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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

Valores éticos e comportamentos pró-sociais

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IPA – Instituto Porto Alegre PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
da Igreja Metodista CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

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Editorial)
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Editora Universitária Metodista IPA


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A – Sala A001 – Rio Branco – Porto Alegre/
RS CEP: 90420-060 – Tel.: (51) 3316-1249

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Porto Alegre, 2012

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária responsável: Patrícia Mentz CRB 10/2143

Silva, Clemildo Anacleto da.


Diversidade na educação, respeito e inclusão : valores
éticos e comportamentos pró-sociais / Clemildo Anacleto da
Silva, Manuel Alfonso Dias Muñoz. – Porto Alegre : EDIPUCRS :
Editora Universitária Metodista IPA, 2012.
127 p. : il.

ISBN: 978-85-99738-20-7
ISBN: 978-85-397-0247-3

1. Cidadania. 2. Educação escolar. 3. Valores. 4. Diversidade.


5. Comportamento pró-social. I. Título. II. Muñoz, Manuel Al-
fonso Dias.

CDD 372.832
CDU 372.832

Capa: Cristiano Freitas


Editoração eletrônica: Maria Zélia Firmino de Sá
Revisão: João Guimarães
Edna Batista Guimarães

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Agradecimentos

Aos nossos pais: Maria Ramos; Pedro Anacleto, Manuel e Mar-


garita pelo empenho em nos ensinar valores que contribuíram para A
nossa formação cidadã.

A nossas esposas: Manuela e Graciete, pelo companheirismo,


apoio, carinho, dedicação e cuidado.

A nossas filhas, Simone e Amanda, por nos fazerem mais espe-


rançosos e encorajados a prosseguir.

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SUMÁRIO

Introdução 9

A contribuição dos valores éticos para a promoção da


diversidade, cidadania e o respeito 13
Clemildo Anacleto da Silva

O ser humano e sua maneira de interpretar a realidade 21



É função do educando (a) refletir sobre valores 24

Escola e valores 35

É possível tornar o ser humano melhor? 40



Um parâmetro para os valores 43

As ações valem mais do que as palavras 46

Escola e o processo de conscientização 48



A dificuldade para se estabelecer valores 50

Concretização dos valores na escola 54

Educação humanista e educação técnica 57

Considerações finais 63

Referências bibliográficas 65

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Referenciais psicopedagógicos para uma proposta de educação
para a paz: comportamentos pró-sociais 69
Manuel Alfonso Diaz Muñoz

1. Juventude, violência e escola: o cotidiano da Exclusão 69

2. A urgência de uma pedagogia para a paz 73

3. Comportamentos pró-sociais: trilha para a paz 87

3.1 Comportamento antissocial: agressão e violência 88



3.2 Comportamento pró-social: variáveis associadas 96

3.3 Resiliência e comportamento pró-social 109

4. É possível educar para a paz na escola? 113



Considerações finais 119

Referências bibliográficas 122

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INTRODUÇÃO

A reflexão sobre os valores éticos na escola pode produzir mudan-


ça de atitude nos educandos, bem como se tornar em uma ferramenta
fundamental no combate à violência, à intolerância, ao preconceito e
à discriminação, contribuindo com sua formação no que diz respeito
ao entendimento, conhecimento e prática da cidadania, da inclusão e
dos Direitos Humanos.
Muitos reconhecem que a violência e o desrespeito ganham
cada vez mais espaço nas escolas. A consequência pode ser vista no
grande número de abandono escolar e desistência dos alunos, na
desvalorização dos professores e na má qualidade do ensino. Uma
maneira de mudar essa situação passa pelo estudo dos valores so-
ciais em sala de aula. Hoje, o tema está praticamente ausente. Mas é
possível mudar essa situação.
São fundamentais as palavras de Edgar Morin a respeito da so-
ciedade atual e a perda da importância dos valores. Segundo ele, há
três formas de barbárie que ameaçam a sociedade atual: “A primeira
forma de barbárie que nos ameaça é a da dominação da conquista, do
fanatismo e da intolerância. A segunda, terrível, esconde-se atrás da
ciência e da técnica. A terceira modalidade: tudo se transforma em
mercadoria. Os valores perdem importância” (SILVA, 2011).
Partimos da hipótese de que é fundamental a reflexão e o estudo
dos valores sociais em sala de aula e de que eles contribuem para a
transformação social e a mudança de atitude dos indivíduos. Há uma
frase creditada a Malcolm Little1 que diz o seguinte: “As únicas pessoas

1 Ativista negro norte-americano, também conhecido como Malcolm X, que


lutou contra o regime de segregação racial.

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que realmente mudaram a História foram as que mudaram o pensa-


mento dos homens a respeito de si mesmos”.
São os valores que determinam a ação do indivíduo. Se mudar-
mos os valores, os indivíduos também mudarão? Se isso for verdade,
por que a escola não tem essa preocupação como prioridade? Por um
lado, a visão marxista entende que isso somente é possível se houver
mudança no modo de produção capitalista, visto que os valores fazem
parte da infraestrutura que dá sustentação ao sistema.
Por outro lado, percebe-se que há o reconhecimento de que o
poder da ideologia e da conscientização pode conduzir à mobilização.
Portanto, é possível que também aconteça o caminho inverso, ou
seja, a conscientização conduz ao movimento de transformação e de
revolução. Dessa forma, é possível acreditar que o processo de reflexão
influencie na forma como enxergamos a sociedade e agimos sobre ela.
Creio que Edgar Morin também pensava dessa forma quando afirmou
que: “Não se pode reformar a instituição sem uma prévia reforma das
mentes, mas não se podem reformar as mentes sem uma prévia refor-
ma das instituições. Essa é uma impossibilidade lógica que produz um
duplo bloqueio” (MORIN, 2003, p. 99).
Pensando dessa maneira, acreditamos que a reflexão sobre valo-
res éticos pode se transformar em uma ferramenta fundamental para
a conscientização cidadã e influenciar a maneira como os educandos
se relacionam com as outras pessoas e com o meio ambiente.
Se os educadores se propuserem a debater as questões relativas
aos valores éticos em sala de aula, contribuirão para que a escola não
seja meramente um lugar de preparação para a vida do trabalho ou
vestibular. Se isso ocorrer, significaria que a escola patrocinaria e viabi-
lizaria a inserção do educando na discussão e reflexão sobre temas que
discutem as relações, as ações humanas e suas consequências. Em geral,
essa responsabilidade cai sobre as disciplinas de Filosofia, Sociologia,
História, Ensino Religioso e Artes, no entanto, a escola deveria também
assumir como proposta pedagógica a responsabilidade de desenvolver
a reflexão voltada para os temas que promovem a cidadania e contri-
buem para a formação humanística.
Historicamente, o estudo de valores aparece como uma área da
Filosofia, como diz Reale. “E constitui objetivo da Filosofia educar os
homens a refletir sobre os valores humanos mais elevados, como eles
aprenderam a refletir sobre aquelas questões que se inserem no âmbito

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

da técnica” (REALE, 1991, p. 511). Nos dias atuais, esse assunto não se
restringe somente à Filosofia.
Se os educadores (as) não atribuem nenhuma importância ou
pouca importância à reflexão sobre os valores éticos, e consequente-
mente à formação cidadã, então a escola está perdendo a oportunidade
de discutir temas fundamentais que podem influenciar na melhoria das
condições das relações humanas.
Desta forma, partimos da hipótese de que o debate, a discussão e
a reflexão sobre os valores éticos, se bem trabalhados em sala de aula,
podem contribuir para a formação cidadã e o entendimento crítico dos
valores sociais numa perspectiva da inclusão social.
Ao longo da História, a escola tem sido considerada uma institui-
ção fundamental na formação do ser humano, caracterizada essencial-
mente pelo seu caráter competitivo por estar fortemente vinculada ao
êxito acadêmico e pela sua pretensão exclusivamente instrutiva. Porém,
a partir da reflexão de autores como Piaget, Kohlberg ou Freire, hoje
em dia está se fazendo um evidente esforço para superar a concepção
da escola como mera transmissora de conhecimento em favor de uma
ampliação dos processos educativos que inclua a educação nos valores e
atitudes que exigem a convivência pacífica e participativa na sociedade.
Essa inquietação acompanhou a reflexão pedagógica do século
XX. Nos movimentos de renovação pedagógica dos anos 20, em especial
na Escola Nova, se falava de educação para a paz. Outros movimentos
e pedagogos têm reforçado essa posição: a Escola Moderna de Freinet,
a Escola de Summerhill de Neill, a Escola de Barbiana de Milani ou a
Pedagogia Libertadora de Paulo Freire. No Brasil, os Parâmetros Cur-
riculares Nacionais de 1998, na proposta de eixos transversais são o
ponto de referência para uma profunda modificação no modelo peda-
gógico brasileiro, começando pelo resgate da ética e convívio social a
partir da própria escola.
A realidade parece contradizer este propósito. A violência, a intole-
rância, o preconceito, dentro e fora dos muros escolares, impõem morte
e exclusão no espaço de criação de subjetividades por excelência. E nossa
juventude é a maior vítima dessa situação. Neste sentido, dois eventos,
entre muitos outros, têm nos impactado de forma direta: o massacre de
12 crianças numa escola do bairro carioca de Realengo, no dia 7 de abril
de 2011, e o assassinato do Prof. Kássio Gomes, no dia 7 de dezembro
de 2010, por um aluno inconformado com a sua reprovação. O primeiro

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pela sua barbárie e por manifestar um tipo de violência que críamos


impensável para a realidade brasileira, o segundo porque a vítima era
colega de trabalho no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix,
de Belo Horizonte. Os dois eventos têm acentuado em nós a urgência de
procurar caminhos que façam realidade a educação nos valores.
Dentre esses valores a educação para a paz adquire especial
importância perante o alarme social que o problema da violência está
provocando na opinião pública e os poucos estudos que ainda existem
sobre o tema no Brasil. Propostas para combater a violência em todas
as suas formas, especialmente as que causam maior alarme social, têm
surgido desde diferentes âmbitos, quase sempre adotando uma visão
repressora da violência e das pessoas supostamente causadoras dela:
presença permanente de policiais e a instalação de detectores de metais,
a redução da idade penal, a reforma do Estatuto da Criança e do Ado-
lescente, e até sua eliminação, a criminalização dos atos caracterizados
como bullying na escola, entre outras. Nós apostamos e acreditamos
na educação, e esse é o propósito do presente livro: compartilhar com
outros educadores nossa convicção e nossos sonhos.
Para melhor compreensão do assunto, dividimos o livro em duas
partes. No primeiro capítulo, discutiremos a importância da escola e dos
educadores (as) na promoção de valores que conduzem à cidadania, ao
respeito à diversidade e à inclusão social. Nesse sentido, a reflexão sobre
valores éticos será uma oportunidade para confrontar ideias com vistas
a buscar os fundamentos e as razões para o agir humano. Além desses
aspectos, mostraremos qual a influência que essa reflexão pode causar na
vida do educando e quais mudanças poderão ocorrer na prática escolar.
Na segunda parte, aprofundamos na reflexão sobre o binômio
educação para a paz/comportamento pró-social, buscando funda-
mentar, psicopedagogicamente, a nossa opção por uma educação nos
valores positivos e não repressores. Assim, afirmamos que, apesar da
conduta pró-social ser complexa e estar determinada por diferentes
fatores (culturais, familiares, escolares, pessoais, etc.), os programas
psicopedagógicos focados no aumento de condutas como ajudar, coope-
rar, compartilhar ou consolar têm sido eficazes para a diminuição dos
comportamentos violentos e antissociais das crianças e adolescentes
participantes. Entendemos e demonstramos que é possível educar para
a paz em nossas escolas, aumentar os comportamentos pró-sociais e
diminuir os comportamentos violentos por meio de programas de in-
tervenção psicopedagógica específicos e de fácil implementação.

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A CONTRIBUIÇÃO DOS VALORES ÉTICOS
PARA A PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE,
CIDADANIA E O RESPEITO

Clemildo Anacleto da Silva*

Cada pessoa ou coisa é diferente. Já que é assim, baseado em que você


pune quem não é você? (música novo aeon – Raul Seixas).

Antes de entrarmos propriamente no assunto, gostaríamos de


esclarecer com qual conceito de valor e de ética estamos trabalhando.
Sabemos que essa se constitui em uma das primeiras indagações dos
leitores. Para essa análise, julgamos que o conceito defendido por Va-
zquez (2003) vem ao encontro do que pretendemos discutir.
Para Vazquez, ao se falar de ética, se fala ao mesmo tempo de
valor, visto que a ética se defronta com fatos humanos de valor. Nesse
sentido, “a ética estuda uma forma de comportamento humano que
os homens julgam valiosos”. A prática moral vigente na sociedade traz
consigo uma série de valores. A maneira como o ser humano justifica,
refaz, repensa, cria novos valores ou procura fundamentar suas ações
faz parte do objeto de estudo da ética. Nesse sentido, “A ética é teo-
ria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana ou
forma de comportamento dos homens, o da moral. A ética é a teoria
ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou
seja, é ciência de uma forma específica de comportamento humano”
(VAZQUEZ, 2003, p. 4).

* Tem graduação em Filosofia, mestrado em Educação e doutorado em Ciências da


Religião. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Intolerância, Educação e Direi-
tos Humanos e professor do Programa de Pós-graduação do Centro Universitário
Metodista – IPA de Porto Alegre.

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Valores são propriedades ou escolhas que julgamos mais ade-


quadas em determinada situação. As coisas e os atos adquirem valores
somente quando os seres humanos passam a se relacionar entre si e se
relacionar com o meio. Sendo assim, o ser humano concede significado
às coisas e aos atos e, ao realizar esse movimento, ele concede valores
aos objetos e às ações. Como os valores são uma criação humana, então,
podem ser reinventados, recriados e repensados. Dito isso, passamos en-
tão a pensar a possibilidade de se discutir os valores e a ética na escola.
Quando se fala em discutir valores na escola, temos posições
extrema­das dos dois lados. Há os que estão escaldados pela experiência
vivida durante a ditadura militar no Brasil, na qual a disciplina de Educa-
ção Moral e Cívica fazia o papel de incutir nos educandos um sentimento
nacio­nalista e moralista. Mas há também os que percebem uma lacuna
na formação dos educandos, uma vez que os currículos privilegiam os
saberes que visam o vestibular ou a formação para o trabalho.
Se verificarmos os Parâmetros Curriculares para o Ensino Fun-
damental, constataremos que, além dos conteúdos considerados de
formação comum, há um conjunto de assuntos, denominados de Temas
Transversais1 que deveriam ser utilizados para realizar o debate em
torno das questões relacionadas à ética e à cidadania.
Entendemos que a implantação dos Temas Transversais em
sala de aula e a discussão ética que poderá proporcionar aos alunos
e professores deverá também produzir um impacto social no sentido
de amenizar a intolerância, diminuir o desrespeito, a discriminação, a
homofobia, valorizar o meio ambiente, compreender grupos e posições
diferentes, erradicar a violência escolar; colaborar na construção de um
educando consciente de seus deveres e direitos, promover a cidadania,
a inclusão, a valorização dos Direitos Humanos e a implementação de
comportamentos pró-sociais. Por tudo isso e pelo que apresentaremos
a seguir, cremos que seja importante e relevante a discussão a respeito
da ética e dos valores na escola.

1
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental indicam
seis temas que devem ser trabalhados como Temas Transversais, são eles: Ética,
Saúde, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo, e Pluralidade
Cultural. A transversalidade se dá pelo fato de os temas não se constituírem em
novas disciplinas. Eles devem ser contemplados nos planos de ensino dos professores
(as) e nos Projetos Pedagógicos da escola, mas, sobretudo, devem ser desenvolvidos
pelos professores (as) de qualquer disciplina. Isso significa que qualquer professor
(a) estaria apto para refletir sobre esses temas a partir de sua área ou disciplina.

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Com isso, não estamos afirmando que esse conjunto de temas


é a salvação da educação e dos problemas de intolerância e violência
na escola. Nem estamos afirmando que esses temas devam ser os
únicos assuntos, e os materiais produzidos sejam os mais indicados e
os melhores para iniciar um projeto de debate sobre valores. Estamos
apenas constatando que as escolas já dispõem desse material e da
possibilidade do assunto ser implantado nos planos de ensino. Não há
a necessidade de, nem mesmo, criar uma nova disciplina, mas apenas
estabelecer uma metodologia a partir da qual os assuntos devem ser
de fato efetivados e trabalhados em sala de aula.
Nesse sentido, lembro um fato ocorrido no Brasil, a intenção do
governo brasileiro em distribuir um kit (cartilha e vídeo) nas escolas
públicas para servir de suporte para discussão sobre a homofobia
gerou grande debate na sociedade brasileira. Parte do Congresso, da
igreja e da sociedade se colocou contra. Esses grupos entenderam que
o kit, além de ser desnecessário, tinha como objetivo fazer propaganda,
defesa e divulgação de um modo de vida (a homossexualidade), em-
bora o governo garantisse que a motivação que levou à criação desse
projeto foi a constatação de que a sociedade e a escola eram homo-
fóbicas, portanto, justificava-se uma política específica para atender
essa necessidade.
Se os Temas Transversais, com uma discussão mais ampla a res-
peito da ética, conseguirem suprir essa necessidade, significará que a
escola já possui um instrumento capaz de chegar ao mesmo objetivo,
ou seja, combater a homofobia e a violência. Além disso, o governo eco-
nomizará milhões com uma política educacional para a qual já há um
instrumento eficaz. Evidentemente que não será apenas por meio de um
texto ou vídeo ou mesmo de uma aula que iremos garantir o respeito ou
a mudança de atitude. Contudo, não podemos negar o forte papel que
a discussão pode exercer no sentido de contrastar, contrapor e refazer
ideias, posições e atitudes que conduzem à violência e à exclusão.
No caso da homofobia e de todas as outras formas de precon-
ceitos, a violência acontece porque o autor dela não se identifica
com o alvo da violência. Rejeita seus costumes, seu modo de ser, seu
modo de agir. Mas para que o autor da violência se sinta justificado,
é necessário que processe o ato da violência de maneira racional,
portanto, “a racionalização da hostilidade e a ausência de identifi-
cação com o alvo do preconceito marcam o preconceituoso” (SILVA;
LIBÓRIO, 2005, p. 18). A discussão, tendo por base o conjunto dos

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Temas Transversais e principalmente a reflexão ética, pode contribuir


para quebrar esse processo.
Em relação à homofobia e outras formas de intolerância, é válido
lembrar que na maioria das vezes em que a sociedade elege um grupo
qualificando-o como desprezível, portador do mal ou disseminador
de valores que essa mesma sociedade julga como maléficos à vida em
sociedade, geralmente ocorre também a justificação da violência contra
esse grupo. Portanto, a sociedade, muitas vezes, se vê no direito de
eliminar esse “mal”, visto que está impregnada, no inconsciente cole-
tivo, a permissão para agredir, uma vez que a sociedade entende que
está contribuindo para combater os valores que desagregam a família
e a sociedade. Às vezes, essa situação se torna tão mecânica que os
agressores não conseguem visualizar a incoerência da agressão ou do
preconceito. A distorção está no seguinte: Por que agredir alguém (no
caso de homofobia) que demonstra ações de amor e carinho?
Apresento aqui dois exemplos, entre muitos outros. De acordo
com uma reportagem do Jornal Hoje (TV Globo), do dia 25 de maio de
2010, na qual se mostravam alguns bares em Minas Gerais, um se des-
tacava porque proibia o beijo em seu interior. Segundo um dos garçons:
“Era proibido cenas explícitas de amor”. Outro caso aconteceu durante
uma festa agropecuária em São João da Boa Vista (SP) e diz respeito à
agressão sofrida por pai e filho, porque foram confundidos com gays,
uma vez que estavam abraçados. Esses casos nos fazem pensar o se-
guinte: Não seria importante se nossos maiores problemas fossem por
causa de cenas explícitas de amor? Será que no momento em que nos
preocupássemos em proibir beijos, abraços e cenas de carinho não es-
taríamos caminhando para a construção de uma sociedade totalmente
desumana? A crença na ideia de que é urgente a inserção na escola
do debate sobre a ética e os valores é o que move o desenvolvimento
deste texto.
Sendo assim, insisto na ideia de que os Temas Transversais não
fiquem apenas na transversalidade e consequentemente na clandesti-
nidade e esquecimento. Uma maneira de pensar os Temas Transver-
sais se dá a partir do componente curricular. Os PCN’s para o Ensino
Fundamental dividem os conteúdos em pelo menos três blocos: o
núcleo comum, as disciplinas que podem ser inseridas de acordo com
o contexto de cada região e os Temas Transversais.
Faço um parêntese para informar que esse tipo de divisão não é
uma novidade no nosso sistema de ensino, pelo menos no que diz res-

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peito aos assuntos que podem ser inseridos conforme a peculiaridade


de cada região. A ideia já se encontrava presente no início do século
XX. Vejamos o que diz Ribeiro:

Tais reformas representavam a tentativa de implantação da escola primá-


ria integral, definida da seguinte maneira no art. 65 da Lei n° 1.846, que
reformulou o ensino primário baiano em 1925.
Será, sobretudo, educativa buscando exercitar nos meninos os hábitos
de observação e raciocínio, despertando-lhes noções rudimentares de
literatura e história pátria, fazendo-os manejar a língua portuguesa como
instrumento do pensamento e da expressão; guiando-lhes as atividades
naturais dos olhos e das mãos mediante formas adequadas de trabalhos
práticos e manuais, cuidando, finalmente, do seu desenvolvimento físico com
exercícios e jogos organizados e o conhecimento das regras elementares de
higiene, procurando sempre não esquecer a terra e os meios a que a escola
deseja servir, utilizando-se o professor de todos os recursos para adaptar
o ensino às particularidades da região e do ambiente (NAGLE, 1974 citado
por RIBEIRO, 1992, p. 90).

Essa Lei reproduzida não fazia referência a Temas Transversais.


Os Temas são uma novidade nos PCN’s atuais. É razoável pensar que
os Temas podem servir de um novo paradigma para a aplicação da
interdisciplinaridade na escola, realizando a função do eixo sobre o
qual giram todas as outras disciplinas. Assim sendo, deixaria de ter um
caráter “secundário”, passando a ser o principal bloco na construção
da matriz curricular.
Os Temas Transversais conseguem unir um conjunto de assuntos
considerado fundamental para desenvolver o conhecimento global, visto
que tratam da ética, da pluralidade cultural, da sexualidade, do mundo
do trabalho e do meio ambiente.
Segundo Bursztyn (2001), três assuntos são considerados fun-
damentais para entender a sociedade moderna e, por isso mesmo,
deveriam fazer parte do debate atual. São eles: Ciência (Tecnologia),
Sustentabilidade (meio ambiente) e Ética. Se a escola focalizar a discus-
são a partir desses eixos, estará trazendo para o debate questões atuais
e fundamentais para a existência no mundo moderno ou pós-moderno.
Seguindo esse mesmo pensamento, Morin (2000) indica sete saberes
necessários à educação do futuro, entre estes, aponta: o conhecimento,
a condição humana e a identidade terrena.
Diante do momento histórico pelo qual a escola está passando
no que diz respeito à violência, intolerância e desrespeito, julgamos

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fundamental e urgente a reflexão sobre ética e os valores em geral.


Discutir os valores que norteiam a vida do cidadão, do indivíduo e da
sociedade pode contribuir na qualificação de comportamentos mais
saudáveis e responsáveis. Ter clareza e consciência dos deveres e di-
reitos de cidadania é um grande avanço. Se a discussão da cidadania e
da ética se resumir a esse aspecto, é possível que fique apenas no nível
da consciência, faz-se necessário refletir de tal forma que a conscien-
tização e a reflexão conduzam a compromissos e responsabilidades. A
problematização ética não pode ficar apenas no nível da discussão, é
necessária uma mudança de atitude.
Neste sentido, Soveral (2001, p. 13) é categórico: “Ora – e é pre-
ciso que isso fique claramente sublinhado –, uma maioria eticamente
responsável de cidadãos só é possível se o sistema de ensino atribuir
à formação moral a maior prioridade” (SOVERAL, 2001, p. 13).
Enquanto a Alemanha sinaliza com o alerta de que uma sociedade
plural é algo impossível e exige que os imigrantes se esforcem para se
acostumarem e adotarem a civilização alemã, o Brasil caminha numa
direção contrária, na qual a diversidade cultural é valorizada.

A tentativa da Alemanha de criar uma sociedade multicultural “fracassou


completamente”, disse a chanceler alemã Ângela Merkel [...]. Merkel disse
que permitir que pessoas de origens culturais diferentes vivam lado a lado
sem integrá-las não funcionou num país que é o lar de quatro milhões de
muçulmanos. “Essa abordagem (multicultural) fracassou, fracassou com-
pletamente” (O GLOBO, 2010).

Um caso mais recente acontecido neste ano na Noruega também


chama a atenção. Um jovem norueguês (Anders Behring Breivik) as-
sassinou dezenas de pessoas tendo como motivação o combate à mis-
cigenação, ao multiculturalismo e ao pluralismo cultural. Segundo ele,
os imigrantes, e consequentemente a mistura de raças, se constituíam
num grande mal. De acordo com seus escritos, o Brasil se estabeleceu
como um país de segundo mundo e de baixa coesão social graças a sua
política multiculturalista. Embora queiramos chamar atenção para a
violência, intransigência e intolerância de uma parte do mundo euro-
peu, esse acontecimento reforça que estamos no rumo certo, ou seja,
o Brasil se apresenta como um país tolerante.
O Sistema educacional brasileiro entende que se faz necessário
cada vez mais reforçar valores como o respeito, pluralidade, tolerância
e o conhecimento da história dos povos que contribuíram na construção
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do pensamento cultural brasileiro. Nosso sistema educacional, mesmo


que de forma ainda falha, tem procurado valorizar a importância do
estudo da História da África e a educação indígena. Recentemente, a
cidade de Porto Alegre aprovou uma Lei que torna obrigatório o ensino
do Holocausto na rede municipal de ensino.

O prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), sancionou nesta segun-


da- feira uma lei que torna obrigatório o ensino do Holocausto na rede
municipal de ensino. Será formado um grupo técnico da Secretaria da
Educação com o apoio da Federação Judaica, e a obrigatoriedade começa
a valer a partir de 2011.
O projeto estabelece que o ensino sobre o Holocausto – extermínio de
judeus na Europa durante o regime nazista (1933-45) – seja desenvolvido
junto ao conteúdo de história. “É uma visão humanista, plural e libertária.
O Holocausto foi o maior massacre de pessoas inocentes. Queremos que as
crianças conheçam a história e reflitam sobre os valores da vida”, afirmou
o autor da proposta, vereador Valter Nagelstein (PMDB) (FOLHA, 2010).

Pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em


todo o Brasil, com o objetivo de identificar os valores dos brasileiros, des-
tacou que o bem-estar das pessoas que estão perto da gente é o principal
valor dos brasileiros. O bem-estar da humanidade e da natureza está em
segundo. Depois vêm a segurança e a autodeterminação. O interesse pelo
poder aparece em último lugar. E a família, para a maioria dos pesqui-
sados, é que tem a responsabilidade de ensinar esses valores. A escola
aparece em segundo lugar como responsável por esse papel. A pesquisa
mostra ainda que os brasileiros estão preocupados com um problema
que é uma ameaça a esses valores: a violência (PESQUISA, 2010).
Diante do exposto, cabe a pergunta: será que a promoção da
reflexão sobre os valores éticos pode ser uma proposta de inovação
do ensino a partir da aprendizagem interdisciplinar? Ou seja, se in-
vertêssemos o processo, no lugar das atuais disciplinas do núcleo
comum, poderíamos ter apenas os Temas Transversais. Porém, este
é um assunto mais complexo sobre o qual teríamos que realizar uma
reflexão mais profunda. Por isso, trazemos aqui apenas como forma de
instigar o assunto para pesquisa posterior. Em todo caso, já será um
avanço se a escola conseguir colocar os Temas Transversais como eixo
que perpassa todas as disciplinas.
Nesse caso, a discussão de valores não ficaria restrita a somente
um grupo de disciplinas geralmente caracterizadas como humanísticas.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

Também não correria o risco de ser acusada de favorecer determina-


da ideologia. Os Temas Transversais não se apresentam segundo um
paradigma marxista, mas apresentam um direcionamento. Têm por
finalidade formar um indivíduo com consciência cidadã, preocupado
com a exploração do meio ambiente, um indivíduo tolerante, que tenha
capacidade de conviver com a diversidade, que respeite as diferenças,
que não seja racista nem preconceituoso, que promova os valores da
justiça social e da democracia.
Partindo desse entendimento, os Temas Transversais fazem um
recorte bem objetivo. Há espaço para que se discuta a exploração social,
a luta de classes, a opressão dos sistemas de governo, a organização
política e social, a relação com o meio ambiente, a questão de gênero,
a luta pela terra e outros temas que costumam ser rotulados como
agenda de esquerda. Nesse sentido, os Temas não dizem que esses as-
suntos devem ser discutidos à luz do paradigma marxista ou segundo
a visão capitalista.
Penso que um sistema ditatorial ou corrupto não gostaria de ver
seus cidadãos ou “súditos” discutindo esses assuntos. Não creio que
um grileiro ou madeireiro ilegal ficasse contente e tranquilo sabendo
que, na sua cidade, os alunos refletem sobre o meio ambiente, a pre-
servação, a destruição das matas e suas consequências. Isso demonstra
que os Temas podem contemplar uma discussão de linha marxista, mas
também podem contemplar outro tipo de discussão, desde que esteja
dentro das finalidades ou do direcionamento indicado.
Além do que foi dito, em geral analisamos uma pessoa pelos va-
lores que ela defende. Só isso já seria suficiente para justificarmos o
assunto como indispensável e como tema de debate. Toda pessoa traz
consigo um conjunto de valores herdados ou construídos (adquiridos
pelo hábito, como diria Aristóteles) que contribuem para a formação
de sua personalidade ou modo de ser. Esses valores interferem na
maneira como ocorre a convivência social e nas inter-relações entre
indivíduos e o meio ambiente. É por meio do debate que o educando
pode reforçar, justificar ou refazer suas opiniões, ideias ou convicções.
É papel da escola, por intermédio de seus educadores e educa-
doras, refletir sobre o exercício da cidadania, da participação política,
da valorização da diversidade e a garantia dos direitos sociais. Esses
saberes são necessários para o exercício da cidadania. Além do mais,
contribuem para a compreensão da realidade visando à participação
política, promovendo uma sociedade não excludente.

