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1.

DA POSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÃO DE SERVIÇOS DE


ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS DECORRENTES DE ATA DE REGISTRO
DE PREÇOS

Indaga-se sobre a possibilidade de os contratos decorrentes de ata de


registro de preços, para contratação de empresa especializada na organização de
eventos, à semelhança dos contratos de prestação de serviços contínuos, prorrogarem-se
por sessenta meses.

Para responder a essa questão, é necessário examinar dois pontos


principais:

1) há que se analisar previamente a distinção jurídica que se faz entre os instrumentos


da Ata de Registro de Preços e de seus contratos decorrentes;

2) ato contínuo, é necessário examinar se a prestação de serviços especializados de


organização de eventos possui a natureza jurídica contínua, para fins de aplicação
do art. 57 da Lei nº. 8.666/93;

1.1. Da desvinculação dos contratos decorrentes das atas de registro de preços

É muito comum ser confundida a vigência da ata de registro de preços


com a do contrato que é celebrado em sua decorrência.
A vigência da ata e do contrato transcorrem de forma independente,
contudo, o ajuste somente pode ser celebrado se a ata estiver vigente, cabendo, nessa
situação, prolongar sua execução por período superior à expiração da validade da ata.
A ata não acompanha o exercício financeiro, porque não apresenta
reserva orçamentária no seu texto e pode vigorar por até um ano.
O contrato, por sua vez, está adstrito ao exercício financeiro, pois sua
duração está limitada à vigência dos respectivos créditos orçamentários, conforme
expressa disposição legal nesse sentido.
Em obra desse parecerista, além de elucidar essa questão, fez-se
destacar que há duas exceções à regra da vigência contratual vinculada aos créditos
orçamentários:
A primeira ocorre quando o SRP destina-se a serviços contínuos, porque o art. 57,
inc. II, da Lei nº. 8.666/93, admite que os respectivos contratos sejam prorrogados
em até sessenta meses.

[...]

Outra peculiar situação é a dos contratos de locação, em que o Poder Público seja
locatário do imóvel. Por força do art. 62, § 3º, inc. I, da Lei nº. 8.666/93, não se
aplicam a tais ajustes o prazo de vigência contratual do art. 57, da mesma norma. A
duração desses contratos reger-se-á pela regras da Lei do Inquilinato.1

Em apertada síntese, pode-se dizer que a vigência da ata é


independente do contrato, o qual somente poderá ter sua vigência prorrogada por até
sessenta meses, em se tratando de serviços contínuos ou de contrato de aluguel, hipótese
em que sua vigência será pactuada nos termos da Lei nº. 8.245, de 18 de outubro de
1991.
A inteligência desse entendimento está expressamente prevista no
Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, em seu art. 4º, caput e §1º:
Art. 4º O prazo de validade da Ata de Registro de Preço não poderá ser superior a
um ano, computadas neste as eventuais prorrogações.
§ 1º Os contratos decorrentes do SRP terão sua vigência conforme as disposições
contidas nos instrumentos convocatórios e respectivos contratos, obedecido o
disposto no art. 57 da Lei no 8.666, de 1993.
Observa-se, pois, que a própria norma regulamentadora do Registro de
Preços, quando trata dos prazos de vigência, destaca os dois instrumentos em diferentes
dispositivos remetendo a limitação da vigência dos contratos à Lei nº 8.666/1993,
específica.
Assim, a linha de raciocínio que se definiu é a seguinte:
1) Prazo da Ata de Registro de Preços – no máximo um ano no âmbito da
Administração Pública Federal;2
2) A vigência dos contratos decorrentes das Atas de Registro de Preços regula-se pela
Lei nº 8.666/1993, especificamente no art. 57 e seus incisos.

1.2. Da natureza contínua dos serviços de organização de eventos

Serviços contínuos, conforme conceituava a Instrução Normativa


MARE nº. 18/97 eram aqueles serviços auxiliares, necessários à Administração para o
desempenho de suas atribuições, cuja interrupção possa comprometer a continuidade de
suas atividades e cuja contratação deve se estender por mais de um ano.

