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1ª edição: 2023
Este Ebook faz parte do programa de ensino da EBT - Escola Bibotalk de Teologia -
acesse escolabibotalk.com.br e venha estudar com a gente
Sumário
E aí, pessoal! BTleza? Estou aqui para apresentar para você, aluno da EBT,
mais um módulo, agora com Tiago Garros, com o tema de Fé e Ciência. Para quem
não sabe, o Bibotalk tem uma longa parceria com a ABC² (Associação Brasileira de
Cristãos na Ciência), temos mais de 45 podcasts que tratam dessa temática.
Tiago Garros é um amigo da ABC², ele tem o TheoLab, que faz praticamente a
mesma coisa que a ABC² - o diálogo entre fé e ciência – e ele topou ser nosso
professor para falar sobre isso. Ele é muito competente, inclusive, no canal do
YouTube do Bibotalk, temos uma confraria com o Tiago Garros e o Marcelo Cabral
falando sobre a queda, sobre a teoria da evolução, sobre Gênesis, entre outros.
Espero que você goste e aproveite as aulas, porque elas estão sensacionais!
AULA 01 - INTRODUÇÃO: DIAGNÓSTICO DO PROBLEMA
Olá, queridos! Tudo bem? Meu nome é Tiago Garros e estou aqui para
compartilhar um pouco do que tenho aprendido e estudado sobre as relações entre
ciência e fé cristã. Para quem não me conhece, sou gaúcho, moro em Florianópolis,
e tenho me dedicado a esse assunto, desde a adolescência, de forma informal, e nos
últimos dez anos escolhi trabalhá-lo academicamente. Sou professor de Ciências,
formado em Biologia pela UFRS e cristão desde o berço, evangélico, criado na igreja,
sobrinho de pastor. Tudo isso me despertou para essa área, pois desde cedo fui um
menino curioso, que gostava muito de Ciências, mas parece que as coisas que eu
ouvia na escola sobre o tema não convergiam com as que escutava na igreja.
Basicamente, o gosto pela ciência e os questionamentos que foram surgindo
me fizeram trilhar um caminho – que começou com a faculdade de Biologia, e depois
me levou ao mestrado e ao doutorado para trabalhar com as questões a respeito da
Teologia. Então, fiz o mestrado e o doutorado em Teologia para trabalhar, justamente,
a relação da fé e da ciência. Isso acabou me levando para fora do Brasil, tive a
oportunidade de fazer o doutorado sanduíche na Universidade de Oxford, com o
professor Alister McGrath. E é sobre isso que vamos falar nesse curso. É um prazer
estar aqui e espero que seja bom para vocês!
Por que é importante falar sobre fé cristã e ciência? Por que é importante que
a igreja e as pessoas fiquem sabendo minimamente desse assunto? Existe um grupo
de pesquisa nos Estados Unidos, chamado Barnad Group, que realiza pesquisas
entre fé e cultura e, alguns anos atrás, entre 2007 e 2011, o grupo fez uma pesquisa
com 1.300 pessoas jovens, de 18 a 29 anos. Eles perguntaram para os jovens que
haviam abandonado a igreja e chegaram à conclusão de que 3 em cada 5 jovens
entrevistados abandonaram a igreja após os 15 anos. Então, fizeram entrevistas com
esses jovens, a fim de saber porque saíram da igreja. Ao tabular as respostas, as
conclusões foram interessantes. Uma das respostas dadas foi: “A igreja é
superprotetora”. Outra foi que a experiência de fé que tinham na igreja era superficial.
Sendo assim, muitos não abandonaram Jesus, apenas a igreja. Outros disseram que
a sexualidade era mal abordada na igreja. Havia, ainda, alguns que tinham problemas
com a “exclusividade” do cristianismo. Alguns disseram que a igreja era hostil com os
que tem dúvida. E, por fim, o último motivo: muitos abandonaram a igreja pois
disseram que ela é inimiga da ciência. Ou seja, há jovens criados na igreja que
argumentam que saíram dela porque a viam como inimiga da ciência. Logo, tendo
contato com a ciência, optaram por abandonar a igreja. Os resultados dessa pesquisa
viraram um livro chamado You Lost Me - ou Geração Perdida, em português.
Percebemos, com isso, que há um problema em nossa sociedade. O fato é que
existe uma narrativa na nossa cultura ocidental que pode ser resumida pelas
seguintes imagens:
Imagem 1
Imagem 2
Imagem 3
Imagem 4
Imagem 5
Vejamos o seguinte. Quais são as crenças de alguém que tem uma cosmovisão
cristã sobre a natureza? O que um crente pensa da natureza baseado na Bíblia? O
cristão, quando olha para a natureza, crê que ele está estudando a obra das mãos de
Deus, porque isso é bíblico, Salmos 19:1 diz isso: “Os céus declaram a glória de Deus;
o firmamento proclama a obra das suas mãos.” Ou seja, a natureza é obra das mãos
de Deus. Então, quando nós, cristãos, fazemos ciência, estamos estudando não algo
impessoal, e sim a obra das mãos do criador. Isso é uma crença cristã sobre a
natureza.
Deus nos chama para fazer ciência. Em Gênesis 1:28, ele manda que o homem
nomeie os animais, cuide do jardim. Como cuidamos de um jardim? Com jardinagem.
A jardinagem demanda instrumentos, produtos da ciência. Cultivar o jardim é fazer
ciência. Nomear os animais também. Há quem diga que Adão foi o primeiro
taxonomista. Há diversas referências bíblicas que falam disso.
Somos dotados de capacidade para fazer ciência. Essa é outra crença cristã
sobre a natureza. Cremos que Deus nos deu capacidade – Gênesis 1:27. Deus nos
fez à sua imagem e semelhança e, assim, possibilitou-nos cultivar e cuidar do jardim.
Nós cremos, também, que a natureza é controlada por Deus de maneira fiel. Esse
pensamento perpassa a Bíblia em diversos trechos, como Salmos 119:89-90, Salmos
74:16-17. Deus tem o mundo em suas mãos. Outra crença cristã é que não podemos
conhecer a mente de Deus a priori, mas podemos aprender como ele governa a
natureza, um exemplo está em Jó 38. Cremos, ainda, que a história da redenção, a
história de Deus no planeta tem passado, presente e futuro. No esquema reformado:
criação, queda, redenção e consumação. O tempo é linear, não espiral como em
outras culturas. Todas essas são crenças de uma cosmovisão cristã sobre a natureza.