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

O ser humano e sua maneira de interpretar


a realidade

Antes de aprofundar a discussão sobre os valores, é necessário


apresentar algumas estruturas que, de certa forma, contribuem para
que o ser humano entenda, perceba e interprete a realidade. Parece-
-me que o agir humano é consequência dessas estruturas. É claro que
a partir dessas estruturas o ser humano forma outras estruturas e
relações que também interferem no comportamento humano. Mas
antes das estruturas criadas pelo ser, é necessário que essas outras
existam a priori.
A maneira como o ser humano entende e se comporta na socie-
dade tem a ver com a forma como ele próprio e o seu mundo estão
estruturados. Isso pode parecer óbvio. O que quero dizer com isso é
o seguinte: o ser humano compreende, entende, dá sentido às coisas
e interfere na realidade a partir de três estruturas básicas: a forma
como a sua consciência está estruturada, a sua composição física e a
maneira como seu mundo está ordenado. A consciência humana percebe
e entende as coisas a partir da história, da ideia de tempo e espaço.
Nesse sentido, concordo com Kant e Hegel. A consciência humana é
consciência histórica, ela não é reflexão sobre si mesma nem pode
permanecer vazia. É a experiência que fornece os conteúdos para que
a consciência passe a funcionar.
Portanto, o ser humano entende a realidade a partir de uma expe-
riência vivenciada num contexto histórico. Mas o ser humano somente
capta esse sentido histórico porque a sua consciência traz determinadas
estruturas que denominamos de racionais. A racionalidade humana é
uma maneira própria de enxergar o mundo. Essa racionalidade entende
o mundo como unidade e particularidade. Por isso, ele consegue per-
ceber a unidade e a diversidade ao mesmo tempo. Também consegue
fazer separações e juntar o que é semelhante.
Sendo assim, podemos, em princípio, afirmar pelo menos três
valores ou, se quisermos, três realidades que contribuem para a cons-
trução da racionalidade humana: O meio ambiente (o mundo), a pessoa
(o ser aí) e a liberdade. O mundo como realidade histórica, a pessoa
como consciência que se distingue do mundo e a liberdade como capa-
cidade de transcendência. Portanto, o ser humano está inserido num
contexto histórico e temporal, por isso ele se caracteriza como um ser
do processo. Porém, ao mesmo tempo, e mesmo que não queira, tem
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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

de realizar escolhas e finalmente confere significado e sentido à sua


experiência.
Lima Vaz afirma que o sujeito se experimenta como sujeito
situado. É essa experiência que o faz constatar a sua finitude e que
leva o sujeito a interrogar-se sobre si mesmo. Ainda segundo Vaz, as
dimensões fundamentais da realidade, na qual o homem se situa como
sujeito, são: o mundo, a sociedade e o próprio eu. O ser humano é, es-
sencialmente, um ser de relação. Relaciona-se consigo, com os outros
e com o transcendente. Mundo, História e Absoluto são os três termos
das relações constitutivas da abertura do homem à realidade (VAZ,
1992, p. 10 e 14).
Devemos levar em consideração, também, que o indivíduo traz
em si o patrimônio genético do organismo maior do qual ele faz parte.
Nesse aspecto, queremos dizer que o indivíduo não consegue fechar-
-se em si mesmo e pensar apenas em si. Porque sua realidade é criada
de acordo com o todo. Nesse sentido, o indivíduo percebe a realidade
a partir do todo e não do particular, ou seja, não parte dele mesmo e
consigo mesmo. Dessa forma, podemos dizer que o indivíduo não pode
fugir dessa convivência com o todo. É destino natural do ser humano
a convivência com o todo.
Assim sendo, o indivíduo tem a capacidade de classificar, reunir,
separar e harmonizar o particular num todo. A racionalidade humana
traz dentro de si a capacidade de entender este mundo a partir da
unidade e do todo. O mundo é ordenado e interpretado desta manei-
ra porque a nossa racionalidade está estruturada para ordená- lo e
interpretá-lo assim. Ou seja, se não tivéssemos a noção de tempo e
espaço (Kant), nem a capacidade de perceber o particular, mas somente
o universal, nossa visão do mundo seria de outra forma.
Até mesmo nossa composição física interfere na maneira como
percebemos, damos significados e vivenciamos a realidade. A nossa com-
posição física interfere em nossa maneira de entender e agir no mundo
porque interpretamos o mundo de acordo com os nossos sentidos.
Vários exemplos podem ser dados. Se todo o ser humano fosse
cego, a nossa realidade, com certeza, não seria essa que estamos viven-
ciando atualmente. Provavelmente, não haveria carros, aviões, autoes-
tradas. Se o ser humano fosse do tamanho de uma formiga, a grama
seria considerada uma árvore enorme, as distâncias seriam redimen-
sionadas, a ideia de velocidade teria outro sentido. Se ao invés de andar
ereto e bípede o ser humano rastejasse como uma cobra, certamente

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

as casas e muitos outros objetos teriam outros desenhos. Poderíamos


dar uma infinidade de exemplos. Com isso queremos mostrar que esse
mundo é ordenado dessa forma e agimos dessa maneira porque nossa
composição física também interfere em nossa compreensão do mundo.
Morin compartilha essa ideia. Segundo ele:

Uma teoria é uma construção do espírito e, de resto, sabemos que o conhe-


cimento não é o espelho da realidade, mas tradução e reconstrução de um
mundo do qual recebemos mensagens através de nossos sentidos, como os
olhos, que são traduzidas e codificadas por nosso sistema nervoso e retra-
balhadas pelo cérebro que faz delas uma percepção. Se todo conhecimento
é reconstrução e percepção, não pode ter valor de reflexo absoluto do real.
Somos, portanto, obrigados a negociar com a incerteza (SILVA, 2011).

Por fim, o mundo organizado e ordenado dessa forma e com todas


as possibilidades que ele apresenta contribui para que o ser humano
construa sua maneira de entender, interpretar e perceber sua existên-
cia humana. O ser humano carrega a sua forma de ser neste mundo. Se
vivêssemos num mundo semelhante ao que é encontrado na lua, por
exemplo, provavelmente as casas, as diversões, os relacionamentos, o
modo de vida, a alimentação, a forma de locomoção e tudo aquilo com o
qual estamos acostumados seria diferente. Assim sendo, teria outra lógi-
ca, outra razão, outra interpretação, outra percepção e outro significado.
Nietzsche também defende ideia semelhante. Segundo ele:

Minha vista, quer seja aguda, quer seja fraca, não vê senão a certa distância.
Vivo e ajo nesse espaço, essa linha do horizonte é meu mais próximo destino,
grande ou pequeno, ao qual não posso escapar. Em torno de cada ser se es-
tende assim um círculo concêntrico que lhe é particular. Igualmente o ouvido
nos encerra num pequeno espaço, da mesma forma que o sentido do tato. E a
partir desses horizontes, onde nossos sentidos encerram cada um de nós, como
nos muros de uma prisão, que avaliamos o mundo, dizendo que tal coisa está
perto, tal outra está longe, tal coisa é grande, tal outra é pequena, tal coisa é
dura e tal outra é mole: chamamos “sensação” essa forma de medir — e tudo
isso é simplesmente um erro em si! A partir da quantidade de experiências e
emoções que nos são possíveis em média num espaço de tempo dado, avalia-
mos nossa vida, a achamos curta ou longa, rica ou pobre, cheia ou vazia: em
função da média da vida humana, avaliamos aquela de todos os outros seres
— e isso, tudo isso, é simplesmente um erro em si! Se tivéssemos uma vista
cem vezes mais penetrante para as coisas próximas, o homem nos pareceria
enorme; poderíamos até imaginar órgãos por meio dos quais o homem pareceria
incomensurável. Por outro lado, certos órgãos poderiam ser constituídos de

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

tal maneira que reduziriam e limitariam sistemas solares inteiros, para torná-
-los semelhantes a uma única célula: e para seres inversamente constituídos,
uma única célula do corpo humano poderia apresentar-se em sua construção,
seu movimento e sua harmonia como um sistema solar. Os hábitos de nossos
sentidos nos envolveram num tecido de sensações enganadoras que são, por
sua vez, a base de todos os nossos juízos e de nosso “entendimento” — não há
absolutamente saída, não há escapatória, não há senda voltada para o mundo
real! Estamos em nossa teia como aranhas e ainda que apanhemos alguma
coisa, podemos apanhar somente e sempre o que se deixar prender em nossa
teia (NIETZSCHE, 2007b, p. 94).

Portanto, não é somente a nossa pura razão que é responsável


pela maneira como enxergamos e estabelecemos normas para a nossa
conduta. A racionalidade humana não depende apenas do pensamento.

É função do educando (a) refletir sobre valores

Não parece lógico que o educador e a escola sejam responsáveis


por refletir e orientar o educando (a) a respeito dos valores necessá-
rios e das escolhas que bem conduzem a existência para a convivência
social e as relações com as outras pessoas? Não é função da escola a
preocupação com os valores?
Durante uma palestra sobre ética para professores e professoras
da rede pública de uma cidade em Minas Gerais, afirmei que os educa-
dores (as) também eram responsáveis pela formação dos educandos no
que diz respeito ao ensino de valores. A reação da plateia foi imediata,
instantânea, houve um desagrado geral. Os educadores (as) quase que
unânimes responderam dizendo que esta não era uma função deles. Não
aceitaram ter que assumir mais esta responsabilidade que eles designa-
vam como sendo algo eminentemente da responsabilidade da família.
Em outra ocasião, numa aula de graduação sobre ética, discutíamos
a questão da corrupção. Um aluno disse que todo cidadão tinha seu preço.
Com essa afirmação queria demonstrar que ninguém consegue ser ético
porque todo mundo pode ser subornado, é só uma questão de valores
financeiros. Segundo ele, diante de uma grande proposta em dinheiro
dificilmente alguém ficaria passível e não deixaria de aceitar o suborno.
Sendo assim, esse seria um comportamento que já estaria estabelecido
na sociedade. Quem não se comportar desta maneira e não “entrar no
esquema”, não sobrevive no mercado. Portanto, para ele, esse tipo de
ação é algo comum, normal e que já faz parte da cultura brasileira.

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

Essas duas situações demonstram o quanto ainda é complicada


a discussão sobre valores. Porém, ao mesmo tempo, todos nós, inclu-
sive esses, aos quais me reportei nas histórias citadas, concordam
que: as pessoas, a escola, o nosso país e o mundo estão carentes de
valores. O papa Bento XVI demonstrou-se preocupado com o assunto
ao afirmar que: “Existe uma grande confusão sobre as escolhas de
nossa vida e sobre as perguntas fundamentais, como aonde vamos
e quais são os valores verdadeiramente permanentes. Nascem e de-
saparecem filosofias contrárias que demonstram confusão sobre o
viver” (PAPA, 2010).
Vejam que nessa pequena fala do papa aparecem três questões
importantes para discussão sobre valores: 1. Quais são as escolhas
corretas ou fundamentais? 2. Quais os valores permanentes? 3. O ser
humano está confuso, porque não sabe escolher?
Essas preocupações não são recentes nem fáceis de serem resol-
vidas. Parece-me que a maioria da população concorda que o mundo
está carente de valores. Se fizermos uma pesquisa a respeito, creio
que uma grande porcentagem da população chegará a esta conclusão.
Isto fica fácil de constatar e se torna mais evidente quando a socieda-
de se coloca diante de situações limites ou de extrema violência. Por
exemplo: quando alguém detona uma bomba e mata dezenas de pes-
soas, quando acontece algum massacre, quando algum crime bárbaro
é realizado, quando ocorrem guerras, etc., logo percebemos que o ser
humano necessita pensar seus valores ou refletir sobre novos valores.
O problema é determinar quais valores são esses de que a sociedade
tem falta. Se é que é possível determiná-los.
O mesmo sentimento acontece em relação à escola. Em muitas
delas já não existem mais condições de aprendizagem. O espaço escolar
não é visto mais como espaço apropriado para a relação ensino-apren-
dizagem. Os educadores (as) se sentem acuados, com sentimento de
insignificância e inutilidade. Uma grande parte de seu tempo em sala de
aula é dedicada a “acalmar” os alunos (as). A violência, o desrespeito e
a intolerância parecem fazer parte do dia a dia escolar. Várias reflexões
já apontaram as possíveis causas dessa situação.
Não é somente o educador que sofre com a violência escolar.
Pesquisa realizada nos Estados Unidos demonstrou que a maioria dos
atentados ocorridos nas escolas teve como motivação a violência sis-
temática sob a qual o realizador do atentado esteve submetido.

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O psiquiatra norte-americano Timothy Brewerton, que tratou de alguns dos
estudantes sobreviventes do massacre de Columbine, que deixou 13 mortos
em 1999 nos Estados Unidos, apresentou ontem no Rio estudo realizado
pelo serviço secreto do país cujo resultado apontou que, nos 66 ataques
em escolas que ocorreram no mundo de 1966 a 2011, 87% dos atiradores
sofriam bullying e foram movidos pelo desejo de vingança.
Trata-se da mesma motivação alegada pelo atirador Wellington Menezes de
Oliveira, autor do massacre na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Rea-
lengo. “O bullying pode ser considerado a chave para entender o problema
e um enorme fator de risco, mas outras características são importantes,
como tendências suicidas, problemas mentais e acessos de ira.
Não acredito em um estereótipo ou perfil para um assassino potencial nas
Escolas” (BULLYING, 2011).

Há quem defenda que a escola reflete apenas o que acontece


na própria sociedade. De fato, não podemos negar essa possibilidade.
Há quem pense que a escola passará por uma transformação quando
a estrutura social, política e econômica da sociedade também mudar.
Assim sendo, se faz necessário esperar esta mudança social acontecer.
Há quem ache que o problema é a falta de estrutura familiar. Outros
imaginam que a sociedade retirou todo poder do professor (a), levando
com isso a uma situação de desrespeito e, por consequência, a escola
necessitaria passar por um “choque de autoridade”.
Há também a teoria de que o problema se encontra no profes-
sor (a). Aulas bem preparadas, didática correta e eficiente, material
adequado e aulas desafiantes seriam a solução para o problema da
indiferença e desestímulo escolar.
Não podemos esquecer, também que estamos vivendo numa era
em que alguns a classificam como pós-moderna. Uma das caracterís-
ticas desse período seria o grande desenvolvimento da comunicação
e principalmente da informatização. A humanidade tem mais acesso à
informação e ao conhecimento. As escolas, portanto, estariam defasadas,
visto que continuam reproduzindo o mesmo ensinamento e as mesmas
técnicas de um tempo que ficou no passado. É necessário, portanto,
acompanhar e utilizar as novas tecnologias criando novas motivações.
Há quem pense que a escola não motiva mais ninguém porque
sua preocupação se concentra em preparar o aluno para um exame que
lhe proporcionará a entrada numa universidade. Outros imaginam que
é dever da escola preparar o educando (a) para o mundo do trabalho.
Há os que enxergam a escola como um ambiente que não promove nem
cria condições para a inclusão e finalmente tem aqueles que entendem

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

que a escola precisa ser um lugar no qual a formação humanística deve


ter prioridade, onde a cidadania de fato é respeitada e praticada, onde
o educando é acolhido nas suas necessidades e seu saber é valorizado.
Nesse sentido, é possível imaginar que a defasagem na formação huma-
nística seria uma das causas que levaram a escola a estar na situação
em que se encontra.
Além do que foi mencionado, há também aquela velha reivindi-
cação de que algo só irá mudar de fato quando o Estado colocar a edu-
cação verdadeiramente como prioridade e investir nas seguintes áreas:
1. Valorização salarial do professor (a); 2. Formação do professor (a);
3. Melhoria da estrutura física das escolas e, 4. Qualidade da educação.
A escola que obteve a melhor colocação no exame do ENEM (Exa-
me Nacional de Ensino Médio) no ano de 2010 revelou que o motivo de
seu sucesso estava nas aulas de tempo integral, no esforço acadêmico,
no acolhimento aos alunos, no fornecimento de instalações adequadas
e confortáveis, num bom relacionamento entre professores e funcio-
nários, turmas entre 30 e 35 alunos, valoriza a formação humanística
com aula de Filosofia, Sociologia e Ensino Religioso (ORTIZ, 2011).
Como se pode observar, parece que todos conhecem o problema
e, principalmente, as causas, no entanto, continuamos convivendo com
a mesma situação caótica. Evidentemente se faz necessário reconhecer
que algumas dessas soluções realmente podem funcionar. Mas também
é preciso reconhecer que o problema não é tão fácil assim. Às vezes,
é necessário combinar várias dessas atitudes para que determinado
problema possa ser solucionado.
Diante disso, queremos destacar a formação humanística, mais
especificamente enfatizar o papel do educador (a) no processo de forma-
ção e reflexão de valores e como esses valores podem contribuir para a
diminuição da intolerância. Concordo com Umberto Eco quando diz que:

Educar para a tolerância adultos que atiram uns nos outros por motivos
étnicos e religiosos é tempo perdido. Tarde demais. A intolerância selvagem
deve ser, portanto, combatida em suas raízes, através de uma educação
constante que tenha início na mais tenra infância, antes que possa ser es-
crita em um livro, e antes que se torne uma casca comportamental espessa
e dura demais (ECO, 1998, p. 117).

Só discordo de Umberto Eco a respeito de sua visão sobre os


adultos. Acredito que mesmo os adultos são totalmente capazes de
mudar e reavaliar suas práticas. Entendo que a reflexão tem o poder de
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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

demover conceitos, ideias e hábitos tidos como normais ou entendidos


como comportamentos que fazem parte da tradição e consequentemen-
te como resultado da cultura.
Desta forma, não podemos esquecer-nos do papel formador da
religião na criação de conceitos, ideologias e práticas de ensino. Digo
isto porque nossa sociedade é fortemente influenciada pelos conceitos
e modo de vida apregoados pela religião. Às vezes, há mais dificulda-
de para refletir sobre valores ou conceitos criados pela religião do
que conceitos socialmente adquiridos por outros meios. O confronto
de ideias e a problematização daquilo que até então era considerado
normal, certamente conduzirão o educando a repensar, reavaliar ou
até mesmo refazer as suas práticas.
Defendemos que a escola, independentemente se esta função
pertença mais exclusivamente à família ou não, deva ter compromisso
com a formação integral do indivíduo. A indicação para que a escola
seja espaço de reflexão sobre a prática individual e social já faz parte
dos documentos que orientam a educação. Refiro-me aqui aos Parâ-
metros Curriculares para o ensino Básico e as Diretrizes dos cursos de
graduação, principalmente as Licenciaturas.
Como podemos querer formar um (a) cidadão (ã) consciente e
capaz de interferir na sociedade com o objetivo de transformá-la se esse
mesmo cidadão (ã) ou a escola não refletem sobre esta prática? Seria
isso possível? Como alguém pode ser cidadão (ã) e ser desprovido dos
valores que o fazem ser cidadão (ã)? Como é possível alguém desejar ou
querer combater a corrupção, a violência, a pedofilia, a exploração, a in-
tolerância e uma série de malefícios se ele também representa isso tudo?
Portanto, formar um cidadão consciente, capaz de interferir e
mudar a sociedade como os documentos pedem, está inseparável da
formação ética. Sócrates entendia que a educação tinha papel funda-
mental na construção da moral, da virtude e da vida ética.

Da mesma forma, se recebem educação adequada e aprendem o que devem


fazer, os melhor dotados dos homens, os mais bem temperados e enérgicos
de ânimo em tudo que empreendem, tornam-se excelentes, utilíssimos e
realizam grandes coisas. Porém, se não recebem educação nem instrução,
tornam-se malíssimos e perigosíssimos. Incapazes de discernir o que de-
vem fazer, vezes muitas tentam empresas criminosas e fazem-se altaneiros
e violentos, recalcitrantes e bravios, causando assim os maiores males.
Quanto aos que, orgulhosos de suas riquezas, nenhuma necessidade pen-
savam ter de instrução e imaginavam bastar-lhes serem ricos para realizar

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

todos os seus desígnios e fazer-se honrar dos homens, chamava-os à razão


dizendo-lhes ser estupidez acreditar que sem estudo se possa distinguir
o útil do nocivo. Estupidez, quando não se de parte o útil do prejudicial,
crer-se capaz de alguma coisa útil por ter-se dinheiro para comprar o que
quiser. Estupidez, quando nada sabemos fazer, julgamos poder ser felizes e
viver honestamente. Estupidez, nada sabendo, presumirmos que a riqueza
nos faça passar por sábios ou que, inúteis, nos granjeie estima (SÓCRATES,
1987, p. 133).

Sendo assim, a escola precisa ser um exemplo de práticas sau-


dáveis, de relacionamentos solidários e respeitosos, visto que é ela
que tem a função de formar o cidadão (ã). Seria estranho uma escola
que afirmasse: formamos cidadãos (ãs), mas não nos preocupamos
com valores, nem com ética, nem com virtudes, nem com a moral. Isso
deve ser preocupação da família e da religião. Se isso fosse posto dessa
forma, então só nos restaria realmente aceitar os valores defendidos
por essas duas instituições. Mas não é isto que acontece.
É por isso que é papel da educação fazer reflexão crítica sobre os
valores. Mas ao mesmo tempo deve indicar os valores que contribuem
para a promoção da dignidade do ser humano, que contribuem para a
não violência, que contribuem para uma cultura de paz, que contribuem
para o respeito para com o outro e o meio ambiente.
Reconhecemos que a conscientização, embora seja um assunto
muito debatido, às vezes ainda se apresenta de maneira muito vaga.
No entanto, ainda acreditamos na possibilidade de alguém mudar ou
ampliar sua capacidade de entender algo na medida em que tenha
contato com textos ou perguntas, ou questionamentos que talvez ele
nunca fizesse se a oportunidade não lhe fosse dada. Questionamentos,
debates e textos são capazes de desencadear reflexão sobre tudo aquilo
que aprendemos e aceitamos como verdadeiros, como dizia Descartes:
“É o confronto de ideias, de argumentos e pensamentos que levam o
ser humano a reavaliar suas posturas ou justificar suas ações”.
Já dizia Pascal sobre o objetivo da filosofia e o pensamento: “O
homem é o objeto sobre o qual a filosofia deve refletir. E a reflexão fi-
losófica sobre o homem leva logo à consideração de que o pensamento
constitui a grandeza do homem” (REALE, 1990, p. 617).
Há uma frase creditada a Lênin que diz o seguinte: “As ideias são
mais letais do que as palavras” (REVISTA VEJA, 2010).
Existe na sociedade um debate incoerente. Por exemplo, acha-
mos que esse tipo de reflexão não leva a nada ou não tem poder de

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

mudar coisa alguma. Quem pensa dessa maneira entende também que
as aulas de Filosofia, Sociologia e Ensino Religioso não têm nenhuma
serventia. Porém, ao mesmo tempo, temos receio de que um livro que
demonstre intolerância e racismo possa influenciar os estudantes. O
caso mais recente foi a discussão em torno de um trecho do livro de
Monteiro Lobato, no qual a Tia Nastácia é comparada a uma macaca.
Além desses exemplos, a comunidade também expressa temor
diante de filmes, panfletos e textos sobre a homossexualidade ou expe-
riências religiosas diferentes que possam mudar a concepção do aluno.
Em relação à última questão, há o debate sobre o Ensino Religioso.
Ora, se as disciplinas de caráter humanistas não interferem no
pensamento dos educandos, por que então se preocupar com elas? Por
que a sociedade teme que o Ensino Religioso possa interferir na forma
dos educandos enxergarem sua experiência religiosa? Se de fato as
disciplinas humanísticas não tivessem essa capacidade de interferên-
cia, não haveria necessidade de preocupação. Por que essa lógica de
pensamento somente é válida nesses casos? Por que a discussão sobre
ética não pode influenciar o aluno e mudar o seu modo de enxergar a
realidade? Ou seja, se entendemos e nos preocupamos que uma aula
de Ensino Religioso pode interferir na maneira como o aluno enxerga
a realidade, por que não fazemos essa mesma lógica quando se refere
à discussão sobre valores ou ética?
Reafirmamos que é inteiramente concebível que o educador (a)
tenha preocupação e compromisso com valores que reforçam a cidadania
e a solidariedade. Seria igualmente estranho, num ambiente de sala de
aula, o educador (a) se omitir ou fazer vistas grossas para uma situação
de claro desrespeito, discriminação, preconceito ou violência, como se
não fosse sua função interferir e até mesmo corrigir práticas desumanas.
Infelizmente, muitas escolas se transformaram em espaços de
ações violentas, de discriminação, de intolerância e preconceito. Uma
notícia divulgada pela Folha de S. Paulo constatou que o preconceito
piora o desempenho de alunos.

Alunos zombando de outros alunos, de professores ou de funcionários do


local onde estudam é, mais do que brincadeira de mau gosto, sinal de pior
rendimento escolar. As consequências na performance estudantil são mais
graves quando as vítimas de zombaria são os professores. Entre os alunos,
os principais alvos são, respectivamente, negros, pobres e homossexuais.
A conclusão foi que as escolas com notas mais baixas registraram maior
aversão ao que é diferente (BARROS, 2009).

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

Diante desta constatação, cabe uma pergunta. Por que, mesmo


sabendo que determinadas atitudes ou ações são erradas ou más,
continuamos realizando-as? Aristóteles responde afirmando que o ser
humano somente desenvolve senso moral, a ideia de ética e do que é
bom, por meio do aprendizado.

Sendo, pois, de duas espécies a virtude, intelectual e moral, a primeira, por


via de regra, gera-se cresce graças ao ensino – por isso requer experiência
e tempo; enquanto a virtude moral é adquirida em resultado do hábito,
donde ter-se formado o seu nome (ethiké) por uma pequena modificação
da palavra ethosj (hábito). Por tudo isso, evidencia-se também que nenhu-
ma das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada do
que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza
(ARISTÓTELES, 1984, p. 67).

Porém antes de Aristóteles, Platão também indagava a respeito


da mesma questão: “A virtude é suscetível de ser ensinada, ou se ad-
quire pela prática? Ou será que nenhuma destas coisas acontece, mas
a virtude é comunicada ao Homem pela natureza ou de outro modo
qualquer?” (WERNER, 1994, p. 700).
Portanto, os dois filósofos concordavam que a virtude, a moral e
os valores devem ser objeto de ensino. O ser humano não é, por natu-
reza, ético nem virtuoso. Se assim fosse, segundo eles, não teria como o
ser humano realizar atos não virtuosos, não éticos ou ações más, visto
que a natureza não pode lutar contra aquilo que é contrário a si mesmo.
Se, por um lado, o ser humano é resultado de seu aprendizado,
e aqui cabe a fala de Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra
pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião.
Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a
odiar, podem ser ensinadas a amar” (BRASIL, 2004); por outro lado,
há quem defenda que o fato de termos conhecimento ou consciência
de algo não é suficiente para garantir que agiremos eticamente, visto
que, a consciência de um dever ou obrigação não é garantia de que
alguém estará motivado ou que vai querer agir.2
Diferentemente dos animais, o ser humano, não necessita ou não
se satisfaz apenas com os seus atributos naturais. Ele cria coisas, mo-

2
Marco Antônio Oliveira de Azevedo discute muito bem este problema em: Razões
para agir (ou como Lewis Carrol nos ajudou a entender também os raciocínios
práticos). Revista Veritas. Porto Alegre. v. 52, n. 2, junho 2007.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

difica o ambiente e concede valores aos objetos e às suas ações. Como


diz Coimbra (2005, p. 19), “capacidades que me permitem existir não
são capacidades físicas, naturais, são capacidades que é indispensável
ao ser humano para que ele exista”.
Agostinho deu resposta diferente à indagação feita antes. De
acordo com ele, o livre-arbítrio e a má vontade conduzem o ser huma-
no para escolher o erro. No entanto, o livre-arbítrio e a liberdade não
se constituem como mal. Na verdade, para Agostinho, existem graus
diferentes de bens. O ser humano erra ao optar por bens inferiores,
distanciando-se, portanto, do bem supremo, Deus. Agostinho desenvolve
esta ideia em sua obra intitulada “Livre-Arbítrio”.
Por que as pessoas cometem ações más? Aristóteles, na Ética a
Nicômaco, responde de duas formas: primeiro, afirma que o bem não
faz parte da natureza humana, ele é resultado de aprendizado; segun-
do, porque o mal tem possibilidades infinitas, mas o bem é limitado,
às vezes, tem apenas uma opção. Por isso, fazer o bem é mais difícil.
De acordo com Platão, as ações más são praticadas porque pro-
duzem prazer ou vantagens ao indivíduo. No livro A República, Platão
discute este problema. Pergunta ele: Qual a vantagem em ser justo?
Em geral, o indivíduo que comete injustiça não pensa na coletividade
e sim na recompensa que ele terá, visto que determinadas ações são
realizadas sem que ninguém testemunhe.
Aristóteles mais uma vez se refere a esse assunto afirmando que
todo aprendizado visa a um objetivo. No caso do ser humano, sua ação
segue a mesma lógica de qualquer ação ou movimento encontrado na
natureza. Para a Filosofia Antiga, movimento é tudo aquilo que causa ou
passa por alguma mudança. Dessa forma, Aristóteles defendia que toda
ação causa um movimento de qualidade, quantidade e deslocamento.
Em relação à qualidade, a ação humana pode ser classificada
como boa ou má, justa, injusta. É aqui que entra a discussão sobre a éti-
ca. O que é o bem ou o mal em relação ao agir humano? Mas Aristóteles
também diz que, em relação à quantidade, a ação humana acrescenta
ou diminui algo naquele que sofre a ação e naquele que pratica a ação.
Portanto, o agir humano modifica o outro e a si mesmo. Porque tanto
quem age como quem sofre, muda de situação.
É a mudança que causa preocupação tanto em quem age como em
quem sofre a ação. Se a ação do ser humano não trouxesse nenhuma
consequência, então não haveria com o que se preocupar. A atividade
humana é a causadora das mudanças nas relações humanas, na vida

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

social e na natureza. Porque além de tomar consciência de si e do mun-


do, o ser humano sente e age. A ação gera comportamentos.
Portanto, a preocupação primeira do ser humano deveria estar
voltada para essa atividade. Há quem defenda que esta é a questão
fundamental da filosofia. Vazquez vê a ética como a ciência do com-
portamento moral, visto que o agir humano tem o poder de mudar as
relações bem como qualificá-las. Para Vazquez, a “ética se preocupa
com a prática moral e os comportamentos que os homens julgam va-
liosos, por isso, a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral
dos homens em sociedade” (VÁZQUEZ, 2003, p. 23).
Podemos continuar buscando explicação no mundo antigo. Só-
crates, Platão e Sêneca entenderam que a educação é um meio valioso
para interferir na sociedade e realizar mudanças. No texto da Apologia
de Sócrates, ele afirma que se tivesse se dedicado à vida pública, ou
seja, se tornado político, talvez já estivesse morto, porque o mesmo
método que ele adotava para submeter a exame as pessoas que diziam
saber algo, também teria colocado em prática na vida pública e prova-
velmente traria as mesmas consequências sobre sua vida. Além disso,
Sócrates dizia que alertava as pessoas a se preocuparem mais com a
alma e com a virtude e menos com as riquezas.
Querido amigo, és um ateniense, um cidadão da maior e mais famosa cidade
do mundo, pela sua sabedoria e pelo seu poder; e não te envergonhas de
velar pela tua fortuna e pelo seu aumento constante, pelo teu prestígio e
honra, sem, em contrapartida, te preocupares em nada com conheceres o
bem e a verdade e com tornares a tua alma melhor possível?
É que todos os meus passos se reduzem a andar por aí, persuadindo novos
e velhos a não se preocuparem nem tanto nem em primeiro lugar com seu
corpo e sua fortuna, mas antes com a perfeição de sua alma (PLATÃO citado
por BUZZI, 1972, p. 155).

Sócrates encontrou uma maneira de continuar influenciando


na vida pública mesmo não sendo um político profissional. Ele acha-
va que podia, por intermédio da educação, preparar os jovens que
futuramente iriam assumir o poder. Sócrates não estava preocupado
somente com a juventude. Preocupava-se com todos que desejassem
se dedicar a uma vida virtuosa. Na Apologia, Sócrates ironiza os so-
fistas, diz que eles são “mestres na qualidade de homens e cidadãos”.
Sócrates afirma que não domina essa ciência, mas gostaria de possuí-
-la. Na verdade, ele está dizendo o contrário. Ele se apresenta como
este mestre, detentor da “ciência humana”.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

Para Sócrates, toda essa discussão a respeito das virtudes tinha


como preocupação responder à seguinte questão: O que se deve ser e
que caminho se deve seguir para se atravessar a vida da melhor manei-
ra possível? Parece-me que essas questões ainda continuam orientando
a discussão ética nos dias atuais.
Cícero também concordou com Sócrates e foi mais além. O cida-
dão poderia influenciar a vida diária se, pela prática, pudesse interferir
na vida pública. Dizia ele:

Mas não é bastante ter uma arte qualquer sem praticá-la. Uma arte qualquer,
pelo menos, mesmo quando não se pratique, pode ser considerada como
ciência; mas a virtude afirma-se por completo na prática, e seu melhor
uso consiste em governar a República e converter em obras as palavras
que se ouvem nas escolas (EPICURO, LUCRÉCIO, CÍCERO, SÊNECA, MARCO
AURÉLIO, 1988, p. 139).