1
JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Sistema de Registro de Preços e Pregão. Belo Horizonte:
Fórum, 2003, p. 298.
2
Recentemente, a AGU definiu a interpretação conferida ao art. 4º do Decreto nº 39361/2001, conforme
Orientação Normativa/AGU nº 19, de 01.04.2009, publicada no DOU de 07.04.2009, S. 1, p. 14: O prazo
de validade da Ata de Registro de Preços é de no máximo um ano, nos termos do art. 15, § 3º, inc.
III, da Lei nº 8.666, de 1993, razão porque eventual prorrogação da sua vigência, com fundamento no § 2º
do art. 4º do Decreto nº 3.931, de 2001, somente será admitida até o referido limite, e desde que
devidamente justificada, mediante autorização da autoridade superior e que a proposta continue se
mostrando mais vantajosa”.
A novel Instrução Normativa nº. 02, de 30 de abril de 2008, do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em seu art. 6º estabelece que os
serviços continuados são aqueles que apóiam a realização das atividades essenciais ao
cumprimento da missão institucional do órgão ou entidade, conforme dispõe o Decreto
nº 2.271/97. Esse último conceito impõe um caráter de subsidiário aos serviços
terceirizados.

A respeito, conforme preceitua Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, “a


expressão serviços contínuos não traria maiores complicações, não fossem os maus
intérpretes que pretendessem atribuir-lhe sinonímia a serviços essenciais. Felizmente,
prevaleceu o entendimento coerente com o preciso sentido do termo, ou seja, aplicam-se
as prescrições do art. 57, inc. II, da Lei nº. 8.666/93, referido aos serviços cuja execução
se protrai no tempo”.3

Em regra, são passíveis de terceirização as atividades materiais


acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de
competência legal do órgão ou entidade, nos termos balizados pelo Decreto nº.
2.271/97.

Para verificar se organização de eventos são serviços de natureza


continuada, primeiramente bastaria procurar sua especificação no rol exemplificativo
estabelecido no § 1º do art. 1º do Decreto nº. 2.271/97. De plano, seria possível
considerar que não se tratam de serviços contínuos, eis que não estão elencados no
referido Regulamento.[1]

Em diversas situações, erroneamente, são considerados serviços


contínuos somente aqueles elencados no referido dispositivo. Essa é uma interpretação
errônea, visto que as normas não podem alterar a natureza das coisas, mas apenas suas
definições, conceituações, etc.

A interpretação de leis e regulamentos, mesmo auxiliada pelo viçoso


ferramental da hermenêutica jurídica pode carecer de um parâmetro vital, qual seja, a
sua aderência com a realidade. Não basta interpretar, o resultado deve ser útil e o
intérprete pragmático.

3
Nesse sentido: Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, em sua obra “Sistema de Registro de Preços e Pregão
Presencial e Eletrônico”.
[1]
BRASIL. Decreto nº. 2.271, de 07 de julho de 1997. Art . 1º No âmbito da Administração Pública
Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais
acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do
órgão ou entidade. § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes,
informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios,
equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.
Com efeito, filia-se ao entendimento de que serviço contínuo deve ser
analisado caso a caso, consoante estabelece o Tribunal de Contas da União em seu
Manual de Licitações e Contratos: “A Administração deve definir em processo próprio
quais são seus serviços contínuos, pois o que é contínuo para determinado órgão ou
entidade pode não ser para outros.” [2]

Veja-se um exemplo: certamente, a aquisição de passagem aérea não é


serviço contínuo para um órgão ou entidade que não a compra com freqüência e sua
atividade-fim não está voltada para atividades que demandam deslocamento contínuo e
freqüente - Decisão 592/94, Decisão 409/94 e Acórdão 1386/05, todos do Plenário do
TCU. Tampouco aquisição de combustível é serviço de natureza continuada para órgão
que o compra para abastecer frota de uso normal - Acórdão 1438/03 da Primeira
Câmara.