Agora, pense comigo. Quais são as crenças necessárias para que qualquer
pessoa – como um não cristão – possa fazer ciência? A pessoa que se interessa por
ser cientista precisa crer em algumas coisas. Por exemplo: ela precisa acreditar que
vale a pena fazer ciência. De alguma maneira, descobrir sobre a natureza é algo que
compensa. Outra crença necessária: a natureza é compreensível. Um cientista
precisa, independentemente de sua fé, crer que é possível entender a natureza. Para
alguém fazer ciência, é necessário crer também que a natureza opera em padrões
universais consistentes. As leis se mantem. Caso elas mudassem toda hora, não seria
possível fazer experimentos científicos, pois as regras que valem agora não valeriam
daqui cinco minutos. Além disso, a pessoa precisa crer que modelos lógicos não são
suficientes: experimentos são necessários. A ciência moderna funciona com base em
experimentos. Também é preciso crer que o tempo é linear, inclusive veremos depois
que a cultura que deu origem a ciência é uma que crê nisso. Tudo isso porque os
fenômenos naturais tem causas e consequências, há uma direção.
Talvez você já tenha percebido onde quero chegar. Vamos colocar lado a lado,
em um diagrama, essas crenças:
Repare que as crenças cristãs se encaixam perfeitamente com as crenças
necessárias para qualquer pessoa fazer ciência. Um cientista precisa crer que a
natureza é compreensível, nós, cristãos, já cremos nisso, porque cremos que fomos
dotados de capacidade para isso. Para fazer ciência, a pessoa deve crer que a
natureza opera em padrões consistentes, enquanto o cristão crê que esses padrões
são assim pois são controlados por Deus de maneira fiel. É por esses motivos que
fazer ciência surge naturalmente de uma cosmovisão cristã.
Veremos, ao longo deste curso, que tudo isso não é por acaso, e que o fazer
científico veio de um contexto cristão, em grande medida, por causa dessas crenças.
Também veremos, mais adiante, que não é de se surpreender que há tantos cientistas
cristãos. Portanto, o fazer científico surge de forma natural de uma cosmovisão cristã.
Na próxima aula, tratarei de mais um motivo para que isso ocorra.
AULA 03 – DEUS SE REVELOU A NÓS ATRAVÉS DE DOIS LIVROS
Essa metáfora dos dois livros, que era muito comum na época da revolução
científica, foi cristalizada em uma confissão: a Confissão Belga de 1561. No artigo 2,
cujo título é Como conhecemos a Deus? está escrito: “Nós O conhecemos por dois
meios. Primeiro: pela criação, manutenção e governo do mundo inteiro, visto que o
mundo, perante nossos olhos, é um livro formoso em que todas as criaturas, grandes
e pequenas, servem de letras que nos fazem contemplar ‘os atributos invisíveis de
Deus’, isto é, ‘o seu eterno poder e a sua divindade’, como diz o apóstolo Paulo –
Romanos 1:20. Todos estes atributos são suficientes para convencer os homens e
torná-los indesculpáveis. Segundo: Deus se fez conhecer, ainda mais clara e
plenamente, por sua sagrada e divina Palavra, isto é, tanto quanto nos é necessário
nesta vida, para sua glória e para a salvação dos que Lhe pertencem.” Isso é ortodoxia
cristã. Na Teologia, chamamos isso de Revelação Geral – criação, natureza – e de
Revelação Específica/Estrita – escritura. A natureza não leva ninguém ao
conhecimento de Cristo. Ela pode nos dizer coisas de Deus e que já tornam o ser
humano indesculpável, segundo Paulo. Mas a Revelação Estrita nos leva a Cristo.
Então, de certa forma, ela pode ser considerada “mais importante”, porém não
podemos ignorar a Revelação Geral. Observe o seguinte diagrama:
Estamos falando de dois livros – natureza e escritura – que têm o mesmo autor.
Deus é autor da natureza e, também, da escritura. Se Deus é autor das duas, você
acha que ele diria algo em um livro e, ao mesmo tempo, contradiria aquilo no outro?
O fato de os dois livros serem do mesmo autor, deve de existir uma concordância
entre eles. Acontece que a natureza não é autoevidente. Ela é lida e interpretada por
olhos e mentes humanas, e a essa interpretação damos o nome de ciência. Além
disso, a escritura também não é autoevidente, ela precisa ser lida e interpretada, o
que chamamos de Teologia. Como estamos falando de uma interpretação humana
sobre a natureza e sobre uma intepretação humana sobre a escritura, estamos no
campo do “humano”. Então, aqui, pode haver um conflito, afinal, somos falhos,
erramos, e temos nossa razão manchada pelo pecado. Nossa racionalidade é
imperfeita.
Precisamos lembrar que os dois livros têm o mesmo autor, mas não temos
acesso a eles diretamente de forma não mediada. O que temos são olhares humanos
sobre eles, que são passíveis de erro, possibilitando a ocorrência de conflitos. Como
fazemos para resolver esses potenciais conflitos? Primeiro, ter a esperança de que
natureza e escritura vêm de Deus e, por isso, precisam concordar. Como já dizia
Calvino, “toda verdade é verdade de Deus”. Se um cientista ateu descobre uma
verdade sobre o mundo criado de Deus, o fato dele ser ateu faz com que aquilo deixe
de ser verdade? Não, pois aquilo que é verdade vem de Deus!
Acontece que não podemos jogar fora uma revelação de Deus e manter outra.
Não podemos nos dar ao luxo de acreditar somente na escritura e ignorar algo que o
próprio Deus disse pela Revelação Geral. Da mesma maneira, não podemos ficar
somente com a natureza e ignorar a Bíblia. Continue perseguindo a ciência e a
Teologia até que a unidade subjacente entre natureza e escritura se torne clara.
Assim, continuamos trabalhando nas duas para que vejamos a concordância que é
necessária entre os dois livros.
AULA 04 – A NATUREZA EXIBE OS ATRIBUTOS DE DEUS
Imagem 1
Imagem 2
Imagem 3
Imagem 4
Imagem 5
Quando olhamos para essas belas imagens das galáxias de telescópios que
estão instalados no espaço, temos um sentimento de grandeza, de ver quão
majestoso é o universo. Como exemplo, temos as imagens 1 e 2, tiradas pelo
Telescópio Hubble. Já a imagem 4 foi tirada pelo Telescópio James Webb. Por fim, a
imagem 5 é um comparativo entre o Telescópio Hubble e o Telescópio James Webb.
