL nº 34/2008, de
26.2), existem determinadas quantias que devem ser pagas a título de taxa de justiça, sendo
certo que o pagamento dessa taxa é realizado, regra geral, numa única prestação e deverá
ser efectuado até ao momento da prática do acto processual a ele sujeito. Assim sendo, com
a petição inicial, o autor deverá apresentar comprovativo do pagamento da taxa de justiça
devida (nº 1 do art. 14º do RCP e art. 145º). É de notar que a lei prevê a possibilidade de as
partes requererem apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais
encargos com o processo (art. 16º da Lei nº 34/2004, de 29.7), devendo, neste caso, o autor
juntar à petição inicial documento comprovativo da concessão do benefício do apoio judi-
ciário ou da apresentação do respectivo pedido (nº 2 do art. 29º da Lei nº 34/2004, de 29.7).
Finalmente, acrescente-se que a não junção do documento comprovativo de pagamento da
taxa de justiça ou da concessão do benefício do apoio judiciário (ou, pelo menos, da apre-
sentação do respectivo pedido) determina, nos termos da alínea f ) do art. 558º, a recusa da
petição inicial pela secretaria.
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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
346
José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 126).
347
Neste sentido, Castro Mendes (Direito... 1987, Vol. II, p. 393).
348
Note-se que, em caso de pedidos alternativos, o valor da causa é o do pedido de maior
valor (primeira parte do nº 3 do art. 297º).
349
Cfr. os arts. 549º e 542º 2 do CC. Sobre este ponto, cfr. José Alberto dos Reis (Comentá-
rio ao CPC, Vol. III, p. 128).
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350
O art. 543º 2 do CC atribui o direito de escolha ao devedor, salvo disposição em contrário.
351
Sempre que a condenação seja em alternativa, a respectiva execução de sentença obser-
vará o disposto no arts. 626º 2, 550º. 3.a) e 714º.
352
Para a hipótese de o autor formular um pedido fixo quando o direito de escolha pertença
ao devedor, cfr. o nº 2 do art. 553º.
353
Para determinar o valor da acção, quando há pedidos subsidiários, atende-se apenas ao
valor do pedido apresentado em primeiro lugar (segunda parte do nº 3 do art. 297º).
354
Uma vantagem da dedução de pedidos subsidiários é a de não deixar precludir o direito
de se propor determinada acção sujeita a prazo. Neste sentido, Luso Soares (Direito…,
p. 261).
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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
355
Admitamos que dois indivíduos celebram um contrato-promessa de compra e venda de
um imóvel, tendo o promitente-comprador prestado sinal. Se o promitente-vendedor faltar
ao cumprimento da sua obrigação, o outro tem a faculdade de exigir a restituição do sinal
em dobro (cfr. o art. 442º do CC) ou de requerer a execução específica do contrato (cfr. o
art. 830º do CC). Se o promitente-comprador preferir a execução específica do contrato irá
formular pedido nesse sentido. Mas como há situações em que a execução específica acaba
por não ser possível, o autor, ao formular aquele pedido – e admitindo a eventualidade de o
mesmo não proceder –, pede, a título subsidiário, a restituição do sinal em dobro, na suposi-
ção de que este segundo pedido, se vier a ser considerado, terá procedência.
356
A cumulação de pedidos é relevante para a determinação do valor da causa, de tal modo
que, nos termos do nº 2 do art. 297º, o valor da acção é a quantia correspondente à soma dos
valores de todos os pedidos. Ainda segundo o mesmo preceito, quando, como acessório do
pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem
na pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos.
357
Assim sendo, tanto haverá cumulação de pedidos se o autor pedir a condenação do réu
no pagamento do preço de uma coisa vendida e na restituição de um objecto entregue
em comodato, como se pedir a restituição de uma quantia mutuada e os respectivos juros.
No primeiro caso, os pedidos emergem de relações jurídicas distintas; no segundo, os pedi-
dos respeitam à mesma situação jurídica, sendo um deles acessório do outro.
358
Neste sentido, Paulo Cunha (Processo…, Tomo I, ps. 209-212) e Luso Soares (Direito…,
p. 259).
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PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
359
Note-se, porém, que esta incompatibilidade substancial dos pedidos só releva no âmbito
da cumulação. Tratando-se já de pedidos subsidiários o problema não se coloca, como re-
fere a primeira parte do nº 2 do art. 554º. É que, neste caso, os pedidos não se destinam a
ser considerados em simultâneo, pelo que a incompatibilidade é apenas latente. O mesmo
se diga quanto aos pedidos alternativos, na medida em que apenas uma das pretensões será
concretizada, sendo irrelevante ponderar sobre a eventual incompatibilidade.
360
Atente-se que, face ao disposto nos nºs 2 e 3 do art. 37º, é possível o juiz autorizar a
cumulação, apesar de aos pedidos corresponderem formas processuais diversas, o que supõe
uma valoração casuística.
361
Repare-se, porém, na possibilidade de cumulação de alimentos no processo de divórcio
ou de separação sem o consentimento do outro cônjuge prevista no nº 2 deste art. 555º.
362
Sobre este ponto, cfr. José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 157).
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TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
363
Neste sentido, José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 172) e Castro
Mendes (Direito... 1987, Vol. II, p. 405).
364
Assim, admitamos que o autor pretende a condenação do réu na entrega de uma biblio-
teca. Se o demandante não estiver em condições de indicar, com rigor e precisão, todos os
livros que integram essa biblioteca, pode apresentar o seu pedido em termos genéricos,
requerendo a condenação do réu a entregar essa universalidade (a biblioteca). O mesmo
sucederá a propósito de uma universalidade de direito, como no caso de uma herança. Ima-
ginemos que, por testamento, um indivíduo foi instituído herdeiro universal do autor da
sucessão e pretende que um terceiro que está na posse de todos os bens dessa herança lhos
entregue (cfr. o art. 2075º do CC). Neste caso, não sabendo quais os bens que pertencem
à herança, justifica-se que o seu pedido seja formulado em termos genéricos, pedindo sim-
plesmente a entrega da herança, sem especificar os bens a entregar.
365
José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, ps. 174-175).
366
Como resulta deste art. 556º 1.b), a formulação de pedido genérico também é possível
por referência ao disposto no art. 569º do CC, preceito segundo o qual o pedido de indem-
nização não implica a indicação exacta da importância em que o lesado avalia os danos.
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PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
367
Note-se que o disposto no art. 498º do CC, que fixa a prescrição do direito de indemniza-
ção, apesar de não se conhecer a extensão integral dos danos, não se coaduna com o protela-
mento da instauração da acção.
368
Para o caso de, no momento em que é proferida a decisão condenatória, não ser possível
conhecer a extensão integral dos danos, o art. 565º do CC admite que a indemnização seja fi-
xada em liquidação posterior, sem prejuízo de eventual indemnização provisória. Esta solução
tem reflexo na regulamentação do processo civil, como se vê pelos nos arts. 609º 2 e 358º 2.
369
O pedido de prestação de contas faz-se através de um processo especial, previsto nos arts.
941º e ss.
164
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
por um pedido de quantia certa)370. Quando não for possível fazer a li-
quidação na acção declarativa mas a decisão a proferir seja no sentido da
condenação, o nº 2 do art. 609º estabelece que o tribunal condenará no
que vier a ser liquidado, isto é, remete para mais tarde a determinação do
objecto ou da quantidade, observando-se então o disposto no nº 2 do art.
358º e nos nºs 3 e 4 do art. 360º371.
370
De todo o modo, no caso da alínea a) do nº 1 do art. 556º, se o autor não dispuser de
meios que permitam a concretização, deverá ser observado o disposto no nº 7 do art. 716º
(art. 556º 2).
371
A formulação de um pedido genérico cria dificuldades na definição de um critério seguro
quanto ao valor da causa, razão pela qual o nº 4 do art. 299º estabelece que o valor inicial-
mente aceite é corrigido assim que o processo forneça os elementos necessários.
372
É o que sucederá, por exemplo, num contrato de arrendamento, em que o inquilino está
obrigado ao pagamento da renda mensal (prestação periódica), de forma que, deixando de
pagar uma renda, o senhorio pode pedir não apenas a sua condenação no pagamento dessa
renda como das que se vencerem enquanto se mantiver o arrendamento. A condenação no
pagamento das rendas vincendas é uma condenação para futuro, que não prejudica o réu,
pois ele apenas é obrigado a pagar cada uma das futuras rendas quando atingido o respec-
tivo vencimento. Em contrapartida, evita que o autor tenha de propor uma acção de conde-
nação por cada nova renda que o inquilino deixe de pagar, pois este já está antecipadamente
condenado, podendo então passar-se logo à via executiva para obter o efectivo pagamento.
Quer dizer, estaremos nesse caso perante uma sentença com trato sucessivo que só por si
pode fundar a perseguição coerciva de tantas rendas quantas as que deixarem de ser pagas
atempadamente (cfr., a propósito, o nº 1 do art. 850º). Note-se que a hipótese aqui referida
não obsta a outras opções do credor e senhorio em face da falta de pagamento de rendas
pelo inquilino, nomeadamente a via da resolução do contrato (cfr. os arts. 1083º e 1084º do
CC).
165
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
373
Neste sentido, Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 183).
374
Imaginemos que o devedor está obrigado a restituir em certa data um prédio que o cre-
dor lhe entregou a título de comodato (cfr. os arts. 1129º e ss. do CC). Contando com a en-
trega na data convencionada, o credor prometeu arrendar esse prédio a uma terceira pessoa.
Porém, antes de atingida aquela data, o credor tem conhecimento de que o comodatário se
prepara para recusar, ou retardar, a restituição. Se esperasse por essa data para, perante o
incumprimento, propor a acção respectiva, pedindo a condenação do réu comodatário a res-
tituir o prédio, o autor, certamente, sofreria grave prejuízo, pois teria de aguardar o tempo
próprio da tramitação processual, vendo-se, entretanto, impossibilitado de cumprir a pro-
messa assumida. Hipótese similar ocorrerá se, no âmbito de um contrato de cessão de explo-
ração de estabelecimento comercial, houver uma data prevista para a restituição do esta-
belecimento e o cedente se aperceber de que o cessionário não irá proceder à restituição
no momento fixado. É a situações deste tipo que se dirige o nº 2 do art. 557º, permitindo a
obtenção de uma sentença que condene o réu na restituição do prédio na data devida (que
será a do termo do comodato ou da cessão de exploração), sentença essa susceptível de
ser imediatamente executada se a entrega não for feita voluntariamente, assim se evitando
maiores prejuízos para o credor. Também aqui é evidente o pedido de condenação in futu-
rum, já que, no momento da instauração da acção, o réu não está ainda em situação de in-
cumprimento, como, aliás, o autor reconhece. Do que se trata é de, face à perspectiva de
incumprimento, evitar um prejuízo grave decorrente da inexistência de título executivo no
momento em que o incumprimento vier a dar-se.
166
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
375
José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. V, p. 76). Note-se que o preceito legal (o
art. 662º) referido no excerto citado respeita ao CPC de 1939, preceito que tinha a mesma
numeração no CPC de 1961, correspondendo ao actual art. 610º.
376
José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. V, p. 73).
167
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
veite, sempre que seja possível, a actividade judiciária que vier a ser exercida. Para
que se há-de inutilizar o processo e obrigar o autor a repetir o pleito, se a questão
pode ficar logo arrumada e decidida?”.
É perfeitamente compreensível esta solução. Realmente, até ao mo-
mento do despacho saneador, o processo é integrado essencialmente
pelas peças escritas oferecidas pelas partes. Nada obsta, portanto, a que,
julgando-se a questão à luz do princípio geral do art. 557º, segundo o
qual só é permitido formular pedidos relativos a obrigações vencidas, o
processo termine aí, absolvendo-se o réu da instância.
Já se o processo cumpriu toda a sua tramitação, restando a elaboração
da sentença final, será dispêndio de tempo e de trabalho dar tudo sem
efeito. Atento a essa realidade, o legislador resolveu, através do art. 610º,
aproveitar todos os actos praticados e, uma vez que a obrigação existe,
ordenar a condenação do réu a cumprir a obrigação, sem prejuízo, porém,
do prazo do respectivo vencimento. Quer dizer, o réu fica desde logo
condenado, mas só terá que cumprir quando se vencer a obrigação377.
Importa referir que a solução fornecida pelo art. 610º é, indiscutivel-
mente, uma solução de recurso e não a manifestação de um princípio
geral que admita pedidos relativos a obrigações futuras. Na verdade,
pode-se afirmar, com segurança, que este preceito só é de atender no âm-
bito da sentença “como resulta do seu texto, da sua localização e dos respectivos
trabalhos preparatórios”378.
377
Sendo o autor condenado nas custas e a satisfazer os honorários do advogado do réu, no
caso de o demandado não impugnar a obrigação (art. 610º 3).
378
Assim, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. V, ps. 72 e ss.), Varela/Bezerra/
/Nora (Manual…, p. 184) e Anselmo de Castro (Direito..., Vol. I, ps. 106-107 e 121). Em sen-
tido contrário, Castro Mendes (Direito... 1987, Vol. II, ps. 418-419).
379
Se, como tantas vezes acontece, a propositura de uma acção está sujeita a determinado
prazo, sob pena de caducidade (cfr., por exemplo, os arts. 1085º, 1410º e 1786º do CC), basta
este acto do autor para a impedir (cfr. o art. 331º 1 do CC).
168
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
380
O disposto neste artigo aplica-se, com as necessárias adaptações, aos demais articulados.
A este propósito, cfr. as posições de Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., ps. 286, 296 e
297) e Montalvão Machado (O dispositivo..., p. 168, em nota de rodapé nº 340).
381
Face ao que se disse acerca do modo de apresentação a juízo dos actos que devem ser pra-
ticados por escrito pelas partes, e conjugando o disposto nos arts. 132º e 144º com a Portaria
nº 280/2013, de 26.8, é possível dizer que o sistema electrónico em uso assegura sempre a
indicação do domicílio profissional do mandatário e a assinatura (electrónica) da peça pro-
cessual.
382
A propósito, cfr. o DL nº 135/99, de 22.4, em particular o seu artigo 24º.
383
A este propósito, cfr. Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Ano-
tado, p. 247).
169
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
384
Esta reclamação consiste numa aplicação da norma geral prevista no nº 5 do art. 157º.
385
Para efeito deste regime, a confirmação judicial ora é a que tem lugar em 1ª instância, nos
casos em que o autor opte por não recorrer, ora é a que resulta do acórdão da Relação que
nega provimento ao recurso, quando o autor não se tenha conformado com a decisão de 1ª
instância.
386
Nos termos do art. 18º da Portaria nº 280/2013, de 26.8, os resultados da distribuição diá-
ria são publicados por meio de pauta no endereço http://www.citius.mj.pt, às 17 horas (cfr.
também o nº 2 do art. 209º).
170
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
387
Como se verifica, o nº 1 do art. 590º prevê uma outra razão para a petição inicial ser pre-
sente a despacho liminar: por determinação legal. Esses casos não ocorrem, por princípio,
na acção declarativa comum, podendo surgir em determinados processos especiais, como se
dirá adiante ao tratar da matéria da citação. Em rigor, na acção declarativa comum, apenas
se vislumbram dois casos de despacho liminar por determinação legal: i) quando a citação
pessoal do réu se frustre e haja necessidade de decretar a via edital da citação (art. 236º 1 in
fine); ii) quando tenha sido pedida a citação urgente do réu (art. 561º).
171
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
388
Neste sentido, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 275) e Abrantes Geraldes
(Temas da reforma..., Vol. I, ps. 277-279).
172
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
389
A este propósito, cfr. ainda os nºs 2 e 3 do art. 226º.
390
As razões que mais usam justificar a citação urgente são o receio de ausência do réu e a
iminência da prescrição. É que, ausentando-se o réu para parte incerta, a sua citação será
mais demorada, porque feita pela via edital (art. 240º) e o efeito cominatório para a eventual
falta de contestação será nulo [art. 568º b) in fine]. Quanto à prescrição, resulta do direito
substantivo (art. 323º 1 do CC) que esta só se interrompe, não com a propositura da acção,
mas com a citação do réu, pelo que, estando iminente a prescrição, é compreensível que a
citação se faça com a maior brevidade.
391
A citação emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa
interessada na causa (art. 219º 1 in fine). O conceito de “pessoa interessada” está ligado à fi-
gura da legitimidade.
173
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
392
Havendo recusa em receber a carta ou em assinar o aviso de recepção, seja pelo citando,
seja por alguma das pessoas referidas no nº 2 do art. 228º, observa-se o disposto no nº 6 do
mesmo preceito, lavrando-se nota do incidente e sendo o expediente devolvido ao tribunal.
174
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
tida expressamente nesse sentido (art. 228º 1 in fine, 2 e 4)393. A este pro-
pósito, é de notar que o nº 4 do art. 225º equipara à citação pessoal a
citação feita em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir
o conteúdo do acto, com a particularidade de a lei presumir que o citando
teve oportuno conhecimento da citação394.
Nos termos fixados no nº 1 do art. 230º, a citação feita nos termos do
art. 228º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de
recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, ainda que
o aviso de recepção tenha sido assinado por terceiro, havendo a presun-
ção de que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, sem pre-
juízo de demonstração em contrário.
O nº 5 do art. 228º, para os casos em que não seja possível a entrega
da carta para citação, estabelece que o distribuidor do serviço postal deve
deixar um aviso ao destinatário, com a menção do tribunal de onde pro-
vém e do processo a que respeita, ficando a carta durante oito dias ao dis-
por do citando para ser levantada no respectivo estabelecimento postal.
Nos casos em que não seja possível deixar aviso ao destinatário, o
distribuidor do serviço postal lavra nota dessa circunstância e devolve
o expediente ao tribunal. Nesse quadro, pode suceder que, devendo-
-se a impossibilidade a ausência do citando, o distribuidor postal tenha
obtido indicação de novo endereço do citando, caso em que, recebido
o expediente, deverá a secretaria repetir a citação, enviando nova carta
registada com aviso de recepção para esse novo endereço (art. 228º 8).
Se, porém, o distribuidor postal nenhuma informação tiver obtido acerca
do novo endereço do citando, que se encontrará em parte incerta, aquilo
que a secretaria deverá fazer é dar cumprimento ao disposto no nº 1 do
art. 236º para depois, se for apurado novo endereço, repetir a citação,
enviando nova carta registada com aviso de recepção para esse novo
endereço (art. 228º 9)395.
393
Reforçando as cautelas que este modo de citação implica, atente-se na advertência pres-
crita no art. 233º.
394
Trata-se, de todo o modo, de uma presunção relativa, pelo que é admitida prova em con-
trário.
395
O nº 1 do art. 236º regula as diligências a encetar quando, por ausência do citando em
parte incerta, seja impossível realizar a citação, o que passa por tentar obter informações
sobre o seu último paradeiro ou residência junto de certas entidades ou serviços, desig-
nadamente as referidas no preceito, sendo que o nº 2 do art. 236º impõe o dever de colabo-
175
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
ração aos serviços que disponham de elementos sobre a residência, local de trabalho ou sede
de quem haja de ser citado.
396
Reforçando o sentido dessa vinculação, o nº 2 do art. 229º acautela que, enquanto não se
extinguirem as relações emergentes do contrato, é inoponível ao autor da acção qualquer
alteração do domicílio não comunicada nos termos aí previstos.
176
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
Pode também ser usada a via postal, através de carta registada com
aviso de recepção, para a citação de réu residente no estrangeiro, mas
apenas na falta de tratado ou convenção (art. 239º 1 e 2)398. Se a via postal
não for possível ou se frustrar, a citação é operada através do consulado
português mais próximo, quando o réu for português, podendo ainda,
ouvido o autor, fazer-se uso de carta rogatória (art. 239º 3).
O art. 231º regula a citação por contacto pessoal com o citando. Este modo
de citação tem, em princípio, carácter residual, pois só ocorrerá quando
se frustre a via postal. Acresce que este contacto pessoal é realizado, em
regra, por agente de execução (nº 1), a quem compete transmitir ao ci-
tando os elementos referidos no art. 227º, elaborando e entregando ao
citando nota com tais indicações (nº 2), mais lhe entregando o duplicado
da petição inicial e cópia dos documentos que a acompanhem, lavrando,
por fim, certidão que será assinada pelo citado (nº 3)399,400.
397
Se não for possível o depósito da carta na caixa do correio do citando, o distribuidor pos-
tal deixa um aviso nos termos do nº 5 do art. 228º (art. 229º 5).
398
A propósito desta ressalva da lei, cfr. a Convenção relativa à citação e à notificação no
estrangeiro dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, aprovada para
ratificação pelo DL nº 210/71, de 18.5, e ratificada pelo Aviso publicado em 24.1.1974 (cfr.
também o Aviso publicado em 11.8.1977). Ainda a propósito da mesma ressalva, cfr. o Regu-
lamento (CE) 1348/2000 do Conselho, de 29.5.2000.
399
Cfr. os nºs 4 e 5 do art. 231º para a hipótese de o citando recusar assinar a certidão ou
receber o duplicado da petição inicial.
400
Cfr. os nºs 6 e 7 do art. 231º acerca da hipótese de o agente de execução designado pro-
mover a citação por outro agente de execução ou por um seu empregado.
177
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
401
Ainda a propósito da citação por contacto pessoal, o art. 232º regula as formalidades da
designada citação com hora certa, para os casos em que o agente de execução (ou funcioná-
rio judicial) apura que o citando reside ou trabalha efectivamente no local indicado mas não
o encontra no momento em que lá vai. Este modo de citação pode, em certos casos, implicar
a advertência fixada no art. 233º.
402
Ao ser assumida no processo a impossibilidade de realizar a citação, em virtude de o
citando estar ausente em parte incerta, mas antes de outros efeitos, o art. 236º acautela e im-
põe a realização de diligências destinadas a obter informação acerca do último paradeiro ou
da última residência conhecida, prevendo a notificação de determinadas entidades aí men-
cionadas.
403
Acerca desta publicação, cfr. o art. 24º da Portaria nº 280/2013, de 26.8.
404
Quando a citação é edital, a dilação é de 30 dias (art. 245º 3). A dilação respeita ao de-
curso de um prazo (prazo dilatório) que difere para certo momento o início da contagem
178
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
de outro prazo (no caso, o prazo peremptório para contestar). Acerca das modalidades do
prazo (dilatório e peremptório), cfr. o art. 139º.
405
Note-se que o regime previsto nos nºs 3 e 4 do art. 246º não se aplica quanto a entida-
des cuja inscrição no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas
Colectivas não seja obrigatória (art. 246º 5). É o que sucede com os condomínios e os patri-
mónios autónomos, tal como referem Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras no-
tas…, Vol. I, p. 220).
406
Sobre este ponto, cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual…, ps. 273 e ss.) e Luso Soares
(Direito…, ps. 296 e ss.).
407
Cfr. o art. 323º 2 e 4 do CC; cfr. também o art. 259º 2.
179
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
No que tange aos seus efeitos adjectivos, diz-se que a citação torna está-
veis os elementos essenciais da causa [art. 564º b)].
Em face do disposto no art. 260º, os elementos essenciais da causa, isto
é, aqueles que lhe dão identidade, são os sujeitos (autor e réu), a causa
de pedir (o facto jurídico concreto que fundamenta a pretensão) e o pe-
dido (a pretensão formulada em juízo pelo autor). Mas tal estabilidade
não significa imutabilidade, como, desde logo, a lei reconhece408.
Outro efeito adjectivo da citação é a inibição que resulta para o réu de
propor contra o autor acção destinada a apreciar a mesma questão jurí-
dica [art. 564º c)]. Do que se trata é de evitar a repetição da causa. Se isso
suceder, estaremos perante a figura da litispendência (arts. 580º a 582º).
408
A lei admite certas modificações da instância, quer subjectivas, quer objectivas. Quanto
às primeiras, cfr. os arts. 261º (renovação da instância), 262º e 263º (substituição na rela-
ção substantiva em litígio, por sucessão ou por acto entre vivos, e intervenção de terceiros).
Quanto às segundas, cfr. os arts. 264º e 265º (alterações do pedido e da causa de pedir) e o
art. 266º (reconvenção).
180
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
Atente-se nos arts. 221º e 255º, que regulam a matéria das notificações
entre mandatários, estabelecendo que todas as peças escritas apresentadas
nos autos após a notificação da contestação devem ser notificadas pelo
mandatário da parte apresentante ao mandatário da contraparte, noti-
ficação que deve ser feita por via electrónica, devendo o sistema infor-
mático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta
feita no terceiro dia posterior ao da elaboração ou no primeiro dia útil
seguinte a esse, quando o terceiro dia não seja útil.
409
Cfr. também o art. 25º da Portaria nº 280/2013, de 26.8.
410
Quando a parte não tiver constituído mandatário, o que supõe que o patrocínio judiciário
não seja obrigatório, as notificações são feitas directamente à própria parte, por carta regis-
tada com aviso de recepção remetida para a respectiva residência ou sede ou para o domicí-
lio escolhido para o efeito (art. 249º).
181
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
411
Embora a lei não faça hoje essa ressalva, deve entender-se que, nos casos em que a peti-
ção seja apresentada a despacho liminar em virtude de pedido de citação urgente [art. 226º
4.f )], é vedado ao juiz proferir despacho de indeferimento. Era esta a solução no CPC de
1961, como resultava dos seus arts. 234º 4.f ) e 234º-A 1. Tal ressalva radicava na pondera-
182
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
1.4. Contestação
Como já ficou dito, a citação tem em vista garantir o contraditório e per-
mitir ao réu a apresentação da sua defesa (art. 219º 1). Tal defesa é feita,
em regra, na peça processual denominada contestação. Sucede que, em
certas circunstâncias, o réu pode ainda aproveitar a contestação para de-
duzir pedidos contra o autor.
Por isso, é usual distinguir-se, dentro da contestação, a defesa pro-
priamente dita e a reconvenção; naquela, o réu toma posição perante a
pretensão contra si formulada pelo autor; nesta, o demandado passa ao
contra-ataque, formulando pedidos contra o autor412.
ção de que mais valia acautelar os interesses visados com a citação urgente requerida do que
aquilo que um juízo de indeferimento liminar seria susceptível de propiciar.
412
Neste sentido, Manuel de Andrade (Noções..., p. 127) e Othmar Jauernig (Direito…, ps.
241 e 250).
413
Cfr. Manuel de Andrade (Noções..., p. 129).
183
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
414
Neste sentido, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 53).
415
Assim acontece quando, numa acção de condenação para recebimento do preço de venda
de uma coisa, o réu afirma que nada comprou ao autor.
416
Neste sentido, Manuel de Andrade (Noções..., p. 127).
417
Assim sucede quando o réu alega que o preço da venda de um objecto foi outro que não o
indicado e peticionado pelo autor, ou que o momento fixado para o pagamento não é aquele
que o autor invoca. Situação semelhante ocorre quando uma ré seguradora, rejeitando a res-
ponsabilidade civil que lhe é imputada, descreve o acidente de viação de forma diversa da
relatada pelo autor.
418
O simples desconhecimento não constitui, em rigor, uma forma de impugnação. É apenas
uma modalidade de defesa cujo efeito se reconduz ao da impugnação.
184
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
419
É o que sucede quando o réu, admitindo que, em virtude de um negócio, lhe foi entregue
uma coisa, afirma que tal entrega se fez a título de doação, daí não haver lugar à sua resti-
tuição, a título de comodato, como pretende o autor. Situação semelhante ocorre quando o
senhorio peticiona o despejo, com base em determinados factos, e o réu arrendatário, apesar
de aceitar a factualidade alegada, sustenta que tais factos não constituem motivo legal de
resolução do contrato de arrendamento.
420
José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 24).
421
Neste sentido, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 25).
185
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
186
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
425
Cfr., por exemplo, o art. 1938º 1.e) e 2 do CC. Note-se que, respeitando a falta ao réu, não
há excepção dilatória. O seu efeito é apenas o fixado no art. 29º 2 in fine.
426
Ocorrendo a hipótese prevista no nº 4 do art. 37º, a situação pode ser ultrapassada nos
termos dos nºs 2 e 3 do art. 38º, por remissão daquele nº 4.
427
Quando esteja em causa o patrocínio do réu, as irregularidades não sanadas geram apenas
a ineficácia da defesa (arts. 41º e 48º).
187
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
428
Apresentando exemplos típicos de excepções peremptórias, Remédio Marques (Acção
declarativa…, ps. 461-462).
188
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
429
A compensação, outra forma de extinção das obrigações à luz do direito substantivo,
decorrente do reconhecimento de um contracrédito do réu sobre o autor, está sujeita a um
regime processual específico, nos termos do art. 266º. 2.c), matéria que será tratada adiante.
