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À ESPERA DA ÚLTIMA AULA de café cercados por uma tela e um peque- Ah!

de café cercados por uma tela e um peque- Ah! Como espero por essa última au-
no galinheiro para observar. Confesso que la… Porém, não posso dizer que não quero
Aytan Belmiro Melo já me diverti algumas vezes, quando a pro- nem ao menos lembrar-me desta garagem.
fessora fazia uma pergunta e as primeiras Inesquecíveis lições tenho aprendido aqui:
a responder eram as galinhas, cacarejan- vendo o esforço de meus professores para
Enquanto um dos grandes cronistas ração se empolga só de pensar. A última do em alto e bom som. E não são só as ga- compensar o tempo perdido entre as cor-
que li e que me inspirou a escrever, ansia- aula na garagem! Você não imagina como linhas: há dias que a trilha sonora que nos ridas de uma garagem a outra, com os co-
va pelo inusitado ou pitoresco que daria esperamos por isso. embala é o animado sertanejo da vizinha, legas que ignoram o espaço em que esta-
luz a sua “última crônica”, o inusitado aqui A escola onde estudava, começou a em outros, o que nos abala é a “makita” dos mos e se dedicam aos estudos, com aque-
é o maior desejo deste pequeno aprendiz, desmoronar. Foi interditada. Os alunos fo- pedreiros na construção ao lado, tão irritan- les que sabem colorir, com alegria e leveza,
a razão e a emoção de meu texto: que a úl- ram “provisoriamente” (há seis anos) co- te que consegue desestabilizar até mesmo o nosso dia a dia. E, sobretudo, com a mi-
tima aula chegue logo. locados no salão paroquial. Não foi sufi- a firme professora de Geografia. nha comunidade que nos deixa uma belís-
Não me interprete mal, querido leitor. ciente. Arrumaram-nos umas garagens… Mas, finalmente e felizmente, essa sima lição, mostrando-nos que diante das
Não sou desses, como alguns dos meus Isso mesmo: garagens! Sabemos que de construção, assim como a da nossa esco- adversidades, não precisamos fazer as ma-
mais divertidos colegas, que chegam à pri- garagens saem boas bandas, tem lojinhas la, está na reta final. Nunca estivemos tão las e mudar de cidade ou de escola, mas
meira aula esperando ansiosamente pela que funcionam em garagens, costureiras e perto da última aula na garagem. Confesso sim, lutar para transformar a realidade. Li-
última. Muito pelo contrário, quando eles doceiras usam muito bem suas garagens. que uma emoção diferente me invade ao ções tão importantes que ultrapassam as
resolvem prolongar um feriado, aqui estou Mas, sala de aula, para uma turma intei- pensar numa escola com quadra, refeitó- linhas de minha crônica, as paredes des-
eu, sentadinho em minha cadeira. Sinto- ra?! É terrível… rio, sala de informática, biblioteca… Meu ta garagem e os limites de nossa cidade.
-me bem na escola. Todas as manhãs, E apesar de terrível, aqui estou escre- Deus! Eu vou estudar numa escola de ver-
quando a mão quentinha de minha mãe vendo minha crônica numa delas. Arrepian- dade! Uma escola que não começou de
me avisa que já são seis horas e tenho que do-me com o frio que nos abraça nas ma- graça, sem grito, nem choro. Foi na briga
me arrumar, não lamento. Sei da importân- nhãs de inverno, observando as colegas que mesmo. Naquele dia em que o povo da-
cia dos estudos para o meu futuro. Talvez se distraem com os gatinhos e os cães da qui entrou na onda de “acordar o gigante”.