O sentimento que temos ao ver essas imagens é semelhante ao que temos ao
contemplar a natureza. Palavras como “glória, beleza, poder, extravagância,
criatividade, fidelidade, inteligência, imensidão e complexidade” adquirem vida
quando contemplamos tais imagens. Trata-se de uma linguagem universal, e não
surpreende que a natureza cause esse sentimento de devoção, quase religiosa, nas
pessoas – mesmo para quem não é religioso. A natureza proclama coisas que
parecem levar para além dela, e nós, crentes em Jesus, cremos que são os atributos
de Deus.
A escritura nos ensina sobre os atributos, mas é a natureza que mostra sua
incrível extensão. A ciência, por sua vez, revela partes da natureza que não podemos
detectar com nossos sentidos “desarmados”, ou seja, sem uma luneta, sem um
telescópio, sem um microscópio. Os instrumentos da ciência nos revelam partes da
natureza que antes estavam inacessíveis. A nossa resposta de fé mais fundamental
à criação de Deus é a adoração. A adoração atinge níveis diferentes quando temos
noção da natureza e do universo criado por Deus.
Existe um texto bíblico que gosto muito, que é Salmos 103:11-12: “Pois seu
amor por aqueles que o temem é imenso como a distância entre os céus e a terra. De
nós ele afastou nossos pecados, tanto como o oriente está longe do ocidente.” Sugiro
que façam uma pausa e vejam uma animação disponível em um site1, ela mostra a
escala do universo. Passeando um pouco por esta representação, podemos
contemplar melhor o que o salmista quis dizer. A Bíblia está nos ensinando que o
amor de Deus por aqueles que o temem é como a distância entre os céus e a terra.
Acontece que o salmista não tinha noção, por exemplo, do quão longe o ocidente está
do oriente, e mesmo assim essa é a afirmação que ele faz sobre tal distância. Por isso
é que eu digo: adoração é a nossa resposta de fé mais fundamental à criação de
Deus, porque a ciência nos ajuda a adorar cada vez mais e melhor. Graças a Deus
1
Site com a escala do universo: https://htwins.net/scale2/
pela ciência, que nos revela, através dos seus instrumentos, o quão longe o nosso
pecado está de Deus e o quão grande é o seu amor para conosco – como a distância
entre os céus e a terra, assim ele nos ama. Quando conhecemos mais da ciência,
quanto mais sabemos sobre o mundo criado, melhor fica nossa adoração, pois a glória
e a majestade de Deus se tornam muito mais tangíveis para nós.
AULA 05 – A CIÊNCIA MODERNA NASCEU EM BERÇO CRISTÃO
Seguindo o nosso módulo de fundamentos, outro fator que deveria fazer com
que nós, cristãos, levássemos a sério a ciência é o de que ela nasceu em berço
cristão. Quem está dizendo isso não sou eu, mas sim especialistas. Eles afirmam que
o cristianismo forneceu um ambiente extremamente favorável ao surgimento da
ciência. Algumas pessoas questionam isso, afinal, até que ponto se pode afirmar que
a ciência é filha do ocidente cristão? Alguns argumentam que existiu ciência no mundo
islâmico, no mundo grego, na China antiga e em outras regiões do mundo. Mas o fato
é: este empreendimento – a ciência – que mudou a história da humanidade, e
perdurou a ponto de causar a Revolução Industrial, aconteceu na Europa ocidental
cristã dos séculos XVI a XIX. A ciência, apesar de ter havido lampejos e ideias
científicas em outras culturas e países, não se sustentou a ponto de termos
instituições, e de uma série de coisas que aconteceram ao seu redor, que
possibilitaram que ela se tornasse uma força cultural na sociedade e, além disso, que
mudasse o mundo – como vimos acontecer nos últimos 400 anos, desde Galileu
Galilei.
Com isso, Hooke acrescenta: “... os remédios de todos eles só podem decorrer
da filosofia real, mecânica, experimental.” O que ele quer dizer com filosofia real,
mecânica e experimental? Ele está falando do empirismo: o fazer científico como
conhecemos hoje. Assim sendo, a ciência moderna – que é a ciência empírica de se
debruçar sobre um laboratório e descobrir o que há na natureza – é uma ideia
relativamente recente. Agora, uma crença cristã alerta sobre o fato de não podermos
confiar na mente humana, e sobre a necessidade de fazer ciência empírica.
Chamamos isso de empirismo. Francis Bacon foi um dos principais cientistas a
levantar essa ideia. O empirismo baconiano, que é a base da ciência até os dias de
hoje, tinha como plano de fundo uma crença cristã. Ou seja, a ciência empírica surgiu
por causa da crença cristã.
Vocês devem recordar que, na primeira aula, eu trouxe imagens que colocam
em oposição ciência e religião. Gostaria de retomar a imagem abaixo:
O homem que está representando a ciência em 1611, em oposição à religião,
é Galileu Galilei: um católico profundamente religioso e convicto da sua fé e Cristo.
Em outras palavras, aquele que é considerado o pai da ciência moderna era um
crente. E não para por aí, ao ler a história da ciência, percebe-se que há vários
cientistas religiosos. Abaixo, temos exemplos de alguns deles:
Isaac Newton, por exemplo, conhecido como um grande físico, que inclusive
serve como referência para muitos ateus, que dizem “eu não comemoro o Natal, mas
sim o dia de Isaac Newton”, ele era profundamente religioso. Um dado interessante
sobre Newton é que ele é dono de um projeto em Oxford chamado Newton Project,
em que escanearam todos os escritos dele. Ao analisarmos, percebemos que ele
escreveu muito mais páginas sobre interpretação bíblica e religião do que sobre Física
e Matemática. Ou seja, Newton era um teólogo. A ciência dele tinha tudo a ver com a
sua crença em desvendar o mundo criado por um Deus criador.
Uma parte muito importante da nossa jornada é esta aula. Precisamos entender
que, segundo a fé cristã ortodoxa, tradicional, Deus age por meio dos processos
naturais que a ciência estuda. Quando olho belas paisagens, como do Parque
Nacional de Aparados da Serra, lembro-me de uma fala típica da minha mãe: “Só
Deus mesmo para fazer uma paisagem tão bonita!” O pequeno Tiago responderia:
“Não, mãe! Essas paisagens dos cânions foram formadas ao longo de muito tempo
por processos de intemperismo, principalmente erosão fluvial.” Sabemos,
geologicamente, que foi assim mesmo que tudo isso aconteceu. Agora, o ponto é:
então não foi Deus, foi o intemperismo, foi a erosão. Uma vez que conheço o
processo, o mecanismo, quer dizer que Deus perde o emprego? Nós, cristãos, cremos
que Deus age por meio desses processos naturais que a ciência estuda. Às vezes
não nos damos conta de que cremos nisso, mas vou lhes mostrar que sim.
