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A ideia de acesso à justiça e os Juizados Especiais Cíveis

O acesso à justiça e a sua concepção de efetividade


O acesso à justiça é uma garantia, uma visão humana social sobre o viver em sociedade. A simples
possibilidade de um indivíduo estar em sociedade, à margem do acesso à justiça é atentatória ao direito
natural de cada ser.
Mas, como conceituar bem essas palavras: acesso à justiça? Não há um meio fácil de pensar no acesso à
justiça e sua conceituação, justamente pela pluralidade de meios de se ter acesso à justiça, mas, numa
tentativa macro, este acesso deve ser visto como a possibilidade de todo e qualquer indivíduo de alcançar
os seus direitos, a abertura social para a efetividade da vida humana enquanto um ser dotado de direitos
para tanto.
Kazuo Watanabe tem uma visão específica sobre o acesso à justiça, especificando que esta deve ser vista
não somente como uma simples acesso à justiça, mas como um conjunto de elementos que possibilitem
uma qualidade neste acesso à justiça:
“São seus elementos constitutivos: a) o direito de acesso à Justiça é, fundamentalmente,
direito de acesso à ordem jurídica justa; b) são dados elementares desse direito:
(1) o direito à informação e perfeito conhecimento do direito substancial e à organização
de pesquisa permanente a cargo de especialistas e ostentada à aferição constante da
adequação entre a ordem jurídica e a realidade sócio-econômica do país;
(2) direito de acesso à justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos
na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica
justa;
(3) direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva
tutela de direitos;
(4) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à
Justiça com tais características.
Jorge Vargas explica essa situação:
O acesso à Justiça tanto pode ser formal como material ou efetivo. É meramente formal aquele
que simplesmente possibilita a entrada em juízo do pedido formulado pela parte. Isto não
basta. É importante garantir o início e o fim do processo, em tempo satisfatório, razoável, de tal
maneira que a demora não sufoque o direito ou a expectativa do direito. O acesso à justiça tem
que ser efetivo. Por efetivo entenda-se aquele que é eficaz.
Didier Jr. argumenta que há a necessidade de uma tutela jurisdicional adequada, com a necessidade de sua
efetiva concretização para que seja realmente uma acesso à justiça.
Sucede que a mera afirmação destes direitos em nada garante a sua efetiva concretização. É
necessário ir-se além. Surge, assim, a noção de tutela jurisdicional qualificada. Não basta a
simples garantia formal do dever do Estado de prestar a Justiça; é necessário adjetivar esta
prestação estatal, que há de ser rápida, efetiva e adequada. Esta última característica é que
aqui nos interessa: atualmente, fala-se em tutela jurisdicional adequada. O que significa? O
princípio da inafastabilidade garante uma tutela jurisdicional adequada à realidade da
situação jurídico-substancial que lhe é trazida para solução. Ou seja, garante o procedimento, a
espécie de cognição, a natureza do provimento e os meios executórios adequados às
peculiaridades da situação de direito material. É de onde se extrai, também, a garantia do
devido processo legal. E daí se retira o princípio da adequação do procedimento, que nada
mais é do que um subproduto do princípio da adequação da tutela jurisdicional.
As ondas renovatórias de acesso à justiça
Mauro Cappelletti e Bryant Garth versam sobre a necessidade estatal de proporcionar ondas de acesso à
justiça, como uma função protagonista da tutela jurisdicional a possibilitar para a sociedade uma
visualização de um caminho real na solução dos conflitos. Não basta somente efetivar a inafastabilidade da
justiça a todo e qualquer cidadão, mas enfatizar e almejar esta acessibilidade como meio de solução e como
forma de alcançar a paz social.
Entretanto, sempre existem obstáculos para essa acessibilidade que, numa inconsciência social, realmente
efetiva. Alcançar o aspecto material do acesso à justiça é quase uma utopia, enquanto sociedade geral, mas
cada nação e seu sistema político, para que se possa pensar como Estado democrática de direito, deve
almejar transpor os possíveis obstáculos que impeçam o devido acesso à justiça.
Mais quais seriam os possíveis obstáculos? Cappelletti e Garth colocam estes obstáculos como existentes e
reais, mas que necessitam de uma “identificação desses obstáculos, consequentemente, é a primeira tarefa
a ser cumprida.”
