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OBRâS DA AUTORA

Corações de Crianças (Leituras preparatórias), 1 vol de


134 paginas, eartonado. — 2$500
Primeiro Livró de Leitura («Corações de Crianças»)', 1
vol. de 108 paginas, cartonado. — 2§000 -
Segundo Livro de Leitura. («Corações de Crianças»), 1
vol. de 144 paginas, cartonado. — 2$500
Terceiro Livro de Leitura («Corações de Crianças»), 1
vol. de 172 paginas, cartonado. — 2$500
Quarto Livro de Leitura («Corações de Crianças»), 1
'vol. de 212 paginas, cartonado. — 3$000
T^ita de -Jfâ. {Barreto

TERCEIRO LIVRO

KDRAÇOES DE CRIANÇAS
Série de contos moraes e cívicos
Approvada pelo Governo e adoptada
pela Directoria Geral da Instrucção Pública para as Escolas
e Grupos Escolares do Estado de S. Paulo

<3

LIVRARIA FRANCISCO ALVES


» DB
PÃÜLO DE AZEVEDO & CIA. '
166, RuA no Ouvídob, 166 — Rio de Jaseibo
s. PAULO I . BBLLO HOEIZOHTB
129, Rua Libero JBadaró I Rua da Bahia, 1055
1924
A’ memória de meus queridos paes

Snr. Francisco Julio de Araújo dfâacedo

D. Francisca de Aráujo Macedo

A’ memória dos meus caros irmãos

Tfo, Nhônhô, Chiquita e Alfredo

Ofjereço dedico e consagro

A autora.
Rio, 26 de Março de 1913

Sinto-me á vontade para dizer algo a respeito des­


tes livrinhos. destinados á primeira leitura das crianças
das' nossas escolas públicas.
Encontro nelles mijjtos dos princípios pedagógicos
aconselhados pelos mais reputados mestres, e tenho co­
nto certo que, bem comprehendido o objecto cio ensino
da leitura, darão óptimos resultados.
Bem comprehendido o objecto do ensino da leitura,
repito; pois, èm geral, tal objecto parece ainda desconhe­
cido, salvo raras e lionrosissimas excepções, na maioria
de nossas escolas.
Releve-me a rudeza da affirmativa. Ella nasce, po­
rém. do que hei observado nas escolas da zona que me
coube inspeccionar.
'Qual é, de facto, .0 objecto do ensino da leitura?
E conseguir pensamentos.
Só nos é licito dizer que lemos, quando assimila­
mos os pensamentos da página que nos é dada a lêr.
Para attingirmos a esse resultado, é mister que seja
grande o cabedal de nossas idéas, afim de, relacionadas
„ás palavras que entretecem as sentenças, podermos ap-
prehender o pensamento que estas registam.
' Ora, o thesouro de idéas de uma criança é com- I
nnimmente muito pobre.
É preciso, por isso, augmeníàl-o todos os dias, pri­
meiro pelo conhecimento das coisas, depois pelo dos fa-..
ctos, até que, pela expériéncia, ella possa dominar os pen­
samentos mais simples com a imprescindível nitidez de ■
percepção mental.
Dahi a importância do méthodo intuitivo, em quasi
todas as phases do ensino preliminar.
O que importa, pois, de modo absoluto, para -que
chegue uma criança a íêr, isto-é, assimilar pensamentos,
é que as -idéas insertas nas páginas do seu livrinho de
leitura "sejam já do domínio da sua consciência.
Sob este ponto de vista, os livrinhos da Sr .a profes-.
sora D. Rjta de Macedo Barreto são magníficos.
Todas as palavras usadas na composição das s^qs.
historietas são já do uso corrente das crianças que cur­
sam as nossas escolas públicas. Dizer isto é affirmar an­
tecipadamente que todos os seus pensamentos serão des­
de logo assimilados pelos pequeninos leitores.
Por outro lado, essa leitura assim bem comprehen-
dida tornàr-se-á uma apreciável gymnástica' para o espi­
rito infantil, desenvolvendo-lhe, sem maiores esforços, as
faculdades da assimilação, ao mesmo passo que lhes irá
infiltrando no consciência os pensamentos moraes que ella
vincula.
E isto é importante. Como acertadamente diz Pau­
lo Pizzurno, assim como, o desenvolvimento e vigor dos
músculos suppõem o exercício destes, é mister que o
músculo moral, por assim dizer, também-se exercite para
se desenvolver e avigorar.
E a leitura exerce' uma influencia tão decisiva no
sentido do bem ou do mal que o professor deve áppli-
car-lhe os seus melhores cuidados.*
Ler, dissemos acima, é conseguir pensamentos.
Mas, quaes são os pensamentos que deve uma
criança adquirir pela leitura?
Sómente aqüelles, diz Sarah Arnold, que valem a
pena de ser adquiridos, isto é, os pensamentos nobres,
elevados, formosos e puros.
Melhor seria para ella não ler nunca, do que em­
pregar. seu conhecimento da leitura em adquirir idéas
más e sentimentos rasteiros. É mister, por isso, cuidar
muito e muito de que a matéria e assumptos escolhidos '
sejam bons é dignos de consideração.
CORAÇÕES DE CRIANÇAS preenclíein, ainda a este
respeito, cabalmente o seu fim.
Mãe de oito filhos, é mãe êxtremosa, a autora, no
seu trabalho, nada mais fez do que reproduzir as acções ,
que ia observando, dignas de registo, em cada um delles,
á medida que se lhes iam evoluindo os bons sentimentos..
Cada um é o protagonista de algumas das narrativas, as-"
sim como cada assumpto é uma acção surprehendida eni
flagrante na sua vida infantil.
Dahi nascem a simplicidade e spntimento de todas -
as historietas, que deverão certamente influir com toda a
sua força emotiva na formação étliica dos pequenos leito­
res a que sé destinám. . ■' ■ ' \
Estes são ús melhores predicados que se nos depa­
raram nos 'livrinhos da distincta professora paulista, e
que orientarão,' podemos affirmar, para um melhor ca­
minho, o ensino da leilura nas nossas escolas publicas.
Recommendamol-os, pois, com todo o enthusiasmo,
ao illustrado-professorado de S. Paulo.

Arnaldo Barreta
OPINIÕES
"A Sra. D. Rita de Macedo Barreto, distincta pro­
fessora paulista, acaba de publicar e de nos offerecer a
' série, em tres volumes, de livros de leitura para uso de
nossas escolas e grupos escolares, a que denominou “Co-
rações_de Crianças”. Como bem,o declara, é uma colle-
cção de pequenos contos para o ensino moral e civico.
Esta questão de livros de leitura nas escolas publicas
não é' tão simples como póde a principio afigurar-se aos
que se não dedicam á resolução dos problemas pedagógi­
cos. Pelo contrario, a literatura didactica pede requisitos,
senão mais difficeis, ao menos mais especiaes do que
qualquer outra. As qualidades de singeleza dos assum-
ptos, dé simplicidade no estylo, de facil accessibilidade
ás intelligencias infantis, reunidas á necessidade de tornar.
a leitura, ao mesmo passo que util, agradavel, interes­
sante, têm feito “échouer” mais de um espirito illustrado.
E embora se afigure paradoxo, a verdade é que se torna
muito difficil a uma intelligencia de alto cultivo descer
ao nivel das crianças. Este dom pertence mais geralmente
áquelles que por circumstancias varias se adaptam ao
meio infantil. E nestas condições se encontra a autora
do livro, que tem a seu favor o ser mulher, e ainda mais
— o ser professora; e mais ainda que tudo — o ser mãe.
Com effeito, essas tres condições se revelam a cada
• passo, em cada lição, em: cada conselho, em cada exemplo,
quer pela escolha dos assumptos, quer pela suavidade no
dizer, quer pela moralidade^ e bondade que transpiram de
todas as lições, onde não sê encontra nenhum mau 'exem­
plo, nenhuma dessas costumeiras “partidas” de péssimo
gosto com que se procura divertir as crianças e que não
OPINIÕES

r-irl vezes lhe suggerem outras peiores. De cada cap'i-j


túlo de cada historieta se póde sempre tirar um exenL ■
nlo digno de imitação. A maldade raras vezes é lembra­
da c quando o é nunca deixa de ser apresentada ao pé ;
da’virtude opposta. para que seja esta que impressione o
espirito do infante e lhe desperte a emulação para o bem. •
Assim, pois, consideramos excellentes livros de leitura to-’^
dos os tres’volumes da série “Corações %de Crianças”; ej
a par dos nossos agradecimentos pela gentileza do offere-
cimento, damos parabéns á autora por os ter escripto, e\
ao Estado por os ter adoptado no ensino publico official.” >
(Do Correio Paulistano, de 19 de Janeiro de 1914}

Trecho do parecer apresentado pelo inspector escolar "


Sr. José Couto sobre o livro “Leituras Preparatórias”, da
série “Corações de Crianças”, de que é autora a profes- .
sora D. Rita de Macedo Barreto: •
“Illniq. Sr. Dr. Directof Geral da Instrucção Publica. |
“Em óbediencia ao vosso despacho de 8 do corren­
te, exarado no requerimento incluso, em que a professo- 9
ra D. Rita' de Macedo Barreto, adjuncta do grupo esco- ■
lar do “Arouche”, pede approvação e adopção, nas es- T
colas e grupos escolares do Estado, do seu livro intitu­
lado “Leituras Preparatórias”, cumpre-me vos èxpôr leal •
e Succintamente 0 meu juízo sobre este trabalho didactico.
Li, com a necessária attenção, as suas 131 paginas,
admirando, com prazer, as lições leves, bem graduadas,
interessantes é variadas, ao lado das magníficas» i1 lustra--
ções, e apraz-me confessar que é- um livrinho que satis-. ,
laz plenamente ao fim a que se destina: servir de suave
transição entre qualquer cartilha analytica e um primei-.J
ro livro de leitura.
Sempre se proclamou, com sobeja razão’, a necessi- j
f ac e.imprescindivel de um livro como este, em que a criança
OPINIÕES

encontra, por assim dizer, uma segunda cartilha, pela


continuação do mesmo methodo e processo de ensino
seguidos naquella primeira aprendizagem.
Uma vez terminada uma cartilha, cuja repetição
nunca se deve pennittir, o alumno receberá com inefável
alegria este bom livrinho, que o conduzirá suavemente‘á
leitura de qualquer primeiro livro.
' Os exercícios indicados em seguida ás lições consti­
tuem um guia é um auxiliar de inestimável valor para o*
professor, além. das vantagens puramenté pedagógicas,
que fartamente encerram e que redundam em beneficio
dos jovens estudantes.
As quadras populares, escriptas em caracteres ma-
nuscriptos, de typo vertical, em boa hora aconselhadas1
pelo emerito educador e mui distincto collega, Sr. Ar­
naldo Barreto, — familiarisam desde logo as crianças
com a leitura deste typo calligraphico, hoje mui recom-
mendado pela sua incontestável superioridade.

Penso que o livro “Leituras Preparatórias’’, de


D. Rita de Macedo Barreto, intelligente e dedicada pro-
fessora paulista, pôde ser approvado, afim de ser adop-
tado nos nossos grupos escolares.
Attenciosas saudações, (a) José Narciso de Camargo
Couto”.
(Do Diário Official, de 4 de Abril de 1914).
OPINIÕES

Trecho de uma carta do distincto professor Augus-”|


to Penteado, M. D. Director do Grupo Escolar de Brotas: |
“Recebi, e agradeço o livro que teve a gentileza' \
de enviar-me. Sinto-me bem em declarar que é realmen- M
um trabalho de valor, avantajando-se a outros que pre- '
parem a transição da cartilha para o primeiro livro de
leitura, pois os assumptos são curtos e attrahentes, des- '
pertando interesse entre as crianças,
“Hoje experimentei uma leitura nos primeiros an-j
nos e todos os alumnos das secções “B e “C” conse- '
gúiram ler sem esforço. A’ vista disso, resolvi substituir
o livro que estava usando pelo—“Corações de Crianças” ;
> (leituras preparatórias), ficando assim esse livro (i.ó, 2.0 |
e 3.0) adoptado em todos os annos do grupo.”
16 de Agosto de 11414.

Trecho de uma carta do illustre professor Elisiario j


de Araújo, M. D. Director do Grupo Escolar de S. Car­
los do Pinhal:
“Exma. collega D. Rita de Macedo Barreto :
Respeitosas saudações.
Este mez foi que adoptei o seu livrinho “Corações I
de Crianças”, escripto para o pTimeiro anno.
Por occásião dos exames de Setembro ultimo; cha-1
mei á leitura, no referido livrinho, alumnos que ainda |
não haviam terminado o “Meu livro”, de Theodoro de
Moraes, e pude então verificar ser perfeitamente possí­
vel a transição da cartilha para o “Corações de Crianças”, |
porque, , em geral, os alumnos leiam, sendo mesmo que
muitos o fizeram sem hesitar.
Demais, o livro é pequeno, leve, e de apparenciaa
muito sympatica."
OPINIÕSS 15

iDa secção -‘Resenha de Livros”, da “Época”, de


20 de Dezembro de 1914, transcrevemos o seguinte tre­
cho de um artigo do Dr. Fabio Luz, illustre literato è
inspeçtor de ensino na Capita] Federal:
“A lindíssima e bem cuidada “série de contos mo­
raes è civicos” —- “Corações de Crianças”, de autoria
de D. Tkita de Macedo Barreto, já deveria ter sido an-
notada nesta resenha de livros, si não tivesse estado eu
afastado algum tempo das çolumnas deste jornal, por mo­
tivos múltiplos que não vale apena rememorar.
Os livros da distincta educadora, approvados pelo
governo e adoptados pela directoria Geral da Instrucção
Publica do Estado de S. Paulo, são de uma encantadora
ternura, attrahentes, empolgantes na simplicidade de suas
narrativas nos ensinamentos humanos e carinhosos, de
uma terna e impressionante moralidade de costumes e de
pensamentos. A feitura, as gravuras, a boa. escolha das
poesias e dos assumptos recommendam como preciosida­
des a série, que se compõe de quatro livros: leituras
preparatórias, primeiro, segundo e terceiro "livro, com a
denominação geral de “Corações de Crianças”. Que o
nobre exemplo da distinçtissima professora seja seguido!”
] As estrellinhas do céo
< OK que está Amelinha. tão preoccupada
olhando para o céo? ; ; ....
A noite é húmida e fria, e ella nada, sente !
A sua querida boneca; atirada ao lado 'pa­
rece estar completamente .esquecida.
Pobre pequena! Tem'razão para estar triste.
Hontem, ao levantar-se, disse-lhe a mamãe
que o papae, aquelle
pae tão bom, tão mei­
go, tão trabalhador,
estava muitp doente.
O medico viera vel-o
e achara-o muito mal.
A’ noite, antes de
deitar - se, Âmelinha
ajoelhou-se ,e pediu a Jesus que curasse o seu
papae.
Hoje, levantou-se muito' cedo, correu á
cozinha e, em vez de achar o fogo feito, como
tg tkrcbiro livro__

sempre, e as chaleiras a ferver para o café, viu


sua mãe. alheia a tudo.
sentada, com a cabeça pen­
dida sobre os braços, cho­
rando amargamente.
O pae peiórara muito.
Amelinha passou o
dia triste e pensativa, e
agora, ao anoitecer, abriu
a janella do quarto.
— Vou fazer um appello ás estrellinhas.
Elias estão muito perto de Deus, e podem dar-
lhe facilmente o meu recado.
E’ por isso que Amelinha está assim ajoe­
lhada á janella, olhando para o céo, sem -se
importar com o vento, nem com o frio, nem
com a boneca, pedindo ás estrellinhas que ro­
guem a peus faça o papae sarar depressa.
— Que bom ! Que bom! Amanhã é feriado !
— Então, Mauro, não
gostas da escola! ?
— Não, papae, a. es­
cola é muita aborrecida.
A gente, ali, tantas horas
sem poder falar, nem rir,
ném brincar ! O estudo me
enfastia.
— Hoje aborre­
ces a escola, mas da­
qui a muitos annos,
cheio de trabalhos e
rodeado das ingrati-
dões do mundo, terás
saudades delia.
Lembrar-te-ás con­
tinuamente do teu
20 terceiro livro Ãffiffll

mestre tão bom e paciente para comtigõ. e- ■


para com os teus collegas. Lembrar-te-ás tam­
bém das feições cordiaes e innocentes dos teus
companheiros. Áté da tua carteira, das lousas; '
da mesa, do armario, tu te recordarás. :
Ha de assaltar-te então uma grande sau- j
dade da tua infancia, de teus paes. de teus '
irmãos, de teus collegas, e has de dizer : .-J I
Oh ! Quem me dera ■ voltar áquelle tempo de-
escola que eu lamentava tanto !
Conheci um homem muito rico e feliz I
que. entretanto, dizia sempre :
— "O melhor tempo de,minha vida foi
aquelle que passei na escola."
.. - OANNINHA, a costureira que mora
em frente de casa, quando chega dõ trabalho.
leva sua avó a dar un>pas-
seio pela estrada que vao
ter ao rio.
Que bello campo ! Que
copadas arvores! As flo­
res são lindas, e o ar c
puro e perfumado.
Em vez de brin
Joanmnha dá o brá
não pode andar sem
amparo, por ter as
pernas trôpegas e
tremulas.
A costureirinha
sente muita alegria
em lazer a querida
vovó contemplar o
TERCEIRO LIVRO

campo, as arvores, as flores e respirar o ar puro


e fresco da. tarde. Sem o auxilio da neta a
pobre velha se veria privada deste prazer. ' :
Como é bonita Joanninha com seus cabellos:
de ouro e com seus grandes olhos de saphira!
Os vizinhos, quando ella passa, olham-na
com um olhar cheio de ternura, de respeito, de
amor!
Por que será ? Será por a acha­
rem muito linda?
Não.
E’ que através do' corpo de
Joanninha vêem a sua alma, e esta
é mil vezes mais formosa.