Temos que ter cuidado com o pensamento de que Deus está apenas nas coisas
que nós não entendemos, nas coisas para as quais não temos explicação. Será que
Deus está só no milagre? Estou querendo dizer que, muitas vezes, as pessoas agem
da seguinte forma: se a ciência explica, não foi Deus. Essa é uma ideia muito perigosa.
Pensar “a ciência não explica, logo é Deus” faz com que Deus seja apenas uma peça
do quebra-cabeça. Chamamos esse pensamento de “o deus-das-lacunas”. A Teologia
cristã não funciona assim. Na verdade, esse foi o grande problema de um movimento
chamado Teologia Natural, que teve seu auge com William Paley, no séc. XIX. Ele
olhava a natureza e dizia que tudo era muito complexo, então foi obra de Deus.
Acontece que estudiosos foram descobrindo como aquelas coisas foram formadas de
forma natural, o que deu origem a um movimento chamado Deísmo. Conforme a
ciência foi avançando, não era mais necessário invocar Deus para explicar as coisas.
Chegou ao ponto de que o lugar que sobrou para Deus foi, simplesmente, o daquele
que deu corda no mundo e deixou as coisas funcionando de forma natural. Um Deus
deísta, que não se relaciona com o homem.
Será que não temos, hoje, uma mentalidade deísta? Quando há milagre, Deus
agiu. E quando não há? Isso não é fé cristã, pois nós cremos que Deus está agindo a
todo momento. Onde está Deus na operação regular da natureza? Vamos para a
Bíblia procurar a resposta. O Salmo 104 fala muito sobre o mundo natural, sugiro que
faça uma pausa aqui e leia ele por completo. No versículo 10, por exemplo, ele diz:
“Fazes jorrar as nascentes nos vales e correrem as águas entre os montes.” Ou seja,
existe um processo natural das águas correndo, mas é Deus que o faz acontecer. Há,
também, outros trechos bíblicos como esses, como Jó 36:27-28 e Jó 37:10.
Percebemos, então, uma sinergia na Bíblia entre o agir de Deus e o agir da natureza.
A Bíblia entende que Deus faz tudo, mesmo que saibamos o “como”.
Gosto muito de uma frase do Rev. Aubrey Moore no livro Science and Faith de
1889, que diz: “Não existem, nem podem existir, quaisquer interposições divinas na
natureza, pois Deus não pode interferir com Ele mesmo. A Sua atividade criadora está
em toda parte. Não existe divisão de trabalho entre Deus e a natureza, ou entre Deus
e a lei... Para a teologia cristã, os fatos da natureza são atos de Deus.” Agostinho
disse de forma mais simples e profunda: “Natureza é o que Deus faz”.
Acontece, porém, que a natureza é como um livro aberto que está diante de
nós, mas que não se lê sozinho – é necessário um ser humano para tal tarefa.
Contudo, trata-se de um ser com uma razão caída, não confiável. O que temos, então,
é uma interpretação humana sobre a natureza, que chamamos de ciência. Da mesma
maneira, a escritura não é autoevidente. Se você deixar a Bíblia aberta em sua casa,
ela não se lerá sozinha. Deus escreveu um livro de palavras, de verbos, de páginas,
e ele precisa ser lido por uma mente humana. Chamamos isso de interpretação
bíblica, ou teologia. Observe o esquema.
Por isso, quando olhamos para a ciência, e temos uma conclusão científica,
precisamos nos perguntar: estamos fazendo boa ciência? Ela retrata bem a realidade
que estuda? Se cremos que Deus se revelou através da natureza e que a ciência é
uma interpretação nossa dela, devemos nos questionar se estamos sendo bons
intérpretes da natureza que ele criou. Talvez você se surpreenda em saber que, por
exemplo, existe um site chamado Geocentricity que é um canal atual de geocentristas.
No site, podemos ler a seguinte afirmação: “Este site é dedicado à relação histórica
entre a Bíblia e a astronomia. Assumimos que sempre que as duas estão em
desacordo, é sempre a astronomia - isto é, nossa ‘leitura’ do ‘Livro da Natureza’, não
nossa leitura da Bíblia Sagrada – que está errada.” E mais: “Ainda não foi feito nenhum
experimento que prove que a Terra está se movendo. Na verdade, muitos
experimentos apenas confirmaram que ele não se move.”
Perceba que, se a minha fé cristã exige que a Terra seja imóvel, posso dar duas
respostas. A primeira é rejeitar a afirmação científica e dizer que é má ciência, que é
o que esse grupo faz. No entanto, é preciso entender que essa lógica vale para o outro
lado também, pois, da mesma forma, temos uma interpretação humana da escritura –
que é a teologia. Assim como perguntamos se estamos fazendo boa ciência, devemos
perguntar se estamos fazendo boa teologia, se estamos interpretando bem a Bíblia
que Deus nos deixou. Isso significa que podemos rejeitar afirmações científicas, logo,
podemos rejeitar a afirmação de que a fé cristã exige que a Terra seja imóvel.
Afirmar que a fé cristã exige algum fato científico pode gerar alguns problemas
para nós. A fé cristã exige que a Terra seja imóvel? Acredito que não. Mas será que
ela exige que a evolução biológica seja falsa? Alguns dirão que sim, pois a Bíblia
declara que os seres vivos não evoluíram. Então, a fé cristã pode coexistir com a
evolução? A natureza está aberta à investigação e à interpretação humana,
chamamos isso de ciência. Se a ciência diz que a evolução ocorreu, logo, o
cristianismo é falso. No entanto, preciso me perguntar: a ciência que diz que a
evolução ocorreu é boa ciência? Pode ser que cheguemos à conclusão de que não,
de que se trata de uma má ciência. Porém também pode ser que haja bons indicativos
que nos mostram que a evolução realmente ocorreu. Será que não teremos que
rejeitar o “exige” da frase “a fé cristã exige que a evolução seja falsa”? Talvez, a
conclusão a que chegamos, de que a fé cristã não pode coexistir com a evolução, seja
um erro de interpretação da Bíblia.
2
O Caso Galileu – BTCAST ABC² 019 – Disponível em: https://bibotalk.com/podcast/galileu/
O erro de interpretação está no campo da teologia e dos estudos bíblicos.
Digamos que a teologia diz que a Bíblia ensina que os seres vivos não evoluíram.
