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A hermenêutica consiste em um elemento que possibilita a

atividade essencial do juiz em interpretar as normas jurídicas no


momento de sua aplicação em caso concreto. Isto é, a
aplicabilidade das normas jurídicas aos casos em concreto e,
para que tal mister seja alcançado, o aplicador da lei deve se
valer de modelos de interpretação da norma que são elencados
por ramo do saber.

No Direito, se entende como hermenêutica o campo do


conhecimento que se preocupa em descrever as diversas formas
(Escolas) de interpretação da norma jurídica, cada uma delas
relacionada a um particular modo de se tomar contato com o
discurso legal. Enquanto a interpretação significa depreender
do texto seu sentido e alcance por meio de utilização de
determinada técnica, assim, dependendo da Escola, diversa será
a determinação do limite e alcance da norma.

1. Escola Hermenêutica da Exegese.

A Escola Hermenêutica da Exegese surgiu do que se denomina


“trauma da Revolução Francesa de 1789”. No período anterior a
Revolução, as nações europeias eram governadas de acordo com
os cânones do Antigo Regime, sociedade do tipo estamentária,
na qual o poder era centralizado no Primeiro e Segundo Estado
(clero e nobreza, respectivamente), sem participação efetiva do
povo (Terceiro Estado) ̶ sem perspectiva de ascensão aos outros
estamentos ̶ uma vez que eram vínculos de sangue que
determinavam a colocação do indivíduo nesta ou naquela
posição social.

Com a Revolução Francesa, o Antigo Regime foi destronado,


dando início ao período em que as divisões sociais seriam
aniquiladas com a retomada da soberania popular, do governo
exercido pelo povo e para o povo.

O Parlamento era composto por representantes do povo e


deveria editar as leis necessárias para que os direitos naturais
dos cidadãos fossem preservados, evitando-se o arbítrio do
Soberano, que passaria a respeitar a lei posta pelo Poder
Legislativo na condição de suas atividades. Surge, então, a
norma jurídica fundamental, capaz de consolidar o ideário da
Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), que
se preocupou em regular as relações do indivíduo em situação
de igualdade sem intervenção do Estado (laisse-faire).
Nesse contexto, surge o Código Civil Francês de 1804, que
objetivava regulamentar a vida dos indivíduos em todos os seus
detalhes, desde o seu nascimento, aquisição de capacidade,
exercício dos atos da vida civil e sucessão em virtude de morte.
O Código Civil colocaria fim ao arbítrio dos exercentes do Poder.
Como todo o direito estaria contido na Codificação, não haveria
tarefa intelectual interpretativa relevante do juiz, que estaria
adstrito a dizer a vontade do legislador.
O juiz realizava a subsunção do fato à norma por meio de um
raciocínio silogístico.

O modelo tradicional da Escola da Exegese demonstrou-se


insuficiente para solucionar todas as demandas levadas a
julgamento pelo Judiciário, havia lacuna legal em muitas
hipóteses a respeito do tema e em outros casos, bem como
imperfeições na busca da vontade do legislador.

2. Escola da Livre Interpretação Científica do Direito, de


François Geny.

Segundo Maria Helena Diniz, citando Vicente Ráo, a melhor


ubicação da doutrina de Geny está dentro da teoria das lacunas
do direito, pois se apresenta como um processo integrativo do
direito que visa suprir, mediante a livre apuração de novas
normas, as omissões das normas jurídicas existentes. O
intérprete deve recorrer a livre investigação científica que é
livre, porque não se submete a uma autoridade positiva e é
científica, porque pode dar bases sólidas aos elementos
objetivos descobertos pela ciência jurídica.

No silêncio ou indecisão do legislador, caberia ao juiz


interpretar, com bases científicas, livremente a norma jurídica a
ser aplicada ao caso em análise, tornando possível a atividade
criadora do Judiciário, que passa a determinar decisões às lides
por meio de tarefa interpretativa, para além do Código Civil.
Geny constata que a tarefa atribuída às Cortes de Cassação
tornara-se inviável. Em muitos casos, o magistrado, a pretexto
de realizar mero pensamento dedutivo para a aplicação da
norma, decidia em desacordo com os ditames legais, não raro
com convicções pessoais. Foi justamente para dar amparo
técnico e científico para essas novas decisões que François Geny
forjou a Escola Científica.