ô
Ante a bandeira
Altaneiro pendão da liberdade.
Estandarte da paz e da esperança.
Cuja egrégia divisa as ííases lança
Da mais larga e geral fraternidade!
Senha augusta da pátria, nobre herança
Do tocante labor da antiguidade,
Onde o sacro, saber da humanidade
Mostra ás eras por vir grata bonança !
Nunca zelo sem fé teu plano altere,
Antes busque entender, preze e venere
Esse voto de amor no lemma expresso!
Não tremules nos campos de batalha.
Nunca sirvas a um povo de mortalha.
Mas de pállio nas festas do progresso!
Alipio Bandeira.
Paulo uma pobre viuva que trabalha muito.
sustentando com diffículdade a casa.
Tem duas filhas: a mais velha.já pode
ajudal-a um pouco; a outra é ainda pequenina.
Em um dia de iin­
verno, Gilda, que é a
mais velha, fbi entregar
uma trouxa de roupa la­
vada.
Ao chegar ■ á 'casa
da fregueza, esta notou'
que a pequena tremia
de frio.
— Pobre menina!
pensou. Está a tremer
de frio e as minhas filhas deixam os agasalhos
em tão bom. estado.
E cheira de piedade deu-lhe uma capa de
a dos Pyrineus que fora de uma de suas
filhas.

4
TERCEIRO LIVRO 5

Gilda embrulhou-se to- .


da. Como estava bem as­
sim! Que calorzinho agra­
darei sentia!
Chegando á casa já á
noitinha, foram deitar-se.
Gilda dormia em cima de'
uma caixa de madeira for­
rada com uns trapos, e a
mãe e a irmãnzinha, em
um colchão velho estendido perto da caixa.
Ao deitar-se, a menina cobriu-se com a
capa e olhava muito fixamente para a pobre
cama onde dormiam a mãe e a irmãzinha.
E quando percebeu
pela respiração que'
ambas dormiam, le-
vantou-se pé ante pé
e collocotf a capa so­
bre ellas.
De manhã quando
a mãe acordou e se
viu tão bem coberta,
olhou surprehendida
para a filha.
Esta, um pouco enleada, desculpou-se:
— A minha capa escorregou e cahiu na tua
cama. O que vale é que não está fazendo frio.
A mãe chegou-se a Gilda e deu-lhe um
beijo cheio de ternura.
Morava num bairro e tinha o gabinete no
centro da cidade.
Homem laborioso, dava o bem estar- que
podia á .sua grande família.
Nas vizinhanças de José veiu estabelecer-
se- um outro dentista. Este, no fim de algum
tempo, talvez porque tivesse família- menor.
ou por ser mais moço e portanto ^maisagil
no serviço, pôde mandar edificar uma casa.
na qual montou um rico
e confortável gabinete.
José ficou louco de
^0^/. cobiça. Não dormia, ííáp.
tinha socego, não pen­
sava senão na casa e no.
gabinete do vizinho'.^ |
Que fez então ? ■ ?J
Começou a trabalha’
TERCEIRO LIVRO 2?

dia è noite. Marcou aos clientes horas, desde as


'6 até as 18.
Para não perder tempo não sahia do gabi­
nete para almoçar. E.ali, para não interromper
o trabalho, mal tocava na refeição que lhe
mandavam: tal era o afan em aproveitar to­
dos os instantes.
Mas, ao cabo de uns
seis mezes, cahiu de ca­
ma.
Os médicos acharam
que a moléstia de José
era fraqueza e uma dys-
pepsia, devido a alimen­
tar-se pouco e fóra de
■horas.
Ficou de cama quasi um mez.
Quando melhorou teve de ir passar dois
mezes em Caxambú.
Gastou todas as economias, e ainda ficou
cheio de dividas.
Wlil Quem mais ama a patria

— Hontem, papae, ouvi um senhor, em


um .discurso, falar: — Aquelles que muito
amam a Patria... Pois ha. alguém que ame
a Patria mais .que outros? !
—Sim, Julio. O ladrão, o assassino, aque­
les que se lançam no opprobrio e que, por is-
so, chamam o desprezo sobre sua pessoa |e
origem, estes homens não amam a Patfia. |
Amam a Patria, Julio, aquelles que pro­
vam este'amor, procuran­
do elevar-se ou sacrifican­
do-se por ella. Tiradentes
morreu pela terra natal.
José Bonifácio, Diogo An-
tonio Feijó, quanto sof-
freram por ella! Caxias,
Osorio e outros correram
para o campo de pomba-
TERCEIRO LIVRO 29

te a defendel-a contra 0
inimigo; Santos Dumonf
e Bartholomeu de Gusmão
procuraram, erguendo-se
até as nuvens, elevar 0
nosso Brasil.
Rio Branco trabalhou
a 'vida toda para
tornar a Patria res­
peitada e vencedo­
ra em todo 0 mun­
do civilizado.
Homens como es:
tes, meu filho, são
os verdadeiros pa­
triotas. ' •
Patria latejo em ti, no teu lenho, por onde
Circulo! E sou perfume, e sombra, e sol, e orvalho
E, em' seiva, ao teu clamor a minha voz responde
E subo do teu cerne ao céo. de galho em galho!

Dos teus lichens, dos teus cipós, da tua fronde,


Do ninho que gorgeia em teu doce agasalho,
Do fructo a amadurar que em teu seio se esconde.
De ti — rebento em luz e em cânticos me espalho!

Vivo — choro em teu pranto; e en) teus dias felizes'


No alto, como uma flôr, em ti, pompeio e exulto
E eu, morto, — sendo tu cheia de cicatrizes, -I

Tu golpeada e insultada, — eu tremerei sepulto 1


E os meus ossos no chão, como as tuas raizes,
Se estorcerão de dor, soffrendo o golpe e o insulto

Olavo Bilac
Simples e util.
Seus ramos, suas flores,
seus fructos não causam
admiração, mas são grandes
os benefícios que elleespalha.
0 linho produz bellos
tecidos, que só~ os ricos po­
dem comprar.
O carneiro dá tecidos
quentes que se usam no tempo
de frio e que também são
- caros.
A seda, tão linda e admi­
rada, só
mente
pode ser adquirida por
aquelles que dispõem de
muitos recursos.
32 TERCEIRO LIVRO

0 linho, a lã e a seda não são para toda


a gente; o algodão, porem, espalha pelo mundo
inteiro, panno para todas as bolsas e para tò-j
todos os tempos. *
O algodãozinho, a chita são modestos té- í
cidos de gente pobre: o nanzuk, as cassas, as 1
percalinas são bonitos e optimos tecidos de ve-a
rão: o raorim pode muito bem supprir o li- .
nho até nas casas remediadas.
No inverno, as flanellas, os cobertores, os I
tecidos, grossos de algodão podem, em caso de |
necessidade substituir a lã.
disse Paulo ao voltar do grupo. Elle ganha
dinheiro do governo para nos ensinar com pa­
ciência e não para estar a
ralhar-nos continuamente.
— Nunca fales con­
tra o teu professor, Pau­
lo! E’ elle um dos me­
lhores servidores que pos-
sue a Patria. Não achas,
meu -filho, qué são dignos
da nossa veneração?" ho­
mens como Caxias, Osorio
, e outros, que abnegados
oifereceram o seu san­

gue á Patria no momento


de perigo?!
— Oh '. sim papae !
34 terceiro livro

— Pois o mestre e o militar devem ter para


nós o mesmo valor. O mestre, com um modes­
to ordenado, trabalha a vida inteira, procu-j
rando* transmittir o que sabe aos seus alumnos,
aconselhando-os para o bem.
O militar, com a espada, evi­
ta que a Patria seja vencida; o mes­
tre, com a penna e o livro, impede •
que ella seja atacada.
A educação dá ao hemem cara-j
cter firme e força de vontade.
Um paiz, cujos homens são edu­
cados e instruidos, é sempre respei­
tado por todas as nações.
O militar vae á guerra e, se;
nella não morre, volta coberto de glorias; o mes-'
tre, no fim de fecunda e ingló­
ria jornada, tem como galardão
a miséria e o esquecimento de
todos, inclusive o de muitos
alumnos aos^quaes ensinou a
dar os primeiros passos no
caminho do dever.
Respeita eama teu mes­
tre. como amas e respeitas teu pae!
Andava muito doente o velho professor...
Por isso elle não tinha agora o mesmo ardor
que outr’ora o possuia e que o animava dantes.
À’s vezes, quando em aula, havia mesmo intantes
em que inclinava a fronte — aquella fronte austéra
onde já desbotára a flor da primavera —
e cochilava um pouco, involuntariamente.
O velho professor andava doente ...
Era, porém, tamanho o bem que nos queria.
que jamais quiz pedir aposentadoria
e manter-se do Estado á custa dessa esmola. ...
Era sempre o primeiro a apparecer na escola
com as suas joviaes maneiras tão sympáthicas,
não obstante sentir umas dores rheumaticas
que o faziam soffrer muito, ultimamente...
34 TBÍkCHlRO LIVKO

velho professor, andava muito doente...


Umdiaelle chegou mais tarde alguns momentos.
'Prazia nas feições signaes de soffrimentos . . .
A pallidez do rosto, os olhos encovados,
denunciavam seus pezares ignorados,-
e, como pr’a tornar a dor mais manifesta,
cavara-se-lhe fundo uma. ruga na testa
c franzia-lhe a cara uma. expressão de horror....

Andava muito doente o velho professor...

A aula começou. Mas, pouco depois das onze,


O velho mestre, o bom batalhador de bronze,
que já pei to de trinta annos, ou mais, havia
que, gigantesco heroe, luctava dia a dia
para a glória da Patria e para o bem da infancia,
dando batalha ao Vicio e combate á Ignorância,
— sentindo de uma dôr os agudos abrolhos,
curvou as nobre cans. cerrou de leve os olhos».

Fóra fulgia o sol. A manhã era calma.


Risonha, a natureza abria a sua alma,
repleta de alegria e cheia de esplendores.
Pela janella entrava o hálito das flores.
E em toda a atmosphera, azul, lavada, fina
resoava, baixinho, assim como em surdina,
um, canto celestial, harmonioso e suave:
— Anjos tocando em harpa alguma cançãode ave.
TERCEIRO UVKO 31

Nisto ergueu-se um alumno, um pândego, um pe-


[ralta,
fabricou de um jornal um chapéo de copa alta
e bem devagarinho (oh, que idéa travessa!)
chegou-se ao Mestre... zás ! enfiou-lh’o na cabeça
e, rápido, se foi de novo ao seu logar ...
O mestre nem abriu o somnolento olhar.
E áquelle aspecto vil de truão, de improviso
rebentou pela aula estardalhante riso.
De súbito surgiu o director na sala...
Demudou-se-lhe o gesto, estremeceu-lhe a fala,
quando elle, transformando a mansidão de boi
em furia de leão, nos perguntou: — !lQuem foi?
“Quem foi esse vilão que fez tal brégeiriçe,
“sem respeito nenhum ás cans desta velhice?!,
“Vamos lá! Sêde leaes, verdadeiros e francos!
“Dizei: Quem offendeu estes cabellos brancos?’.’
Mas ninguém denunciou da brincadeira o autor.
E, como um clowm dormia o velho professor.
O director então chegou-se junto á mesa .. .
Via-se-lhe no rosto o incommodo, a surpresa
de que o somno do Mestre assim se prolongasse.
Curvou-se meigamente e levantou-lhe a face...
Mas recuou tremendo, aterrorado, absorto.'
ãnniquilado e mudo...
0 Mestre estava morto.
Renê Barreto
Antonio era negociante. Em sna casa nada
faltava: boa mesa, boa mobília, bom piano para
as meninas.
Um negocio infeliz, porem, lhe fez soffrer •
uma grande perda. Outro mau negocio e uma
‘longa enfermidade levaram-lhe o resto. Sem|
nada e ainda cheio de dividas, Antónió deses-1
perava-se.
Genoveva animava-o.
— Tem paciencia’<
Tudo se arranjará! Ain­
da és moço e podes tra-j
‘balhar. Esfórça-te e ve-;
rás que ainda seremos .
muito felizes.'
No dia seguinte ella
chamou os filhos e quan­
do vieram falou-lhes:
TBRCB1RO LIVRO 39

— Tudo vae mudar nesta casa. Todas as


despesas inúteis serão cortadas; todo o trabalho
que puder fazer-se não se pagará. Teu pae teve
um atraso: precisamos ajudal-o.
Foi dispensada a professora de musica, a
copeira, a cozinheira.
Genoveva cozinha­
va; suas filhas ajuda-
vam-na a lavar a louça
e punham a mesa.
Os pequenos limpa­
vam o jardim, o- quintal,
o gallinheiro. A sobre­
mesa, o vinho e a man­
teiga ' foram supprimi-
dos.
Antonio, com o credito que tinha, abriu
novamente um pequeno negocio.
Trabalhando elle, a mulher e os filhos, eco­
nomizando o que podiam, pagaram logo as divi­
das e em poucos annos ficavam outra» vez
muito bem.
muito desmazelada.
A mais velha fôra cui­
dadosa desde pequena: o.
seu quarto estava sempre
em boa ordem; os vestidos
escovados e concertados, os
•Mu d .■ ■ livros e as musicas nos lu­
gares respectivos.
No quarto de Fernanda reinava continua-
mentfe a desordem.- toalha
de rosto, sabonetes, escova
" emcima da cama; vestidos
sobre o lavatorio; livros,
tinteiros pelas cadeiras.
No dia de Anno Bom.
cada uma das meninas re­
cebeu de presente um córte de vestido de seda-
O de Al tina era azul; o de Fernanda, côr de rosa.
No dia de Reis, ambas. foram com elles á ■
missa,.
IERCEIRU LIVRO

Quando voltaram chovia; ficaram com a


roupa molhada. '
Logo que o tempo melhorou, Altina tra­
tou de ,pôr o seu vestido ao sol para seccar.
Fernanda não teve este cuidado.
Passou-se um mez. A vizinha da frente
ia dar um grande baile e convidou-as.
Não precisavam pensar em vestidos; os
de seda eram lindos e só haviam sido occu-
pados uma vez.
A’ noite foram apromptar-se. Quando Fer­
nanda tirou o vestido do guarda-roupa... que
horror ! Estava todo em-
bolorado!
Altina foi ao baile
e, emquanto ella por lá
se divertia, Fernanda
em casa, por entre as
cortinas da sala de vi­
sitas, via dançarem e chorava, pensando no
resultado do seu desmazelo.
Õ cumprimeqto do doVer

UE bonita fita yi hontem no ci­


nema, papae! Era a representação de um desas-,
tre. marítimo.
Um navio bateu de
encontro a um banco de
gelo. 0 choque foi me­
donho! Os passageiros,
cheios de terror, corriam
para todos os lados pro­
curando salvar-se.
Que balburdia! A
agua a invadir o na­
vio; homens, mulheres e crianças, afflictos,
não sabiam o que fa-
zer. Os moveis, atira-
dos contra as paredes •
pelos solavancos do na­
vio, cahiam em pedaços.
E no meio de tu-
tn nalliHn ^S^°> 0 CapdãO mui-
to pallido, os músicos de bordo, os marmhei-
tos, os machmistas, trabalhando todos, appa-
THRCBIRC LIVRO 43

• rentemente calmos, coúio se nada de anormal


estivesse acontecendo.
Por fim o telegra-
phista trabalhava com
agua até aos joelhos.
O capitão chegou per­
to delle: — Salva-te!
cumpriste o teu dever.
— Não; responde
o rapaz. .Quero morrer
no meu posto. Em quan­
to puder tocar o apparelho, daqui não sahirei.
Passados alguns instantes, o capitão voltou
a insistir com o telegra-
i. . phistã para que se salvasse.
:' áV* — Sou só no mundo. Não
tenho paes, não tenho ir-
ma°s! Salvae-vos vós, que
í ' ■ v°ssa esposa e ’ filhos vos
esperam dé braços abertos.
— Eu ?! Nunca. O capitão ‘deve ser o
ultimo a abandonar o navio e tem de morrer
nelle se preciso fôr. No caso de minha mu­
lher e meus filhos ainda virem a abraçar-me.
não abraçarão úm covarde!...
Neto de cem avós de nome conhecido,
Herdeiro do esplendor, da lança e da couraça
Eu tenho, como tu, era cima do appellido,
Também o meu brazão e o timbre de uma raça.fl

Tu mostras‘de teus pa.es a histórica estatura


A semear de glória, o chão da heroicidade;
Eu mostro o braço yil de minha gens obscura,
A grangear no solo o pão á humanidade.