Será que, realmente, a Bíblia nos ensina isso? Como eu leio esses textos? Será que
não tenho uma interpretação bíblica possível que me permita acreditar que os seres
humanos evoluíram? A Bíblia não está ensinando que os seres vivos não evoluíram,
ela simplesmente não fala nesse assunto. Ou seja, eu preciso me perguntar se estou
fazendo boa teologia quando chego a alguma conclusão a respeito da Bíblia. Por isso,
meu ponto é que nós estamos sempre com a tarefa de sermos bons intérpretes dos
dois livros que Deus nos deu.
Sendo assim, os conflitos percebidos entre ciência e fé cristã tem a ver com
leitura e interpretação da Bíblia e da natureza. Por essa razão, é fundamental termos
ferramentas para avaliar se a ciência a que temos acesso é uma interpretação fiel da
natureza criada por Deus. Da mesma forma, precisamos analisar se a nossa leitura
bíblica está sendo fiel à revelação escrita de Deus. O que Deus está dizendo a respeito
do seu mundo através da ciência? Como devemos interpretar a Bíblia quando ela fala
do mundo natural? Essas são perguntas fundamentais que devemos responder.
AULA 08 – CIÊNCIA E CIENTIFICISMO – PARTE I: O SALTO DE FÉ
Esta aula será dividida em duas partes, e começaremos com o salto de fé. É
muito importante, quando ouvimos alguém falar em ciência, que consigamos separar
aquilo que é ciência daquilo que é religião e filosofia. Com isso, quero dizer que ciência
tem a ver com método, observação, teoria, leis. Em outras palavras, trata-se de fatos
científicos: coisas que são mensuráveis e testáveis. Na academia, falamos sobre o
critério de falseabilidade. Para algo ser científico, é necessário que seja falseável. De
forma simplificada, podemos dizer que, para ser considerada fato científico, a coisa
precisa ser testável. Aquilo que não se encaixa nesse critério é do campo da crença:
metafísica.
A fim de que você compreenda como é importante essa separação, vou dar um
exemplo. Carl Sagan foi um astrofísico muito famoso nas décadas de 70 e 80. Havia
um programa famoso na TV brasileira chamado Cosmos, baseado em um livro dele.
Hoje, inclusive, há uma série na Netflix chamada Cosmos que é como uma releitura
da série original de Sagan. Carl Sagan, um grande cientista e ateu, é um bom exemplo
para falarmos daquilo que estou propondo: a separação entre ciência e religião. Ele
tem uma frase muito famosa, que abre a série Cosmos e o livro: “O Cosmos é tudo
que há, tudo o que houve e tudo que haverá.” Agora, compare-a com a seguinte frase,
também de Sagan: “O universo observável tem 93 bilhões de anos-luz de diâmetro.”
Você consegue perceber que são duas frases bem diferentes? A segunda é uma frase
científica, pois consigo testar. Ou seja, trata-se de uma afirmação que está no campo
da Física. No entanto, quando Carl Sagan diz que o Cosmos é “tudo o que há, tudo o
que houve e tudo que haverá”, ele está fazendo uma afirmação metafísica. É uma
frase não é ciência. Consegue perceber?
Um bom exemplo para ilustrar é o seguinte. Imagine uma célula humana média,
que tenha 10 µm. Um micrômetro é um milímetro dividido por 1000. Então, estamos
falando de uma célula pequena. Dentro dela, há algo chamado núcleo, e dentro dele
o DNA, uma molécula que contém o código genético. Você deve se recordar, se
concluiu o ensino médio, que o DNA vai se dobrando até se empacotar, mas é possível
esticá-lo como uma fita. Imagine, agora, que cada célula tenha cerca de 1 metro de
DNA – apesar de ser uma estimativa errada, pois sabemos hoje que são cerca de 3
metros. Para efeito de causa, vamos trabalhar com 1 metro de DNA dentro do núcleo
de cada célula. É muita coisa! A informação genética em 1 metro de DNA equivale a
30 volumes da Enciclopédia Britânica. Para quem não lembra, é o ancestral da
Wikipedia. Estamos falando de algo absurdo. Agora, se você pegar todo o DNA de um
ser humano, considerando 1 metro de DNA, é possível fazer a viagem entre Terra e
Sol – 150.000.000 km – 70 vezes. Isso é a quantidade de DNA que carregamos em
nosso corpo.
Nesse momento, você pode estar pensando: que fato maravilhoso da ciência!
Só Deus mesmo para criar algo assim. Mas o meu ponto é: Richard Dawkins conhece
esse dado. Acontece, porém, que o salto de fé dele faz com que ele creia que não há
Deus, e que tudo isso é uma coincidência. Isso acontece porque sua cosmovisão é
ateísta. Um cristão, no entanto, olhando esse dado, chega à conclusão de que há
Deus. O que você precisa compreender é que a conclusão da questão do embate
entre “há Deus” e “não há Deus” não faz parte da ciência, ela é um salto metafísico.
Quando olhamos para a ciência, temos que ter muito cuidado sobre qual a conclusão
que tiramos, pois ela é baseada nos compromissos do nosso coração – na nossa
cosmovisão. Concluindo, todos nós temos um compromisso metafísico implícito, e é
ele que nos faz dar um salto de fé quando olhamos para a realidade. É por esse motivo
que pessoas diferentes olharão para a mesma realidade e chegarão a conclusões
completamente diferentes.
AULA 09 – CIÊNCIA E CIENTIFICISMO – PARTE II: EXEMPLOS
O problema é que boa parte da ciência que escutamos hoje em dia possui uma
metafísica materialista implícita, que está embarcada e não é reconhecida. Os
discursos científicos têm uma filosofia embarcada, o nome dado a isso é “sequestro
metafísico da ciência”. Quando Carl Sagan diz que “o Cosmos é tudo o que há, tudo
o que houve e tudo que haverá”, a frase pode soar científica, mas não é. É uma frase
que possui uma cosmovisão de que não há outras coisas além do cosmos, e isso não
é científico, e sim metafísico – é filosofia. O mesmo acontece com a frase de Richard
Dawkins que vimos anteriormente: “O universo que observamos tem precisamente as
propriedades que deveríamos esperar se, no fundo, não há projeto, propósito, bem ou
mal, nada a não ser uma indiferença cega, impiedosa.” Apesar de parecer um discurso
científico, trata-se de um discurso cheio de religião, de filosofia. Se não podemos
testar, não é científico.
Desse modo, o cientificismo não passa de crenças. Não há como fazer testes
para provar frases como as citadas. Estamos falando de posições metafísicas, logo,
se não há como provar, são posições de fé. São frases que podem estar corretas,
porém que possuem o mesmo valor epistêmico de alguém como eu que diga “não, a
realidade última do universo não é só matéria e energia”.