189
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
se limitar a alegar que já pagou um terço da dívida (ou que o credor lhe
perdoou essa parte), é evidente que, a ser procedente, esta excepção con-
duzirá apenas à absolvição parcial do pedido, sendo o réu condenado na
parte restante. Já se a excepção atinge aquele direito em toda a sua dimen-
são, a absolvição do pedido será total. É o que acontecerá com a alegação
da prescrição, da caducidade, do pagamento total da dívida, dos motivos
de invalidade do negócio jurídico, enfim, da maior parte das excepções
peremptórias.
430
A propósito, cfr. Remédio Marques (Acção declarativa…, ps. 462-463).
431
Recorde-se que a prescrição nunca é de conhecimento oficioso (art. 303º do CC). Quanto
ao abuso de direito (art. 334º do CC), tem-se entendido, pacificamente, que o mesmo é de
conhecimento oficioso. Neste sentido, cfr. os Acs. do STJ, de 9.10.1979 (BMJ, 290º-352), de
26.3.1980 (BMJ, 295º-426), de 4.7.1980 (BMJ, 299º-320), de 21.1.1986 (BMJ, 353º-475), de
7.1.1993 (CJ, Acórdãos do STJ, 1993, I-5) e de 21.9.1993 (CJ, Acórdãos do STJ, 1993, III-19).
190
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
Para maior desenvolvimento sobre este ponto, cfr. José Alberto dos Reis (CPC Anotado,
432
Vol. III, ps. 31 e ss.), Manuel de Andrade (Noções..., ps. 132 e ss.) e Varela/Bezerra/Nora
(Manual…, ps. 292 e ss.).
191
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
dado o efeito que gera a procedência destas. Nesse caso, o réu iniciaria
a sua defesa invocando aquela incompetência absoluta do tribunal, ex-
cepção que teria de ser apreciada e decidida. Se viesse a ser julgada pro-
cedente, o réu seria absolvido da instância. Teria, então, sentido o que
anteriormente se referiu, quanto à desnecessidade de o réu se defender
logo (e também) por impugnação e excepções peremptórias. Mas, o que
aconteceria se aquela excepção de incompetência fosse julgada improce-
dente, e o tribunal entendesse que podia conhecer do mérito da causa?
Teria, então, de ser concedido ao réu novo prazo defensional, para que
este viesse agora discutir o fundo da questão. E alegando o quê? Preci-
samente aquilo que teria alegado, se o houvesse feito desde logo, isto é,
ao lado da arguição da incompetência absoluta. Daqui resulta que ao res-
peito do direito de defesa do réu acresce a garantia da rapidez processual,
bem como da boa fé na prática dos actos processuais, impedindo-se o réu
de utilizar a sua defesa como expediente para retardar o processo.
Deste modo, impondo-se ao réu o dever de concentrar na contestação
todos os seus argumentos defensionais, independentemente da sua natu-
reza e efeitos, assegura-se, ao mesmo tempo, um sistema de “jogo franco
e leal”433.
433
Neste sentido, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, ps. 43-45) e Varela/
/Bezerra/Nora (Manual…, ps. 310-311).
434
Por exemplo, o réu começará por invocar a incompetência absoluta do tribunal (excepção
dilatória); seguidamente, para a eventualidade de o tribunal se julgar competente, afirmará
que os factos se passaram de forma diversa (impugnação); por fim, alegará que, apesar de
tudo, já prescreveu o direito à indemnização feito valer autor (excepção peremptória).
192
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
– defesa separada, prevista no art. 573º 1 in fine. É aquela que, por im-
posição legal, deve ser deduzida no prazo da contestação, mas fora desta,
isto é, em separado435;
435
Como exemplo de defesa separada é costume referir a invocação da suspeição do juiz,
nos termos dos arts. 121º 1 in fine e 122º 1. Embora se trate de um argumento que o próprio
autor pode invocar, na medida em que é inerente à garantia da imparcialidade do juiz, o
certo é que, quanto ao réu, deve surgir autonomamente face à contestação. Trata-se, de
todo o modo, de uma figura residual, pois hoje a regra é mesmo não haver defesa separada.
Tempos houve (até à Reforma Intercalar de 1985) em que a incompetência relativa era
deduzida em separado e por via incidental, o que constituía um autêntico exemplo de defesa
separada. Dando nota disto, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 96-97, nota de ro-
dapé nº 35).
436
Esta matéria respeita aos articulados supervenientes, de que trataremos adiante.
437
Atente-se, porém, no regime específico consagrado no nº 1 do art. 198º, quanto à inepti-
dão da petição inicial.
193
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
b) Ónus de impugnação
O outro princípio a ter em atenção na defesa do réu é o ónus de impug-
nação. Nos termos do nº 1 do art. 574º, na contestação, o réu há-de “tomar
posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo
autor”.
Quer isto significar que o réu não pode remeter-se a uma atitude
passiva, não se pronunciando sobre os factos articulados pelo autor, de-
vendo, outrossim, impugnar os factos que não reconheça ou não aceite.
Tal impugnação não carece, porém, de ser motivada, através de uma con-
traversão dos factos articulados pelo autor. Basta a mera negação expres-
sa do ou dos factos alegados438.
Se o réu não tomar posição sobre aqueles factos, entende-se que os
admite como exactos (primeira parte do nº 2 do art. 574º). Como se vê,
o ónus de impugnação tem associada a cominação seguinte: a falta de
impugnação implica a admissão desses factos por acordo (confissão tácita),
o que conduzirá a que os mesmos sejam tidos como assentes e provados
nos autos439.
O ónus de impugnação está, contudo, sujeito a algumas excepções. Desta
forma, apesar de não impugnados, não se têm como admitidos por acordo
os factos que se encontrem em manifesta oposição com a defesa conside-
rada no seu conjunto, os factos sobre os quais não seja admissível confis-
são e, ainda, os factos que só possam ser provados por documento escrito
(segunda parte do art. nº 2 do art. 574º)440.
Realmente, há situações em que a falta de impugnação de um facto
não pode implicar a confissão tácita dele, quando o mesmo esteja em
438
O que permite dizer que, hoje e desde a Reforma de 1995/96, a impugnação na contes-
tação pode limitar-se a uma mera negação em bloco de toda a matéria de facto alegada pelo
autor. Quer dizer, a lei não proíbe a chamada contestação por negação, ao contrário do que
acontecia até 1995/96.
439
Tenha-se em conta que o nº 3 do art. 573º consagra um regime específico para os casos
em que o réu, apesar de não impugnar, afirma que não sabe se determinado facto é real,
estabelecendo o seguinte critério: tratando-se de facto pessoal ou de que o réu deva ter
conhecimento, tal afirmação conduz à confissão do facto, valendo como impugnação no caso
contrário.
440
Atente-se, por outro lado, no regime excepcional fixado no nº 4 do art. 573º, para a repre-
sentação dos incapazes, ausentes e incertos pelo Ministério Público ou por advogado ofi-
cioso. Esse regime, afastando a solução do nº 1 e do nº 3 do art. 573º, justifica-se pelo carác-
ter impessoal deste tipo de representação.
194
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
441
Cfr. a anotação a este preceito de Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Ano-
tado….).
442
Neste sentido, Manuel de Andrade, citado por José Alberto dos Reis (Comentário ao
CPC, Vol. III, p. 518).
443
Cfr., entre outros, os arts. 875º, 947º, 1143º e 1250º, todos do CC.
444
Sobre o nº 2 do art. 364º do CC, cfr. Castro Mendes (Direito... 1987, Vol. II, p. 561, em
nota de rodapé).
195
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
Daqui resulta, além do mais, não haver preclusão quanto a factos (essen-
ciais) complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados.
E mais resulta não haver ónus de alegação nem, tão pouco, preclusão
quanto a factos instrumentais. É na base disto que o nº 1 do art. 574º
reconduz o ónus de impugnação do réu aos “factos que constituem a causa
de pedir”.
Como se compreende, a circunstância de não haver ónus quanto à
alegação de certos factos não equivale à proibição de tal alegação. Conse-
quentemente, no caso de, embora sem necessidade, o autor ter alegado
factos instrumentais na petição inicial, é evidente que o réu não ficará
impedido de tomar posição sobre tais factos e de os impugnar. De todo o
modo, exactamente por inexistir aí um ónus de impugnação, a lei acautela
o seguinte: ainda que o réu não impugne esses factos instrumentais, daí
não resultará mais do que uma, digamos, admissão provisória dos mesmos,
porquanto tal admissão sempre pode ser afastada por prova posterior.
É isso mesmo que estabelece a parte final do nº 2 do art. 574º.
445
José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 96).
446
Referindo-se a casos de reconvenção necessária, Remédio Marques (Acção declarativa…,
ps. 470-473). Para mais desenvolvimentos, Miguel Mesquita (Reconvenção e excepção…, ps.
415 e ss.).
196
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
447
Neste sentido, José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 99).
197
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
448
Cfr. os arts. 216º e 1273º a 1275º do CC. Quanto à reconvenção pelo arrendatário, cfr. os
arts. 1046º do CC e 29º do NRAU.
198
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
449
Cfr. o art. 1199º do CC.
199
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
200
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
450
Esta corrente era sustentada por Vaz Serra (RLJ, 104º, ps. 276 e ss.; 105º, ps. 6 e ss.; 109º,
ps. 145 e ss.; e 110º, ps. 254 e ss.), Anselmo de Castro (A acção executiva..., p. 282, em nota
de rodapé, e ps. 283 e ss., adenda) e Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 124-132).
451
Defendiam esta tese Castro Mendes (Direito... 1987, Vol. II, ps. 369 e ss.), Manuel de
Andrade (Noções..., ps. 146 e ss.), Lopes-Cardoso (CPC Anotado 1967, em anotação ao art.
274º), Teixeira de Sousa (Litispendência e compensação…, p. 35) e Almeida Costa (Direito
das Obrigações, ps. 1031 a 1035).
452
Para uma análise mais pormenorizada das referidas correntes, cfr. Miguel Mesquita
(Reconvenção e excepção…, ps. 295 e ss.), Paulo Pimenta (Reconvenção…, ps. 469-478) e
Menezes Cordeiro (Da compensação…, ps. 130-133).
201
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
453
Cfr. Paulo Pimenta (Reconvenção…, p. 479).
454
Sobre este ponto, Paulo Pimenta (Reconvenção…, ps. 469-470).
455
No CPC de 2013, verifica-se o mesmo pelo nº 2 do art. 299º e pelo nº 3 do art. 530º.
456
Assim na alínea p) do art. 85º da Lei nº 3/99, de 13.1, e na alínea p) do art. 118º da Lei
nº 52/208, de 28.8. O mesmo sucede, aliás, com a nova Lei de Organização do Sistema Judi-
ciário, a Lei nº 62/2013, de 26.8, na alínea o) do seu art. 127º.
457
A Lei dos Julgados de Paz é a Lei nº 78/2001, de 13.7, alterada e republicada pela Lei
nº 54/2013, de 31.7.
202
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
458
Neste sentido, cfr. os Acs. do TRP de 12.5.2015 (processo nº 143043/14.5YIPRT.P1) e de
8.7.2015 (processo nº 19412/14.6YIPRT-A.P1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
459
Não estão cobertos pela previsão do art. 266º 2.c) os casos em que a compensação já te-
nha sido operada extrajudicialmente em momento anterior, pois aí o crédito do autor já está
extinto quando a acção é proposta, sendo então de invocar esse facto extintivo em sede de
defesa. A este propósito, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 131-132) fala em objec-
ção. Também não estão cobertos pela previsão legal, os casos em que o crédito do réu já te-
nha sido reconhecido judicialmente (noutro processo, portanto), até sob pena de repetição
de causas e inerente excepção de caso julgado ou, pelo menos, de litispendência (arts. 580º
a 582º). Quando assim for, estaremos perante o mero fenómeno extintivo que caracteriza a
compensação, a invocar em defesa por excepção peremptória. A este propósito, cfr. Ramos
de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 237).
460
Para justificar essa eventual opção não pode apelar-se ao carácter facultativo da reconven-
ção. A reconvenção é, realmente, facultativa, no sentido de que o réu não tem a obrigação ou
sequer o ónus de reconvir. Coisa diferente, já excluída de qualquer faculdade, é saber como
tem o réu de proceder quando pretenda obter o reconhecimento de crédito de que seja titu-
lar sobre o autor. A essa questão a lei responde: deduzindo reconvenção! Com uma perspec-
tiva contrária, referindo que nada mudou, “permanecendo a reconvenção fundada em compensação
facultativa”, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 131-132).
203
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
204
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
Por isso, para que ao réu seja possível deduzir reconvenção, é neces-
sário que o tribunal onde o processo está pendente se revele competente
para conhecer também da questão reconvencional. É este o sentido do
nº 1 do art. 93º ao fazer depender a reconvenção da competência do tri-
bunal em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, sem o que o
autor reconvindo será absolvido da instância reconvencional. A lei dispen-
sa, no entanto, por razões óbvias, a competência em razão do território461.
O segundo requisito de ordem processual diz respeito à forma do pro-
cesso, como se vê pelo nº 3 do art. 266º, que exige que ao pedido original e
ao pedido reconvencional corresponda a mesma forma processual.
Esta exigência da unidade da forma do processo visa impedir que o
enxerto da acção reconvencional no processo pendente possa causar per-
turbações e embaraços à sua normal e previsível tramitação. Nesta linha
de raciocínio, José Alberto dos Reis afirmou que “a reconvenção equi-
vale, no fundo, a uma acção proposta pelo réu contra o autor e faz-se mister que a
forma do processo seja adequada para a instrução, discussão e julgamento do pleito
reconvencional. Como a forma do processo é, em regra, determinada pelo pedido
do autor, segue-se que o processo só será idóneo para se instruir, discutir e julgar a
causa reconvencional se houver coincidência entre a forma de processo aplicável à
acção e a forma de processo aplicável à reconvenção”462.
Portanto, se estivermos numa acção comum, é admissível reconvenção
se a esta couber igualmente a forma comum de processo. E se a acção for
especial, a reconvenção só é admitida se lhe corresponder a mesma forma
especial, e não outra forma especial ou a forma comum463.
A primeira, para dizer que o réu pode reconvir ainda que não se de-
fenda do pedido do autor464.
461
Relativamente ao critério da competência em razão do valor da causa, a questão é resol-
vida nos termos indicados no nº 2 do art. 93º.
462
José Alberto dos Reis (Comentário ao CPC, Vol. III, p. 117).
463
Note-se que, apesar da diversidade das formas de processo, o juiz pode autorizar o en-
xerto reconvencional, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do art. 37º (art. 266º 3 in fine).
464
Neste sentido, cfr. o Ac. do TRL de 4.12.1953 (BMJ, 45º-209), e o Ac. do STJ, de 31.7.1956
(BMJ, 59º-462).
205
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
465
Cfr., a propósito, o art. 286º 2.
466
Neste sentido, Manuel de Andrade (Noções..., p. 153). A este propósito, cfr. o Ac. do STJ
de 27.11.2003 (processo nº 03B3126) e os Acs. do TRP de 20.1.1998 (processo nº 9721262) e
de 5.2.2004 (processo nº 0432573), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
467
Cfr. o Ac. do TRP de 19.9.1989 (CJ, 1989, IV-196).
468
Neste sentido, cfr. o Ac. do TRC de 5.12.2012 (processo nº 4331/06.8TBAVR.C1), dispo-
nível em www.dgsi.pt.
469
Como o chamamento do terceiro é feito por citação (art. 319º) e esta depende de prévio
despacho do juiz [art. 226º 4. d)], afigura-se que, conjugando o art. 318º 2 e o art. 266º 5, bem
pode suceder que a reconvenção seja imediatamente rejeitada quanto ao terceiro e este não
chegue, sequer, a ser citado. Nesse cenário, não chega a colocar-se a hipótese da sua absolvi-
ção da instância, pois ele fica à margem do processo, acabando por não intervir na instância.
206
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
ralmente, com a inerente citação dos terceiros que hajam de intervir para
assegurar a legitimidade plural.
470
Com as devidas adaptações, recorde-se o que foi referido a propósito da causa de pedir,
face ao disposto no art. 5º: i) impende sobre o réu o ónus de alegação dos factos essenciais rela-
tivos às excepções peremptórias que deduza; ii) não há preclusões quanto a factos instrumen-
tais, devendo o juiz considerar todos os factos instrumentais que resultem da instrução da
causa; iii) não há preclusões quanto a factos (essenciais) complementares ou concretizadores dos
factos (essenciais) inicialmente alegados, devendo o juiz conhecer desses factos quando os
mesmos resultarem da instrução, na condição de assegurar às partes a possibilidade de sobre
eles se pronunciarem.
207
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
(factos novos, pois), sob pena de se terem como admitidos por acordo os
factos que não forem impugnados. Para que este ónus e esta cominação
possam funcionar com efectividade, a boa fé processual impõe que o réu
especifique separadamente as excepções que deduza, para ser então pos-
sível ao autor, primeiro, ficar ciente de cada excepção invocada, segundo,
optar conscientemente entre impugnar os respectivos factos e deixar de
o fazer. O que não seria aceitável era que o réu pudesse beneficiar da falta
de impugnação dos factos integradores de excepção por si deduzida em
virtude de o autor não se ter apercebido de tal excepção471.
No que respeita à reconvenção, nesta parte, a contestação faz as vezes
de uma autêntica petição inicial. Nessa medida, o nº 1 do art. 583º, para
além de estabelecer que a reconvenção deve ser expressamente identifica-
da e deduzida separadamente na contestação, estatui que o reconvinte deve
expor os respectivos fundamentos nos termos da alínea d) do nº 1 do art.
552º, o mesmo é dizer, o reconvinte deve expor os factos essenciais que
constituem a causa de pedir reconvencional e as razões de direito que
servem de fundamento à reconvenção.
471
Tratar-se-ia de um verdadeiro caso de benefício do infractor, o que é de repudiar. Sem pre-
juízo do que se dirá adiante, note-se que a dedução de excepções sem a respectiva especifi-
cação implicará a irregularidade da contestação, devendo ser proferido despacho pré-sanea-
dor de convite ao aperfeiçoamento da peça, nos termos do nº 3 do art. 590º. Por outro lado,
também sem prejuízo do que se dirá adiante, convém não confundir o ónus de o autor tomar
posição sobre os factos integradores das excepções deduzidas na contestação com a circuns-
tância de, face ao art. 584º, o terceiro articulado dos autos (a réplica) ter um âmbito mais
limitado do que era tradicional. Se o contraditório não puder ser exercido em articulado,
será exercido de outro modo, sobremaneira na audiência prévia (art. 3º. 4). O que releva é
que, quando for exercido e no modo por que o seja, o autor está sujeito ao regime do art.
574º ex vi do nº 1 do art. 587º.
208
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
472
Caso o réu impugne o valor atribuído à acção pelo autor e indique outro em sua substi-
tuição, o autor é admitido a pronunciar-se no sentido de aceitar o valor indicado pelo réu
(art. 305º 2). Não sendo alcançado tal acordo, deverá observar-se o disposto no art. 308º,
competindo ao juiz determinar o valor; situação similar ocorre quando, embora haja acordo
das partes, o juiz não aceite esse acordo.
473
Esta soma tem lugar desde que o pedido reconvencional seja diferente do pedido do au-
tor, tal como estabelece o nº 2 do art. 299º, em conjugação com o nº 3 do art. 530º.
474
Correndo a acção os termos da forma única de processo comum, é evidente que a soma
de valores não terá efeitos ao nível da forma do processo, mas pode ter ao nível da com-
petência do tribunal, particularmente no confronto entre o juízo local cível (ou, não o ha-
vendo, o juízo de competência genérica) e o juízo central cível, podendo tal soma de valores
determinar a incompetência do tribunal onde a acção está pendente, com a inerente re-
messa do processo para o juízo central cível, nos termos do nº 2 do art. 93º [cfr. o arts. 117º
1.a) e 3 e o art. 130º 1 da LOSJ].
475
Note-se que a eventual a extinção da instância reconvencional não inutiliza os efeitos
processuais já produzidos pela dedução da reconvenção, nomeadamente quanto ao valor da
causa, nos termos do art. 299º 2. Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…,
Vol. II, p. 130, nota de rodapé nº 206).
209
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
210
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
480
Neste sentido, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 75).
211
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
481
Ou a remessa do processo para o tribunal competente (art. 105º 3).
482
Quanto ao modo de contagem dos prazos, o art. 138º estabelece a regra da continuidade,
havendo suspensão da contagem no período das férias judiciais. A lei admite a possibilidade
de serem praticados actos fora do prazo, em caso de justo impedimento, nos termos do art.
140º. Independentemente de justo impedimento, é ainda possível praticar o acto nos três
dias uteis subsequentes ao termo do prazo, com sujeição, porém, ao pagamento de uma
multa, conforme estabelecem os nºs 5 a 8 do art. 139º.
483
Note-se que o prazo para a apresentação da contestação só começa a correr após a dila-
ção, quando a esta haja lugar. Nos termos do art. 245º a dilação ocorre, designadamente,
quando o réu resida fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a acção ou quando
tenha sido citado editalmente.
212
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
todos eles podem apresentar a sua contestação até ao termo do prazo que
começou a correr em último lugar (art. 569º 2). Esta solução justifica-se
já que, para além de não prejudicar o autor (visto o disposto no art. 575º
2), concede aos vários réus a possibilidade de uma defesa conjunta484.
Por outro lado, se o Ministério Público representar o réu, admite-se
que aquele prazo seja prorrogado, até ao máximo de trinta dias, nos casos
previstos no nº 4 do art. 569º.
Finalmente, há que atentar na solução constante dos nºs 5 e 6 do art.
569º, que consagra a possibilidade de o prazo da contestação ser prorro-
gado, até ao limite máximo de trinta dias, quando o réu o requeira e o tri-
bunal considere relevantes os motivos inovados 485,486. Na base desta pre-
visão está o seguinte: se, normalmente, o autor dispõe de condições para
preparar a acção que vai instaurar, colhendo elementos e documentos,
tantas vezes essenciais, que demoram tempo a ser obtidos e se não está
sujeito a prazos apertados para a propositura das acções, é conveniente
que, na medida do possível, se propicie algo de similar ao réu, o que se
traduz em conceder uma prorrogação do prazo para contestar, quando o
tribunal considerar existir motivo ponderoso que impeça ou dificulte a
organização da defesa no prazo legalmente definido487.
484
Atente-se no nº 3 do art. 569º, por via do qual se evita que os certos réus percam este
benefício se, entretanto, o autor desistir da instância ou do pedido quanto a um demandado
ainda não citado.
485
Assim acontecerá, por exemplo, quando for exageradamente vasto o número de questões
suscitadas, for de antecipar que se tornam necessários à elaboração da defesa elementos ou
documentos cuja obtenção é habitualmente morosa (como a derivada de buscas nas Con-
servatórias do Registo, nos Cartórios Notariais ou em Serviços de Finanças, etc.) ou quando,
de uma maneira geral, se puder concluir que o prazo originário de trinta dias não é, de facto,
compatível com a elaboração de uma profícua defesa.
486
O requerimento tendente à prorrogação tem de ser apresentado em tempo, isto é, antes
de terminar o prazo inicialmente fixado na lei para a contestação, sendo certo que tal apre-
sentação não suspende o prazo em curso. A decisão sobre o requerimento, que é proferida
sem ouvir a parte contrária, não admite recurso, tem de ser tomada em vinte e quatro horas
e pode ser comunicada ao réu através de um dos meios previstos na segunda parte do nº 5
do art. 172º (v.g., por telecópia, por comunicação telefónica ou por telegrama, etc.), respei-
tando-se ainda o nº 6 deste mesmo artigo.
487
No caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo da defesa for concedida apenas
a um deles, tal benefício deve considerar-se extensivo aos restantes demandados, por aplica-
ção adaptada do regime do art. 569º 2. Deste modo, fica assegurada a possibilidade de defesa
conjunta e em nada se prejudica a celeridade processual, já que os autos sempre aguarda-
riam o decurso do último prazo (cfr. o art. 575º 2).
213
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
488
Tal como ficou dito a propósito da petição inicial, actualmente vigora o regime da auto-
liquidação da taxa de justiça devida pelas partes. Assim, o réu deve juntar à contestação do-
cumento comprovativo do pagamento prévio da taxa de justiça devida ou da concessão do
benefício do apoio judiciário (nº 1 do art. 14º do RCP e o art. 145º). Note-se que, diferen-
temente do que acontece com a petição, a falta do referido documento não obsta ao rece-
bimento da contestação, dispondo o réu do prazo de 10 dias para proceder a tal junção, sob
pena de ficar sujeito à cominação prevista no art. 570º (art. 145º 3). Para a hipótese de, no
momento em que contesta, o réu estar a aguardar decisão sobre o pedido de apoio judi-
ciário, cfr. os nºs 1 e 2 do art. 570º. Registe-se, por outro lado, que se houver reconvenção e
o valor desta acrescer ao indicado na petição (o que sucede quando o pedido reconvencio-
nal for distinto do original, nos termos do art. 299º), a taxa de justiça a pagar pelo réu deve
reflectir já essa soma (nºs 2 e 3 do art. 530º).
489
Quanto às hipóteses de recusa de recebimento da contestação pela secretaria, é de obser-
var, adaptadamente, a previsão do art. 558º.
490
Havendo várias contestações, a notificação faz-se nos termos do nº 2 do art. 575º.
491
Como se verá quando analisarmos a segunda parte da alínea b) do art. 568º, só aí a natu-
reza (absoluta) da revelia é critério para efeito de determinação do regime da revelia (inope-
rante)
214
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
492
Manuel de Andrade (Noções..., p. 254) e Varela/Bezerra/Nora (Manual…, ps.
543-545) preferiram a expressão “confissão presumida”. Lebre de Freitas (A confissão...,
p. 483-484) não aceita esta terminologia, optando por falar em “admissão”.
215
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
493
Na verdade, apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem como confessados, o
juiz fica liberto para julgar a acção materialmente procedente, mas também (por exemplo)
para se abster de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (quando cons-
tate a violação de pressupostos processuais não sanados), para julgar a acção apenas parcial-
mente procedente (se, imagine-se, o autor houver formulado dois pedidos, sendo um deles
manifestamente infundado) e até para reduzir aos justos limites determinada indemnização
peticionada. Cfr. Leo Rosenberg (Tratado…, Tomo II, p. 171).
216
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
Nos termos da alínea a) do art. 568º, a revelia não opera quando, ha-
vendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante
impugnar. Nesta hipótese, basta que um dos réus conteste a acção para os
factos por ele impugnados não poderem ser considerados como confes-
sados em relação aos seus co-réus revéis. Desta forma, evita-se uma even-
tual discrepância no julgamento da matéria de facto, obstando-se a que
os factos articulados pelo autor sejam, no mesmo processo, considerados
como confessados quanto a uns réus e impugnados quanto a outros496.
Note-se que este benefício concedido aos réus revéis se circunscreve à
matéria impugnada pelo réu contestante. Por isso, os factos da petição
494
Nos termos da lei, estas alegações de direito são apresentadas, primeiro, pelo autor, de-
pois, pelo réu. Como tais alegações são redigidas e subscritas pelos advogados das partes,
o réu não contestante só pode produzir alegações se tiver constituído mandatário. Se assim
não acontecer, apenas o autor pode alegar. Neste sentido, Montalvão Machado (O dis-
positivo..., p. 194, nota de rodapé nº 383) e Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 92).
Em sentido contrário, sustentando que, neste último caso, o autor fica inibido de alegar,
a pretexto da quebra da igualdade das partes, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo...,
p. 211).
495
Cfr. o nº 3 do art. 567º acerca do conteúdo possível da sentença proferida neste contexto.
496
Por outro lado, evita-se que a questão de direito seja julgada duas vezes, uma por força do
nº 2 do art. 567º, outra no âmbito do art. 607º.
217
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
inicial que não hajam sido efectivamente impugnados são dados como
assentes, em relação a todos os réus [cjg. o art. 574º 2 com o art. 568º
a)]. Por outro lado, excepções eventualmente deduzidas pelo réu contes-
tante, sobremaneira as de carácter inoficioso, apenas a este aproveitam.
497
É o caso de o réu citado editalmente constituir mandatário dentro do prazo da contesta-
ção ou de, nesse prazo, praticar qualquer acto no processo.
218
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
498
Cfr. o nº 1 do art. 289º. Cfr., também, o art. 354º do CC.
499
A revelia é inoperante, por exemplo, nas chamadas acções de estado, tais como as de im-
pugnação de maternidade ou paternidade, as de divórcio ou separação de pessoas e bens,
e as de anulação de casamento. Referindo-se a casos de inoperância da revelia no contexto
deste normativo, cfr. o Ac. do TRG de 10.4.2008 (processo nº 52/08-2) e o Ac. do TRC de
17.3.2009 (processo nº 1090/08.3TJCBR.C1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
219
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
500
Note-se o paralelismo entre as alíneas c) e d) do art. 568º e a segunda parte do nº 2 do
art. 574º.