Porém, Sócrates, em sua Apologia, também achava que a pessoa


que quisesse ser honesta, franca, justa e verdadeira enfrentaria dificul-
dades para exercer essas qualidades na vida pública, visto que atrairia
muitos inimigos e provavelmente perseguições e morte. Por isso, ele
pensava que essas virtudes poderiam ser mais facilmente exercidas
no âmbito da vida privada. No entanto, Epicuro defende que exercer a
virtude na vida privada é contribuir para o bem público. Segundo ele:

Será necessário, todavia, ao se esconder uma pessoa em qualquer lugar onde


se abrigue seu ócio, procurar tornar-se útil aos indivíduos e à sociedade pela
sua inteligência, sua palavra e seus conselhos. Pois não se é unicamente útil
à República lançando candidatos, defendendo acusados, opinando sobre a
guerra e a paz; exortar a juventude e, num tempo tão pobre de mestres de
moral, inspirar aos corações a virtude, empolgar, deter os extraviados que
se lançam ao dinheiro, e ao vício, na falta de melhor, retardar ao menos
sua queda: é trabalhar, no domínio particular, pelo bem público (EPICURO,
LUCRÉCIO, CÍCERO, SÊNECA, MARCO AURÉLIO, 1988, p. 201).

Platão, em seu texto sobre A República (Livro III), afirma que esta-
va desiludido com a vida pública. Para Platão, os governantes deveriam
se comprometer em buscar um modo de vida virtuoso, fundamentado
na verdade e na justiça. A cidade também deveria ter como fundamento
esses valores a fim de poder formar verdadeiros cidadãos. Acontece que
ele presenciou exatamente o contrário. Ele viu de perto a violência, a
injustiça e a tirania dos governantes. A partir disso, concluiu que po-

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deria contribuir muito mais com a vida pública, preocupando-se com a


formação dos guardiões porque estes assumiriam a direção da atividade
política na cidade. Portanto, assim como Sócrates, Platão percebe que
a educação fundamentada em valores ou virtudes é indispensável para
a formação do ser humano. Numa época mais a frente, Pascal afirmava
que “a ciência das coisas exteriores não me consolará da ignorância
da moral no tempo da aflição, mas a ciência dos costumes sempre me
consolará da ignorância das coisas exteriores” (REALE, 1990, p. 616).
Após essas colocações, vale salientar que o Ministério da Edu-
cação brasileira, por meio do Parecer CNE/CP Nº 11/2009, criou o
Programa Ensino Médio Inovador, cujo objetivo é incentivar as redes
estaduais de ensino a diversificar os currículos escolares, incluindo
atividades que integrem educação escolar e formação cidadã. Dentre
outras sugestões, o documento afirma alguns princípios que devem
compor o Projeto Pedagógico das Escolas. Entre outros enfatiza:

Fomentar o comportamento ético, como ponto de partida para o reconhe-


cimento dos deveres e direitos da cidadania; praticando um humanismo
contemporâneo, pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade
do outro e pela incorporação da solidariedade;
Garantir a inclusão das temáticas que valorizem os direitos humanos e
contribuam para o enfrentamento do preconceito, da discriminação e da
violência no interior das escolas;
A intencionalidade de uma nova organização curricular é erigir uma escola
ativa e criadora, construída a partir de princípios educativos que unifiquem,
na pedagogia, éthos, logos e técnos (BRASIL, 2009, p. 9).

Nota-se que a educação brasileira começa a se preocupar com


uma formação que leve em conta o conhecimento racional, o conhe-
cimento tecnológico e também a reflexão sobre os valores, direitos,
deveres, cidadania, respeito, solidariedade, identidade, preconceito,
discriminação, violência e a temática dos Direitos Humanos. Em sua
obra “Emílio”, Rousseau, entre os muitos conselhos que ele dá, tem um
que diz o seguinte: “Atrevei-vos pregar humanidade aos intolerantes”
(ROUSSEAU apud BUITRAGO, 2000, p. 136).

Escola e valores

É função da escola, discutir valores e pregar humanidade? A


escola está preparada para essa tarefa? Edgar Morin faz as perguntas

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

de outra forma. Diz ele: “Todas as reformas começam marginalmente


na medida em que existe uma contradição: como reformar os espíri-
tos sem reformar antes o ensino e por consequência as instituições?
Mas como reformar as instituições sem reformar antes os espíritos?”
(SILVA, 2011).
A desestrutura familiar e econômica é apontada como uma das
causas da violência escolar praticada por educandos. Segundo essa tese,
uma família que vive num contexto de violência e desrespeito e que não
consegue proporcionar aos seus filhos um ambiente saudável no que
se refere à promoção do respeito, da paz e da solidariedade, contribui
para que seus filhos repitam o mesmo aprendizado em sala de aula.
Todavia, é bom lembrar que a pesquisa realizada pelo MEC de-
monstrou que a ideia de que o pobre é mais violento faz parte do ima-
ginário popular e aparece como um dos itens de preconceito. Grande
parte da comunidade escolar concorda com esta ideia (MINISTÉRIO,
2009, p. 77).
Por que a escola, ao constatar essa causa, continua reproduzindo-
-a ou não fazendo quase nada para resolvê-la? A escola não tem como
resolver o problema da desestruturação familiar e econômica, mas
pode agir na promoção, discussão e reflexão sobre os valores morais
que fundamentam a ação dessa criança.
Pesquisa realizada pelo SINPRO-RS mostrou que 92% dos profes-
sores no RS já sofreram ou presenciaram violência no ambiente escolar.
Aproximadamente 83% das agressões referem-se à desconstituição da
autoridade do professor; 35% referem-se à violência física e via inter-
net. Nessa mesma pesquisa, apenas 10% das medidas para resolver o
problema referem-se a medidas educativas (A OPINIÃO, 2007).
Temos ouvido falar constantemente que a escola não reflete so-
bre a vida e que para introduzir esta prática ela necessitaria sair do
ambiente fechado no qual se encontra atualmente e visitar museus,
exposições de artes, praças, ter contato com pessoas do bairro, visitar
locais históricos, etc.
Concordo com essa análise, mas isso não significa que a escola
não possa ser local de reflexão. Evidentemente que da forma em que
se encontram muitas escolas, tanto no sentido da qualidade do ensino
quanto na infraestrutura, seria realmente mais produtivo levar os alu-
nos para o lado de fora dos muros. Temos consciência de que muitos
educadores dirão que não há como exigir aulas mais envolventes, didá-
ticas mais atraentes ou uso de tecnologia da informática, uma vez que

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

nossas escolas estão em estado de penúria. Não há recursos didáticos


e muitas ainda se contentariam se tivessem o básico. Em todo caso,
penso que também não é conveniente continuar esperando o dia em
que a educação será prioridade e todas as coisas melhorarão como em
um passe de mágica.
Dessa forma, entendemos que, se o educador se comportar como
realmente um intermediador de saberes, promovendo e provendo
materiais adequados que levem o educando a despertar para alguns
temas relacionados à existência e refletir de forma crítica os assuntos,
a escola pode ser um ambiente interessante e uma fomentadora para o
possível surgimento da ideia de cidadania. Perguntas certas, materiais
adequados, reflexões críticas podem conduzir o educando a reavaliar
suas práticas. O contato com textos, discussões e reflexões tem o poder
de levar o educando a descobrir soluções ou entender processos que
até então não compreendia.
Em geral, seu pensamento sobre o mundo e a realidade está
fundamentado na tradição, no senso comum, nos valores familiares,
no dogma e outras fontes. Quando o educando entende que existe
outra possibilidade de explicação para aquilo que imaginava como
correto, então passa a contrapor a informação que trazia com essa
nova informação.
Nesse sentido, o educador passa a ser um formador. Essa ideia
não é nova, ao contrário, era assim que os educadores antigos se com-
portavam. Evidentemente que a pedagogia, a didática e a metodologia
de ensino desses mestres já não servem para os dias atuais. Porém o
educador, como falamos, pode ser instrumento de facilitação do apren-
dizado e da reflexão. Já dizia Pascal que “O homem, evidentemente, é
feito para pensar: nisso reside toda a sua dignidade e a sua função. E
todo o seu dever consiste em pensar como se deve. Pois bem, a ordem
do pensamento está em começar pelo próprio ‘eu’, pelo próprio autor,
pelo próprio fim” (REALE, 1990, p. 817).
O educador precisa exercer essa função. Conduzir o educando
para a reflexão e atuar sobre o pensamento. Não é um pensamento
qualquer ou de qualquer maneira. Ainda nos ensina Pascal que se “deve
cuidar para pensar bem, porque esse é princípio da moral” (REALE,
1990, p. 617). Essa tarefa de bem conduzir o pensamento não pode ficar
somente sob a responsabilidade do próprio sujeito. Aqui se encontra um
problema para os dias atuais, visto que hoje se defende que o sujeito
é autônomo e pode exercer sua autodeterminação.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

Mas esta autonomia não nasce do nada. Os livros podem exercer


esse papel, a experiência do dia a dia também, e por que não a escola?
Ainda de acordo com Pascal “o homem é plasmado de grandeza e misé-
ria e, sozinho, com suas próprias forças, só consegue compreender que
é um monstro incompreensível, sozinho, não conseguirá criar valores
válidos e nem encontrar um sentido estável e verdadeiro da existência”
(REALE, 1990, p. 619).
Pascal não acreditava na natureza bondosa do ser humano. Es-
tamos conscientes das dificuldades que este pensamento traz. A muito
custo, a sociedade moderna conseguiu se livrar dos cabrestos de uma
sociedade marcada por líderes “iluminados” que ditavam e decidiam
o que era bom ou mau, virtude ou vício. No entanto, o que queremos
destacar na fala de Pascal é o que Sócrates, Platão e Aristóteles já dis-
seram, ou seja, valores são objetos de aprendizagem ou, no mínimo,
são objetos de reflexão. “A natureza se imita. Uma semente lançada
em boa terra produz. Um princípio lançado num bom espírito produz”
(PASCAL, 1988, p. 69).
Platão acreditava na força que a educação possuía no que se
refere à formação do indivíduo. Uma educação mal orientada gerava
consequências na vida do adulto. Se a base da educação estivesse funda-
mentada na mentira, por exemplo, o adulto desenvolveria e repercutiria
essa educação no seu dia a dia. Foi pensando nisso que Platão criticou
a forma de ensino de sua época. Os mitos e as histórias dos deuses
eram a “cartilha” que orientava a educação da criança. Acontece que os
mitos retratavam divindades que não possuíam virtudes nem valores
considerados dignos para uma divindade e, portanto, suas ações não
serviam de exemplos para o ser humano.

É por isso que Platão considera tanto mais paradoxal a tese de que a educação
não começa pela verdade, mas sim pela mentira. [...] Ora, em todas as coisas,
e na educação especialmente< têm grande importância os primórdios, pois
a educação parte da fase mais primitiva e maleável da evolução do homem.
As idéias que assim lhes incutimos são muitas vezes as que se opõem pre-
cisamente às convicções que deverão possuir quando forem adultas. Platão
defende, por essa razão, que aqueles que contam histórias e lendas devem
ser vigiados, pois deixam na alma da criança um traça mais duradouro que
as mãos dos que lhe cuidam do corpo (WERNER, 1994, p. 769).

Vejam que a mão é dupla, Platão acreditava que era possível e


desejável que os fundamentos da educação estivessem ancorados em

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

bases sólidas e virtuosas, mas, ao mesmo tempo, também reconhece


que é necessário manter a vigilância sobre os educadores, visto que
eles têm a capacidade de influenciar e moldar o pensamento da criança.
De acordo com Platão, a criança não apreende a intenção do nar-
rador, mas apenas aquilo que está narrado. Portanto, para Platão o que
está escrito influencia diretamente o leitor, e, se o autor atribui virtudes
ou vícios a um personagem, a criança entenderá que esse personagem
de fato se comporta dessa forma. Vejamos o que ele afirma.

Desde cedo despertamos a inteligência das crianças contando-lhes fábulas.


Porém a maioria destas fábulas, que os poetas nos legaram, não arrisca
ferir ouvidos jovens? Em geral, apresentam-nos os deuses, e os heróis
filhos dos deuses, sob uma luz absolutamente falsa. Não há crime, incesto,
ato odioso que o autor não lhes atribua. Julgará alguém que tais exemplos
sejam próprios para firmar uma virtude nascente? Porque, aliás, pintar os
imortais com traços humanos, supô-los animados de miseráveis afetos e
subjugados por vícios que desonram o homem? Alguém dirá, é certo, que
as fábulas dos poetas tem sentido alegórico. Má defesa! Uma criança ape-
nas retém os fatos que lhes são contados; jamais aprende a intenção do
narrador. A natureza divina deve ser apresentada sem artifício, tal como
é, ou seja, isenta de toda fraqueza e de todo o mal, estranha à mentira e
imutável (PLATÃO, 1965, p. 23).

Platão está nos informando que comportamentos retratados em


forma de vícios ou virtudes influenciam a maneira como as pessoas
enxergam e entendem a realidade. Desta forma, pode determinar
comportamentos e ações. Os movimentos negros e os movimentos que
discutem a questão de gênero concordam com essa ideia de Platão. Se
em um livro didático, a mulher, o homossexual e os negros são descritos
ou relacionados sempre como escravos, submissos ou repugnantes, a
tendência dos leitores é também fazer a mesma associação.
De acordo com o exposto, parece-me que a escola não pode se
eximir da responsabilidade de refletir sobre os valores. A questão não
é saber qual o local mais adequado para se realizar tal abordagem. Os
valores morais e os princípios éticos são conjuntos de saberes, são co-
nhecimentos produzidos pela sociedade. No mínimo, devemos entendê-
-los como parte de uma área do saber, portanto, interessa à escola.
Ademais, a partir do momento em que os sistemas de ensino
reconhecem como válido a discussão dos Parâmetros Curriculares
relativos aos temas transversais, não tem mais sentido perguntar ou

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

discutir sobre a presença de valores na escola, uma vez que os Temas


Transversais tratam exatamente dessa questão, portanto, entendemos
também que a escola é o lugar privilegiado e faz parte de sua função
a discussão sobre os valores.

É possível tornar o ser humano melhor?

Geralmente, essa pergunta costuma ser feita nos textos de Bioéti-


ca, quando se discute o problema da engenharia genética, no entanto,
3

essa não é uma pergunta da Bioética. Antes da discussão sobre Bioética,


os primeiros filósofos pensavam a ética a partir desta perspectiva. É
claro que as concepções e conceitos são diferentes. A Bioética discute
a questão no contexto da eugenia ou da manipulação de genes para a
cura ou prevenção de alguma doença. Ao fazer essa pergunta no âmbito
da discussão da ética, os filósofos queriam entender os motivos pelos
quais o ser humano age ou faz determinadas escolhas, e ao fazer essas
escolhas se isto contribuía para o desenvolvimento humano.
No início do pensamento filosófico, a discussão sobre a virtude
girava em torno da questão: É possível melhorar o ser humano? Segundo
Marco Aurélio, aquilo que não piora o homem, também não piora a sua
vida, ou melhor, dizendo: “Aquilo que não piora o homem mesmo tam-
pouco lhe piora a vida nem lhe causa dano, quer de fora, quer de dentro”
(EPICURO, LUCRÉCIO, CÍCERO, SÊNECA, MARCO AURÉLIO, 1988, p. 250).
Pelo que se percebe dos textos mais antigos sobre o assunto, e
aqui me refiro aos textos de Hesíodo, Homero, Sócrates, Xenofontes,
a virtude era entendida como algo que estava geralmente ligado à
justiça, com as boas ações e com a preocupação com o bem comum.
Parece-me ainda que a origem da discussão sobre a virtude, pelo menos
para Xenofontes, encontra-se na ideia de que algo pode ser melhorado,
isto é, alguma coisa ou objeto que foi desenvolvido para desempenhar
determinada função, pode se tornar ainda melhor.
Originariamente, portanto, a palavra aretê não tem o sentido preciso de
“virtude”. Ainda não atenuada por seu uso posterior puramente ético,
estava de início ligada às noções de função, de realização e de capacita-
ção, denotando a excelência de tudo o que é útil para algum ato ou fim
(SÓCRATES, 1987, p. XX).

3
Bioética é uma disciplina que analisa os dilemas éticos causados pelas descobertas,
posicionamentos ou uso de tecnologia na área da saúde, especialmente pela biologia
e medicina, em contraposição com os valores morais.

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

Em relação aos seres humanos e aos animais, é possível perceber


algumas diferenças naturais. Um cavalo pode nascer mais veloz ou
mais forte do que o outro. Isso é uma diferença natural. Faz parte de
sua composição física. No entanto, é possível também tornar os dois
ainda melhores, ou seja, melhorar sua força e sua velocidade. Isso é
o que Xenofontes chama de excelência. Nesse sentido, a excelência ou
virtude, é resultado de aprendizado e de exercício. Em relação ao ser
humano, segundo essa concepção, o processo seria o mesmo.

Perguntaram-lhe um dia se a coragem é qualidade adquirida ou natural:


— Creio — disse — que assim como há corpos que melhor que outros
resistem à fadiga, almas há de natureza mais enérgica que outras em face
das dificuldades: pois vejo homens crescidos sob as mesmas leis e costu-
mes muito diferirem entre si pela coragem. Sou de opinião, todavia, poder
desenvolver-se o valor natural pela instrução e o exercício (SÓCRATES.
1987, p. 117).

Nenhum sistema educacional vai assumir que tem por objetivo


piorar o ser humano. Parece-me contraditório se isto se apresentasse
como meta a ser alcançada. Evidentemente que algumas práticas de
ensino ou conteúdos podem causar danos à formação dos educandos.
Edgar Morin defende a ideia de que a educação proporciona o bem-
-estar e a felicidade. Segundo ele, há uma diferença entre saber e
educação. A simples informação ou o saber pode não contribuir para
tornar o ser humano melhor. A informação está contida em toda parte.
Em todo caso, ele defende que “O sujeito será o construtor do mundo
melhor. Sem ele, com certeza, não haverá mais justiça ou liberdade”
(SILVA, 2011).
Evidentemente que alguém pode ser despertado ou mudar de
opinião ao ler ou ter contato com determinada informação. Parece-me
que ao fazer a distinção entre saber e educação, Morin entende que
a educação pode desencadear reflexões, contrapor ideias, confrontar
teses, construir juntos (professor-aluno) a possibilidade de mudar o
ser humano e a realidade. Morin continua na linha da filosofia clássica,
ou seja, defende que a educação pode ser um veículo para a construção
de um ser humano melhor e feliz.
Kleist tem muita razão: “O saber não nos torna melhores nem mais felizes.”
Mas a educação pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais felizes,
e nos ensinar a assumir a parte prosaica e viver a parte poética de nossas
vidas (MORIN, 2003, p. 11).

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

Voltando ao pensamento antigo, podemos afirmar que a prática


do bem estava subordinada à aquisição da virtude e a virtude estava
subordinada à sabedoria. Era comum, no pensamento antigo, princi-
palmente de Sócrates, Platão e Aristóteles a construção de uma escala
piramidal na qual o cume representava o que há de melhor. Assim sen-
do, quem era sábio dominava a virtude e o virtuoso necessariamente
praticava o bem.
Aqui se encontra um dos problemas da discussão sobre virtude
ou ética. O que é a prática do bem? Sócrates, no texto de Xenofontes,
reconhece essa dificuldade e admite que embora o ser humano tenha
por natureza um sentimento de amizade, de necessidade do outro, de
piedade e gratidão em relação ao seu semelhante, também reconhece
que o ser humano tem o sentimento da inimizade e que isso só é so-
lucionado quando suas ideias são as mesmas em relação aos bens e
aos prazeres. Portanto, Sócrates volta à estaca zero, isto é, conclui que
o bem é resultado de acordo ou convenção. Porém, Platão reconhecia
que o ser humano tem um conhecimento intuitivo do bem.

Platão sustentava que as pessoas têm uma compreensão intuitiva do Bem,


embora, no mundo real, tenhamos somente reproduções baratas do ideal.
“O objeto de conhecimento mais elevado é a natureza essencial do Bem, do
qual deriva o valor de tudo que é bom e certo para nós”, escreveu ele. Como
vimos, no entanto, Platão não atingiu a sua meta mais elevada e nunca o
definiu (MARINOFF, 2001, p. 107).

Verificamos no texto de Xenofontes que a virtude está relacionada


à tradição. O ser humano está intimamente ligado às tradições culturais
e à sociedade. Essa combinação forma o que os antigos chamavam de
virtude. O ser humano é automaticamente o resultado dessas intera-
ções. Parece-me que o pensamento moderno não descarta também
esta possibilidade.

Tradições culturais, sociedade e o indivíduo são constituídos reciproca-


mente. Uma tradição cultural está mantida através da apropriação e de-
senvolvimento do conhecimento cultural por pessoas. Assim, as pessoas
(re) produzem a cultura. Mas, também, a cultura representa um recurso
para as pessoas, porque “cada tradição cultural é um processo educativo
(Bildung) para sujeitos capazes de fala e ação que são formadas dentro
dela, na mesma maneira que pessoas, por sua vez, mantêm a cultura viva”
(REVISTA CULT, 2010).

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

Portanto, para os pensadores clássicos, a virtude era a capacidade


que o ser humano possuía de melhorar, não somente suas habilidades
físicas, mas, também, sua maneira de agir na sociedade, praticando
os valores relativos à verdade, à justiça, à piedade, à honestidade e à
promoção do bem. Assim, o ser humano poderia se tornar melhor ou
pior dependendo dos valores que ele exercitava, visto que a ação tem
efeito em quem sofre, mas, também, em quem age.

Um parâmetro para os valores

Sabemos que é complicado falar de modelo ou parâmetro quan-


do se trata de valores ou moralidade. Pelo menos, podemos imaginar
que quem deseja instituir valores para a sociedade ou grupo deve ser
o primeiro a exercitá-los. O Estado que pretende patrocinar valores
relacionados à honestidade deve combater a corrupção de forma exem-
plar. A escola que deseja que seus alunos sejam fraternos deve exercer
a fraternidade e ser intolerante com a violência. O grupo religioso que
prega solidariedade, misericórdia e união, deve ser o primeiro a colo-
car em prática o que anuncia, não admitindo em seu meio nenhuma
prática que venha de encontro a esses valores. É desse tipo de modelo
ou parâmetro que estamos falando. Não nos referimos a um modelo
de santidade ou um moralismo religioso, estamos nos referindo à co-
erência da exigência ética.
Platão “encarava sua tarefa moral de educador como um trabalho
de edificação do próprio estado” (WERNER, 1994, p. 606). Portanto,
o Estado tem função de educar, mas precisa ser educado primeiro.
Precisa se aperfeiçoar moralmente. Toda instituição que tem o dever
de educar precisa ser exemplo de moralidade.
Como ensinar cidadania e humanidade quando o próprio local
de ensino já é um exemplo de desumanidade? O educando, por exem-
plo, não constata no seu dia a dia a prática da cidadania apregoada
pelo Estado. Talvez seja esse um dos motivos pelos quais o indivíduo
pense que não valha a pena ser ético. É a velha máxima: se o Estado
não dá o exemplo, o indivíduo se sente no direito de também não ser
o exemplo. Não existe a contrapartida do Estado. O Estado promotor
de anticidadania necessita ser reformado.
Discordamos daqueles que afirmam que o problema da educação
é de difícil solução. As deficiências na educação brasileira podem ser re-
solvidas por intermédio dos procedimentos que todos já estão fartos de

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

saber. Não há complexidade nesta situação, basta pôr em prática o que


já se vem afirmando há muito tempo. A solução passa, portanto, por 1.
Valorização salarial dos educadores (as). 2. Investimento em infraestrutura
de qualidade (espaço físico adequado). 3. Equipar as escolas com material
didático e de informática (laboratórios com acesso à internet). 4. Inves-
timento na formação e qualificação dos educadores (as). 5. Adoção, por
parte dos educadores (as), de novas metodologias de ensino e domínio da
informática. 6. Participação da comunidade (pais, alunos e funcionários).
7. Gestão democrática e 8. Avaliações criativas, não punitivas.
Como podemos constatar, não há nada de complexo nessas medi-
das. Essas são ações básicas para dar início ao mínimo que se deve ter
para pensar na possibilidade de um processo ensino-aprendizagem. Se
verificarmos, constataremos que a maioria dos nossos estabelecimentos
de ensino não tem esses itens mencionados. Em geral, tem-se um, mas
não tem o outro. Com essa falta de estrutura básica, encontra-se, na
cabeça de muitos dirigentes políticos, a ideia de que a escola rural ou
de periferia não necessita de tanta atenção quanto as escolas mais bem
localizadas. Essa concepção é resultado da discriminação econômica
sob a qual essas escolas e seus alunos estão submetidos.
De acordo com esse pensamento, o aluno de periferia, da zona
rural ou da escola pública em geral, não faz questão de ter um local
com boa infraestrutura, confortável ou mesmo limpo, porque isso não
faz parte da realidade dele ou porque ele já está acostumado com essa
realidade de pobreza. Voltamos, portanto, a indagar: qual é o parâmetro
ético dos gestores ou do Estado?
Estamos vivenciando um período de crise ética. As ações antiéti-
cas, praticadas por quem tem o dever de agir eticamente influenciam
as atitudes das gerações seguintes.
Além de não se investir na educação como algo prioritário, de
nada adianta falar sobre ética quando os representantes políticos e
alguns gestores da educação se envolvem em situações de corrupção,
de violência, de discriminação e outras atividades antiéticas. O pro-
blema também está presente ou é semelhante na família. Se o aluno
ou aluna convive em um ambiente no qual a discriminação, o desres-
peito, a corrupção, o roubo, a esperteza e outras ações antiéticas são
considerados normais, provavelmente, ele vai desenvolver as mesmas
atitudes ou semelhantes.
Vale salientar que essa atitude, como normalmente se pensa, não
é um privilégio da classe pobre ou mais vulnerável economicamente. As

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

classes média e rica também se envolvem em situações onde ocorrem


desvios de dinheiro, corrupção, violência e discriminação. O exemplo
político, o exemplo dos gestores e o exemplo familiar contribuem em
muito para aumentar ou diminuir as ações antiéticas.
A propósito, a sociedade, ao mesmo tempo em que exige ética dos
políticos e dos líderes religiosos, muitas vezes não age de forma ética
no dia a dia. Neste aspecto, constata-se uma incoerência. A população
é implacável contra os líderes que provocam desvios éticos, mas tendo
oportunidade, essa mesma população acaba realizando ações antiéticas.
Os casos de corrupção envolvendo a classe política são um
exemplo disso. A todo instante o mundo assiste a novos escândalos
envolvendo corrupção. A sociedade se revolta, fica indignada, reprova
essa ação, no entanto, no dia a dia parece que a população acha normal
realizar “pequenas ações antiéticas”. Portanto, aquele indivíduo que fica
indignado com a corrupção nos meios políticos, às vezes, é o mesmo
que pratica ações antiéticas.
Desta forma, o cidadão brasileiro está cada vez mais parecido com
o modelo apresentado pelo Estado. O Estado é corrupto, desonesto,
bandido e violento. O cidadão não tem no Estado um paradigma ético.
Muitos brasileiros têm a tendência de seguir os mesmos valores defen-
didos pelo Estado. É comum ouvir a seguinte indagação: “Se eles podem
fazer, por que eu não posso?” É legítimo o cidadão pensar dessa ma-
neira? Não. Porém o que se esconde detrás dessa pretensa autorização
é a indignação pelo fato de que aqueles que têm por dever promover
a justiça e a ética são os primeiros a não fazer. Se um Estado produz
somente antivida, a consequência será a antivida. Partindo desse modo
de pensar, é o Estado que cria o cidadão. Se existe um Estado ético será
mais fácil o cidadão se ancorar nesse paradigma. Todavia, não significa
dizer que a prática da ética esteja subordinada a um Estado ético. Mas
a História demonstra que o cidadão tende a defender determinados
valores se os dirigentes ou as instituições forem coerentes com o que
exigem ou pregam.
O papa Bento XVI enfrenta uma das maiores crises interna da
igreja. Em todo o mundo a igreja está sendo acusada de acobertar
padres pedófilos. A pergunta que se faz é: Como a instituição pode se
manifestar em assuntos que diz respeito à ética se internamente não
consegue resolver seus dilemas éticos?
O mesmo vale para o Estado. Como o Estado pode querer ofe-
recer ensino de qualidade e ensinar valores morais e éticos quando

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

ele mesmo está atolado em corrupção? Penso que Epicuro pode nos
fornecer uma luz quando afirma que “há na medicina substâncias que,
sem que se tenha necessidade de prová-las ou de tocá-las, agem pelo
aroma; assim é a virtude: sua benfazeja influência se exerce mesmo
a distância e sem que ela seja visível” (EPICURO, LUCRÉCIO, CÍCERO,
SÊNECA, 1988, p. 202).
É necessário que as ações éticas sejam visíveis, mas mesmo que
não sejam visíveis, elas devem ser percebidas. De qualquer forma, o
comportamento moral deve estar claro, os posicionamentos devem
ser firmes e seguros para que não haja dúvida e para que sirvam de
exemplos e parâmetros para as ações.
Platão, como vimos, acreditava que os conteúdos presentes nos
textos utilizados na educação das crianças poderiam ser devastadores
caso não fossem conteúdos que contribuíssem para a formação de um
ser humano virtuoso. Ele desenvolve essa ideia em sua obra A República.
Por isso, como já dissemos, ele fez uma grande crítica aos poetas, uma
vez que as obras destes eram utilizadas na educação das crianças. A
educação, para Platão também se dá pela imitação. É necessário que
exista um modelo digno de ser imitado pela sua compostura moral e
ética. Esse modelo não precisaria ser necessariamente uma pessoa,
segundo Platão, poderia ser o próprio conteúdo que servia de base
para a formação do cidadão.

As ações valem mais do que as palavras

Os filósofos cínicos4 afirmavam que as ações valem mais do que


as palavras. Paulo Freire (2004, p. 61) afirmava que “a prática é a que
valida o discurso, e não o contrário”. No caso de uma educação voltada
para os valores, isso deve ser muito mais exigido. Darei um exemplo
fora do contexto escolar.

4
O cinismo surge com Antístenes, discípulo de Sócrates, no IV século a.C. No entanto,
é Diógenes quem se tornará mais conhecido pelo fato de assumir verdadeiramente
uma vida cínica. A propósito, o nome cínico, provavelmente deriva do termo grego
“kyon” (cão). O seu jeito de agir e de se comportar deve ter contribuído e reforçado
a ideia do filósofo “cão”. Caracterizavam-se por seu visual. Andavam descalços, com
um manto, um bastão e uma sacola. Seu modo de vida estava baseado na natureza,
ou seja, imitavam a natureza. O início do cinismo (IV século até o fim do III a.C.) está
documentado por Diógenes Laércio no sexto livro de sua obra: Vida dos Filósofos
Ilustres. Há uma edição em português publicada pela Universidade de Brasília.

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

É comum assistirmos jogadores de futebol fazendo parte de um


esforço publicitário com o objetivo de diminuir a violência entre tor-
cedores. Esses jogadores aparecem abraçados com seus adversários
de clubes para mostrar que há fraternidade entre eles. Outras vezes,
aparecem conduzindo faixas com dizeres “Pela paz no futebol”. Acon-
tece que esses mesmos jogadores que aparecem na televisão, rádio ou
mídia impressa, são os mesmos que, muitas vezes, desencadeiam ou
participam de ações violentas dentro e fora do campo. Agindo dessa
forma, todo o seu discurso fica sem sentido. A mensagem é simples-
mente ignorada. Creio até que poderia haver uma grande mudança no
comportamento social a partir do esporte. Mas isso teria que ser, de
fato, colocado em prática.
Como o futebol tem uma grande importância na sociedade bra-
sileira, cremos que as verdadeiras ações de solidariedade e promoção
da paz poderiam gerar uma grande mudança de comportamento na
sociedade. No entanto, assim como em qualquer instituição pública,
o futebol também dá exemplo de corrupção, violência, desonestidade,
preconceito e discriminação, por isso, não adianta simplesmente con-
duzir cartazes nem faixas.
São necessários exemplos verdadeiros. É necessário estabelecer
essa prática como modo de vida. A mesma sugestão vale para as escolas,
igrejas e instituições. Primordialmente as pessoas devem ser tratadas
com dignidade. E não adianta dizer o que deve ser feito se não formos
os primeiros a fazer. Além dos filósofos cínicos, Xenofonte, se referindo
a Sócrates, dizia:

Vejo, porém, que todos aqueles que ensinam praticam o que ensinam a fim
de edificar pelo exemplo os que aprendem, a passo igual que os estimulam
pela palavra. Sei que Sócrates era para seus discípulos modelo vivo de vir-
tuosidade e que lhes administrava as mais belas lições acerca da virtude e
o mais que ao homem concerne (SÓCRATES, 1987, p. 38).

