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Introdução

O objetivo da realização desse trabalho, foi o de verificar de que maneira o


princípio da insignificância pode atuar como excludente da tipicidade penal
material.

O Principio da insignificância, conhecido por tratar de casos de pouca ou


nenhuma relevância tem chegado a mais alta corte do país. É um tema
bastante relevante tanto para os aplicadores do direito, quanto para os réus.

Este princípio opera como limitador de tipicidade na esfera penal, pois torna o
fato antes punível como atípico, eliminando sua dimensão material. Ocorre que
este princípio não está expresso na lei, gerando dúvidas sobre a sua validade e
aplicabilidade pelos magistrados
O princípio da insignificância não é tão novo em nosso ordenamento
jurídico. Mirabete, traz à citação a obra de Claus Roxin, denominada Política
criminal y sistema dei Derecho Penal, do ano de 1972, na qual este último já
apontava a estreita e imanente relação guardada entre o Direito Penal e a
Política Criminal:

Sendo o crime uma ofensa a um interesse dirigido a um


bem jurídico relevante, preocupa-se a doutrina em
estabelecer um princípio para excluir do Direito Penal
certas lesões insignificantes. Claus Roxin propôs o
chamado princípio da insignificância, que permite na
maioria dos tipos excluir, em princípio, os danos de pouca
importância (MIRABETE, 2007, p. 115).

Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com


bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores
que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico.

A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico


protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um
tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse
protegido.

Como define ROXIN, o legislador não possui competência para, em


absoluto, castigar pela sua imoralidade condutas não lesivas a bens jurídicos.

Com efeito, ROXIN reconhecia que a insignificância não era


característica do tipo delitivo, mas sim um auxiliar interpretativo seu, a fim de
restringir o teor literal do tipo formal, conformando-o a condutas socialmente
admissíveis, em decorrência de suas ínfimas lesões aos bens juridicamente
tutelados.

Como bem coloca Capez (2006, p. 14):

Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico,


sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar
incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá
adequação típica. É que no tipo não estão descritas
condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão
pela qual os danos de nenhuma monta devem ser
considerados fatos atípicos.

Para entender-se o princípio da insignificância - visto que sua aplicação


se traduz em atipicidade da conduta - , há de ter-se em mente as noções de
risco permitido e risco proibido.

Toda ação humana implica certo risco de dano ou lesão a outrem, como,
dirigir um veículo por uma rua movimentada. Sabedor disso, o próprio Estado
tolera certos riscos advindos de determinadas condutas, como, no exemplo
dado, a possibilidade de haver um acidente (dever do cuidado objetivo), o que
se denomina risco permitido, e pune, na esfera do Direito Penal, outros
comportamentos, tais como o evento que decorreu de uma ultrapassagem
perigosa, que decorreu da travessia de um cruzamento no sinal vermelho etc.,
para o que podemos chamar de risco proibido.

Segundo Ackel Filho apud Lopes, (1997, p. 75):


O princípio da insignificância pode ser conceituado como
aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por
sua inexpressividade constituem ações de bagatela,
despidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem
valoração da norma penal, exsurgindo, pois como
irrelevantes.
O Princípio da Insignificância tem sido referido pela Doutrina como
“Princípio Bagatelar”. A este respeito, Luiz Cláudio Gomes ressalta que:

[...] a diferença fundamental entre os dois princípios seria


que, a linha jurisprudencial mais tradicional reconhece o
princípio da insignificância levando em conta apenas o
desvalor do resultado, ou seja, considera suficiente, para
caracterização da infração bagatelar, que o nível da lesão
ao bem jurídico, ou do perigo concreto verificado, seja
ínfimo. Já a outra corrente, a que aplica o princípio da
irrelevância penal do fato, para a identificação do delito
como bagatelar, não se contenta só com o desvalor do
resultado, exigindo que sejam insignificantes
cumulativamente o resultado, a ação e a culpabilidade do
agente. Ou seja, para que o fato seja considerado
penalmente irrelevante todas as circunstâncias judiciais -
culpabilidade, antecedentes, conduta social,
personalidade, motivos do crime, conseqüências etc. -
precisam ser irrelevantes, favoráveis ao agente (GOMES,
2001, p. 440).

Zaffaroni (1997, p. 9), ao comentar sobre o Princípio da Insignificância,


diz que:

[...] o fundamento do princípio reside na idéia da


proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à
gravidade do crime; nos casos de ínfima afetação do bem
jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não
subsiste qualquer razão para imposição da reprimenda e
ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à
significação social do fato.

De acordo com Carlos Vico Mañas (1994):


O princípio da insignificância é um instrumento de
interpretação restritiva, fundado na concepção material do
tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar,
pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do
pensamento sistemático, a proposição político-criminal da
necessidade de descriminalização de condutas que,
embora formalmente típicas, não atingem de forma
relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal.