501
De entre os actos a praticar na sentença, referidos no art. 604º, há que ter em conta que a
tentativa de conciliação, prevista no seu nº 1, está excluída nas acções prossigam ao abrigo da
alínea c) do art. 568º, face à limitação imposta pelo nº 1 do art. 289º.
220
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
502
A este propósito, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 93, nota de rodapé nº 25).
503
Neste sentido, Anselmo de Castro (Direito..., Vol. III, p. 236), Castro Mendes (Di-
reito... 1987, Vol. II, p. 591, em nota de rodapé) e Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 352,
em nota de rodapé). Seguindo a posição adoptada no texto, cfr. o Ac. do TRP de 21.9.2010
(processo nº 474/04.0TBOAZ-I.P1) e o Ac. do TRG de 5.2.2012 (processo nº 534/10.9TB-
VLN.G1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
221
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
1.6. Réplica
A réplica é o terceiro articulado do processo declarativo comum, ca-
bendo ao autor a sua apresentação. Trata-se de um articulado eventual,
que só pode ter lugar em duas situações.
Por um lado, quando o réu haja formulado pedido reconvencional na
contestação, servindo a réplica para o autor “deduzir toda a sua defesa quanto
à matéria da reconvenção” (art. 584º 1)506.
Por outro lado, a réplica é admissível nas acções de simples apreciação
negativa, servindo para o autor “impugnar os factos constitutivos que o réu
tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado
pelo réu” (art. 584º 2).
504
Se estiver constituído mandatário, as notificações são, em regra, feitas na pessoa deste
(art. 247º). Caso contrário, as notificações são dirigidas ao próprio réu (art. 249º 1).
505
Afirmação esta que é feita na pressuposição de que é obrigatória a constituição de advo-
gado ou, não sendo, foi constituído mandatário judicial. Mesmo que o patrocínio judiciário
seja obrigatório, cfr. o nº 2 do art. 40º, que permite a prática de certos actos pela própria
parte. Quanto aos casos em que, não sendo obrigatória a constituição de advogado, a parte
não haja constituído mandatário, cfr. o nº 3 do art. 40º.
506
Nos termos deste preceito, o autor não pode opor nova reconvenção.
222
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
507
Não se esqueça, porém, o caso especial previsto no nº 2 do art. 103º, em que a resposta
à excepção de incompetência relativa tem sempre lugar em articulado, seja na réplica
(quando a esta houver lugar por qualquer das razões previstas no art. 584º), seja em
articulado próprio.
508
As restrições impostas pelo CPC de 2013 não se ficaram por aqui, porquanto, além de
diminuir o âmbito da réplica, eliminou o articulado tréplica, peça que, à luz do art. 503º do
CPC de 1961, o réu podia apresentar em certas condições, fundadas na necessidade de asse-
gurar o exercício do contraditório.
509
Para o caso de a acção ter valor não superior a metade da alçada da Relação, cfr. o disposto
no art. 597º.1.a).
510
Apesar de, nos termos da lei (art. 584º), a réplica se não destinar ao exercício do contradi-
tório quanto a excepções, afigura-se que, nos casos em que possa apresentar réplica para os
fins indicados no art. 584º, o autor terá o ónus de responder à matéria das excepções deduzidas na
contestação. É o que parece resultar das disposições conjugadas dos arts. 3º. 4 (a contestação
não é o último articulado admissível), 572º c) e 587º 1. Revê-se, desde modo, posição assu-
mida em obra conjunta: João Correia/Paulo Pimenta/Sérgio Castanheira (Introdução
ao estudo…, p. 71, nota de rodapé nº 73).
223
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
511
Este prazo pode ser prorrogado, em termos similares aos previstos para a contestação (art.
586º).
512
Sempre que o autor invoque excepções na réplica, como não há mais articulados, ficará
assegurado ao réu o exercício do contraditório na audiência prévia, nos termos do nº 4 do
art. 3º, sem prejuízo, como se referiu já, de o juiz optar por proporcionar ao réu a resposta à
excepção por escrito, notificando-o para tal, ao abrigo do disposto no art. 547º.
224
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
513
Este regime é bem mais restritivo do que o que se encontrava nos nºs 1 e 2 do art. 273º do
CPC de 1961.
514
No sentido de que, apesar do teor do nº 1 do art. 506º, deve ser considerada a possibili-
dade de o réu alegar factos impeditivos (subjectivamente) supervenientes, Lebre de Frei-
tas/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Anotado, p. 341).
225
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
515
O que aqui se diz vale inclusivamente para o réu que se encontre em regime de revelia, o
qual pode apresentar articulado superveniente quanto a facto ocorridos ou chegados ao seu
conhecimento após o decurso do prazo da contestação. Neste sentido, cfr. o Ac. do TRL de
30.11.2010 (processo nº 3895/05.8TVLSB-B.L1-1), disponível em www.dgsi.pt.
516
Se os factos ocorrerem ou chegarem ao conhecimento da parte após o início da audiência
final, a sua dedução tem lugar nos termos previstos no nº 2 do art. 589º, sendo feita oral-
mente.
517
Quanto ao oferecimento das provas juntamente com o articulado superveniente e a res-
posta, cfr. o nº 5 do art. 588º. Acerca do tratamento e consideração dos factos supervenien-
temente no conjunto dos demais elementos da causa, cfr. o nº 6 do art. 588º.
226
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
2. Fase intermédia
Findos os articulados, o processo é feito concluso ao juiz, assim se mar-
cando o início da segunda etapa da acção, a fase intermédia do pro-
cesso.
Esta fase tem por primeiro objectivo a verificação da regularidade da
instância. Sendo detectada alguma irregularidade susceptível de sanação,
promover-se-á o respectivo suprimento. Se a irregularidade for insanável
ou não for sanada, o processo termina já nesta fase518.
Quando a instância se mostrar regularizada, daí decorre que não ha-
verá obstáculos a que o mérito da causa seja apreciado. Tal apreciação
terá lugar neste momento da instância, se houver condições para isso,
ou seja, se o processo fornecer já todos os elementos (de facto e de di-
reito) necessários à decisão. Caso contrário, a acção deverá prosseguir,
destinando-se esta fase à preparação da tramitação subsequente.
De entre os actos ou diligências que terão lugar nesta fase processual,
destacam-se o despacho pré-saneador, a audiência prévia, o despacho
saneador, o despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enun-
ciar os temas da prova, bem assim o despacho destinado a programar e
agendar a audiência final.
518
Salvo se a persistência da irregularidade não implicar esse desfecho. É o caso, por exem-
plo, da falta de constituição de advogado por parte do réu, caso em que o vício não se reper-
cute na instância, mas só na defesa, como decorre do disposto no art. 41º (“sob pena de … ficar
sem efeito a defesa”).
227
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
Nessa ocasião, o juiz deverá proceder a uma análise dos autos que
se espraia em diversas vertentes, daí podendo resultar a prolação de um
despacho pré-saneador519 destinado a realizar objectivos vários.
519
Este despacho tem a designação legal que, desde a Reforma de 1995/96, lhe era já atri-
buída pela doutrina e pela jurisprudência.
520
Assim sucederá quanto estiver em causa a sanação da falta de personalidade judiciária de
sucursal ou delegação, caso em que o juiz ordena a citação da administração principal (art.
228
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
229
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
522
É claro que também não proferirá despacho neste contexto quando o vício em causa for
insável, pois isso está excluído do âmbito da norma.
523
Pode, no entanto, suceder que tenha escapado à análise do juiz, no momento do art. 590º
2.a), um determinado vício sanável, que só vem a ser detectado no decurso da audiência pré-
via (art. 591º) ou mesmo aquando da elaboração do despacho saneador (art. 595º). Nesse
cenário, logo que se aperceba da situação, o juiz deverá suspender o que está a fazer e dar ime-
diato cumprimento ao nº 2 do art. 6º. O que aqui se refere é sem prejuízo da possibilidade
de o vício se mostrar, entretanto, sanado por acção voluntária das partes, quando viável.
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., p. 136).
230
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
524
A este propósito, cfr. o Ac. do TRC de 30.6.2011 (processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1),
disponível em www.dgsi.pt.
525
Trata-se de um nulidade secundária (inominada ou atípica), por oposição às nulidades
principais (nominadas ou tipificadas), matéria que será tratada adiante, a propósito do âm-
bito do despacho saneador, nos termos do art. 595º 1.a).
231
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
526
O que aqui se diz é na pressuposição de que, em face do teor do despacho que convoca
a audiência prévia, a parte logo tem efectivas condições para se aperceber da referida nuli-
dade, invocando-a em prazo contado da notificação desse despacho. Fora desse cenário,
pode suceder que tal percepção ocorra somente no decurso da audiência prévia [por exem-
plo, quando o juiz anuncia que vislumbra uma excepção dilatória ou a violação de um pres-
suposto processual e concede aos mandatários das partes oportunidade para alegarem, nos
termos do art. 591º 1b)]. Neste último caso, a arguição da nulidade poderá ser feita até termi-
nar a diligência, aplicando-se adaptadamente o nº 1 do art. 199º. É que, embora a nulidade já
tenha sido cometida antes, a parte só se apercebe disso no decurso da audiência prévia, tudo
se devendo passar como se a nulidade só então fosse cometida.
527
Os arts. 592º 1 e 593º 1 definem os termos, a estudar adiante, em que a audiência prévia
pode não ter lugar.
528
Temos para nós que o problema acabado de tratar deve ser sempre equacionado no âm-
bito das nulidades reguladas no art. 195º (pela omissão da prática de um acto que a lei pres-
creve). A alternativa (que não se nos afigura correcta) seria considerar que a decisão judicial
(o despacho saneador, normalmente) que declarasse a violação do pressuposto processual
ou a ocorrência da excepção dilatória (por cuja sanação o juiz nada fizera) padeceria do vício
(nulidade) de excesso de pronúncia [cfr. o art. 615º 1.d)].
529
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 92). Cfr., também, Lopes do
Rego (Comentários…, p. 407) e Paulo Pimenta (A fase do saneamento…, p. 143).
232
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
530
Note-se que, em algumas circunstâncias, as diligências tendentes à regularização da ins-
tância podem implicar que a prolação da sentença venha a ficar prejudicada. Basta pensar na
hipótese de, tratando-se de uma acção cujo objecto implique litisconsórcio necessário con-
jugal passivo (art. 34º 3), a mesma ter sido proposta apenas contra um dos cônjuges, que a
não contestou, gerando condições para ser submetido ao regime da revelia operante. Con-
frontado com esta ilegitimidade, que é sanável, o juiz deverá advertir o autor para providen-
ciar pela respectiva sanação, requerendo a intervenção principal do outro cônjuge (arts. 6º
2 e 316º). Concretizada a sua citação (art. 319º 1), com a inerente sanação da ilegitimidade,
aquele cônjuge será admitido a apresentar a respectiva contestação (nos precisos termos em
que o faria se tivesse sido citado logo no início da instância). Caso conteste e se defenda por
impugnação, tal defesa aproveita ao primitivo réu, que, continuando revel, verá a sua revelia
transformar-se em inoperante, nos termos fixados na alínea a) do art. 568º. Nesse caso, aca-
bará por ser cumprida a tramitação processual normal. Situação paralela ocorrerá se o côn-
juge do réu revel tiver de ser citado editalmente e igualmente não contestar, permanecendo
em regime de revelia absoluta. Também aí passará a vigorar o regime de revelia inoperante,
conforme estabelece a a alínea b) do art. 568º, pelo que processo seguirá o rito normal.
233
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
531
No caso dos documentos sem os quais a causa não pode prosseguir, a sua falta de junção
conduz à suspensão da instância [art. 269º 1.d], que persistirá até que os documentos sejam
juntos ou até que sobrevenha a extinção da instância, por deserção [arts. 277º c) e 281º.1].
532
Cfr. os exemplos adiantados por Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 162), se bem
que respeitando a acções que observam forma especial e muitas delas prevendo despacho
liminar.
533
Aproveitámos a terminologia usada por Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 162-163).
534
Assim, são documentos essenciais a certidão de casamento (numa acção de alimentos
entre cônjuges), a certidão de nascimento ou o testamento (numa acção de petição de he-
rança), o contrato de arrendamento (numa acção de despejo), o contrato-promessa (numa
acção de execução específica), a escritura pública (numa acção de preferência).
234
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
as pretensões deduzidas, é óbvio que não faria sentido deixar uma acção
prosseguir a sua marcha sem o juiz se assegurar de que tal documento
existe e está junto aos autos. Daí o despacho convidando a parte a proce-
der à junção de tal documento. Se assim acontecer, a acção observará a
tramitação normal e terá o desfecho que vier a impor-se. Caso contrário,
a falta do documento equivalerá à impossibilidade de prova do facto em
causa, com a eventual improcedência da pretensão respectiva, o que será
decidido no despacho saneador [art. 595º 1.b)].
Detectando o juiz alguma das sobreditas irregularidades dos arti-
culados, o despacho pré-saneador será de convite à parte responsável
pela falta para providenciar pela sua sanação, nos termos do disposto no
nº 2 do art. 590º, fixando-se prazo para o efeito. Se o convite for satisfeito,
a irregularidade será ultrapassada, e a instância poderá prosseguir com
normalidade.
Nos casos em que a irregularidade persista, a consequência disso va-
riará em função da parte a quem haja sido dirigido o convite, da concreta
irregularidade e do próprio articulado a que respeite. Não há, pois, uma
consequência única e pré-definida, tudo dependendo da situação em
apreço, isto é, da natureza da irregularidade e do efeito que a mesma te-
nha na lide. De resto, considerando a diferente posição que as partes têm
no processo, é natural que a persistência de irregularidades imputáveis
ao autor tenha efeitos na instância e que as irregularidades imputáveis
ao réu se repercutam somente na vertente defensional, pondo em crise a
defesa, ou então se repercutam na instância reconvencional, quando a ir-
regularidade diga respeito a esta vertente da contestação. Seja como for,
é possível elencar aqui algumas das possíveis consequências resultantes
da persistência de certas irregularidades dos articulados.
Começando pela petição inicial, a inobservância dos requisitos legais
(sobremaneira os verificáveis pela secretaria judicial – art. 558º) im-
plicará a nulidade da peça, que não poderá ser atendida, acabando por
inquinar (tornando nulo) todo o processo e levando a que a instância
seja julgada extinta, devendo ser proferido despacho nesse sentido, nos
termos do art. 277º a)535. Se a irregularidade da petição inicial derivar
da falta de documento essencial para a prova de facto de que dependa
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 87) e Lebre de Frei-
535
235
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
536
Cfr. a advertência de Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., p. 165, nota de rodapé
nº 27), admitindo que, pontualmente, a solução possa vir a ser outra).
537
O regime será o da revelia relativa, pois que, ainda assim, o réu actuou em juízo. Neste
sentido Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., p. 165, nota de rodapé nº 26).
538
Neste sentido, cfr. o Ac. do TRC de 19.12.2012 (processo nº 1132/11.5TBCTV-A.C1), dis-
ponível em www.dgsi.pt.
236
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
195º, pois o juiz não pratica um acto (a prolação daquele despacho) que
lei prescreve539.
237
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
541
Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., ps. 60-61).
238
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
542
Cfr. Montalvão Machado (O dispositivo…, ps. 256 e 268).
543
Cfr. Lopes do Rego (Comentários…, ps. 431-432).
544
Cfr. Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. I, ps. 65-66, e Vol. II, p. 81) e Lebre de
Freitas (A ação declarativa..., ps. 144).
545
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 144-145) e Lopes do Rego
(Comentários…, p. 431).
546
Esta perspectiva é, aliás, confirmada pelo nº 6 do art. 590º.
239
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
547
Assim, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 79) e Montalvão Machado
(O dispositivo…, ps. 266-267).
548
A propósito, Lebre de Freitas (A confissão..., p. 41, e Introdução..., p. 57, nota de rodapé
nº 49).
240
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
549
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. I, ps. 65 e 210) e Lebre de
Freitas (A ação declarativa..., p. 144, nota de rodapé nº 9).
550
Fora desses casos, a imperfeição fáctica não poderá ser remediada. Neste sentido, Lebre
de Freitas (A ação declarativa..., p. 144).
551
Raciocínio semelhante valerá para a causa de pedir reconvencional.
241
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
552
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 144).
553
Ou articulados originais. Com efeito, o despacho pré-saneador incide, simultaneamente,
sobre todas as peças escritas oferecidas pelas partes, ao longo da fase inicial do processo.
Portanto, detectadas que sejam imperfeições fácticas, será proferido o despacho de convite
ao aperfeiçoamento, o qual atingirá a peça ou as peças que apresentem essas imperfeições.
242
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
554
Na terminologia de Montalvão Machado, trata-se de um articulado “judicialmente esti-
mulado” (O dispositivo…, p. 259).
555
Neste sentido, Montalvão Machado (O dispositivo…, p. 276) e Lebre de Freitas (Revi-
são..., p. 479).
243
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
556
Cfr. Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 304).
557
Sem prejuízo, naturalmente, dos desvios consignados no próprio art. 573º.
244
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
558
Neste sentido, Montalvão Machado (O dispositivo…, p. 259). Cfr., também, Paula Costa
e Silva (Saneamento e condensação…., p. 234).
245
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
559
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 89).
560
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., ps. 92-93), Lopes do Rego
(Comentários..., p. 407), Paula Costa e Silva (Saneamento e condensação…, p. 268) e Paulo
Pimenta (A fase do saneamento…, p. 168). Cfr. ainda o Ac. do TRC de 19.6.2013 (processo
nº 1132/11.5TBSCD.C1), disponível em www.dgsi.pt.
246
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
561
Nas palavras de Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Anotado,
p. 270), “seria injusto” (para o autor) que tal não sucedesse.
562
Até se poderia dizer que, nesse caso, o juiz estaria cumprindo o dever de julgar a causa
“conforme for de direito” (art. 567º 2), pois aplicaria o direito aos factos da causa, que seriam
somente os alegados originariamente na petição inicial. O problema está precisamente na
circunstância de a petição inicial se mostrar facticamente imperfeita.
563
Por comodidade, dá-se aqui como reproduzido o que já ficou ditou acerca do exacto
enquadramento do convite ao aperfeiçoamento, designadamente, no que respeita ao limite
fáctico mínimo que deve estar preenchido e ao âmbito dos próprios ajustamentos que o autor
pode realizar.
247
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
564
Neste sentido Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Anotado,
p. 270).
565
Neste exacto sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., p. 93).
566
A propósito, Lebre de Freitas (Introdução ..., ps. 145-147), que conjuga os conceitos re-
feridos com a ideia de auto-responsabilidade das partes.
248
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
567
O que se diz acerca da motivação do réu para não contestar fica pela mera suposição.
Na verdade, várias outras poderão ser as razões para se não contestar uma acção, desde o
reconhecimento da verdade dos factos alegados na petição, até ao simples (mas grave) des-
cuido ou o esquecimento de contestar em tempo. Mas também é certo, sem embargo do
regime específico do justo impedimento (cfr. o art. 140º), que a lei passa à margem dessas
razões, bastando-se com a circunstância de, em termos objectivos, não ter entrado em juízo
a peça defensional. A propósito, cfr. Lebre de Freitas (A ação declarativa ..., p. 78, nota de
rodapé nº 19).
568
Entenda-se: provavelmente, mas não necessariamente. Em rigor, o sentido do convite é o
de melhorar o quadro fáctico da causa, para permitir que a decisão a proferir trabalhe sobre
factos que tenham correspondência com a realidade, e não, obviamente, auxiliar uma das
partes. Aliás, o que ocorre na sequência desse convite tanto pode “beneficiar” como “preju-
dicar” a parte interpelada, tudo dependendo, afinal, do que vier a ser alegado e, mais tarde
(se for o caso), provado.
569
À falta de um critério seguro, que a análise casuística não garante, dir-se-á que mais vale o
risco de, eventualmente, aqui e ali, o réu poder sair beneficiado, do que o risco inverso, isto
é, o risco de se coarctar o fundamental direito de defesa.
249
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
-saneador, sob pena de tal omissão configurar uma nulidade (art. 195º).
No domínio do anterior código, após a Reforma de 1995/96, por refe-
rência à expressão “pode” inserta no nº 3 do art. 508º (no confronto
com a expressão “convidará” do nº 2 do mesmo preceito), havia quem
sustentasse que o convite ao aperfeiçoamento fáctico dos articulados
constituía uma faculdade do juiz, que este exerceria ou não conforme
entendesse, sem que a omissão de tal convite gerasse nulidade. Em
contrapartida, também havia quem defendesse que se tratava de um
poder-dever ou poder funcional, não sendo indiferente o seu exercício
(ou não) pelo juiz. Por nós, sempre entendemos que se tratava de um
poder-dever, não estando na disponibilidade do juiz a opção de proferir
ou não o despacho de convite ao aperfeiçoamento570. Agora, o cotejo do
teor do nº 3 do art. 590º (o juiz convida) com o do nº 4 do mesmo pre-
ceito (incumbe ainda ao juiz convidar) põe termo a quaisquer dúvidas
quanto à natureza vinculada de ambos os convites e, por inerência, às
consequências da respectiva omissão.
Acerca dessas consequências, cabe frisar que a falta de prolação de
despacho pré-saneador nos termos e para os efeitos do nº 4 do art. 590º
configura a omissão de um acto que lei prescreve. Ora, visto que tal irre-
gularidade é susceptível de influir na decisão da causa, estaremos peran-
te uma nulidade processual, submetida ao regime do art. 195º571.
A violação do disposto no nº 4 do art. 590º será especialmente os-
tensiva quando o juiz, além de omitir a prolação do despacho pré-sane-
ador de convite ao aperfeiçoamento, logo julga a acção improcedente
no despacho saneador (art. 595º 1), com fundamento na deficiência da
alegação contida na petição inicial. Já se disse que os casos mais graves
de deficiência de alegação pelo autor conduzem à ineptidão da petição
inicial, pelo que o efeito processual será a absolvição do réu da instân-
cia, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 278º 1.b) e 577º b).
Também já se demonstrou que, face ao regime vigente, os demais casos
de deficiência de alegação não têm natureza preclusiva e são passíveis
570
Para mais desenvolvimentos, Paulo Pimenta (A fase do saneamento…, ps. 182 e ss.). Cfr.
também Montalvão Machado/Paulo Pimenta (O novo processo..., p. 213, nota de rodapé
nº 485).
571
Neste sentido, cfr. os Acs. do TRP de 5.7.2006 (processo nº 0632391) e de 6.5.2010 (pro-
cesso nº 81/07.6TBARC.P1) e o Ac. do TRL de 15.5.2014 (processo nº 26903/13.4T2SNT.
L1-2), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
250
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
572
O que aqui se diz é na pressuposição de que, em face do teor do despacho que convo-
ca a audiência prévia, a parte tem efectivas condições para se aperceber da referida nuli-
dade, invocando-a em prazo contado da notificação desse despacho. Fora desse cenário, o
mais provável é que tal percepção somente ocorra no decurso da audiência prévia (quando
o juiz, finalmente, dá a conhecer a sua perspectiva acerca da pretensa imperfeição fáctica).
251
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
Quando assim for, a arguição da nulidade poderá ser feita até terminar a diligência, apli-
cando-se adaptadamente o nº 1 do art. 199º. É que, embora a nulidade já tenha sido come-
tida antes, a parte só se apercebe disso no decurso da audiência prévia, tudo se devendo pas-
sar como se a nulidade só então fosse cometida.
573
Os arts. 592º 1 e 593º 1 definem os termos, a estudar adiante, em que a audiência prévia
pode não ter lugar.
574
A nulidade em apreço não deve confundir-se com as chamadas nulidades da sentença
(art. 615º), cujo regime é igualmente aplicável aos despachos (art. 613º 3), pois o problema
não estará no conteúdo do despacho saneador, outrossim na omissão do despacho pré-
-saneador. Neste sentido, cfr. o Ac. do TRP de 5.7.2006 (processo nº 0632391), disponível
em www.dgsi.pt. Acresce que o eventual tratamento do assunto pelo regime do art. 615º se-
ria contrário à ideia de economia processual, pois implicaria que a arguição da respectiva
nulidade se fizesse por via de recurso (art. 615º 4), num esquema necessariamente mais
complexo e demorado. E ainda que o juiz deferisse a arguição de nulidade por ocasião do
despacho previsto no nº 1 do art. 641º, tal só aconteceria depois de decorridos os prazos para
alegações e contra-alegações.
252
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
253
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
575
Reflectindo sobre isto, o Ac. do TRP de 30.4.2015 (processo nº 5800/13.9TBMTS.P1),
disponível em www.dgsi.pt, refere que o regime do art. 5º 2. b), representa, na prática, “outra
possibilidade de suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria
de facto sobre a qual irá recair a decisão de mérito”.
254
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
na realidade das coisas, mas porque a sua falta não foi oportunamen-
te sinalizada pelo juiz, levando a que tudo ficasse entregue à instrução
(dir-se-á: à álea da instrução), comportando o risco de esta não conduzir
à revelação desses factos576,577,578.
576
Ponderando neste sentido, à face dos arts. 264º 3 e 508º 3 do CPC de 1961, após a Re-
forma de 1995/96, Paulo Pimenta (A fase do saneamento…., ps. 187 e ss.).
577
Há ainda um outro aspecto que não é de desconsiderar: o exercício do contraditório é
muito melhor e mais facilmente acautelado no esquema do nº 4 do art. 590º, como mostra o
nº 5 do mesmo preceito, do que no plano do art. 5º 2.b). Também daqui se retira aquilo que
deve funcionar como regra e aquilo que deve valer apenas para situações limite.
578
A coerência do regime tem ainda mais implicações, como se passa a expor. Por um lado,
suponhamos que, em determinada acção, não é proferido despacho de convite ao aperfei-
çoamento fáctico e que a tramitação prossegue sem que da instrução resultem factos a con-
siderar nos termos do art. 5º 2.b). Mais suponhamos que, ao elaborar a sentença, o juiz con-
clui que a acção deve improceder por falta de alegação de determinados factos essenciais,
isto é, factos sem os quais a pretensão deduzida não pode ser reconhecida. Se tais factos não
foram alegados inicialmente, se não houve convite ao aperfeiçoamento e se a instrução não
relevou tais factos, será correcta a decisão de improcedência? A resposta é negativa. Na ver-
dade, se o juiz apenas no momento da sentença se apercebe da insuficiência da alegação,
o problema é o mesmo: foi omitida a prolação do despacho pré-saneador previsto no art.
590º 4 e tal omissão configura uma nulidade, nos termos do art. 195º, implicando que a tra-
mitação seja ajustada em conformidade. E isso acontecerá por iniciativa do juiz, desde que
se consciencialize em tempo, caso em que não deverá proferir sentença, antes repondo o
processo no momento do despacho pré-saneador e fazendo o convite ao aperfeiçoamento.
Ou então acontecerá por via do reconhecimento da nulidade, na sequência da sua arguição
pela parte interessada, arguição que ocorrerá perante a notificação da sentença. Por outro
lado, a questão pode suscitar-se também em fase de recurso. Assim será se a 1ª instância jul-
gou a acção procedente com base em certo quadro factual, mas a 2ª instância entende que
tal factualidade não é bastante para o juízo de procedência. Num caso destes, a Relação não
pode, sem mais, revogar a sentença e decretar a improcedência da acção. Com efeito, se a
Relação entende que o tipo legal em causa supõe a verificação de mais factos, o que se im-
põe é fazer o processo descer à 1ª instância, em termos de ser proferido despacho pré-sanea-
dor de convite ao aperfeiçoamento, assim se propiciando a alegação dos factos cuja omissão
é assinalada pela Relação. Nas duas situações acabadas de referir, a rejeição da solução pro-
posta implica tratar diferentemente a mesma problemática em função do momento proces-
sual em que a mesma é suscitada, o que não se afigura próprio, mais a mais porque inexiste
no sistema processual qualquer suporte para essa diversidade de abordagens.
255
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
256
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
257
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
580
Sobre a questão da obrigatoriedade (ou não) da audiência prévia, é eloquente o modo
como Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 485), ambos juí-
zes de direito, se expressam: “O legislador enfrenta este problema confiando que a nova audiência se
imporá pelos seus méritos. O juiz executa melhor e com maior facilidade o seu trabalho se realizar a au-
diência prévia; tanto basta para que se considere que a regra será seguida”.
581
É de referir que, nos termos do nº 3 do art. 591º, a falta das partes ou dos seus mandatários
não constitui motivo de adiamento da audiência prévia, na certeza de que, para a marcação
da data desta audiência, deve ser observado o disposto no art. 151º, com vista a obter acordo
de agendas.