Sabemos o quanto é complicado falar de modelo principalmente


quando se refere ao Estado. Em nome de Estados totalitários, ditatoriais
e teocráticos, muitas barbaridades foram cometidas. Em muitas dessas
situações, os Estados se apresentaram como modelo de moralidade e
estabelecimento da ordem.
Sabemos também que, por um lado, a ação humana é determinada
pela História e, por outro lado, o ser humano, por meio de sua ação,

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

determina a História, porque é ele quem confere sentido e significado


à realidade. Dessa maneira, a ação humana traz consigo um viés de
autonomia, visto que o ser humano é autônomo e sujeito de sua auto-
determinação, porém o exercício de sua liberdade se concretiza na so-
ciedade. Sendo assim, a sua liberdade tem restrições visto que esbarra
nas instituições. Hegel defendia que a liberdade humana e a eticidade
tinham como mediadora as instituições. Essa ideia pode ser positiva
se levarmos em conta que é o ser humano quem confere significado
às instituições. As instituições, portanto, podem mudar, repensar ou
defender valores idealizados e consensualizados pela coletividade ou
pela sociedade.

Escola e o processo de conscientização

É possível que algumas pessoas sejam contrárias à discussão de


valores na escola. No entanto, muita gente costuma defender um pro-
cesso de conscientização quando se quer discutir determinados temas.
Por exemplo: para combater a violência na escola muitos educadores
(as) afirmam que se deve realizar um processo de conscientização que
envolva os educandos (as), os educadores (as) e os pais. Para orientar
essa discussão, convidam-se pessoas e criam-se materiais (cartilhas,
folhetos, vídeos, etc.) que servirão para a orientação dos debates.
Quando se realiza essa ação, parte-se do pressuposto de que é
possível influenciar um grupo através da divulgação e discussão de
ideias. Isso não é novidade. É conhecido o poder conferido às ideias.
Popper, (1972) falando sobre o poder de influência da Filosofia, assim
se pronunciou: “Creio, no entanto, que as ideias são coisas perigosas
e poderosas, e que mesmo os filósofos têm algumas vezes produzido
ideias” (POPPER, 1972, p. 33).
Ora, porque não defendemos a mesma posição em relação a temas
como: meio ambiente, orientação sexual, ética, pluralidade cultural,
etc.? Esses mesmos temas não podem fazer parte de um “processo de
conscientização?” Por que alguns temas são escolhidos para fazer parte
desse processo de conscientização e outros não?
Talvez alguns dissessem que esses temas mencionados servem
muito mais como doutrinação política ou orientação ideológica. É pos-
sível que isso de fato aconteça. Porém, preferimos pensar que esses
temas são fundamentais para entender as relações sociais e desenvolver
uma educação para a cidadania.

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

Outro argumento utilizado é o de que valores se discutem no


âmbito da família. Também concordamos, mas isso não isenta a es-
cola de ser espaço para discussão de valores. Até porque esses temas
não dizem respeito a valores pessoais; são assuntos ou questões de
interesse de todos os povos, visto que as nossas ações estão cada vez
mais gerando consequências que fogem ao âmbito local ou regional. É
necessário pensar e orientar a nossa prática levando em consideração
o grupo mais próximo, mas também outros povos mais distantes.
Temos que levar em conta que muitas famílias já não cumprem
mais o papel de ensinar valores e, outras, o fazem de forma muito defi-
ciente. A televisão, que por muito tempo foi vista como vilã e corruptora
dos valores, agora já é vista como instrumento que contribui para o
aprendizado.5 Em tempos de informática, podemos usar esse mesmo
pensamento para a internet. É no mínimo preocupante perceber que na
sociedade atual há uma incoerência quando se trata de discutir valores.
É comum encontrarmos famílias e sociedades que, com muita
facilidade, relativizam grande parte dos valores, objetivando com isso
demonstrarem ser uma família moderna ou uma sociedade progressista.
Há um sentimento, ao menos na sociedade brasileira, de que ninguém
se responsabiliza por nada, de que tudo é válido. Ao mesmo tempo,
muitos não querem que a escola ou outros órgãos governamentais
interfiram em sua vida particular, porque entendem que valores se
aprendem em casa.
Recentemente, no Brasil, foi aprovado, na Comissão de Educação
da Câmara, o Projeto de Lei que ficou conhecido como “Lei da Palmada”6
cujo objetivo consiste em proibir os pais de baterem em seus filhos
mesmo que isso tenha uma “finalidade educativa”. Vários setores da
população brasileira se manifestaram contra porque entenderam que
o Estado estava interferindo na vida privada e na educação dos filhos.
Esse é um assunto controverso. Às vezes, o Estado é chamado a
intervir, por meio de políticas públicas que garantam direitos, liber-

5
Essa visão é compartilhada por Aldo Pontes, doutor em Educação pela USP, em en-
trevista concedida ao Jornal Estado de São Paulo, do dia 16 de agosto de 2010, sob
o título “Crianças podem aprender com a ‘máquina de socialização’ chamada TV”.
6
PROJETO DE LEI Nº 2.654 /2003 (Da Deputada Maria do Rosário). Dispõe sobre a
alteração da Lei 8.069, de 13/07/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e da
Lei 10.406, de 10/01/2002, o Novo Código Civil, estabelecendo o direito da criança
e do adolescente a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal,
mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quais-
quer propósitos, ainda que pedagógicos, e dá outras providências.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

dades, igualdades ou representem valores que contribuem para maior


socialização ou tolerância. Outras vezes, o Estado é acusado de interferir
na educação. De qualquer forma, as políticas públicas não são isentas
de intenções, ao contrário, desejam criar postura ou mudar situações.
Nesse aspecto, as políticas públicas direcionadas à educação podem
contribuir para o processo de conscientização. A escola, como um dos
instrumentos desse processo, influencia diretamente na maneira como
o educando enxerga, entende e se comporta na sociedade.

A dificuldade para se estabelecer valores

Como encontrar explicações para a conduta e as decisões que


fazemos a todo instante? Penso que uma saída seria levar ao conheci-
mento do educando princípios éticos que podem nortear as decisões
e as escolhas. Em geral, a maioria dos alunos pensa que a ética é algo
relativo, que cada um tem a sua ou existe somente ética individual. Ao
ser confrontado com princípios, o aluno poderá refletir se suas ações
estão de acordo com os princípios que ele elegeu.
Temos dificuldade em estabelecer valores, mas, ao mesmo tem-
po, convivemos com uma realidade totalmente distorcida e cheia de
vícios que nós mesmos reconhecemos como erro. Mas ao mesmo tempo
achamos que não seja possível estabelecer parâmetros a não ser aque-
les que já estão contidos na lei. Mesmo assim, esses contidos na lei,
muitas vezes, não são observados. Fora da lei, parece que não há mais
possibilidade de se estabelecer valores. Se é que a lei estabelece algum.
Já ouvimos várias vezes que “vivemos uma época de crise de va-
lores”. Mas será que é melhor vivermos numa sociedade em que não se
reconhece valor algum, que tudo é relativo ou seria melhor estabelecer
alguns parâmetros? Você vai nos dizer: depende dos parâmetros.
Parece-nos que não existiu nenhuma sociedade que tenha dispen-
sado os valores. Todas as sociedades estabeleceram padrões mínimos
de normas, regras. Essa foi a forma encontrada por algumas socieda-
des para colocar limites na ação humana. Alguns teóricos da Filosofia
discutiram as origens dessas regras ou da convivência em sociedade.
Lembramos aqui Rousseau, Hobbes e John Locke por exemplo. As ex-
plicações a respeito da origem social, defendidas por esses filósofos,
podem ser entendidas como princípios de valores que determinaram
ou determinam a convivência social.

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Talvez não cheguemos à conclusão do que seja uma boa socie-


dade, mas podemos pensar em princípios ou valores que ajudam a
nortear nossa convivência. Edgar Morin também faz esta pergunta: “O
que é uma boa civilização? A que permite o pleno emprego das me-
lhores pulsões humanas, da solidariedade; a má sociedade inibe essas
pulsões em favor da agressividade e do egocentrismo” (SILVA, 2011).
Ainda segundo ele:

Nada há de louco em esperar um mundo no qual seríamos menos inumanos,


menos cruéis, menos atrozes e onde existiria menos pobreza ou talvez ne-
nhuma, pois temos condições técnicas para suprimir a fome e não o fazemos
por causa de dogmas econômicos. Outro mundo é possível (SILVA, 2011).

Os valores estão relacionados diretamente às preferências que


o ser humano elege com o objetivo de satisfazer suas necessidades.
Evidentemente que essas preferências devem levar em conta que
existem alguns valores que estão pré-postos ou pré-dados. Pode-se
denominar esses valores de fundamentais ou vitais. Com esse termo
quero me referir a valores que são intrínsecos ao ser humano e que
deles depende a sua existência.
Sei que vamos cair na velha discussão de que isto é impossível
visto que cada povo ou cada cultura tem os seus valores. Habermas
defende que o entendimento humano é possível na medida em que
se estabelece um consenso por meio do discurso e da argumentação.
Infelizmente, alguns consensos estão acontecendo muito mais por
causa da experiência negativa. É praticamente unânime hoje a defesa
do meio ambiente e a construção de uma sociedade fundamentada
na sustentabilidade. Porém isso ocorreu porque o mundo começou a
experimentar a falta de água, a desertificação, o efeito estufa, o degelo
das geleiras dos polos, a ganância e a irresponsabilidade do sistema
econômico, etc.
Evidentemente que os valores não podem ser discutidos somente
como instrumento de limites para a ação humana. Devem ser vistos,
e aqui concordamos com os filósofos gregos, como ações que tornam
melhor e mais humano quem os pratica. Não é exagero também con-
cordar com Aristóteles e Platão, para quem os valores e a postura ética
são causas da felicidade e da justiça.
A dificuldade em aceitar uma educação voltada para os valores,
talvez, seja o fato de fazermos ligação direta do estudo de valores com

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

imposição religiosa, ou por acharmos que os valores na sociedade es-


tão sempre voltados às práticas da religião. As normas, as regras, as
leis ou conjunto de deveres e direitos estabelecidos numa constituição
também revelam valores. Portanto, refletir sobre os valores é refletir
também sobre as normas que regem a vida em sociedade. É refletir
sobre a liberdade, sobre a opressão, sobre a justiça, direitos, igualdades
e muitos outros assuntos presentes também nas legislações.
Assim sendo, cabe perguntar: Como exercer a minha liberdade
no contexto das relações sociais? A formação do ser humano está
diretamente ligada ao exercício da liberdade na sociedade. Educar é
problematizar a prática da liberdade individual em relação à prática
desenvolvida pela sociedade. A liberdade individual não é suficiente
para se conduzir na sociedade. O indivíduo ao se perceber dono ou
titular de uma liberdade própria, percebe que entra em conflito com a
liberdade coletiva. É a luta da autonomia contra a nomia (grego nómos
– lei, regra, norma).
A sensação que experimentamos é a de que a formação do ser
humano está em completo abandono. O Estado não sabe como tratar,
a família não sabe como lidar, e a escola não sabe como formar. E o
professor tem que aguentar. O ser humano é formado, ou seja, se torna
humano, na interação com o seu meio, com os outros indivíduos e na
imersão em sua cultura ou história.
Não se pergunta mais que “tipo de aluno” queremos? A questão
fundamental agora é que “tipo de professores” queremos formar?
Muitas vezes, perguntarmos apenas pelo “tipo de aluno” que quere-
mos formar, mas se faz necessário também pensar na formação dos
professores, afinal, são eles os responsáveis pela formação dos alunos
(BUITRAGO, 2000, p. 76).
Os sistemas totalitários, autoritários e ditatoriais também bus-
caram estabelecer valores sociais. Talvez seja por isso que uma grande
parcela da sociedade tem muita dificuldade em aceitar a ideia de se
discutir valores ou estabelecer valores sociais.
Quase todos os países, pelo menos da América Latina, já pas-
saram pela experiência de viverem sob um regime ditatorial e totali-
tário. Em muitos desses países ainda convivem três gerações: a que
vivenciou esta experiência de ditadura, a que lutou contra a ditadura
e a que vive no momento atual sem ter experimentado nenhuma
nem outra. Nesse movimento histórico, a sociedade pode sair de um
extremo para o outro.

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

É comum encontrarmos pessoas defendendo o tempo da dita-


dura sob o argumento que nesse período havia mais “ordem”, “dis-
ciplina” e os valores sociais eram claros. A sociedade pós-ditadura,
exatamente pelo fato de não querer identificar suas práticas com a
experiência passada, também esbarra no perigo de criar um senso
coletivo de que tudo é permitido.
Em nome da quebra de paradigmas, quebra de limites e o medo
de ser tachado como conservador, repressor ou alienado, muitas prá-
ticas são relevadas ou relativizadas. Um exemplo disso é a violência
e a indisciplina que ocorrem no âmbito escolar. Praticamente todos
educadores (as) concordam que alguma coisa deve ser feita. No entanto,
para não ser qualificado de repressor, tenta-se em vão colocar em prá-
tica as várias teorias contidas nos manuais dos educadores. Ninguém,
pelo menos entre os educadores, tem coragem de propor uma saída
que tente “controlar” ou “pôr limites” para a violência e a indiscipli-
na; talvez, digo novamente, com medo de ser visto como conservador,
opressor ou desconhecedor das teorias pedagógicas. Evidentemente
que a solução não pode vir apenas destas duas ações. Faz-se necessário
encontrar uma solução para a erradicação da violência.
Thums nos adverte para a seguinte situação:
A escola teme adotar medidas, normas, regimentos claros na educação de
seu alunado e na atuação de seus docentes. Permite-se quase tudo dentro
da escola. Proíbe-se o namoro, o beijo, o toque, a carícia, mas permite-se
o uso da maconha, do cigarro, da violência física, da violência verbal, da
desonestidade, da cola, do poder exagerado de mando, do domínio do mais
forte sobre o mais fraco (THUMS, 2003, p. 403).

Assim, os anos passam, debates acontecem, livros são escritos,


congressos são realizados, artigos são apresentados, experiências são
mostradas, entrevistas de especialistas são divulgadas pela televisão,
pelo rádio e jornais, mas a violência, o desrespeito, a indisciplina au-
mentam, a situação piora, fica incontrolável, a sociedade se aflige, os
educadores e educadoras entram em desespero, ficam doentes, desa-
nimados e depressivos porque não conseguem mais desempenhar sua
atividade com prazer; não sentem mais nenhuma satisfação naquilo
que fazem; não conseguem ver o resultado de seus esforços, do seu
trabalho. Seria isso também alienação?
Pois bem, somente após o total descontrole, e o assunto virar
discussão e comoção nacional, já à beira do caos, então aparece um
político e propõe uma lei que tem por objetivo colocar “ordem no caos”.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

É interessante que os mesmos que endossam a total liberdade


no espaço de sala de aula e não conseguem aceitar qualquer proposta
que entenda ser “limitadora”, muitas vezes defendem que em outras
instituições (que não seja a escola) haja disciplina, ordem, justiça, orga-
nização, bom atendimento, avaliação de competência, posicionamento
ético, etc.7 Ou seja, quando vamos a qualquer instituição pública ou
privada desejamos tudo aquilo que não encontramos na sala de aula.
Alguém pode dizer, mas essas outras instituições não são lugares de
aprendizagem. Por que reclamamos dessas condições nas outras ins-
tituições, mas achamos que não são importantes na escola?
Entendemos que estabelecer valores não é uma missão fácil,
talvez precisemos estabelecer primeiro uma moral provisória, como
dizia Descartes. Os valores devem ser entendidos como algo que pode
ser repensado e reavaliado de acordo com o tempo.
A natureza humana é possibilidade. Não adianta tentarmos de-
finir uma única natureza para o ser humano. Ele não se caracteriza
somente por ser mau, bom, religioso, social ou outras características.
A natureza do ser humano é a possibilidade, por isso, está sempre se
refazendo e com ele, os valores morais também mudam. Nesse aspec-
to, a vida humana é um processo de autoconstrução. De acordo com
Morin: “Somos seres de raízes e de mudança, de comunidades e de
universalização” (SILVA, 2011).

Concretização dos valores na escola

Um dos argumentos de quem se posiciona contra o ensino de va-


lores na escola é o fato de que não é possível se chegar a um consenso
em relação aos valores morais considerados adequados ou inadequados.
Mesmo que o conjunto de valores de uma sociedade não seja objeto de
unanimidade – embora se acredite que seja possível pela ampla discus-
são chegar a uma concordância sobre determinados valores – penso
que isso não invalida a reflexão realizada pela escola.
Embora não haja um acordo sobre quais valores devam ser dis-
cutidos, a escola ainda poderá cumprir com a responsabilidade de ser

7
Ver meu texto: O papel da avaliação na formação de professores. In: ANDREOLA,
Balduíno Antônio; PAULY, Evaldo Luis; KROMBAUER, Luiz Gilberto; ORTH, Miguel
Alfredo. A formação de Educadores. Da itinerância das universidades à escola
itinerante. Ijué: Unijui, 2010. p. 201-223.

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

instrumento de reflexão ética, visto que a reflexão pode ser feita levando
em consideração a busca pelas razões da escolha, ou buscando as justifi-
cativas e razões pelas quais os alunos consideram suas opções a melhor
alternativa. Desta forma, busca-se analisar o sentido da ação humana.
Este exercício dialético de contrapor a ideia do educando com
outras que possam fazê-los reavaliar a sua postura, principalmente
quando esta postura se manifesta como violenta, discriminatória ou
preconceituosa, pode conduzir o educando a reformar suas atitudes e
promover ações pró-sociais. Isso não significa relativização ética e, sim,
a possibilidade de o aluno contrapor sua escolha e seus argumentos
com outros considerados eticamente mais abrangentes.
Essa experiência já foi posta em prática e foram observados bons
resultados. A pesquisa desenvolvida por Muñoz (2011) mostra a propos-
ta de uma metodologia que privilegia o diálogo, a mediação de conflitos,
a promoção de comportamentos pró- sociais e a diminuição da violência;
tendo como objetivo principal a educação para a paz. A tese demonstrou
que a ausência dos conteúdos que podem conduzir a comportamentos
pró-sociais, interferem no aumento de comportamentos agressivos e
violentos. Nessa pesquisa, o autor demonstrou que, quando os alunos
refletiam sobre suas ações, buscando as motivações e justificativas que
determinavam suas escolhas, em geral, os alunos que apresentavam
comportamentos antissociais, mudavam sua forma de agir.
Isso significa, como já dissemos, que, embora não possamos che-
gar a um consenso sobre quais valores morais devem ser discutidos
na escola, podemos sustentar que a prática da reflexão pode amenizar
a intolerância, a violência e contribuir para a construção de compor-
tamentos pró-sociais, bem como desenvolver a consciência de uma
prática que tenha como objetivo a formação da cidadania.
Outra pesquisa realizada por Gustavo Venturi concluiu que a
escola é determinante para o fim da homofobia.
Sozinha, a escola não será capaz de combater o preconceito contra gays,
lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis. Mas o ambiente escolar é o
local mais promissor para pôr fim à homofobia. Essa é conclusão de um
estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com a Fun-
dação Rosa Luxemburgo Stiftung (RLS), em 150 municípios brasileiros em
todas as regiões do País. Por isso, Gustavo Venturi, coordenador do estudo,
defende que o debate sobre esse tipo de discriminação faça parte das aulas,
inclusive na infância.
Entre os rapazes com idade entre 16 e 17 anos, 47% dos entrevistados
admitiram preconceito contra gays, lésbicas, travestis. “Esse é mais um

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

sinal da importância da escola. Esse é um momento que o jovem é muito


pressionado a fazer definições de identidade”, diz “Mudar a legislação é
importante porque você diminui os espaços nos quais você pode declarar
seus preconceitos. E, para serem reproduzidos, eles precisam ser ditos. A
falta de legislação contra a homofobia gera tolerâncias com esse tipo de
comportamento. Mas discutir o tema é muito importante também”, afirma
Venturi (VENTURI, 2011).

Além da discussão em torno da ética ou da moral favorecer


comportamentos pró-sociais, também pode estar ligada à melhoria da
qualidade do ensino. A escola Vicente Vieira em Garuva, Santa Catarina,
alcançou Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (ideb) com
nota 6,9. Dentre os fatores que contribuíram para a qualidade do ensi-
no estão a relação entre escola e sociedade, escola e família, a equipe
multidisciplinar de apoio pedagógico, o acompanhamento do aluno que
apresenta alguma dificuldade e segundo a diretora: “Temos também a
disciplina de ética e cidadania. Os alunos aprendem conceitos de ética,
diversidade, meio ambiente, moral e civismo” (O BOM, 2011).
A ênfase nos objetivos propostos pela escola interfere na quali-
dade da formação do aluno. A escola que traça objetivos claros e utiliza
os instrumentos adequados para alcançá-los influencia na formação
final do aluno. Portanto, se uma escola elege como objetivo reforçar
determinados valores e se empenhar para que isso de fato se realize,
tem grandes chances de formar o aluno que ela deseja. Assim sendo,
arriscaríamos a afirmar que a escola reflete a “cara” de sua administra-
ção ou gestão. “É difícil elencar todas as atividades exercidas por um
diretor, mas facilmente se conclui que a qualidade de uma escola está
diretamente vinculada à capacidade de quem a dirige” (LIMA, 2011).
Um exemplo disso foi o fato ocorrido com a estudante hostilizada
na Uniban (Universidade Bandeirante) de São Bernardo do Campo-SP.
Basta ouvir as entrevistas e comunicados da direção da universidade
em relação ao que ocorreu para concluirmos que a hostilização também
pode ter ocorrido porque os alunos perceberam que aquele espaço
favorecia esse tipo de ação.
Portanto, se uma instituição de ensino se denomina freiriana ou
optou pelo sistema de Piaget ou outro educador qualquer, entendemos
que os alunos que participam dessa instituição terão uma visão de
mundo influenciada por esse tipo de ensino. Da mesma forma, se uma
instituição resolve enfatizar os Direitos Humanos, entendemos que a
formação e visão de mundo desses alunos serão profundamente influen-

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ciadas por essa visão. Podemos estar falando algo óbvio. No entanto,
percebo que muitas vezes os objetivos traçados nos Projetos Políticos
Pedagógicos e nos Planos de Ensino aparecem ali apenas como mais
um item obrigatório, sem muita preocupação em atingi-los.
Nunca presenciei um aluno questionar o professor no final do
semestre por não ter alcançado o objetivo proposto no plano de aula.
Também são poucos os educadores (as) que costumam avaliar, com os
alunos, se os objetivos do plano de aula foram alcançados.
Quero dizer com isso que uma instituição de ensino pode deter-
minar que em sua instituição serão enfatizados os seguintes valores:
respeito, tolerância, democracia, etc., da mesma forma que se decide
por uma linha política ou educacional. Se analisarmos os Projetos Pe-
dagógicos das escolas e os documentos oficiais que regulam o ensino,
veremos que esses valores, mencionados, já estão presentes. Portanto,
concluímos que não basta simplesmente constar nos documentos, tem
que haver ações efetivas para que estas orientações sejam concretizadas.

Educação humanista e educação técnica

É possível ter uma educação humanista e técnica ao mesmo


tempo? Por que essas duas diretrizes não podem ser compatíveis? É
necessário formarmos seres humanos capazes de enfrentar o mundo
do trabalho de maneira ética. Faz-se necessário formar profissionais
que sejam altamente competentes tecnicamente e comprometidos
eticamente. Se não for assim, corremos o risco de desenvolver uma so-
ciedade altamente competitiva tecnicamente, mas altamente destrutiva
em relação às questões éticas.
Queremos um policial tecnicamente habilitado, profissionalmente
competente, mas também, queremos um policial que valorize a dignida-
de humana, os direitos humanos, que cultive a honestidade. Queremos
engenheiros, advogados e outros tantos profissionais que sejam alta-
mente competitivos, mas que sejam também altamente comprometidos
com os valores éticos. Queremos teólogos bem preparados e também
queremos que não sejam exploradores de crianças, que não se envolvam
com pedofilia. Portanto, o preparo técnico atende a uma necessidade,
mas é necessário ser complementado com a reflexão sobre a conduta
moral e as relações sociais que promovam a dignidade do ser humano.
Morin compartilha da ideia segundo a qual as ciências humanas
favorecem a ética da compreensão humana.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

A ética da compreensão humana constitui, sem dúvida, uma exigência chave


de nossos tempos de incompreensão generalizada: vivemos em um mundo
de incompreensão entre estranhos, mas também entre membros de uma
mesma sociedade, de uma mesma família (MORIN, 2003, p. 51).

Segundo ele, o ensino das humanidades não deve ser sacrifica-


do, ao contrário, a principal função do professor seria salvaguardar a
cultura das humanidades.

Deveria ser instituído um ensino recomposto de ciências humanas, cen-


tralizado no destino individual, no destino social, no destino econômico,
no destino histórico, no destino imaginário e mitológico do ser humano,
e orientado nesse sentido, conforme as disciplinas. Como assinalamos, o
ensino das humanidades não deve ser sacrificado, mas otimizado. (Uma
das principais missões do professor secundário é salvaguardar a cultura
das humanidades.) (...) As humanidades introduzem, ao mesmo tempo, à
condição humana e ao aprender a viver (MORIN, 2003, p. 79).

Numa pesquisa realizada em São Paulo, o autor analisa os índices


alcançados no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) por escolas
privadas e chega à conclusão de que a boa formação escolar está dire-
tamente ligada aos valores. O autor conclui que as escolas estão mais
preocupadas em preparar o aluno para o vestibular. Afirma ainda que

As escolas de bom desempenho estão situadas em municípios menores, onde


ainda há uma cultura comunitária, muito mais apreço pelo professor e maior
integração entre a família e a escola. O que assegura a boa formação escolar
é, pois, também o tradicionalismo de um mundo em que ainda são comu-
nitários, e afetivos, os valores de referência da educação (MARTINS, 2010).

Isso demonstra que nem a formação técnica nem a formação


humanista devem ser compreendidas de forma isolada. O ser humano
precisa do conhecimento técnico e também da reflexão sobre a técnica.
O conhecimento humanista, que prepara o ser humano para a vida,
influencia diretamente na maneira como a técnica será utilizada.
É estranho, mas o ser humano que nasceu para viver em socieda-
de precisa aprender a viver e conviver nesta mesma sociedade. Nasceu
para viver em sociedade, porém não está preparado para viver nela.
Aquilo que parecia natural e normal reveste-se de mistérios, dificulda-
des e lutas. De repente, o ser humano se dá conta que tem de aprender
humanidade, aprender a ser humano, aprender a ser cidadão, aprender
a respeitar, a tolerar, etc.
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Há poucas disciplinas no currículo escolar que têm esse objetivo.


Parte-se do pressuposto de que essas questões já são de conhecimento
de todos e deveriam fazer parte do comportamento humano. Mas não
é isso que acontece. É possível ensinar humanidade? Talvez sim, talvez
não. Mas é possível fazer reflexão sobre essas questões.
Quando discutimos sobre ética, logo fica evidente que não é possí-
vel falar de ética sem falar das relações sociais e da política. Ao lermos
Sócrates, Platão e Aristóteles, percebemos que havia uma preocupação
com a condução individual do ser humano, mas também com as ações
que determinavam toda a vida em coletividade.
Na Ética a Nicômaco, Aristóteles define a vida política da seguin-
te forma: “[...] O objetivo da vida política é o melhor dos fins, e essa
ciência dedica o melhor de seus esforços a fazer com que os cidadãos
sejam bons e capazes de nobres ações” (ARISTÓTELES, 1987, p. 19).
Falta ao ser humano o senso de responsabilidade pelo outro ser
humano e pelo meio ambiente. Lembro-me de uma propaganda de uma
seguradora (Liberty Seguros) que fazia a seguinte pergunta: Pelo que
você se sente responsável? Evidentemente que a preocupação da segu-
radora era outra. Ela não estava discutindo ética. No entanto, aproveito
a pergunta para lembrar que essa é uma das questões fundamentais da
ética. Deveríamos nos sentir responsáveis, no mínimo, por mais dois
outros: o ser humano e o meio ambiente.
A ideia de que eu existo por causa do outro, parece uma tese não
percebida pela maioria da população. A todo instante temos a percep-
ção da dependência do meio ambiente e a falta que ele pode causar.
Mas nem sempre foi assim. Mesmo diante das evidências e agressões
à natureza, muita gente ainda não se convenceu de sua importância.
Talvez isso aconteça pelo fato de que a preocupação com o meio am-
biente não pode ser fundamentada na questão sobre qual mundo ire-
mos deixar para os nossos filhos ou para a próxima geração e sim que
mundo estamos construindo para nós mesmos, nesta geração. Talvez
se mudarmos esse foco, haverá mais preocupação com os problemas
atuais. Enquanto estivermos pensando em que tipo de mundo iremos
deixar para a próxima geração, a geração atual talvez não se sinta res-
ponsável por este mundo futuro.
Temos o mesmo sentimento em relação à família, ou seja, per-
cebemos sua importância e dependência. Porém, se levarmos em con-
sideração que a existência como consciência só é possível a partir do
outro, isto é, que a minha existência como consciência não se resume a

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

mim mesmo e que, para que eu passe a existir é necessário a presença


de outro, então esse outro pode ser entendido como outro ser humano,
a natureza ou um objeto.
O existir me põe necessariamente em relação com o diferente, por-
tanto, a existência humana não tem como fugir do diferente. O diferente
de mim é necessário para a minha existência. Portanto, parece lógico que
o ser humano naturalmente se devotasse ao outro, buscasse o bem-estar
de si mesmo e do outro. Mas infelizmente não é isso que acontece.
Epicuro vai mais além. Afirma que é da natureza humana a convi-
vência dos iguais ou a convivência entre um ser humano e outro. Não é
natural odiar o outro. Para defender sua tese, ele faz comparação com
o corpo humano.

Tampouco me posso exacerbar com um parente, nem odiá-lo porque nasce-


mos para a ação conjunta, como os pés, como as mãos, como as pálpebras,
como as filas de dentes superiores e inferiores. Por isso, é contra a natureza
agir em sentido contrário; agastar-se é agir em sentido contrário (EPICURO,
LUCRÉCIO, CÍCERO, SÊNECA, MARCO AURÉLIO, 1984, p. 250).