Exemplificam algumas possibilidades como:
1. A existência de custas judiciais que inviabilizam os menos favorecidos de acessar o
judiciário, as grandes quantidades de pequenas causas, o tema e sua relação com a resolução
da demanda judicial
2. As possibilidades das partes
3. Problemas especiais dos direitos difusos
A divisão das ondas renovatórias
As ondas renovatórias do acesso à justiça foram dividias em três, na seguinte ordem:
 A primeira onda está relacionada à assistência judiciária aos hipossuficientes economicamente, que
encontram dificuldade em ter acesso à justiça, visto os custos econômicos para dar início a um
procedimento jurisdicional.
O art. 5º, inciso LXXIV da Constituição, a existência da Defensoria Pública e o disposto nos arts. 98 a
102 do CPC, são expressões de materialização desta primeira onda renovatória do acesso à justiça.
O cerne desta primeira onda de acessibilidade passa justamente por criar mecanismos para
propiciar, para os economicamente menos favorecidos, meios para que possa judicializar as suas
demandas.
Entretanto, não somente deve recair na isenção do pagamento das custas, que é deveras
importante, mas, de igual modo, numa justiça que privilegia o jus postulandi, deve garantir também
a acessibilidade do menos favorecido à assistência judiciária gratuita num outro viés, que passa por
possibilitar que haja uma prestação de serviços advocatícios para estes indivíduos, tomando por
base, nos dizeres de Angelo Gianakos:
“importante é definir que assistência judiciária [...] não se confunde com a gratuidade
de justiça [...]. A assistência tem o sentido de auxílio, ajuda. Assistir significa dar
auxílio, acompanhamento, presença junto com alguém.”
Esta onda passa pela acessibilidade dos menos favorecidos à advocacia, à prestação destes serviços
específicos, seja para atender os requisitos adequados da prestação jurisdicional, com a
possibilidade de ter a assistência de um profissional advocatício, não somente para intentar a
demanda, mas, de igual forma, para conseguir uma assessoria com a determinada técnica para
exercer tal desiderato.
Não somente a expectativa que este profissional intente com a demanda, mas que preste os
serviços de forma eficaz e tecnicamente adequada. Cappelletti e Garth explicam da seguinte
maneira:
Os pobres estão obtendo assistência judiciária em números cada vez maiores, não
apenas para causas de família ou defesa criminal, mas também para reivindicar seus
direitos novos, não tradicionais, seja como autores ou como réus. É de esperar que as
atuais experiências sirvam para eliminar essas barreiras. A assistência judiciária, no
entanto, não pode ser o único enfoque a ser dado na reforma que cogita do acesso à
Justiça. Existem limites sérios na tentativa de solução pela assistência judiciária. Antes
de mais nada, para que o sistema seja eficiente, é necessário que haja um grande
número de advogados, um número que pode até exceder a oferta, especialmente em
países em desenvolvimento.
O acesso ao judiciário, como já vimos, é uma das formas de acesso à justiça, a principal delas e a
sociedade deve não somente ter a possibilidade de demandas, mas visualizar que conseguirá sem
prejudicar a sua subsistência. A Lei 1.060/50 surge como uma resposta a esse empecilho, essa
barreira ao acesso à justiça. No CPC/2015 houve a revogação desta lei nos aspectos da
aplicabilidade no âmbito civil, com a recepção de todos os direitos ali garantidos e ampliação da
sistemática de benefício a justiça gratuita.
Ainda nas respostas da primeira onda renovatória, transpor essas barreiras duas atitudes distintas
foram tomadas, na tentativa de garantir o pleito dos menos favorecidos ao judiciário, a primeira a
instituição dos Juizados Especiais (inicialmente pela Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984, alterada
pelas Leis 9.099, de 26 de setembro de 1995 e 10.259, de 12 de julho de 2001), que permitem que
as causas menor monta e, consequentemente, menor complexidade, pudessem ser postuladas –
em primeiro grau – sem a representação de um advogado, e, por outro lado, a criação das
Defensorias Públicas, seja as da esferal federal, estadual e distrital, pela dicção da Lei
Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994.