Para encerrarmos esta aula, precisa ficar bem clara a diferença entre o que
chamamos de materialismo filosófico – ou naturalismo – e o materialismo
metodológico. O primeiro é uma posição filosófica que afirma que a realidade é
matéria e energia, que não há Deus, e que não há nada além disso. Trata-se, de certa
forma, de uma corrente filosófica ateísta. A ciência não pressupõe o materialismo
filosófico, pois ela não tem ferramentas para chegar a essa conclusão. O que a ciência
faz é ter uma atitude de materialismo metodológico. Isso quer dizer que, quando vou
para o laboratório fazer ciência, eu assumo a priori que fenômenos naturais terão
causas naturais. É uma metodologia materialista: para eu fazer o experimento,
assumirei que causas naturais darão conta dele. E que espíritos, Deus e a dança da
chuva não influenciarão no resultado. Se eu tenho uma cosmovisão de que os
espíritos são reais e agem o tempo inteiro, muito provavelmente a ciência não irá se
desenvolver. É o que acontece com sociedades indígenas, por exemplo.
Terminamos a aula anterior com a pergunta: por que a maioria dos cientistas é
ateu? Será que é assim mesmo? Quero contar uma história para ajudar a responder
essa pergunta, que é uma percepção bastante comum entre as pessoas, de que a
maior parte dos cientistas não acreditaria em Deus e, por isso, ciência e religião estão
em conflito. Em 1997, houve dois artigos científicos nas duas principais revistas
científicas do mundo, a Science e a Nature. Ambos diziam sobre coisas parecidas: a
aproximação que já estava ocorrendo entre ciência e religião.
Qual porcentagem dos cientistas pesquisados você acha que respondeu “sim”
para as duas questões? Surpreendentemente, nessa pesquisa, 40% dos cientistas
respondeu que concorda com as afirmações. Isso mostra que, muitas vezes, a pose
da ciência ser ateísta pode ser simplesmente uma ilusão, e que no íntimo boa parte
realmente crê em algo transcendente. Você pode dizer que essa pesquisa é muito
antiga. Há uma pesquisa muito recente chamada Religion Among Scientists in
International Contexts (RASIC), coordenada pela Elaine Howard Ecklund, que
pretende observar o que os cientistas pensam numa perspectiva global. Para isso,
foram visitar e enviaram questionários os seguintes países: França, Hong Kong, Índia,
Itália, Taiwan, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos. Eles obtiveram 9.422
respostas, uma amostra grande se considerarmos estudos sociológicos. Depois,
conduziram 609 entrevistas face a face com os cientistas.
Vamos começar por aquele que já estamos falando desde a aula 01, que é a
ideia mais comum que as pessoas têm de ciência e religião: o conflito. Nessa
perspectiva, trata-se de duas forças que estão disputando o mesmo território. Ian
Barbour dá alguns exemplos de pessoas que servem de ilustração para o conflito,
uma delas é Richard Dawkins, que já citamos anteriormente. Ele afirma: “A religião é,
em um sentido, ciência. Mas é uma má ciência. (...) As religiões têm, historicamente,
sempre tentado responder às questões que são próprias da ciência.” Dawkins é
daqueles que acredita que a religião deveria deixar de existir, visto que não contribui
em nada com o mundo.
Do lado religioso, porém, temos ideias bastante parecidas. Henry Morris, por
exemplo, é o chamado pai do movimento criacionista moderno. Ele tem algumas
frases que ilustram bem o conflito de que fala Barbour. Morris afirma que “a revelação
divina do criador do mundo afirma que ele fez tudo em seis dias há alguns milhares
de anos atrás. A Bíblia contém todos os princípios básicos sobre os quais verdadeira
ciência é feita.” Ele vai ainda mais fundo ao dizer que a Bíblia é um livro de ciência,
colocando uma posição de conflito entre religião e ciência.
Peter Harisson fala, portanto, das razões pelas quais a ideia de conflito surgiu.
De forma bastante clara, ele nos explica as forças que estavam ativas no século XIX,
de onde surgiu a ideia de conflito. Uma coisa que é importante dizer é que essas
histórias que ele conta, como a de Galileu, que foram tidas na época como exemplos
considerados paradigmáticos para falar da relação ciência e religião, surgiram, em
grande parte, por conta de dois livros: A History of the Warfare of Science with
Theology in Christendom, de Andrew D. White, e History of the Conflict Between
Religion and Science, de John William Draper. Esses foram os autores que
propagaram esses mitos, e tinham uma agenda política por trás de seus livros, que
buscava legitimar a nova profissão de cientista em oposição à igreja. Até então, era a
igreja que financiava a ciência.
Há outro vídeo que explica bem a tese do conflito. Trata-se de uma animação
disponível no YouTube3. Ao assistir a ele, você perceberá que, no final, a narradora
fala que a ciência e a religião podem coexistir, afinal, a ciência nos diz como o mundo
funciona e a religião nos diz o porquê. Essa fala é um ótimo exemplo da visão que
chamamos de independência entre ciência e religião, que é o segundo modelo de
Barbour para explicar como as pessoas lidam com essa relação. Na próxima aula,
falaremos sobre a independência.
3
Science vs Religion – Disponível em: https://youtu.be/z6jT783WYq8
AULA 12 – MODELOS: INDEPENDÊNCIA E DIÁLOGO
A maneira que Gilkey utilizou para dizer que não é necessário brigar, pois
ciência e religião são diferentes, apesar de compatíveis, foi a abordagem da
Independência. Em seu discurso, ele colocou quatro pontos em evidência: 1. A ciência
procura explicar dados objetivos, de domínio público, reproduzíveis. A religião indaga
sobre a existência da ordem e beleza no mundo e as experiências de nossa vida
interior – como a culpa, a ansiedade, a falta de sentido, de um lado, e o perdão, a
confiança, a plenitude, de outro; 2. A ciência formula perguntas objetivas sobre o
“como”. A religião formula perguntas pessoais sobre o “porquê”, o sentido e a
finalidade, nossa origem essencial e nosso destino; 3. As bases da autoridade da
ciência são a coerência lógica e a adequação experimental. A autoridade religiosa
suprema pertence a Deus e a revelação, compreendida por meio de pessoas que
receberam a iluminação e o discernimento e validada em nossa própria experiência;
4. A ciência faz previsões quantitativas que podem ser testadas experimentalmente.
A religião precisa usar uma linguagem simbólica e analógica, porque Deus é
transcendente. Essa é uma solução frequente para evitar o conflito.
Ian Barbour diz que “... o conflito só existe quando as pessoas ignoram estas
distinções – isto é, quando os religiosos fazem afirmações científicas ou quando os
cientistas extrapolam sua área de especialização e promovem filosofias naturalistas.