Aristóteles, porém, argumenta de forma contrária. Segundo ele,


se fosse da natureza humana agir eticamente, a natureza não lutaria
contra si mesma. Ela simplesmente cumpriria o destino que lhe estava
determinado.
A preocupação com a ética está relacionada aos diferentes inte-
resses do ser humano. A relação ética começa a ser pensada a partir do
momento em que as vontades ou interesses passam a ser conflitantes.
Levinas defende que a ética é uma transcendência do eu. Essa
consciência deveria levar o ser humano a ser responsável pelo outro,
uma vez que a existência da consciência é totalmente dependente do
outro. “A ética é um transcender-se do egoísmo para o altruísmo. O
outro habita o eu. O compromisso com o outro vai até mesmo ao pon-
to de ser responsável pelo outro e pelo mal que ou outro pode fazer,
inclusive ao Eu” (PIVATTO, 1995, p. 60).
Levinas critica a posição da fenomenologia de Husserl e o eu
de Descartes ao defender que esse movimento do eu em direção ao
outro não é um movimento somente de pensamento. É um movimento
do corpo todo. Enquanto o problema se resumir em discutir que esse
movimento em direção ao outro é apenas um movimento restrito ao
pensamento, ou seja, o processo de tomada de consciência do outro

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e de mim mesmo acontece porque o meu pensamento percebe algo e


daí nasce a consciência, então essa discussão não tem muito sentido
porque se resume numa conversa interna.
Perceber o outro não se restringe a um problema de consciência
ou pensamento. Antes da consciência, o ser humano é algo que sente.
Lembro aqui a pergunta de Umberto Eco: “A consciência da importância
do outro é suficiente para fornecer-me uma base absoluta, um funda-
mento imutável para um comportamento ético?” (ECO, 1998, p. 96).
Vivemos numa época de economia globalizada e de problemas
também globalizados. Talvez aqui esteja a chave para conseguir uma
discussão e um entendimento para as questões éticas. Os problemas
de uma sociedade globalizada passam a ser problemas de todos e sen-
do problemas de todos, exige-se que as soluções sejam resultados de
consensos fundamentados em valores e normas que sejam respeitadas
por todas as culturas. Nesse sentido, faz-se necessário a mudança de
consciência e da opinião pública (KÜNG; SCHIMIDTH, 2001, p. 10 e 37).
Nossa sociedade, muitas vezes, apresenta valores contraditórios.
Damos muito mais importância à violação de cadáveres do que à viola-
ção do ser humano vivo. A consciência social em torno do direito a vida
conduziu a sociedade a dedicar aos animais tudo aquilo que também
é dedicado aos seres humanos. Se dispensássemos a mesma atenção,
no que se refere à dignidade e à honra, que é dispensada aos mortos e
aos animais, provavelmente teríamos uma sociedade mais equilibrada.
Com isso, não estou dizendo que os mortos e os animais sejam
menos importantes, estou dizendo que muitas pessoas têm um trata-
mento inferior ao que de fato lhe é devido. Nesse sentido, o tratamento
dispensado ao animal é superior ao dispensado ao ser humano. Toda
forma de vida deve ser tratada com dignidade, inclusive os animais.
De acordo com os filósofos cínicos, o ser humano deveria se espelhar
na natureza e especialmente nos animais.
Um caso de agressão à criança acontecido no Rio de Janeiro é
muito revelador. Uma procuradora aposentada agride fisicamente e
verbalmente sua filha adotiva de apenas 2 anos de idade. Segundo
depoimentos das testemunhas, a procuradora gritava para a criança:
“Você não vale nada. Você não vale nada. Antes meus bichos do que
você. Mil vezes meus bichos do que você” (AQUINO, 2010).
Em qual posição se encontra a dignidade e humanidade do indi-
víduo? Como a escola poderia contribuir? Relatório encomendado por
autoridades da Inglaterra propõe mudanças no currículo das escolas

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

primárias que incluem a substituição das matérias tradicionais por seis


“áreas de aprendizagem” e aulas de bem-estar e saúde.

O documento (...), sugere que as aulas deveriam ser mais direcionadas para
a preparação das crianças para a vida fora das escolas. O relatório (...) afir-
ma que lições sobre bem-estar emocional e aptidões sociais deveriam ser
parte compulsória do currículo. (...) Segundo o relatório, os alunos devem
ter “qualidades pessoais, sociais e emocionais essenciais para sua saúde,
bem- estar e para viver como cidadãos responsáveis no século 21”. O rela-
tório, (...) sugere que sejam adotadas seis amplas “áreas de aprendizagem”.
Essas áreas seriam: compreensão de inglês, comunicação e línguas; enten-
dimento matemático; entendimento científico e tecnológico; entendimento
humano, social e ambiental; entendimento de bem-estar e saúde física e
entendimento das artes e desenho... (RELATÓRIO, 2008).

De acordo com Romano, “Nenhum coletivo humano vive sem


emprestar técnicas, cultura e valores de outros” (ROMANO, 2010). A
sociedade não vive de forma isolada. Para uma cultura sobreviver, é
necessária essa relação de troca. Neste aspecto, a cultura passa por
mudanças, por transformações. Não é estática. A cultura está em cons-
tante transformação ou “sincretismo cultural”. As culturas não têm um
só núcleo, elas são formadas a partir da contribuição de vários povos.
O conjunto de valores de um povo ou sociedade pode ter diversas
origens. Da mesma forma que a cultura também é formada a partir de
diferentes contribuições.
Os valores podem ser resultado de imposição pela dominação e
intervenção bélica, como aconteceu, por exemplo, na América Latina
e no Oriente, ou pode ser resultado de interações entre os povos ou
discussões em fórum comum de caráter nacional e internacional. Por
exemplo, Direitos Humanos têm um fórum internacional de discussão.
Em todo caso, os valores são construídos, desconstruídos, reelabora-
dos, reinventados, repensados, descartados, criando um movimento
constante de renovação.
Nesse sentido, entendemos que uma formação simplesmente
preocupada com a preparação para o exame de seleção na universi-
dade ou para atender às necessidades do mercado não contribui para
que o educando tenha uma compreensão mais ampla do mundo que
o cerca. É possível, é benéfico, é recomendável e indispensável que a
escola possa conciliar estes dois aspectos da formação do indivíduo.

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Considerações finais

Ao término desta discussão, defendemos algumas posturas que


julgamos serem fundamentais para a reflexão e debate entre os pro-
fessores (as) da educação básica, mas também daqueles que têm a
responsabilidade da formação dos próprios educadores (as). Queremos
deixar claro no final deste livro que o ensino de valores na escola revela
uma das mais antigas propostas e preocupação com a formação do ser
humano representada por meio da tradição filosófica grega.
Entendemos que a formação cidadã passa necessariamente pela
formação ética e política. A ação ética não pode ser entendida como
expressão individual. Toda ação que incorre numa interferência na
vida do outro ou da sociedade, deve ser também de interesse cole-
tivo. A escola é um lugar onde acontece inter-relações sociais. Essas
inter-relações nem sempre são amigáveis. Porém, mesmo que a escola
fosse um paraíso, entendemos que o agir humano expresso em seu
comportamento ético se apresenta como uma área do saber que deve
ter seu lugar no âmbito da escola. Portanto, a ética diz respeito às
consequências e escolhas que fazemos em relação a nós mesmos, aos
outros e ao meio ambiente.
Compreendemos que não é apenas e simplesmente por meio do
debate e da reflexão sobre o agir ético que a escola, e muito menos a
sociedade, resolverá todos os seus problemas. Também não é essa a
nossa proposta. No entanto, entendemos que o confronto de ideias e
a busca pelo fundamento do agir humano podem demover estruturas
antissociais. Deste modo, o confronto de ideias e a busca pelo funda-
mento podem contribuir para um maior entendimento acerca da nossa
sociedade, influenciando, dessa forma, no processo de conscientização.
A escola e os educadores (as) por muito tempo estiveram receo-
sos em relação a propostas que tivessem como objetivo discutir valores
na escola. Talvez isso tenha acontecido pelo fato de muitos educadores
(as) terem passado pela experiência na qual as disciplinas de Educação
Moral e Cívica e Ensino Religioso terem sido impostas e usadas como
instrumento de doutrinação e dominação. Mas há também quem tenha
enxergado, nas disciplinas de Filosofia e Sociologia, o mesmo proble-
ma. Diante disso, a escola quase aboliu a discussão sobre valores, ou
melhor, a discussão acerca de valores éticos. Falar sobre valores na
escola era quase sinônimo de imposição de uma visão religiosa ou de
doutrinação política.
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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

Uma das teses que defendemos neste livro foi a de que a escola
já conta com um aliado nesse debate. Os Temas Transversais foram
propostos com a função de discutir temas relevantes que conduzem os
educandos a entenderem os principais problemas da atualidade. Talvez
essa não seja a melhor solução para se discutir o assunto. No entanto,
os Temas Transversais de fato abordam muitos daqueles assuntos que
historicamente foram considerados como doutrinação ou propaganda
da “esquerda”. Agora, esses assuntos se apresentam simplesmente como
temas que contribuem para a formação cidadã. Quando dissemos que
talvez não fosse a melhor solução, estávamos nos referindo a proposta
da transversalidade. Como proposta de Temas Transversais eles podem
simplesmente continuarem sendo ignorados, mas como proposta de
temas, cremos que temos em mãos um instrumento que pode, no mí-
nimo, servir de base para iniciarmos a discussão.
Faz-se necessário lembrar que as instituições e as estruturas
econômicas e políticas também devem ser fomentadoras da ética, uma
vez que são representativas da sociedade e porque também possuem
função educativa.
O ser humano se torna humano pelo seu constante agir na His-
tória. Nem sempre o agir humano contribui para tornar o ser humano
mais humano. Mas o ser humano tem a capacidade de mudar, repensar
e redimensionar suas ações. Consegue reconhecer erros e perceber
ações que causam prejuízos ou sofrimentos aos outros e ao meio am-
biente. Nesse sentido, o ser humano pode tornar melhor tanto o seu
meio quanto a si mesmo, visto que é ele mesmo quem dá sentido e
significado à realidade.
A reflexão ética na escola se apresenta como oportunidade para
pensar os relacionamentos humanos em várias áreas, bem como as
relações políticas criadas pela própria sociedade. Evidentemente que
não mudaremos sistemas sociais apenas por meio de reflexões, mas
as reflexões podem se apresentar como instrumento de conscientiza-
ção. Numa sociedade na qual se valoriza o conhecimento científico, o
conhecimento tecnológico, o lucro, a individualidade e a competição,
é importante que também haja espaço para pensar as consequências
desse conhecimento.
É fundamental que educandos e educadores conheçam alternati-
vas que levam em conta as relações com o meio ambiente, que saibam
que é possível conviver com outros indivíduos que não compartilham
das mesmas tradições culturais, que existem ações que consideram a

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igualdade de direitos e solidariedade valores fundamentais para o de-


senvolvimento e formação humana. Esse outro mundo possível retrata
também outro tipo de relação possível que desmente a ideia segundo
a qual a realidade já está predeterminada e predestinada, cabendo
ao indivíduo cumprir somente a parte que lhe cabe na engrenagem
social. Nesse sentido, afirmava Freire (2004, p. 183), a política edu-
cativa é tão necessariamente política quanto é gnosiológica.

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

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REFERENCIAIS PSICOPEDAGÓGICOS PARA
UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PARA A PAZ:
COMPORTAMENTOS PRÓ-SOCIAIS

Manuel Alfonso Diaz Muñoz*

1. Juventude, violência e escola: o cotidiano da exclusão

O problema da violência nas escolas virou “tema de moda” nos


meios de comunicação brasileiros e mundiais. Fala-se de um aumento
dos sintomas de violência e agressividade física ou verbal que atenta
contra os direitos individuais e coletivos e que obstaculiza a convivência
democrática nos centros escolares.
A escola, espaço privilegiado de subjetivação da criança e do
adolescente, não está dando conta dos conflitos que estavam acon-
tecendo e passa a ser um dos fatores de ruptura do laço social. Esta
constatação adquire tons dramáticos em muitas escolas públicas de
bairros periféricos (ARAÚJO, 2002), mas se faz presente, de diferentes
formas, em todos os âmbitos da vida educativa (RIGOTTI e TOSTA,
2009). A última pesquisa publicada pelo SIMPRO-MG, em novembro
de 2009, que verifica a percepção do docente sobre a violência nos
estabelecimentos de ensino do setor privado em Belo Horizonte,
mostra que 20% dos docentes pesquisados presenciaram o tráfico
de drogas na escola, e mais da metade (62%) disse ter presenciado
a agressão verbal. O estudo aponta ainda que 39% dos professores
relataram ter visto situações de intimidação, 35%, de ameaça, 53%
dos pesquisados presenciaram situações em que ocorreram danos ao
patrimônio da escola, e outros 20% disseram ter testemunhado danos
ao patrimônio pessoal. Ainda, 14% dos entrevistados já presenciaram
furto, e 10%, roubo.

* Tem graduação em Psicologia e doutorado em Teologia. Professor do Instituto Me-


todista Izabela Hendrix em Belo Horizonte.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

A violência, que atinge a sociedade no seu conjunto, parece ferir


de forma especial os 21 milhões de adolescentes brasileiros.1 E o co-
letivo que é atingido mais duramente não é aquele descrito nos livros
de Psicologia. Na convivência diária com os adolescentes brasileiros,
nos deparamos com a riqueza e a dureza da vida que lança novos
olhares sobre a adolescência fora do âmbito acadêmico e médico.
Esses olhares manifestam um adolescente que não é produto de uma
reflexão erudita, mas de “um projeto de sociedade de participação
democrática restrita, geradora de dependência interna e externa do
país, que vai configurando cada dia mais um tipo de sociedade ex-
cludente” (GRACIANI, 2001, p. 119).
A partir da periferia e das ruas das grandes cidades brasileiras,
podemos construir outros modos de se conceber o adolescente, além
do modelo hegemônico de shopping center. Esses adolescentes, meninos
e meninas, em sua maioria negros e pobres (RODRIGUES, 2010), são
vistos como delinquentes, violentos e desqualificados profissionalmen-
te. Não correspondem à adolescência “normal”, branca, masculina e de
classe média dos livros. Assim, podemos afirmar uma “dupla dimensão”
ao falar de adolescência: o modo como a sociedade constitui e atribui
significado a esta etapa do ciclo vital e a maneira como tal condição é
vivida, a partir de diversos recortes sociais como classe, gênero e etnia
(TAMEIRÃO, 2010). No Brasil, são gritantes as desigualdades que ado-
lescentes da periferia vivenciam em relação aos de bairros mais abas-
tados: educação, inserção no mundo laboral, violência... Inseridos em
um contexto de pobreza e escassez de acesso aos direitos fundamentais
e envolvidos nas angústias e interrogações próprias da idade, os ado-
lescentes aparecem como protagonistas do drama da violência urbana.
Não é por acaso que estes mesmos jovens moradores de periferia,
negros e com idade entre 15 e 29 anos são as maiores vítimas e, tam-
bém, autores de homicídios no Brasil. Segundo o Índice de Homicídios
na Adolescência (IHA) de 2010 (BRASIL, 2010), dois adolescentes a
cada grupo de mil jovens de 12 a 18 anos foram assassinados, em
2007, nos 266 municípios com mais de 100 mil habitantes. Se essa
taxa de mortalidade juvenil (2,67) for mantida, 33 mil adolescentes
serão mortos até 2013. A morte violenta é responsável por quase
metade das mortes de adolescentes de 12 a 18 anos no Brasil (45,5%

1
O Brasil é um país jovem: 30% dos seus 191 milhões de habitantes têm menos de 18
anos e 11% da população possui entre 12 e 17 anos (UNICEF, 2011).

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

dos casos). O índice é quase o dobro das mortes por doença (26,5%)
e mais do que o dobro das mortes por acidente (23,2%). O estudo
feito em 11 regiões metropolitanas aponta que os homicídios afetam
principalmente os rapazes (12 homens para cada jovem assassinada),
os negros (quase quatro negros ou pardos para cada branco ou ama-
relo) e moradores da periferia. O principal instrumento de assassinato
dos adolescentes é a arma de fogo. Estes dados são confirmados no
relatório da UNICEF sobre a situação mundial da infância em 2011:
entre 1998 e 2008 81 mil adolescentes brasileiros, de 15 a 19 anos
de idade, foram assassinados. Ainda segundo o relatório, atualmente
as oportunidades para a inserção social e produtiva dos adolescentes
brasileiros ainda são insuficientes. Assim, é o grupo etário mais vulne-
rável perante o desemprego e subemprego, a violência, a degradação
ambiental e redução dos níveis de qualidade de vida. O relatório nos
adverte ainda que as oportunidades são menores ainda quando,
além da idade, consideramos outras variáveis iníquas como renda,
condição pessoal, local de moradia, gênero, raça ou etnia.
Seguindo Graciani (2001), afirmamos o processo de “adultaliza-
ção precoce” de muitos desses adolescentes, obrigados a ser arrimo
de família. A desestruturação de muitos lares e a ausência de figura
paterna nas famílias os colocam nas ruas sem nenhuma orientação e
segurança, vivenciando uma constante instabilidade e violência. Pos-
so, igualmente, supor uma considerável desorientação em relação a
qualquer valor ético e limite.
Para o adolescente que vive no ambiente violento do tráfico de
drogas presente no dia a dia do bairro em que mora, a socialização
não acontece na família ou na escola, mas na rua junto ao seu grupo
de referência, que constrói suas próprias regras de convivência, códi-
gos de grupo, gírias ou modos de vestir-se. Conforme afirma Gilberto
Dimenstein (1990), quando a agressão e a rejeição são integrantes
naturais do cotidiano do adolescente não é estranho que a reação
seja também violenta, gerando um círculo vicioso. Nesse contexto de
anomia, é a lei do mais forte que domina, e a violência se torna um
fator predominante na convivência social. O uso da violência não
somente pode trazer benefícios econômicos, mas também simbólicos,
afetivos e psicológicos, enquanto o adolescente é valorizado, reconhe-
cido e acolhido no grupo. Nesta linha se expressa Luiz Eduardo Soares
(2005, p. 57), ao descrever a violência juvenil como uma estratégia de
sobrevivência psicológica:

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

Provocando no outro um sentimento, o menino reconquista presença,


visibilidade e existência social. Recorrendo à arma, portanto, o menino
invisível restaura as condições mínimas para a edificação da autoestima,
do reconhecimento e da construção de uma identidade.

Paulo César Pontes Fraga (2004, p. 100), ao analisar diferentes


pesquisas realizadas com crianças e adolescentes em situação de rua
no Brasil e na Venezuela, coloca algumas características comuns: uso
indiscriminado e banalizado da violência, pouca valorização da vida,
imediatismo extremo, consumismo excessivo e desenfreado. Fraga fala
de “cultura de emergência” porque, para esses jovens, não há nem fu-
turo nem raízes, somente o presente, o instante vivido intensamente,
sem qualquer referência senão ao hiperconsumo. Numa sociedade de
extrema desigualdade econômica, esses adolescentes são chamados a
consumir produtos que não têm condições de adquirir senão por meio
de comportamentos considerados antissociais e violentos.
Neste mesmo sentido, a psicóloga mineira Maria José Salum
nos adverte que em uma época onde a subjetividade se afirma pela
posse dos objetos de consumo, pelo poder e pelo prestígio ostenta-
do, os adolescentes “furtam, muitas vezes, para pertencer a um grupo;
agridem, sobretudo, para se afirmar e se defender; entram na crimi-
nalidade para estar em consonância com um ideal, mesmo que
considerado marginal” (2010, p. 61). Nesse ambiente, a tolerância
à frustração é mínima e a tendência a desenvolver comportamentos
agressivos é máxima.
A conclusão da adolescência, a emancipação, para esses jovens, é
dificultada por duas características presentes na realidade brasileira
contemporânea que afetam diretamente as classes populares: a crise
no trabalho e a presença da morte na forma da violência urbana. Este
fato é constatado pela pesquisadora brasileira Regina Novaes (2006),
que atribui a essas duas causas a dificuldade para projetar o futuro
que mostram esses adolescentes. Dominados pelo sentimento de vul-
nerabilidade, seus principais medos são: bala perdida, polícia, domínio
do tráfico, ser preso, violentada, espancada, enterrada viva, sofrer
violência e sofrer injustiça. Para a pesquisadora, o que marca a atual
geração é a resposta à insegurança, em forma de temor da morte
prematura. O medo fala mais alto: o medo de sobrar, entendido desde
a dificuldade para encontrar formas de subsistência no trabalho for-
mal, e o medo de morrer. Esses dois medos mobilizam mecanismos de

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

defesa específicos: estratégias de sobrevivência alternativas (e ilegais)


e padrões de comportamento agressivos e violentos, respectivamente.
Felizmente, também existem no universo do adolescente de peri-
feria elementos que nos permitem enxergar práticas de protagonismo,
autonomia, construção de si mesmo e de resistência. Neste sentido,
destacam-se as múltiplas manifestações culturais desenvolvidas nas
periferias dos grandes centros urbanos, como escolas de samba,
blocos carnavalescos, religiões afro-brasileiras, rodas de samba, etc.,
que apontam para uma visão diferente do adolescente: nem ameaça
para o sistema ou hedonista e irresponsável, nem ingênuo e vítima
passiva do sistema social (MAGRO, 2006). É a partir desta perspec-
tiva, e com este adolescente, que podemos oferecer alternativas para
a construção de uma cultura da paz. Vale a pena conferir as palavras
de um jovem fundador de um grupo de rap:

Na periferia, todos se encontram na rua, nos bailes, e a posse surge daí,


reunindo dois ou três grupos de rap. É um jeito de trocar ideia sobre música,
arte e problemas da periferia, de estudar as nossas origens “a afro-des-
cendência”, que a escola não ensina. Também é nossa união para lutar por
espaço na sociedade, exigir locais para os nossos ensaios e apresentações.

Assim, em vez de enxergar a adolescência como uma fase de


riscos, vulnerabilidades e inseguranças, é preciso entendê-la como
oportunidade para eles próprios, para as suas famílias e para a so-
ciedade. E o espaço inclusivo e socializador por excelência desses
adolescentes é a escola.

2. A urgência de uma pedagogia para a paz

A violência não é um fenômeno novo nem na sociedade nem


na escola: as sementes e manifestações da violência acompanham a
história do ser humano. Antes se reprimiam de forma autoritária na
escola e na família, se manifestando na rua. Agora aparecem de forma
assustadora nas escolas. Em muitos casos, o problema da violência
fica nas mãos do professor que, sozinho, impotente e sem recursos,
tenta fazer o que pode ou, simplesmente, renuncia à sua responsabi-
lidade para sobreviver num meio percebido como hostil e selvagem.
E não é uma questão restrita à rede pública de ensino. Sirvam
como exemplo os dados de uma pesquisa realizada para mapear as

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

condições de saúde e trabalho dos docentes da rede privada de ensino


mineiro divulgada no dia 28 de abril de 2009. Foram entrevistados
2.500 professores numa parceria entre sindicatos de profissionais da
educação e MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). No Estado de
Minas Gerais, 41% dos professores da rede particular de ensino
reclamam que já foram agredidos ou ameaçados por alunos pelo
menos uma vez, sendo que 92,84% alegam sofrer cansaços físico e
mental (SINPRO-MG, 2009).
As consequências do fenômeno são sentidas por todos: edu-
cadores, famílias, poder público e, principalmente, nossas crianças
e jovens. A pesquisadora Marília Sposito ilustra esta afirmação num
artigo em que realiza balanço da pesquisa sobre as relações entre
violência e escola no Brasil, após 1980 (2001, p. 100):

A percepção das tensões existentes entre alunos ou entre estes e o


mundo adulto tem afetado o clima dos estabelecimentos escolares, espe-
cialmente a ação dos professores, que passam a sentir-se sob ameaça
permanente, quer real ou imaginária. O medo do aluno leva o docente a uma
frequente demanda de segurança, particularmente policial, nas unidades
escolares, comprometendo a qualidade da interação educativa.

Segundo o informe da UNESCO a r e s p e i t o d a violência nas


escolas n a América Latina (ABRAMOVAY, 2003), no Brasil, o debate
sobre a violência nas escolas começou nos anos 80, tendo como refe-
rência estudos de caso acerca do tema. Contudo, o debate se limitou à
esfera acadêmica, pois não existem, em nível governamental, estudos e
estatísticas que tratem do assunto de forma global. As informações dos
órgãos públicos são pontuais e cada administração tem seguido dife-
rentes orientações no acompanhamento do fenômeno. Além disto, não
há dados sobre os tipos de ocorrência que permitam um diagnóstico
mais cuidadoso. E, no que se refere à esfera acadêmica, a maior parte
da pesquisa produzida se deu nos últimos anos. Os estudos realizados
buscaram delimitar o conceito de violência a partir da população
alvo, os jovens, e o lugar social da instituição, a escola. Mesmo sendo
trabalhos limitados na sua generalização por analisarem situações lo-
cais, nos ajudam a distinguir as principais modalidades de violência:
ações contra o patrimônio nos fins de semana nos anos 80 e agressões
interpessoais nos anos 90 durante a semana, principalmente nos
intervalos entre as aulas. Sposito (1998, p. 68) assinala:

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

Os anos 90 indicam a continuidade de algumas formas de agressão aos


prédios e equipamentos, muitas delas não mais denunciadas porque foram
incorporadas às vicissitudes das rotinas escolares. Apontam, também, novas
práticas violentas, neste momento, observadas no interior da instituição,
durante a semana, nos períodos de aulas, em plena atividade.

Os fatores sociais são destaque especial entre os pesquisadores


brasileiros, principalmente a relação pobreza-violência. Contudo, de
acordo com Alba Zaluar (2002), centrar as explicações no foco da po-
breza e da desigualdade reduz e impede um entendimento mais com-
plexo da questão. Assim, mais do que a pobreza seria a desigualdade
social, a extremada distribuição desigual da renda. Outro elemento
habitual explicativo, segundo Sposito, advém dos aspectos históri-
cos, culturais e políticos que marcaram a constituição de sociedades
colonizadas, como o Brasil, e que criaram uma cultura de violência
e impunidade. Os fatores internos ao mundo da educação apontam
para o desencanto em relação ao lugar da educação, para os sempre
insuficientes recursos disponíveis pelo sistema de ensino e para a sua
deficiente qualidade. Igualmente não contemplam apenas a violência
física, mas também a ética, a política, além da simbólica. Também
existe uma preocupação com a banalização da violência, isto é, com
o fato de muitos diretores e alunos não considerarem como violência
fatos considerados assim a partir de outra perspectiva.
Na última década, conforme mostra a pesquisa nacional coor-
denada pela UNESCO em 2002, existe uma preocupação na sociedade
pela violência no cotidiano escolar, pois afeta a alunos, professores,
diretores e demais membros da comunidade escolar, prejudicando o
relacionamento entre eles, a qualidade do ensino, o desempenho dos
estudantes e o interesse deles pelo estudo.
A pesquisa da UNESCO traz alguns dados novos interessantes,
como é o da violência de caráter sexual nas escolas. Os dados quan-
titativos mostram que o volume de ocorrências é relevante, tanto na
percepção dos alunos quanto na dos professores e demais membros
da equipe pedagógica das escolas: em média, 8% dos alunos e 7% dos
professores informaram que já houve algum tipo de violência sexual
dentro da escola ou nas redondezas. São significativos os casos em
que professores aparecem como agressores. É provável, interpreta a
autora do informe, que esses casos ocorram porque eles acreditam
que tal violência passaria impune. É um tipo de violência simbólica

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

ou abuso de autoridade, próprio de uma cultura de discriminação


contra as mulheres. A respeito do porte de armas na escola, os dados
não estranham: 13% dos estudantes dizem ter testemunhado porte
de armas de fogo ou de outras armas por alunos, professores ou pais
dentro do ambiente da escola. Para os professores, a proporção de
respostas positivas varia de 2% a 8%, quando questionados sobre a
presença de armas de fogo e entre 8% e 19%, quando mencionam a
presença de armas brancas na escola.
Mais recentemente, numa pesquisa publicada no ano de 2010 e
realizada com 107 educadores do Ensino Médio de 14 escolas de Natal
(RN) 70% deles afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência no
espaço escolar. Retirando os 11,11% que afirmaram ter sofrido tapas
e empurrões, 88,89% restante sofreram com ameaças, desrespeito,
danificação de objetos pessoais e, inclusive, 2,28%, ameaças de morte
(CAMPOS e JORGE, 2010).
Esses dados promovem a necessidade de novas pesquisas in-
corporando o pressuposto de que não é um fenômeno exclusivamente
brasileiro. É somente ler os jornais dos países vizinhos, da Europa e dos
Estados Unidos, em que o problema chega a adquirir pontualmente pro-
porções de massacre. A análise da violência no interior das escolas traz
desafios diversos aos pesquisadores e educadores, pois vai pedir tanto
o reconhecimento das especificidades das situações concretas como a
compreensão de processos mais abrangentes sociais e institucionais.
Como foi constatado, se impõe reconhecer a complexidade do
tema violência e escola. Encontrar uma definição de violência que
nos permita abranger todos esses aspectos é dificultoso, muito mais
no ambiente escolar onde termos correlatos como indisciplina permi-
tem níveis diferentes e mudanças de significação, pois os limites entre
o reconhecimento ou não do ato como violento são definidos pelos
sujeitos em função de variáveis culturais e históricas. Toda definição
será parcial e provisória, mas deve ser feita para evitar a consideração
de que tudo é violência (absolutização) ou de que nada é violência (ba-
nalização). Assim evito confusões, tão frequentes no meio educacional,
como identificar violência e agressividade ou opor paz com conflito.
Etimologicamente, a raiz da palavra violência é vis, que significa
“força, energia, potência, valor, força vital”. Alvino Augusto de Sá, citan-
do Yves Michaud, distingue no comportamento violento dois aspectos
básicos, intensidade e caráter de lesividade, e propõe o seguinte
conceito (SÁ, 1999, p. 54):

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores


agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a
uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física,
seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações
simbólicas e culturais.

Esses dois aspectos estão presentes numa das definições mais


amplamente aceitas pelos pesquisadores da área educacional por re-
lacionar a violência com a quebra do diálogo, centro do processo de
ensino/aprendizagem, na relação pedagógica (SPOSITO, 1998, p. 60):
“A violência é todo ato que implica a ruptura de um nexo social
pelo uso da força. Nega-se assim, a possibilidade da relação social que
se instala pela comunicação, pelo uso da palavra, pelo diálogo e pelo
conflito”. Em última instância, a violência parece ligada à produção
do silêncio enquanto quebra a palavra, emudece os seres humanos.
Esta ação emudecedora se dá de forma múltipla na dimensão cultural
(preconceito), econômica (corrupção), familiar, política, social (discri-
minação), psicológica...
Nesta perspectiva, tratar de violência e paz é tratar de temas
complexos com múltiplas causas e variáveis. Significa fugir da tentação
do simplismo e do reducionismo, como, por exemplo, unir violência
à segurança, ou pensar que o problema da violência escolar pode
ser resolvido apenas agindo a partir da escola. Todas as fontes
consultadas são claras ao afirmarem que existe uma associação entre
as características do entorno e o grau de vulnerabilidade a que estão
submetidos os membros da comunidade escolar. O tráfico e o consumo
de drogas aparecem como um fator determinante.
Ao discutir a violência escolar, também é importante superar
a emoção e priorizar a racionalidade na busca de soluções, assim
como entender a violência como um fato humano e social, construído
socialmente e que, por isso, pode ser desconstruído socialmente. E,
sobretudo, é fundamental ir além do objeto de estudo imediato e ana-
lisar o sentido da própria instituição escolar para uma juventude que
não se identifica com o modelo tradicional de escolaridade voltado
para a mobilidade social e que mostra uma capacidade socializadora
cada vez menor. A escola, neste sentido, tem fracassado em cumprir
as promessas de integração social, uma vez que a inserção dos jovens
no mercado de trabalho é problemática (DEBARBIEUX, 1998). Quase
sempre, a violência não é um ato gratuito, mas uma reação àquilo
que a escola significa ou, ainda pior, àquilo que ela não consegue ser.
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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

A maioria das ocorrências violentas nas escolas é praticada por alunos


ou ex-alunos (VAZ, 2005).
Vou mais longe nesta linha de pensamento: a violência na escola
é fruto da incapacidade desta de lidar com o conflito e a diferença.
Esta é uma das conclusões da minha tese de doutorado sobre o tema
da “Educação para a paz” apresentada em 2011, na Escola Superior de
Teologia (MUÑOZ, 2011). Tradicionalmente, o conflito foi considerado
como algo indesejável e negativo. Hoje, sabemos que o conflito é natu-
ral na vida social e constitutivo da vida psíquica. É um fenômeno que
surge perante a incompatibilidade de interesses, valores, aspirações...
É uma “situação de antagonismo entre uma ou mais forças” (GALVÃO,
2004, p. 190). O negativo não é o conflito em si mesmo, mas a forma de
enfrentá-lo, pois uma forma não positiva de resolução leva à violência.
A ordem social se baseia no fato de que a maioria dos nossos
relacionamentos humanos — na escola, na família, nos governos lo-
cais — transcorre sem violência. E nesse ponto é preciso fazer uma
distinção entre conflito, raiva e violência. O conflito se dá sempre que
interesses opostos se encontram. Não é possível ter famílias, comuni-
dades e escolas sem conflito. Há sempre divergências de opinião e de
como fazer as coisas. Mas esses conflitos não são necessariamente
violentos. Igualmente, é impossível viver a vida inteira sem, às vezes,
ficar com raiva. A raiva é também uma reação natural à injustiça.
Observe as crianças brincando: quando uma acha que a outra fez algo
injusto, fica com raiva. Mas é desnecessário dizer que isto não é
violência. Como também é necessário frisar que a agressividade não
é, nem implica violência.
Não é raro encontrar em textos do campo educativo, e também
psiquiátrico, pouca clareza na distinção entre violência e agressão. Por
isso também considero importante distingui-los no presente texto.
Apesar de estudiosos tão significativos na Psicologia Social como
Martin Baró (1997) afirmarem que a agressão somente seria uma
forma de violência, aquela que aplica a força contra alguém de maneira
intencional, mantenho a opinião contrária: a violência é uma das formas
de expressão da agressividade humana. A agressividade não é nem
implica violência. Forma parte do comportamento humano como um
mecanismo adaptativo e força motora para a autoafirmação física e
psíquica do sujeito. Da inevitabilidade da agressividade não se deriva
a inevitabilidade da violência. Daí que a diferença entre os dois concei-
tos me leva a afirmar o caráter histórico e socialmente construído das

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

manifestações violentas do ser humano. E o que foi construído, pode


ser desconstruído.
A natureza da agressividade humana sempre foi tema de estu-
do da Psicologia que desenvolveu diferentes teorias, que vão desde
o enfoque naturalista até o psicanalítico. Uma pergunta central tem
orientado a discussão entre as diferentes correntes de pensamento: a
agressividade é um instinto ou um comportamento aprendido?
Para simplificar a exposição das diferentes teorias explicativas,
Fante (2005) as agrupa em duas categorias:

a. Ativas: aquelas que defendem a agressividade como impulsos in-


ternos e inatos. A agressividade seria inerente à condição humana.
b. Reativas: aquelas que defendem que a agressividade tem in-
fluência ambiental, que é uma reação aprendida no ambiente.