E dessa glória até. se lhe' chega ao fundo,


Também cada um de iióso espólio lhe arrecada...
Tu dizes: Foi meu pae quem conquistou o mundo
Eu digo: Foi o meu quem lhe forjou a espada!
TBRCSHRO LIVRO 45

Homem de sangue azul! Eu, um vilão provado,


Que, quando a vista atraz um século volvesse,
Não poderia achar nas trevas do passado
Nem um ninho sequer o qual meu nome lesse.

De erguida fronte digo:—Em cousas de grandeza,


Colléga, dá-me a mão: tu vales o que valho.
A tua vem do rei e chama-se — Nobreza.
A minha vem do povo e chama-se — Trabalho.

Cláudio Nunes.
A. Patria
/ •<< A MÃE, eu ouço falar nas bellezastl
dos outros paizes, no seu grande progresso, em |
suas riquezas e monu­
mentos. em tudo em-
fim. Mas parece-me que
os outros, com todas "as
riquezas e bellezas, não.
valem o meu !
Creio que teria um
grande desgosto se não
fosse filho do Brasil.
— Isto não é de admjrar em ti. Lauro,
qúe nasceste em umpaiz como' ò'Brasil, grande,
bello e rico; mas o que te acontece, meu filho,
acontece a todos os homens.
Os moradores, dos polos que vivem no meio
do gelo e quasi ás escuras; os habitantes das
brenhas ardentes da África têm, como tu, o
mesmo .amor da Patria.
TERCEIRO LIVRO

A natureza, previdente como é, parece que


prendeu por um iman ao torrão natal os pés de
todos os filhos — disse um escriptor.
“Se assim não fosse, a terra ficaria quasi
toda deserta. Os homens
se agglomerariam nas
regiões melhores.
“Alguns ha que
obrigados pela necessi­
dade, se sacrificam pela
familia e emigram. Lo­
go, porém, que conse­
guem algum recurso voltam pará a Patria.
“O homem que não ama a sua Patria é um
monstro.” '
e Alzira.
No dia de Natal chamou-as e a cada uma
deu 15$, dizendo-lhes:
— Com este dinheiro
podem vocês comprar o que
lhes aprouver.
Anna comprou uma
boneca muito bonita.
Amélia com orou uma peça de fita e, com
o resto do dinheiro, bellos doces e sorvetes. 1
Alzira, tendo ido á casa de uma vizinha
muito pobre e que estava com uma filha
doente, deu-lhe todo o
seu dinheiro.
A vizinha ficou;
muito Contente, ajoe­
lhou-se aos pés da me­
nina, e disse-lhe:
— Minha filha,
Deus te abehçôe! A
TERCEIRO LIVRO

minha pobre doente já não tinha remedio, 'e


hoje talvez não pudesse tomar um caldo.
A’ noite Julia estava na varanda com as
filhas. Anna, muito alegre, mostrava sua bone­
ca. Amélia dizia que achára deliciosos os doces
e sorvetes. . A
Alzira permanecia calada.
— Sabes, mamãe, o que Alzira fez do di-/.?
nheiro que lhe deste? disse Anna. Deu-o todo
á nossa visinha, á Gertrudes! Que tola, não?!
— Talvez eu seja tola, mas o contentamen­
to que te dá a tua boneca, o prazer de Amélia
ao saborear os sorvetes e doces, estão muito
longe da satisfacção que tive ao ver sorrir a
nossa pobre vizinha, quando lhe offereci o
dinheiro que iria dar conforto á sua querida
doente! •. i
—Tens razão, minha filha, disse Julia,
abraçando-a. Não ha nada mais sublime do que
a CARIDADE.
/\ caridads
(Da Alma Infantil} (1)

Ao canto de um portal, em abandono,


Um pobre cão vadio
Chora talvez a ausência do seu dono.
Tiritando de frio.

(1) Livro de poesias didáctioas de Julio César da Silva


e Francisca Julia.
TERCEIRO LIVRO 51

Prostrado está de íbme e de cansaço;


Apagada, sumida,
Só lhe resta no olhar choroso e baç.g£
Uma pouca devida.

Esse olhar meigo e bom reflecte e. pensa...


E a pensar continua
Na dolorosa e amarga indifferença
Dos passeantes da rua.

Dos seus turvados olhos, clara e mansa,


Uma lagrima róla.
Desce a rua, sorrindo, uma criança
A caminho da escola.

Tem no rostinho uma expressão de gloria


E de intensa alegria:
E que traz bem sabidas, na memória,
As lições desse dia.

Pára ao ver o animal, que se ergue e acorda,


E com muito carinho
Põe-se a alisar-lhe á mão rosada e gorda
Os pêlos do focinho.

Nota com mágua que o cãozinho chora


De fome com certeza:
A alegria que tinha muda agora
Em desgosto e tristeza.
$2 TERCEIRO LIVRO

E tão triste se segte, e de tal modo.


Que, delicada e meiga.
Lhe clifea aos dentes o seu lanche todo,
' De pão, queijo e manteiga.

Agora o cão se anima e se repasta


E todo o lanche come:
Já não tem fome, que esse lanche basta
para matar-lhe a fome.

Ri-se a criança por ter tido ensejo


De fazer essa esmola,
Embora hoje, sem pão, manteiga e queijo,
Tenha de ir para a escola.
tar tanto dinheiro em pagar impostos! Hon-
tem ainda ouvi o homem da venda dizer rai­
voso :
— Este governo! Este governo! E’ só
imposto, mais imposto!
— Meu filho, vou
explicar-te o que é im­
posto e tu não falarás
mais contra elle.
- Nós temos nossas
ruas calçadas, temos
agua encanada, temos
soldados para guardar nossa casa, temos as­
sistência que corre pres-
surosa para salvar nos­
sos doentes, e sabes tu
quem paga essas cou-
sas! O imposto.
Vejamos: se não ti­
véssemos tudo isto de
graça como seria?
TERCB1R0 LIVRO
54_

Ofsenhor que mora ali no numero 16, como.éi


rico, poderia pagar o collegio para os filhos,
mandar encanar agua para sua casa, ter
bons médicos para tratar de seus doentes, ter,
emfim, tudo o que nos é necessário.
Eu que sou um guarda-livros poderíá
com sacrifício, conseguir para nós algumas»
commodidades.
Mas a pobre lavadeira, o operário, o
verdureiro, que. fariam com o pouco ganho
que têm?!
Dahi a necessidade do imposto, que cada;
um paga mais ou menos conforme os seuslu7.
cios. O proprietário, o capitalista, o industrial,
as companhias de estrada de ferro, etc., que
ganham muito, pagam mais impostos; os que
têm menor rendimento pagam menos. Este
dinheiro é arrecadado e guardado no thesoú-
ro, donde sahe para pagar os benefícios que
são igualmente distribuidos por todos.
— Tens razão, papae, nunca mais falarei.
contra o imposto.
Arthur, muito intelligente e applicado, tra­
zia das escolas onde andava muito boas clas­
sificações.
Na academia foi
sempre distincto e obte­
ve as melhores notas.
Tinha, porém, um
grande defeito, que des­
gostava muito a sua
mãe: não parecia ter mu ^amizade aos irmãos.
Carlos nada fez nos collegios onde andou.
Tirando sempre notas baixas consternava os
seus paes.
Cresceram. Arthur teve o prêmio dos seus
esforços, dando um advogado estudioso e habil.
Carlos, após muitos annos, conseguiu for­
mar-se.
Um dia alguém perguntou á mãe delle:
— Arthur tem sido sempre um bom filho.
Qual foi o maior gosto que elle te deu?
TERCEIRO LIVRO

Os seus boletins escolares com boas]


notíTs, os seus exames sempre com distincção
ine deram muita alegria. Fiquei tambend
muito satisfeita quando se formou, mas nu3
ca me esqueço de um grande contentamento
que elle me deu, o maior de todos.
“Desanimada com o procedimento de Car­
los, uma vez lhe disse: — De hoje em dean-’
te não estudarás mais. Sou pobre e não pos­
so jogar dinheiro fóra.
“O pequeno poz-s|
a. chorar. Então Arthur.
chegando-se perto cio ir­
mão. lhe falou qualquer,
cousa em voz baixae,
voltando-se depois para
mim, supplicou-me: j
“Deixa-o, mamãe,
mais algum tempo no
collegio! Vamos ver se'elle sé resolve a estudar!
Não quero que meu irmão seja um ignorante.
“Foi esse o maior gosto que Arthur me
deu. Fiquei nesse dia çontentissima porque nel-
le Arthur revelou quanto amava o irmão, apesar i
da sua apparente indifferença.”
Em casa só procurava dar socego aos paes e
ajudal-Qs no que podia.
No grupo foi. sempre o primeiro alumno
da classe. Na rua tinha procedimento irre-
prehensivel. Jamais alguém o viu rir-se de
um aleijado, deixar de tirar o chapéu ás pes­
soas de idade, ou ceder a calçada ás senhoras
e aos velhos. .. ' ■
Este bom menino gostava muito de cine­
ma. mas seus paes, muito pobres, não o po­
diam mandar muitas vezes a esse divertimen­
to. Çada mez, depois de receberem o ordena­
do, mandavam o filho ao ves-
peral do primeiro domingo.
Uma. vez ia Ernesto des­
cendo a rua das Palmeiras
em direcção do Real, e á
sua frente caminhava o sr.
Cardoso, um homem não
muito velho, mas com as
pernas inchadas derheuma--'
58 TERCEIRO LIVRO

tismo.Por isso, encostaya-so a uma bengala, qúe


de repente se lhe escapou da mão e cahiu.
Por mais esíorço que fizesse, não pôde
pegal-a. As suas pernas inchadas e doloridas
não lhe permittiam curvar-se muito.
As pessoas que estavam por ali não se
incommodaram. \ I
Ernesto, assim que viu '-Mm
a afílicção daquellè homem
doente, correu em seu auxi- -U/t '
lio e apanhou-lhe a bengala. sai -
Cheio de agradecimento, —
o sr. Cardoso segurou-lhe
no queixo e perguntou-lhe:
— Onde moras ? Quero
que os meus filhos vão visitar-te amanhã i e
conheçam o menino bondoso, que sabe proce
der na rua melhor que muitos homens.
Ernesto quiz escusar-se
mas sob a insistência d<:
sr-Cardoso, contou-lhe a ruf
e o numero de sua casa. N<
dia seguinte, elle recebeu t
visita dos filhos daquelle se
nhor. Vinham convidal-p í
ir passar o dia em sua cha
cara. A’ tarde, quando ú
vu,iUWOU 1UC
voltar para casa, o sr. Cardoso lhe UCLl
deu umi
entrada permanente num cinematographo mu
to bom e frequentado, do qual era proprietari<
bonita menina, porém muito orgulhosa.
Sendo filha unica, sua mãe arranjou na
vizinhança, entre a criançada pobre, uma pe­
quena da mesma idade, meiga e docil. para
lhe fazer companhia. -
Desde o dia que a menina chegou, Zorai-
de não perdia occasião de mostrar-lhe a diffe-
rença que existia entre _ambas, ora falando
na sua riqueza ou nos seus vestidos, ora sa­
cudindo-lhe deante dos olhos os doirados ca­
chos dos seus cabellos.
Aos sabbados, Catharina ia a casa ‘buscar
a roupa. Zoraide, que
a acompanhava por dis­
tracção, tinha sempre
nos lábios um sorriso
de mofa, quandò a pe­
quena punha em um
sacco a roupinha ve­
lha e asseada.
Catharina tudo obser­
. 6o terceiro livro

vava, tudo comprehendia, mas conhecendo a


sua posição a ella se resignava.
Uma tarde estavam as duas menina ao
portão da chácara, quando passou um homem
vendendo maçãs.
Tiveram vontade de
comprar algumas, mas não
puderam, porque a mãe
*de Zoraide tinha sahido.
Quando o homem se
foi embora, Zoraide disse
suspirando:
— Oh ! 'que. vontade
tive de comer uma maçã. Por que, Catharinál ■
não furtaste ao menos uma quando estavas
mexendo no cesto?'
— E tu, retrucou-lhe Çatharina, porque
não a furtaste ?
Zoraide, cheia de orgulho e indignação"
ergueu a cabeça e exclamou :
-Eu?! • 1
A pequena por sua
vez ergueu a cabeça e
falou com altivez: I
— Tu estás conti­
nuamente a mostrar-me
que és rica, que és bonij
ta, que vales muito rpais
que eu, mas não consin-
to que me julgues capai
TERCEIRO LIVRO 6l

de uma acção indigna sómente porque sou po­


bre e humilde.
Zoraide admirou-se desta imprevista atti-
tude, mas sentindo-se envergonhada guardou se­
gredo do tacto.

Annos e annos se passaram.


Hoje, Catharina, muito bem casada., recebe
sempre em sua casa Zoraide, — não a orgulhosa
de outros tempos, mas uma senhora distincta..
a quem a experiencia da. vida ensinou que ã vai­
dade só é própria da ignorância.
A bella Corina
(Da Alma Infantil (1)
“Com seu claro e lindo rosto
E altivo porte, Corina
E’ a mais formosa menina
Em que os olhos tenho posto.
(1) Livros de poesias didácticas de Julio Cesar da Silv*
e Francisca Julia.
TERCEIRO LIVRO 63

“O ouro melhor, em novellos,


Os mais ricos pós de ouro '
Valem menos do que o louro
Brilhante dos seus cabellos.

Não ha nenhuma que a exceda


Em elegancia e apparatos;
São caros os seus sapatos
E as meias curtas de seda.

Ninguém delia se avizinha,


A escola inteira a aborrece:
Em cada gesto parece
Ter o orgulho de rainha.

Pois, apesar de tão bella,


Sempre elegante e bem posta,
A professora não gosta,
Nenhum de nós gosta delia.

“Aos pobres olha de cima;


A todos a fala nega;
E’ uma péssima collega
De quem ninguém se approxima.
64 TERCEIRO LIVRO

Tem modos aborrecidos,


Tem sempre um gesto insolente
E um receio de que a gente
Lhe vá sujai’ os vestidos.

E, se ella é muito applicada,


Vive a estudar e a ler tudo.
Não é gosto pelo estudo,
E’ orgulho apenas, mais nada.