por isso, anseio tanto por essa última aula. rua que vira e mexe nos visitam e ouvindo Pais, alunos e professores, vestiram uma
Acredito que essa última aula seja o gargarejo das galinhas – nossas vizinhas camisa de luto, tomaram a BR 116 que cor-
aguardada por todos na cidade. Pois, se do fundo. Afinal, nossa “garagem de aula” ta a cidade e gritaram:
apesar da demora, ela está tão próxima, fica na última casa de uma rua estreita e — Garagem não é sala, igreja também
Professora Silvania Paulina
devemos isso aos valentes santa-barbaren- sem saída. Quando os colegas querem tirar não! Senhor Governador, olha a situação…
Gomes Teixeira
ses… Quando esse dia chegar haverá fes- os olhos do quadro e viajar pela paisagem E só então, com as fotos e vídeos nos EE Monsenhor Rocha, Santa Bárbara
ta, haverá choro, haverá foguete! Meu co- atrás de nós, têm apenas alguns pezinhos jornais, começamos a ser percebidos. do Leste-MG

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A PEQUENA GRANDE GUERREIRA

Francisco Felipe da Silva Izidro

Já estava amanhecendo o dia, e como Quando ele finalmente consegue le- tes no chão. Tento ajudá-los. Que má ideia,
é rotina aqui no meu lugar, ele amanhe- vantar o galho e voar, decido segui-lo para essa! A mãe fica enfurecida com a minha
ce lindo, o sol aparece brilhante no pé da ver até onde ele consegue sustentar aquela presença, não aceita ajuda. Entendo tudo,
serra, feito segundo despertador de serta- bagagem. Muito comovido com a cena, en- sou desconhecido para ela, provável amea-
nejo, já que o primeiro é o cantar do galo, tro em uma mata fechada e nem percebo. ça, mãe é assim mesmo. Só ela sabe cuidar.
muitas vezes já acompanhado pelo coral Vendo o animal pequeno no tamanho Logo me afasto, e reflito sobre a ne-
dos pássaros que me convida a ser feliz. e gigante na coragem carregando aquele cessidade do respeito aos animais. Vol-
Da janela do meu quarto, contemplo galho, cambaleando no ar, penso comigo to para a cisterna, pego a água e sigo pa-
toda esta beleza. Aquele mar de plantas mesmo: estaria ele construindo seu ninho? ra minha casa, mamãe me espera. Antes
diversas que embelezam o meu sítio Jan- E mesmo com essa interrogação na minha de entrar, da porta aberta já observo mi-
gada, e abrigam tantos pássaros que co- cabeça, continuo seguindo o pássaro, que nha mãe naquela cadeira de madeira, com
migo dividem esse pedacinho de Jucuru- com certeza, nem percebe, pois está muito olhar aflito, preocupada com a minha de-
tu, no Rio Grande do Norte. concentrado na tarefa que realiza. mora, com certeza. Você sabe como é,
Como todo menino de sítio, o ama- Depois de muito segui-lo, o pássaro pa- mãe protege os filhos. E assim, penso ain-
nhecer é hora de trabalhar, de ajudar aos ra em uma árvore, e de longe observo que da mais na mãe dos passarinhos. Amor pu-
pais, e assim, logo coloco o boné na cabe- ele constrói seu ninho, arruma o galho direi- ro e verdadeiro.
ça, e como todos os dias, vou até a minha tinho, acho que está na fase de acabamen- Minha mãe e a mãe dos passarinhos,
cisterna pegar a água do consumo diário. to, os retoques finais, pois ali já havia mora- tão parecidas no amor, no cuidado, na luta
Quando ali, na portinha estreita do reser- dores; um barulhinho suave e insistente, um diária neste lugar de sol quente e de paisa-
vatório, avisto um passarinho com cores cantar baixinho denunciava isso. É o chiado gem que encanta. Mãe é tudo igual.