A conjunção do jus postulandi dos juizados especiais cíveis com as defensorias formam um grande
avanço na acessibilidade da população mais carente, justamente por se fazer entender que os
menos favorecidos têm meios de alcançar o judiciário, seja através da resolução célere de uma
demanda de menor monta e complexidade num juizado especial ou na assistência de alguma
defensoria pública nas causas mais complexas. São duas possibilidades viáveis que mudaram de
forma significativa a relação entre os menos favorecidos e o judiciário, nesta visualização de acesso
à justiça.
 A segunda onda diz respeito aos direitos transindividuais a serem defendidos em juízo, com
enfoque em defender interesses difusos de forma mais eficaz, econômica e mais célere.
O direito ao meio ambiente saudável, à vida, a proteção aos idosos, às crianças e adolescentes e a
relação de consumo são exemplos de direitos a serem defendidos como interesses supraindividuais
e de forma difusa, buscando-se um acesso à justiça para esses direitos de forma mais ampla e
eficaz.
O próprio sistema microprocessual, composto pela lei de ação civil pública, o código de defesa do
consumidor, ação popular, mandado de segurança coletivo, mandando de injunção coletivo, dentre
outros, é base para dar materialidade a esta onda.
A segunda onda passa pela revitalização do direito processual civil, em qualquer esfera de nacionalidade,
para transformar os direitos pleiteados nas demandas amplas, muito mais de forma difusas e coletivas do
que a forma individual. Quanto mais se almejar que o judiciário se debruce sobre os direitos de maneira
coletiva.
O processo civil, de uma forma geral, inclusive no Brasil pelo CPC/73, foi mentalizado para garantir os
direitos individuais, em demandas diversas. O CPC/2015, de certo modo, replica isso, apesar de vários
institutos serem melhorados coletivamente.
Num momento anterior de poucas possibilidades de acesso à justiça, talvez fosse plausível a existência de
tal visão, no entanto, quanto mais se julga demandas individuais, há uma dificuldade para que esta mesma
prestação jurisdicional seja de qualidade e dentro de um padrão de razoabilidade de duração processual.
Quanto mais demandas, naturalmente mais demora para a resolução dos conflitos, já que “o processo era
visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre
essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais.”
o intuito é, após possibilitar que os menos favorecidos tenham o devido acesso à justiça, imaginar que as
demandas de menor monta, em decorrência de uma grande quantidade, não resolveriam o problema do
aspecto foram do acesso, que passa pela efetividade real, pela entrega da prestação jurisdicional. Quando
maior acesso à justiça, maior a quantidade de demandas. Um dever social do Estado, qual seja em
proporcionar uma sensação de pertencimento à sociedade, com o intuito de que os menos favorecidos
tenham uma via de justiça, acarreta em uma maior quantidade de demandas, já que os conflitos de
interesses são normais dentro da sociedade, no cotidiano.
No âmbito do direito difuso, o art. 81 do CDC, dispõe de forma explicativa sobre três espécies desses
direitos coletivos: os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.
A classificação de cada espécie de direito tido como coletivo pode ser assim entendida:
a. Direitos difusos são aqueles em que não tem uma determinação dos atingidos, almejando a
coletividade como um todo.
b. Direitos coletivos são aqueles que tem uma determinação de coletividade atingida. Um
direito básico de uma classe, um nicho, uma parte da sociedade. São coletivos por serem
múltiplos, mas são determináveis em seus atingidos, delimitando estritamente o seu alcance.
c. Direitos individuais homogêneos são aqueles que decorrem de um fato ou origem em
comum par uma coletividade determinada.
Outros dois pontos interessantes de acessibilidade coletiva foram as possibilidades de intentar o
mandado de segurança coletivo e a ação popular. Dois meios que pleiteiam pela sociedade, com
uma conjunção de direitos para a sociedade, não para um autor ou um réu. O mandado de
segurança coletivo teve a sua regulamentação via Lei n. 12.016/09, especificadamente nos arts. 21
e 22. A própria Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) é uma resposta a esta onda.