Um dia a mestra á menina


. Pediu que se levantasse
E diante de toda a classe
Assim lhe disse: “Corina,

Desprezivel é a vaidade
Quanto é bella a singeleza.;
Só tem valor a belJeza
Que ao lado está da bondade”.
sJLsseBad & e Miloca plantámos duas sementes
de pecegõ no quintal: a minba nasceu e a delia
não. O jardineiro disse
que Miloca calcou mui­
to o chão e que não o
humideceu.
— Para que uma
semente germine, Ru­
bens, é preciso calor,-hu­
midade e ãr. Miloca,
apertando muito o chão,
penetrasse até á semente.
Se o lugar era muito secco, também
era preciso agúal-o para a semente germinar.
Ainda é necessário para isso o calor que exis­
te sempre na terra.
— Se os homens não plantassem as semen- •
tes, não se reproduziríam as plantas, <papae?
— Os homens fazem a disseminação, Ru­
bens: mas as chuvas, os ventos eos passari­
nhos se encarregam também dessa tarefa.
66 TERCEIRO LIVRO ■

Os passaros engolem as sementes, qu


muitas vezes não são digeridas, e nas suas de-
jecções as levam a muitos lugares.
Quando chove, as enxurradas carregam às
sementes a grandes distancias. O vento, por
sua vez, faz o mesmo.
— Àgora já sei tudo, papae.
As sementes, para germinarem, precisjffl
de ar, calor e humidade.
Os passarinhos, o vento e as chuvas au­
xiliam o homem a espalhar as plantas por to­
do o mundo.
— E’ isso mesmo, Rubens.
busta. era pouco asseada. Seus bellos dentes
quasi nunca erarh escovados. Sem que a man­
dassem, não os limpava.
Á pequena'cresceu e tornou-se uma rapari­
ga bonita. Casou com um operário forte e tra­
balhador.
Um dia em que o marido de Chiquinha tra­
balhava em um alto andaime,
este veiu abaixo e o pobre
operário despedaçou-se na
calçada.
Chiquinha, que já não ti­
nha paes, ficou também sem
marido e ainda cóm um fi- •
Ihinho de peito que a priva­
va de arranjar collocaçãb.
Uma tarde chegou a sua casa uma vizinha
que fôra muita amiga de sua mãe e disse-lhe:
— Meu patrão está procurando quem lhe
amamente o filho. Elle é muito rico. Imagine
68 TERCEIRO LIVRO

que bom ordenado, que bellos presente terá


essa ama!
Lembrei-me de ti. On­
de poderá elle achar-uma
ama que seja mais bella,
mais forte e mais robusta
que tu ? Ãpresenta-te hoje
mesmo.
A viuva, muito| con­
tente, foi ao palacete do
capitalista, onde já esta­
vam algumas moças que se
offereciam. Chegou a hora
' O medico ao chegar olhou para Chiquinha;
o seu olhar parecia dizer: — Esta deve ser a
escolhida; nenh uma - a
sobrepuja. E começou o
exame por ella.
Tudo ia muito bem.
Quando lhe examinou
os dentes, o medico fez
uma cara descontente.
Apezar de muito limpos
nesse dia, estavam es­
tragados e já faltavam dois na frente.
Foi immediatamente posta de -lado.
Chiquinha retirou-se desanimada, recordan­
do-se então da sua infancia e das continuas
recommendações que sua mãe lhe fazia, sobre o
asseio dos dentes.
ve, Mariquinha, a conselho do medico, foi pas­
sar algum tempo na roça.
O unico conhecido que sua familia tinha
no sitio era um compa­
dre, o Zacarias, homem
pobre, mas trabalhador
e bondoso.
Foi em casa desse
compadre que. Mariqui­
nha teve de hospedar-se.
Acostumada na cidade com a gente civili­
zada, a menina não sabia ver com bons olhos
aquelle caipirão barbudo, desgrenhado, cober­
to de remendos, grande facão pendurado á
cinta, lenço vermelho ao pescoço, pernas núas,
e sempre a exhalar o cheiro forte do cachim­
bo pendurado na bôca.
Apezar de todo o agrado do caipira, Ma­
riquinha nunca deixava de olhar seu Zacarias
com desprezo e com um sorriso de zombaria.
Sua mãe varias vezes lhe ralhava por isso.
70 terceiro livro

Um dia, a pequena amanheceu adoentada.1


e, em dias consecutivos, teve febre. Seu Zacarias ’
mostrou-se' incansável: ia muitas vezes á cida­
de buscai’ o medico e mandar aviai’ as recei­
tas. Levantava-se á noite para tirar leite da?
vacca, afim de que Mariquinha o tomasse fresco,
emquanto sua mulher ajudava a passar as noi'1
tés, a aquecer o banho, a dar remedios á doem
tinha. O casal de caipiras foi
de uma dedicação sem limites.
Quando a menina ficou
melhor, seu Zacarias deixava
o trabalho ás vezes, para ir
caçar passarinhos ou apa­
nhar fructas frescas a ver se
conseguia abrir o enfraque­
cido appetite á convalescen­
te. Foi então que a mãe de
Mariquinha lhe perguntou :
— Ainda desprezas seu
Zacarias, minha filha? I
— Oh! não, mamãe! Não I
épossivel que haja creaturã
melhor no mundo!
— Debaixo do algo-'
dão grosseiro e cheio de fe- '.
mendos dos nossos caipiras, minha filha, existe ?
sempre uma alma sensível, um coração mlgnrn
proxim?^ tOd° OSacrificio Para o bem do-
no bairro de Botafogo,
| no Rio de Janeiro.
Seu pae era muito
| rico, possuía grandes.
í propriedades.
Nos fundos^do pa-
| lace te, em uma casa
| modesta, «.morava o jar-
dineiro, que tinha uma filha, Clara, um con-
| juncto de belleza e bondade.
Zenaide reunia em casa, tod.Gb- ós domin­
go:,' muitas collegas e
amigas.
Todas traziam, suas
bonecas e brinquedos.
As meninas corriam.
brincavam, dançavam e
se divertiam o dia todo.
A filha do jardi-
neh’o tinha o-rande desejo de entrar nesses
jogos. " '
TERCEIRO LIVRO

. Chegava-se, ás vezes, a uma ou outra me-,


nina que lhe prestava attenção. Uma occasião*
uma houve que lhe ganhou sympathia e co­
meçou a brincar com ella.
Ciará viu ãenaide
chamar de lado a compa­
nheira e falar-lhe:
— Não brinques com
essa pequena: é a filha
do jardineiro.
A pobre menina, muito triste, retirou-se
do jardim, onde nunca mais appareceu aos do­
mingos. '

Annos depois, o jardineiro, que a poder


de trabalho e.economia, conseguira juntar al­
gum dinheiro e 'dar uma éduçaçãó regular á
filha, casou-a com-um homem trabalhador que
mantinha muito bem o seu lar.
O pae de Zenaide perdeu toda a fortuna
e desgostoso e abatido morreu, seguindo-o ao
tumulo sua infeliz esposa.
Clara não soube o que havia, acontecido
á íamilia do ex-patrão de seu pae.
Um dia, .tendo posto no jornal annuncio
para arranjar umo criada, imaginem qual não
TERCEIRO LIVRO
_73

foi sua surpresa, quando, ao abrir a porta á


criada que se lhe oíferecia,
deu de cara com Zenaide.
Esta contou-lhe tudo
o que havia passado até
se resolver a empregar-
se.
Muita penalisada, Cla­
ra offereceu-lhe a casa,.
dizendo-lhe:
— Sou pobre mas a minha casa está á
tua disposição. Vem'mofar commigo. Tu serás,
para mim, uma irmã. 0 pouco que tenho re­
partirei comtigo de muita boa vontade.
A fraterqidade
ODOLPHO ia todos os dias ao'
grupo com seus irmãozinhos — Luiz e Sylvia.
Antonio, um alumno do mesmo grupo, bu-
lia sempre com elles, quando passavam.
■ O rapaz abusava porque Rodolpho, alein
de mais moço, era um menino rachitico.
Havia muito que este se aborrecia com
isso. Mas, como até então Antonio se contentava
em puxai’ um pouco o vestido dejsua irmã, em
pôr a língua para o seu irmãozinho, elle por
prudência ficava quieto. -
Uma occasião o pe-
ralta excedeu-se. Quando
Rodolpho .e os pequenos
passavam proximo ao pbr-
tão x de entrada, extendeu
uma bengala de castão
recurvado e prendeu a
perna de Sylvia, que levou um grande tomM
TERCEIRO LIVRO

Rodolpho, cheio de justa raiva, arrojou-se


sobre o collega e, com
uma força muito supe­
rior, ao seu physico, sub­
jugou-o, atirou-o ao
chão, e deu-lhe muitos
bofetões.
O porteiro e alguns
alumnos os apartaram.
Antonio levantou-se to­
do sujo e com o nariz 'a escorrer sangue.
Os dois meninos foram levados á presen­
ça do director.
Este ouviu a razões de parte a parte.
Um dos alumnos commentou :
— O que admira é como Rodolpho, peque­
no ainda e fraquinho, pôde bater em Antonio.
— Meus filhos, observou o director, a Ro­
dolpho ajudaram-no trez
grandes forças: o carac­
ter, a dignidade e o de­
ver fraternal.
E, vírando-se para Ro­
dolpho :
— Vae, meu pequeno. Não mereces casti­
go senão louvor. Cumpriste o teu dever.
Vê como as aves têm, debaixo d’asa,
O filho implume, no calor do ninho!...
Deves amar, criança, a tua casa!
Ama o calor do maternal carinho!

Dentro da casa em que nasceste és tudo .. .


Como tudo é feliz, no fim do dia,
Quando voltas das aulas e do estudo!
Volta, quando tu voltas, a alegria!
TERCEIRO LIVRO
_77

Aqui deves entrar como num ^templo,


Com a alma pura e o coração sem susto:
Aqui recebes da Virtude p exemplo,
Aqui aprendes a ser meigo e justo.

Ama esta casa! Pede a Deus que a guarde,


Pede a Deus que a proteja eternamente!
Porque talvez, em lágrimas, mais tarde,
Te vejas, triste d’essa casa ausente...

E, .já homem, já velho e fatigado,


Te lembrarás da casa que perdeste,
E has de chorar, lembrando o teu passado...
— Ama, criança, a casa em que nasceste !

Olavo Bilac.
ereta.
Seu pae, gerente de uma grande casa, de
fazendas, tinha um bom ordenado.
Uma vez, conversava elle intimamente com'
a esposa, sem ter visto a filha que, por brin­
cadeira, se havia escondido atraz de umá porta..
— Se não fosse a difficuldade de achar
outro emprego, eu deixaria, o meu patrão. 3
Não posso supportal-oé umihomem sem
caracter e sem escrúpulos.
Passados alguns dias, Dolores foi passear
á casa de uma vizinha.
Lá estava uma se­
nhora, que a chamou e lhe
fez muitas festas.
A menina poz-se a
tagarelar muito e ficou
com a senhora á janella
da rua, emquanto a dona
da casa foi dar alguYnas ordens á criada.
TERCEIRO LIVRO
_79

Nesse momento passava pela calçada do


ladó opposto. o patrão dé seu pae.
-r Aquelle é o patrão de papae, disse
Dolores. Papae não gosta delle, acha-o um ho­
mem sem caracter e sem escrúpulos.
A senhora era a
esposa do negociante.
Naturalmente, referiu ao
marido o que ouvira.
■ Na manhã seguinte
quando o pae de Dolo­
res chegou á loja, seu
patrão disse-lhe secca-
mente:
— O senhor não
pode, ser empregado de um homem sem cara­
cter e sem escrúpulos. Suas
contas estão feitas; pode veri-
fical-as, receber o -que' tem na
casa, e retirar-se.
O pobre homem voltou
para casa’ desesperado e lá
soube quem havia sido a auto­
ra de sua infelicidade.
Perto de seis mezes este­
ve desempregado, e 'durante todo esse tempo
a familia soffreu as maiores privações.
Dolores passava' os domingos sem ir ao
vesperal, não recebeu presente no dia de seus
annos, mas não se queixou.
TERCEIRO LIVRO

Quando o pae obteve outro emprego, el-


la foi ao escriptorio, ajoe-
Ihou-se-lhe aos pés e pediu-
lhe perdão.
— Nunca mais, papae,
serei indiscreta. O soffrimen-
to que passei e que vi to­
dos passarem por minha cau­
sa, curou-me para sempre
deste feio costume.
iima escola, normal. Durante mezes, descuidou-
se um pouco da aula de trabalhos.
Começou a fazer um
bordado, mas, ou por pregui­
ça ou por desleixo, deixou-o
incompleto.
Uma occasião a profes­
sora disse ás alumnas:
— Amanhã é dia das no­
tas. Tragam todas promptos os trabalhos que
--comecei no principio do anno.
Josephina absolutamente não podia, no
dia seguinte, dar conta de uma toalhinha a-
penas iniciada.
— Não faz mal, pensou, pagarei a uma
bordadeira e amanhã apresentarei o trabalho.
Por um acaso, que é sempre o descobridor
go TERCEIRO livro

das mentiras, a professora teve de falar com a'


bordadeira a quem Jose-
phina levára o bordado, I
Lá ella viu a toalhinha. |
No' dia das notas, Jo-
sephina veiu toda contente
mostrar o seu trabalho.
—Esta toalha não fos­
te tu que a fizeste. Ainda
que eu não a visse hon- 'J
tem na bordadeira, não
acreditaria que houves­
se sido feita por ti. Mal
applicada como és nes­
tas cousas, não podes
fazer um serviço assim.
Para não te prejudicar,
não te darei nota alguma
por esta vez.
Josephina ficou cor-|
rida de vergonha.
Não sei como o facto
se divulgou pela escola, e I
Josephina, por mais que
se applicasse dahi em de-
TERCEIRO LIVRO , 83

ante, percebia que todos os professores olhavam


sempre os seus trabalhos com um pouco de des­
confiança.
— Mentira vil! pensava. Uma vez unica em
que me lembrei de recorrer a ti, serviste apenas
para anniquilar-me todos os esforços na vida es­
colar.
que dormia a filhinha doente.
Que vida ardua e fati-
gante! Trabalhar, trabalhar
e o resultado quasi nenhum.
Todo 0 dinheiro que re­
cebia era para médico e
Pharmacia. A filha, quasi
sempre doente, estava agora
peior.
O marido, um vadio, pouco a ajudava: só
ia ao serviço quando isto lhe dava na cabeça. J
Depois que a lavadeira aca-1
bou o engommado, foi pôr de mo­
lho na tina, para lavar no dia se-
guinte, uma porção de roupa que
estava a um canto. De repente
uma cpusa qualquer se despren­
deu da franja de uma colcha e
cahiu no chão.
Mana levantou o objecto e examinou-o. Era
um brinco com um grande brilhante.
TBRCHIRO LIVRO

0 marido que estava deitado, mas que ainda


não dormia, veiu ver o que
era.
— Olá! Que achado! A
dona da roupa não sabe que
esta joia está aqui. Nós a
venderemos e a miséria nos
deixará por muito tempo.
— A dona da roupa
não sabe, replicou Maria,
mas sei-o eu, e é quanto basta! Jamais ficarei
com aquillo que não me pertence.
E na manhã seguinte foi levar o brinco á
fregueza. Esta ficou sa­
tisfeitíssima, pois já ti­
nha perdido a esperança
de achal-o. Depois de
agradecer muito á lava­
deira, deu-lhe 100$, di­
zendo com delicadeza:
— Soube que tua fi­
lha tem peioi'ado,e desde
outro dia estou com este dinheirinho para dar-te.
Quero que nada falte á tua pequena. Voltando
a casa, Maria mostrou os 100$ ao marido:
— Este dinheiro, sim, alegra-me: posso gas-
tal-o sem remorsos.
A arVore
um lado do casebre de Antonio
havia uma mangueira, cuja ramagem, muito den­
sa, escondia qualquer
pessoa que lhe ficasse
entre os galhos.
A casa ficava á beira
da estrada. Era muito
baixa. Por isso os galhos da arvore a cobriam.
— Corta esta arvore, diziam-lhe muitas
vezes. Ella torna atua
casa sombria e húmi­
da.
— Está mangueira-
nunca será derrubada
por mim. Ellafaz parte
de minha familia, é a
minha segunda mãe.
Quando era pe­
quenino, nos seus galhos minha mãe suspendia
TERCEIRO LIVRO

o berço para me acalentar. Em menino nella eu-


pendurava o meu balanço.
No dia do meu casamento foi debaixo desta
arvore que descansei, ao voltar da igreja, da
grande caminhada que fiz á villa. Dahi em deante
e sempre, é á sua sombra que eu durmo á
sésta, ou me refugio para pensar na vida.
Alguns annos depois a villa foi atacada por
forças inimigas. Antonio e sua familia, ao sabe­
rem da aproximação dellas, esconderam-se entre
os ramos da magueira.
Os soldados, depois de lhe saquearem a casa,
retiraram-se sem nem olhar para o lado onde el-
les estavam.