582
Nos termos do disposto no nº 4 do art. 591º, a audiência prévia é, sempre que possível,
gravada.
583
Conforme estabelece o nº 1 do art. 594º, a conciliação das partes, desde que legalmente
possível, pode ser tentada em qualquer estado da causa, começando até por aí a audiência
final, como se vê pelo nº 2 do art. 604º. De todo o modo, é de registar que, como estabelece
258
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
o nº 1 do art. 594º, as partes não podem ser convocadas exclusivamente para o fim da conci-
liação mais do que uma vez .
259
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
260
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
mente, quando o juiz entenda que, embora a excepção tenha sido discu-
tida (invocada e respondida) nos articulados, se justifica um aprofunda-
mento dessa discussão, para melhor o habilitar a decidir a questão.
Por outro lado, quando o juiz, findo o período dos articulados e con-
siderando o estado do processo, entender que dispõe de condições para
decidir já o mérito da causa, decisão que, a ter lugar, será incluída no
despacho saneador, a proferir, em princípio, nessa audiência [arts. 591º
1.d), 595º 1.b) e 595º 2], a audiência prévia será então destinada a facul-
tar às partes uma discussão sobre as vertentes do mérito da causa que o
juiz projecta decidir. É de toda a conveniência que o juiz não decida o
litígio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham
a oportunidade de produzir alegações orais, de facto e de direito, acerca
do mérito da causa, sendo que o âmbito dessas alegações depende do
caso concreto588. Assim, nessas alegações, as partes poderão fazer os
considerandos que tenham por convenientes, no sentido de justificar e
fundamentar a procedência das respectivas pretensões. Além disso, as
alegações poderão servir também para as partes tomarem posição sobre
eventuais excepções peremptórias não discutidas nos articulados, mas
que o juiz entenda poder conhecer oficiosamente589. Acresce que deve ser
proporcionada às partes a possibilidade de produzirem alegações quando
o juiz se proponha decidir o mérito da causa num enquadramento jurí-
dico diverso do assumido e discutido pelas partes nos articulados590.
à falta da sua convocação, mas à inexistência da figura na tramitação de uma concreta forma
processual. No entanto, tal como se deixou referido, pode suceder que, nos uso dos poderes
de que dispõe, o juiz opte por proporcionar à parte o exercício do contraditório por escrito
quanto a alguma excepção dilatória invocada na contestação ou na réplica, caso em que a
audiência prévia pode não se destinar a esse concreto fim, havendo mesmo situações em que
não se realiza sequer [art. 592º 1.b)].
588
A propósito, cfr. Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 112).
589
Atente-se que o conhecimento oficioso de uma excepção não afasta o princípio de que os
factos que sustentam aquela excepção devem ser introduzidos no processo pelas partes, sem
prejuízo do disposto no art. 412º. A propósito, cfr. Lebre de Freitas (A ação declarativa...,
ps. 97-98, e Introdução..., p. 150, nota de rodapé nº 3).
590
Neste caso concreto, como é evidente, as alegações serão circunscritas à vertente jurídica
da causa. A faculdade de as partes produzirem estas alegações é uma manifestação do prin-
cípio do contraditório, no plano do direito. Cfr., a propósito, Lebre de Freitas (Introdu-
ção..., ps. 133-136).
261
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
591
Nem outra solução seria razoável. Se o juiz concluísse, após o debate, que não havia, afi-
nal, condições para a decisão imediata do mérito, impor tal decisão seria forçá-lo a decidir
por decidir. Para obviar a isto, naturalmente, os juízes deixariam de afirmar a intenção de
conhecimento imediato, o que sempre implicaria a subsequente tramitação processual, se
calhar, inutilmente.
592
O que se diz não colide com o disposto no art. 552º 1.), para a petição inicial, e no art.
572º b), para a contestação, acerca da “exposição das razões de direito”.
262
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
593
Reveladora dessa circunstância é a própria letra da lei, conforme se retira do confronto
das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 591º. Na primeira (já analisada), diz-se que a audiência tem
por fim “facultar às partes” um debate sobre determinados pontos (debate a que o juiz assiste
e do qual tirará as devidas ilações). Na última alínea (ora em análise), diz-se que a audiência
se destina a “discutir as posições das partes... e suprir as...”, discussão e suprimento (ou tentativa
de) em que participarão todos os intervenientes processuais.
594
Neste sentido, Paula Costa e Silva (Saneamento e condensação…, p. 239).
595
Assim, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, ps. 114-116) e Lebre de Freitas
(Introdução..., p. 188). Sobre este ponto, cfr., ainda, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo...,
ps. 309-310).
263
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
Note-se que o art. 591º 1.c) estabelece ainda que a audiência prévia se
destina ao suprimento das insuficiências ou imprecisões que se tornem
patentes na sequência do debate. Agora, como se compreende, estas concre-
tas insuficiências ou imprecisões não poderão ter constituído motivo para
a convocação da audiência prévia, já que só se revelaram, só se tornaram
patentes, pelo debate cuja realização implicou aquela audiência. Do que
se trata é de, estando as partes presentes, aproveitar para, logo aí, resolver
todas as questões inerentes à exposição da matéria de facto.
596
O confronto da previsão do nº 4 do art. 590º com a da alínea c) do nº 1 do art. 591º mostra
que o regime daquele preceito prevalece sobre este, ou seja, por princípio, não deverá o juiz
omitir o despacho do nº 4 do art. 590º, substituindo-o pela convocação directa da audiência
prévia para o efeito do alínea c) do nº 1 do art. 591º. Assim, Lebre de Freitas (A ação declara-
tiva..., p. 173, nota de rodapé nº 11).
264
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
597
Quer dizer, o despacho saneador é próprio da fase intermédia do processo e não tanto da
audiência prévia, embora esta também seja própria daquela fase. Tenha-se presente que, nos
processos em regime de revelia operante, a tramitação não comporta esta fase intermédia,
pelo que não haverá também despacho saneador (cfr. o art. 567º).
598
Os casos em que não há audiência prévia são os que resultam da previsão dos artigos 592º
1 e 593º 1. Além disso, nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, a
aplicação do regime fixado no art. 597º também conduz a que, em certos casos, a audiência
prévia não se realize.
265
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
266
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
599
Não assim nas acções não contestadas e submetidas ao regime da revelia operante, pois
o processo passa directamente para alegações escritas, após o que é proferida sentença, jul-
gando a causa conforme for de direito (art. 567º), conforme já se viu. E não necessariamente
assim nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação (art. 597º), conforme
se verá.
267
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
600
Diz-se “em princípio”, pois é possível que algo tenha escapado a essa triagem. Daí o dis-
posto no nº 1 do art. 608º, impondo uma última verificação por ocasião da sentença.
601
Expressão também usada por Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 179).
602
Expressão usada por Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 381).
603
Assinale-se que foi, precisamente, esta preocupação que esteve na base da criação legisla-
tiva do “despacho regulador da instância”, em 1907 (Decreto nº 3, de 29.5), preocupação que se
268
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
Ao lado das irregularidades mais graves (até pelos seus efeitos), outras
há que apenas tocam certos aspectos ou fracções do processado. Assim
sucede, nomeadamente, quando a contestação apresenta determinados
vícios decorrentes da não especificação de excepções aí deduzidas [art.
572º c)], vícios que afectam tais excepções, mas não inquinam a defesa
por impugnação. Analogamente, as irregularidades relativas ao pedido
reconvencional (art. 583º) ficam circunscritas a este, sem afectarem
a contestação defesa. Também a violação, pelo réu, do pressuposto do
patrocínio judiciário obrigatório (arts. 40º e 41º) implica que fique sem
efeito a sua defesa. Nestas situações, apesar dos vícios apontados, é evi-
dente que os mesmos (pelo âmbito limitado dos seus efeitos) não con-
tendem com o prosseguimento da instância. No entanto, é certo que as
tais fracções do processado que forem atingidas não deverão mais ser tidas
em conta, ao longo da acção, até porque seria inútil fazê-lo. Portanto (e
retomando os exemplos apontados), a instância deverá prosseguir como
se não tivessem sido deduzidas as excepções, como se não houvesse
pedido reconvencional604 e como se o réu não tivesse contestado.
Para esse efeito, é necessário proferir nos autos uma decisão expressa e
269
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
605
O art. 510º 1.a) do CPC de 1961 prescrevia o respeito pela ordem designada no seu art.
288º, em paralelismo, aliás, com o fixado no respectivo art. 660º 1, para a sentença. Este re-
gime já constava, de resto, do CPC de 1939 (cfr. os seus arts. 514º e 660º, remetendo ambos
para o art. 293º). Com a Reforma de 1995/96, os arts. 510º 1.a) e 660º 1 deixaram de remeter
para a ordem indicada no art. 288º do CPC de 1961.
606
Neste sentido, Lopes do Rego (Comentários…, p. 442). Sobre este ponto, cfr. a opinião
de Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 128).
607
Sem prejuízo sempre do regime particular contido na segunda parte do nº 3 do art. 278º,
já referido oportunamente.
270
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
608
Recorde-se que, como dito, não há exacta correspondência entre a violação de pressupos-
tos processuais e a ocorrência de excepções dilatórias.
609
Assim se pronuncia Lopes do Rego (Comentários…, p. 442), sustentando que, por ser
inútil, “deverá deixar de ter lugar a genérica e tabelar declaração de ‘’existência’’ de todos os pressupos-
tos processuais”. Com posição semelhante, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 180).
Atente-se que, já face ao CPC de 1961 antes da Reforma de 1995/96, assim se pronunciava
Anselmo de Castro (Direito…., Vol. II, p. 266), embora a orientação e a prática dominantes
fossem em sentido contrário.
271
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
610
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 127, nota de rodapé
nº 202).
611
Do género: “o tribunal é competente, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm
legitimidade e estão patrocinadas”. Esta declaração poderá ser acrescida de outras referências
que sejam pertinentes no caso concreto, tais como as relativas à coligação de partes, ao pe-
dido formulado (genérico, cumulativo ou subsidiário) e ao pedido reconvencional.
612
O possível inconveniente, susceptível de dúvidas no regime do CPC de 1961 anterior
à Reforma de 1995/96, deixou de existir. Tratava-se de saber se esta declaração genérica, no
despacho saneador, gerava caso julgado formal sobre a existência de pressupostos proces-
suais ou a inexistência de excepções dilatórias. Desde a Reforma de 1995/96, a questão ficou
resolvida, com a redacção então dada à primeira parte do nº 3 do art. 510º do CPC de 1961,
no sentido de que o caso julgado só respeitaria às “questões concretamente apreciadas”. Como se
dirá ainda, o CPC de 2013 mantém este critério (primeira parte do nº 3 do art. 595º).
272
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
613
Tenha-se presente que a arguição de uma excepção dilatória (espécie ora em análise)
implica o exercício do contraditório. Se este pôde ocorrer nos articulados (ora na réplica,
quando haja lugar a esta, ora em articulado próprio, mediante notificação para tal, nos mol-
des já referidos) e se o juiz entender que a excepção dilatória procederá, a decisão de pro-
cedência poderá ser vertida no despacho saneador, sem que se realize audiência prévia, ao
abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 592º. O mesmo regime se aplicará no caso de
excepção dilatória suscitada oficiosamente pelo juiz, desde que seja proporcionada às partes
a respectiva pronúncia como acto prévio à decisão (de procedência) a proferir no despacho
saneador.
614
Sempre sem prejuízo do regime fixado no nº 3 do mesmo art. 278º.
615
Cfr. Manuel de Andrade (Noções..., p. 176).
273
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
616
Cfr. Rodrigues Bastos (Notas…, Vol. I, p. 263).
617
Importa ter presente que a nulidade de ineptidão da petição inicial, pela sua gravidade,
gera a nulidade de todo o processo (art. 186º 1), constituindo-se em excepção dilatória [arts.
577º b) e 278º 1.b)].
618
Tradicionalmente, aproveitando a epígrafe do art. 204º do CPC de 1961 (correspondente
à do actual art. 198º), estas nulidades (com exclusão da nulidade da citação) eram designa-
das por “principais”, sendo “secundárias” as restantes. Cfr. Manuel de Andrade (Noções...,
ps. 178 e ss.) e Varela/Bezerra/Nora (Manual…, ps. 388 e ss.). Usando outra terminologia,
Lebre de Freitas (Introdução..., p. 27, nota de rodapé nº 27) chama nulidades “típicas” às
primeiras e “atípicas” às demais.
619
Atente-se no disposto no art. 190º, para a falta de citação no caso de pluralidade de réus.
274
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
620
Para uma análise mais pormenorizada das formalidades do acto de citação, cfr. Lebre de
Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, ps. 371 e ss.).
621
Atente-se no regime particular fixado no art. 566º, no âmbito do regime da revelia abso-
luta do réu. Aí, detectada qualquer irregularidade no acto de citação, pode o juiz dela
conhecer sempre, mandando repetir o acto.
622
Cfr. Rodrigues Bastos (Notas…, Vol. I, p. 261).
623
Embora o momento normal para conhecimento desta e doutras nulidades seja o des-
pacho saneador, é prevista a sua apreciação em momento anterior (cfr. os nºs 1 e 2 do art.
202º). Em alguns casos, tal como o do erro na forma do processo, é conveniente que, quanto
antes, sejam tomadas medidas para adequar a tramitação, colocando-a no trilho certo.
No curso normal de uma acção declarativa comum, e fora dos casos excepcionais de des-
275
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
pacho prévio à citação (cfr. o art. 590º 1), o primeiro contacto do juiz com os autos ocorre
no final dos articulados, quando o processo lhe é feito concluso para a prolação de despacho
pré-saneador, sendo caso disso (cfr. o nº 2 do art. 590º). Se o juiz detectar o erro na forma
do processo, será conveniente dar logo cumprimento ao art. 193º, tanto mais que isso pode
condicionar a posterior tramitação. Neste sentido, ainda em face do CPC de 1961 após a Re-
forma de 1995/96, cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, p. 376).
624
Idêntico regime tinha a ineptidão da petição inicial, enquanto que as nulidades por falta
de citação e por falta de vista ou exame ao Ministério Público podiam ser conhecidas depois
do despacho saneador, até à sentença final (cfr. os arts. 193º, 194º, 200º, 204º e 206º 1, todos
do CPC de 1961).
276
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
A finalizar este ponto, resta acrescentar que o art. 193º, além de tratar
a figura do erro na forma do processo (no que é similar ao antecedente
art. 199º do CPC de 1961), regula também a hipótese de erro na qualifica-
ção do meio processual utilizado pela parte, impondo ao juiz a sua correc-
ção oficiosa e a determinação de que sejam seguidos os termos proces-
suais adequados. O sentido desta previsão é claro: evitar que por meras
razões de índole formal deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida
em juízo629.
625
Cfr. Paulo Pimenta (A fase do saneamento..., p. 255).
626
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 62), Lebre de Freitas
(A ação declarativa..., p. 182), Lopes do Rego (Comentários…, p. 197) e Rodrigues Bastos
(Notas…, Vol. I, ps. 269-270).
627
Cfr., neste sentido, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, p. 391).
628
As considerações feitas sobre o erro na forma do processo são aplicáveis também à figura
da ineptidão da petição inicial. Assim, pese embora a sua qualidade de excepção dilatória,
o respectivo regime deve ter em conta, designadamente, os arts. 196º, 198º 1 e 200º 2, com
realce para o carácter preclusivo do despacho saneador quanto ao seu conhecimento. A este
propósito, cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, ps. 391-392) e Rodri-
gues Bastos (Notas…, Vol. I, ps. 269-270).
629
Justificam a aplicação do nº 3 do art. 193º: a dedução de incidente de intervenção acessó-
ria provocada (art. 321º) para suprir preterição de litisconsórcio necessário (quando deveria
ser intervenção principal provocada – art. 316º); a interposição de recurso da decisão que
aprecie a competência relativa (quando o meio é a reclamação – art. 105º 4); a interposi-
277
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
ção de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 671º) perante decisão do relator na
Relação (quando deveria ser formulada reclamação para a conferência – art. 652º 3). Para
mais exemplos, cfr. Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 485).
630
A intervenção acessória do Ministério Público está prevista e regulada nos arts. 5º 4 e 6º
da Lei nº 60/98, de 27.8, e no art. 325º. A propósito desta intervenção acessória, cfr. as ano-
tações de Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, ps. 378-380 e 637-638) e
de Lopes do Rego (Comentários…, p. 317).
631
Deve ter-se também como irregularidade susceptível de constituir nulidade processual
a prática de um acto ou a sua omissão em violação da sequência processual fixada pelo juiz
ao abrigo do art. 547º. Com idêntica posição, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC
Anotado, ps. 381-382), nesse contexto preconizando a interpretação extensiva do nº 1 do art.
195º do mesmo diploma.
632
Sobre este aspecto, Lebre de Freitas (Introdução..., ps. 20 e ss.).
278
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
633
São exemplos de nulidades secundárias: a falta de notificação da contestação ao autor; a
falta de notificação à parte da data audiência final em que aquela deva prestar depoimento; a
falta de notificação da contraparte antes do decretamento de perícia; a apresentação do arti-
culado réplica fora do condicionalismo do art. 584º. Para mais desenvolvimentos, Lebre de
Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, p. 383).
279
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
634
Esta circunstância levou Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (CPC Anotado, p. 382)
a falarem em nulidade sui generis. Atente-se que, já antes, Anselmo de Castro (Direito…,
Vol. III, ps. 115-119) chamava a atenção para o problema, destacando o carácter publicista do
processo e o interesse público subjacente aos prazos, para incluir esta nulidade no grupo das
principais.
635
Sem embargo do regime do justo impedimento (art. 140º) e da hipótese de prática do
acto fora de prazo, mediante o pagamento de multa (art. 139º 4 e 5).
636
Segundo cremos, o problema acabado de referir colocar-se-á, mutatis mutandis, noutras
situações. Será o caso, por exemplo, de o autor apresentar a réplica fora dos casos previstos
no art. 584º. Também aqui teremos a prática de um acto que a lei não admite, mas que não
cataloga como nulidade principal, vício do qual o tribunal há-de poder conhecer oficiosa-
mente, sem carecer de arguição da contraparte, decretando a inatendibilidade da peça e o
seu desentranhamento dos autos.
280
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
são deve ser antecedida de audiência prévia das partes, salvo em caso de
manifesta desnecessidade (art. 3º 3).
Por fim, deve dizer-se que as nulidades processuais que referimos não
se confundem com os regimes particulares de nulidade da sentença e de
despachos judiciais, previstos no arts. 615º 1 e 613º 3, nem com os casos de
incorrecção da decisão por erro material (art. 614º), nem com os casos de
erro de julgamento, de facto ou de direito (art. 616º 2)638.
Acrescente-se ainda que, nos casos em que o acto nulo se encontra
coberto por uma decisão judicial, o meio próprio de reacção não é já a
arguição dessa nulidade perante o juiz da causa, mas o recurso de tal deci-
são, nos termos gerais. Por outras palavras, dos despachos recorre-se, contra as
nulidades reclama-se.
638
Para uma visão mais pormenorizada dos diversos vícios da decisão, Teixeira de Sousa
(Estudos sobre o novo..., ps. 215 e ss.).
281
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
óbvio que estaria a onerar as partes e o próprio tribunal com uma trami-
tação inútil e inglória, já que, apesar de todo o trabalho a desenvolver na
instrução e discussão da causa, o desfecho sempre seria a abstenção do
conhecimento do mérito. Registe-se que, sobre este assunto, já houve um
tempo em que o texto legal era bem mais explícito no sentido acabado
de referir. Era assim no nº 2 do art. 510º do CPC de 1961, na redacção
anterior à Reforma de 1995/96, ao estabelecer que as questões formais
só podiam deixar de ser resolvidas no despacho saneador “se o estado do
processo impossibilitar o juiz de se pronunciar sobre elas, devendo neste caso justi-
ficar a sua abstenção”. Apesar de o texto legal ser outro (e já é assim desde
aquela Reforma), parece que será de observar o mesmo regime, sob pena
de podermos cair em situações bem contrárias à eficácia processual e à
economia de meios.
Assim, cabe ao juiz verificar se os elementos constantes dos autos o im-
pedem de conhecer no despacho saneador das questões formais indica-
das na alínea a) do nº 1 do art. 595º. Nos casos em que, excepcionalmente,
o juiz entenda faltarem elementos para uma correcta decisão, remetê-
-la-á para a sentença, lavrando despacho justificativo nesse sentido639,640.
A propósito desse despacho, o nº 4 do art. 595º estabelece que não cabe
recurso do despacho que, com fundamento na falta de elementos para
a decisão imediata, relegue para a sentença a apreciação das matérias
de que deva conhecer641. Importa salientar que a impossibilidade de re-
curso fixada no preceito citado não contraria o que dissemos quanto à
obrigatoriedade de conhecimento das questões processuais no despacho
saneador. Por outras palavras, a impossibilidade daquele recurso não se
639
Diz-se “excepcionalmente” porque, atenta a natureza das questões a decidir, o habitual é
o processo conter já todos os elementos necessários. A propósito do carácter restrito deste
diferimento, cfr. Teixeira de Sousa (Sobre o sentido..., ps. 116-117). Cfr. ainda Abrantes
Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 131).
640
A propósito da justificação a exarar nesse despacho de diferimento, cfr. José Alberto
dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, ps. 185-186).
641
Dado que o nº 4 do art. 595º reproduz o regime constante do nº 5 do art. 510º do CPC
de 1961, na redacção anterior à Reforma de 1995/96, mantém actualidade a doutrina fixada
pelo Assento nº 10/94 (DR, Iª Série-A, de 26.05.1994): “Não é admissível recurso para o Su-
premo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que, revogando o saneador-sentença que conhecera do
mérito da causa, ordena o prosseguimento do processo, com elaboração da especificação e questionário”.
Neste sentido, Lopes do Rego (Comentários…, ps. 439-440).
282
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
642
Esta solução legal, que remonta à Reforma Intercalar de 1985, apenas procurou evitar
que o eventual recurso pudesse comprometer a celeridade processual.
643
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 166).
644
Recorde-se o que já ficou dito acerca do caso em que a nulidade do articulado é total e
respeita à petição inicial. Aí, o vício acabará por redundar em nulidade de todo o processo,
constituindo uma excepção dilatória, submetida ao regime desta.
645
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 182).
283
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
646
Recorde-se, porém, que a declaração genérica contida no despacho saneador preclude a
declaração posterior da ineptidão da petição inicial e do erro na forma do processo, face ao
regime fixado no nº 2 do art. 200º, conforme já foi assinalado.
284
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
647
Cfr., os arts. 352º e ss. do CC, e os arts. 46º e 452º e ss.. Sobre o tema, cfr. Lebre de Frei-
tas (A ação declarativa..., ps. 265 e ss., e A confissão..., ps. 159 e ss., e 235 e ss.) e Teixeira de
Sousa (As partes..., ps. 241-243).
648
Cfr., a propósito, os arts. 574º e 587º 1, que regulam o ónus de impugnação e fixam o efeito
da sua inobservância.
649
Cfr. os arts. 362º e ss. do CC, e os arts. 423º e ss.. Sobre o tema, cfr. Lebre de Freitas (A
ação declarativa..., ps. 227 e ss.) e Teixeira de Sousa (As partes..., ps. 243-252).
650
A propósito dos critérios de apreciação da prova, cfr. Lebre de Freitas (A ação declara-
tiva..., ps. 211-214) e Teixeira de Sousa (As partes..., ps. 236 e ss.).
651
Para este efeito, seguimos de perto a exposição de Lebre de Freitas (A ação declarativa...,
ps. 183-185).
285
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
652
Cfr. Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II., p. 137).
653
Cfr. Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II., ps. 136-137).
286
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
654
Porque, em todos os casos referidos, a decisão versa sobre o mérito da causa, o recurso
próprio é o de apelação (cfr. o art. 644º 1 e 2).
655
Cfr. Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, p. 138).
656
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, ps. 137-139) e Lebre de
Freitas (A ação declarativa..., p. 186).
657
Note-se que a possibilidade de julgamentos parciais no despacho saneador não abran-
ge a hipótese de proferimento, nesse despacho, de decisão de improcedência de uma das
287
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
causas de pedir fundamento da acção. Neste sentido Abrantes Geraldes (Temas da re-
forma…, Vol. II, p. 139, nota de rodapé nº 219) e Lebre de Freitas (A ação declarativa...,
p. 187, em nota de rodapé).
658
A exigência desta formalidade pode resultar da lei (art. 364º 1 do CC) ou de convenção
das partes (art. 223º 1 do CC).
288
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
659
Sem prejuízo de ter sido impugnado o documento (art. 444º) ou de lhe haver sido oposta
uma excepção probatória (art. 446º), dependendo a respectiva decisão de produção de
prova.
660
Se o depoimento não conduzir ao reconhecimento da declaração negocial, o facto corres-
pondente será tido como não provado, com a improcedência da acção ou da excepção pe-
remptória. Se, pelo contrário, o depoimento conduzir à confissão, o facto será dado como
provado. Perante isso, a decisão será proferida de imediato (no despacho saneador), sempre
que não haja necessidade mais provas quanto a outros factos relevantes.
661
Sobre este assunto, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 185-186).
289
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
290
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
tão reconvencional mantenha utilidade (cfr., a propósito, o nº 6 do art. 266º). Por outro lado,
é de notar que a decisão de improcedência de uma excepção peremptória, versando embora
sobre o mérito da causa, também não põe termo à instância, pelo contrário.
667
A propósito do despacho saneador, cfr., ainda, o regime consagrado no nº 5 do art. 595º,
relativo às acções destinadas à defesa da posse. Sobre este ponto, Paula Costa e Silva (Sanea-
mento e condensação…, ps. 265-267).
291
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
(que tinha sido suspensa), já que o único acto a praticar será a simples
leitura do despacho saneador, na presença das partes. Nesse caso, é mais
adequado que a decisão lhes seja notificada, nos termos gerais, tal como
seria se não tivesse havido sequer audiência prévia668. Na segunda hipó-
tese, como o processo não termina com a prolação do despacho saneador,
deverá proceder-se à sua leitura em nova sessão da audiência prévia, após
o que se passará a praticar os demais actos que tenham justificado a sua
convocação ainda não realizados, designadamente os relativos às alíneas
f ) e g) do nº 1 do art. 591º.
De qualquer modo, atente-se que, nos termos da lei, a possibilidade
de suspensão da audiência para o proferimento do despacho saneador
por escrito tem carácter excepcional, não podendo, pois, constituir uma
habitualidade acerca do modo de prolação do despacho saneador, nos
processos em que haja lugar à audiência prévia.
668
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., ps. 174, nota de rodapé nº 15), expli-
citando o alcance da expressão “se for caso disso” (cfr. o art. 595º 2 in fine).
292
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
669
Em rigor, diga-se que esta peça foi instituída no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto
nº 21:694, de 29.9.1932, mais exactamente pelo respectivo art. 15º. O Decreto nº 21:694 fez
parte de um conjunto de diplomas promulgados a partir de 1926, encetando diversas alte-
rações na legislação processual civil que vieram a culminar no CPC de 1939.
670
No CPC de 1961, era ainda suposto que a acção tivesse sido contestada.
671
Relativamente à especificação, embora a lei nada dissesse, quer em 1939, quer em 1961, a
prática instituída era a de enunciar os factos provados por alíneas.
293
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
por referência aos quesitos constantes daquela peça que as partes orga-
nizavam a sua estratégia probatória672, era por referência a esses quesitos
que se realizava a produção de prova e era a esses quesitos que, finda
a produção de prova, o tribunal iria responder673. Nas palavras de José
Alberto dos Reis, “O questionário exerce uma dupla função de limite: limita
o âmbito das diligências de produção de prova, limita o poder jurisdicional do tri-
bunal colectivo”674.
Concluído o julgamento da matéria de facto, seria proferida sentença,
antecedida da possibilidade de alegações das partes sobre a vertente jurí-
dica da causa. Na sentença, em sede de fundamentação de facto, o juiz
haveria de levar em conta os factos admitidos por acordo, provados por
documento ou por confissão e ainda os que tivessem sido dados como
provados na resposta aos quesitos675.
Um sistema processual deste género implicava um esquema rígido e
fechado quanto ao acervo fáctico dos autos. Por um lado, os factos con-
siderados, a final, na sentença sempre seriam, no limite, todos os factos
articulados pelas partes. Por outro lado, havendo preclusões quanto à
alegação de factos, só seriam considerados os factos que as partes tives-
sem originariamente vertido nos respectivos articulados, o que equivale
a dizer que, cumprida a fase dos articulados, que era a primeira etapa do
processo, ficava encerrada a possibilidade de o acervo fáctico dos autos
sofrer qualquer evolução. Este sistema era reforçado por um intenso re-
gime de ónus e cominações ao nível da contestação, já que, sob pena de se
considerarem admitidos por acordo, o réu deveria tomar posição definida
sobre cada um dos factos articulados na petição676. Nessa conformidade,
672
De resto, era na sequência da organização do questionário que as partes eram notificadas
para apresentarem os respectivos requerimentos probatórios (art. 516º do CPC de 1939 e
art. 512º do CPC de 1961).