Embora compartilhamos do entendimento do autor, acrescentamos a


ressalva de que não concordamos com a afirmação que diz que o princípio da
insignificância descriminaliza condutas, haja vista que sua função é, segundo
Maurício Macedo dos Santos e Viviane Amaral Sega (2007) “somente
desconsiderar a tipicidade da conduta no caso concreto, enquanto a
descriminalização já requer todo um processo legislativo”

Feitas estas considerações, vê-se que, em tema de Direito Penal,


somente as condutas relevantes, sob o prisma de sua estrutura e princípios
informadores, devem sofrer a sanção jurídica emanada da jurisdição
punitiva do Estado. Assim:

[...] se a conduta do agente não afronta a objetividade


jurídica da norma, o ius puniendi nem sequer exsurge de
seu estado dormente para a existência concreta
dapretensão punitiva, devendo ser reputado que o
comportamento insignificante do agente está dentro do
chamado risco permitido (MIRABETE, 2007, p. 116).

Neste sentido, merece destaque o sempre oportuno magistério do Prof.


Damásio de Jesus (2000, p. 75) ao dizer que: “O tema tem recebido outras
denominações, como crime de lesão mínima ou crime de bagatela”. Segundo
ele:

[...] o Direito Penal só deve intervir nos casos de ataques


muito graves aos bens jurídicos mais importantes, sendo
que as perturbações mais leves da ordem jurídica são
objeto de outros ramos do Direito. Recomenda, pois, que,
pela limitação da tipicidade, a pretensão punitiva somente
intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade,
reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de
perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima
relevância material). O Direito Penal é um recurso punitivo
extremo, cumprindo ser exercido somente quando os
outros ramos do Direito mostrem-se ineficientes. De modo
que o Direito Repressivo não deve intervir quando a lesão
jurídica é mínima, reservando-se para os ofensas graves.

O princípio da insignificância tem sido adotado na


jurisprudência em casos de: 1) furto de bagatela; 2)
lesões corporais mínimas; 3) maus-tratos; 4) porte mínimo
de maconha; 5) delito tributário; 6) estelionato de
bagatela; 7) contrabando e descaminho de pequena
monta; 8) dano de pequena monta; 9) crime contra o meio
ambiente (JESUS, 2000, ps. 75-76).

Fernando Capez também tem se mostrado favorável ao Princípio da


Insignificância, se bem que, com a ressalva de que não pode ser
invocado contra legem. Segundo ele:

Tem-se, pois, que cumpre ao membro do Ministério


Público, na qualidade de dominus litis, e ao Magistrado,
na qualidade de fiscal do cumprimento do princípio da
obrigatoriedade da ação penal (cf. Frederico Marques),
sopesar, em seu cotidiano profissional, o princípio da
ofensividade, de sorte a evitar, em casos tais, o ius
persequendi in iudicio.

De notar-se que a análise da invocação do princípio da


insignificância faz-se no resultado da conduta do agente e
conduz, em sendo o caso, à atipicidade do fato,
consoante adverte Damásio (CAPEZ, 2001, p. 76).

É importante assinalar que:

[...] o princípio da insignificância não pode ser invocado


pela autoridade policial, para deixar de cumprir o seu
dever de ofício, pois, mercê da hipotética ocorrência do
delito, seja na forma consumada, seja na forma tentada,
cumpre tomar todas as providências necessárias à opinio
delicti. Sucede que, mercê danotitia criminis, a autoridade
policial não tem o amparo legal necessário para invocar
o princípio da insignificância e, com base nele, informar à
vítima que a conduta do suposto autor não constituiu
crime (CAPEZ, 2001, p. 77).

Assim, quem o pode fazer é o Ministério Público, porque - como dito - é


o dono da ação penal e porque é a instituição incumbida, à luz da estrutura
constitucional, de invocar a pretensão punitiva do Estado. Ao depois, o próprio
Magistrado, a quem cabe receber (ou não) a peça acusatória, sob a análise do
cumprimento do art. 41 do CPP.
Jurisprudências