chamativas e ofuscantes, que mesmo pe- dos filhotes! Isso mesmo, toda aquela força
quenino tentava carregar em seu bico um era de uma mãe dedicada, pequena guer-
galho de mato bem maior do que ele, acho reira, zelando os filhos. Me emociono com
que era o dobro do seu tamanho. Fico ad- tanta sabedoria que vinha daquele amor ma-
Professora Isabel Francisca de Souza
mirado. Sabe como é menino, curiosidade terno. Um ninho pequeno, parecia desprote- EE Professora Maria das Graças Silva Germano,
despertada por tudo, e também sou assim. gido; e me aproximando, vejo os dois filho- Jucurutu-RN

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HISTÓRIA DE PESCADOR proporcionava, trazia alegria em seu pei- tes relatos do povo ribeirinho. Um rio an-
to, um sentimento percebido por aqueles tes cheio de cardumes, de mistérios, de
Isabelle de Araujo que amam a profissão que exercem: o or- maravilhas da natureza, hoje leva consigo
gulho de ser pescador. A lama barrenta tin- só as lembranças de bons momentos. É co-
giu de tristeza a vida do simples e, ao mes- mo se tivessem lançado, sem filtro, o vene-
Enquanto atravessava a ponte sobre em tristeza. Um verdadeiro pesar. Ao in- mo tempo, nobre profissional, que fazia do no do poder e da ganância que brota de al-
o rio Doce, que corta a minha cidade em vés da corriqueira festa com a chegada rio seu palco de conquistas. guma parte, localizada no interior dos ho-
duas metades – o lado de cá e o de lá, de- das águas, um velório coletivo. Os volumo- Restam poucas esperanças. Todos, po- mens que se dizem autoridades. Ele está
parei-me com uma cena intrigante. Olhan- sos remansos e as típicas correntezas do rém, torcem para que o rio volte a respirar. O lá, contudo, vai morrendo lentamente, dá
do para baixo da construção e mirando as grande rio, inspiradores de credibilidade que antes era um sonho de vida, atualmen- pior forma possível: agonizando.
poucas águas que ainda restam do enor- e abundância no passado, cederam lugar te se configura como pesadelo. A tormenta Há, mesmo assim, pescadores invencí-
me rio, que já chegou a ser navegável, ob- às águas barrentas e, também, contami- tornou-se responsável por despertar o pes- veis. Reproduzem os heróis, buscando lu-
servei um pequeno barco que parecia mais nadas pelos rejeitos de minério. Quem po- cador no meio da noite, imaginando o que tar até o fim. Aquele que visualizei perto
estar encalhado do que flutuando. Imagi- deria imaginar? Quem poderá calcular os será dele e de sua família, antes totalmente do banco de areia, enquanto passava pela
nei a dificuldade de fisgar algo comestí- danos surgidos após o desastre ambiental dependentes do “Doce”. O rio, hoje, chora. ponte, propôs-me uma reflexão. Se hou-
vel e, consequentemente, a frustração da conhecido como “o desastre de Mariana”? O pescador chora. Ouve-se, na verdade, um ve ou não peixe, naquele dia, não impor-
missão atrapalhada pelos bancos de areia. Talvez o pescador. Foi ele o profissio- choro coletivo. Saudades? Sim. Muitas lem- ta. Dedico a ele minha crônica que, como
A cena, definitivamente, inspirou-me. Es- nal que acompanhou mais de perto a feri- branças sobre o que esse gigante represen- uma fotografia, deixa registrada a imagem
ta crônica tem origem naquele momento, da formar-se. Os rejeitos anunciavam, com tou no passado, dos momentos em que as de sua persistência. Uma verdadeira e tris-
naquele olhar. Antes de pensar na agonia a chegada lenta, mas densa e constante, redes eram lançadas logo de manhãzinha, te história de pescador.
do rio morrendo a olhos vistos, na escas- a quase despedida da maioria das espé- enquanto a cidade ainda dormia, voltando
sez de seres vivos nas águas do “Doce”, foi cies. As vidas presentes no rio nunca mais preenchidas. O rio foi, por muito tempo, o
a imagem do pescador que me sensibili- seriam as mesmas. A rotina que delineou sinônimo perfeito para o progresso da “Prin-
zou. Já ouvi dizer sobre a responsabilidade por tanto tempo o dia do profissional das cesa do Norte”. Era o seu amuleto da sorte.