A compartimentalização, no entanto, evita o conflito, mas o preço de impedir qualquer
interação construtiva.” Aqui, Barbour está colocando problemas na abordagem do
conflito. Na verdade, se for feita uma análise mais profunda, religião e ciência podem
e devem conversar.
Quando vemos perguntas como “o que havia antes do Big Bang? Quando toda
matéria e energia do universo estavam condensadas em um ponto, onde estava esse
ponto se foi o próprio Big Bang que criou o espaço?” Um teólogo chamado Thomas
Torrance disse o seguinte: “A ciência propõe perguntas que ela mesma não consegue
responder.” Quando isso acontece, pode haver diálogo. Esse é o nosso terceiro
modelo de Ian Barbour para relacionar ciência e religião. Há pessoas que entendem
a relação de ciência e religião como a de um diálogo, elas podem conversar entre si.
Barbour diz que, enquanto a independência enfatiza as diferenças entre elas, o
diálogo enfatiza as semelhanças. E sim, há várias semelhanças. Ele identifica três
categorias de semelhanças: nos métodos, nos pressupostos e nos conceitos.
Além disso, Barbour também diz que as questões de bioética – como “certo ou
errado” – não podem ser respondidas pela ciência. Para isso, uma resposta ética,
religiosa precisará entrar em cena. Sendo assim, temos paralelos metodológicos,
segundo Barbour, entre ciência e religião. Será que a ciência é tão objetiva quanto ela
alega ser? Será que a religião é tão subjetiva quanto dizem por aí? Sobre isso,
Barbour aponta que sabemos que há uma seleção de dados científicos que
frequentemente está viciada pela teoria. A seleção dos dados científicos depende da
teoria que o cientista tem em mente, daquilo que ele quer que os dados corroborem.
Assim, pressupostos teóricos interferem na seleção, interpretação e descrição de
dados.
Esses são os três primeiros modelos de Ian Barbour para relacionar ciência e
religião. Vimos, anteriormente, o conflito. Agora, trabalhos o conceito de
independência e de diálogo. Na próxima aula, daremos um passo além, fazendo um
tipo de integração entre ciência e religião.
AULA 13 – MODELOS: INTEGRAÇÃO
Nesta aula, trataremos da integração, o último modelo proposto por Ian Barbour
sobre as maneiras como as pessoas relacionam ciência e religião. Nela, ciência e
religião estão dando as mãos, indo além do diálogo. Barbour diz que as diferentes
visões de integração entre as áreas buscam um alto grau de unidade conceitual que
falta nas posições do diálogo. Como vimos, o diálogo permite uma conversa, já a
integração se propõe a dar um passo além. Houve várias tentativas históricas, e até
contemporâneas, de integração entre ciência e religião.
A Teologia Natural de Paley tem a ver com toda essa discussão, que está muito
bem explicada no livro Deus e Darwin, de Alister McGrath. Ele explica exatamente
como era a ideia de Paley e de como Darwin se encaixa nesse contexto. É um livro
excelente para quem gosta de história e quer se aprofundar no assunto. Assim, a
Teologia Natural é um exemplo de tentativa de integração entre ciência e religião. Isso
caiu em desuso ultimamente, filosoficamente foi-se constatando que é problemática,
pois, como vimos nas aulas anteriores, a maneira como olhamos a natureza já está
determinada por uma cosmovisão. Desse modo, não existe um olhar neutro.
Contraponto a ideia de que olhando o design podemos chegar ao designer, John
Henry Newman dizia não crer no designer porque vê o design, mas sim ver o design
pois já cria no designer. Como já tenho fé em Deus, vejo o design na natureza. É a
evidência da cosmovisão, do compromisso do coração.
Quem defende esse pensamento é o próprio Alister McGrath, e ele utiliza muito
a seguinte frase de C. S. Lewis: “Eu creio no cristianismo como eu creio que o sol
nasceu: não porque eu o vejo, mas porque através dele eu vejo todo o resto.” O
cristianismo é isso. Eu não vejo o cristianismo diretamente, mas ele ilumina a
realidade, ele é os óculos com os quais vejo o mundo. A visão das Teologias da
Natureza evoca a ideia de como o mundo se parece quando é visto com os óculos de
uma tradição de fé. Isso está bem explicado no livro Teologia Natural: Uma Nova
Abordagem, do McGrath. Ele utiliza o termo Teologia Natural para, na verdade,
promulgar uma espécie de Teologia da Natureza.
Outra coisa que já abordamos foi um resumo prático da ideia de que, como a
natureza está aberta à interpretação humana, aparentemente a ciência está afirmando
que algo chamado “evolução” ocorreu. Por isso, precisamos nos perguntar: a evolução
é boa ciência? Ela é uma religião ou dogma? O que é, ou não, a evolução? Muitas
vezes, ao se referirem à evolução, as pessoas estão falando de outra coisa, que não
é aquilo que a ciência diz ser. Contudo, vimos também que a Bíblia está aberta à
investigação e à interpretação humana, a chamada teologia. Nesse contexto, muitas
pessoas concluem que a Bíblia ensina que os seres vivos não evoluíram. Aqui está
posto o conflito – no campo da nossa interpretação da natureza e da escritura.
Precisamos nos perguntar: estamos fazendo boa teologia?
Perceba que ele está dizendo que a visão evolutiva nos dará uma nova religião.
O que ele está fazendo? Nós falamos que, a partir da ciência, damos um salto
metafísico, ou salto de fé, e ele está fazendo isso, através da evolução biológica, para
chegar à conclusão de que não há Deus. Isso não está na evolução em si, segundo
nossa definição do termo. Não há nada na definição de evolução que fale da
existência, ou não, de Deus. A evolução ignora Deus – tanto para sim quanto para
não. Ou seja, Julian Huxley está fazendo um salto de fé em direção à disteleologia.
No entanto, isso está no campo da crença dele. Minha pergunta é a seguinte: será
que não podemos olhar para a evolução e dar um salto de fé em direção à teleologia,
ao plano e ao propósito? Será que a evolução não é a evidência que o Deus criador
utilizou para cumprir os seus propósitos criativos? O que impede o Deus criador, todo
poderoso, de usar um processo natural para cumprir seus propósitos criativos?
A segunda pessoa que quero apresentar é Ken Miller. Ele é autor do livro de
biologia mais usado nos Estados Unidos – e em países de língua inglesa em geral.