Então Antonio ajoelhou-se e erguendo as


mãos para o céo, exclamou:
S8 TERCEIRO LIVRO j

—Arvore amiga! Nos teus ramos fui em­


balado em criança; á tua sombra encontrei sem­
pre agasalho, e agora, na velhice, salvaste-me a
vida e a dos meus. Em teu tronco jamais tocará
o machado destruidor, emquanto existir eu, ou
alguém que me respeite e ame.
Que plantamos quando uma arvore
plantamos?
(Traduzido do inglez)
Quç é que plantamos, quando uma arvore plantamos?
— Tudo o que se constróe com seu tronco e seuè ramos.
Plantamos o navio, as lindas caravellas,
E o mastro que supporta as enfunadas velas.
Plantamos a carlinga;.a forte e grossa prancha,
Que aos temporaes resiste e' nunca se desmancha;
0 leme que faz ir na desejada trilha;
A hélice veloz; a cortadora quilha.
Quando plantamos, pois, pequeno arbusto esguio,
Na realidade nós plantamos um navio.
g0 TERCEIRO LIVRO
- ; - :
Que é que plantamos, quando uma arvore plantamos ?' . í
_ Tudo o que se constróe com seu tronco eseus ramos.
Plantamos do moinho a longa e móvel asa,
E plantamos também a minha e a tua casa.
Plantamos o barrote, as ripas, a cumieira,
O soalho, a viga-mestra, emfim toda a madeira
Que entra na construcção das molduras das telas,
Do tecto, dos portaes, dos muros, das janellas.
Todas as partes, pois, dá casa em que moramos -J-
E’ o que plantamos quando .uma arvore plantamos. '

Que é que plantamos, quando uma arvore plantamos.? 9


— Tudo o que se constróe com seu tronco e seus ramOM
Plantamos um milhar de cousas muito boas,
Gratas aos corações, como uteis ás pessoas:
E’ ella que nos dá — a arvore plantada —
A haste em que se prende a bandeira adorada.
E a mesa, em torno á qual nossa familia inteira
Se junta ás refeições, e o fogo da‘lareira.
— ella é que nol-os dá, e ainda -uma outra cousa: . '
O berço para a vida, o esquife para a lousa...
Quando plantamos,.pois, cheia de seiva e viço
Uma arvore qualquer — nós plantamos tudo isso. 3

Rene’ Barreto
A embriaguez
(Jfeproclucção cie um /Um) Do caderno de Laura

NOFRE. um bom operário, levado


por más companhias, entregou-se ao vicio da
embriaguez.
Uma noite elle se de­
morou muito na rua. Ven­
do sua mãe chorar, Emi-
lia, a filha mais velha,
cheia de cuidados, prom- '
ptificou-se a ir procural-o.
No bairro eram todos •
conhecidos. Não havia perigo.
A. menina sahiu.
A noite estava fria e o vento cortante,-
mas ella não se incommodou.
Foi a diversos bote­
quins e em um delles deu
com o pae muito embria­
gado, jogando com alguns
companheiros.
A filha " debalde lhe
92 TERCEIRO LIVRO

pediu que voltasse para casa. Elle não atten-


dia, e até lhe deu um empurrão.
Desanimada a pequena voltou, entrandó
em casa sem fazer ruido.
Sua mãe não a sentiu ; com o rosto escon
dido em um lenço, chorava desesperadamente.
Emilia, vendo-a naquelle estado, tomou, a
resolução de voltar ao botequim.
E voltou. Ao entrar viu Onofre brigando
com um companheiro. Este lhe apontava um
revolver ao peito.
Temendo pela vida do pae, a menina avan­
çou de um salto e com seu
pequenino corpo procurou
cobril-o, no momento em
que o homem deu o tiro.
A bala partiu e feriu-a no braço.
Então Onofre, livre, pela commoção. dos.
fumos da embriaguez, vendo a filha coberta
de sangue, julgando-a morta, cheio de afflição,
tomou-a nos braços e sahiu correndo. Só teve
socego quando o medico, em casa, lhe decla­
rou que o ferimento da filha era leve.
Emilia sarou logo e seu pae tomou a fir­
me resolução de nunca mais beber.
reino como Italia, outro império como a Áus­
tria e outros republicas pomo o Brasil, a Fran­
ça, etc.
Minha filha,x as1'formas de governo adopta-
das pelos povos cultosjsão: ou a monarchia^
ou a republica.
A monarchia pode ser um império, um
reino, um principado, um ducado, etc.
— Qual é o governo melhor, mamãe?
— Eu te. explicarei,
Laís, como são as formas
de governo e tu mesma
responderás.
Na monarchia ha uma
familia privilegida que
governa. Quando morre o
monarcha passa b gover­
no para o filho mais velho
°u, em falta de filhos, ao parente mais proximo.
TERCEIRO LIVRO
94 '

Ha bons reis que zelam muito do


que elles consideram como de sua propriedade
Mas acontece também, que a um rei bom 1
virtuoso, succede um rei mau que transtorna
tudo e faz do povo uma victma de seus ca­
prichos.
Vou agora explicar-te o governo da repu-.
blica.
Suppõe que a professora queira escolher
uma menina, para chefe da classe. A quem.
achas.que devia ser dada a preferencia? A’
mais rica, á mais bonita ?
— Não, mamãe, á mais applicada e prin-.
cipalmente áquella que mostrasse possuir mais-
virtudes.
— Sim, tua professora
podia pôr a escolha da che­
fe a votos, e então as alum-
nas votariam nas mais di­
gnas e aquella que tivesse
mais votos seria a escolhida.
Assim é na republica.
mens conhecidos no paiz e que tenham mais
aptidões para fazer uma boa administração.
0 poA o dá o v oto e aquelle que obtem maior
■ somma de votos é eleito presidente por alguns
TERCEIRO LIVRO 95

annos. no fim dos quaes é


substituído por outro, eleito
' do mesmo modo.
No Brasil o periodo pre-
' sidencial é de 4 annos.
_ Oh ! mamãe, excla-
■ mou Laís, o melhor gover­
no é o da republica
— De facto, minha filha, quando os ho­
mens de uma nação têm bas­
tante caracter, intelligencia,
honestidade, não ha melhor
governo que o da republica.
'A republica brasileira
já teve muitos presidentes.
Entre elle.s os grandiosos
vultos da nossa historia:
Flóriano Peixoto, Prudentes Moraes e Campos
Salles. ' ■
Respeito á velhice
'^..,r_g3gSs^ERTO dia, quando Carmen vi- I
nha cío grupo-escolar, passou por uma velha já
toda arcada e que para andar se arrimava a
um bordão.
Carmen e suas companheiras não sabiam I
comportar-se bem na rua. Caçoavam dos alei-■
jados, riam-se dçs vestidos que não estavam I
bem a seu gosto e a vista de uma pessoa j
edosa era motivo de zombaria para todas. Por
isso logo que enxergaram a velhinha puzeram- j
se a fazer galhofa.
— Com esta é melhor não bulirmos, disse I
Carmen; a coitada já quasi nem póde andar. I
— Não sejas tola!
disseram as outras. .
Até é mais engraça­
do ! Com certeza já
está caducando e cor­
rerá atrás de nós com
o páo.
• As meninas, en- '
tão, -puzeram-se a fa- |
zer á pobre mulher toda a sorte de judiarias.:
TERCEIRO LIVRO q?

I pregaram-lhe rabo, puxaram-na pelo vestido e,


f ifinal, Carmen, aconselhada por uma das col-
J legas, poz-lhe ao redor do pescoço uma com-
f piida casca de laranja, cujas pontas cahiam 'de -
| um lado e de outro.
A coitada, com uma paciência de santa,
l procurava tirar a casca que a fazia muito
■ ridicula. Para isso teve de passar o bastão pa-
; ra a mão esquerda, mas, não tendo firmeza,
F escorregou, cahiu e, baten-
í do com a cabeça de en- t|[|,&».:!i!|i, ^.7 *3
[ contro a uma pedra, fe-
r riu-se muito. =4^^^ 5
L Carmen quando a viu
r coberta de sangue ficou ---- ---
r consternada. Dahi a pouco veiu a ámbulanCia
I■ e levou a velhinha, quasi sem sentidos.
A pequena, no dia seguinte, leu no jor-
L nal que a sua victima tinha sido recolhida á
| Santa Casa de Misericórdia.
Então contou tudo á.niâee accrescentou:
— Quero alliviar a minha consciência, ja­
zendo o que estiver ao meu alcance para ame­
nizar um pouco o soffrimento daquella infeliz.

* * .. “
E Carmen, com o consentimento de sua
mae, dahi em deante, foi diariamente fazgr
TERCEIRO LIVRO
21
uma visita e levar uma gulodice qualquer á
enferma. .‘1
LUL Esta era só
no mundo. Criou
pela menina uma
grande affeiçâo
e, quando já es­
tava quasi boa.
um dia, segurãnl
do-lhe nas mãos,'
falou-lhe com muito carinho e bondade: '■.I
— Eu sempre bemdigo o meu ferimento
que te illuminou a alma, formada para o bem'
e pervertida pelas más companhias.
itAj*

0 polichinello
l) (Reproducçao de um film) Do caderno de Nina

^"MA tarde Josephina levou o seu filho


a passear pela cidade.
Era vespera de Natal. A’s
I portas-das lojas havia grandes
| mostradores de brinquedos.
:. Ao passar por um desses
I mostradores Antoninho come-
çou a chorar. . . Queria um po­
lichinello'. A mãe não l’ho podendo comprar,
•porque era muito pobre, ergueu-o.ao collo, e
levou-o para casa. " > . '
Logo que o pequeno dormiu, Josephina notòu
que elle tinha a fronte e as mãozinhas quentes.
Pouco depois a criança
ardia em febre e, sentando-
,se na cama, gritava em deli-
rio, e extendia os braços pe­
dindo o polichinello.
Sem saber o que fazer, a mãe esperou um
pouco a ver se o pequeno melhorava.
Mas, este cada vez se debatia mais, tresva-
riando vendo em delirio o boneco.
I00 TERCEIRO LIVRO

Pensando que a salvação do filho estava


no polichinello, Josephina tomou uma resolução
desesperada:
Chegando em frente do mostrador, aproxi--
mou-se cautelosamente tirou ás occultas o poli­
chinello e, mettendo-o debaixo do çhale, sahiu
correndo. : :
O dono da loja, tendo ; , i M
dado pelo furto, chamou s; > '^li
dois soldados e foi acom- •<- -■ <' Ay
panhàndõ a pobre mulher. > y' I
Esta, entrando em
casa, entregou o brinquedo-ao filho. O menino
agarrou-o e pareceu ficar mais socegado. ||
Bateram á porta. Josephina assustou-se e
ao abril-a deu com o negociante e os soldados.
Tremendo e chorando desesperadamente,
ella contou a razão do furto.
O homem, então, virando-se para os solda­
dos disse:
— Eu os trouxe para prender uma ladra,
mas aqui só encontrei uma carinhosa mãe.. . 'Po­
dem retirar-se.
o vendedor de jornaes
(Reni Barreto)
Era pequeno e feio. As magras pernas nuas
Mostrava-as nos rasgões das vestes nnmoraes.
Corria o dia inteiro ahi por essas ruas,
'Ganhando alguns vinténs na venda dos jornaes.
TBRCEIRO LIVRO
102

Tão sujo o coitadito, c tão disforme e feio,


Que doía o coração e a alma só de vel-o.
A linha vertebral recurva pelo meio
Fazia-lhe por traz a giba de um camelo.

A face descorada, a cabelleira pouca


E chagas lhe comendo as sobrancelhas pretas.
E tinha quasi sempre a voz velada e rouca
De tanto apregoar o nome das gazetas.

Sómente em seu olhar sympathico descubro


Um dôce não sei quê de mysterioso e suave,
Assim como em manhã primaveril de Outubro,
A risonha canção estridula de uma ave.

Os pés, de-muito andar, já os tinha como um casco, :■


E olheiras dessa cor escura como a dahliâ ...
A mãe já lhe morrera, e o pae era um carrasco,
Um bandido que fôra expulso lá da Italia.

Por jantar tinha um pão. Ceiar, nunca ceiava,


Nem tinha onde dormir o pobre carcamano ;
No emtanto, antes do sol nascer, já elle andava :
“Olha o “Estado” e a “Nação!” “Correio Paulistano!”

E os nickeis que ganhava assim, com as magras pernas


Exhaustas de correr, suando, o rosto em fogo
Entregava-os ao pae, que á noite, nas tabernas
Gastava tudo em vinho, em pandegas, em jogo’
TBRCKIRO LIVRO

0 pobresinho, então, com as forças exgottadas,


0 corpo feito em suor, de um trabalhar de moiro,-
Dormia por ahi, de dia, nas calçadas,
E sonhava, Deus meu ! com fadas e astros d’oiro.

E sonhava outrosim com doces de aletria,


E frutas em compota, e muita coisa boa, '
Emquanto o seu pequeno estomago fazia
A facil digestão da codea de uma broa.

A’s vezes também via, em meio de seu sonho,'


Abrirem-se do céo os santos penetraes,
E vir da mãe o vulto aligero e risonho
Imprimir-lhe na fronte os beijos maternaes.

E apòs o despertar, tremendo, as carnes nuas


De frio, ainda sentia o gosto das carícias....
Então elle sahia alegre pelas ruas: /
“Republica!” “O Paizl” “Gazeta de Noticias!” ■
- -M
■ A guerra
quando eu for grande, quero ser guer­
reiro. Os soldados em des­
file, o rufo do tambor, o
troar da artilharia, estas
cousas que eu mal conheço,
me enthusiasmam e me en­
cantam !
— Tudo isto é muito bonito, Alfredo, para
se ver no cinema ou ler nos livros e nos jornaes.
Mas a guerra é -
uma das maiores
calamidades que'
affectam um povo.;.
Imagina tu, meu
filho, que eu pos-
suia uma fazenda^
e que perto delia
estava situada uma outra
Entre as duas pro-
priedades tem umterreno ao qual eu e o fekn-'í
den-o vizinho noa julgavamos eom direito. I
TERCEIRO LIVRO

Em vez de procurarmos pessoas estranhas


e de juizo que estudassem a questão epuzessem
tudo em accordo, cada um de hós juntava os
filhos, os irmãos, os parentes, os camaradas e
punhamo-nos a brigar.
Acabado o conflicto, as casas, ás plantações,
os moveis, tudo estragado !
E quanto tempo perdido! E quanta gente
morta! E se na peleja teu pae perdesse a vida
ou um dos filhos? Que é neste mundo que‘pa­
ga a vida de um ente querido!
O mesmo se daria se entre mim e o visinho‘
tivesse havido um desavença qualquer e nós
não procurássemos resolverem paz a questão.
A guerra é mais ou menos isto. ■
Terminada ella os sobreviventes, na maior
parte, ficam estropiados; as cidades, quasi todas
em ruina; o povo na miséria anceia, revolucio­
na-se e é torturado pelas epidemias que surgem
sempre'após as grandes carnificinas.
Mesmo o paiz que *" «Aí
triumpha não pode ter Jp
senão uma alegria ficti-
cia. O brilho da victoria
é empanado pela peida
I0£ TERCEIRO LIVRO

de milhares e milhares de filhos e de esposos, e


pelas lagrimas das mães e das viuvas.
No tempo antigo, quando o homem apenas
tinha valor pela força, a guerra era justifi­
cável para garantir o poder.
Hoje não. Todas as nações civilizadas de­
vem ser pacificas e só recorrer á guerra quan­
do o tentar a paz, seja uma oftensa aos brios
da Patria.
A prodigalidade
| ARIO, filho de um rico fazendeiro,
nunca procurou instruir-se, nem trabalhar.
Seu pae conseguiu com grande esforço ficar
muito rico. Tinha umas dez fazendas de café.
Homem ignorante, entendia que sua fortuna era
muito solida e nem siquer lhe passava pela ideia
que pudesse perdel-a. Elle dizia sempre:
—Meus filhos não pre-
cisam trabalhar nem estudar.
Elles terão bastante dinhei- ^JyWlil|||
ro, e este é a chave que abre
todas as portas, assim como
o titulo que dá toda as con-
siderações. '
Quando Mario chegou
aos 20 annos, o pae mandou-o para a capital.
Inexperiente e entregue a si mesmo, o rapaz
começou a gastar loucamente. Sem mesmo ter
necessidade, comprava tudo que lhe offereciam
ou achava bonito.
TERCEIRO LIVRO

Frequentava todos os divertimentos, dis-


pendia por todos os lados.
Era o veio de ouro de todos os negoci­
antes espertos e judeus usurarios. Uns, quando
tinham um alcaide qualquer, logo lh’o empur­
ravam, visto o moço não ter conhecimento do
valor de cpusa alguma;
outros o enchiam de
joias por um preço fa­
buloso. Emfim, não ha­
via quem não procuras­
se fazel-o comer gato
por lebre, e elle o comia
sem nada desconfiar.
Quando o velho fa­
zendeiro abriu os olhos,
estava a dever mais de
mil contos. Com a baixa
do café as fazendas não
rendiam para o custeio, e para os juros da divida.
Teve de hypothecal-as.
Como a divida era mui­
to grande, os juros augmen-
tavam e em pouco tempo elle
percebeu que ficaria logo sem-
nada. Com o pensamento sem’-
pre fixo na grande fortuna.
prestes a perder, procurando
em vão encontrar um meio de salval-a, pas- ;
TERCEIRO LIVRO

saneio noites inteiras sem dormir, dias enor­


mes cheios de amargura, ficou muito abatido e
inorreu.
Mario, entãò, muito po­
bre, não tinha habilitação
nem coragem para trabalhar
em cousa alguma.
Uma parenta velha e
amiga da familia chamou-o
para morar em sua compa­
nhia.
Felizmente elle tinha al­
ma boa e resignada e sujei­
tou-se, sem lastimar, a viver
da favores alheios.
Não condemnemos
sem proVas
cozinheira de D. Augusta tinha
uma filha de 12 annos.
üma occasião D. Augusta sentiu falta de
um par de brincos, joia de grande preço que es­
quecera sobre o toucador. Nenhuma pessoa e^
tranha, nesse dia, ti­
nha ido á casa. A co­
zinheira não sahira
da cozinha.
—Quem tiraria, a
joia? Somente" uma
pessoa podia tel-a ti­
rado, a filha da cozinheira, que passara o dia!
brincando com as crianças e que havia entra
do em todos os quartos.
Se nao apparecerem os meus brincos
ate á tarde, darei parte ao delegado, pensou
D. Augusta.
THRCHIRO LIVRO