Segundo Recaséns Siches, no início do século XX até hoje, a área


jurídica convive com a tradição acadêmica do direito e a não
acadêmica, criada a partir da análise de casos nos tribunais, no
desenrolar da atividade cotidiana de juízes, advogados e
promotores. Conforme a tradição não acadêmica, o direito é
criado a partir da análise de dados inferidos da vida social dos
quais o intérprete não pode alterar e deve apreciar
objetivamente.

Após a análise dos dados naturais, reais, históricos, racionais ou


ideais, caberia ao juiz depreender o direito naturalmente
existente nas relações sociais para passar ao construído a obra
do jurista, resultado de sua técnica jurídica, cuja observância se
torna imprescindível a fim de se evitar a contaminação da
decisão judicial com as convicções pessoais do julgador.

3. Escola Sociológica do Direito.

A Escola Sociológica do Direito tem uma postura mais radical,


busca nos fatos sociais a fonte direta o direito aplicável ao caso,
uma vez que entende que o ordenamento jurídico positivo é
insuficiente para a solução dos litígios levados ao Judiciário.

Como Geny, Eugen Enrlich afasta a interpretação do direito da


aplicação de pensamento silogístico, ressaltando o caráter
ficcional deste tipo de atividade. A partir dessa perspectiva, o
direito passa a ser visto como fato social, inaugurando uma
frente de pensamento jurídico que compreende o direito
positivo apenas como uma tecnologia condicionada ao ramo da
sociologia jurídica.

Ressurge na prática forense a aplicação dos costumes jurídicos


fonte do direito, bem como de método de integração do
ordenamento jurídico, sempre que houver lacuna da lei.

Na Escola Tradicional haveria a possibilidade de aplicação


apenas do costume secundum legem, ou seja, aquele cuja
aplicação é prevista na lei (Código Civil em vigência). No
entanto, restaria afastada a possibilidade de aplicação do
direito praeter legem, ou seja, na lacuna da lei e, especialmente,
aplicação do costume contra legem, isto é, que contraria
previsão legal.
4. Escola do Direito Livre.

A aplicação do costume praeter legem encontra amparo e passa


a ser admitido na comunidade jurídica a partir das lições de
Geny. costume contra legem encontrará respaldo em uma
escola do pensamento jurídico que extermiza a relação com a
Escola Tradicional, levando aos limites as lições de Geny e a
Escola Sociológica, denominada Escola do Direito Livre.
Para Herman Kantorowicz, o direito surge diretamente das
fontes materiais, ou seja, dos fatos sociais ocorridos em
sociedade e das valorizações axiológicas de determinado grupo
social, sendo daí que as ações ideológicas surgiram, cabendo ao
intérprete da norma manifestar em sua decisão judicial ato de
vontade em consonância com o sentimento prevalecente na
comunidade.

Segundo Hermam, a interpretação jurídica deve seguir quatro


diretrizes:

a) Se o texto de lei é unívoco e sua aplicação não fere


sentimentos da comunidade, deve-se aplicá-lo;

b) Se o texto legal não oferece solução pacífica ou se conduz a


uma decisão injusta, o magistrado deverá ditar a sentença que,
segundo sua convicção, o legislador ditaria se tivesse pensado
no caso;

c) Se o magistrado não puder formar convicção sobre como o


legislador resolveria o caso concreto, então deve inspirar-se no
direito livre, ou seja, no sentimento da coletividade;

d) Se ainda não encontrar inspiração nesse sentimento, deverá,


então, resolver discricionariamente.

No item b, o magistrado encontraria respaldo para decidir


conforme um costume contra legem, o que continua sendo
afastado pelos seguidores das Escolas Tradicionais de aplicação
do direito, em virtude do desconsiderar o ordenamento jurídico
e colocar em perigo a pretensa segurança jurídica conferida por
este. Na região Sul do Brasil, esse pensamento ainda é
difundido.
No item d ocorre o risco de tornar as decisões judiciais mero
arbítrio do magistrado, contrário a tudo aquilo que fora criado
em virtude dos mencionados esforços na Revolução Francesa e
da primazia da lei.