No primeiro grupo coloca as teorias que vêm da etologia e da


psicanálise. As primeiras afirmam que no ser humano, como em todo
animal, existe um substrato psicológico que, quando estimulado, susci-
ta sentimentos subjetivos de ira (desenvolvidos no hipotálamo), assim
como mudanças físicas que preparam seu corpo para a luta (LORENZ,
1988). O mecanismo, ao igual do que outras respostas emocionais, é
estereotipado de forma mecânica e repetitiva. Desde esta perspectiva,
a base é biológica e instintiva. Para alguns pesquisadores (MACKAL,
1979), a agressividade é explicada, inclusive, como uma questão hor-
monal, o balanço entre a adrenalina (cólera dirigida para dentro ou
ansiedade) e noradrenalina (cólera dirigida para fora ou agressão).
As teorias psicanalíticas também afirmam este caráter inato e
instintivo da agressividade. Com referência à agressividade, tanto Freud
quanto Lacan situam-na como constitutiva do eu, na base da cons-
tituição do eu e na sua relação com seus objetos. Não negam sua
existência, ao contrário, afirmam a agressividade na ordem humana,
ordem libidinal. Existe agressividade, mas ela pode ser sublimada,
pode ser recalcada, não precisa ser atuada, pois o ser humano conta
com o recurso da palavra, da mediação simbólica (FERRARI, 2006).
No grupo das reativas, Fante coloca as teorias comportamen-
talistas, entre elas a Teoria da Aprendizagem Social de Bandura e
a teoria da frustração de Miller. Para Albert Bandura (BANDURA e
RIVES, 1984), os modelos de comportamentos agressivos que mani-
festam os adultos no entorno familiar, os reforços que proporcionam

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

a conduta agressiva dos filhos por meio da violência que respondem


aos comportamentos indesejados, unidos às condições afetivas em
que vive o grupo familiar, facilitam a aprendizagem de comportamen-
tos agressivos e levam a criança também à frustração e à vitimização
(CEREZO RAMÍREZ, 2002).
A ideia de que uma conduta agressiva é gerada pela frustração
faz Miller (1985) postular que toda frustração, invariavelmente, gera
uma agressão, afirmação não suficientemente comprovada desde o meu
ponto de vista, pois o ser humano demonstra grande capacidade de
suportar frustrações sem que gere necessariamente comportamentos
agressivos. Concordo, contudo, com a posição psicanalítica de que a
agressividade é sublimada no convívio social, que seria inviabilizado
sem este mecanismo.
Da conciliação das contribuições destas duas posições teóricas
vem a distinção entre agressividade humana, inata, e violência, apren-
dida. Como as teorias psicanalíticas apontam, a agressividade não deve
se manifestar necessariamente de forma destrutiva, violenta. Também
pode ser um impulso para a criatividade, para o dinamismo e para o
crescimento humano.
Em 1986 em Sevilha, Espanha, os maiores especialistas do mun-
do, convocados pela UNESCO, se reuniram para discutir a violência.
Eles se colocaram a seguinte pergunta: Há algo em nossa biologia, na
natureza da nossa condição humana, que nos leva a fazer a guerra?
A questão foi examinada do ponto de vista evolutivo, genético, da
fisiologia cerebral, da sociologia, e juntos antropólogos, sociólogos,
psicólogos, médicos e especialistas em comportamento animal, che-
garam à conclusão de que não: a natureza humana não é naturalmente
violenta nem tampouco não violenta. Desta reunião surgiu o Manifesto
de Sevilha, o documento que desnaturaliza de vez o fenômeno da
violência, pois “se a violência é construída pelos humanos, não esta-
mos nem condenados a ela, nem ela se constitui em uma fatalidade
inexorável” (GUIMARÃES, 2004, p. 11).
Sendo assim, reafirmo a posição de Marcelo Guimarães (2005),
que entende a construção da paz como um processo dialógico-conflitivo,
dinâmico e não violento ao mesmo tempo, no qual a agressividade, força
vital de cada pessoa, é expressão da vontade de potência de operar a
paz. Assim, o oposto da agressividade seria a passividade, a resignação
e o conformismo, não a paz. E o conflito também deixa de ser encarado
como o contrário da paz, para ser visto como integrante dos processos

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humanos, sendo sua problematicidade transferida para a forma como


são enfrentados e resolvidos: violenta ou não violentamente.
O conflito é inerente à vida social, a violência não. Uma ausência
total de conflitos somente se consegue nas sociedades totalitárias.
O desafio democrático é “desenvolver mecanismos de explicitação e
mediação de conflitos, sem que eles se traduzam em violência ou em
desagregação da sociabilidade” (GALVÃO, 2004, p. 191). De fato, o
sistema legal do chamado Estado de Direito busca regular conflitos e
harmonizar interesses diferentes no mesmo espaço social.
Mas o conflito também é inerente à vida psíquica. A psicaná-
lise faz deste conflito psíquico objeto de estudo. Freud (BRANSTEIN e
PEWZNER, 2003) nos diz que a força motora fundamental do homem
é a libido, um impulso sexual violentamente egoísta e agressivo, que
constitui o id da personalidade. Todos possuem dentro de si uma
força sexual criadora (eros) e um impulso destruidor e agressivo para
a morte (thanatos). Mas ter o impulso não leva necessariamente à
satisfação; é preciso de algum modo chegar a um compromisso com o
mundo e manipulá-lo de modo a satisfazer os próprios desejos. Isso
leva ao crescimento do ego que funciona como intermediário entre
o princípio do prazer do id e o princípio da realidade que domina
as interações com o ambiente. Os pais esforçam-se por conseguir exe-
cutar a tarefa quase impossível de socializar o id, procurando domar
o seu egoísmo que é constituído pelos impulsos inatos da criança; isso
acarreta a formação de um superego, uma espécie de consciência, que
faz que a pessoa se sinta culpada toda vez que um impulso do id
consegue expressar-se.
Desde a Epistemologia Genética, Piaget (1981) nos mostra a
importância do conflito cognitivo para o desenvolvimento intelectual
da criança. O ambiente físico e o social coloca continuamente a criança
diante de questões que rompem o estado de equilíbrio do organismo e
provocam a busca de comportamentos mais adaptativos. Segundo Piaget,
o ato de conhecer é prazeroso e gratificante e força motivadora para o
próprio desenvolvimento humano. Sendo a vida do ser humano marcada
por novos conhecimentos, o movimento do organismo é no sentido de
resolver as questões que se apresentam, utilizando-se de estruturas
mentais já existentes. Se forem ineficientes, são modificadas a fim de
se chegar a uma forma adequada para se lidar com a nova situação.
Wallon (DANTAS, 1992), igualmente, fundamentando-se numa
concepção dialética do ser humano, afirma o processo de individu-

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

ação e diferenciação do eu no confronto, no conflito com o outro. O


desenvolvimento pessoal é regulado pelas relações entre o indivíduo
e o meio social em que vive.
A partir destes pressupostos entendo os conflitos na escola como
possibilidades para o crescimento. Significa olhá-los de forma di-
ferente. Para o educador que, de forma consciente ou inconsciente,
sonha a escola como um ambiente sem conflitos, significa realizar um
esforço de ressignificação dos mesmos ao vivenciá-los como oportu-
nidades educativas.
Segundo Izabel Galvão (2004), podem ser identificados três
modos de a escola lidar com os conflitos:

a. Maquiagem: trata-se de “resolver” o mais rapidamente possível


o problema sem se preocupar de aprofundar nele. O impor-
tante é que os sinais externos desapareçam para manter a
harmonia aparente.
b. A responsabilidade de todo conflito recai no aluno (“proble-
mático”, “irresponsável”) visto como elemento perturbador da
ordem escolar.
c. O conflito é visto como sintoma do completo fracasso do labor
educacional, como atestado de incompetência da estrutura
escolar e dos profissionais que nela trabalham. A tendência é
fazer de qualquer um ato de indisciplina um fracasso pessoal
e institucional.

Um olhar novo sobre os conflitos significa buscar um novo


sentido para eles diferenciado das tendências expostas por Galvão,
pois “a possibilidade de resolvê-los ou elaborá-los depende da busca
de compreender seus sentidos” (2004, p. 194). É um processo de
ressignificação que permitirá abordar o tema da violência de uma
forma diferenciada, pois esta deriva, na grande maioria dos casos, de
conflitos mal resolvidos ou não explicitados. É tirar o foco do agressor,
das pessoas envolvidas no conflito, para colocar o foco no conflito.
Entender que o problema não são as pessoas, mas a situação, e então
lidar com ela. Este olhar não é a solução mágica que vai permitir a
resolução satisfatória de todos os conflitos, pois alguns não têm solução
possível. Ao adotar uma perspectiva sistêmica da escola, afirmo a cor-
responsabilidade de todos os segmentos que interagem no ambiente
escolar, independente de posição hierárquica. A participação de todos

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no processo aparece como um elemento importante desse novo olhar


que vai nos permitir também o distanciamento necessário para tra-
balhar com a mediação (interlocução de um terceiro não diretamente
envolvido) como instrumento privilegiado para a abordagem reflexiva
e dialógica do conflito.
Para Carla Araújo (2002), o conflito funciona na escola como uma
espécie de “animador cultural”, estimulando o diálogo entre diferentes
ideias, opiniões e práticas. Contudo, seria simplista pensar que todo
conflito é positivo e motor de mudança. Existem, no ambiente escolar,
conflitos que efetivamente são sintomas de desajuste no ambiente es-
colar. Em geral, estão relacionados a situações repetitivas que geram
exclusão e desgaste nas relações entre os membros da comunidade
escolar, mais concretamente às questões disciplinares específicas da
sala de aula. Esses conflitos negativos remetem a aspectos do contexto
pedagógico que devem ser melhorados, entre eles:

a) Exigências recorrentes de determinadas regras de compor-


tamento para as quais os alunos não estão preparados ou
que não foram trabalhadas de forma adequada com eles. Por
exemplo, exigências posturais como a de ficar imóvel na sala
de aula escutando o professor.
b) A disposição e disponibilidade do espaço físico da escola.
c) A dinâmica de condução das atividades, excessivamente
centrada no papel do professor.
d) O conteúdo das atividades, que não é significativo para o aluno.

Também é uma ilusão pensar que somente a modificação das


práticas pedagógicas vai estabelecer na escola um ambiente de paz
e harmonia. O que vamos conseguir é que os conflitos negativos,
desgastantes, percam força para poder trabalhar com os conflitos
geradores de crescimento. Como já foi frisado na abordagem sobre
Wallon, o movimento de oposição ao outro tem um papel importante
na construção do próprio sujeito e na afirmação da sua identidade.
Na infância e na adolescência, existem determinadas fases em que
isto se dá mais intensamente. Esta realidade pessoal é potencializada
e vivenciada coletivamente na sala de aula. Não é sem motivo que
alguns professores têm pavor de dar aula para adolescentes.
A escola, neste sentido, ganha quando garante espaços de diálogo
e crítica onde possa dar vazão a uma energia expressiva do adoles-

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

cente que, de outra forma, poderá ser exteriorizada por condutas


agressivas e violentas. É labor da escola, desde esse novo olhar do
conflito, criar espaços e dispositivos para a gestão do conflito que a
sociedade não conseguiu criar. É um espaço privilegiado para educar
subjetividades que crescem juntas, dialogando.
Ressignificar o conflito nos leva a não evitá-lo, mas enfrentá-lo
e, mais, provocá-lo. O conflito, enquanto encontro dos diferentes e
fator de crescimento pessoal e grupal, deve ser incentivado sempre
que exista uma cultura de paz na escola. Nas palavras de Guimarães
(2005, p. 198):

Nesse contexto, entendendo a paz como um conceito dinâmico que nos


leva a provocar, enfrentar e resolver conflitos de uma forma não violenta,
deve-se pensar uma educação para a paz que reconheça o conflito como um
trampolim do desenvolvimento, que não postule a eliminação do conflito
e que busque modos criativos e menos violentos de resolvê-los, o que
implicará, em alguns casos, também provocá-los.

As estratégias de trabalho terão o êxito esperado se, desde uma


proposta de educação nos valores, é criado um clima participativo e de-
mocrático na escola e na sala de aula. São características dessa cultura:

1. A participação democrática dos diferentes segmentos da comunidade


educativa na organização do centro educativo e da sala de aula.

Isto significa investir em relações interpessoais éticas de convívio


e abertura às incertezas, excluindo todo tipo de conluio, fechamento ou
corporativismo, construindo uma escola onde se valorizem as diferenças
e a aprendizagem pela convivência, pela troca de ideias, pela interação
social. As consequências práticas são evidentes e se traduzem na par-
ticipação efetiva dos alunos nas decisões da escola, especialmente no
referente ao regime disciplinar. Lino de Macedo propõe “lidar com a
disciplina como um sistema de regras que torna possível uma convi-
vência produtiva na sala de aula” (MACEDO, 1996, p. 207), articulando
leis (entendida como regra geral imperativa que fixa princípios) e re-
gras (expressão prática de um princípio) de forma aberta e respeitosa
com os alunos. Esta regra supõe respeito, autoridade e disciplina, mas,
sobretudo, construção coletiva das normas de convivência. Não signi-
fica renunciar a colocar qualquer limite ao adolescente, até porque a
heteronomia é a porta de entrada da autonomia e existe uma assimetria
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entre o educador, enquanto mediador no processo de aprendizagem, e


o educando. É fazer possível que a necessidade do limite seja assumida
eticamente pela liberdade, citando o mestre Paulo Freire (2005). O con-
ceito que é usado é o de regulação, princípio pelo qual, numa relação,
numa interação, temos que permanentemente aprender a trabalhar,
considerando o que deve ser mais, menos ou igual, em termos de nossos
objetivos ou metas, em termos dos meios que utilizamos.

2. A criação de hábitos de autonomia e autodeterminação.

O objetivo de toda educação é a autonomia moral e intelectual


do indivíduo. No caso dos adolescentes, vira necessidade no processo
de construção da nova identidade que, no meio escolar, não devem
estar submetidos a uma constante direção e determinação de suas
ações. Igualmente, devem sentir-se livres para expressar seus pró-
prios sentimentos e ideias, sempre que respeitem os outros, evitando
situações ameaçadoras ou humilhantes. Melhor ainda se percebem que
são escutados. Uma forma de “treinar” a autodeterminação é apoiar
o livre funcionamento do grêmio estudantil. O cultivo da autoestima
lhe dá confiança para arriscar e assumir responsabilidades. Provocar,
na hora de organizar o trabalho escolar, a tomada de decisões e o
comprometimento dos adolescentes, assim como promover a capaci-
dade de autocrítica e de aceitação das consequências dos seus atos
também ajudam no processo educativo. Trata-se de tornar os sujeitos
protagonistas ativos na construção da própria moralidade por meio
de um “profundo processo de transformação dos valores, das normas
e dos direitos morais existentes, articulado a um não menos profundo
processo de construção de uma capacidade de questionamento e de
reflexão” (GENTILI e ALENCAR, 2001, p. 94).

3. Espaços de diálogo, compreensão mútua, solidariedade, cooperação,


integração coletiva, discussão objetiva de conflitos.

A cooperação, enquanto processo de relação interpessoal, é um


fator que influencia o desenvolvimento cognitivo e moral do indivíduo.
Os grandes pedagogos do século XX, desde Dewey, e passando por Frei-
net, Piaget até Freire, destacam o papel da aprendizagem cooperativa,
mais ainda na adolescência, uma etapa tão sensível aos iguais. Pesquisas
de campo têm mostrado de forma consistente (GARAIGORDÓBIL, 2000)

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

que os métodos de aprendizagem cooperativos estão relacionados com


um maior rendimento acadêmico, com atitudes mais positivas, com res-
peito da escola e melhoria na autoestima e nas relações interpessoais.
A sala de aula pode ser “um ambiente escolar cooperativo” se cumprir
as condições que Ulisses Ferreira de Araújo (1996) coloca: cooperação,
respeito mútuo, atividades grupais, ausência de sanções expiatórias e
oportunidades de escolha. É uma forma de fazer da sala de aula uma
unidade psicológica que proporcione aos seus membros motivação (de
que tanto precisa o adolescente), estímulos e recursos para regular
seu desenvolvimento e para resolver, de forma dialogada e pacífica, os
conflitos próprios da convivência entre diferentes.
É a partir deste marco mais amplo de uma cultura da paz na
escola que ouso colocar os princípios básicos de uma pedagogia da
paz, dirigidos a eliminar os fatores de violência da educação e favorecer
os seguintes aspectos (URANGA, 1998):2

• O uso do diálogo, caracterizado pela troca de ideias através


de um processo de escuta ativa, de empatia, de abertura ao
outro e a autocrítica.
• A aprendizagem cooperativa: aprender a crescer juntos.
• A solução de problemas: aprender a procurar soluções pró-
prias, a pensar criticamente e de forma criativa.
• A assertividade: é fruto da aprendizagem de habilidades
comunicativas e solução de problemas que se realizam nos
programas de manejo de conflitos. Benefícios adicionais são
a autoconfiança, a autoafirmação e a autorregulação.
• O estabelecimento de normas e limites numa cultura insti-
tucional democrática e participativa.
• A abertura e empatia: atitude de estar aberto ao que o
outro expressa e deseja, tentar se colocar no seu lugar, ter
a oportunidade de vivenciar como diferentes pessoas perce-
bem aspectos distintos de uma mesma situação e sentir que
a opinião do outro é merecedora de respeito.
• A compreensão e o manejo da agressividade e da violência.
• A promoção de modos de confronto não violentos: sendo

2 A síntese tem o interesse de ter sido realizada por educadores inseridos na realidade
escolar do país basco, submersa num contexto de extrema violência.

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o confronto uma das formas de enfrentar um conflito que, às


vezes, se faz necessário, devemos oferecer meios e modelos
não violentos (GANDHI, MANDELA) para os adolescentes.

A resolução de um conflito deve contar com as partes diretamen-


te envolvidas: somente assim pode se garantir uma solução aceita,
sustentada e desenvolvida por todos. A mediação de terceiros é um
instrumento privilegiado.
Todos esses elementos questionam características de uma pedago-
gia tradicional que impedem o desenvolvimento pleno dos alunos como
indivíduos e seres sociais: autoritarismo, competitividade, passividade
ou impotência. A promoção de estratégias para a resolução de conflitos
no processo educacional tem como objetivo levar à prática esses prin-
cípios. Neste sentido, qualquer proposta de educação para a paz deve
ser propositiva e não repressora, no sentido de trabalhar e promover
os comportamentos pró-sociais das crianças e adolescentes envolvidos.

3. Comportamentos pró-sociais: trilha para a paz

Propostas para combater a violência em todas suas formas, es-


pecialmente as que causam maior alarme social, têm surgido desde
diferentes âmbitos, quase sempre adotando uma visão repressora
da violência e das pessoas supostamente causadoras dela: presença
permanente de policiais e a instalação de detectores de metais, a redu-
ção da idade penal, a reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente,
e até sua eliminação, a criminalização dos atos caracterizados como
“bullying” na escola, entre outras.
Com 95% dos educadores mineiros entrevistados na já citada
pesquisa do SINPRO, acredito que a violência na escola tem solução,
mas não é por meio da criminalização das vítimas que vai chegar.
Conforme já foi colocado, o fenômeno da violência é complexo e não
deve ser compreendido desde uma perspectiva negativa, repressora,
mas dialógica e proposicional, na linha de uma educação para a paz
que favoreça a manifestação de comportamentos pró-sociais no
âmbito educacional.
O chamado comportamento pró-social é um comportamento com-
plexo nos seus determinantes e manifestações, mas que, entendo, pode
e deve ser trabalhado no âmbito escolar como elemento básico numa
proposta de educação para a paz. De fato, a relação inversamente pro-

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

porcional entre comportamentos pró-sociais e comportamentos agres-


sivos e violentos é afirmada pelas pesquisas realizadas sobre o tema na
última década (CEREZO RAMÍREZ, 2002) de tal forma que é legítimo
deduzir que o aumento da probabilidade de ocorrência dos primeiros
leva a uma diminuição da probabilidade de ocorrência dos segundos.
As conclusões da minha tese, já citada, confirmam esta hipótese.
Uma revisão acurada da bibliografia disponível sobre o tema na
área da Psicologia Social nos leva a desenvolver três tópicos no presente
livro: o primeiro delimita o que entendemos por comportamento antisso-
cial, relacionando-o, especificamente com os comportamentos agressivos
e violentos que pretendemos inibir em nosso programa de intervenção;
o segundo define e caracteriza, a partir das contribuições de pesquisado-
res do campo da Psicologia Social, o que é considerado comportamento
pró-social e as variáveis associadas a ele; o terceiro relaciona o conceito
estudado com outro, na “moda” no pensamento psicopedagógico atual e
objeto de recentes e abundantes pesquisas: resiliência.

3.1 Comportamento antissocial: agressão e violência


Muitos termos têm sido empregados na literatura psicope-
dagógica para descrever crianças e adolescentes que apresentam
comportamentos antissociais. Por esta razão, para poder situar con-
ceitualmente melhor os comportamentos pró-sociais, se faz necessá-
rio um exercício de esclarecimento prévio. Questão, por outro lado,
nada fácil, pois conforme relata Jerome Kagan (2004), esta categoria
é heterogênea tanto nas suas manifestações, como nas suas origens
biológica e histórica.
No senso comum, antissocial tem o significado de comportamen-
tos que violam as normas da comunidade referentes ao respeito pela
vida e à propriedade alheia. No presente texto, adoto a caracterização
de Kazdin e Buela-Casal (1998), que entendem como comportamento
antissocial todo comportamento que infringe regras sociais, ou que
seja uma ação contra os outros, como condutas agressivas, furtos, van-
dalismo, piromania, mentira, ausência escolar e/ou fugas de casa. Para
ser considerado um transtorno de conduta, eles precisam apresentar
cronicidade e ocorrer em alta intensidade ou magnitude.
Para o DSM-IV TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtor-
nos Mentais 4a. ed. texto revisado),3 existe “transtorno de conduta”
na criança e do adolescente quando se dá:

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A. Um padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual


são violados os direitos individuais dos outros ou normas ou regras
sociais importantes próprias da idade, manifestado pela presença
de três (ou mais) dos seguintes critérios nos últimos 12 meses, com
presença de pelo menos um deles nos últimos seis meses:

a) Agressão a pessoas e animais:


(1) provocações, ameaças e intimidações frequentes;
(2) lutas corporais frequentes;
(3) utilização de arma capaz de infligir graves lesões corpo-
rais (p. ex., bastão, tijolo, garrafa quebrada, faca, revólver);
(4) crueldade física para com pessoas;
(5) crueldade física para com animais;
(6) roubo (p. ex., bater carteira, arrancar bolsa, extorsão, as-
salto);
(7) coação para que alguém tivesse atividade sexual consigo.

b) Destruição de patrimônio:
(8) envolver-se deliberadamente na provocação de incêndio
com a intenção de causar sérios danos;
(9) destruir deliberadamente o patrimônio alheio (diferente
de provocação de incêndio).

c) Defraudação ou furto:
(10) arrombar residência, prédio ou automóvel alheios;
(11) mentiras frequentes para obter bens ou favores ou para
esquivar-se de obrigações legais (ludibria pessoas);
(12) roubo de objetos de valor sem confronto com a vítima
(furto em lojas, mas sem arrombar e invadir; falsificação).
d) Sérias violações de regras:
(13) frequente permanência na rua à noite, contrariando
proibições por parte dos pais, iniciando antes dos 13 anos
de idade;

3
Este manual de classificação das doenças mentais foi elaborado pelos psiquiatras
da Associação de Psiquiatria Norte-americana, independentemente da classificação
elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o CID. É um manual de diag-
nósticos que passou a tomar importância a partir da 3a. edição, na qual foi adotada
uma postura descritiva das doenças (fenomenológica) sem qualquer conotação
etiológica ou explicativa, restringindo-se ao trabalho de descrever os sintomas e
agrupá-los em síndromes.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

(14) fugir de casa à noite pelo menos duas vezes, enquanto


vivia na casa dos pais ou lar adotivo (ou uma vez, sem
retornar por um extenso período);
(15) gazetas frequentes, iniciando antes dos 13 anos de idade.
B. A perturbação do comportamento clinicamente significativo do
funcionamento social, acadêmico ou ocupacional.
O DSM IV TR cita especificamente a palavra “antissocial” quando
o indivíduo tem 18 anos ou mais. Nesse caso, fala-se do “Transtorno
da Personalidade Antissocial”.
Para Laranjeira (2007), de acordo com o DSM IV TR, o transtorno
antissocial de personalidade é o diagnóstico que melhor tipifica a ca-
racterização dos indivíduos cujos comportamentos são predominante-
mente desviantes. Como a personalidade não está completa, antes dos
18 anos não se pode dar o diagnóstico de personalidade patológica para
adolescentes, mas a correspondência que existe entre a personalidade
antissocial e o transtorno de conduta é muito próxima. É importante
deixar claro que ao usar o termo “transtorno” e não “personalidade”
assumo a visão comportamentalista da questão e reafirmo a convicção
na possibilidade de reversão do transtorno. Isto significa me distanciar
das posições psicanalíticas que enxergam a questão como um problema
de estrutura psicológica, como psicopatologia.
De fato, a literatura sobre o tema (PACHECO, ALVARENGA, REP-
POLD, PICCININI e HUTZ, 2005), mostra que indicadores precoces do
comportamento antissocial têm sido detectados nos primeiros anos da
infância. Esses comportamentos, em um ambiente social estável, ten-
dem a persistir e a se agravar ao longo do desenvolvimento, podendo
consolidar-se na vida adulta. Sirva como ilustração o estudo realizado
por Farrington em 1995. Foi feito com jovens de 18 anos com um padrão
antissocial ligado a comportamentos como beber, fumar, utilizar drogas e
ter atividade sexual promíscua. Os pesquisadores constataram que esses
adolescentes já apresentavam problemas de comportamento, como men-
tir durante a infância, comportamentos agressivos na pré-adolescência
e envolvimento com roubo e outros delitos a partir dos 14 anos.
A outra grande referência psiquiátrica é o CID-104 (Código In-
ternacional de Doenças). Este manual dedica uma seção do capítulo

4 O CID, na sua 10a. edição, é a compilação de todas as doenças e condições médicas


conhecidas, elaborada pela Organização Mundial de Saúde. O capítulo V é dedicado
à psiquiatria.

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

V aos “transtornos do comportamento e transtornos emocionais que


aparecem habitualmente durante a infância ou a adolescência”. Neste
tipo de transtorno são enquadrados os “distúrbios de conduta”, carac-
terizados por padrões persistentes (seis meses ou mais) de conduta
dissocial, agressiva ou desafiante, que comporta grandes violações
das expectativas sociais próprias à idade da criança (é mais do que
travessuras infantis ou a rebeldia do adolescente).
O diagnóstico se baseia na presença de condutas do seguinte
tipo: manifestações excessivas de agressividade e de tirania; crueldade
com relação a outras pessoas ou a animais; destruição dos bens de
outrem; condutas incendiárias; roubos; mentiras repetidas; cabular
aulas e fugir de casa; crises de birra e de desobediência anormalmente
frequentes e graves. A presença de manifestações nítidas de um dos
grupos de conduta precedentes é suficiente para o diagnóstico, mas
atos dissociais isolados não o são.
Ainda, o CID-10, distingue os seguintes tipos de “distúrbio
de conduta”:

1. Distúrbio de conduta restrito ao contexto familiar: compor-


tamento dissocial ou agressivo que se manifesta exclusiva
ou quase exclusivamente em casa e nas relações com os
membros da família nuclear ou as pessoas que habitam
sob o mesmo teto (a presença de uma perturbação, mesmo
grave, das relações pais-filhos não é por isso só suficiente
para este diagnóstico).
2. Distúrbio de conduta não socializado: comportamento dis-
social ou agressivo persistente associado a uma alteração
significativa e global das relações com as outras crianças.
3. Distúrbio de conduta do tipo socializado: comportamento
dissocial ou agressivo em indivíduos habitualmente bem
integrados com seus companheiros. Incluem-se nesta cate-
goria condutas como: cabular aulas e delitos cometidos num
contexto de grupo.
4. Distúrbio desafiador e de oposição: comportamento provo-
cador, desobediente ou perturbador e não acompanhado de
comportamentos delituosos ou de condutas agressivas ou
dissociais graves.
5. Outros transtornos de conduta.
6. Transtorno de conduta não especificado.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

Apesar dos dois manuais deixarem clara a complexidade dos


chamados “transtornos” (DSM-IV tr) ou “distúrbios” de conduta, os
elementos essenciais são comuns:

• é um problema comportamental;
• persistente (no mínimo seis meses) de forma a constituir padrão;
• manifesta-se em condutas agressivas ou desafiantes; e
• viola direitos, expectativas e normas sociais próprias da idade.