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO


CABIMENTO. FURTO. VALOR DO BEM SUBTRAÍDO INFERIOR A 10% DO
SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. RÉU REINCIDENTE
ESPECÍFICO E RESPONDE OUTRAS AÇÕES PENAIS POR DELITOS
CONTRA O PATRIMÔNIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
[…] O furto foi praticado no dia 1º/2/2018, quando o salário mínimo estava
fixado em R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais). Nesse contexto,
seguindo a orientação jurisprudencial desta Corte, o valor do bem subtraído,
avaliado em R$ 62,00 (sessenta e dois reais), é considerado ínfimo, por não
alcançar 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos.
[…] o furto é um crime de resultado e não de mera conduta e que o direito
penal não se destina a punir meras condutas indesejáveis, mas sim, condutas
significativamente perigosas, lesivas a bens jurídicos, sob pena de se
configurar um direito penal do autor e não do fato.
[…] Na linha da orientação jurisprudencial do STF, esta Corte Superior tem
admitido a incidência do princípio da insignificância ao reincidente, à míngua de
fundamentação sobre a especial reprovabilidade da conduta. Todavia, observa-
se que o paciente é reincidente específico e responde a outras ações penais
pela prática delitos contra o patrimônio, o que demonstra o elevado grau de
reprovabilidade de sua conduta, sendo inaplicável o princípio da insignificância.
[…]
(STJ, 5ª Turma, HC 491.970/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em
26/02/2019, publicado em 08/03/2019)

PEIXES
No caso do HC 135404, impetrado pela DPU contra decisão do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), um pescador foi denunciado no Paraná por ter,
durante o período de defeso e com apetrechos proibidos, pescado 25 quilos de
peixe. O réu foi condenado à pena de um ano de detenção pela prática do
crime previsto no artigo 34 da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais),
substituída por prestação de serviços à comunidade. A Defensoria Pública
pedia a concessão da ordem buscando a aplicação do princípio da
insignificância, uma vez que a quantidade de peixes apreendidos não seria
capaz de violar o bem jurídico penalmente tutelado.
O relator do HC, ministro Ricardo Lewandowski, explicou que, neste caso, o
bem atingido não é uma empresa, mas o meio ambiente. Ele lembrou ainda
haver nos autos registros criminais que informam que o réu foi surpreendido
diversas vezes pescando ou tentando pescar em áreas proibidas, o que
demonstra a existência de reiteração delitiva. Por se tratar de um bem
altamente significativo para a humanidade – meio ambiente –, o relator frisou
que, na hipótese, o princípio da insignificância não se aplica. A decisão, nesse
caso, foi unânime.
Desodorantes e chicletes
Já no caso do HC 137290, uma mulher foi denunciada, em Minas Gerais, pela
prática do crime de furto tentado (artigo 155, combinado com artigo 14, do
Código Penal), por tentar subtrair de um estabelecimento comercial dois
frascos de desodorante e cinco frascos de goma de mascar – que totalizam R$
42. Anteriormente, tanto o Tribunal de Justiça de Minas Gerais quanto o STJ
negaram o pleito de aplicação do princípio da insignificância ao caso.
No HC impetrado no STF, a Defensoria sustentou a insignificância, em virtude
da inexpressividade do valor dos bens que se tentou furtar e foram restituídos
ao estabelecimento comercial.
Ao votar pelo indeferimento do HC, o ministro Ricardo Lewandowski lembrou
que a jurisprudência do Supremo exige que, para aplicação do princípio da
insignificância, se analise se o acusado não é reincidente ou contumaz e que
não se trate de furto qualificado. Sobre esse tema, o relator disse que se filia à
corrente que entende ser preciso analisar o quadro geral e o histórico do
acusado. E, no caso concreto, entendeu que ficou evidenciada nos autos a
reiteração criminosa da agente. “A conduta em si mesma, delito tentado de
pequeno valor, se reveste de insignificância, mas o contexto revela que a
acusada, no caso, é pessoa que está habituada ao crime”, afirmou, votando
pelo indeferimento do HC.
O ministro Edson Fachin acompanhou o relator, por entender que a reiteração
criminosa está demonstrada exaustivamente nos autos.
Ao abrir a divergência e votar pelo deferimento do HC, o ministro Dias Toffoli
observou que, segundo os autos, a ré pegou os produtos na gôndola, colocou-
os na bolsa e passou pelo caixa sem pagar. Somente depois é que o
funcionário do estabelecimento acionou a guarda municipal.
O ministro disse que muitas vezes, nesses casos, em que os clientes têm
acesso direto aos produtos e há fiscalização, o estabelecimento espera a
pessoa sair para só então abordá-la, ao invés de fazê-lo diretamente na
passagem pelo caixa e, ainda dentro do estabelecimento, cobrar pelos
produtos. “Nesse tipo de conduta, em que há vigilância, estamos diante da
inexistência de tipicidade, porque a agente poderia ser abordada dentro do
supermercado e cobrada”, assinalou.
Ao acompanhar a divergência, o ministro Celso de Mello lembrou do princípio
da ofensividade para assentar que danos sem importância devem ser
considerados atípicos. O decano não vê como atrair, no caso, a chamada
perseverança criminal, uma vez que não se pode falar em reiteração se não
existe condenação penal contra a agente. “Isso ofende inclusive o postulado da
presunção da inocência”, concluiu. O ministro Gilmar Mendes também
acompanhou a divergência, por entender que a configuração do caso concreto
permite a concessão da ordem.

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