5. Escola Pandectista (Alemanha).

Surgiu na Alemanha uma disciplina jurídica influenciada pelos


glosadores da Idade Média, cuja atividade fundamental era
realizar uma análise atenta das disposições legais que
organizavam a vida social na Roma Antiga.

O levantamento da legislação romana, no período Justiniano,


deu vida ao Corpus Juris Civile, dividido nos Digestos ou
Pandectas, Institutas Codex e Novelas.
Os digestos ou pandectas eram a compilação dos pareceres dos
renomados juristas romanos a respeito de temas de interesse
para o Direito, é o que ficou legado para a posteridade como
“Tribunal dos Mortos”, composto por Gaio, Papiniano, Ulpiano,
Paulo e Modestino, daí a Escola chamada Pandectista, serão
estes autores os responsáveis pela elaboração do Código
Civil Alemão de 1896, que passa a viger em 1900, destacando-se
os trabalhos de Windscheid.
6. Escola Teleológica (Alemanha).

Criada por Rudolf Von Ihering, segundo a qual, para se chegar


ao espírito da lei, seria necessário buscar a finalidade do
legislador ao editar determinada norma jurídica, considerando
que a interpretação histórica não seria capaz de intuir a vontade
do legislador, a mens legis caberia ao intérprete, para além da
análise dos projetos de lei e sua contextualização em
determinado período, a tarefa fundamental de extrair o que
pretendia de fato o legislador ao criar a norma.
Segundo Perelman, o direito é um meio do qual se serve o
legislador para atingir seus fins, promover certos valores. Logo,
o juiz deve remontar do texto à intenção que guiou sua redação,
à vontade do legislador, interpretar o texto em conformidade
com essa vontade, pois o que conta, acima de tudo, é o fim
perseguido, mais o espírito do que a letra da lei. Considera-se
tudo aquilo que causa maior quantidade de prazer para o maior
número de pessoas possível.

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Escola Hermenêutica da Exegese: A Escola da Exegese priorizava a


interpretação literal das leis, como evidenciado na aplicação rígida do Código
Civil Francês de 1804. Por exemplo, ao lidar com contratos, os juízes se
limitavam a aplicar as disposições codificadas sem considerar as circunstâncias
individuais.

Escola da Livre Interpretação Científica do Direito, de François Geny: Geny


propôs uma abordagem mais flexível, permitindo aos juízes interpretar as leis
com base na ciência jurídica. Por exemplo, ao lidar com casos de
responsabilidade civil, os juízes podiam adaptar a lei às mudanças sociais e
tecnológicas, aplicando princípios gerais de justiça.

Escola Sociológica do Direito: Esta escola reconheceu os costumes e valores


sociais como fontes importantes do direito. Por exemplo, ao decidir sobre
questões familiares, os juízes consideravam as práticas e normas sociais
prevalecentes na comunidade, adaptando a lei à realidade social.
Escola do Direito Livre: Defendeu uma interpretação mais dinâmica das
normas jurídicas, permitindo aos juízes decidir com base nos valores da
comunidade. Por exemplo, em casos de direitos humanos, os juízes poderiam
aplicar princípios universais de justiça, mesmo que não estivessem
explicitamente codificados na lei.

Escola Pandectista (Alemanha): Inspirada na análise das leis romanas, esta


escola enfatizou a compreensão profunda das fontes do direito. Por exemplo,
ao lidar com contratos comerciais, os juízes buscavam orientação nos princípios
estabelecidos pelo direito romano para resolver disputas contratuais.

Escola Teleológica (Alemanha): Destacou-se pela busca da finalidade das leis


e dos objetivos do legislador. Por exemplo, ao interpretar leis de proteção
ambiental, os juízes consideravam os objetivos de preservação ambiental e
sustentabilidade ao aplicar as normas em casos concretos.

Escola Histórica (França e Alemanha): Esta escola valorizou a compreensão do


contexto histórico na interpretação das leis. Por exemplo, ao interpretar leis de
propriedade, os juízes consideravam as tradições e costumes locais que
influenciaram o desenvolvimento do direito de propriedade ao longo do tempo.

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