673
Era o que resultava do art. 653º f ) do CPC de 1939 e do art. 653º 2 do CPC de 1961. O tri-
bunal não se pronunciava, todavia, sobre os factos que, embora constantes do questionário,
só pudessem provar-se documentalmente, nem sobre os que (entretanto) estivessem prova-
dos por confissão, por acordo das partes ou por documento.
674
José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, ps. 204 e ss.).
675
Cfr. o art. 659º do CPC de 1939 e do CPC de 1961.
676
Só não seria assim, isto é, a cominação não operava se os factos não impugnados especifi-
cadamente estivessem em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto, ou
se fossem inconfessáveis ou se só pudessem ser provados por documento. Era o que resul-
tava do disposto no art. 494º do CPC de 1939 e no art. 490º do CPC de 1961.
294
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
Cfr. o proémio do art. 515º do CPC de 1939 e o respectivo § 3º; cfr. os nºs 4 e 5 do art. 511º
677
do CPC de 1961. Note-se que, no CPC de 1961, a hipótese de recurso era diferida para o mo-
mento do recurso da decisão final.
295
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
678
Esta alínea g) do art. 653º do CPC de 1939 admitia a possibilidade de, encerrada a dis-
cussão, o tribunal formular quesitos novos, cujo teor era limitado pelos factos alegados pelas
partes.
679
Em sede de julgamento de facto, o CPC de 1961 marcou, ainda assim, uma importante
evolução, na medida em que passou a impor-se ao tribunal o dever de fundamentação da
decisão, se bem que limitada aos factos provados.
680
Também aqui se previa a hipótese de formulação de quesitos novos, mas sempre com limi-
tação aos factos articulados pelas partes, nos termos das disposições conjugadas do arts.
650º 2.f ) e 664º do CPC de 1961.
296
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
Sobre este ponto, José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, ps. 223-224) e Manuel
682
297
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
683
José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 224).
684
Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 651).
685
Lopes do Rego (Comentários…, p. 444).
686
Para além dos riscos de as respostas isoladas aos quesitos virem a ser contraditórias entre
si, em termos de conduzir à anulação do julgamento de facto. A propósito, Lopes do Rego
(Comentários…, p. 446).
298
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
687
Dando nota disso, e criticando tal modo de proceder de certos juízes, como se o questio-
nário fosse um colete de forças, Abrantes Geraldes (Temas da reforma… Vol. II, p. 213).
688
Para isso contribuíam diversos preceitos, já assinalados, que apontavam no sentido de que
toda a instrução girava mesmo em torno do questionário, seja no CPC de 1939, seja no de
1961.
299
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
689
Apesar do incontornável relevo que a lei atribuía ao questionário, a prática judiciária foi
ainda mais longe, pois se instalou uma visão fundamentalista desta peça processual, elevada
assim a um estatuto que, por certo, nem José Alberto dos Reis (responsável pela criação do
questionário) imaginara.
690
Anselmo de Castro (Direito…, Vol. III, p. 268).
300
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
691
Neste sentido, Anselmo de Castro (Direito…, Vol. III, p. 269) e Lebre de Freitas (A
ação declarativa..., p. 195).
692
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. I, p. 197), Anselmo de Cas-
tro (Direito…, Vol. III, p. 269), Castro Mendes (Do conceito..., ps. 574 e 587-588) e Lebre de
Freitas (A ação declarativa..., p. 195). Por exemplo, devia ser considerada matéria de direito a
expressão “empréstimo”, quando a acção tivesse por objecto determinar a que título o autor
entregou ao réu a quantia em dinheiro que peticionava em juízo. Igualmente, devia ser toma-
da apenas no seu sentido técnico-jurídico a expressão “arrendamento” usada pelo réu para
obstar à entrega do prédio reivindicado pelo autor. Também não devia ser tomada como facto
a expressão “hóspede”, quando a acção de despejo se fundasse na previsão correspondente ao
actual art. 1083º 2.e) do CC, em conjugação com o art. 1093º do mesmo diploma.
301
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
693
Desde 2000, fruto das sucessivas alterações introduzidas no art. 646º do código revogado,
nunca ou quase nunca intervinha o tribunal colectivo nas acções cíveis comuns ordinárias,
caso em que a audiência final era conduzida pelo juiz que presidiria ao colectivo, se a sua
intervenção tivesse tido lugar (nº 5 do art. 646º do código revogado), cabendo a esse juiz
proferir o despacho de julgamento da matéria de facto e depois elaborar a sentença.
694
Reflectindo em tom crítico, não tanto sobre a rigidez do sistema, mas sobre o modo como
o mesmo era entendido e praticado, ao mesmo tempo deixando notas para o futuro, Abran-
tes Geraldes (Temas da nova reforma…, ps. 63-66).
695
Em harmonia, a alínea d) do nº 1 do art. 508º-A, na redacção introduzida pelo DL nº 329-A/
/95, previa que, havendo audiência preliminar e tendo a acção sido contestada, aí fosse
seleccionada, após debate, a “matéria de facto relevante que constitui a base instrutória da causa”.
302
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
696
Antunes Varela (Do anteprojecto ao projecto…, ps. 358-362).
303
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
697
Lopes do Rego (Comentários…, p. 428).
698
Tratar-se-ia de um “diktat unilateral do juiz”, nas palavras de Lebre de Freitas (Parecer…,
p. 774).
699
Lebre de Freitas (Parecer…, p. 774).
700
O texto das “Linhas orientadoras” foi tornado público numa edição, sem data, do Minis-
tério da Justiça. Encontra-se também publicado no Boletim da Ordem dos Advogados (1993), ps.
304
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
51 e ss., bem como na revista Sub Judice – Justiça e Sociedade (1992), ps. 37 e ss..
305
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
selecção se fizesse como até então, nem era suposto que a peça que veio a
ser designada por base instrutória se reconduzisse ao velho questionário.
De todo o modo, a questão que logo se colocou foi a de saber se a passa-
gem do “questionário” para a “base instrutória” era uma simples alteração de
designação ou se, mais do que isso, representava uma nova perspectiva
da selecção da matéria de facto. Isto é, após 1 de Janeiro de 1997, o sen-
tido da selecção da matéria de facto, especialmente da matéria ainda por
provar, seria distinto do tradicional? Deve dizer-se que o aparecimento
das já referidas “Linhas orientadoras” criou a expectativa de que o novo
ordenamento jurídico-processual pudesse dar um passo em frente, nesta
matéria701. Tal não aconteceu, porém. Melhor dizendo, a evolução do
regime não foi tão decisiva como se esperava. Na realidade, o articulado
do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96 não permitia a conclusão de
que a base instrutória correspondia à enunciação dos grandes temas de
prova702. Em contrapartida, também não parecia que se reconduzisse ao
velho questionário703.
Quanto a este ponto, podia dizer-se que o regime instituído pela Re-
forma de 1995/96 parecia configurar um meio termo entre a quesitação
minuciosa, pormenorizada e rígida do sistema antigo e a formulação de
grandes temas probatórios. Daqui decorria que a elaboração da base ins-
trutória deveria continuar a ser norteada pela preocupação de discipli-
nar a instrução, definindo a matéria carecida de prova, mas sem tolher
a dinâmica própria da realidade factual subjacente ao processo, isto é,
procurando contribuir para que, no julgamento da matéria de facto, o tri-
701
Assim esperava, por exemplo, Lebre de Freitas (Revisão…, ps. 467-468).
702
Neste sentido, Abrantes Geraldes, (Temas da reforma…, Vol. II, p. 145), e Lopes do
Rego (Comentários…, p. 444).
703
Defendendo que não há diferença entre o questionário e a base instrutória, Pais de
Sousa/Cardona Ferreira (Processo…, ps. 26-28). No tom que caracterizou a aprecia-
ção que fez da Reforma de 1995/96, também Antunes Varela (A reforma do processo civil…
p. 196), não distingue as duas peças, referindo-se à base instrutória como “a nova máscara
nominal, com que a lei procura ocultar ou disfarçar o mau olhado do velho questionário”. Note-se
que, inicialmente, comentando o projecto de revisão, Lebre de Freitas (Revisão…, ps.
419 e 468), sustentou que o questionário se manteria, embora “crismado de base instrutória”.
No entanto, mais tarde, o mesmo autor reconhece que a substituição do questionário pela
base instrutória não foi mera “operação de cosmética”, e visou conferir maior generalidade à
formulação das questões de facto. Cfr. Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 176, nota de
rodapé nº 23, e p. 178, nota de rodapé nº 34).
306
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
307
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
causa “tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que
devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova” (art. 513º), o que,
não excluindo que a instrução pudesse tomar como referência a base ins-
trutória, significava que o limite da instrução não era, apenas e só, aquela
peça. Depois, acerca do limite de depoimentos testemunhais, a lei passou
a dizer que o número de testemunhas por parte se reportava a “cada um
dos factos que se propõe provar” (art. 633º), e não, como antigamente, aos
factos constantes do questionário. Relativamente ao regime do depoi-
mento, a lei estabelecia que a testemunha é interrogada “sobre os factos
articulados ou impugnados pela parte que a ofereceu” (art. 638º), e não, como
anteriormente, sobre os factos constantes do questionário. Em harmo-
nia com isso, também a regulamentação do julgamento de facto era dife-
rente. A um regime que mandava o tribunal declarar os factos, de entre
os quesitados, que julgava provados e não provados, sucedeu o regime
que prescrevia a prolação de uma decisão que “declarará quais os factos que
o tribunal julga provados e quais o que julga não provados” (art. 653º 2)704.
Nesta sede, o regime processual civil derivado da Reforma de 1995/96,
por via da superação dos tradicionais quesitos, por via da distinção entre
factos essenciais e factos instrumentais (art. 264º), bem assim por via do
reforço das exigências na fundamentação da decisão de facto, implicava
que o próprio julgamento de facto se orientasse por uma nova perspec-
tiva. Assim, “em vez de um rol atomístico e inorgânico de factos e circunstâncias
que o tribunal julgou provados, não provados ou provados apenas em parte, a des-
crição da matéria de facto deverá necessariamente ter em conta a funcionalidade
própria de cada facto – a função essencial ou meramente probatória ou instrumen-
tal por ele desempenhada – e a conexão existente entre os diversos segmentos ou par-
celas da matéria de facto relevante, carecendo ainda de revelar o modo de formação
da convicção do tribunal”705.
Quer dizer, o novo esquema da selecção da matéria de facto condu-
zia a que o julgamento de facto não tivesse de se apresentar como um
704
A propósito do julgamento da matéria de facto, é importante salientar a evolução ocor-
rida ao nível da respectiva fundamentação. A um regime que não exigia fundamentação (art.
653º do CPC de 1939) seguiu-se um regime que exigia a especificação dos fundamentos da
convicção só quanto aos factos julgados provados (art. 653º 3 do CPC de 1961), até termos,
finalmente, a exigência de fundamentação quanto a factos provados e não provados (art.
653º 3 do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96).
705
Lopes do Rego (Comentários…, p. 546).
308
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
706
Abrantes Geraldes (Temas da reforma…, Vol. II, ps. 225 e ss.).
309
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
707
Dando também nota disso, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol.
I, p. 506).
708
Sintomática da persistência de uma certa praxis é a circunstância de nunca terem feito
escola determinadas sugestões doutrinárias, tal como a de, em sede de prova testemunhal, o
limite do número de depoimentos (art. 633º) não ser necessariamente definido pelos pon-
tos de facto constantes da base instrutória mas por factos naturalisticamente considerados.
A este propósito, cfr. Lopes do Rego (Comentários…, p. 525), Teixeira de Sousa (Estudos
sobre o novo…, ps. 81-82) e Paulo Pimenta (A fase do saneamento…, p. 322).
310
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
709
Também Lebre de Freitas (A ação declarativa …, p. 198) define o objecto do litígio pelos
pedidos formulados. Acerca da pretensão como objecto do processo, Lebre de Freitas (In-
trodução …, ps. 55-61). Para mais desenvolvimentos, reflectindo, além do mais, sobre o thema
decidendum, Castro Mendes (Do conceito…, ps. 125 e ss.). Com visão diferente, que parece
não assegurar a destrinça entre o “objecto do litígio” e as “questões que ao tribunal cumpre solu-
cionar” na sentença (art. 607º 2), Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…,
Vol. I, p. 504) reconduzem o objecto do litígio ao pedido e à causa de pedir.
710
Os pedidos objecto de apreciação no despacho saneador, nos termos do art. 595º 1.b) não
integrarão já o objecto do litígio. É nesta linha que Lebre de Freitas (A ação declarativa …,
p. 198), afirma que a identificação do objecto do litígio consiste na enunciação dos pedidos
deduzidos “sobre os quais haja controvérsia”.
711
Em face do código revogado, só na sentença (art. 659º 1), isto é, depois de cumprida toda
a tramitação em 1ª instância, havia a identificação do objecto do litígio. Esta identificação
surgia, assim, tardiamente e, além disso, de modo unilateral, pois cabia ao juiz tal tarefa.
712
Por isso é que o art. 410º, sobre o objecto da instrução, diz que esta tem por objecto “os
temas da prova enunciados”. Como é evidente, a prova recai sobre factos e não sobre temas.
O que o art. 410º pretende significar é que, na produção de prova, os factos a considerar
serão todos os que tenham atinência com os temas enunciados. Acerca do alcance deste pre-
ceito, é interessante o confronto com o teor do art. 517º do CPC de 1939 e com o teor do art.
311
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais
fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produ-
zida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sen-
tença à realidade extraprocessual.
Estamos aqui perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem ne-
cessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação
de factos, seja na eliminação de um nexo directo entre os depoimentos
testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos713, seja ainda na
inexistência de uma decisão judicial que, tratando a matéria de facto dos
autos, se limite a “responder” a questões que não é suposto serem sequer
formuladas.
Relativamente aos critérios que deverão nortear a enunciação dos te-
mas da prova, cumpre dizer que o método a empregar é fluído, não sendo
susceptível de se submeter a “regras” tão precisas e formais quanto as
relativas ao questionário e à base instrutória714.
Como se viu, no regime precedente, a definição da matéria controver-
tida, posto que trabalhosa e minuciosa, era feita por um método formal
e burocrático, que consistia no cotejo do teor dos articulados com vista
a determinar as zonas de controvérsia, procedendo-se então, em bloco e
acriticamente, à sua transposição para o questionário, primeiro, e para
base instrutória, depois. Além disso, havia a particular necessidade de
distinguir meticulosamente matéria de facto de matéria de direito, pois
o questionário tinha como destinatário o tribunal colectivo, incumbido
apenas de apreciar questões de facto (daí o disposto no tradicional art.
646º 4 do código revogado).
No regime instituído pelo CPC de 2013, o juiz do processo é o mesmo
do início ao fim, sendo ele a intervir na enunciação dos temas da prova,
sendo ele a presidir à audiência final (sempre em tribunal singular) e sen-
513º do CPC de 1961 (sendo que a redacção deste último não era a mesma antes e depois da
Reforma de 1995/96).
713
Por isso é que o nº 1 do art. 516º, acerca do regime do depoimento testemunhal, refere
que a testemunha “depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova”. E por isso é que o novo
código não tem qualquer disposição correspondente ao art. 633º do código revogado.
714
Segundo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 508), “Conhe-
cendo os propósitos do legislador, rapidamente se conclui que não devemos perder muito tempo com a dis-
cussão dogmática em torno do conteúdo dos “temas da prova”.(…) Apenas importa saber se a ferramenta
especificamente construída é adequada ou não ao julgamento da concreta causa na qual foi elaborada”.
312
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
715
Neste sentido, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 198), admitindo mesmo a possi-
bilidade de a enunciação dos temas da prova usar qualificações jurídicas (algo que era im-
pensável no domínio do questionário e da base instrutória). Também Ramos de Faria/Ana
Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 510) não excluem que os temas da prova sejam
identificados “por referência a conceitos de direito ou conclusivos”. Pela nossa parte, nada há a opor
a tal técnica, tomada que seja como mais uma manifestação da necessária flexibilidade que
deve caracterizar a instrução, dentro dos naturais limites a observar: a causa de pedir e as
excepções deduzidas.
716
Reflectindo neste sentido, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol.
I, p. 509).
313
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
Colocadas as coisas nestes termos, logo se intui que, neste novo re-
gime, a produção de prova decorrerá de modo muito mais fluído e flexí-
vel, sendo bom para o processo tudo aquilo que contribua para o tribunal
formar a sua convicção acerca da verificação (ou não) dos elementos inte-
gradores dos tipos legais em causa. Ponto fundamental é que não haja
314
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
717
Ainda no decurso dos trabalhos de revisão do código, antecipando esta ideia, Paulo
Pimenta (Tópicos para a reforma…, ps. 127-131, e Saneamento e audiência preliminar, ps. 30-33).
718
Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 509).
719
Esta fórmula – justa composição do litígio – encontra-se em inúmeros preceitos (v. g., art.
6º 1, art. 7º 1 e art. 411º) e deve constituir sempre o ponto de referência para a actuação do
juiz e das partes.
315
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
316
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
CC), a prática tida por correcta ia no sentido de que “Na formulação do que-
sito (relativo a facto afirmado por uma das partes e negado pela outra), o juiz deve
escolher sempre a versão adequada à repartição do respectivo ónus probandi”720.
Não poucas vezes, era decretada a anulação da decisão de 1ª instância,
com a inerente repetição do julgamento (ao menos em parte), a pretexto
de que o quesito se mostrava indevidamente formulado721. Com o novo
sistema, a enunciação dos temas da prova não implica qualquer compro-
misso quanto às regras da distribuição do ónus da prova722. Quer dizer,
nesse momento do processo apenas se trata de balizar a instrução. Só mais
adiante, já na sentença, e já depois de ter declarado os factos provados e
os factos não provados, é que o juiz irá tirar consequências sobre a falta
de prova deste ou daquele facto e, em função da natureza do mesmo,
declarar a improcedência da acção (tratando-se de facto constitutivo do
direito) ou a improcedência da excepção (se o facto for impeditivo, por
exemplo). E se, porventura, o tribunal de recurso qualificar de modo di-
verso o facto quanto à sua natureza, isso não constituirá problema porque
o quadro factual é o que já se encontra definido, havendo apenas que fixar
os efeitos desse quadro à luz do (novo) enquadramento jurídico adop-
tado723.
Importa salientar, e mais uma vez por confronto com o regime ante-
rior, que o novo esquema processual desloca para sentença a definição,
a um só tempo, do quadro factual da causa, isto é, dos factos apurados
nos autos, por referência aos quais será determinada a solução jurídica
do pleito.
Nessa medida, o CPC de 2013 não prevê que, na fase intermédia do
processo, seja feita qualquer fixação dos factos que se mostrem já pro-
vados nesse momento processual, isto é, não prevê a elaboração de uma
peça similar, seja em função, seja em conteúdo, à antiga “especificação” ou
à antiga “matéria de facto assente”.
720
Era esta a advertência de Varela/Bezerra/Nora (Manual… p. 413, nota).
721
Por exemplo, tido um facto como constitutivo do direito, o quesito era formulado em fun-
ção disso; no entanto, se a Relação entendesse que o facto tinha natureza impeditiva, a for-
mulação do quesito teria de ser outra.
722
Neste sentido, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 509).
723
Reflectindo neste sentido, Lebre de Freitas (Do conteúdo…, ps. 71-73.). Cfr. também Le-
bre de Freitas (A ação declarativa…, p. 198).
317
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
724
Nessa fase do processo, os factos essenciais a ter como demonstrados, e assim excluídos
da produção de prova, serão os seguintes: i) os admitidos por acordo, em virtude de falta de
impugnação; ii) os confessados; iii) os provados por documentos.
725
O que se disse não obstará a que, num caso ou noutro, sejam vertidos numa peça pró-
pria os factos essenciais (e só estes) já tidos por provados. A acontecer, tal listagem de factos
deverá ser justificada pela sua utilidade em cada concreto processo, à luz de um critério de
adequação formal (art. 547º), não se vendo que possa ter lugar em todos os processos, de
modo tabelar e acrítico. Primeiro, porque não está prevista na lei (e não está de caso pen-
sado). Segundo, porque a sua função será meramente utilitária, destituída, pois, de qualquer
significado processualmente vinculativo. Com idêntica posição, Ramos de Faria/Ana Luísa
Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 511). Embora sem pormenorizar, Lebre de Freitas
(A ação declarativa…, p. 198, nota de rodapé nº 52) admite a enunciação de factos assentes.
Também Abrantes Geraldes (Sentença…, p. 17) alude à possibilidade de serem assinala-
dos os factos que dispensam a produção de prova, mas situando tal operação no início da
audiência final ou já no seu decurso. Quanto a este ponto, embora tudo dependa das especi-
ficidades de cada processo, será de evitar que os trabalhos da audiência final se enredem em
questões que têm óbvia natureza prévia e meramente utilitária.
726
Nas palavras de Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 175, nota de rodapé nº 18), a
deficiência consiste “na omissão de pontos relevantes para a decisão da causa”, o excesso consiste
“na inclusão de pontos irrelevantes, fora do objeto do processo ou não introduzidos pelas partes, devendo
318
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
sê-lo” e a obscuridade consiste “em redação que suscite dúvidas quanto à identificação do objeto do
litígio ou ao enunciado dos temas da prova”.
727
Os fundamentos da acção ou parte deles: tenha-se presente que o âmbito da inoperância
da revelia decorrente da alínea d) do art. 568º se limita aos factos cuja prova dependa de
documento escrito.
728
A formulação da alínea b) do nº 1 do art. 592º (havendo o processo de findar no despacho sanea-
dor pela procedência de excepção dilatória), no confronto com o disposto no nº 1 do art. 593º (nas
acções que hajam de prosseguir), mostra com total clareza o propósito legislativo: as acções de-
clarativas não devem terminar com decisão de mérito no despacho saneador sem que o mes-
mo seja proferido no contexto da realização de uma audiência prévia. Consequentemente,
a prolação de despacho saneador que conhece do mérito da causa e põe termo ao processo,
319
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
acontecer, isto é, para que o juiz possa não convocar a audiência prévia,
logo absolvendo o réu da instância no despacho saneador, é exigido que a
excepção dilatória em causa “já tenha sido debatida nos articulados”.
Nessa conformidade, se estivermos perante uma excepção dilatória
não debatida nos articulados, por muito que a acção possa vir a findar
no despacho saneador com a absolvição do réu da instância, a audiência
prévia sempre tem de ser realizada, para os efeitos consignados na alínea
b) do nº 1 art. 591º, o que mais não é do que uma decorrência do princípio
do contraditório. Isto será assim, quer se trate de uma excepção dilatória
suscitada oficiosamente pelo juiz (art. 3º 3), quer se trate de uma excep-
ção dilatória deduzida pelo réu na contestação729 (art. 3º 4). Num caso e
noutro, não pode o juiz decidir a excepção sem ouvir ambas as partes, no
primeiro caso, ou sem ouvir o autor730, no segundo caso.
No que toca a excepções deduzidas pelo réu na contestação ou pelo
autor na réplica, face ao âmbito mais reduzido da réplica (art. 584º) e
face à supressão da tréplica, torna-se claro que, em muitos dos casos, o
normal decurso da acção na fase introdutória do processo não permitirá
que as excepções sejam “debatidas nos articulados”731, o que equivalerá a
que não possa tão facilmente deixar de realizar-se a audiência prévia ao
abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 592º.
Esta dificuldade732 é, no entanto, perfeitamente contornável se o juiz
assim o entender, quanto mais não seja, no momento do despacho pré-
320
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
321
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
736
Isto porque a finalidade da alínea a) do nº 1 do art. 591º (tentativa de conciliação) pode
surgir “em qualquer estado do processo” (art. 594º 1), embora o momento imediatamente a
seguir à troca de articulados seja uma ocasião propícia para tentar a conciliação. Quanto à
finalidade da alínea c) do nº 1 do art. 591º, só mesmo uma ponderação casuística revelará a
necessidade de ser prosseguida.
322
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
737
E não também à produção de alegações a anteceder o próprio despacho saneador.
738
Estas alíneas referem que a decisão do juiz ocorre “após debate”.
739
Como é evidente, só em face de cada concreto processo é possível a ponderação sobre a
necessidade de providenciar pela adequação formal ou pela simplificação ou agilização pro-
cessual.
740
Se terminasse nesta fase, uma de duas: ora havia absolvição do réu da instância no despa-
cho saneador, e este despacho era proferido na audiência prévia, após alegações [art. 591º
1.b) e d)], ou era proferido por escrito, não se tendo realizado a audiência prévia [art. 592º
1.b)]; ora havia decisão sobre o mérito da causa no despacho saneador, absolvendo-se ou
condenando-se o réu no pedido, e este despacho sempre seria proferido na audiência prévia
[art. 591º 1.b) e d)]. Em qualquer dos casos, sempre estaríamos fora do âmbito do art. 593º 2,
o que é confirmado pelo nº 1 deste art. 593º, que se refere às acções que “hajam de prosseguir”.
323
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
596º 1 [art. 593º 2.c)]. Finalmente, deverá o juiz proferir despacho desti-
nado a programar os actos a realizar na audiência final, estabelecendo o
número de sessões e a sua duração provável e designando as respectivas
datas [art. 593º 2.d)]741.
Como tudo isto acontece fora da audiência prévia, as partes têm de
ser notificadas dos despachos proferidos pelo juiz nos termos sobreditos
(poderão ser quatro despachos, mas serão sempre três, pelo menos)742.
Assim notificadas as partes, abre-se um momento de (segunda) pon-
deração sobre a (des)necessidade de a audiência prévia se realizar. É que,
segundo o nº 3 do art. 593º, as partes são admitidas a reclamar dos despa-
chos proferidos nos termos das alíneas b), c) e d) do número anterior743,
mas tal reclamação tem de ser apresentada na audiência prévia, cuja
realização as partes deverão requerer em 10 dias a contar da notificação
daqueles despachos.
Na perspectiva do legislador, a inércia das partes, não requerendo a
realização da audiência prévia, significa que se conformam com o deci-
dido pelo juiz quanto à dispensa da audiência prévia e quanto ao teor dos
mencionados despachos.
Já se for requerida pelas partes (e basta que seja uma a requerer) a
realização da audiência prévia, a segunda parte do nº 3 do art. 593º esta-
belece que o juiz deverá convocá-la para um dos 20 dias seguintes.
741
É também exactamente assim que o juiz deve agir, isto é, cumprindo a estatuição do nº 2
do art. 593º, nos casos, já tratados, de acções não contestadas que devam prosseguir em re-
gime de revelia inoperante. Para esses casos, a alínea a) do nº 1 do art. 592º prevê a não reali-
zação da audiência prévia, mas o respectivo nº 2 mandar aplicar o nº 2 do art. 593º.
742
O único despacho que não é seguro que haja é o de adequação formal ou de simplificação
ou agilização processual, a que se refere a alínea b) do nº 2 do art. 593º, tudo dependendo
das necessidades do próprio processo em concreto.
743
Compreensivelmente, o art. 593º 3 não refere o despacho (que é o despacho saneador)
previsto na alínea a) do nº 2 do art. 593º. É que a impugnação do despacho saneador faz-se
por via de recurso, nos termos gerais (art. 644º 1).
324
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
744
Esta solução, além de bem diferente, é mais virtuosa do que a contida no art. 508º-B do
CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, preceito que, mais a mais, era invocado com dema-
siada frequência e ligeireza para dispensar audiências preliminares que até deveriam ter
lugar.
745
Apesar de a tradição ser no sentido de a prova ser indicada num momento intermédio
da tramitação, já havia relevantes desvios, como era o caso do processo declarativo comum
325
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
quem litiga em juízo, tem a vantagem de permitir que haja mais cedo nos
autos uma noção sobre as implicações processuais das estratégias proba-
tórias das partes. Isso será particularmente útil para a audiência prévia,
quando aí se ponderar sobre a marcação da data da audiência final e se
fixar o número de sessões a realizar e a sua duração provável, bem assim
sobre quem deverá ser convocado para cada sessão.