Sobre a necessidade de uma terceira onda, ainda que as duas primeiras tenham êxito, Cappelletti e
Garth discorrem:
O fato de reconhecermos a importância dessas reformas não deve
impedir-nos de enxergar os seus limites. Sua preocupação é basicamente
encontrar representação efetiva para interesses antes não representados
ou mal representados. O novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto,
tem alcance muito mais amplo. Essa “terceira onda” de reforma inclui a
advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados
particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto
geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados
para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós
o denominamos “o enfoque do acesso à Justiça” por sua abrangência. Seu
método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas
de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas de uma série de
possibilidades para melhorar o acesso.
 Já a terceira onda está relacionada com a busca de meios para dar mais eficácia, celeridade e
desburocratização ao processo.
A própria Lei 9.099/95, referente aos Juizados Especiais, prevê um processo que busca a satisfação
o direito de forma mais célere e eficaz, regulamentando mecanismos para tanto.
Ainda a mediação, conciliação e arbitragem como exemplos claros desta terceira onda renovatória
de acesso à justiça, trazida com mais detalhes no novo sistema processual cível. Alguns juristas
criticam esta onda sob a justificativa de que direitos processuais básicos como o contraditório,
ampla defesa e o devido processo legal podem restar ameaçados.
O acesso à justiça, pelos menos abastados, passa pela visualização de uma mudança paradigmática da
atividade jurisdicional. Uma necessidade de que os parâmetros de acessibilidade mudem, num esforço
conjunto entre a sociedade como um todo, desde a parte civil e a pública, com a necessidade de uma nova
visão de acessibilidade seja possível, desde uma forma preventiva, com políticas públicas para tal
desiderato, como também inovações sobre o andamento e acessibilidade do judiciário.
Este ponto é importante pela efetividade das ondas de acesso à justiça, já que de certa forma, as duas
primeiras ondas podem e devem ser impactantes, mas, diante de um judiciário e instituições com a mesma
sistemática e pensamento, as mudanças anteriores – primeira e segunda ondas – acabam por não ter uma
real utilidade.
Para que as ondas sejam possíveis de serem convertidas em uma acessibilidade real dos menos favorecidos,
tanto no aspecto formal ou material, as mudanças devem ser profundas, por todos os atores sociais, com o
intuito coletivo de possibilitar um melhor, novo e real acesso à justiça. Nos dizeres de Boaventura de Sousa
Santos:
“Estudos revelam que a distância dos cidadãos em relação à administração da justiça é tanto
maior quanto mais baixo é o estado social a que pertencem e que essa distância tem como
causas próximas não apenas fatores econômicos, mas também fatores sociais e culturais, ainda
que uns e outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as
desigualdades econômicas. Em primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a
conhecer pior os seus direitos e, portanto, têm mais dificuldades em reconhecer um problema
que os afeta como sendo problema jurídico. Podem ignorar os direitos em jogo ou as
possibilidades de reparação jurídica.”
O processo civil e suas vertentes de acessibilidade devem proporcionar um sistema mais simples, mais
coeso e fácil entendimento, para que os menos favorecidos entendam a relação com a prestação
jurisdicional. Cappelletti e Garth explicam da seguinte maneira:
Essa “terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de
advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de
instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo
prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos “o enfoque do acesso à
Justiça” por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas
primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas de uma série de
possibilidades para melhorar o acesso.
O Estado, enquanto provedor da tutela resolutória dos conflitos sociais, deve ater-se a melhorar a
acessibilidade não somente no tocante ao todos – com especial atenção aos menos favorecidos – terem o
direito de uma tutela jurisdicional, mas que esta seja mais simples e efetiva. No mesmo ínterim, a
simplicidade proporciona um maior entendimento social do sistema judicial, possibilitando não somente
uma efetiva acessibilidade, bem como uma sensação maior desta efetividade.
O art. 8o do CPC/2015 traz justamente uma ideia de que “o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do
bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” Um recado legislativo e,
agora, positivado da nova visualização do judiciário, da prestação jurisdicional como um mecanismo de
finalidade social, o que não se pode confundir com prejulgamento para qualquer dos lados ou
favorecimento a uma parte ou outra. O intuito dese artigo passa justamente por dogmatizar a lei de
maneira a imbuir a função social do juízo, colocando-o como chave mestra de uma pacificação social,
julgando nos que a lei processual lhe permite, entregando a prestação com o êxito em discutir a matéria,
respondendo as perguntas/pedidos realizados quando da tentativa da parte de solucionar seus conflitos de
interesses.

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