Se você é um aluno de ensino médio nos Estados Unidos, provavelmente utilizará um
livro dele. Ele é um cristão que aceita a evolução. Por último, temos Francis Collins,
diretor do Projeto Genoma Humano, ex-diretor do NIH, cristão evangélico convertido
adulto e vencedor do Prêmio Templeton – prêmio dado para pessoas que fazem uma
grande contribuição na área do diálogo entre ciência e religião. Inclusive, Collins
fundou um instituto para ensinar cristãos que é possível aceitar a evolução tendo uma
fé ortodoxa, conservadora e evangélica.
Daniel Dennet é um exemplo de alguém que faz essa mistura de evolução com
sua cosmovisão ateísta. Segundo ele, “a teoria darwiniana é uma teoria científica
excelente, mas não é só isso. (...) a ideia perigosa de Darwin penetra muito mais fundo
na estrutura de nossas crenças mais fundamentais do que muitos de seus apologistas
sofisticados já admitiram, até para eles próprios. (...) O Deus bondoso que
amorosamente moldou cada um de nós (todas as criaturas, grandes e pequenas) e
borrifou o céu com estrelas brilhantes para nosso deleite – aquele Deus é, como Papai
Noel, um mito da infância, nada que um adulto são e não iludido poderia literalmente
acreditar. Aquele Deus deve ser transformado em um símbolo de algo menos concreto
ou totalmente abandonado.”
4
A fé de Darwin – BTCAST ABC² 021 – Disponível em: https://bibotalk.com/tag/charles-darwin/
é necessário rejeitar a fotossíntese, pois ela é a maneira como Deus escolheu cuidar
delas. A evolução seria, então, a forma que Deus usou para criar.
Além disso, o termo evolução teísta pode dar uma ideia equivocada de
“evolução + Deus”, e não é isso, Deus não age na evolução de forma intervencionista.
Ele é aquele que criou as leis físicas que fazem com que o processo se desenrole.
Em geral, quando Deus intervém e faz um milagre, ele o faz para ensinar uma lição
para os seres humanos. Portanto, não sei se temos uma boa razão para crer em um
Deus que ficava intervindo na história da vida na Terra quando ainda não havia sequer
um humano, afinal, conforme o relato evolutivo, o ser humano surgiu recentemente.
A partir disso, você precisará ler e estudar sobre como interpretar e ler a Bíblia.
O livro do Paulo Won é uma boa indicação – E Deus Falou na Língua dos Homens.
Respondendo à pergunta anterior, muita gente pensa que sim, é necessário que a
Bíblia concorda com a ciência. É o caso de Richard Dawkins, que diz que “a religião
é, em certo sentido, ciência. Mas é uma má ciência.” Acontece que existem pastores,
teólogos cristãos que também acham que essa concordância é necessária.
Chamamos essa visão de concordismo científico. O argumento é: se não podemos
confiar na Bíblia para falar de ciência, por que deveríamos confiar nela para falar de
qualquer outra coisa? Se a Bíblia, aparentemente, não concorda com a ciência, deve-
se rejeitar a ciência.
Você se lembra dos geocentristas? Eles são concordistas e têm uma leitura
bíblica que acredita que a Bíblia ensina que a Terra é imóvel, então rejeitam a ciência
para ficar com sua leitura específica. Porém, se a Bíblia precisa concordar com a
ciência, com qual ciência ela precisa concordar? Com a ciência do século XIII de
Tomás de Aquino, amplamente influenciada pelo pensamento aristotélico? Ou ela
deve concordar com a ciência do século 1 a. C., dos astrólogos? Ou será que deve
estar de acordo com a ciência do século XVII, de Newton, Kepler e Galileu? Talvez
com a ciência atual, dos séculos XX e XXI, ou com a do século XXIII, que sequer
sabemos como estará.
O que acontece é que este não é o jogo que devemos jogar, pois ele se volta
contra nós. Pense comigo. Se eu afirmo que a ciência prova que a Bíblia é verdadeira,
quem está no pedestal? A Bíblia ou a ciência? É a ciência que tem que atestar a
veracidade da Bíblia? Quem está em primeiro lugar? A verdade da Bíblia é de outra
ordem, ela não precisa da confirmação científica. Claro que precisamos de boa
teologia bíblica e boa exegese, precisamos aprender a ler esse livro, pois, se formos
submeter a Bíblia à ciência, estamos dando uma arma na mão do ateu, ou uma
desculpa, para ele rejeitar o evangelho da salvação. Muitos cientistas não se
aproximam do evangelho, porque fazemos tal tipo de leitura.
Quando olhamos para o céu, vemos azul. Observe o que está escrito em
Gênesis 1:6-7: “Depois disse Deus: ‘Haja entre as águas um firmamento que separe
águas de águas’. Então Deus fez o firmamento e separou as águas que ficaram abaixo
do firmamento das que ficaram por cima. E assim foi.” O céu é azul porque, da
perspectiva do observador, há água lá em cima e, para segurar a água, há algo
chamado firmamento – do hebraico rāqîa‘ []רקיע, que derivada do verbo rāqa‘ []רקע,
usado em dois contextos apenas na Bíblia: 1. Aplainando metais, batendo-os como
que com um martelo para formar finas folhas de metal, conforme Êxodo 39:3:
“Bateram (rāqa‘) o ouro em lâminas delgadas, as quais cortaram em fios...”; 2.
Contexto de criação do céu, conforme Jó 37:18: “Acaso podes, como ele, estender
(rāqa‘) o firmamento, que é sólido como um espelho de bronze fundido?” O firmamento
era uma estrutura sólida, por isso algumas traduções traziam como abóbada celeste,
ou domo celeste. Precisava ser sólido para segurar as águas de cima. De onde vem
a chuva? Das comportas ou janelas do céu, já que tem água em cima. Essa é a visão
do cosmos do mundo antigo, e a conhecemos porque ela é comum a povos do entorno
do povo de Israel, os babilônios entendiam o firmamento assim.
Além de poesia antiga, tem teologia divina nesse texto, e há bibliotecas escritas
sobre isso: Deus criou o mundo; O mundo é muito bom; Humanos carregam a imagem
de Deus; Todos os humanos pecaram; e Deus nos julga pelos pecados. Se olhamos
para esse texto tentando encontrar ciência, perdemos o foco da mensagem teológica
– que é o mais importante.
5
Palestra de John Walton: https://www.youtube.com/watch?v=Kc2PI6HYk5g
Como Ler Gênesis, de Tremper Longman III, e Gênesis Hoje: Gênesis e as Questões
da Ciência, de Ernest Lucas.
6
Site da ABC²: https://www.cristaosnaciencia.org.br/loja/
7
Site da TheoLab: https://www.theolab.org.br/