Não obstante, do nº 1 do art. 598º resulta que as partes são admitidas
a alterar o requerimento probatório que tenham apresentado, podendo
fazê-lo na audiência prévia, seja a audiência desde logo marcada pelo
juiz, em cumprimento da regra do art. 591º, seja a audiência potestativa,
isto é, marcada mediante requerimento deduzido em face da dispensa da
audiência decretada pelo juiz (nº 3 do art. 593º). A alteração aqui prevista
não parece conhecer restrições, apenas se exigindo que a parte tenha
apresentado inicialmente requerimento probatório, condição para se fa-
lar em alteração746. Acresce que o requerimento probatório apresentado
neste contexto (de alteração) está sujeito ao regime a que se submete tal
requerimento quando apresentado nos articulados747. Em contrapartida,
esta alteração, a ocorrer, e embora não seja um acto típico da audiência
prévia, deve ter lugar aí mesmo, o que supõe que tal diligência se realize
no contexto definido no próprio nº 1 do art. 598º. Deste modo, se o juiz
dispensar a audiência prévia ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 593º,
não é legítimo a qualquer das partes requerer a realização de audiência
sumaríssimo (arts. 793º e 794º do CPC de 1961) e regime processual civil experimental
(art. 8º 5), regulado pelo DL nº 108/2006, de 8.6, em que a prova era logo indicada nos arti-
culados.
746
Na alteração prevista no nº 1 do art. 598º inclui-se, naturalmente, a hipótese de requerer
meios de prova não indicados inicialmente. E também constitui alteração de requerimento
probatório (permitida, pois) a circunstância de a parte vir agora arrolar testemunhas ou re-
querer perícia, quando (apenas) juntou à petição ou à contestação documentos para pro-
va dos fundamentos da acção ou da defesa (art. 423º 1). Em sentido semelhante, Ramos de
Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 519).
747
Por exemplo, quanto às testemunhas arroladas nos articulados, vigora a regra segundo
a qual as mesmas são a apresentar pelas partes, salvo quando estas requeiram a respectiva
notificação para comparência ou para inquirição por meio de equipamento tecnológico (art.
507º 2). É essa também a regra a aplicar se, no âmbito da alteração do requerimento proba-
tório admitida pelo nº 1 do art. 598º, forem arroladas testemunhas.
326
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
748
Por outro lado, afigura-se que, fora da audiência prévia, não fará sentido admitir a altera-
ção do requerimento probatório, não só porque a lei não o prevê, mas também porque daí
resultaria potencialmente prejudicado tudo quanto tivesse sido definido para a tramitação
subsequente do processo, em especial quanto à programação da audiência final, nos termos
da alínea g) do nº 1 do art. 591º ou nos termos da alínea d) do nº 2 do art. 593º. Por isso, não
parece adequada a ideia, aventada por Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras
notas…, Vol. I, p. 520), de a notificação dos despachos proferidos ao abrigo do nº 2 do art.
593º incluir a interpelação das partes para, querendo, alterarem os seus requerimentos pro-
batórios, no caso de não pretenderem reclamar desses despachos nos termos previstos no
nº 3 do art. 593º. Nesse cenário, sairia frustrada toda a utilidade da concentração dos actos e
da programação do devir processual propiciadas por uma audiência prévia.
749
Quando tal suceder, a parte contrária é notificada para, querendo, usar de igual facul-
dade, em cinco dias (art. 598º 2 in fine).
750
A antecedência de 20 dias deve ter-se como reportada à data inicialmente designada para
a realização da audiência final (ou da primeira sessão desta), isto é, independentemente de
haver adiamento ou de haver mais do que uma sessão. Neste sentido, cfr. o Ac. do TRP de
12.5.2015 (processo nº 7724/10.2TBMTS-B.P1), disponível em www.dgsi.pt.
327
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
751
É indiscutível que a figura prevista no nº 2 do art. 598º é também susceptível de pôr em
crise a programação da audiência final já firmada nos autos. De todo o modo, relativamente
à hipótese do nº 1 deste mesmo preceito, o risco será mais controlado, por duas ordens de
razões. Por um lado, estamos só a falar de testemunhas e não outros meios de prova cuja
realização e consideração agora teria efeitos bem mais gravosos para a referida programa-
ção, sendo exemplo mais marcante a prova pericial. Por outro lado, visto que as testemunhas
assim aditadas ou alteradas são sempre a apresentar pelas partes, não é crível, num plano
de normalidade, que estas estruturem toda a sua estratégia probatória em testemunhas cuja
presença em juízo podem acabar por não garantir, com todos os riscos inerentes.
752
E não esquecendo que, ao longo do código, encontramos disposições em que o legislador,
usando o critério do valor da acção, consagra soluções específicas, de que são exemplo o nº 5
do art. 468º, a parte final do nº 1 do art. 511º e a parte final do nº 5 do art. 604º.
328
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
329
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
que, assumidamente, não se mostre necessária maior precisão, seja quanto às (várias) ses-
sões da audiência final, seja quanto aos actos que aí terão lugar e respectiva duração, isto é,
para os casos em que não se afigure necessário programar a audiência. Em todos os demais
casos, e sempre à luz de um critério de boa gestão, deverá a audiência ser programada nos
moldes referidos na alínea f ). De resto, como se vê pelo teor da alínea a) do nº 2 do art.
602º, não é indiferente haver programação da audiência final.
757
Neste sentido, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 514).
758
Deve notar-se que, neste caso, isto é, no caso de o juiz optar por não convocar a audiência
prévia, as partes não dispõem da possibilidade prevista no nº 1 do art. 598º. Na verdade, a
alteração do requerimento probatório admitida neste preceito supõe a realização da audiên-
cia prévia. Significa isto que, nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação,
as partes deverão ser mais cautelosas quanto aos requerimentos probatórios que apresentam
nos articulados, já que não podem alterá-los (podendo sempre, mas isso é outra coisa, alte-
rar ou aditar o rol de testemunhas: art. 598º 2). Esta é uma consequência da simplificação
procedimental imposta pelo art. 597º, que não constitui novidade no nosso sistema. Já era
assim no processo comum sumaríssimo, no CPC de 1961, e continua a ser assim na acção
declarativa especial prevista nos arts. 1º a 5º do Anexo ao DL nº 269/98, de 1.9, pelo que não
pode falar-se em (injustificada) restrição das garantias das partes em sede probatória.
330
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
3. Fase final
Conforme foi já assinalado, a fase final do processo desdobra-se em dois
momentos: a audiência final e a sentença. Na audiência final, têm lugar
759
Neste ponto, fazendo o confronto com regime do art. 591º 1.e) e do art. 593º, verifica-se
o seguinte: no primeiro caso, a realização da audiência prévia assegura logo a audição das
partes antes da decisão, sendo a decisão apenas impugnável nos termos do art. 630º 2; no se-
gundo caso, o juiz decide sem ouvir as partes, mas qualquer delas pode reclamar, desde que
requeira a realização de audiência prévia para tal, sendo a decisão que decida a reclamação
impugnável nos termos do art. 630º 2. Já no caso do art. 597º d), como é assegurada a prévia
audição das partes (que deve processar-se por escrito), a reacção contra a decisão propria-
mente fica relegada para o regime do art. 630º 2. Numa leitura susceptível de gerar redun-
dância e que parece desatender ao segmento “após audição das partes”, Ramos de Faria/Ana
Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 514) sustentam que, nesta última situação, é
admitida reclamação, seguida de eventual recurso.
760
Também por aqui se verifica a diferença entre as alíneas f ) e g) do art. 597º, confirmando-
-se que a última deve ser usada em casos de maior simplicidade e em que, previsivelmente, a
audiência final não careça de programação, sendo, pois, de utilização residual. Acresce que,
no caso da alínea g), não se trata de reclamar nos moldes acima referidos, até porque a reac-
ção ao despacho implica uma prévia concertação dos mandatários, com vista à sugestão de
datas alternativas (e não de programação alternativa).
331
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
761
Embora, por princípio, os actos de produção de prova tenham lugar na audiência final,
bem pode suceder que tais actos decorram antes e fora da audiência final, como acontece,
por exemplo, nos casos de produção antecipada de prova (art. 419º) e com a prova pericial
(arts. 467º e ss.). Por outro lado, o depoimento de parte pode ser prestado na audiência pré-
via (art. 456º 3). Também há casos em que o depoimento testemunhal não é prestado na
audiência final (art. 500º).
762
Já foi referido que, nos últimos anos, em especial desde 2000, o tribunal funcionava
habitualmente em juiz singular, raramente ou nunca intervindo o colectivo. Isso deveu-
-se muito à redacção que o DL nº 183/2000, de 10.8, deu ao nº 1 do art. 646º do código re-
vogado, ao fazer depender a intervenção do colectivo de requerimento de ambas partes.
Consequentemente, nestes últimos anos, todas as alusões legais ao colectivo reportavam-se
como que a uma ficção. Doravante, fica assente o regime de juiz singular.
763
Nos termos do nº 5 do art. 151º, os mandatários judiciais devem comunicar prontamente
ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença.
332
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
764
Neste contexto, deve entender-se que a marcação é feita mediante acordo prévio quando
a data da audiência final tenha sido fixada como prescreve o nº 1 do art. 151º. Haverá igual-
mente acordo prévio para este efeito no caso de, nos termos indicados nos nºs 2 e 3 do art.
151º, o juiz alterar a data inicialmente fixada e a substituir pela(s) data(s) alternativa(s)
proposta(s) pelos mandatários. Já no caso de o juiz manter a data inicialmente fixada, é ób-
vio não pode falar-se em acordo prévio, com o consequente risco de adiamento da audiência
final em caso de falta de algum dos advogados (art. 603º 1). Neste sentido, cfr. Ramos de Fa-
ria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas …, Vol. I, p. 528) Cumpre ainda notar que, para os
efeitos do nº 2 do art. 151º, o impedimento a invocar pelo(s) mandatário(s) deverá ser outro
serviço judicial já marcado, havendo que indicar expressamente a diligência e o processo a
que respeita.
765
Como uma das finalidades da audiência prévia é a indicada na alínea g) do nº 1 do art.
591º, tendo a audiência sido convocada (também) para esse fim, a data (ou datas) da au-
diência final aí designada resultará de “acordo de agendas”, vinculando para os efeitos do
nº 1 do art. 603º os mandatários presentes, mas também os mandatários que hajam faltado
injustificadamente. Com posição idêntica, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primei-
ras notas …, Vol. I, p. 528). A este propósito, note-se que, nos termos do nº 3 do art. 591º, não
constitui motivo de adiamento da audiência prévia a falta do mandatário.
766
Como acabou de ser dito, as diligências que o mandatário tenha previamente agendadas
noutros processos merecem tutela e protecção, já que pode ser fundadamente oposta tal cir-
cunstância ao juiz que pretenda designar para a mesma data qualquer diligência: é esse o
sentido do nº 2 do art. 151º.
333
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
767
Constituem casos de justo impedimento, para os efeitos do nº 1 do art. 603º, os de mater-
nidade, de paternidade e de falecimento de familiar, nos termos regulados nos arts. 2º e 3º
do DL nº 131/2009, de 1.6.
334
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
tida por períodos que, na totalidade, não excedam três meses) não pode
resultar o adiamento da audiência final768.
O segundo caso contende com a prova documental, fixando o nº 2 do
art. 423º o limite de 20 dias antes da data em que se realize a audiência
final para a apresentação de documentos que não hajam acompanhado o
articulado respectivo, limite este que permite em tempo útil (isto é, ainda
antes do início da audiência final) o exercício do contraditório quanto aos
documentos assim juntos.
335
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
a) Tentativa de conciliação
Nos termos do nº 2 do art. 604º, o primeiro acto a praticar na audiência
final é o da tentativa de conciliação, desde que a causa se encontre no âm-
bito dos poderes de disposição das partes. Neste contexto, são aplicáveis
as considerações já feitas acerca da tentativa de conciliação a promover
na audiência prévia, com a particularidade de que, frustrada a concilia-
ção, se entrará de imediato na produção de prova, cujo decurso pode ter
efeito esbater as possibilidades de conciliação.
771
Quer isto significar que, decorrendo uma audiência final em várias sessões, o prazo para
disponibilização da gravação deve ser considerado por referência a cada concreta sessão.
772
Os nºs 7 a 9 do art. 155º regulam a documentação dos demais actos processuais presididos
pelo juiz.
336
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
b) Produção de prova
Relativamente aos actos a praticar na audiência final, esgotada a hipó-
tese de conciliação, o nº 3 do art. 604º apresenta uma sequência de
actos semelhante à que se encontrava no nº 3 do art. 651º do código revo-
gado773. Sem prejuízo dos casos em que a prova deva ser produzida antes
e fora da audiência final, esta audiência é o momento próprio e adequado
para a produção de prova, num regime de oralidade, imediação e contra-
ditoriedade.
No termos da alínea a) do nº 3 do art. 604º, a prova começará pela
prestação de depoimentos de parte, o que se justifica à luz do objectivo deste
meio de prova: a confissão de factos. É que, ao menos em abstracto, em
função do seu alcance e extensão, a confissão pode tornar despiciendos
os demais meios de prova.
O acto seguinte de produção de prova consiste na exibição de reprodu-
ções cinematográficas ou de registos fonográficos, tal como estatui a alínea b) do
nº 3 do art. 604º.
Depois, nos termos indicados na alínea c) do nº 3 do art. 604º, haverá
lugar aos esclarecimentos verbais dos peritos que tenham sido convocados
para a audiência final, quer oficiosamente, quer a requerimento das par-
tes (art. 486º).
As diligências de produção de prova em audiência culminam na inqui-
rição das testemunhas, como resulta do art. 604º 3.d).
Esta ordem de produção de prova fixada no nº 3 do art. 604º, embora
deva ser observada em regra, pode ser alterada pelo juiz, nos casos em
que tal se justifique (art. 604º 7), o que, naturalmente, implica uma deci-
são fundamentada quanto às razões dessa alteração.
773
Atente-se na previsão do nº 1 art. 601º, nos termos da qual, quando a matéria de facto sus-
cite dificuldades de natureza técnica cuja solução dependa de conhecimentos especiais que
o juiz não possua, pode este designar pessoa competente que assista à audiência final e aí
preste os esclarecimentos necessários, sendo que, nos termos do nº 2 do art. 601º, a designa-
ção do técnico é feita, em regra, no despacho que marcar o dia para a audiência. Acrescente-
-se que, segundo o referido nº 1, é também possível, em qualquer estado da causa, requisitar
os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos.
337
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
de prova e dado que a lei se limita a estabelecer um limite (“até ao início das
alegações orais em 1ª instância”) para ter lugar, é compreensível que a prova
por declarações de parte não seja referida na sequência constante do nº 3
do art. 604º. Este meio de prova surgirá se surgir e no momento em que
surgir, com o referido limite temporal, pelo que caberá ao juiz enquadrar
as declarações de parte nos demais actos a praticar em audiência até ao
início das alegações orais.
774
No CPC de 1961, nas acções ordinárias, as alegações orais a produzir após a produção de
prova em audiência recaíam sobre a matéria de facto, procurando os advogados fixar os fac-
tos que deviam considerar-se provados e aqueles que o não foram [art. 652º 3.e) e 5]. Depois
disso, tinha lugar o julgamento da matéria de facto (art. 653º 1 e 2), após o que havia novas
alegações, agora sobre o aspecto jurídico da causa, podendo estas últimas alegações fazer-se
oralmente ou por escrito, conforme opção das partes (arts. 653º 5 e 657º). Nas acções sumá-
rias, o regime era semelhante, embora a discussão do aspecto jurídico da causa fosse oral
(art. 790º). Só no processo sumaríssimo é que havia uma só alegação, simultaneamente de
facto e de direito (art. 796º 6).
775
O direito de influenciar a decisão, produzindo alegações antes de uma decisão ser pro-
ferida, é uma relevante expressão da moderna concepção do princípio do contraditório.
O âmbito da alegação define-se pelo âmbito da decisão: só de direito; de facto e de direito.
No caso da audiência final, como lhe sucede a sentença, na qual o juiz decide de facto e de
direito, as alegações são de facto e de direito. A propósito do direito de influenciar a decisão,
Lebre de Freitas (Introdução..., ps. 124 e ss.).
338
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
776
Note-se que, conforme já referido noutro contexto, nos termos da parte final do nº 5 do
art. 604º, nas acções de valor não superior à alçada da 1ª instância, os períodos de alegação e
de réplica são reduzidos a metade.
339
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
777
Os eventuais riscos dessa opção do juiz sempre poderão ser compensados por via da au-
diência prévia potestativa, nos termos do nº 3 do art. 593º, assim se restabelecendo condi-
ções para o juiz beneficiar desse inestimável contributo dos mandatários das partes na pro-
gramação da audiência final. Note-se que, mesmo nas acções de valor não superior a metade
da alçada da Relação, embora o art. 597º f ) permita uma programação unilateral da audiência
final, ainda aí se podem atenuar os tais riscos, ao ser garantida às partes, e tem de ser (já o
dissemos), a hipótese de reclamação escrita contra o despacho respectivo.
778
Consequentemente, caso um mandatário ou uma parte ajam de modo menos conforme
na audiência final, o juiz terá condições para, por referência à programação definida, tomar
as medidas adequadas. Como é bom de ver, o juiz estará tão mais legitimado para exercer
esses poderes quanto mais a programação tiver sido cuidada e ponderada (e não um mero
simulacro).
779
Só não será assim se, no caso de aposentação, esta tiver por fundamento a incapacidade fí-
sica, moral ou profissional, ou então se for preferível a repetição dos actos já praticados (art.
605º 3). Por outro lado, como assinalam e explicam Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro
(Primeiras notas …, Vol. I, p. 528), o cotejo do nº 3 e do nº 4 deste art. 605º não permite con-
cluir que o juiz aposentado deixa de elaborar também a sentença.
780
O caso aqui referido (impossibilidade de a audiência ser concluída num dia) deve ficar re-
servado para dois tipos de situações: i) quando, logo na fase intermédia do processo, o juiz e
as partes não hajam antevisto a necessidade de marcar mais do que uma data para a audiên-
cia final; ii) quando, independentemente disso, a evolução do processo (v. g., a produção de
prova ou outras circunstâncias supervenientes) acabe por exigir que a audiência final pros-
siga em mais sessões.
340
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
3.2. Sentença
Nos termos do nº 1 do art. 607º, encerrada a audiência final (e esta en-
cerra-se quando terminam as alegações orais), o processo é concluso ao
juiz, devendo ser proferida sentença no prazo de 30 dias.
Quebrando mais uma das tradições do processo civil português, o
CPC de 2013 pôs termo à figura do julgamento autónomo da matéria de
facto, que acontecia após a produção de prova e os debates sobre a maté-
ria de facto. Agora, findas as alegações orais na audiência final, passa-se
logo para o momento da sentença, de modo que esta peça albergará, além
do mais, aquilo que anteriormente era a decisão que apreciava a prova
produzida em juízo e declarava, em função disso, os factos provados e
os factos não provados. Nessa conformidade, o art. 607º contém uma
estrutura que, até certo ponto, faz a síntese do que, de modo estanque,
se encontrava previsto no CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96 nos
arts. 653º e 655º, de um lado, e no art. 659º, de outro. Quer isto significar
que, à luz do novo código, será feita a um só tempo e na mesma peça pro-
cessual toda a ponderação relativa ao acervo fáctico dos autos, o que tem
a enorme vantagem de assegurar uma visão de conjunto sobre tal acervo
e, em consequência, uma visão mais completa, mais precisa e mais arti-
culada do quadro factual dos autos.
Antes de analisarmos a estrutura e o conteúdo da sentença, importa
salientar o disposto na segunda parte do nº 1 do art. 607º, prevendo a
possibilidade de o juiz, no momento em que está a elaborar a sentença e
quando se não julgar suficientemente esclarecido, ordenar a reabertura da
audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais dili-
gências necessárias782.
781
Nos termos do nº 4 do art. 606º, para efeitos do limite de 30 dias fixado no número ante-
rior, não é considerado o período de férias judiciais, nem o período em que, por razões estra-
nhas ao tribunal, se aguarde a realização de diligências de prova (v. g., perícias).
782
É verdade que a hipótese de reabertura da audiência já existia no nº 1 do art. 653º do CPC
de 1961, mas aí reportada ao (estrito) julgamento da matéria de facto, não havendo situação
341
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
similar aquando da elaboração da sentença, o que se justificava pela cisão entre julgamento
de facto e julgamento de direito. A novidade do nº 1 do art. 607º é que a reabertura da au-
diência ocorrerá no momento da sentença e quando ainda está em aberto o quadro factual
dos autos, que apenas será firmado na própria sentença.
783
No CPC de 1961, até à Reforma Intercalar de 1985, era mesmo esta a terminologia do art.
659º (funcionalmente correspondente ao actual art. 607º).
784
Estes pedidos são tanto os deduzidos pelo autor como pelo réu reconvinte.
785
A falta de especificação dos respectivos fundamentos de facto e de direito implica a nuli-
dade da sentença, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 615º.
786
A decisão constitui o corolário lógico dos fundamentos, pelo que a eventual contradição
entre estas duas dimensões conduzirá à nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do
nº 1 do art. 615º.
342
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
787
Note-se que, tal como é expressamente ressalvado pelo nº 1 do art. 608º, a eventual veri-
ficação de razões para a absolvição da instância só conduzirá mesmo a esse desfecho quando
a tal não se oponha a previsão contida na segunda parte do nº 3 do art. 278º, nos termos já
analisados.
788
Precisando o alcance da expressão “todas as questões”, Lebre de Freitas (A ação decla-
rativa…, ps. 320-321).
343
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
789
A violação do nº 2 do art. 608º gera a nulidade da sentença, ora por omissão de pronún-
cia, ora por excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 615º.
790
A violação desta regra implica a nulidade da sentença, conforme estatui a alínea e) do
nº 1 do art. 615º. A propósito do regime do nº 1 do art. 609º, atente-se no Acórdão Unifor-
mizador de Jurisprudência nº 13/96, de 15.10.1996, publicado no DR nº 274/96, Iª Série-A,
de 26.11.1996, que firmou o seguinte: “O tribunal não pode, nos termos do art. 661º, nº 1 do Có-
digo de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização
em montante superior ao valor do pedido do autor”.
791
Quando haja pedido único, é simples constatar se a sentença (não) condena em valor
superior ao pedido. Sendo formulados vários pedidos em regime de cumulação, ainda que
principais e acessórios, é duvidoso que, para os efeitos do nº 1 do art. 609º, possa desconsi-
derar-se a autonomia de cada pedido. Se o autor pedir a condenação do réu em 100 (pedido
I) e em 200 (pedido II), o valor da acção é 300 (art. 297º 2). E o limite total da condenação é
300 (100 + 200). Mas será que a sentença pode condenar o réu em 300, resultando essa con-
denação da soma de 130 (pelo pedido I) e de 170 (pelo pedido II)? Embora a condenação se
contenha no dito limite total, há excesso de condenação quanto ao pedido I.
792
Atente-se, ainda assim, na previsão do nº 3 do art. 609º, que admite uma decisão não
totalmente coincidente com o peticionado: requerida a manutenção da posse em lugar da
344
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
restituição ou esta em vez daquela, o juiz conhece do pedido correspondente à situação real-
mente verificada.
793
Quando a acção declarativa termine com uma condenação genérica, nos termos do nº 2
do art. 609º, a sentença só goza de exequibilidade depois de operada a liquidação no pro-
cesso declarativo, nos termos previstos no nº 2 do art. 358º. Quer isto significar que a liqui-
dação deverá ser prévia à eventual execução da sentença. Só excepcionalmente é que não
será assim, como resulta do disposto no nº 5 do art. 716º. Na verdade, este preceito admite
que a liquidação na fase introdutória da execução (projectada no nº 4 do art. 716º apenas
para títulos extrajudiciais) tenha lugar em dois casos: i) quando não vigore o ónus de pro-
ceder à liquidação no processo declarativo (como sucede com a sentença proferida em pro-
cesso crime que condene em indemnização civil); ii) quando a condenação genérica conste
de sentença arbitral.
345
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
794
Escrevendo por referência ao art. 662º do CPC de 1939 (correspondente ao actual art.
610º), José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. V, p. 76), assinalava que “o art. 662º (...)
obedece à ideia de salvar o processo, não obstante a inexigibilidade; quer dizer, a doutrina do artigo foi
ditada pelo princípio da economia processual”.
346
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
O art. 611º prescreve que a sentença deve ter em conta os factos cons-
titutivos, modificativos ou extintivos do direito ocorridos depois de ins-
taurada a acção, em termos de a decisão proferida corresponder ao es-
tado de coisas existente no momento do encerramento da discussão795.
Quer dizer, se entre o momento da apresentação do litígio e o encer-
ramento da discussão tiverem ocorrido alterações nos elementos a causa,
isso deve ser considerado pela sentença, em termos de a causa ser “deci-
dida tal como deveria sê-lo se os factos em questão já se tivessem produzido ao tempo
da instauração do pleito”796.
Admitamos que, proposta uma acção de despejo com fundamento no
facto de, num arrendamento para habitação, o inquilino dar hospedagem
a mais de três pessoas797, o réu, na pendência da causa, deixava de ter
hóspedes ou reduzia o seu número ao limite legal. E admitamos que, ins-
taurada acção para obter a condenação do réu no pagamento de certa
quantia, o réu (ou um terceiro) vinha a pagar tal quantia ao autor.
Estas ocorrências posteriores ao início da instância poderão ser trazi-
das a juízo e atendidos pela sentença? Para que isso aconteça, a lei esta-
belece algumas limitações, de direito processual e de direito material
(art. 611º).
Por um lado, esta atendibilidade de factos supervenientes não pode
violar o estatuído noutras disposições, designadamente, as que discipli-
nam a alteração da causa de pedir (cfr. os arts. 264º e 265º). Por outro
lado, só são de atender os factos que, à luz do direito substantivo, tenham
influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida.
Nessa conformidade, recordando os exemplos apresentados, pode-
mos concluir que, a confirmar-se o alegado pelo autor na petição e o ine-
rente direito à resolução do arrendamento, tal direito não seria prejudi-
cado pela ocorrência superveniente de o inquilino passar a respeitar a lei
795
Este preceito corresponde a uma generalização do disposto no art. 588º para os factos
supervenientes.
796
Neste sentido, Manuel de Andrade (Noções..., p. 301).
797
Cfr. os arts. 1083º 2 e 1093º do CC.
347
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
348
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
.
803
Por outro lado, quando for o caso, a sentença deverá conter pronúncia
sobre a litigância de má fé e respectivos efeitos.
Os casos de litigância de má fé, que supõem um quadro de dolo ou negli-
gência grave, são os elencados no nº 2 do art. 542º:
– dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento a parte
não devia ignorar;
– alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para
a decisão da causa;
– omissão grave do dever de cooperação;
– uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios proces-
suais, com o fim de alcançar um objectivo ilegal, impedir a desco-
berta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fun-
damento sério, o trânsito em julgado da decisão.
por parte do autor [alíneas b), c) e d)] ou ao propósito de o autor obter um desfecho sem
que o réu tenha contribuído para tal [alínea a)].
803
O art. 536º define critérios de responsabilidade por custas nos casos em que a demanda
ou a oposição eram fundadas no momento em que ocorreram e deixaram de o ser por cir-
cunstâncias posteriores, não imputáveis à partes, estabelecendo o nº 1 que as custas são
repartidas em partes iguais e indicando o nº 2 quando se entende que a alteração de cir-
cunstâncias não é imputável às partes. Por outro lado, para os demais casos de extinção da
instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide [art. 277º e)], o nº 3 do
art. 536º faz recair a responsabilidade por custas sobre o autor, salvo se a impossibilidade ou
a inutilidade forem imputáveis ao réu, estabelecendo o nº 4 um caso um que tal ocorre.
804
No campo da condenação por litigância de má fé, cfr. o art. 544º, relativamente à res-
ponsabilidade do representante de incapazes, e o art. 545º, quanto à responsabilidade do
mandatário.
805
Sobre o tema, cfr. Lebre de Freitas (Introdução..., p. 135).
349
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
a) Fundamentos de facto
Neste domínio, e em conformidade com o anteriormente referido, cum-
pre destacar a circunstância de o regime instituído pelo CPC de 2013 não
prever um momento processual autónomo em que o juiz aprecie a prova
produzida, pelo que tal tarefa é agora executada na própria sentença.
No regime processual anterior, havendo um momento destinado à
apreciação da prova produzida (o chamado julgamento da matéria de fac-
to), era aí que o tribunal tinha de se pronunciar sobre os factos provados
e não provados, referindo uns e outros (art. 653º do CPC de 1961 após
a Reforma de 1995/96). Nessa medida, quando chegava a altura de ela-
borar a sentença, o juiz já trabalhava só com “factos provados”, quer os
preteritamente dados como provados806, quer ainda os que, nesse momento,
se mostrassem “admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão
reduzida a escrito” (art. 659º 3 do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96).
Consequentemente, os fundamentos de facto da sentença, para os efei-
tos do revogado art. 659º 3, eram habitualmente um simples repositório
de factos pré-adquiridos ou, pelo menos, adquiridos por meio de prova
tabelada.