Quando o marido chegou da repartição, ella


contou-lhe o facto.
O sr. Guima­
rães, ao principio,
não teve duvidas:
— Foi mesmo,
a filha da cozinhei­
ra !
A menina, po­
rém, andava por
todos os lãdoSj in-
differente, sem pre-
occupação, brincando com as crianças como
sempre.
D. Augusta aeompanhava-a com o^olhar e
de repente poz-se a
reflectir.
—Não vejo no
rosto desta criança
nada que me auto­
rize a delia suspei­
tar. Se um dia, por
to um desses acasos tão
communs na vida
eu, precisasse em-
pregar-me e na casa em q® estivesse julgassem
! J2 TERCEIRO LIVRO ' JB

minha filha, a minha querida Maria, capaz de


um furto e a levassem a presença do delegado... I
Que horror, meu Deus! Que vergonha!... Não!
Antes perder a joia, do que levar, talvez injus­
tamente, esta menina á policia.
Nesse mesmo instante o sr. Guimarães que
estivera também pensativo, approximou-se da
mulher e lhe 'disse:
— Tem paciência, Augusta ! Guarda silen­
cio. Se perderes os teus brincos eu te darei
outros iguaes. Estou observando esta rapariga
desde que cheguei. No seu olhar firme e des-'
preoccupado, eu leio a innocencia.
Dias depois foi encon­
trado o par de brincos, em
um dos cantos do quarto,
entre os brinquedos de
uma das crianças.
D. Augusta então ex­
clamou :
Meu Deus ’. Eu vos
agradeço terdes illumina-
do,- em tempo, o meu pen­
samento. Se eu tivesse feito aquella menina
passar por tamanho vexame, o meu remorso
seria eterno.
Uma visita á classe
RoproducçSo Oo caderno it llngoigtm de Adtlgldt
U - ' ' '• Ia
EIU, hoje, visitar a classe um Inspe-
ctor Escolar. Elle perguntou á professora se
as alumnas estavam adiantadas em calculo.
A professora res-
. pondeu que sim, que
entre ellas hàvia algu­
mas muito applicadas e
■intelligentes.
— Qual dellas cal­
cula melhor ? interro­
gou. ' - i - xs
- E’ Esmeraldina, respondeu a professora.
O Inspector chamou a menina e pergun­
tou-lhe se fazia contas, bem. , . a
.Esmeraldina, muito modesta, abaixou a
cabeça e nada 1’esP^U,livr0S, roupa, alimen-

_ Vamos então iazei m


_ Tenho dez annos.
TERCEIRO . LIVRO
i*4

- Supponhamos que gastaste l$000 n01.


dia até hoje. Quanto terás gasto? -
A menina fez a conta e o resultado deu
3:600$000.
Além disso, gastas em pharmacia, medico
dentista, etc. Se quizesses pagar a teus paeà
as despezas que fizeste, tu o pòderia ?
— Se eu tivesse dinheiro, podería, sim
senhor.
E quando estás doente? As noites em
claro que teus paes passam, os dias inteiros
á tua cabeceira, o cuidado, a dedicação em tuas
enfermidades, ser-te-ia’possível pagar tudo isto
em dinheiro?
— Não senhor, seria até uma offensa a
meus paes.
—Entretanto, reco­
nheces a divida que tens
pára com elles. Como
pagarás essa divida ?
—Procurando cum­
prir o meu dever, isto é,
estudando, amando a
verdade, sendo .obedien­
te e bondosa, tratando ..
os meus paes com amor e carinho,-e ajudando-os,
quando elles, já velhos, precisarem do meu
auxilio. \
/\ seiencia
E’ a Scienoia, meus meninos
Uma formosa vestal,
Que possue olhos divinos
E tem a voz maternal.
E’ quem o dever reclama
De, nó templo da Verdade,
Manter a sagrada chamma
Que illumina a humanidade;
TERCEIRO LIVRO

E’ grande, robusta, forte...


Com arte desconhecida
Retém a esphera da vida
Entre os dons polos da morte.

Tem geitos de nigromante;


A um sopro do seu pulmão,
Transforma, no mesmo instante,
Em um diamante um carvão.

Não tem terrores, nem medos


í)e profundezas, de abysmos...
Sabe todos os segredos
De todos os cataclismos.

E que Idéas singulares!


A’s vezes, com escaphandros,
Desce ao profundo dos mares
A explorar os seus meandros.

Outras, deixa a branca espuma


.E sóbe até ás estrellas
Percorrendo-as uma a uma
No intento de conhecêl-as.

Corre, vôa, não descança,


Desce da terra ás entranhas,
Ou com a ponta da lança
Fura túneis nas montanhas.
TERCEIRO LIVRO

Com extrema subtileza,


Tomando o seu bisturí
Abre o seio á Natureza
A ver o que existe ali.

E em tudo que lá se occulta


Ella põe a sabia mão.
Apalpa, examina, ausculta,
Artérias e coração.

E tudo que inspeccione


Sae sempre perfeito e bom.
E’ ella a mãe de Marconi,
De Edison e de Dumont.

E’ do seu seio fecundo


Que nascem os G-alileuV
E’ a rainha do mundo,
Dilecta filha de Deus.
Rene’ Barreto
milia numerosa.
Uma vez ficou desempregado e esteve
.muito tempo sem recursos.
A mulher, então, lembrou-lhe:
na escluina> -.
' êW inÒra um deputado, disse-
'ram-me que um senhor
j muito bondoso. Quem sabe
1Í1 se e^e te arranja um em"
prego publico? ■_
(t - '• —Tenho acanhamen- i
to; não o conheço, nunca lhe fui apresentado.
— Põe, o acanhamento de lado. Nós estamos
em tanta penúria... Faze
um pouco de sacrifício.
0 sr. Carneiro resol­
veu ir.
O deputado, um bom ’'i °
homem, recebeu-o com to- A \ '
do o afago e quando sou- . Vj,
be a razão de sua visita,
prometteu-lhe um emprego.
TKRCEIRO LIVRO

Com effeito, dahi a trez ou quatro dias,


Veiu a nomeação, do sr. Carneiro, para o lugar
de amanuense de uma repartição..
O sr. Carneiro não era ingrato; pelo con­
trário, guardava profunda gratidão para com
o seu bemfeitor ; mas era muito negligente em
questões de cortezia. A esposa sempre estava
a dizer-lhe:
— Vae agradecer ao nosso protector o
que nos fez. Se não tens tempo, ao menos,
manda-lhe um cartão.
— Vou, sim, respondia. Então pensas que
deixarei de agradecer tão grande favor?
Passou-se um anno. O nosso homem lem­
brava-se varias vezes do seu descuido, mas
pensava:
— Agora, já é tarde, já se passou tanto
tempo!
Annos depois houve uma reforma na re­
partição em que o sr. Carneiro trabalhava e
este foi dispensado.
K — Bonito! Desta vez, a quem
(^4 hei de dirigir-me? Ao deputado
da esquina não tenho mais cora-
wW.l gem de falar. •-
Mas depois desoffrer muitas
privações, animou-se a ir de novo pedir-lhe
protecção.
TERCEIRO LIVRO

Não sabia, porém, como começar o pedi.


do, tão vexado estava e a mastigar sem geito
muitas desculpas, . J
O deputado riu-se.
— Não se incóm-
mode com isso, bom ho­
Í.Á7 v 1 mem! Brevemente terá
'■9 - outro emprego.
Esta magnanimida­
de envergonhou extraordinariamente o sr. Car­
neiro, que prometteu a si mesmo nunca mais
faltai- aos deveres da cortezia.
preguiçosa. Queria só passeios, bincadeiras, di­
vertimentos ; mas tra­
balhar, nunca.
Aos 12 annos, nes­
sa idade em que as me­
ninas têm curiosidade de
tudo sabei’ e perguntara
á mamãe como se faz um
bolo, como se côa o café,
de que modo se cortam
as camisas, — Rosa
mantinha-se inerte para
o trabalho. Ella queria,
sim, beber o café ou
comer o bolo; mas fazel-o... não tinha coragem.
Ficou moça è sempre mergulhada na pre­
guiça.
Uma epidemia de febre matou seus paes, na
mesma occasião, e Rosinha ficou só no mundo.
'Uma prima e amiga condoeu-se delia e cha-
mou-a para sua companhia.
' 1
TERCEIRO LIVRO

Logo o marido da prima começou a impa.


cientar-se.
Não sou rico, dizia; tu trabalhas e esta
vadia só quer comer e divertir-se, em nada te
ajuda.
— Tem paciência. A preguiça desta coitada
... até parece doença.
I iMJ Iríén “ Para os Passeios
e divertimentos ella não
A
tem doença. Podes falar-
Y’“ 'lhe francamente-Sequi-
lzer a.íuóar-te que fique.
1 1^as0 c°utrario, que se vá
embora.
Não querendo contrariar o marido, a prima
de Rosa procu­
rou uma casa
de familia co-
nhecida e sob

governante.
Mas em breve
tempo ella de­
sempregou-se.
Percorreu, depois, varias casas e não parou
em parte alguma por causa da preguiça. Com o
TERCEIRO LIVRO

roSto sempre desanimado, a pobre moça olhava


para o serviço e não tinha coragem de fazel-o.
F Tornando-se logo conhecida, não achou mais
collocação.
Mendigou algum tempo, □$
e depois, tendo ficado doente
por ter soffrido muitas pri- 'H
vações, foi recolhida ao hos- W
pitai dos inválidos, unico lu- ™
o'ar onde pôde ficar este ser inútil.
Tua mãe
/) V* ma e venera tua mãe, meu filho, e
nunca lhes faças derramar uma só lagrima de
que sejas culpado!
Desde de que nasceste, não te abandonou já-
mais a vigilância do seu amor immenso. .. 4
Quando pequenino no berço soltavas os teus
primeiros vagidos, era . ■
ella que a todo o mo- \
' mento vinha solicita at-
tender ao teu choro, ou ',' ' 1
velar o teu somno. / > ' ■ \ / G.)
E quando tiveste o 7 • I
sarampo! Quantos dias J
e noites de horrível desespero ella os passou á
tua cabeceira, apavorada, com receio de te ver
arrebatado pela doença aos seus carinhos e ao
seu affecto! E quanta lagrima, e quanto riso
misturados ao abraçar-te e beijar-te ao mesmo
tempo alegre e commovida, quando o medico te
declarou fóra de perigo.
Mais tarde, quando fomòs levar-te ao grupo
escolar, no primeiro dia de aula, foi com os olhos
TRRCKIRO LIVRO
215
marejados que tua mãe, depois de mile repeti-'
das recommendações, se
resignou a deixar-te na
sala do primeiro au.no.
A’ porta se voltou, eno
seu olhar se via clara­
mente o sentimento de
se afastar de ti por algu­
mas horas.
Mesmo durante este
tempo, seu coração, sua alma te ficou acompa­
nhando, e tu devias tel-a sentida ao pé de ti.
Não só a tua, mas todas as mães são assim, •
meu filho. hi
Nos livros, nos theatros, i
nos jornaes, vemos todos os
dias exemplos de abnegação
e amor de mãe: aqui é uma
que se lança sob o automovel para salvar o filho
em perigo, ali é outra que se atira ao rio, por
imaginar que sua vida possa tornar-seum óbice
á felicidade do filho; acolá é uma terceira que
numa região deserta, onde não havia o que comer’,
é encontrada morta por ter aberto ella própria
uma veia para ser sugada pelo filho pequenino,
que chorava de fome.
Nada,, porém, exprime melhor o que é o
amor de mãe do que esta lenda arabe que vou
i26 terceiro livro
' ' ■ ■—_____
contar-te: “A um jovem loucamente apaixonado
por formosa moça,, disse esta:
— Traze-me o coração de tua mãe e-eu me
casarei comtigo.
0 filho relutou. Mas a paixão transtornou-
lhe o juizo. Foi e matou a mãe. Tirou-lhe o co­
ração e o poz em- um saquinho.
Mas, quando vinha correndo pressuroso tra-
zel-o á .noiva, tropeçou e cahiu, e o saquinho
rolou na estrada.
Ao ir apanhal-o, de dentro delle sahiu uma
voz aflicta, que lhe perguntava :
— Magoaste-te, meu filho?”
^São assim os corações maternos. Nunca o
esqueças.
Sej' mãe ó desdobrar fibra por fibra
0 coração! Ser mãe é ter no alheio
Lábio, que suga, o pedestal do seio,
Onde a vida, onde o amor cantando vibra.

Sei- mãe é ser um anjo que se libra


Sobre um berço dormindo! é ser anseio,
E’ sei- temeridade, é ser receio,
E’ ser força que os males equilibra!

* Todo o bem que a mãe gosa é bem do filho.


Espelho em que se mira a fortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!
128 TERCEIRO LIVRO

Ser mãe é andar chorando num sorriso!


Ser mãe é ter um mundo è não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!...

Coelho Netto.
Ordem e progresso
MrAZENDO uma bandeira brasileira,
Aristides chegou-se perto de seu pae e pergun­
tou-lhe :
— Que quer dizer esta inscripção, “Ordem
e Progresso’', que eu vejo em nossa bandeira ?
— Quer dizer, meu filho, que num paiz onde-
não haja ordem não póde haver progresso, por­
que este c companheiro daquella. .. "
A Pat.ria é uma grande familia. Ora, em
uma familia é preciso que todos da. casa, e prin­
cipalmente os, chefes, tenham energia e caracter.
para, que tudo corra bem.
Do contrario, vaetudo pela agua abaixo, co­
mo é costume dizer-se.

Conheci um homem trabalhador e honesto,•


mas sem a devida energia, que teve a infelicidade
de casar-se cora uma mulher pródiga, vadia edes-
ordenada.
TERCEIRO LIVRO

0 marido sahia para o ser■viço, ella ia pela


vizinhança, a contar e saber
novidades, ou ás lojas esban­
jar dinheiro. Os filhos fica­
vam ná cama até tarde e,
quando se levantavam, em
vez de irem pára a escola
punham-se na. rua a brincar
com os moleques.
A criada, aproveitando-
se da ausência de sua patrôa, desfalcava a des­
pensa e os arma rios.
O pae, muitas^ vezes, ao chegar para almo­
çar, não encontrava ninguém, sentava-se sózi-
nho á mesa, aborrecido, des?
animado, e çomia sem dizer
cousa alguma.
Passai am-se tempos.
Cansado de
trabalhar para
os exaggeradós dispendios daèsposa,
sem ter um . momento de descanso
nem mesmo no lar, o chefe da famí­
lia morreu.
A mulher, não tendo mais quem
lhe desse dinheiro e sem coragem
para, trabalhar, andava. suja e rota,
mendigando pelas portas. Os filhos,
cheios de vícios, foram internados no Instituto
TERCEIRO LIVRO

Disciplinar> e as filhas, entregues ao juiz que as


collocou, como criadas, em casas de familia.

Cousa semelhante acontece em uma nação.


Se o chefe não tem.bastante energiae capaci­
dade, se os seus auxiliares, em vez de trabalharem
para o desenvolvimento do paiz, só tratam dedi-
vertir-se egastar; se ainda abusando do poder pro­
curam fazei' fortuna a custa dos cofres públicos, ou
transacções illicitas, deixando os negocios. do
governo de lado ; se. o povo, em vez de acatar
o seu chefe e fazel-o respeitado, promover de­
sordens continuas — tudo irá para trós e a
nação ha de chegar a um ponto de tal enfra-
■quecimento que o estrangeiro pode apoderar-
se delia, com facilidade.
Sem ordem não pode haver progresso.
Este é o desenvolvimento daquella.
Respeito á dôr alheia
M frente á residência de Eivira mo­
rava uma família, á qual a sua fazia apenas os
cumprimentos «de vizinhos.
Üm dia a casa dessa família, conservou-se
fechada.
O dia todo, o dono e os creados correram de
um la.do para outro.
Médicos entravam lá diversas vezes, e á
noite, os vizinhos ouviram gritos e pungentes,.
gemidos dolorosos, que partiam da casa. -
Na manhã seguinte, por entre as cortinas 1
meio cerradas, via-se um clarão de velas, e á tar- |
de sahiu o enterro do filho mais velho,, um
menino forte e robusto que havia morrido de
colerina. ,„.3
Eivira á noite sentoú-sê ao piano e começou, i
a tocai1.
Sua mãe, que estavanasala de jantar, veiu
#©rrend«:
TERCEIRO LIVRO

- Minha filha, não faças isto! Respeita a.


dôr alheia. Imagina
como deve estar sof-
frendo aquella pobre
mãe! -
— Ora, mamãe!
Se fossemos pensar na
morte de todo o mun-_
do, nada mais pode­
riamos fazer. Eu ama­
nhã vou tocar em um concerto: preciso estudar.