Esta caracterização de “transtorno” ou “distúrbio” de conduta,


já está sendo contestada por pesquisadores, que entendem que se
refere apenas a comportamentos externos de agressividade, deixando
de lado aspectos emocionais importantes. Neste sentido, é ampliado
o campo conceitual. Estes usam o conceito de “comportamento
exteriorizado” em vez de “comportamento agressivo” (VAN DER VALK,
VERHULST, STROET e BOOMSMA, 1998): na primeira categoria é incluí-
do não somente o manifesto, como a agressão física e verbal, a mentira,
a rebeldia ou a delinquência, mas também padrões de pensamento
e sentimento, como atribuições hostis e irritabilidade.
Os pesquisadores Pacheco, Alvarenga, Reppold, Piccinini e Hutz,
após uma exaustiva revisão bibliográfica sobre o tema, constatam que
o termo antissocial é amplamente utilizado para fazer referência às
características comportamentais de vários tipos de transtornos mentais.
O conceito também tem sido usado para designar o caráter agressi-
vo e desafiador da conduta de indivíduos que, embora não tenham
o diagnóstico de um transtorno específico, apresentam problemas
comportamentais que causam prejuízos no seu funcionamento social.
Portanto, “o uso do conceito de comportamento antissocial não implica
necessariamente o estabelecimento de um único diagnóstico clínico,
mesmo porque muitos desses transtornos têm em comum a presença
de comportamentos antissociais como critério para o diagnóstico”
(PACHECO, ALVARENGA, REPPOLD, PICCININI, HUTZ, 2005, p. 55).
Segundo esses pesquisadores, as definições operacionais de
comportamento antissocial encontradas podem servir para caracteri-
zar a natureza desse padrão comportamental. Indivíduos considerados
antissociais apresentam os seguintes comportamentos: agressividade,
desobediência, oposicionismo, temperamento exaltado, baixo contro-
le de impulsos, roubos, fugas. Igualmente, esses comportamentos
podem ser agrupados de acordo com a definição de problemas de

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externalização e de internalização. Os primeiros estão relacionados


com a manifestação da agressividade, impulsividade e de comporta-
mentos delinquentes; os segundos estão ligados à depressão, ansie-
dade, retraimento social e queixas somáticas. Enquanto problemas
de externalização envolvem conflitos com o ambiente, problemas de
internalização envolvem conflitos com o self (WÂNGBY, BERGMAN e
MAGNUSSON, 1999).
O psicólogo norte-americano Gerald Patterson (1992), referência
de excelência na pesquisa do comportamento antissocial adolescente,
propõe que o padrão é adquirido na infância, na interação da criança
com a família e com o grupo de iguais. Causas biológicas e genéticas
estão envolvidas apenas em pequeno número de jovens violentos. O
foco das causas do comportamento antissocial aponta para a estru-
tura e interações familiares e práticas educativas, com os distúrbios
de aprendizagem, fracasso escolar e baixa autoestima. Assim tanto
o comportamento pró-social como o antissocial é aprendido nas in-
terações sociais, especialmente na família, e vai se consolidando em
função do desenvolvimento individual e das exigências ambientais.
Mais ainda, a aprendizagem do comportamento antissocial ocorreria
paralelamente a um déficit na aquisição de habilidades pró-sociais.
Esses pesquisadores definem o comportamento antissocial como
um padrão de resposta cuja consequência é maximizar gratificações
imediatas e evitar ou neutralizar as exigências do ambiente social.
Usando uma linguagem comportamentalista, poderíamos dizer que os
comportamentos antissociais são eventos aversivos e contingentes e
sua ocorrência está diretamente relacionada à ação de outra pessoa.
Isto é, a criança utiliza comportamentos aversivos para interromper a
solicitação ou a exigência do adulto. Neste sentido, Capaldi e Patterson
(1991) propõem que o construto antissocial seja avaliado considerando
tanto os comportamentos abertos, como brigar, desobedecer, xingar e
bater, quanto os comportamentos velados, como mentir, roubar, fugir
de casa e trapacear.
Com a finalidade de delimitar o campo de estudo, vou considerar
apenas as condutas violentas, externalizadas, entendidas como um
dos tipos de comportamento agressivo, categoria central na descri-
ção dos distúrbios comportamentais na infância e adolescência. Isto
é, conceitualmente, o comportamento antissocial é caracterizado por
condutas agressivas, mas não só. Mais ainda, nem toda conduta
agressiva é violenta.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

A violência aparece como um fenômeno complexo e, por esse


motivo, abrangê-lo como um todo se torna uma tarefa difícil. Sua com-
plexidade se deve, seguindo as conclusões das pesquisadoras Bastos
e Ristum (2004), a quatro aspectos: a polissemia de seu conceito e os
problemas de sua definição; a controvérsia na delimitação do objeto da
violência; a quantidade, variedade e interação de suas causas e, por
fim, a falta de consenso sobre a sua natureza. Schilling (2004) ainda
acrescenta mais um aspecto: as suas manifestações.
Como já escrevemos, encontrar uma definição de violência que
nos permita abranger todos esses aspectos é dificultoso, muito mais no
ambiente escolar onde termos correlatos como indisciplina permitem
níveis diferentes e mudanças de significação, pois os limites entre o
reconhecimento ou não do ato como violento são definidos pelos sujei-
tos em função de variáveis culturais e históricas. O conceito apresenta
diferentes sentidos, por seu significado vir, como adverte a psicóloga
Cleo Fante (2005), do seu contexto formador (social, econômico ou
cultural), de acordo com o sistema de valores adotado e m cada so-
ciedade e levando em conta o seu nível de tolerância com respeito
à violência. Contudo, o exercício conceitualizador deve ser feito.
Já foram apresentados neste texto os dois aspectos básicos que
Yves Michaud distingue em todo comportamento violento: intensida-
de e caráter de lesividade. Esses dois aspectos se fazem presente nas
definições de outros autores. Para Pacheco e Cunha (2007, p. 80), o
significado da palavra está em proximidade com “violação, dilaceração,
despedaçamento, agressão, desordem, além de aludir a quebra, ruptura
de um tabu, ultrapassagem de um limite, transgressão de uma proi-
bição, indo até a ideia de abuso de um corpo, falta de respeito, etc.”.
Também para Fante há violência quando alguém, voluntariamente,
usa da força para obrigar uma pessoa ou grupo a agir de forma
contrária à sua vontade, ou quando alguém é impedido de agir de
acordo com sua própria intenção, ou, ainda, quando é privado de
um bem. Daí que defina violência como “todo ato praticado de forma
consciente ou inconsciente, que fere, magoa, constrange ou causa dano
a qualquer membro da espécie humana” (FANTE, 2005, p. 157).
Tomando a última definição como referência, surge uma pergunta
básica para o educador: quais são os critérios usados para qualificar
um aluno como violento? Propositalmente, quero evitar dar uma
resposta, que é extremamente complexa, ao propor como variável
dependente a ser observada e trabalhada o número e o tipo de atos

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

violentos físicos registrados pelos professores. Note-se ainda, que estou


excluindo também a violência simbólica, mesmo reconhecidamente
presente no meio escolar, pela dificuldade de mensurar tal categoria.
Neste sentido, consideramos altamente ilustrativo da complexidade
e amplitude do fenômeno da violência escolar o texto de Oliveira e
Martins (2007, p. 90):

Há a “escola da violência” construída pela sociedade que mantém e fomenta


a violência estrutural que, por sua vez, difunde as demais formas de violên-
cia que os indivíduos vão aprendendo e assimilando em seu cotidiano, ora
sutilmente, ora abertamente. Tem-se a “violência na escola” que, como foi
demonstrado, acontece através da troca de agressões físicas e verbais entre
alunos ou alunos e professores assim como também existe a “violência da
escola”, a escola como reprodutora da ideologia dominante e das desigual-
dades sociais, empareda professores e alunos em suas normas, regras e leis,
impedindo-os de movimentar-se para direcionarem-se de forma autônoma
e, sobretudo, transformadora.

Mesmo sabendo que não é consenso na Psicologia Social, optei


por falar de comportamentos violentos, porque entendo que a violência
é um fenômeno que pode e deve ser erradicado, ao menos parcial-
mente, do ambiente escolar. Esta opção conceitual vai ao encontro da
concepção de paz que permeia os trabalhos pioneiros de Joham Galtung
(1996): a paz não é definida em termos de ausência de violência, mas
de forma positiva e dinâmica. A construção da paz implica movimento
contrário a todo tipo de violência. Desde a perspectiva de Galtung, a
paz seria a identificação e a resolução favorável de fenômenos carac-
terizados por algum tipo de violência que impedem o ser humano
alcançar seu pleno desenvolvimento. É o conceito de paz positiva,
pressuposto filosófico central da presente proposta psicopedagógica:

Se a ausência de guerra pode ser chamada de paz negativa, a ausência


de violência equivale à paz positiva, no sentido da justiça social, da har-
monia, da satisfação das necessidades básicas (sobrevivência, bem-estar,
identidade e liberdade), autonomia, diálogo, solidariedade, integração e
igualdade (FISAS, 2002, p. 26).

3.2 Comportamento pró-social: variáveis associadas


O chamado comportamento pró-social é entendido em Psicolo-
gia Social como “um comportamento útil, construtivo ou altruísta em
relação aos outros” (COON, 2006, p. 633). Evidentemente, sendo o foco

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

do estudo, é tarefa fundamental destrinchar o conceito a ponto de ficar


claro e ser útil para a pesquisa desenvolvida.
O comportamento pró-social, segundo a pesquisadora basca
Maite Garaigordóbil (2000), é um comportamento social positivo,
complexo, determinado por múltiplos fatores e que inclui quatro tipos
de atividades:

a) Atividades com objetos: oferecer, dar, compartilhar, intercambiar.


b) Atividades cooperativas: contribuir para um objetivo comum.
c) Atividades de ajuda: ajudar e ser ajudado.
d) Atividades empáticas: aproximação, conforto, consolo.

Já foram comentados os trabalhos do psicólogo comportamenta-


lista norte-americano Gerald Patterson em relação à origem relacional
do comportamento social. Para este autor, amplamente aceito na
comunidade científica, tanto o comportamento pró-social como o an-
tissocial é aprendido nas interações sociais, especialmente na família,
e vai se consolidando em função do desenvolvimento individual e das
exigências ambientais. Mais ainda: a aprendizagem do comportamento
antissocial ocorreria paralelamente a um déficit na aquisição de habi-
lidades pró-sociais.
Nesta perspectiva, Alysson Carvalho, ao estudar o comporta-
mento de cuidado entre crianças, nos oferece maiores subsídios so-
bre a natureza das inter-relações sociais na primeira infância e sua
influência no desenvolvimento de comportamentos sociais positivos.
Carvalho entende a sociabilidade como “a propriedade que têm certos
organismos de regularem e serem regulados pelos seus coespecíficos”
e a vida social como “alguma forma ou grau de regulação mútua entre
organismos da mesma espécie, criando fenômenos que estão fora dos
organismos individuais” (2000, p. 83). Assim, entende que as interações
pró-sociais entre crianças são importantes para o desenvolvimento
delas. Especificamente, Carvalho destaca o comportamento de cuidado,
isto é, aquelas interações em que a criança manifesta padrões que
imitam o comportamento adulto de cuidado e proteção, identificando
quatro subcategorias de cuidado:

1. Contato afetuoso: contato físico carinhoso com o outro (abra-


çar, beijar e afagar).
2. Entreter: chamar a atenção do outro com gestos, ruídos,

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objetos, fala ou contato físico, assim como pegar a outra


criança pela mão e se locomover, levando-a consigo.
3. Ajudar: fazer ou oferecer-se para fazer algo no lugar do outro,
em situação de dificuldade, ou não, e, ainda, de solicitar ajuda
de um terceiro para auxiliar a criança-alvo da ação de cuidado.
Também alimentar e vestir o outro, bem como aqueles relacio-
nados com a higiene pessoal: lavar, pentear e limpar.
4. Brincar de cuidar: todos os comportamentos anteriores que
apareçam em um contexto de brincadeira, caracterizado por,
pelo menos, um dos seguintes critérios:
i) Realização de atos, mas sem que um cuidado efetivo se
concretize.
ii) Estabelecimento de brincadeiras de faz de conta, em que
as crianças assumem papéis típicos de cuidadores ou de
alvos de cuidado.

Segundo Carvalho, este comportamento de cuidado emerge ao


redor do primeiro ano de vida, sendo influenciado por fatores ambien-
tais como composição familiar, grupo de companheiros e a natureza
da relação mãe/filho. Ao falar da relação entre pares, destaca que a
diferença de idade maior entre os parceiros (24 meses aproximada-
mente) ajuda o surgimento do comportamento com respeito aos mais
novos. Os mais velhos ajudam na socialização deles, virando cuidadores
auxiliares da mãe. Por razões culturais, as crianças do sexo feminino
estão mais inclinadas a desenvolver este padrão de conduta.
A pesquisa desenvolvida por Carvalho constata que as ocorrên-
cias do comportamento de cuidado dependem do tipo de contexto
socioafetivo em que o indivíduo se desenvolve e dos estímulos e
arranjos ambientais proporcionados. De fato, nos ambientes onde as
interações de cuidado de caráter afetuoso são estimuladas pelas edu-
cadoras, as crianças apresentaram maior frequência desse tipo de
comportamento. Igualmente, conclui que o exercício de todos os tipos
de comportamentos de cuidado é importante para o desenvolvimento
do indivíduo, na medida em que é uma oportunidade que lhe permite
exercitar suas habilidades pró-sociais, no plano real ou imaginário,
facilitando o exercício delas em idades posteriores.
Miller-Johnson e colaboradores (2002) estudaram o comportamen-
to social no desenvolvimento infantil e concluíram que a agressividade é
menos comprometedora do comportamento pró-social do que a rejeição

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

dos colegas. Em contrapartida, o comportamento pró-social é menor em


crianças que se apresentaram como agressivas e rejeitadas. Além disso,
observaram que os meninos apresentam maior nível de agressão e as
meninas apresentam-se como mais competentes socialmente.
Outro estudo significativo em relação ao gênero é de Wentzel
e Caldwell (1997). As duas pesquisadoras verificaram que compor-
tamentos antissociais têm maior estabilidade no tempo, quando
comparados com os comportamentos pró-sociais e que os meninos
apresentam maior número de comportamentos antissociais e as
meninas maior número de comportamentos pró-sociais. Além disso,
verificaram correlação significativa negativa entre agressividade e
comportamentos pró-sociais.
Estudos mais recentes, como o de Saud e Tonelotto (2005) fa-
zem uma revisão da literatura sobre o tema e afirmam que, se bem
existe uma diferença de gênero na manifestação dos comportamentos
antissociais, eles seriam explicados por questões culturais e educa-
cionais: meninos são criados para serem fortes e desaconselha-se
que demonstrem seus sentimentos; às meninas permitem-se maiores
comportamentos emotivos e maior expressão de sentimentos. Assim, as
meninas demonstram uma maior tendência a introjetar as dificuldades
e somatizá-las, enquanto os meninos apresentam maior frequência de
comportamentos agressivos. A conclusão do estudo é que não existem
diferenças para o comportamento pró-social quanto ao gênero entre
crianças, senão aquelas derivadas da influência sociocultural.
Se alguma conclusão aparece como evidente ao estudar a bi-
bliografia disponível sobre o tema, é que as relações que o indivíduo
estabelece no decorrer de seu desenvolvimento são preponderantes
para o desenvolvimento de comportamentos antissociais ou pró-sociais.
A influência da família é evidente: a socialização no contexto familiar
reflete no processo de construção de valores dos adolescentes (MO-
RÃES, 2007). Mas igualmente importante dentre essas relações, tal e
como Gerquelin e Carvalho (2007) destacam, está a que estabelece
com a escola que pode tornar-se tanto fonte de prevenção como de
intervenção no âmbito do comportamento antissocial.
Desde esta perspectiva, torna-se altamente ilustrativo o estudo
de Sheila Murta sobre os programas de prevenção a problemas emo-
cionais e comportamentais em crianças e adolescentes desenvolvidos
nos últimos 30 anos (2007). Na revisão da literatura norte-americana,
a autora destaca as evidências consistentes que apontam para os efei-

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tos benéficos sobre a redução de problemas sociais e emocionais dos


programas de prevenção primária estudados, assim como o aumento de
competências em crianças e adolescentes. Também destaca o formato
deles: grupos psicoeducacionais e grupos de solução de problemas
interpessoais, implementados na escola, em sessões semanais distri-
buídas num trimestre, com amostras maiores do que 100 participantes,
com delineamentos com randomização 5 e grupos de controle do tipo
não tratamento ou lista de espera. Igualmente, Sheila Murta revisa a li-
teratura brasileira sobre o tema, percebendo que, embora sejam ainda
poucos os estudos na área, nas publicações são descritos programas
focados no desenvolvimento de práticas educativas parentais saudá-
veis, habilidades sociais educativas, competências sociais em crianças
e habilidades de vida em adolescentes. Podemos extrair as seguintes
conclusões relevantes para o nosso tema de estudo:

• As teorias desenvolvimentistas sobre a resiliência, risco e


proteção embasam grande parte dos programas preventivos
em saúde mental para crianças e adolescentes.
• A gênese de problemas emocionais e comportamentais é
multifatorial e está vinculada a um conjunto de fatores de
risco da pessoa, da família e do ambiente social.
• O desenvolvimento de psicopatologias não depende apenas
dos fatores de risco, mas também dos fatores de proteção,
que moderam e diminuem o impacto negativo dos anteriores.
Entre eles, os mais importantes são: habilidades sociais, su-
cesso acadêmico, atividades extracurriculares, autoconceito
positivo, competência intelectual, práticas educativas parentais
saudáveis e suporte social.
• Sendo os fatores de risco e proteção similares para diferentes
problemas, é possível intervir em mais de um problema
simultaneamente. As intervenções multimodais são as mais
adequadas. A autora cita programas preventivos multicom-
ponentes focados na construção de um conjunto de compe-
tências, como: apego seguro com os pais, autorregulação de
emoções, competência acadêmica, envolvimento em atividades

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Procedimento de escolha aleatória da amostra a ser estudada.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

esportivas e culturais extracurriculares, competência social,


habilidades sociais, práticas educativas parentais saudáveis,
habilidades sociais educativas e educação pelo trabalho.
• Os programas preventivos devem iniciar-se com a familiari-
zação, com o contexto e obtenção da colaboração da comu-
nidade de modo que possam se sustentar ao longo do tempo.
• As intervenções devem ser implementadas o mais cedo pos-
sível antes da cronificação de fatores de risco e agravamento
dos sintomas.
• As intervenções devem ser mais ecológicas e menos indivi­
duais. Os programas dirigidos a múltiplos agentes de mu-
dança, como pais e professores, facilitam a generalização dos
efeitos entre ambientes, entre comportamentos e ao longo
do tempo.
• Os programas preventivos devem ter a implementação moni-
torada e os resultados avaliados ao longo do tempo (avaliação
de processo e delineamento longitudinal).
• O ciclo da pesquisa em prevenção deve seguir as seguintes eta-
pas: identificar o problema e sua prevalência; identificar fatores
de risco e proteção, implementar estudo piloto; implementar
estudo experimental; implementar intervenção em larga escala
para verificar validade externa; transformar a técnica da pes-
quisa em serviços comunitários e políticas públicas.

O estudo dos programas de prevenção a problemas emocionais e


comportamentais, com efeitos claramente benéficos no fortalecimen-
to dos comportamentos pró-sociais e no desenvolvimento pessoal e
social de crianças e adolescentes, já nos indica quais são as variáveis
atitudinais associadas a tais comportamentos. Dentre elas destacam-se
quatro: autoestima, expressão e compreensão de sentimentos a partir
de uma atitude empática, cooperação e resolução de conflitos.

A) Autoestima
É consenso entre os profissionais da Psicologia e a Pedago-
gia consultados na presente tese afirmarem a íntima relação entre
autoestima e comportamentos sociais. Toda pessoa possui uma ima-
gem de si própria que determina a avaliação que faz de si mesma e,
consequentemente, sua atitude e postura nas relações interpessoais.
O autoconceito é a compreensão que alguém tem de si próprio, é a

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Clemildo Anacleto da Silva, Manuel Alfonso Diaz Muñoz

imagem que faz de si mesmo, tanto do seu interior (personalidade)


como exterior (aspecto físico) e sua dimensão relacional. Logo, auto-
conceito é a autoimagem que influi na autoestima, isto é, na avaliação
que faz de si próprio. Esta avaliação determina de forma expressiva
o comportamento do indivíduo em relação aos outros.
A psicóloga Rosa Guitart (1998), que analisa a relação existente
entre autoestima dos adolescentes e condutas violentas, afirma que
a autoestima negativa pode provocar conflitos relacionados com a
aprendizagem escolar, com o professorado, com os companheiros ou
consigo mesmo, e pode levar aos comportamentos agressivos ou nega-
tivos. Simplificando, poderíamos dizer que o adolescente compensa a
sua insegurança e consegue se afirmar mostrando condutas agressivas,
conflitivas ou dissonantes perante seus colegas e os professores. Mas
também a autoestima fundada numa visão egocêntrica que provoca
uma avaliação distorcida por excesso das próprias capacidades pode
levar ao desprezo dos outros por “não estarem à altura”, e às atitudes
discriminatórias.
Uma adequada autoestima vai permitir que o adolescente:

• Sinta-se contente e seguro consigo mesmo, que conheça e


acredite nas suas capacidades, sinta-se protagonista das suas
conquistas e consiga uma autonomia que lhe permita estabe-
lecer limites e referências para se sentir seguro.
• Conheça suas capacidades (cognitivas, relacionais e afetivas)
e limitações pessoais e aceitação das mesmas.
• Estabeleça finalidades que apontem para a superação pessoal.
• Aumente a capacidade de esforço pessoal e resistência à
frustração.
• Vivencie uma relação correta com os outros que lhe permita
entendê-los, interessar-se pelos seus problemas e ficar dis-
ponível para ajudá-los e colaborar com eles.
• Respeite e valorize positivamente a diversidade.
• Favoreça sua integração nos diferentes grupos sociais aos
quais pertence de uma forma crítica e construtiva.

Dentre as consequências positivas de uma autoestima adequada,


destaco o aumento da resiliência, definida como “a capacidade de pesso-
as, grupos ou comunidades minimizar ou superar os efeitos nocivos das
situações difíceis” (MALDONADO, 1998). As pessoas resilientes passam

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

por esses momentos difíceis sem se desestruturar, pois conseguem criar


novas soluções, ter determinação e força para enfrentar as dificuldades,
saber procurar e pedir ajuda eficiente. Elas sabem fazer da crise um
desafio e do conflito uma oportunidade de crescimento.

B) Expressão e compreensão de sentimentos a partir de uma atitude


empática
Empatia é a capacidade de “pôr-se no lugar do outro”, de sentir
como está: suas preocupações, expectativas, necessidades e realidade.
A probabilidade de ajudar é muito maior quando conseguimos ver
do ponto de vista dos outros e ser solidários com seu problema. A
pessoa estará mais motivada para ajudar na medida em que perceba
a pessoa com problemas mais semelhante a ela própria. Talvez por
isso estar de bom humor também aumenta a probabilidade de ajuda.
Assim, quando nos sentimos bem- sucedidos, felizes ou afortunados,
nos sentimos mais ligados aos outros.
Temos maior probabilidade de ajudar uma pessoa em apuros
quando nos solidarizamos com essa pessoa e sentimos emoções como
empatia, solidariedade e compaixão. Igualmente, as pessoas que veem
os outros ajudando têm mais probabilidade de se oferecer para ajudar.
Além disso, aquelas que prestam ajuda a determinada situação tendem
a se ver como prestativas. Essa mudança na autoimagem incentiva-as
a ajudar em outras situações. Outro ponto é que as normas da justiça
nos incentivam a ajudar aqueles que nos ajudaram. Por todos esses
motivos, ajudar os outros não só os auxilia diretamente, mas incentiva
os outros a ajudarem também.
Para poder perceber e entender o ponto de vista alheio, assim
como para dar a conhecer o meu, precisamos saber expressar nossos
sentimentos e saber interpretar os sentimentos dos outros. Manter o
nível de receptividade elevado de forma a entender as necessidades
e vivências dos outros e se sentir motivado pela sua realidade é im-
prescindível para o desenvolvimento da empatia. É a capacidade
de reconhecer e expressar emoções e sentimentos. Neste sentido, o
educador Jacques Vigneron (1989, p. 32) reforça: “Toda solução de
conflitos (...) começa com o reconhecimento do que eu sinto; o assumir
esse sentimento e depois exprimi-lo para o grupo”.
Conforme Paludo e Koller (2006) indicam, as emoções servem
a uma variedade de funções na vida diária, chamando a atenção das
pessoas para eventos importantes, motivando-as e dirigindo-as a sub-

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sequentes comportamentos. Além disso, ajudam a pessoa distinguir


características morais em determinados contextos, motivam o com-
portamento moral e revelam os valores morais e a preocupação com
os outros (tendências de comportamentos pró-sociais). As emoções
positivas ampliam os repertórios de pensamento e ação, atuando como
“reserva”, que lembra e motiva novos comportamentos positivos. As
pesquisadoras, também, constatam que os recursos pessoais promo-
vidos pela expressão das emoções positivas são duradouros. Por isso,
as estratégias dos programas de intervenção devem priorizar experi-
ências que promovam a vivência e partilha de emoções positivas, de
forma que esta dinâmica, em espiral, amplie o repertório de ações e
pensamentos positivos dos indivíduos, construindo recursos pessoais
novos, entre eles, a resiliência.
As habilidades comunicacionais estão na base de uma adequa-
da expressão e compreensão de sentimentos a partir de uma atitude
empática. A afirmação de Maria Tereza Maldonado (1998, p. 112) de
que “uma das maneiras mais eficazes de fazer a prevenção da violên-
cia na família e na escola é concentrar esforços na ampliação de
recursos de comunicação, visando a construção da paz” é amplamente
aceita por todos os autores consultados para a elaboração do presente
texto. No caso dos adolescentes, se revela especialmente útil, pois a
verbalização é o meio pelo qual o aluno vai poder formular o que
não está dado no momento presente, o que transcende o aqui e agora
e o aproxima de um modo mais comprometido de viver sua realida-
de. Principalmente sua realidade social, tão marcada pela referência
dos iguais. É o terreno propício para desenvolvermos sua capacidade
facilitadora de comunicação positiva, tanto na dinâmica interativa do
dia a dia quanto em situações significativas.
Trata-se de tornar os sujeitos protagonistas ativos na construção
dos próprios valores por meio de um “profundo processo de trans-
formação dos valores, das normas e dos direitos morais existentes,
articulado a um não menos profundo processo de construção de uma
capacidade de questionamento e de reflexão” (GENTILI e ALENCAR,
2001, p. 94) criando espaços de diálogo, compreensão mútua, solidarie-
dade, cooperação, integração coletiva, discussão objetiva de conflitos. O
trabalho das habilidades comunicativas vai lhe possibilitar estabelecer
uma relação enriquecedora e construtiva com os outros que lhe permita
entender a diferença. Também vai favorecer uma integração positiva e
construtiva nos diferentes grupos sociais aos quais pertence.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

Um dos conceitos mais usados na área é o de feedback. Geral-


mente, sua tradução para o português se dá por realimentação. Em
geral, é utilizado na eletrônica. No processo de desenvolvimento da
competência interpessoal, é definido como um processo de ajuda para
mudança de comportamento; é comunicação a uma pessoa, ou grupo,
no sentido de fornecer-lhe informações sobre como sua atuação está
afetando outras pessoas (MOSCOVICI, 1994). O feedback torna-se uma
forma de ajuda a outra pessoa ou ao grupo, considerando a possibili-
dade de mudança na conduta. Consiste na informação verbal ou não
verbal, dirigida a outra pessoa ou grupo, tornando-a ciente como
sua conduta nos está afetando (FRITZEN, 2000). O desenvolvimento
da competência interpessoal exige a aquisição e o aperfeiçoamento de
certas habilidades de comunicação para facilitar a compreensão mútua,
que precisam ser treinadas e praticadas constantemente. Algumas ha-
bilidades são recursos valiosos para um feedback útil. São elas:

• Paráfrase: é dizer, com suas próprias palavras, aquilo que


o outro disse, mostrar ao outro o significado daquilo que
você apreendeu do que ele disse. Envolve atenção, escuta
ativa e empatia. Ela aumenta a precisão da comunicação e
a compreensão mútua e, além disso, transmite o sentimento
de interesse e cuidado com o outro.
• Descrição de comportamento: consiste em relatar as ações
específicas, observáveis, dos outros, sem fazer julgamentos
ou generalizar seus motivos ou traços de personalidade; em
informar a que comportamento se reage por meio de uma
descrição clara, objetiva e específica; em descrever evidências
visíveis, comportamentos acessíveis à observação de todos,
sem acrescentar nenhum julgamento de valor nem fazer
acusações ou generalizações; em aprimorar a capacidade de
observação do que realmente ocorre.
• Verificação de percepção: refere-se a dizer sua percepção
sobre o que o outro está sentindo, para verificar se você está
compreendendo adequadamente também seus sentimentos e
não meramente o conteúdo. Muitas vezes, o emissor não está
consciente dos sinais não verbais que emite, que transmitem
mensagens emocionais que podem facilitar ou atrapalhar a
mensagem principal.

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• Descrição de sentimentos: consiste em identificar ou especi-


ficar sentimentos verbalmente, por meio do nome do senti-
mento (“gosto de você”), de figuras de linguagem (“sinto-me
um pássaro aprisionado”) ou de impulso de ação (“tenho
vontade de abraçar”).

C) Cooperação
É a capacidade de trabalhar em prol de uma meta comum, de
resolver problemas em conjunto. Neste sentido, tem a ver com a soli-
dariedade e a organização. O contato não é suficiente para superar o
conflito, é necessário o contato cooperativo. A cooperação tem efeitos
especialmente positivos quando leva as pessoas a definirem um novo
grupo abrangente que dissolve seus grupos anteriores. Transformar
“nós e eles” em “nós”, eliminar o binômio ganhador x perdedor, próprio
de uma sociedade competitiva.
Foram as pesquisas de Morton Deutsch, em 1949, sobre o com-
portamento das pessoas em grupos pequenos, que motivaram muitos
educadores desde os anos 70 a aprofundar no tema dos efeitos e
aplicar os princípios da aprendizagem cooperativa na escola com re-
sultados positivos. Esse p sicólogo social norte-americano, discípulo
de Kurt Lewin, procurou aplicar a teoria da motivação dele às situações
interpessoais. Os estudos dele têm orientado a pesquisa educacional
ao estudar as três estruturas de organização do grupo: individualista,
competitiva e cooperativa. A primeira é caracterizada pelo trabalho
solitário de um/a aluno/a que persegue uns objetivos independentes
e não relacionados com os de outros. Na segunda, os objetivos dos
sujeitos são tão distantes e contrários que a consecução deles por um
indivíduo exige a não consecução dos objetivos dos outros. Na estru-
tura cooperativa, os objetivos são alcançados se, e somente, todos os
sujeitos o conseguem.
As hipóteses fundamentais da aprendizagem cooperativa (BRO-
WN, 2004) são:
• Os indivíduos em situações cooperativas consideram que
a realização de seus objetivos é, pelo menos parcialmente,
consequência das ações dos outros participantes.
• Os membros dos grupos cooperativos valorizam mais as ações
dos companheiros que favorecem o objetivo comum e reagem
menos negativamente perante ações contrárias a esse objetivo.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

• Os indivíduos, em situações cooperativas, são mais sensíveis


às solicitações dos companheiros.
• Os membros dos grupos cooperativos ajudam-se com mais
frequência.
• Após um tempo, registra-se uma frequência maior na coor-
denação de esforços em situações cooperativas.
• A homogeneidade na quantidade de contribuições é maior
nas situações cooperativas.
• A especialização numa atividade é maior nos grupos cooperativos.
• Existe maior pressão para agir nos grupos cooperativos.
• Numa situação cooperativa os participantes emitem maior
número de sinais.
• Nos grupos cooperativos existe maior aceitação da interco-
municação.
• A produtividade, em termos qualitativos, é maior num grupo
cooperativo.
• Nos grupos cooperativos, existe maior manifestação da ami-
zade entre os membros.
• Os membros dos grupos cooperativos avaliam sua produção
mais favoravelmente.
• Nos grupos cooperativos se registra um percentual maior de
funções coletivas.
• Os membros dos grupos cooperativos consideram que são
mais capazes de produzir efeitos positivos sobre os compa-
nheiros de grupo.