806
Neste cenário e na economia do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, os factos pre-
teritamente dados como provados eram de uma dupla natureza: i) os que constituíam a maté-
ria assente fixada depois de findos os articulados, nos termos do art. 508º-A 1.e); ii) os que
resultavam do julgamento da matéria de facto, após a produção de prova em audiência, nos
termos previstos no art. 653º 2.
350
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
vados; ii) decisão sobre a matéria de facto (declaração dos factos provados
e não provados); iii) fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
A discriminação dos factos que o juiz considera provados, imposta pelo nº 3
do art. 607º, respeita aos factos essenciais, sendo a natural decorrência da
decisão sobre a matéria de facto e aglutinando apenas os factos que foram
dados como provados: são precisamente esses factos essenciais que cons-
tituem o fundamento de facto da sentença.
A decisão sobre a matéria de facto constitui o chamado julgamento de facto,
isto é, a pronúncia do juiz acerca dos factos que julga provados e dos
factos que julga não provados, conforme estabelece o nº 4 do art. 607º,
devendo esta pronúncia versar sobre os factos essenciais, sendo certo que
os factos provados tanto serão os que resultaram da prova produzida nos
autos como os que “estão admitidos por acordo, provados por documentos ou
por confissão reduzida a escrito”.
A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto respeita à motivação da
convicção, exigindo a análise crítica das provas, com a indicação das ilações
tiradas dos factos instrumentais e a especificação dos demais fundamen-
tos decisivos para a convicção do julgador, tudo nos termos do nº 4 do
art. 607º.
351
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
807
Esta discriminação dos factos considerados provados face aos não provados explica-se
também pela circunstância de, na economia da decisão final da causa ao nível da 1ª instância, os
factos não provados nenhuma função desempenharem, tudo se passando como se não tives-
sem sido sequer alegados. Naturalmente, isso não obsta a que, em sede de recurso, a Relação
venha a ter outro entendimento (art. 662º) sobre os factos provados e não provados.
808
À luz do CPC de 1939 e do CPC de 1961, o julgamento da matéria de facto passava por
responder ao questionário – eram as chamadas respostas aos quesitos (cfr. o art. 653º do
CPC de 1939 e do CPC de 1961). E se, após a Reforma de 1995/96, o art. 653º do CPC de
1961 deixou de aludir expressamente a uma resposta à base instrutória, é sabido que a prá-
tica forense se manteve inalterada: onde se respondia ao questionário, passou a responder-
-se à base instrutória, através da mesma técnica de sempre: “provado”, “não provado”,
“provado apenas que”. O novo código rompe com esse sistema e abre outros horizontes ao
processo civil português.
809
A este propósito, cfr. o Ac. do STJ de 13.11.2014 (processo nº 444/12.5TVLSB.L1.S1) e o Ac.
do TRL de 29.5.2014 (processo nº 444/12.5TVLSB.L1-6), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
352
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
810
É com exactidão e clarividência que Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras
notas…, Vol. I, p. 543) apontam o seguinte: “O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como
ela resultou demonstrada da produção de prova. (…) Não há qualquer fundamento para o juiz se cingir
aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas
formas. Ele [o juiz] é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-
-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta de retalhos. A narra-
ção deve ser integrada por orações simples, não compreendendo interrogações, exclamações ou qualquer
pontuação indicadora de estados emocionais. Encerra uma descrição factual, e não juízos conclusivos.
Os álibis para as descrições incoerentes e inconsequentes escasseiam no novo código”. Também Abran-
tes Geraldes (Sentença…, p. 7, nota de rodapé nº 8) assinala que o relato dos factos pro-
vados “deve evidenciar, de forma imediata, coerente e lógica, a realidade sob apreciação, o que de modo
algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos que nem sequer internamente se mostram ordena-
dos”. A este propósito, cfr. igualmente Lemos Jorge (A caminho da sentença…, ps. 138-139).
353
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
811
A força probatória dos documentos pode respeitar a documentos autênticos (art. 371º 1
do CC), autenticados (art. 377º do CC) e particulares (art. 376º 1 do CC). Nunca é demais
referir que o facto provado por documento não se reconduz ao próprio documento, sendo
este apenas um meio de prova. Nesta sede, em vez de se limitar a remeter para o documento
ou a dá-lo como reproduzido, o juiz deve escolher (referindo-o explicitamente) o facto cuja
prova se funda no documento, assinalando o segmento ou segmentos do documento que
permitem a afirmação da prova do facto. Neste sentido, Abrantes Geraldes (Sentença…,
p. 19, nota de rodapé nº 26).
812
O art. 358º do CC estabelece a força probatória da confissão, o que sempre supõe que esta
seja admitida por lei (art. 351º do CC).
813
A admissão de factos decorre do regime do nº 2 e do nº 3 do art. 574º ou do nº 1 do art. 587º.
354
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
814
Relativamente à prova testemunhal, atente-se nas limitações prescritas nos arts. 393º,
394º e 395º do CC.
815
Para mais desenvolvimentos acerca do princípio da livre apreciação da prova e suas restri-
ções, Lebre de Freitas (Introdução…, ps. 196-200).
816
Como é evidente, jamais serão conformes à lei meras referências vagas e genéricas às “tes-
temunhas inquiridas”, à “inspecção judicial” ou à “perícia”.
355
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como
o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões coloca-
das, as hesitações que não teve (ou teve), a naturalidade e a tranquilidade
que teve (ou não)817.
Enfim, o juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua con-
vicção se formou, impondo-se a “identificação precisa dos meios probatórios
concretos em que se alicerçou a convicção do julgador” e ainda “a menção das ra-
zões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal
oposto relativos ao mesmo facto” 818,819.
A fundamentação da convicção do julgamento de facto, além de cons-
tituir a observância do dever constitucional de fundamentação das deci-
sões judiciais (art. 205º da CRP), desempenha uma função indispensável
para a compreensão da decisão pelos seus destinatários, para a sua even-
tual impugnação pelas partes e ainda para o seu controlo pelo tribunal de
recurso820. Acresce que a necessidade de motivar o julgamento de facto
sempre levará o juiz a confrontar a sua íntima convicção com os elemen-
tos probatórios constantes dos autos, em termos de aquela convicção
encontrar apoio nestes elementos, o que contribui fortemente para evitar
decisões fundadas em meras impressões ou em simples intuições821.
817
Similarmente, Lebre de Freitas (A ação declarativa…, ps. 315-316).
818
Cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 655).
819
Na certeza de que cada caso ditará específicos e particulares cuidados na apreciação da
prova, é de subscrever a posição de Abrantes Geraldes (Sentença…, p. 8, nota de rodapé
nº 11), quando adverte para o seguinte: “Cientes de que a verdade absoluta é estranha ao Direito
e que, por conseguinte, a formulação de juízos judiciários deve assentar, conforme as circunstâncias e a
natureza do caso, em critérios que se orientem pela verosimilhança ou pela maior ou menor probabili-
dade, não devem ser feitas exigências probatórias irrealistas que, na prática, acabem por revelar uma
situação de denegação de justiça”.
820
Cfr. o art. 662º 2.d).
821
Cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 654) e Lebre de Freitas (A ação declarativa...,
p. 317). Acerca do grau de convicção, cfr. Castro Mendes (Do conceito..., ps. 321-328).
356
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
822
Assim, Lopes do Rego (Comentários…, ps. 252-253).
823
É evidente que a inexistência de ónus de alegação não equivale à proibição de alegação
desses factos.
824
Recorde-se que a cominação associada ao ónus de impugnação só vigora plenamente para
os factos essenciais e não já para os factos instrumentais. Estes últimos, embora não impug-
nados, não se consolidam e podem ser afastados por prova posterior, como assegura o art.
574º 2 in fine.
825
Neste sentido, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, ps. 548).
826
Pronunciando-se igualmente no sentido de que, por princípio, o lugar dos factos instru-
mentais é na motivação da convicção do julgamento de facto, Abrantes Geraldes (Sen-
tença…, p. 14) e Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, ps. 549).
357
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
827
Assim se expressou Manuel Rodrigues, citado por Castro Mendes (Do conceito de
prova…, p. 176).
828
Sendo a inspecção judicial (490º) o caso mais impressivo de prova directa, também a apre-
sentação de coisas móveis ou imóveis (art. 416º) assim poderá ser considerada. Os outros
meios de prova configuram prova indirecta, nomeadamente os documentos (arts. 423º e ss.),
a perícia (arts. 467º e ss.), a verificação não judicial qualificada (art. 494º) e a prova testemu-
nhal (arts. 495º).
829
A este propósito, cfr. Castro Mendes (Do conceito de prova…, ps. 178-184), secundado por
Lebre de Freitas (Introdução…, ps. 172-173.
830
Conforme assinala Castro Mendes (Do conceito de prova…, p. 179), a ligação do facto ins-
trumental ao facto essencial que daquele se deduz pode ser imediata ou mediata, querendo
esta última significar que pode haver uma cadeia de presunções até se alcançar a ilação do
facto essencial.
831
Podem encontrar-se em Abrantes Geraldes (Sentença…, ps. 15-17) alguns exemplos de
acções em que a convicção acerca de factos essenciais se alicerça em presunções judiciais.
358
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
regra, não sejam tratados noutro plano, isto é, não sejam objecto de um
juízo probatório específico, surgindo outrossim na explanação do raciocí-
nio subjacente ao juízo probatório relativo aos factos essenciais832.
O que importa saber é em que termos o juiz logrou convencer-se da
realidade dos factos essenciais. Se tal convencimento resultou de ilação
tirada de um facto instrumental, o juiz deverá explicar isso mesmo, refe-
rindo com precisão o facto instrumental sobre o qual trabalhou e a pro-
gressão do raciocínio encetado até ser alcançado tal resultado probatório.
Como é evidente, isto não autoriza que fique por explicar o próprio meio
que permitiu ao juiz firmar o facto instrumental (que é o facto conhecido
que suporta a ilação que conduzirá ao facto desconhecido, isto é, ao facto
essencial)833. É que faz necessariamente parte da motivação da convic-
ção subjacente ao julgamento de facto baseado em factos instrumentais a
indicação precisa dos termos em que julgador acedeu ao facto instrumental. Caso
contrário, por muito esclarecida que fosse a dedução feita a partir do
facto instrumental, sempre ficaria por explicitar o quadro subjacente à
dedução e, com isso, por fundamentar devidamente o juízo relativo ao
próprio facto essencial834.
832
É esta também a opinião de Abrantes Geraldes (Sentença…, p. 14). Noutra perspectiva,
defendendo a necessidade de um juízo probatório específico sobre os factos instrumentais,
Soares Gomes (Decisões judiciais…, ps. 342-344).
833
Se tal sucedesse, teríamos por certo uma decisão de facto que pecava por deficiência de
fundamentação, a ponto de o próprio tribunal da Relação dever determinar a descida do
processo à 1ª instância, nos termos da alínea d) do nº 2 do art. 662º.
834
Ontem como hoje, os riscos de “manipulação das presunções judiciais” a que alude Soares
Gomes (Decisões judiciais…, p. 343) enfrentam-se com rigor e exigência ao nível da motiva-
ção da convicção, e não tanto submetendo os factos instrumentais ao mesmo tratamento dos
factos essenciais, na certeza de que uns e outros representam dimensões valorativas diversas.
Aliás, uma das consequências das más práticas associadas ao questionário e à base instrutória
foi a de os factos essenciais e os instrumentais serem tratados indistintamente pelo tribunal
(e, assim, submetidos ao mesmo tipo de juízo probatório). Dando nota disso, Abrantes Ge-
raldes (Sentença…, ps. 11-12). É patente que o CPC de 2013, pela formulação do art. 5º 2.a)
e especialmente do art. 607º 4, visa recolocar ordem neste delicado domínio. Pode dizer-se,
com Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, ps. 548-549), que isso
equivale a “dotar de maior qualidade a decisão sobre os factos essenciais que vêm a ser os fundamentos
da decisão final da causa, em sentido estrito, reconduzindo a motivação da pronúncia de facto, pelo enri-
quecimento que esta inclusão [dos factos instrumentais] lhe proporciona, à centralidade que o art. 205º,
nº 1, da CRP obriga”.
359
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
835
Neste sentido, Abrantes Geraldes (Sentença…, p. 14).
836
O exemplo relativo à presunção legal de paternidade encontra-se em Abrantes Geral-
des (Sentença…, p. 13), cujas considerações a propósito se acompanham, nomeadamente
quando, em coerência com a natureza essencial dos factos que sustentam a presunção,
adverte para o seguinte: i) na pendência de acção proposta com base numa presunção,
a invocação de outra presunção configura alteração da causa de pedir, sujeita às restrições
dos arts. 264º e 265º; ii) em tal acção, a sentença não pode reconhecer a paternidade com
fundamento em presunção distinta da que foi invocada na petição inicial. Com entendimen-
to contrário, Teixeira de Sousa (Algumas questões…, ps. 398 e 401), submete ao estrito re-
gime dos factos instrumentais os pressupostos de facto de presunções legais, dizendo que os
360
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
837
.
Ainda acerca do tratamento a dispensar aos factos instrumentais, há
que antecipar que, em certas situações, poderá ser duvidosa a qualificação
a dar a certas categorias de factos, seja em função do modo como os factos
são alegados, seja por não ser unívoca a qualificação jurídica da contenda.
Nesses casos, é aconselhável a adopção de critérios mais pragmáticos ou
funcionais, em detrimento de opções mais conceptuais ou dogmáticas.
Por outras palavras, deverá seguir-se um critério maximalista, em de vez
minimalista. Consequentemente, até pela vantagem de limitar o risco de
eventual anulação da decisão em sede de recurso, a pretexto da omissão
de factos tidos como necessários para a decisão838, será mais prudente
submeter tais factos a um juízo probatório específico839.
Por fim, cumpre ter presente que o juiz deverá ainda considerar duas
outras categorias de factos, sem estar dependente da sua alegação pelas
partes, como decorre do teor da alínea c) do nº 2 do art. 5º.
De um lado, os factos notórios, isto é, os factos que são do conhecimento
geral. Factos notórios são os factos conhecidos ou susceptíveis de conhe-
cimento pela generalidade das pessoas de um círculo mais ou menos alar-
mesmos “são substituíveis por quaisquer outros”. Tal entendimento não coincide, porém,
com o expresso noutro lugar: cfr. Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo..., p. 73).
837
A essencialidade a reconhecer aos pressupostos de facto susceptíveis de suportar uma
presunção legal terá inevitáveis consequências para os efeitos do disposto no art. 5º.
Nesse caso, o ónus de alegação previsto no respectivo nº 1 versa sobre a factualidade que
preenche os pressupostos da presunção legal. Foi isto mesmo que se disse aquando do tra-
tamento da matéria da petição inicial e, mais concretamente, da causa de pedir.
838
Cfr. a parte final da alínea c) do nº 1 do art. 662º.
839
Sugerindo tal cautela, Abrantes Geraldes (Sentença…, p. 17) e Ramos de Faria/Ana
Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 549).
361
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
b) Fundamentos de direito
Nos termos da segunda parte do nº 3 do art. 607º, cumpre ao juiz indicar
as normas jurídicas aplicáveis, interpretá-las e aplicá-las ao caso concreto.
Estamos agora no âmbito do enquadramento jurídico da lide, aqui
vigorando o princípio segundo o qual jura novit curia, isto é, o princípio
da liberdade de julgamento quanto às regras de direito, com expressão
no nº 3 do art. 5º845.
840
São exemplos de factos notórios, a distância entre as duas maiores cidades do país, a
realização de um evento de grande relevo (v. g., a Expo 98 ou o Euro 2004), um aconteci-
mento histórico ou político relevante (v. g., o 25 de Abril de 1974 ou o fim da soberania por-
tuguesa em Macau), a entrada em circulação do euro, a ocorrência de um sismo ou de um
incêndio de elevadas dimensões, a presença da Troika em Portugal entre 2011 e 2014.
841
A propósito dos factos notórios, cfr. Lebre de Freitas (Introdução..., ps. 169-171). Tei-
xeira de Sousa (As partes..., ps. 207-208). Para maior desenvolvimento, Castro Mendes
(Do conceito…, ps. 614 e ss, especialmente ps. 628-638).
842
Como assinala Teixeira de Sousa (As partes..., p. 208), a pretensa notoriedade de um
facto não pode obstar a que a parte interessada intente demonstrar que, afinal, o facto não é
real.
843
O que se pretende, segundo José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. III, p. 264), é
“desobrigar da prova os factos passados e provados noutro processo, factos esses que o tribunal conhece por
virtude do exercício das suas funções”.
844
Assim acontecerá, por exemplo, quando a causa constitua repetição de uma outra pen-
dente no mesmo tribunal ou já decidida por sentença, transitada em julgado, proferida pelo
mesmo tribunal. Pode também ocorrer quando o juiz introduz no processo um facto que já
foi demonstrado (documentalmente) num outro processo em que interveio (v. g., a morte
de uma das partes ou a transferência da propriedade de um imóvel).
845
Tenha-se presente que esta liberdade de julgamento deve, nos termos do nº 3 do art. 3º, res-
peitar a proibição de decisões-surpresa. Quando, ao elaborar a sentença, o juiz se consciencia-
362
TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
lize de que poderá vingar um enquadramento jurídico não equacionado pelas partes, seja nos
articulados [arts. 552º 1.d) e 572º c)], seja nas alegações orais produzidas na audiência final [art.
604º 3.e)], deverá ser assegurado àquelas a oportunidade de se pronunciarem à luz desse novo
enquadramento. Sobre este ponto, Lebre de Freitas (Introdução…, ps. 133-136).
846
É nesta altura que, com base na factualidade apurada, o juiz deve resolver as questões
de saber se a dívida foi contraída em proveito comum do casal [art. 1691º 1.c), 2 e 3 do CC], se
houve reputação como filho e tratamento como filho ou se houve concubinato duradouro, nas acções
de investigação de paternidade [art. 1871º 1.a) e c) do CC], se houve simulação na celebração
de um negócio (art. 240º do CC), se a alteração das circunstâncias em que as partes con-
trataram é anormal (art. 437º do CC), se o objecto ou fim do negócio é contrário à ordem pú-
blica ou ofensivo dos bons costumes (arts. 280º e 281º do CC), se os benefícios obtidos por um
dos contraentes através do contrato são excessivos ou injustificados (art. 282º do CC), se havia
velocidade exagerada, inadequada ou excessiva, se há necessidade de habitação pelo senhorio para
denúncia do arrendamento [art. 1101º a) do CC], se há violação de regras de higiene, de sossego e
de boa vizinhança pelo locatário [art. 1083º 2.a)], se o autor da testamento estava incapacitado
de entender o sentido da sua declaração (art. 2199º do CC).
847
Cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 672).
848
Cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual…, ps. 673-674).
363
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
849
Cfr. Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 318, nota de rodapé nº 5).
850
Cfr. Soares Gomes (Decisões judiciais…, p. 352).
364
E) Instrução
Outra das alterações trazidas pelo CPC de 2013 contende com os pre-
ceitos atinentes à instrução, isto é, à produção de prova em juízo. Tradi-
cionalmente, estes preceitos estavam incluídos nas disposições relativas
à tramitação da acção declarativa comum ordinária (arts. 513º a 645º do
CPC de 1961). Agora, encontram-se no Título V do Livro II do CPC de
2013, constituindo os arts. 410º a 526º.
Quer isto dizer que, quebrando a tradição do nosso sistema, os pre-
ceitos sobre a instrução foram deslocados para a parte geral do código,
o que se compreende se tivermos presente que as suas previsões não são
típicas ou exclusivas da acção declarativa, aplicando-se outrossim em to-
dos os domínios processuais em que haja lugar a diligências de produção
de prova, no processo declarativo ou no executivo, na forma comum ou
na especial, em acções, em procedimentos cautelares ou em incidentes.
Por outro lado, ao retirar-se cerca de uma centena e meia de preceitos da
regulamentação da acção declarativa, contribui-se para enfatizar o sen-
tido da concentração processual na acção declarativa e para destacar a
ideia de que a acção declarativa comum deve decorrer em torno de duas
audiências: a audiência prévia e a audiência final. Com efeito, atentando
na regulamentação da acção declarativa comum, verificamos que a au-
diência prévia está tratada nos arts. 591º a 593º, surgindo a audiência final
logo a partir do art. 599º. Acresce que está cada vez mais esbatida, se
não eliminada, a ideia de que a instrução constituía uma fase autónoma
do processo declarativo, o que supunha uma visão estanque e sequencial
da tramitação, algo que hoje não tem verdadeira correspondência com a
365
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 333). Aceitando também, embora
com reservas, Isabel Alexandre (A fase da instrução…, ps. 13-14). Criticando-a, Lebre de
Freitas (Sobre o novo...., p. 24).
366
INSTRUÇÃO
852
Sobre o conceito de prova e as acepções em que pode ser tomada, cfr. Manuel de An-
drade (Noções...., ps. 191-193), Varela/Bezerra/Nora (Manual…., ps. 440-443) e Castro
Mendes (Direito... 1987, Vol. II, ps. 659-661).
853
No CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, o objecto da prova era assim definido no art.
513º: “A instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam consi-
derar-se controvertidos ou necessitados de prova”. A formulação que hoje temos no art. 410º, não
visando uma solução tecnicamente diferente (pois a prova respeitará a factos concretos),
tem a incontornável virtude de afastar os riscos a que, durante anos, conduziu a interpreta-
ção do revogado art. 513º, preceito que até era tido como tecnicamente exacto. Revelando a
utilidade da formulação adoptada, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…,
Vol. I, p. 333-334). Apontando incorrecção terminológica ao art. 410º, Lebre de Freitas
(A ação declarativa...., p. 207).
854
O princípio iura novit curia, com expressão no nº 4 do art. 5º, tem por natural consequên-
cia não haver prova tendo por objecto o direito ou questões de direito. De todo o modo,
estando em causa a existência e o conteúdo de direito consuetudinário, local ou estrangeiro,
a parte que invocar este tipo de direito deve, nos termos do art. 348º 1 do CC, fazer a respec-
367
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
tiva prova, embora o tribunal deva indagar oficiosamente sobre a questão. A este propósito,
cfr. Manuel de Andrade (Noções…, p. 195) e Teixeira de Sousa (As partes…, ps. 213-215).
855
Como já se referiu, a propósito da fundamentação da sentença, assumem foros de essen-
cialidade (com o inerente juízo probatório) os pressupostos de facto que servem de base a
uma presunção legal, visto que a ilação tirada a partir deles corresponde a um resultado im-
posto por lei.
856
Cfr. Rosenberg (Tratado…., T. II, p. 209). São factos internos os que respeitam a estados
anímicos ou psíquicos.
857
Cfr. Varela/Bezerra/Nora (Manual..., ps. 408-409). É do domínio dos factos hipotéticos
a circunstância de os danos não serem evitados, ainda que houvesse a diligência devida (art.
492º 1 in fine do CC), a produção dos danos, ainda que não houvesse culpa (art. 493º 1 in fine
do CC) e a situação que o lesado teria caso não tivesse sofrido a lesão (art. 562º do CC).
858
Segundo Manuel de Andrade (Noções…, p. 194) podem ser objecto de prova: “tanto os
factos do mundo exterior (..) como os da vida psíquica”; (..), tanto os factos reais (…) como os hipotéti-
cos; tanto os factos nus e crus (…) como os juízos de facto”.
859
Para Anselmo de Castro (Direito…, Vol. III, p. 268), “são factos não só os acontecimentos ex-
ternos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”.
368
INSTRUÇÃO
Importa acrescentar que, sob pena de as mais das vezes saírem frus-
tradas as pretensões das partes, a prova produzida em juízo não tem pro-
priamente em vista a demonstração da realidade dos factos num grau de
certeza absoluta. Com efeito, nas palavras de Antunes Varela, a prova
“visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prá-
tica do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na cer-
teza relativa do facto”860. Também Lebre de Freitas, na senda de Castro
Mendes, assinala que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a reali-
dade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente
atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente
probabilidade ou verosimilhança” 861.
860
Antunes Varela, citado em Varela/Bezerra/Nora (Manual..., p. 436 e nota de rodapé
nº 1).
861
Lebre de Freitas (Introdução…, p. 200).
369
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
Por regra, quem propõe uma acção invoca determinado direito, daí
partindo para a formulação do concreto pedido. Na mesma linha, o de-
mandado, para além da eventual impugnação dos factos alegados na peti-
ção, é admitido a invocar matéria com virtualidade impeditiva, modifica-
tiva ou extintiva do direito invocado pelo demandante. Significa isto que
cada uma das partes terá o ónus de provar os factos susceptíveis de funda-
mentar a respectiva pretensão: ao autor (ou reconvinte) caberá provar os
factos que sustentam o direito por si feito valer; ao réu (ou reconvindo)
cumprirá a prova dos factos que sustentam a sua defesa por excepção.
Em virtude disso, isto é, por existir conexão entre a parte beneficiada
com a prova de determinado facto e o (óbvio) interesse dessa parte na
prova de tal facto, há uma certa tendência para fazer coincidir o conceito
de ónus da prova com o de iniciativa da prova. Em rigor, as coisas colo-
cam-se em três planos distintos: ónus de alegação; (conveniência da) inicia-
tiva da prova; ónus da prova862.
Para o reconhecimento de um direito em juízo, aquele que demanda
deverá sustentar a sua pretensão, o que passa pela observância do ónus de
alegação dos factos constitutivos desse direito, nos termos consignados
no nº 1 do art. 5º.
Tal direito apenas será reconhecido se os factos de que emerge forem
demonstrados em juízo. Em caso de falta de prova, tais factos não se te-
rão por demonstrados. E se houver dúvida sobre a realidade de um facto,
também isso levará a que se tenha por não provado tal facto.
Dado que a prova dos factos constitutivos do direito interessa ao au-
tor, como condição do reconhecimento do direito por si feito valer, dir-
-se-á que é da natureza das coisas a conveniência do autor na iniciativa da
prova, aportando aos autos os meios probatórios que tenha por aptos ao
convencimento do juiz. Sucede, porém, que a falta de iniciativa probató-
ria ou uma iniciativa mal sucedida não significam, sem mais, que o facto
deixe de ser demonstrado.
Por um lado, o art. 411º, consagrando o princípio do inquisitório, estabe-
lece o poder-dever de o juiz “realizar ou ordenar todas as diligências necessárias
ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de
Dando nota da não sobreposição dos conceitos, Lebre de Freitas (Introdução…, p. 177 e
862
nota de rodapé nº 60). Cfr. também Lebre de Freitas (A ação declarativa…, ps. 210-211).
370
INSTRUÇÃO
863
O art. 411º corresponde ao nº 3 do art. 265º do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96.
Remonta àquela Reforma a alteração da formulação legal relativa às competências instru-
tórias do juiz (de “o juiz tem o poder de ordenar” passou-se para “incumbe ao juiz realizar ou orde-
nar”), configurando tais competências como um poder-dever ou um poder vinculado. Neste sen-
tido, Lopes do Rego (Comentários…, ps. 259-260) e Lemos Jorge (Os poderes…, ps. 62-64).
864
Cfr. Castro Mendes (Do conceito..., ps. 166-167, e Direito... 1987, Vol. II, ps. 659-661).
865
A parte final do art. 413º ressalva as disposições que declarem irrelevante a alegação de
um facto, quando não seja feita por certo interessado. Em rigor, esta ressalva contende mais
com a articulação entre o ónus de alegação das partes e os poderes de cognição do tribu-
nal (art. 5º), já que o problema não está tanto a origem da prova, mas na circunstância de a
mesma revelar matéria que o juiz só pode considerar mediante a alegação da parte a quem
aproveitam (é o caso das excepções peremptórias inoficiosas). Dando nota disto, por refe-
rência aos arts. 264º e 515º do CPC de 1961 após a Reforma de 1995/96, Lebre de Freitas/
/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Anotado, Vol. 2º, p. 401).
866
Cfr. Manuel de Andrade (Noções…, p. 199).
371
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
867
Reflectindo sobre o exercício dos poderes instrutórios do juiz, Lemos Jorge (Os poderes…,
ps. 64-79).
868
Embora a omissão não conduza à irregularidade do articulado, a lei refere o requerimen-
to probatório como um dos elementos a incluir na petição inicial e na contestação, como se
vê pelos arts. 552º 2 e 572º d), respectivamente.
869
Acerca do princípio da auto-responsabilidade das partes, Lebre de Freitas (Introdução…,
ps. 181-183).
870
Embora a propósito de outra vertente, Lemos Jorge (Os poderes…, ps. 67) mostra bem
que se colocam em planos diferentes (logo, não inconciliáveis) o direito das partes à prova
(“destinado a tutelar os seus interesses”) e o poder-dever do juiz (“destinado a tutelar um interesse
público de descoberta da verdade, instrumental à realização da justiça”).