Annos depois, Elvira casou-se e teve um -


filho. Era este o seu enlevo, o seu amor, todo
o seu thesouro. Com o íilho
ao collo, ella estava comple­
tamente feliz.
De repente lhe morre o
pequeno. Que dôr immensa!
. A casa da frente tinha
. sido alugada ha véspera para
um casamento. - .
Nessa noite tocaram e dançaram até ama­
nhecer. Para Elvira aquella musica era hor­
rível.
TERCEIRO LIVRO
134

— Meu Deus! Como podem divertir-se as-


sim?! Como pode haver alegria perto de tanto
pesar ?!
Subitamente ella se lembrou
das palavras de sua mãe, que
também já não existia, e, baixan-
• do a cabeça, disse muito compnn-

*•* — Elles nao sabem o mal


quér me estão fazendo, ao passo
que eu não ignorava 0 soffri-
mento daquella pobre mãe, e não soube respei­
tar a dôr alheia.
Ambos eram casados e tinham bons - em­
pregos.
Rodolpho e sua mulher eram trabalhadores e ■
economicos.
Augusto, e a esposa
•muito trabalhadores também,
mas perdulários.
Emquanto Rodolpho-es­
tava no emprego, a mulher
fazia todo o serviço da. casa,
trazia tudo em muito boa or­
dem e ainda lhe sobrava tem­
po para fazel-a bonita.
Enfeitava-a com plantas
e com flores, frescas e
perfumoSás.
’ Nos dias de anni-
versario, havia sempie
um jantarzinho melhor.
uma garrafa de vinho,
e uma boa sobremesa.
TBRCK1K0 LIVRO

Aos,domingos davam o seu passeio ao jar.


dim e á noite iam a um espectáculo qualquer.
No fim do mez, quando Rodolpho recebia o
ordenado, pagavam todas as dividas e punham
de lado 50$, ou- mais se era possível.
Viviam modestamente, mas vestiam-se com
decencia e a casa era farta.
A mulher de Augusto também era traba­
lhadora mas occupava o tempo, ou em fazer
cousas que davam mais prejuízo que lucro, ou
em trabalhos inúteis- ■ I
Fazia bolos, doces,' pa­
ra casa e para presentear
os conhecidos: crochês, pin­
turas, vasos, enfeites ás ve- ;
zes caros e de máu gosto. |
A roupa do marido e
dos filhos ella não a lim­
pava, nem concertava, as
.meias nunca eram serzidas.
A casa vivia numa festa continua: ban­
quetes, bailes, pique-niques. Quasi todas as noi­
tes elles iam -ao cinema ou ao theatro. '' |
Rotlolpho, logo que ajuntou um dinheiri-
nho comprou um terreno e mandou edificar uma
casa. Como já não pagava aluguel, pôde tra-
TERCEIRO LIVRO

tftl> professores para educar os filhos que eram


estudiosos e applicados. Para esta familia mo­
delo, tudo corria bem.
A’ familia de Augusto não acontecia o
mesmo, tudo lhe ia mal, porque consumia mais
do que lhe permittiam os ganhos. Quando Au­
gusto recebia o ordenado, este não chegava
para as despezas; era obrigado então a tirar
dinheiro a juros altos, .para pagar no mez se­
guinte e, ao venper-se o prazo, ficava em gran­
des apuros. Assim' foi indo até que não pôde
mais pagar nenhuma divida.
Por fim na casa ninguém se entendia.
— Na casa onde não ha pão, todos bri­
gam sem razão.
As crianças não se educavam por- falta
de iecursçs e a familia vivia na maior diffi-
culçlade.
Chegou a velhice.
liodolpho agora possuia uma boa casa de
uiorada, alta e toda rodeada de. jardins, e ou­
tras de aluguel. Os filhos, bem preparados,
encontraram com facilidade boas collocações.
E1Ie já não trabalha niais.
. Quando alguém dizia a Augusto: —'leu
umão está bem", elle respondia: ■
Aquelle é um- felizardo: para ®He até
08 Sjallos botam ovos. - '
TERCEIRO LIVRO

De tarde, ás vezes, Rodolpho estava toman­


do a fresca na varanda de sua casa e via pas­
sar do trabalho o irmão todo gottoso, andah- .
do com diíficuldade.
— Pobre irmão! di­
zia penalizado. Nem ao
menos posso ajudal-o. As
muitas vezes que tenho
tirado dinheiro das mi­
nhas economias .para au-
xilial-o, tem sidó em pu­
ra perda. Ou compra
vestidos de seda para a mulher ou gasta tudo
em banquetes -e festas.
A economia é a base da prosperidade.
r

Respeitas os ninhos
(Victor Hugo)

Com que direito vós prendeis os passarinhos? ,3


Com que direito vós roubaes os coitadinhos
Ao bosque, á fonte, á aurora, á nuvem como ao vento ?
Dizei: com que direito a vida, num momento, ■
Lhes tiraes ? Crêdes, então, que Deus criou a asa
Para ella andar pregada ao muro de uma 'casa ?
Sem isto não viveis felizes e contentes ?
Que mal vos têm feito as aves innocentes,
Já que vós as prendeis e os ninhos e as mãezinhas ?

0 campo aos rouxinóes ! O espaço ás andorinhas!


Respeito a esses gentis cantores lão suaves!
Pois toda a liberdade arrebatada ás aves
O destino cruel retoma a nós humanos.

Se temos tyrannia é que somos tyrannos.

Trad. de I. PfNTO e Sn.va.


JÍARIZ estava cercada pelo exercito allemão.
Os habitantes já estavam soffrendo fome. Em
um dos bairros residia umafamilia composta de
casal e dois filhos, um de 12 annos e outro de 8
mezes.
Uma tarde, depois que o marido sahiu para
fazer guarda, a mulher viu que o leite do peque­
no tinha acabado.
O filho mais velho
offereceu-se para sahir á
procura.
O leite escasseava, e
eradifficil, senão impos­
sível, encontrar um pou­
co que fosse áquella ho-

A mãe teve receios. Mas o pequenino cho­


rava muito. Não houve remedio senão tentar a
experiencia.
TEÇKCKlRO LIVRO

0 menino sahíu. Não ' encontrou leite na


cidade. Faltava para todos.
Elle então resolveu ir pro- ■
cural-o lá fóra dos muros.
para além das linhas*ini- I?
migas. Não podia deixar 1
seu irmãozinho morrer á |j
fome.
E, sahindo fóra de-
Pariz, correndo mil perigos, escondendo-se ora
aqui, ora ali, passando muitas vezes debaixo dos
tiros das sentinellas, chegou até uma herdade que
elle conhecia. Esta, porém, já tinha sido occupada
pelos allemães.
As sentinellas o agar­
raram e p levaram ao
capitão, que no momen­
to lia uma carta da espo­
sa, em que ella se referia
muito aos filhos..
Ao ver o menino el­
le se recordou de seu
primogênito que tinha mais ou menos a mes­
ma idade, e perguntou-lhe o qupandava fazendo.
A criança respondeu ter vindo buscar leite
pará o irmãozinho que chorava de fome.
142 TERCEIRO LIVRO

0 capitão, enternecido, mandou dar-lhe ah


guina coüsa para comer e uma garrafa de leite,,e.
depois ordenou que um soldado o acompanhasse
até perto das portas de Pariz. para que não íbssé
outra vez preso pelos aílemães.
Quando o rapaz se approximou da cidade e
quiz entrar, os soldados franeczes que guarda­
vam as portas e entre elles estava o pae do coi­
tadinho, julgando que este fosse um espião ini­
migo, lhe deram uma descarga.
Ferido por uma bala, elle çahiu. Mas avis­
tando a mãe que, assustada pela sua demora an-
dava a procuralo, affes-
tou-se até perto delia para
entregar-lhe a garrafa de
Igite.
O pae, cheio de desespero, carregou-o para
casa.
Felizmente o ferimento não tinha importân­
cia, e o pequeno heróe sarou em pouco tempo.
Desde muito criança, as pessoas da casa,
os parentes, os amigos, não faziam senão elo­
giar a suo belleza. Isto a deixou extraordina-
riamente vaidosa. Em vez de procurarem fa­
zer que a sua alma fosse o espelho de sèu
rosto, tornaram-na cheia de si e orgulhosa.
Quando ficou moça, sentia indifferença por
toda a gente e não tinha amigas.
Só se preoccupava
com a sua pessoa, o es­
pelho eia o seu unico
amigo inseparável.
Nelle se namorava
continuamente, admi­
rando os olhos, os ca-
bellos, os dentes e a for-
moza côr da face.
. Casou-se. O marido,
s activo, possuía, fortuna
aífectuoso, fazia-lhe to-
tando adivinhar os seus
1EKCKIHO LIVKO

Como pagava Julieta estas provas de


amor?! Tratando-o com indifferentismo, sem-
nenhuma dessas.communs e pequeninas provas
de carinho natural na mu­
lher. Queria só. vestir-se
ricamente, passear, ir aos
theatros, aos bailes, onde
sua belleza era admirada.
As enfermidades do es­
poso,. os seus dias de abor­
recimento, nada a prendia
ao lar:
O marido de Julieta,
não tendo cm casa quem
se importasse com elle, corria á casa de sua
mãe, e nesta e nas irmãs encontrava carinho-
e consolação.
Com o correr dos tempos perdeu o amor .
que tinha pela mulher. Acostumou-se de tal
modo longe delia que, por
fim, se lhe tornou desagra­
dável a vista daquella a
que tanto estimara e da
qual nunca recebera uma
prova de affecto.
Sahindo um dia de um H
baile, Julieta apanhou um
fortíssimo resfriamento. #
Disso resultou íinia
pneumonia que a levou á.beira da sepultura.- '
TERCEIRO LIVRO
*46

Quando se levantou, estava atacada de uma


moléstia chronica do peito.
Em pouco mezes ficou redu- |
zida a um esqueleto. •
Toda a suabelleza desappareceu.
0 esposo, desacosturnado de sua
companhia, pouco parava em casa. 'b '
0 espelho, que tinha sido seu inseparável
companheiro, Julieta agora o evitava horro­
rizada.
Acabou a vaidosa os. seus dias no mais com­
pleto abandono.
Aquella que tanto desprezou foi também um
dia desprezada, infelizmente. -
Duas alvoradas
I
Quando fulge nos céus a linda madrugada,
O dia que ali vem, nas vozes da alvorada
Exclama á noite escura:
— “Ao longe ! Para longe
“0 teu manto da' côr de um hábito de monge!
“Esconde a sombra tua, esconde esse teu rosto
“Negro como o pesar, , cruel como b degosto!
TERCEIRO LIVRO *47

; «j?0o-e ! desapparece além .dos horizontes,


deixa-me aclarar o pincaro dos montes !
‘“jís a mágua, cs adôr! Sou, no entanto, a alegria!-
..“Noite! foge aos clarões rutilantes do dia"!”
E a noite merencória, a noite amargurada’ '
Foge, triste, vencida, aos raios da alvorada!

II
AInstrucção, novo sol que vem doirar a infancia,
Do mesmo modo fala á fúnebre Ignorância,
Neste dia de festa:
— l‘Ao longe! Para longe .
■‘0 teu manto côr de um hábito de monge...
“Esconde a sombra tua, esconàe esse teu rosto
.“Negro como o pesar, feroz como o desgosto !
“Desapparece sem mais teres esperanças,
“E deixa-me aclarar a mente das crianças!
“É’s.amágua, és a dor! Sou, no entamto, aalegria!
“Ignorância cruel,"foge ao rutilo dia!”
D ella, feita de treva, oh ! não resiste, não!
Triste, vencida, foge aos raios da Instrucção!
B. Octavio
A fallencia
pae de Dulce, um rico negociante, fez
uma grande festa no dia do anniversario de sua
filha mais velha, e deu-lhe de
presente uma pequena machina
de photographia instantânea.
Passados raezes, o nego­
ciante teve uma grande infelici­
dade nos negocios e falliu. Tu­
do o que tinha entregou aos cre­
dores, mas faltava pagar ainda a um riquíssimo
proprietário morador na sua vizinhança. . :
Este, querendo receber alguma cousa do
que lhe deviam, havia penhorado toda a mobilia
da casa e no dia seguinte Os meirinhos e
escrivães iriam invadir aquelle lar sagrado. O
sr.. Cordeiro, pae de Dulce, e sua mulher que
se 'haviam resignado com a perda de todos
os bens, não podiam conformar-se, com este
ultimo golpe.
Sentados a um canto, as physioiiomias
abatidas' e o olhar triste, reflectiam no semblan­
te o desanimo que lhes dominava a alma.
TERCEIRO LIVRO 149

Os filhos muito pequeninos olhavam para os


paes, espantados e cho­
rosos.
Não comprehen-
diam, mas viam que
qualquer cousa de anor- .
mal se passava em casa.
Dulce, que era maior-
zinha, percebia tudo e
procurava em sua mente um meio de minorar
ã dôr paterna.
De repente, 0 seu rosto se illuminou. Foi.
lá dentro e trouxe a sua machina, e, sem que os
paes 0 percebecem, tirou uma photographia da
familia.
Depois de haver apromptado 0 retrato, sa-
hiu ás escondidas e foi á casa do credor de
seu pae, cuja filha era sua collega na Escola
Modelo.
Entrou, e depois de brincar um pouco
com a menina, mostrou-lhe a photographia.
Na casa não conheciam a familia de Dulce.
— Que tristeza! disse a pequena.
E correndo, foi perto' do pae mostrar- lhe 0
retrato; este Ha os jornaes da tarde, voltou-se
e perguntou á filha:
150 TERCEIRO LIVRO

— Onde arranjaste esta photogmphia ?


Quando soffrimento! Coitados ! Quem é esta fa'-'•
milia ?
Dulce intervindo
respondeu : — Esta-é a
minha familia. Ella sof-
fre assim por causa do
sr. Meus paes estão tris­
tes porque não podem
conformar-se com a in­
vasão do seu lar pela justiça., que amanhã irá
penhorar todos os moveis da nossa casa, por
sua ordem.
— Minha filha, muitas
vezes fazemos um mal sem
querer e sem lhe medir as
consequências. Mas, hei de
remedial-o, eu t’o prometto.
Dulce voltou para ca­
sa e nada falou aos paes
que, muito aborrecidos, não deram pela au­
sência delia.
No dia seguinte. 0 sr. Cordeiro recebeu
uma carta em que o credor perdoava a divi­
da e ainda lhe offerecia um emprego.
Communicou 0 facto a sua mulher que
lhe disse cheia de contentamento :
—Deus foi justo para comnosco! Nunca fi­
zemos mal a ninguém.
Os defeitos da alma
iULMIRA frequentava um collegio
| onde era alumna uma pobre menina aleijada
■ de uma perna.
Zulmira, uma creaturinha W
mal educada, não tinha amigas
entre as boas collegas. 'x. .
As suas amigas, eram iguaes■ vvj jfr)
,a elta.
A pobre aleijadinha ,era ' '
0 bate roupa das suas brinca-
deiras. Quantas vezes Zulmira, •I .
para fazer graça, a arremedava
ua presença das companheiras que se riam
perdidamente.
• Nunca chamavam a pobrezinha pelo nome
proprio, davam-lhe a alcunha de Perneta.,
Anna, a aleijadinha, muitas vezes ao che­
gar á casa, abraçada a-sua mãe. referia-lhe os
seus dissabores.
Tem paciência' por mais algum tempo,
minha filha! Tu lá não pagas; as outras são
ricas e dão lucro ao collegio. O director é
muito justo, mas eu tenho vergonha de estar
TERCEIRO LIVRO

com queixas, que podem parecer impertinên­


cias.
Um dia Zulmira e as companheiras foram
brincar em um pequeno páteo, onde. em torno
de um lago, havia algumas estatuas de mar- •
more.' .
O director tinha prohibido brinquedos per­
to do lago.
Anna estava á entrada do páteo.
Uma das meninas
ao correr, bateu .de en-
ç contro a uma das esta-

É
/ tuas, que se desprendeu
c‘° pedestal, cahiu e
’ quebrou-se.
As companheiras de -
.< í estavam que
' Zulmira, nesse còm
de ponta dia ■
. ella, resolveram accu-“
sal-a do desastre.
Esta, por sua peraltice, já tinha soffrido
todas as penas a que estavam sujeitas as­
ai umuas.
Agora devia ser expulsa. "'SKF
0 director chamou as meninas e começou
a interrogal-as. Todas accusaram Zulmira.
que aliás affirmava não ser culpada: mas
ninguém lhe dava credito, visto ter muito
maus procedentes.
TBRCEIKO LIVRO

Por isso foi condemnada á pena de ex­


pulsão.
Sabedora disto, Anna pediu para falar ao
! director. Zulmira, chorando muito, estava a um -
canto do escriptorio, com a servente, á espera
da carta que devia levar aos paes, commu-
uicando-lhes que ella não podia continuar no
collegio, por causa do seu péssimo' comporta­
mento.
O director mandou Anna entrar e per-
guntou-lhe o que desejava.
— Até este mohrento, disse a menina, não
vim falar-lhe porque não fui chamada; mas.
agora que já sei o que se passa, não posso
deixai-o fazer uma injustiça. Diversas alum-
nas bricavam perto da estatua. Não sei quem
a derrubou, mas Zulmira posso afiançar que
não foi, porque, no momento em que a esta­
tua cahiu, ella estava perto de'mim amarran­
do a fita do sapato.
0 director, em face de declaração da alei-
jadinha, mandou Zulmira voltar para a classe.
— Nada mais preciso ouvir. Esta teste-
níunjia vale mais do
Cm '&ue todas as outras.
V/ Esta pequena não tem
.JBD um só dos deféit,os
í/í ■ Chegando a casa
'■ Zulmira contou á mãe
i54 TBRCEIHO LIVRO

as suas perversidades para com Anua e o pro­


cedimento destá nesse dia. *
— Minha filha, as deformidades do corpo
dão alguns desgostos áquelles que têm a in­
felicidade de os têr, mas os males causados
pelas deformidades d’al-
ma, têm feito horríveis
desgraças irreparáveis.
O defeito deAnna, com
o qual tanto implicavas,
nunca te fez mal algum,
ao passo que os teus
e os das tuas collegas,
te iam fazer passar por
uma grande vergonha,
causando aos teus paes uma dôr profunda.
Carta
Meu filho.
/ A dias, quando teu pae chegou de via­
gem, tu, depois de o teres
■ s-W-
beijado muito ás pressas
e com indifferentismo, sa-
histe para o cinema.
Teu pae nada disse,
mas eu notei uma grande
tristeza em seus olhos, e
elle não sorriu mais essa tarde.
Nunca mais faças isto, meu. filho! Todos . -
os cinemas do mundo, reunidos, não valem
uma caricia de teu pae. E’ elle que com um
arduo trabalho nos sustenta
a todos, dando-nos o bem ,
estar possível, ás vezes com
grandes ■ sacrifícios.
. Quantas noites está el­
le, até alta hora, na sala,
trabalhando com o pensa­
mento nos filhos que dormem
asomno solto, saciados de*divertimentos e gu- <■
lodices. .
TEKGBIRO LIVRO