Outra referência indiscutível sobre os efeitos que produz a es-


trutura cooperativa nos processos educativos são os irmãos David e
Roger Johnson (1989), que destacam, principalmente, o intercâmbio e
a interação entre os membros de grupos cooperativos. Segundo suas
pesquisas, estes se caracterizam por oferecer apoio e ajuda, trocar re-
cursos, processar mais eficientemente a informação, oferecer modelos
de comportamento, questionar conclusões e refletir criticamente para
melhorar o processo grupal, atuar com confiança, estar especialmente
motivados e possuir um baixo nível de angústia e estresse.
Na escola, a organização cooperativa do grupo classe tem con-
sequências importantes. Estruturas de aprendizagem cooperativa
promovem resultados pessoais e sociais positivos, como habilidades
de liderança, comunicação e habilidades para manusear conflitos,

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interações positivas, sentimentos de aceitação psicológica, tomada


de perspectiva, autoaceitação e alta autoestima. Outros benefícios
incluem expectativa de recompensa, interações futuras agradáveis e
prazerosas com colaboradores.
O poder da atividade cooperativa para transformar antigos
inimigos em amigos, levou alguns psicólogos a recomendarem maior
intercâmbio e cooperação internacional (KLINENBERG, 1984), partin-
do do pressuposto de que à medida que nos envolvemos em trocas
mutuamente vantajosas e nos tornamos mais cientes de que nossas
esperanças e nossos medos são partilhados, podemos mudar percep-
ções equivocadas que levam a fragmentação e o conflito para uma
solidariedade baseada em interesses comuns.
A importância deste construto levou alguns profissionais da
Psicologia Social a criar uma área específica de estudo e intervenção
chamada Psicologia Transformativa, que tem como objeto “o estudo
profundo dos aspectos intrapsíquicos, interpessoais, institucionais e so-
ciais de cooperação” (RICCI, 2003, p. 230). A Psicologia Transformativa
define uma área de estudo, a natureza da consciência (individualista
ou do bem comum) e sua relação com estruturas e processos sociais,
e uma área de intervenção, a facilitação da passagem do primeiro tipo
de consciência ao segundo e a construção de estruturas sociais mais
justas e igualitárias. Sendo assim, considero a pesquisa que estou de-
senvolvendo participativa desta área da Psicologia Social.

D) Resolução de conflitos
Quando a tensão e a desconfiança aumentam, a cooperação
e a comunicação podem se tornar inúteis. Quando os conflitos se
intensificam, as imagens tornam-se mais estereotipadas, a comunica-
ção mais difícil e os julgamentos mais rígidos. Terceiras partes neutras
podem sugerir propostas que seriam rejeitadas se um dos lados as
oferecesse. É a chamada “mediação”.
Entendemos mediação como um mecanismo de resolução alter-
nativo de conflitos baseado num sistema de negociação assistida em
que “as partes envolvidas em um conflito tentam resolver tudo por
si mesmas, com ajuda de um terceiro imparcial, que atua como um
condutor auxiliando as pessoas a encontrar uma solução que seja
satisfatória para ambas as partes” (CALAZANS, 2003, p. 88). As van-
tagens deste sistema são evidentes: a presença do mediador neutraliza
os comportamentos agressivos, é testemunha dos acordos e compro-

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

missos, a credibilidade dele é maior e é portador de atributos que


as partes em conflito assumem quando a raiva não domina como
escutar, dialogar, não desprezar ou procurar soluções. Exemplos em
escolas de vários países atestam o êxito deste sistema, mas parece claro
que cada escola deve partir do seu próprio diagnóstico dos conflitos
mais presentes no seu contexto para ter um programa de mediação
não violenta construído a partir da sua realidade.
O treinamento de técnicas de negociação, mediação e resolução
de conflitos, de fato, é um dos instrumentos mais efetivos na promoção
de comportamentos pró-sociais. Por isso entendemos que os processos
de controle da resposta agressiva são um dos eixos básicos numa
proposta de gestão não violenta dos conflitos. Segundo Marta Burguet
(1999, p. 167), “o controle do próprio comportamento supõe a in-
tenção de buscar coerência entre o juízo e a ação, adquirir os hábitos
desejados e construir voluntariamente as próprias predisposições
comportamentais de acordo com os valores assumidos”.
O psicólogo social Charles Osgrood defende a estratégia de “Ini-
ciativas Graduais e Recíprocas na Redução de Tensão” (GRIT – Gra-
tuated and Reciprocated Initiatives in Tension-Reduction). Ao aplicar
GRIT, em primeiro lugar, uma das partes anuncia o reconhecimento
de interesses mútuos e a intenção de reduzir tensões. Depois, inicia
um ou mais atos conciliatórios. Sem enfraquecer a capacidade de re-
taliação de um dos lados, abre-se a porta para que o outro retribua. O
próximo passo depende da resposta da outra parte, respondendo-se
da mesma maneira. Em experimentos de laboratório (LINDSKOLD e
HAN, 1988) se tem mostrado a estratégia mais eficaz conhecida
para aumentar a confiança e a cooperação: um pequeno gesto (sorriso,
toque, pedido de desculpa) pode provocar um grande efeito. A con-
ciliação permite que as partes envolvidas desçam a escada da tensão
para um degrau mais seguro, no qual possa iniciar-se a comunicação
e compreensão mútua.

3.3 Resiliência e comportamento pró-social

De acordo com estudos realizados, o perfil de pessoas resilientes é com-


posto de um conjunto de características que podem ser desenvolvidas por
qualquer um de nós, tais como: fazer planos realistas e perseverar em sua
concretização; possuir uma autoimagem positiva; ter confiança em suas
próprias forças e habilidades; expressar seus sentimentos; controlar sen-
timentos e impulsos fortes; resolver problemas (SCRIPTORI, 2007, p. 37).

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Este texto de Carmen Scriptori é a ponte perfeita entre os con-


ceitos de pró- sociabilidade e resiliência. Analisando as características
próprias do comportamento pró- social e do comportamento resiliente,
percebemos que, praticamente, são idênticas. É uma mesma realidade
estudada desde diferentes perspectivas. O fenômeno dos comporta-
mentos pró-sociais é estudado pela Psicologia Social e o fenômeno
da resiliência pela Psicologia Educacional e a Pedagogia. Apesar da
evidência desta relação, não é fácil encontrar textos que a explicitem,
pois ainda se enxergam como campos conceituais diferentes.
O termo resiliência vem, originariamente, da física: é a “pro-
priedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é
devolvida quando cessa a tensão causadora da deformação elástica”,
conforme define o dicionário Novo Aurélio. Sendo assim, pode ser
identificado com flexibilidade. Um dos precursores do estudo da
resiliência, o psiquiatra Michael Rutter (1999, p. 119), define desde
a Psicologia o conceito: “fenômeno em que se supera o estresse e as
adversidades”. Contudo, esclarece que não é um traço individual,
mas um conjunto de processos pessoais e sociais que acontecem em
determinado período e que combinam de forma benéfica, atributos da
criança, da sua família e do ambiente sociocultural. Nesta linha, Mo-
raes e Rabinovich ( 1996), após estudo da literatura recente sobre
o tema, mencionam três fontes de resiliência:

1) Atributos da criança:
a) Ausência de deficiências orgânicas.
b) Temperamento fácil.
c) Idade precoce por ocasião do trauma.
d) Ausência de perdas e separações precoces.

2) Atributos do ambiente:
a) Maternagem competente:
(a) Resposta adequada às necessidades da criança.
(b) Oportunizar modelos de comportamento.
(c) Propiciar o desenvolvimento da criatividade e expressi-
vidade.
b) Boa rede de relações informais.
c) Apoio social formal (educação).
d) Atividade organizada.
e) Ter fé.

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3) Atributos do funcionamento psicológico da criança:


a) Inteligência e capacidade de resolver problemas.
b) Autonomia ou lócus interno de controle.
c) Boa autoestima.
d) Empatia.
e) Desejo.
f) Capacidade de planejamento.
g) Senso de humor.

O enfoque da resiliência está centrado no estudo do desenvol-


vimento sadio e positivo da criança, ser atuante frente ao ambiente:
quanto mais resistente às condições desfavoráveis e estressantes es-
tiver, tanto mais ativamente atuará sobre o ambiente e desenvolverá
estratégias positivas para o seu desenvolvimento sadio. Assim, além
de podermos compreender as situações estressoras, os estudos sobre
resiliência permitem investigar os aspectos que minimizam os efei-
tos recorrentes dessas situações, porque ela “rompe com a noção de
que o indivíduo se encontra preso a um ciclo sem saída” (POLETTO
e KOLLER, 2006, p. 40). Um crescente número de estudos nesta área
(HENDERSON e MILSTEIN, 2005) questiona a ideia de que o estresse
e o risco (incluindo abusos, perdas e abandono, ou, simplesmente, as
tensões diárias) condenam de forma inevitável as pessoas a adquiri-
rem psicopatologias ou a perpetuar ciclos de pobreza, abuso, fracasso
escolar ou violência.
Segundo as pesquisadoras Aznar-Farias e Oliveira-Monteiro
(2006), termos como competência social, comportamentos pró-
-sociais, competência sociocognitiva, condutas socialmente adap-
tadas, resiliência, muitas vezes usados como sinônimos, pertencem
aos novos esquemas chamados de modelos de competência e que
são resultado da ênfase na conceituação positiva de saúde, em sua
doutrina da proteção e promoção. Neste sentido, enfatizam as duas
pesquisadoras, pró-sociabilidade e resiliência são termos que vêm
se tornando uma forte referência da denominada Psicologia Positiva,
que, em oposição à psicologia tradicional, e sua ênfase nos aspectos
psicopatológicos, buscam compreender os aspectos potencialmente
saudáveis dos seres humanos.
A Psicologia Positiva procura entender os processos e fatores que
favorecem o desenvolvimento psicológico sadio e os elementos que
fortalecem a construção de competências nos indivíduos (SELIGMAN e

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CSIKSZENTMIHALYI, 2001).6 Coloca a necessidade de pesquisas sobre


os aspectos positivos da existência humana como esperança, criativi-
dade, coragem, sabedoria, espiritualidade ou felicidade. Conhecer
essas forças pessoais e virtudes pode levar a uma abertura para tudo
o que há de positivo e saudável no ser humano e nas instituições,
a um florescimento (flourishing) das pessoas. Desta perspectiva, são
identificados os três pilares para a Psicologia Positiva:

1. Experiência subjetiva: estudos relacionados com experiências


positivas ocorridas no passado (bem-estar subjetivo e emo-
ções positivas); no presente (felicidade e transcendência); no
futuro (esperança e otimismo).
2. Características individuais – forças pessoais e virtudes:
estudos relacionados com as capacidades para o amor, perdão,
espiritualidade, talento e sabedoria.
3. Instituições e comunidades: são estudos sobre as virtudes
cívicas e instituições, que favorecem a cidadania, pelo for-
talecimento da responsabilidade, altruísmo e tolerância e na
ética do trabalho.

Por ser uma área relativamente nova de pesquisa ainda, no Bra-


sil, são encontrados poucos estudos científicos ou publicações sobre o
tema. E nos Estados Unidos, conforme reconhecem os pesquisadores
Gable e Haidt (2005), somente nos dois primeiros “pilares” há produ-
ção científica significativa. Essa constatação fortalece a necessidade de
pesquisas sobre os comportamentos pró-sociais no meio escolar. De
fato, os fundamentos teóricos da Psicologia Positiva vão ao encontro
do pressuposto central deste ensaio: a estratégia fundamental para
combater a violência no meio escolar não passa pelo castigo ou a
repressão, passa pela educação, pelo trabalho das habilidades básicas
do comportamento pró-social da criança e o adolescente, incompatível
com o comportamento violento.
Além da Psicologia Positiva, a maioria dos estudos brasileiros so-
bre resiliência trabalha com a teoria bioecológica do desenvolvimento
humano de Bronfenbrenner (1998). Essa teoria estuda interconexões
ambientais e seu impacto sobre as forças que afetam o crescimento

6 Martin Seligman, em 1998, quando assumiu a presidência da American Psychological


Association (APA), iniciou o movimento chamado Psicologia Positiva.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

psicológico. Concebe o desenvolvimento a partir da interação dinâmica


de quatro elementos: o contexto, a pessoa, o tempo e o processo.

a. O contexto é organizado de forma concêntrica em quatro níveis


ambientais. No primeiro nível, o microssistema, ocorrem os
processos proximais pela presença de outros significativos.
É o espaço dos papéis e relações pessoais. No mesosistema,
o segundo, acontece a relação entre os microssistemas que
uma pessoa frequenta. No exosistema, o terceiro, se incluem
os ambientes que, embora não são frequentados pelo indiví-
duo, influenciam seu desenvolvimento (comunidade, rede de
apoio social...). Por último, o macrossistema, é o conjunto de
ideologias, valores, crenças, formas de governo e culturas que
influenciam o indivíduo.
b. A pessoa: suas características influenciam fortemente a direção
e os processos dos conteúdos proximais. São destacadas três:
força (disposições comportamentais geradoras ou desorgani-
zadoras dos processos), recursos biopsicológicos (experiências,
habilidades e conhecimentos) e demandas (atributos pessoais
capazes de impedir ou provocar reações do ambiente social).
c. O tempo: influencia no desenvolvimento por meio das mu-
danças e continuidades características do ciclo vital. Distingue
o microtempo (pequenos intervalos), o mesotempo (dias,
semanas, meses) e o macrotempo (gerações). Ainda destaca
as transições normativas (escola, puberdade, casamento) e
as não normativas (imprevistas).
d. O processo (conceito central): os processos proximais são
formas particulares de interação organismo-ambiente (inclui
outras pessoas, objetos e símbolos) que operam ao longo do
tempo e impulsionam o desenvolvimento humano. A compe-
tência se dá quando o indivíduo adquire conhecimentos, habi-
lidades e capacidades que lhe permitem direcionar e controlar
seu comportamento. Quando existe dificuldade nesse controle
se dá a disfunção.

A principal contribuição da teoria bioecológica do desenvol-


vimento humano de Bronfenbrenner é que se enfatizam “as pecu-
liaridades desenvolvimentistas experienciadas pelos indivíduos que se
desenvolvem em determinado contexto e não os déficits encontrados

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quando relacionados comparativamente com outros indivíduos que


vivem em contextos culturalmente esperados” (POLETTO e KOLLER,
2006, p. 29). Isto permite estudar o desenvolvimento humano de forma
contextualizada. E, por conseguinte, planejar e executar intervenções
também contextualizadas.

4. É possível educar para a paz na escola?


Esta é a pergunta que, em última instância, nos interessa mais como
educadores. É atribuída a Gandhi a frase “não há caminho para a paz, a
paz é o caminho”. A paz não é um objetivo a ser alcançado nem um estado
de bem-estar definitivo. É caminho, é processo, é dinâmica, é movimento,
é vida... E para fazermos junto aos nossos adolescentes esse percurso,
não existem fórmulas mágicas nem receitas milagrosas. Há caminhos que
podem e devem ser trilhados para a construção da paz na escola.
Esses caminhos aparecem apontados nas conclusões derivadas de
uma pesquisa realizada em quatro escolas da Região Metropolitana de
Belo Horizonte no ano de 2009 (MUÑOZ, 2011) a partir da hipótese ini-
cial de que na medida em que educarmos comportamentos pró-sociais
na escola inibiremos os comportamentos violentos. O objetivo geral
era investigar os fatores que, numa proposta de educação para a
paz, favorecem o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais nos
adolescentes e evitam comportamentos violentos no contexto escolar
através da avaliação dos efeitos de um programa de intervenção psi-
copedagógica concreto trabalhado com 151 adolescentes, com idades
compreendidas entre os 13 e os 16 anos dessas quatro escolas (duas
públicas e duas particulares) de março a novembro de 2009.
Do ponto de vista quantitativo, foi trabalhado um delineamento
experimental multigrupo de medidas repetidas pré-teste/pós-teste
em cinco turmas das quatro escolas participantes onde foi aplicado
o programa de intervenção proposto. O programa de intervenção é a
variável independente, enquanto que as variáveis dependentes foram:
o autoconceito, as estratégias cognitivas para a resolução de proble-
mas, expressão e compreensão de sentimentos, os comportamentos
cooperativos, as ideias preconceituosas, a ansiedade e as condutas an-
tissociais. Paralelamente, foi feita uma análise qualitativa do programa
usando técnicas observacionais específicas.
O programa de intervenção foi construído na base de dinâmicas
de grupo selecionadas em função dos objetivos propostos na inves-

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

tigação e distribuídas em quatro áreas de ação de acordo com as


variáveis a serem trabalhadas: autoconceito, expressão/compreensão
de sentimentos, relações de cooperação e resolução de conflitos. As
sessões foram realizadas na sala de aula no horário disponibilizado
semanalmente na grade curricular pelo mesmo professor. O professor
da turma foi treinado e acompanhado no trabalho com as dinâmicas,
executadas da mesma forma: objetivos – instruções – ação – discussão
durante os nove meses que durou a experiência.
Após análise dos dados durante o ano de 2010, as conclusões da
pesquisa apontam novas possibilidades na proposta de uma educação
para a paz:

1. A escola aparece como o lugar privilegiado de encontro,


diálogo, resolução pacífica de conflitos, de construção de
subjetividades a partir de uma abordagem criativa e enrique-
cedora do conflito intra e interpessoal. A educação nos valores
deve ter seu espaço definido no âmbito escolar, já que tem
sentido uma educação moral hoje desde um enfoque integral
e solidário. A partir do trabalho na sala de aula, é possível
atingir outros âmbitos e espaços de convivência. Destacam-se
na pesquisa um sujeito e um espaço determinados:
• O adolescente. A etapa da adolescência é particularmente
sensível do ponto de vista social e psicopedagógico; por
isso é também um momento ímpar para trabalhar valores e,
especialmente, o tema da paz.
• A disciplina de Ensino Religioso, que pode ser ressignifi-
cada e valorizada, especialmente na rede pública de ensino, a
partir de uma proposta de educação para a paz que favoreça
elementos inter-religiosos e interculturais. A metodologia
deve ser coerente e motivadora, fazendo que a participação,
a flexibilidade, a criatividade e a ludicidade caminhem juntas.
O uso planejado e adequado de técnicas e dinâmicas de grupo
favorece o engajamento dos adolescentes nas aulas. Na ava-
liação final, 81% dos alunos manifestaram querer continuar
com o programa. No caso das escolas públicas, 100%.

2. O fenômeno da violência escolar é complexo, multifatorial e


pluricasual, superando os muros e possibilidades da escola
e até questionando o próprio sistema educacional, que não

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é capaz de responder às necessidades das nossas crianças


e jovens. Os tipos de violência física e simbólica exercidos,
assim como os atores envolvidos, são diversos. Não existe
uma única variável responsável da violência nas escolas. São
múltiplas e estão inter-relacionadas. A partir da identificação
dos fatores causadores de violência, é possível criar progra-
mas de intervenção nos diferentes âmbitos e com os diversos
atores envolvidos: comunidade externa, família, educadores
e alunos. Na investigação, agruparam-se os dados coletados
em quatro conjuntos de variáveis:
• Familiares: carência de estruturas que sejam referência cla-
ra para o adolescente e que lhe deem sentido de pertença,
práticas de disciplina inconsistentes, uso da violência na
resolução de conflitos familiares e de castigos corporais e o
isolamento social da família.
• Escolares: entorno escolar violento e pequeno envolvimento
da comunidade, infraestrutura física deficiente ou deteriora-
da, dinâmica violenta nas relações interpessoais, estrutura
pedagógica insuficiente ou inadequada, especialmente a falta
de critérios disciplinares claros e compartilhados por todos
os segmentos da comunidade escolar e educadores pessoal e
profissionalmente desvalorizados e desmotivados. Este quadro
é especialmente grave nas escolas da rede pública de ensino.
• Socioeconômicas e culturais: entorno socioeconômico deprimi-
do e violento e baixo nível de escolaridade no entorno familiar.
• Comportamentais: adolescentes com idade superior à média
do grupo, do sexo masculino e de baixo rendimento escolar,
com uma atitude negativa com respeito à escola, alto nível
de ansiedade, baixo autocontrole e autoestima, escassa ca-
pacidade de expressão e análise de sentimentos próprios e
alheios, baixa assertividade, reduzida capacidade de trabalho
cooperativo e de comportamentos altruístas e a presença de
transtornos psicopatológicos.

3. Numa proposta de educação para a paz, a dialogicidade e o con-


flito são elementos centrais do processo educativo libertador.
Neste contexto, o educador é um provocador de conflitos e um
mediador do diálogo e do encontro na procura de soluções. O
papel mediador do educador é imprescindível. Quando desiste

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

dele, o processo educativo se trunca e aparece a violência como


única solução aos conflitos pessoais e interpessoais. Conheci-
mento, flexibilidade, compreensão e disponibilidade ajudaram
a criar um vínculo afetivo e pedagógico interessante com os
alunos. Com a confiança, são as características dos educadores
mais valorizadas pelos próprios alunos. Um novo olhar docente,
que veja o aluno como parceiro e o conflito como oportuni-
dade pedagógica, é condição necessária para a construção da
paz. O bem-estar pessoal e profissional do educador tem um
reflexo imediato na qualidade da interação com o aluno e do
processo de ensino/aprendizagem. Existe uma relação direta
entre motivação, envolvimento e resultados percebidos. Daí
deriva-se a necessidade, especialmente urgente na rede pública
de ensino, de cuidar e valorizar os profissionais da educação
como condição sine qua non para a elevação da qualidade da
oferta educacional em todos os níveis. Todos os educadores
participantes na pesquisa mostraram satisfação, em diferente
medida, com a experiência realizada e os resultados da mesma.
Este projeto veio de encontro ao que eu sempre acreditei en-
quanto educadora. Trata-se de uma forma simples e principal-
mente muito prática, pelas dinâmicas de grupo de conhecer a
realidade de nossos alunos e traçar junto com eles, através
de um debate amplo e aberto possíveis alternativas para
uma convivência saudável e pacífica. Através deste trabalho,
pude estreitar muito mais os laços de amizade com meus
alunos e descobrir detalhes em seus comportamentos que
me permitiram até lidar melhor com a questão disciplinar da
turma [...] A importância das dinâmicas de grupo seleciona-
das é que elas ultrapassam os muros da escola, alcançando a
vida social, afetiva e a formação de cidadania na vida destes
jovens. Além disso, pude observar que eles se tornaram
mais críticos e participativos, pois o trabalho em grupo que
não visa apenas pontos no boletim confere a eles liberdade
de expressão e tranquilidade para aprender sem nenhuma
forma de pressão do erro ou acerto. Surpreendi com alunos
que normalmente não se posicionam, por timidez ou disper-
são, mas que se colocavam firmemente em suas posições
durante este trabalho (Profa. B1).

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4. Os escores registrados nas duas aplicações da Escala Fatorial


de Sociabilidade não trazem diferenças significativas entre os
alunos das quatro escolas participantes. Isto é, os adolescentes
das escolas C e D, públicas, não são nem mais nem menos soci-
áveis ou antissociais do que os adolescentes das turmas A e B,
particulares, apenas vivem e estudam em ambientes que favo-
recem a manifestação de comportamentos violentos. A questão
é de educação e controle, não de “modo de ser”. O tema da
violência escolar não está relacionada diretamente com classe
socioeconômica e sim com determinadas condições ambientais.
Alunos das escolas A e B, nas escolas C e D teriam uma alta
probabilidade de desenvolver comportamentos similares dos
registrados no estudo. Qualquer proposta de educação para a
paz deve passar por uma melhoria substancial na qualidade da
oferta pública de ensino Fundamental e Médio, a começar pela
infraestrutura. Isso significa investimento maciço de recursos
materiais e humanos.
5. Em relação aos comportamentos pró-sociais trabalhados no
programa (autoestima, expressão/compreensão de sentimen-
tos, relações de cooperação e resolução de conflitos) existem,
a partir dos depoimentos dos participantes, indícios de cres-
cimento em todas as turmas, mas em diferente medida. O
incremento de comportamentos relacionados com a expressão
e compreensão de sentimentos e a cooperação são maiores do
que os relacionados com autoestima e resolução de conflitos.
Mesmo assim, nesta última variável, todos os atores partici-
pantes reconhecem um aumento da capacidade de diálogo
entre eles. Os resultados finais do trabalho apresentam avanços
importantes e significativos na diminuição de comportamentos
violentos, especialmente nas escolas da rede pública, onde a
satisfação com a experiência vivenciada foi maior.

Sirva como exemplo o descenso que se aprecia mês a mês na soma


total de comportamentos considerados agressivos no colégio C, públi-
co, nas ocorrências registradas pelos professores no diário de classe:
de 20 no mês de fevereiro a 4 no mês de novembro. O mais chamativo
nem sequer é o número final, mas a tendência expressada na curva
descendente do gráfico, que mostra uma mudança gradual e duradoura
do comportamento dos adolescentes participantes na experiência no

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colégio C. Em porcentuais: redução no 66% das brincadeiras agressivas


e do 100% de agressões físicas durante a aplicação do programa.

25

20 1

15 1 Agressão física
2 2 Brincadeira agressiva
10
3 3 Comportamentos agressivos
5
0

ro
rço

to

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iro

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Ma

Ma
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Ab

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Ju

Ju

Ag

ve
ve

te

Ou

No
Fe

Se

6. Finalmente, a afirmação mais importante derivada dos re-


sultados da pesquisa é que é possível educar para a paz em
nossas escolas, aumentar os comportamentos pró- sociais e
diminuir os comportamentos violentos através de progra-
mas de intervenção psicopedagógica específicos e de fácil
implementação. O comportamento violento é aprendido na
interação social e pode ser desaprendido. Evidentemente,
como já foi salientado, não é a solução “definitiva” para o
complexo fenômeno da violência, que precisa ser abordado
desde outras perspectivas, principalmente estrutural e de
política pública, mas indica um caminho possível para os
educadores no dia a dia da sala de aula. Igualmente, qual-
quer proposta de educação para a paz dificilmente obterá
resultados imediatos, pois a educação em valores exige
processos contínuos e sistemáticos. Contudo, neste contexto
mais amplo, o programa psicopedagógico proposto na inves-
tigação aparece como uma proposta metodológica viável e
adequada, conforme os resultados da pesquisa nos mostram,
que poderá ser adaptado e ampliado para ser trabalhado em
diferentes disciplinas e âmbitos educativos, formais ou não.

Considerações finais

Enfim, o percurso realizado neste, por meio de conceitos como


adolescência, conflito, pedagogia para a paz, comportamento antis-

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social, comportamento pró-social e resiliência, apesar de não esgotar


todas as possíveis abordagens e conceitualizações, possibilita chegar
a algumas definições teóricas que, desde a Pedagogia e a Psicologia
Social, permitem referenciar uma proposta de educação para a paz.
Essas definições, colocadas em forma de teses, compõem um mosaico
que, entendo, é apreciado somente no seu conjunto. São estas:

1. A etapa da adolescência é particularmente sensível do ponto


de vista social e psicopedagógico; por isso, é também um
momento ímpar para trabalhar valores e, especialmente,
o tema da paz. O pensamento formal e o grupo de iguais se
tornam, nesta etapa, ferramentas poderosas numa proposta
de educação para a paz. É imprescindível o envolvimento pes-
soal e ativo do adolescente nas propostas de educação para
a paz. Isso significa percebê-lo como fonte de iniciativa, de
liberdade e de compromissos. Significa falar de protagonismo
na construção de uma cultura da paz.
2. O fenômeno da violência escolar é complexo e multifatorial,
superando os muros e possibilidades da escola e até ques-
tionando o próprio sistema educacional, que não é capaz de
responder às necessidades das nossas crianças e jovens. São
diferentes os tipos de violência física e simbólica exercidos,
assim como os atores envolvidos. Não existe uma única va-
riável responsável da violência nas escolas. São múltiplas
e estão inter-relacionadas. A partir da identificação dos
fatores causadores de violência, é possível criar programas
de intervenção nos diferentes âmbitos e com os diversos
atores envolvidos: comunidade externa, família, educadores
e alunos.
3. A paz é fruto de um processo que se constrói no encontro
dialógico dos diferentes. A escola aparece como um espaço
privilegiado de encontro, diálogo, resolução pacífica de confli-
tos, de construção de subjetividades a partir de uma aborda-
gem criativa e enriquecedora do conflito intra e interpessoal.
Um novo olhar docente, que veja o aluno como parceiro e o
conflito como oportunidade pedagógica, é condição necessária
para a construção da paz.
4. Os aspectos afetivos e relacionais se relacionam com os
cognitivos, o que aponta para uma proposta pedagógica

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

integral na educação nos valores que tenha em conta todas


as dimensões do ser humano. Tem sentido uma educação
moral hoje desde um enfoque integral e solidário.
5. O conceito de comportamento antissocial tem sido usado para
designar o caráter agressivo e desafiador da conduta de indiví-
duos que, embora não tenham o diagnóstico de um transtorno
específico, apresentam problemas comportamentais que causam
prejuízos no seu funcionamento social. Assim, indivíduos consi-
derados “antissociais” apresentam os seguintes comportamen-
tos: agressividade, desobediência, oposicionismo, temperamento
exaltado, baixo controle de impulsos, roubos, fugas.
6. Nem todo comportamento caracterizado como antissocial é
agressivo, nem todo comportamento agressivo é violento.
Da inevitabilidade da agressividade (inata) não se deriva a
inevitabilidade da violência (adquirida), que tem um caráter
histórico e socialmente construído. O que foi socialmente
construído pode ser desconstruído.
7. O comportamento pró-social é um comportamento social
positivo, complexo, determinado por múltiplos fatores e que
inclui quatro tipos de atividades: com objetos (oferecer, dar,
compartilhar, intercambiar), cooperativas (contribuir para um
objetivo comum), de ajuda (ajudar e ser ajudado) e empáticas
(aproximação, conforto, consolo).
8. Tanto o comportamento pró-social quanto o antissocial são
aprendidos nas interações sociais, especialmente na família,
e vão se consolidando em função do desenvolvimento indi-
vidual e das exigências ambientais. Mais ainda, a aprendiza-
gem do comportamento antissocial ocorreria paralelamente
a um déficit na aquisição de habilidades pró-sociais. As
relações que o indivíduo estabelece no decorrer de seu de-
senvolvimento são preponderantes para o desenvolvimento
de comportamentos antissociais ou pró-sociais. Com a famí-
lia, dentre estas relações, destaca-se a que estabelece com a
escola, que pode tornar-se tanto fonte de prevenção como
de intervenção no âmbito do comportamento antissocial.
9. A literatura psicopedagógica atual aponta evidências consis-
tentes dos efeitos benéficos sobre a redução de problemas
sociais e emocionais dos programas de prevenção estudados,
assim como o aumento de competências sociais e cognitivas

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em crianças e adolescentes. Os que apresentam melhores


resultados são programas preventivos multicomponentes fo-
cados na construção de um conjunto de competências, como:
apego seguro com os pais, autorregulação de emoções, com-
petência acadêmica, envolvimento em atividades esportivas
e culturais extracurriculares, competência social, habilidades
sociais, práticas educativas parentais saudáveis, habilidades
sociais educativas e educação pelo trabalho.
10. As variáveis atitudinais mais importantes relacionadas po-
sitivamente com comportamentos pró-sociais trabalhados
nos programas de prevenção são a empatia, a autoestima, a
cooperação, a comunicação e a conciliação.
11. Termos como comportamentos pró-sociais e resiliência são
usados como sinônimos e pertencem aos novos esquemas
chamados de modelos de competência, resultado da ênfase na
conceituação positiva de saúde, em sua doutrina da proteção
e promoção. Entre eles, destaca-se a Psicologia Positiva. O
outro referencial teórico deste enfoque é a teoria bioecoló-
gica do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner, que
enfatiza a importância de contextualizar socioculturalmente
o estudo do comportamento humano.
12. O estudo da pró-sociabilidade, uma área relativamente nova
de pesquisa que precisa maior número de estudos, especial-
mente sobre as virtudes cívicas e instituições que favorecem
a cidadania, pelo fortalecimento da responsabilidade, altru-
ísmo e tolerância e na ética do trabalho.
13. P or conseguinte, a estratégia fundamental para combater a
violência não passa pelo castigo ou a repressão, passa pela
educação, pelo trabalho das habilidades básicas do compor-
tamento pró-social da criança e o adolescente, incompatível
com o comportamento violento.
14. É possível educar para a paz em nossas escolas, aumentar os
comportamentos pró-sociais e diminuir os comportamentos
violentos por meio de programas de intervenção psicope-
dagógica específicos e de fácil implementação. O compor-
tamento violento é aprendido na interação social e pode ser
desaprendido.

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DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO, RESPEITO E INCLUSÃO

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