871
É à luz deste critério que, segundo cremos, deve ser tomado o que Lebre de Freitas
(Introdução…, p. 176) escreve nos termos seguintes: “ao juiz cabe, no campo da instrução do pro-
cesso, a iniciativa e às partes incumbe o dever de colaborar na descoberta da verdade, respondendo ao que
lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e prati-
cando os atos que forem determinados”. A leitura desenquadrada do segmento citado poderia
372
INSTRUÇÃO
induzir uma ideia excessiva: a legitimação da absoluta inércia da parte. O equilíbrio do nosso
regime legal resulta da intersecção de duas dimensões: por um lado, o ónus da iniciativa
probatória das partes; por outro, o poder-dever do juiz em sede instrutória. Daqui resulta o
seguinte: jamais as partes podem encontrar naquele poder-dever um pretexto para negli-
genciarem a sua iniciativa probatória; jamais o juiz pode ver naquela iniciativa probatória
um alibi para a sua própria inércia. O critério firmado no art. 411º coloca a questão ao nível
da necessidade das diligências probatórias para o apuramento da verdade e para a justa com-
posição do litígio. Verificando-se o pressuposto da necessidade, o juiz tem um dever oficial de
agir. Não se verificando o pressuposto, inexistirá aquele dever.
872
Note-se que a operância do critério contido no art. 414º conduz apenas a isto mesmo: é
dado como “não provado” o facto. Tal critério não implica já que se dê como provado o facto
contrário. Parecendo ter ideia diferente, Teixeira de Sousa (As partes..., p. 216).
873
O art. 414º estabelece um outro critério: a dúvida sobre a repartição do ónus da prova é
resolvida contra a parte a quem o facto aproveita.
373
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
374
INSTRUÇÃO
375
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
376
INSTRUÇÃO
Com efeito, instalada a dúvida sobre o facto, o julgador não o pode dar
como provado883.
A prova plena é aquela que apenas é abalada pela prova do contrário.
Produzida prova legal plena, a forma de evitar que o julgador dê o res-
pectivo facto como provado é demonstrar que, afinal, o facto não ocorreu
(art. 347º do CC). É este o regime que caracteriza as presunções legais
iuris tantum, relativas ou ilidíveis (art. 350º 2 do CC)884. Assim acontece
também com os documentos autênticos (art. 371º do CC), cuja força pro-
batória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (art. 372º do CC)885.
A prova pleníssima não pode ser abalada sequer por prova do contrário,
sendo característica das presunções legais iuris et de iure, absolutas ou ini-
lidíveis, a que alude a parte final do nº 2 do art. 350º do CC886. Neste con-
texto, importa notar que a impossibilidade de ilisão respeita ao próprio
facto presumido. Assim, a parte contrária não está inibida de impugnar
o facto que sustenta a presunção, acabando por impedir que aquela seja
accionada.
883
É exemplo o regime do art. 374º do CC, em que o valor probatório da letra e da assinatura
de documento pode ser posto em causa mediante simples impugnação da parte contrária,
o que conduz a um estado de dúvida acerca da respectiva veracidade. Assim, caberá à parte
que quer prevalecer-se do documento suplantar essa dúvida, o que passará por outras vias
probatórias.
884
É esta circunstância, aliás, que determina a inversão do ónus da prova consignada na pri-
meira do nº 1 do art. 344º.
885
Note-se que há restrições à prova testemunhal perante facto plenamente provado por do-
cumento ou por outro meio com força probatória plena (art. 393º 2 do CC), sendo que tais
restrições se estendem à presunção judicial (art. 351º).
886
Contêm presunções inilidíveis os arts. 243º 3, 579º 2, 1260º 3 e 2198º 2 do CC.
887
Por vezes, fala-se em prova por presunções, o que poderia induzir a ideia de que as presun-
ções seriam mais um meio prova (note-se que as presunções são referidas nos arts. 349º a
351º do CC, imediatamente antes dos diversos meios de prova tratados neste diploma legal).
Em rigor, as presunções não são meios de prova, na medida em que não são aptas à demons-
tração de factos, suportando outrossim um raciocínio que conduzirá à assunção de um facto
(o facto presumido). Deste modo, as presunções valem como meio de dispensa de prova do
facto presumido. Neste sentido, Teixeira de Sousa (As partes…, p. 210). Confirmando que
“a prova por presunções não tem autonomia processual” e assinalando que “o facto que serve de base à
presunção será provado por qualquer outro meio”, Manuel de Andrade (Noções…, p. 217).
377
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
pericial (arts. 388º e 389º), prova por inspecção (arts. 390º e 391º) e prova
testemunhal (arts. 392º a 396º).
888
Como manifestação deste princípio, cfr., entre outros, os arts. 461º 1, 467º 2, 468º 2,
471º 1, 474º, 476º 1, 480º 3 e 4, 485º 2, 491º, 514º, 518º 2, 521º e 523º. Cfr. ainda o art. 420º 2,
sobre a produção antecipada de prova, e o art. 427º, quanto à prova documental.
378
INSTRUÇÃO
7. Actividade instrutória
Salvo quando a atitude da parte (ora confirmando, ora não impugnando
o alegado pela contraparte) leva à demonstração dos factos, a formação
da convicção do juiz acerca dos factos da causa implica a produção de
prova, querendo isto significar o desenvolvimento de certa actividade
processual traduzida na utilização de meios virtualmente aptos a con-
tribuírem para o convencimento do julgador. Esta actividade processual
pode ser abordada em diversos planos, desde o da indicação dos meios
de prova de que as partes pretendem fazer uso até à determinação ofi-
ciosa de diligências de prova, passando pela concreta produção de prova
e culminando na análise e valoração das provas.
889
O nº 3 do art. 417º prevê os casos em que a recusa de colaboração é legítima.
890
Sobre este ponto, cfr. o art. 357º 2 do CC, bem assim os arts. 429º e 430º.
891
Nesta situação, o nº 2 do art. 598º confere à parte contrária igual faculdade, sendo esta
notificada para esse efeito e dispondo de 5 dias, sendo certo que, tal como prescreve o
379
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
nº 3 do art. 598º, as testemunhas assim aditadas ou alteradas pelas partes são a apresentar
por elas.
892
Atente-se que é equiparado ao documento particular o documento electrónico cujo con-
teúdo seja passível de apresentação como declaração escrita, nos termos do art. 3º do DL
nº 290-D/99, de 2.8, diploma que regula a validade, eficácia e valor probatório dos do-
cumentos electrónicos e assinatura digital. Sobre este ponto, cfr. Lebre de Freitas (A ação
declarativa..., ps. 241-242).
380
INSTRUÇÃO
893
Para mais desenvolvimentos acerca do regime da prova por documentos, Lebre de Frei-
tas (A ação declarativa..., ps. 227-249) e Teixeira de Sousa (As partes…, ps. 243-252).
894
É esse propósito que justifica a solução do acordo de agendas na marcação da audiência
final [arts. 151º e 591º 1.g) e 593º 3] e a restrição das condições em que pode ocorrer a sus-
pensão da instância por acordo das partes (art. 272º 4), como já se disse.
895
Antes da vigência do CPC de 2013, o limite para esta apresentação posterior de do-
cumentos era o encerramento da discussão em 1ª instância (art. 523º do CPC de 1961), o que
tinha por efeito, tantas e tantas vezes, provocar o adiamento da audiência final ou a suspen-
são dos trabalhos, de modo a assegurar o exercício do contraditório. Além disso, a junção
de documentos no decurso da audiência final funcionava como elemento perturbador dos
depoimentos em curso. Agora, a antecedência imposta relativamente ao início da audiência
final assegura o oportuno contraditório e obvia a intuitos exclusivamente dilatórios.
896
Esta antecedência fixada na lei deve ser entendida como reportada à data em que a au-
diência final se realize efectivamente. Assim, em caso de eventual adiamento (art. 603º), rea-
bre-se a hipótese de apresentar documentos até 20 dias antes da nova data. Neste sentido,
Lebre de Freitas (A ação declarativa…, p. 249, nota de rodapé nº 65A).
897
Cfr. o art. 427º, sobre a necessidade de notificação à parte contrária da junção de do-
cumento com o último articulado ou depois dele.
381
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
898
Encerrada a discussão em 1ª instância, o art. 425º regula a possibilidade de, já em recurso,
serem admitidos documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Importa ainda atentar no nº 1 do art. 651º, que prevê a junção de documentos em recurso
num outro quadro: o de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento profe-
rido na 1ª instância.
899
Da conjugação do art. 426º com o nº 2 do art. 651º resulta o seguinte: os pareceres de advo-
gados (mas não dos que patrocinam as partes: Ac. do TRE de 27.5.1976 − BMJ, 260º-185),
professores ou técnicos podem ser juntos em qualquer estado do processo, nos tribunais de
1ª instância; já em 2º instância, as partes apenas podem juntar pareceres de jurisconsultos,
e não de outros técnicos, sendo o limite dessa junção o início do prazo para a elaboração
do projecto de acórdão. Neste contexto, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras
notas…, Vol. II, p. 80) referem a hipótese de ser junto à alegação de recurso, quando é im-
pugnada a decisão sobre a matéria de facto, “parecer técnico não jurídico”, dada a sua função de
esclarecer o julgador quanto a factos de natureza técnica.
900
Cfr. os arts. 430º e 431º, sobre a hipótese de não apresentação do documento. Por ou-
tro lado, acerca da utilização de documentos em poder de terceiro, cfr. os arts. 432º a 434º.
382
INSTRUÇÃO
383
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
905
O depoimento pode também ser prestado na audiência prévia (art. 456º 3).
906
Contudo, o depoimento pode ocorrer noutro lugar e momento, quando se verifiquem as
circunstâncias indicadas no nº 1 do art. 556º e no art. 557º. Por outro lado, se a parte re-
sidir fora do município onde se encontra sediado o tribunal ou o juízo, o depoimento será
prestado por meio de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visu-
al e sonoro, em tempo real, a partir do tribunal ou do juízo da área da sua residência (arts.
456º 2 e 502º).
907
Quanto à ordem dos depoimentos, cfr. o art. 458º.
908
Mas nunca sobre factos criminosos ou torpes de que a parte seja arguida (art. 454º 2).
909
Cfr. Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto (CPC Anotado, Vol. 2º,
p. 481).
384
INSTRUÇÃO
910
No art. 563º do CPC de 1961, previa-se a redução do depoimento a escrito, mesmo que
tivesse sido gravado. À luz do CPC de 2013, a gravação ocorre sempre (art. 155º), pelo que o
art. 463º deixou de fazer qualquer alusão à gravação, mantendo a exigência da redução a es-
crito. Quanto ao regime das confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos arti-
culados, cfr. os arts. 46º e 465º 2.
911
Para mais desenvolvimentos acerca do regime da prova por confissão, Lebre de Freitas
(A ação declarativa..., ps. 255-276) e Teixeira de Sousa (As partes…, ps. 241-243).
912
Recordando diversos aspectos do regime anterior ao CPC de 2013, Isabel Alexandre (A
fase da instrução…, ps. 26-30).
385
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
depor como testemunha arrolada pela sua entidade patronal, mas o ge-
rente ou o administrador, porque legais representantes da sociedade, ape-
nas poderão depor em sede de depoimento de parte. Mais um exemplo:
em acções que contendam com relações jurídicas indisponíveis, como a
acção de divórcio, não é possível requerer o depoimento de parte do ou-
tro cônjuge com vista a produzir prova, por não ser admissível confissão.
Noutro plano, importa reconhecer que, no decurso da produção de
prova em audiência, pode suceder que certos aspectos não fiquem sufi-
cientemente clarificados, havendo pertinência em esclarecer, precisar ou
concretizar esses pontos, sob pena de escaparem à percepção do julgador
ou tal percepção não ser a mais adequada. Às vezes, só mesmo as partes
podem assegurar isso. No regime anterior, ou o juiz se consciencializava
dessa conveniência e tinha a iniciativa de pedir os esclarecimentos, ou
então as partes não podiam voluntariar-se para esse efeito.
O CPC de 2013, mantendo, como se disse, o regime tradicional, pas-
sa a prever a possibilidade de as próprias partes tomarem a iniciativa de
prestação de declarações, nisto consistindo a prova por declarações de parte,
regulada no art. 466º.
É de notar, desde logo, que esta figura tem carácter voluntário, na me-
dida em que é a própria parte que se oferece para depor, requerendo a
prestação de declarações (art. 466º 1)913. Depois, estas declarações ape-
nas podem recair sobre factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente
ou de que tenha conhecimento directo (art. 466º 1). Além disso, e ao contrá-
rio da generalidade dos meios de prova, que devem ser indicados em mo-
mento prévio, o requerimento relativo à prova por declarações de parte
913
A natureza voluntária das declarações de parte significa que este meio de prova não pode
ser requerido pela contraparte nem determinado oficiosamente pelo juiz. Quanto à parte
contrária, tem ao seu dispor o regime do depoimento de parte (art. 452º 2), até porque,
esse sim, tem intuito confessório. Por seu turno, o juiz tem ao seu dispor mecanismos ade-
quados e suficientes, ora determinando o depoimento de parte (art. 452º 1), ora solicitando
esclarecimentos (art. 7º 2). O sentido e a função desta nova figura não parece consentir ou-
tro entendimento. Com idêntica posição, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 278).
Também assim, embora referindo que a questão oferece dúvidas, Isabel Alexandre (A
fase da instrução…, p. 31). Admitindo a determinação oficiosa das declarações de parte, com
base no art. 411º, Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 365).
Na jurisprudência, rejeitando a oficiosidade, cfr. o Ac. do TRL de 10.4.2014 (processo
nº 2022/07.1TBCSC-B.L1-2), admitindo a oficiosidade, cfr. o Ac. do TRG de 17.9.2015 (pro-
cesso nº 912/14.4TBVCT-A.G1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
386
INSTRUÇÃO
pode ser apresentado até ao início das alegações orais em 1ª instância (nº 1 do
art. 466º). Cumpre ainda notar que, ao propor-se prestar depoimento
neste contexto, a parte deve indicar os factos sobre que há-de recair o seu
depoimento (art. 452º 2 ex vi art. 466º 2)914.
Tratando a questão da força probatória das declarações de parte, o
nº 3 do art. 466º estabelece que tais declarações estão sujeitas ao regime
da livre apreciação do tribunal, em conexão, de resto, com nº 5 do art.
607º, a não ser que constituíam confissão, pois aí teremos já o sistema de
prova vinculada915.
Face ao sistema probatório instituído, o mais provável é que a prova
por declarações de parte tenha uma natureza essencialmente supletiva,
isto é, será um meio ao qual as partes recorrerão nos casos em que, face à
natureza pessoal dos factos a averiguar, pressintam que os outros meios
probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convenci-
mento do juiz. Nessas situações, embora não exclusivamente nessas, é
natural que a parte seja levada a supor que o seu próprio depoimento
terá a virtualidade de contribuir para que a convicção do juiz se forme em
sentido favorável à sua pretensão916.
O carácter supletivo da prova por declarações de parte é induzido, aliás,
por duas circunstâncias. Por um lado, por não ser exigida a sua menção
no requerimento probatório inicial, como acontece com os demais meios
de prova. Por outro lado, por poder ser requerido até ao início das ale-
gações orais em 1ª instância, isto é, até ao último momento em que, em
curso normal, é possível a produção de prova917.
914
A omissão dessa indicação dos factos deve suprida mediante convite judicial. Nesse sen-
tido, cfr. o Ac. do TRP de 18.12.2013 (processo nº 114/09.1TBETR-A.P1) e o Ac. do TRG de
12.11.2015 (processo nº 7178/11.6TBBRG-A.G1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
915
Nos termos do nº 2 do art. 466º, à prova por declarações de parte aplica-se o disposto no
art. 417º (dever de cooperação para a descoberta da verdade) e ainda, com as necessárias
adaptações, a regulamentação sobre o depoimento de parte (arts. 452º a 465º). Assim, o
interrogatório deverá ser feito pelo juiz (art. 460º), podendo os advogados pedir directa-
mente esclarecimentos ao depoente (art. 462º). Havendo confissão, o depoimento é redu-
zido a escrito (art. 463º 1).
916
Esta disposição (este impulso, às vezes) para depor comporta riscos, já que bem pode
suceder que, em vez de conseguir o seu propósito, a parte declarante acabe por ficar vin-
culada a afirmações de conteúdo confessório.
917
Como resulta da colocação da alínea e) do nº 3 do art. 604º e do teor do nº 4 do mesmo
preceito, as alegações orais são o último acto a praticar na audiência final e apenas depois de
concluídas as diligências de produção de prova.
387
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
918
A não ser assim, ter-se-ia de admitir que a parte (não presente na audiência) anunciasse
ao juiz, através do respectivo mandatário, a intenção de prestar declarações para os efeitos
do art. 466º, com a necessidade de a audiência final prosseguir noutra sessão para esse efeito.
É de reconhecer que tal solução, além poder servir intuitos dilatórios, não joga com a opção
legislativa assente no relevo da programação da audiência final e na tendencial inadiabili-
dade desta. De todo o modo, visto que o direito à prova merece tutela adequada, haverá, por
certo, circunstâncias em que o juiz, consciencializando-se do eventual relevo das declara-
ções da parte não presente na audiência, deverá admitir que o requerimento seja formulado
pelo mandatário e a parte ouvida entretanto. Nesta ponderação, entende-se que o juiz ha-
verá de considerar as razões pelas quais a parte não está presente (na certeza de que a pre-
sença em audiência não é obrigatória, salvo havendo convocatória expressa) e as razões pelas
quais não antecipou a conveniência do requerimento agora formulado. Desde modo, não se
adere por inteiro ao entendimento de Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras no-
tas…, Vol. I, p. 365), mas reformula-se posição assumida noutro local: João Correia/Paulo
Pimenta/Sérgio Castanheira (Introdução ao estudo…, ps. 57-58).
919
Tudo isto não obsta a que, em raciocínio similar ao exposto na nota anterior e em home-
nagem ao direito à prova, o juiz admita que a manifestação de vontade quanto à prestação
388
INSTRUÇÃO
389
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
ver esclarecidas com este meio de prova (art. 475º 1)924. Se entender que
a diligência requerida é pertinente, o juiz, depois de ouvir a parte contrá-
ria (art. 476º 1), fixa o objecto exacto da perícia (art. 476º 2)925. Quando
o juiz determinar oficiosamente a realização de perícia, deverá no des-
pacho fixar o respectivo objecto, sendo as partes admitidas a sugerir o
alargamento a outra matéria (art. 477º).
A perícia tem início em data e local designados pelo juiz (art. 478º 1) e
os peritos, após a prestação do respectivo compromisso (art. 479º), pro-
cedem à inspecção e averiguações necessárias à elaboração do relatório
pericial (arts. 480º a 483º). O resultado da perícia é expresso em relatório,
no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre a
matéria que constitui o objecto da perícia (art. 485º).
Notificado o relatório às partes (art. 485º 1), estas são admitidas a
apresentar reclamação contra o mesmo, com fundamento em deficiên-
cia, obscuridade ou contradição, ou alegando que as conclusões não estão
devidamente fundamentadas (art. 485º 2). Não havendo motivo para de-
satender as reclamações, o juiz determinará que o perito complete, escla-
reça ou fundamente o relatório (art. 485º 3)926.
924
A perícia pode reportar-se tanto aos factos alegados pelo requerente, como aos alegados
pela parte contrária (art. 475º 2).
925
Nos termos consignados no art. 474º, a parte que requereu a perícia não pode desistir
dela sem a anuência da parte contrária.
926
Ainda que não haja reclamações, sempre pode o juiz ordenar que o perito complete,
esclareça ou fundamente o relatório (art. 485º 4).
927
Este prazo conta-se da notificação do relatório pericial (art. 485º 1), mas, se houver recla-
mações contra o relatório (art. 485º 2), conta-se da notificação do relatório complementar.
390
INSTRUÇÃO
928
Com posição diferente, admitindo que à perícia singular se siga uma colegial e o inverso,
Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 378).
929
O juiz pode ser acompanhado por técnico apto a elucidá-lo sobre a averiguação e inter-
pretação dos factos que se propõe observar, técnico esse que, nomeado no despacho que
determina a inspecção, deverá comparecer na audiência final (art. 492º).
391
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
392
INSTRUÇÃO
932
Acerca desta nova figura, António Martins (Código…, p. 222) antecipa que “pode ter rele-
vância, em termos de celeridade do processo e de fiabilidade da prova, a produção deste meio de prova, em
acções em que, não sendo necessária ou justificável a inspecção judicial, ainda assim o conhecimento físico
das características do local ajudará na percepção e valoração da restante prova, como sucederá nas acções
reais de reivindicação, nas acções respeitantes a acidentes de viação e nas acções tendo por objecto contrato
de empreitada”.
933
Como é evidente, a circunstância de haver perícia não inibe o juiz de realizar uma inspec-
ção judicial, mas a função desta última diligência é somente a da “percepção directa dos factos
pelo tribunal” (art. 390º do CC).
934
Não obstante, Lebre de Freitas (A ação declarativa..., p. 300) afirma que a verificação não
judicial qualificada “mais não se trata do que de um perícia”. Também Isabel Alexandre (A fase
da instrução…, p. 42) entende esta figura como modalidade de prova pericial. No sentido do
texto, situando a questão no quadro base da inspecção judicial, Ramos de Faria/Ana Luísa
Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, ps. 381-382).
935
Também Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 382) afirmam
que a qualificação varia em função do objecto da diligência.
936
Explicitando o sentido a dar à primeira parte do nº 2 do art. 494º, Ramos de Faria/Ana
Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, ps. 383-384).
393
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
937
Os arts. 393º, 394º e 395º do CC estabelecem restrições quanto à prova testemunhal,
assim afastando este meio de prova. Precisando o alcance destas restrições, Lebre de Frei-
tas (A ação declarativa..., ps. 280-283). Não obstante, admitindo a prova testemunhal acer-
ca do acordo simulatório, quando haja início de prova documental, cfr. o Ac. do TRG de
12.11.2013 (processo nº 243/1999.G1), disponível em www.dgsi.pt.
938
Há alguns casos de recusa legítima a depor (art. 497º 1), devendo as pessoas que se encon-
trem nessa situação ser advertidas pelo juiz da faculdade de se recusar a depor (art. 497º).
Se o juiz não fizer essa advertência, será cometida uma nulidade secundária (art. 195º 1), a ar-
guir pela parte interessada, no próprio momento ou, pelo menos, enquanto o acto (sessão da
audiência final) não terminar, desde que essa parte esteja presente, por si ou por mandatário
(art. 199º 1).
939
O nº 3 do art. 497º estabelece que devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao
segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativa-
mente aos factos abrangidos pelo sigilo, sendo aplicável então o regime do nº 4 do art. 417º.
940
Porque releva a data da realização efectiva, caso a audiência não se realize na data pre-
vista, fica sempre em aberto o regime do art. 598º 2. Neste sentido, Lebre de Freitas
(A ação declarativa..., p. 286, nota de rodapé nº 21A).
941
Neste contexto, é de observar o disposto no art. 510º. Por outro lado, a falta de testemu-
nha não constitui motivo de adiamento dos outros actos de produção de prova, sendo ouvidas
394
INSTRUÇÃO
as testemunhas não faltosas (art. 508º 2). Relativamente às testemunhas faltosas, para além
de aplicação de multa, faltando injustificadamente, pode ser determinado que compareçam
sob custódia (art. 508º 4). Tal sanção não será aplicada, porém, se a audiência for adiada por
razão estranha à falta da testemunha, desde que a parte se comprometa a apresentar a teste-
munha na nova data (art. 508º 5).
942
Havendo vários réus e várias contestações, o limite de testemunhas afere-se por cada
contestação apresentada. Porém, para este efeito, exige-se uma pluralidade material de
contestações. Se as diversas contestações tiverem o mesmo conteúdo, essa pluralidade será
meramente formal, não havendo razão para o limite de testemunhas ser considerado para
cada contestante. Já assim se pronunciava José Alberto dos Reis (CPC Anotado, Vol. IV, ps.
407-408).
943
Consideram-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol ultrapassem o limite
legal (art. 511º 3).
944
Embora a lei não o diga expressamente, deve entender-se que esta redução para metade é
também de observar quando haja reconvenção cujo valor não exceda a alçada da 1ª instância.
945
A irrecorribilidade funciona apenas quando o juiz defere o pedido para ser ultrapassado
o limite de testemunhas, sendo já recorrível o despacho que indefira tal pretensão, porquanto,
sendo embora uma decisão de gestão processual, contende com a admissibilidade de meios
de prova, ficando submetida ao regime do nº 2 do art. 630º. Com entendimento similar,
Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro (Primeiras notas…, Vol. I, p. 396).
946
Cfr. a segunda parte do nº 2 do art. 498º.
395
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
947
Esta solução foi importada do regime previsto no nº 5 do art. 11º do DL nº 108/2006,
de 8.6.
948
Note-se que a redacção do art. 502º resulta de alteração legislativa operada pela Lei
nº 40-A/2016, de 22.12 (diploma que reviu a LOSJ, nos termos já referidos). Agora, a lei alu-
de à inquirição “por meio de equipamento tecnológico”, em vez de “por teleconfência”. Pena é que a
nova redacção do art. 502º não tenha sido acompanhada de cuidada alteração terminológica
em diversos outros preceitos, desde logo os seguintes: 456º 2; 486º 2; 500º e 507º 2. Não
obstante, noutros lugares deste texto, já foi utilizada terminologia conforme à nova redacção
do art. 502º.
949
Relativamente à compensação a que, nos termos do art. 525º, as testemunhas têm direito,
em virtude da sua comparência para depor, cfr. a Portaria nº 419-A/2009, de 17.4.
950
Ǥͭͨͩº, as testemunhas são inquiridas no local da questão,
quando o juiz, por si ou a requerimento das partes, o entenda por conveniente.
951
Cfr. o art. 520º, acerca da possibilidade de depoimento através de comunicação directa
com o tribunal.
396
INSTRUÇÃO
952
Quanto à ordem dos depoimentos, havendo mais de uma testemunha a inquirir, o nº 1 do
art. 512º manda ouvir primeiro as testemunhas do autor e depois as do réu, pela sequência
constante do respectivo rol, salvo se o juiz determinar a alteração da ordem (por despacho
que deve ser fundamentado) ou se as partes acordarem nessa alteração. Cfr. o art. 512º 2,
para o caso de a testemunha ser funcionário da secretaria.
397
PROCESSO CIVIL DECLARATIVO
953
Esta circunstância não deve fazer recear depoimentos intermináveis. Os depoimentos
testemunhais correspondem a um meio de prova que as partes têm o direito de utilizar em
juízo, devendo o juiz retirar daí o melhor proveito para formar a sua convicção, em conjunto
com os demais elementos disponíveis. Mas como as testemunhas devem indicar a razão da
ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o seu conhecimento (art. 516º 1),
o juiz deverá ser rigoroso neste ponto. Além disso, deverá o juiz atentar se os advogados
fazem perguntas pertinentes ou impertinentes, não permitindo estas últimas (art. 517º 3).
Finalmente, em termos mais genéricos, o art. 602º 2.d) confere ao juiz poderes no sentido
de exortar os mandatários a abreviarem inquirições e instâncias manifestamente excessivas e
impertinentes e a cingirem-se à matéria relevante para o julgamento da causa.
954
Assinalando a diferença entre os esclarecimentos a pedir pelo juiz no decurso do interrogató-
rio e das instâncias e as perguntas a colocar à testemunha no final do depoimento, Lebre de
Freitas (A ação declarativa..., ps. 289-290 e nota de rodapé nº 31).
398
INSTRUÇÃO
quer por diminuirem a fé que ela possa merecer (art. 521º). O incidente
é deduzido quando o depoimento termina, e processa-se nos termos do
art. 641º.
A acareação, que pode ser suscitada oficiosamente ou a requerimento
das partes, destina-se a confrontar quem tiver deposto contradito-
riamente acerca de determinado facto, sendo admitida a propósito de
depoimentos testemunhais, como destes e do depoimento de parte (art.
523º). Este incidente é processado nos termos do art. 524º.
955
Neste sentido, Varela/Bezerra/Nora (Manual…, p. 493). Cfr., sobre a questão, o Ac. do
TRC de 19.5.1981 (CJ, 1981, III-204).
956
Fala-se em princípio de prova para referir figuras que, por si, não são bastantes para assegu-
rar a prova de um facto, valendo apenas na medida em que permitam, conjugadamente com
outros elementos, tal prova. Sobre os graus de prova, distinguindo prova stricto sensu, mera
justificação e princípio de prova, Teixeira de Sousa (As partes…, ps. 200-204).
399