Quantas vezes vem teu pae, correndo-d®


paragens longínquas, para ver um filho enfermo.
Chega exhausto da longa viagem e passa a noite
resignadamente á cabeceira do doentinho, quan­
do os seus olhos não podem quasi parar aber­
tos e o seu corpo só pede cama.
Na tua ultima enfermidade, ainda me
lembro, teu pae, que, com a tua doença já havia
passado sem quasi dormir umas quinze noites,
precisava entregai- um relato rio no dia se­
guinte. Não teve, porém, coragem de ficar no
escriptorio.
Trouxe a mesa para o teu quarto e ;ora
escrevia, ora vinha para, a beira de tua cama,.
e; depois de te fitar, cheio de ancia e de an­
gustia, voltava para o trabalho.
Em um momento tive necessidade de ir
lá dentro e ver outro pequeno que reclama­
va os meus cuidados. Quando voltei, teu pae,
tendo visto que es­
tavas afflicto e ge-
mias, abandonára
o trabalho e para
estar bem perto de
ti. ajoelhara-se á
tua beira, e, encos­
tando a cabeça no
teu travesseiro bem
junto do teu rosto..
dormia profunda-
THxcmKQ “Livro jjj,.

mente.‘sem o querer, e exhausto, vencido, de


cansaço- e de somno.
Teu pae, meu filho, é como o sol. O sol
com a sua attracção mantém em equilíbrio to­
dos os planetas que se arrojariam no espaço
si desapparecesse .esta força. Haveria um cata­
clismo cósmico.
Também teu pae é uma grande força que
mantém toda, a familia em equilíbrio. Se elle
desapparecer antes que os filhos tenham adqui­
rido, por meio de uma solida e completa edu­
cação, os talentos, o caracter, as virtudes, as
energias necessariàs para os guiar nos esca­
brosos caminhos da-vida. pode dar-se um cã-
taclisma domestico.
Privados então do vosso melhor amigo e
guia, meu filho,- tu e teus irmãos correis -o pe­
rigo de seguir o impulso dos maus conselhos
e das más companhias. È assim ireis de en­
contro aos escolhos da preguiça e dos vicios,
que vos mergulhariam nos grandes abysmos
do crime e da vilania.
Então meus pobres filhos, em vez de se­
rem a luz viva que 'encanta a todos e a todos
deslumbra, seriam a treva medonha da qual
todos íògefn cheios de terror.
Ama'teu pae e vené-rao. meu filho !
Tua uiãe"
\„/*S filhinhos de Maria, todos os anhos,
ao amanhecer o dia 2õ de Dezembro, viam
seus sapatinhos co­
bertos de brinquedos.
No anuo ante­
rior, porém, Maria fi-
cára viuva. O mari­
do, um forte operá­
rio, voltára uma tar­
de adoentado para casa. Apanhára um resfri­
amento. A moléstia complicou-se e, ao fim de
dois mezes, o pobre homem morria.
Assim o anno fôra todo de privações e
trabalhos. Por iss'o, no dia de Natal, os filhos,
chorando, vieram mostrar-
lhe ps sapatinhos vazios.
~ O Pae Noel nos"
abandonou!
Mas os pequenos da­
vam razão ao pae Noel. Elles não tinham si­
do bastante obedientes e haviam feito algumas
birrazinhas. Nãó aconteceria porém mais isto.
terceiro livro
-------- 15?
E Maria viu no anno seguinte, todas as
crianças esforçarem-se*por ajudal-a, sem um dia
sequer a contrariarem ’
em cousa alguma.
Na noite de. Natal Xs,,,,
as crianças, certas de '
receberem -brinquedos, ’
atiraram ao chão a velba boneca, unico pre­
sente que ainda restava dos recebidos havia
dois annos. Pediram á mamãe lhes vestisse as
melhores vestes que ainda possuiam e, apezar
do somno que as dominava, esperavam alegres
o toque da meia-noite. Até a pequena de 3
annos, a Lôia, conseguiu ficar acordada e com
os olhitos arregalados, sem quasi comprehen-,
der, a olhar paia ó grande relogio.
Assim que este acabòu de bater lentamem.
te as doze badaladas, correratn todos ao fogab;
e, com o olhar brilhante de alegria, viram
os sapatos cobertos de brinquedos. -
Mas nas orelhas da mãe, que as olhava.
com um triste sorriso, já não brilhavam os lin­
dos brincos de ouro — presente de noivado
que a acompanhára até a vespera.
. O pescador
O céo caliginoso. Escura a noite. O mar
tem uivos de prazer iguaes aos de um jaguar.
A atmosphera é calma. A natureza anseia.
As.ondas, soluçando, espraiam-se na areia
e tornam para trás, ligeiras como corças.
Ha uma como que concentração de forças
uMt* ar assim parado, assim tranquillo e mud»
Par«ce que «cfileira a natureza tudo,
— Os ventos e os trovões, as ánsías dos ocwnos,
TERCEIRO LIVRO IÓI

antes de os propellir em turbilhões insanos


que accumulem de horror, de ruínas, de fracasso,
a epiderme da terra c as entranhas-do espaço.

De quando em ^rez, além do céu no eril petisco


accende-se o clarão dum pállido'corisco ;
e as nuvens, hos confins dos torvòs horizontes,
assemelham-se então a informes mastodontes.
Paira agora no ar um hálito esbraseante,
como se o respirar fosse dalgum gigante...
E pela vastidão do espaço tenebroso
se escuta um não sei quê de muito mysterioso:
assim como um offego extranho, que se exprime
por esse mal-estar de quem- medita um crime.

De súbito rebrilha um vermelho clarão...


Rebenta e ronca e róla o fragor dum trovão.
e as cascatas do céu, abertas num momento,
.deixam tombar em massa o liquido elemento.
Quaes búfalos em bando, horrentes, mugidores, •
saem das cavernas d’Eolo os ventos destruidores.
O oceano então, se extorce em convulsões tamanhas
que arqueia o dorso ingente á altura de montanhas:
ulula como um touro, e, em terríveis porfias,
ar remete de encontro ás rudes penediàs,
qua se sentem tremer na base secular...

U inár é um bronco abysmo. e <- céu é como o mar.


lf>2 TERCKIRO LIVRO

Naquella madrugada o Pedro pescador


chamando o filho, o João, que é todo seu amor,
mandou que elle apanhasse ao canto da parede ,/
os canniços, a linha e mais o remo e a çgde,
afim de irem os dois á pesca das tainhas.
Fóra se ouvia já chilrar as andorinhas,
cortando e recortando a limpidez do espaço,
roçando á flor do mar, riscando nelle um traço» • I
que se jrisa do sol ao raios resplehdentes.

Partiram no barquinho os dois. Foram contentes...


Se o dia era tão bello e a manhã tão cheirosa !
Á natureza toda, esplendida, formosa,
numa glória de luz, numa orgia de cores,
servia haustos de sol pelos urnas das flores.
E o pescador, emquanto o filho desenrola
a rêde, rema e canta alegre barcarola;

Meu barquinho, meu barquinho


tão"pequeno e levezinho,
como uma casca de noz.
enfuna as velas á brisa
e sobre as ondas deslisa,
numa carreira veloz!

A terra é um charco.
c o céu é o mar...
Voa, meu barco,
sem descançar!
TERCEIRO LIVRO 163

Partamos. A madrugada
Já vem tocando a alvorada
no seu risonho clarim . .
Ai 1 vou cobrir-te de flores,
de perfumes e esplendores.
meu formoso bergantim !

Corramos. E que a corrida


só tenha fim com a vida
que me anima o coração.
Que importa qual seja a sorte!
Nosso rumo, nosso norte,
fique á mercê do tufão.

Partamos. Junto a teus mastros


1 quero contemplar os astros
que enchem 0 céu aos milhões ;
porque elles, nas noites calmas,
me parecem ser as almas
das perdidas illusões.

Vai, meu barco, voga, voga,


como no rio a piroga,
como a andorinha no ar.
O mar: é meu universo,
no mar eu tive meu berço ;
morrer eu quero no mar.
IÔ4 IERCBIRO LIVRO

Meu barquinho, meu barquinho,


tão pequeno e levezinho
como uma casca de noz,
partamos para outras plagas,
singrando o dorso das vagas,
'• meu barquinho veloz !

Vinha caindo a noite, aos poucos, vagarosa.


Como o peixe pegava e a pesca era rendosa,
não vira o pescador que a abóbada celeste.
de nuvens se envolvera em tenebrosa veste.
Soprâva um vento fraco e cheio de humidade.
— “Depressa ! — ao filho diz, — depressa! a tempestaí
“não tárda a desabar . . . andemos já com isto !
“E queira J esus-Christo
“que não nos aconteça agora um grande mal ...”

Assim que elle falou cahiu o temporal.

E ao látego do vento o pobre barcozinho,


mais leve que uma noz, pequeno como um ninho,
corria sobre o mar, girava doidamente,
erguia-se coma onda, e vinha de repente
afundar-se no abysmo immenso do oceano.
Embalde o pescador, num grande esforço insano,
procura combater a acção dos elementos.
_______________ _______ thrceiko l.vko í 65

Ao remoinhar da vaga, ao sibilar dos ventos,


dançar parece tudo uma dança macabra.. .
Durar não pode o instante em que o bárathro se abra
e engula a embarcação nas fauces colossaes .. .
Uma onda se levanta. . . outra onda.. . e outra mais.

E a casquinha de noz.
tão rapida e veloz
como a pedra ao sahir de dentro de uma funda,
corre para o rochedo, espedaça-se, afunda.. .

De súbito, porém, brotando nos novelos


de espuma, o pescador, segurando os cabellos
dp filho amado, vem da superfície á flor. ..
Tenta se equilibrar,«lutando com vigor...
Um vagalhão o encobre... Elle, porém, braceja,
volta á tona d’agua. Embora, na peleja,
o peito já lhe anseie e se torne offegante,
bello como um heroe, forte como úm gigante,
vai fendendo o maiT dos relâmpagos ao brilho, ,
sustendo sempre ao peito o desmaiado filho . ..

Mas vem outra onda, e num invencível esforço


dc novo cai sobre elle, arrasta-o no seu dorso
e o sacode de encontro á penedia bruta . . .
Um lancinante grito horrisono se escuta .,.
Depois .. . apenas vêm-se uns corpos a boiar...

O mar ri-se de escárneo, e o céu faz como o mar


i66 terceiro livro

***
Amaina o temporal. Os ventos esfusiantes
rccolherh-sé á caverna em que se achavam dantes.
As nuvens, em tropel — levípedes gazellas —
deixando a descoberta as pállidas estrellas,
dirigem-se a correr precipitadamente
para os lados do sul.
Rompe a manhã no oriente.
E o sol, abrindo o grandè e ignívona pupilla,
inunda a superfície oceanica, tranquilla,
de um múltiplo matiz de tintas ignotas.
Um bando de gaivotas.
pousa de vaga em vaga, ou volteja pelo ar.

O mar agora é um lago, e o céu é como o mar.

Rrné Barreto'
Ã^^^fNTRE as virtudes que mais deveis
cultivar estão a gratidão, a lealdade, a since­
ridade.
Os ingratos são desprezados, são odiados
por todos, e os exemplos de ingratidão e desleal­
dade, a historia os conserva através dos séculos,
para cobrirem de op-
próbio, os nomes da-
quelles que os deram,
como Judas que tra-
hiu Jesus Christo, seu
mestre; Lazaro de
Mello que trahiu Be-
ckman, seu padrinho e
protector; Silverio dos
Reis que trahiu os in­
confidentes mineiros.
Também os exem­
plos de gratidão,^ de
i68 TERCEIRO LIVRO

lealdade, de sinceridade chegara até os posteros


que glorificam e abençoam a memória dos ho­
mens de caracter puro. Assim é que encontra­
mos em todos os livros as historias de Orestes
e Pylades, de Damon e Pythias, de Egas Mu-
niz, de Washington, de Tiradentes.
Até as féras são gratas, meus filhos. Não
vos lembraes da histo­
ria do escravo e o leão ?
Como póde o homem, o
ser mais intelligente da
creação, tornar-se in­
grato ?!
Cultivae muito bem
essas virtudes, meus fi­
lhos ! Que era todos os actos da vida, nunca vos
esqueçam os conselhos de vossa mãe, que sereis
muito amados e não vos faltará a considera­
ção e a estima de todos. '
Lembrai-vos, com horror, da !
fábula da serpente que, euregela- LC
da e já quasi morta de frio, re-
adquiriu calor e a vida no seio de j
uma pessoa caridosa que delia se Slfc,
compadecera. .
TERCBIRO J.IVRO l69

Entretanto, a serpente cravou seus dentes


venenosos no peito daquelle que a tinha soc-
corrido.
Os ingratos são como as serpentes.
A lealdade nasce do espirito de Deus.
ÍNDICE
Pagina»
Dedicatória ......................................................................... 5
Proémjo............................ ........... 7
-Opiniões....................................... ....................................... 11
As estrellinhas do céo ... 17
A escola............................................. ....................... 19
A boa neta '.................................. ................................. 21
Ante a bandeira (soneto) ..... . 23
Gilda.................................................. 24
Quem muito quer ....... 26
Quem mais ama a patria.................................................. 28
Patria (soneto) •............................ ................................. 30
O algodão...................... ............................................. 31
O mestre................................................................... . 33
O velho mestre (poesia). ...................... 35

D
OC
Quem hicta vence .
O desmazêlo . . . .
O cumprimento do dever ... ............................ 42
As duas nobrezas (poesia).................................................. 44
A patria............................................ ... 46
A caridade.................................. ............................ 48
A caridade (poesia).................................................. 50
O imposto. .... ............................................. 53
A alegria das mães. .. . .................................. 55
A rua.......................................................................................... 57
O orgulho ..... . .................................. 59
A bella Corina (poesia)............................................. .... 62
As sementes................................. ..... 65
O asseio.................................................. ... 67
O caipira............................................................. 69
A magnanimidade ... ... 71
A fraternidade....................................... 74
TERCEIRO LIVRO
12L
Paginas J
A casa (poesia). ..... ... 76 .
A faladora........................................................................... 78
A mentira........................................................................... <S1
A honradez............................................................................ 841
A arvore.................................................................................. 86 ■
Que plantamos quando uma árvore plantamos (poesia); 89
A embriaguez...................................................................... $S
0 governo............................................................................ 93 *
Respeito á velhice . '................................... 96
O polichinello............................. . 99
O vendedor de jornaes..................................................... 101
A guerra..................................................... . . 104
A prodigalidade.............................................. 107
Não condcmnenios' sem provas........................ . - 110
Uma visita á classe......................................... .113
A sciencia (poesia) .... ....................... 115
A cortezia .......................................... 118
A preguiça . . .............................. ................................... 121? £
Tua mãe ............ 1-24
Ser mãe (soneto)....................... ............................. 127
Ordem e Progresso .................................................... 129
Respeito á dôr alheia..................................................... 182
A economia............................................................................ 185
Respeitae os ninhos (poesia) ......................................... 189
O herde..................................................... 1'10
A vaidosa............................................................................ J18
Duas alvoradas (poesia) ... 146
A fallencia................................... ....................... 148
Os defeitos da alma......................................... • 484
Carta ............................................... 155 _
A noite de natal....................... . . . 158
O pescador (poesia) .... ............................. 160 .
A meus filhos...................................................................... 167
SfeFibulas . !$500

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2$000

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. 33500-

. . Vida Infantil . l$500


a : ... 2$0ÓO
. 2$00^

FRANCISCO VIANNA
Leituras Infantis — Cartilha ípela. sentenciarão) . ’. ’ . .» , J$300
— Leitura Preparatória (de cpiráboraçáJ)'toiTt .
. (Micúel CarjÚí>ro Junior)........................ ?3$5j)0
" — Primeiro livre 23500
2' ■ • ‘ . Sejjánd. «JK: •> 33000
' -* -Jctc.C livro . . . . ...... 33000
-i" - Quarto livro \ . . . .. . 43'000
r nmeiro^Kâjços'na Leitura (pela sénfenciação cq»3y)laba<;ãn
. explicit-i) . . .-........................ 13500

csssEsn^

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