É serviço contínuo a aquisição de passagem aérea, todavia, nos casos


em que os deslocamentos aéreos se confundirem com as próprias atribuições essenciais
do órgão ou entidade, quando forem necessidades permanentes - Acórdão 2682/05 da
Primeira Câmara do TCU, a exemplo do que ocorre com o Ministério das Relações
Exteriores.

Por isso que sabiamente o Plenário do TCU exara determinações para


que o órgão ou entidade estabeleça processo próprio para determinar quais são seus
serviços contínuos.

Além da necessidade permanente, requisito flexibilizado pela


Instrução Normativa nº. 02/2008 – MPOG,[3] também podem ser considerados contínuos
os serviços que, na ocorrência de soluções de continuidade, paralisem ou retardem as
atividades da Administração, de sorte a comprometer a correspondente função do órgão
ou entidade, conforme inteligente decisão exarada no Tribunal de Contas do Distrito
Federal.[4]

De igual modo, dependendo do bem ou serviço pretendido, torna-se


conveniente, em razão dos custos fixos envolvidos no seu fornecimento, um
dimensionamento maior do prazo contratual com vistas à obtenção de preços e
condições mais vantajosas para a Administração, de que cabe citar, por exemplo, evitar
custos administrativos desnecessários com compras rotineiras.

[2]
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e Contratos - Orientações Básicas. 3 ed., rev., atual.
e ampl. Brasília, 2006, p. 334.
[3]
Q. cfr. art. 6º da referida norma administrativa.
[4]
DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Decisão nº 5.252/96, exarada do
Processo nº 4.986/95. Disponível em: “http://www.jacoby.pro.br/votos/arquivo21.html”.
Quanto aos serviços aqui tratados, é fato notório que, em via de praxes
nos órgãos e entidades da Administração Pública, são de necessidade continuada, seja
em razão do não comprometimento de sua atividade-fim, ou quando constatado que na
ausência da prestação dos serviços haja paralisação ou retardamento das atividades,
devendo os contratos se estender por mais de um exercício financeiro, a fim de evitar
aquisições rotineiras e antieconômicas.

Nesse sentido, pode-se citar a ampla prática dessa contratação na


Administração Pública Federal, a exemplo de contratações realizadas pelo Ministério
das Cidades, Ministério da Cultura e a própria Controladoria-Geral da União, conforme
dispõe o edital de pregão nº 06/2009, cláusula décima primeira da minuta de contrato,
anexo III do edital:4

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA - DA VIGÊNCIA


O presente Contrato terá vigência de 12 (doze) meses a contar da data da assinatura
do contrato, podendo ser prorrogado por iguais e sucessivos períodos, com
vantagens para a CONTRATANTE, até o limite de 60 (sessenta) meses, com
fundamento no art. 57, inciso II, da Lei n.º 8.666/1993.

2. CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que a Ata de Registro de Preços e os contratos


administrativos decorrentes são instrumentos jurídicos distintos, os quais têm prazo de
vigência regulados de forma diversa, cada qual conforme a norma de regência aplicável.

Nesse sentido, sendo considerado que os serviços de organização de


eventos, em regra, têm natureza contínua, é possível que tenham vigência superior à
própria Ata de Registro de Preços, notoriamente, considerando a possibilidade de
prorrogação em até 60 meses, conforme dispõe o art. 57, inc. II, da Lei nº 8.666/1993.

Isso porque a partir do momento da contratação, o instrumento de


ajuste tem independência em relação à Ata de Registro de Preços, tendo seus prazos e
demais condições regulados pela Lei nº 8.666/1993. Esta Lei estabelece o prazo de doze
meses, prorrogável em até 60 meses, para os contratos de prestação de serviços de
natureza contínua.

4
CGU. PREGÃO ELETRÔNICO Nº 06/2009. 1.1. A presente licitação tem por objeto o REGISTRO
DE PREÇOS para a contratação de empresa especializada na prestação de serviços, sob demanda,
de organização de eventos e serviços correlatos, a serem realizados pela Controladoria-Geral da União –
CGU, em todo o território nacional, compreendendo planejamento operacional, organização, execução
e acompanhamento, nos termos e condições constantes no presente Edital e seus anexos.

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