do rio, cujo histórico revela os valores do águas precisou, compulsoriamente, sofrer Também não há como se esquecer do
povo presente em suas margens. Quanto alterações. Enquanto o peixe não vinha à “bê-a-bá” sobre a arte da pescaria que atra-
mais bem cuidado, maior a educação dos linha, era com o manancial que conversa- vessou gerações, ensinada de pai para fi-
moradores da cidade que desfrutam dele. va sobre seus planos e sonhos. O rio era o lhos, de avô para netos e para bisnetos. O
Houve, porém, uma tragédia que mudou o seu ombro-amigo, seu diário de anotações. testamento que descreve a herança dei-
seu destino. Nela, a alegria constante trazi- As fisgadas, o troféu que celebrava o su- xada pelos entes queridos tornou-se um Professora Cinthia Mara Cecato da Silva
da pelas correntes fluviais transformou-se cesso de seu dia. Além do sustento que lhe documento amargo, preenchido de tris- EMEF Maria da Luz Gotti, Colatina-ES

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OPERAÇÃO CINDERELA todos engomadinhos, suando igual cus- nou se o sapato servisse! Eu fui uma delas,
cuz em panela tampada), diversos alunos quieta estava e quieta permaneci…
Allanis Stephani Carvalho passeavam pelas barracas no retorno para As especulações foram muitas e pare-
suas casas, quando uma aluna decidiu dar cia que todo mundo ficava olhando para os
uma paradinha em uma barraca de sapa- nossos pés para tentar identificar o obje-
Todo setembro, Arraias parece um tos. Até aí tudo normal, pois como já falei, to roubado… Acho que quem tinha sapato
formigueiro pegando fogo. Embaixo de é tanta oferta para pouco dinheiro e todo novo nem quis usar mais na escola e até a
um sol escaldante, em meio a tantas bar- mundo fica animado para renovar o guar- brincadeira “que sapato bonito, é novo?!”
racas, é gente subindo e descendo ladei- da-roupa e “curiar” as novidades no sho- já provocava olhares curiosos e acusado-
ra, crianças dando birra por brinquedos, pping. A garota pediu para experimentar res. A resposta era imediata: “minha mãe
cachorros latindo, ambulantes tentando um par e, assim que o barraqueiro se vi- comprou em Campos Belos!”
convencer as pessoas a comprarem seus rou, a aluna deu no pé… Levando os novos Só sei que muito se perguntou, se es-
produtos… É um shopping center popular e deixando para trás os que estava usando, peculou… Mas até hoje, ninguém tem cer-
nas ruas apertadas da minha pacata cida- pois os mesmos já estavam um pouco des- teza do nome da Cinderela às avessas… E
de que, nesses dias, mais parece capital. O gastados de tanto subir e descer ladeira. eu fico aqui pensando o que levou uma me-
evento é esperado por muitos e odiado por No outro dia, houve uma reclamação nina a se arriscar tanto: foi necessidade ou
outros, principalmente por aqueles que fi- para o diretor da escola (não é que a ben- malandragem mesmo? Também sei que,
cam impedidos de sair, e nem conseguem dita usava o uniforme da escola e conse- depois desse episódio, em barraca de cal-
guardar um carro devido à porta de casa guiram identificar onde estudava?). O bar- çados só entro acompanhada de meus pais.
ficar bloqueada pelos mascates. raqueiro procurou a direção da escola e in-
Esses gostos e desgostos já são anti- formou que uma de suas alunas havia fur-
gos e não mais é possível imaginar Arraias tado um par de sapatos dele.
sem desfile de 7 de setembro, sem a mis- A operação para encontrar a dona do
sa da Padroeira Nossa Senhora dos Remé- furto foi chamada de “Operação Cindere-
dios no dia 08 ou as famosas barraquinhas, la”, pois a garota havia deixado para trás
que aguçam nossas vontades e levam nos- os sapatos que estava usando. A diferen-
sos trocados. ça é que, além de não ser de cristal (pelo
Porém, em meio a essa diversidade de contrário, estava bem “acabadinho”), nessa
acontecimentos, algo inusitado me cha- operação nenhuma das “princesas” da es- Professora Alessandra Barbosa
mou a atenção e me intriga até hoje. Lo- cola se ofereceu para experimentar o sapa- Silva Resende
go após o desfile (aquele em que ficamos to, igual na história da Cinderela. Já imagi- EE Jacy Alves de Barros, Arraias-TO

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O DIA EM QUE A NOITE Foi então que percebi os olhares e As ruas estavam movimentadas. E o Os dias que se estenderam se mos-
FICOU VERMELHA semblantes dos meus familiares e amigos; céu? Nem se fala… helicópteros e aviões traram tímidos; os pássaros não canta-
eles não compartilhavam dos mesmos sen- transitavam a todo instante transportan- vam com a mesma alegria, os rios emana-
Kevem Santos de Araújo timentos que eu. A tristeza era nítida em do brigadistas de toda a Bahia. Um belo vam a morte, e a floresta, que antigamente
seus olhos, parecia que alguém muito im- helicóptero branco sobrevoou a minha ca- possuía todo tipo de barulho, estava tris-
portante havia morrido… e morreu. Um pe- sa trazendo consigo um barulho extrema- temente calada. As nuvens se mostravam
Já era noite. Abro a porta e vou em daço de nós foi perdido. mente alto. Seu objetivo era armazenar escuras, expressavam o “descontentamen-
direção à rua; faço isso com um único ob- — Meu Deus! – alguns falavam. água, tal água que provinha do lago artifi- to de Deus”, sua bela floresta havia sido
jetivo: contemplar a linda noite da Chapa- — Vamos ver de perto! – outros diziam. cial aqui construído nos tempos do garim- queimada, totalmente destruída.
da Diamantina. No outro dia, vários carros percorriam po – que outrora era a base econômica de “O homem destrói e Deus contrói”. Es-
Lá fora vejo algo que nunca esquece- as ruas; helicópteros sobrevoavam o céu; to- Campos de São João. O gigante branco ia sa frase nunca fez tanto sentido para mim,
rei: “Ah, aquele dia… Nunca me esquecerei dos com um único intuito: combater o fogo! e vinha, provocando um efeito de deslum- como agora. Intensas chuvas que chega-
daquele dia!”. Que dia? Vocês devem es- Minha mãe, que trabalhava na Pousa- bramento em todas as crianças, que repe- ram à Chapada expressavam o seguinte
tar se perguntando. “O dia em que a noite da Pai Inácio – localizada ao pé do Morro tiam a mesma frase: sentimento: “Deixa que eu cuido de tudo.
ficou vermelha”. do Pai Inácio, viu tudo de perto. Seus olhos — Me leva, avião! Me leva, avião! Sua simples função será preservar o que
Aquela noite tudo havia mudado, a refletiam as chamas que consumiam o ví- Queremos ir! eu construo”.
noite não estava sendo iluminada pela lua, vido cerrado. Não se importavam em falar errado, E como num passe de mágica, a flo-
ou pelas estrelas; ela estava brilhantemen- Desesperadamente gritava: contanto que gritassem o mais alto possí- resta renascera.
te iluminada, porém, seu brilho provinha — Corre! Corre! Vamos apagar o fogo! vel. Comecei a me perguntar: “Será que o
do fogo. É, do fogo! Milhares de árvores Com suas colegas de trabalho, mulhe- piloto ouvia os gritos daquelas crianças?” –
estavam a pegar fogo, nos propiciando um res corajosas, fortes, trabalhadoras e des- cada vez que retornava parecia estar mais
grande espetáculo. Parecia que o céu se temidas, sem hesitar, empunharam suas próximos delas… Parecia que todos do po-
tornava uma imensa tela de arte. E aquelas armas contra o fogo: abafadores. Irrespon- vado tinham o mesmo pensamento: ser um
cores? Lindas pinceladas de Deus… sáveis? Sim. Corajosas? Com certeza. Na- brigadista honorário; aventurar-se na serra.
Meus olhos viram aquilo de manei- quele dia, verdadeiras heroínas foram en- Meio perigoso, não? Esses jovens não
ra diferente. Será que fui egoísta? As co- contradas. Heróis sem fardas foram desco- se preocupavam com os perigos que pode-
res vermelhas pareciam lutar contra o ver- bertos. Homens e mulheres saíam de suas riam enfrentar, todavia, ser um herói apa-
de da serra, uma verdadeira obra de arte! casas vestidos com suas armaduras: botas, gava todos os medos e receios.
Bem à frente de meus olhos. luvas, capacetes e roupas à prova de fogo. Com grandes esforços do povo e dos
Professora Isa Naira de Oliveira
De repente, quase todo o povoado fo- Uma grande luta ali foi travada, e nenhuma brigadistas, o fogo foi apagado. Os mor- EM de 1º Grau de Campos de São João,
ra ver o acontecido. das partes queria render-se. ros e serras perderam sua luminosidade… Palmeiras-BA

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FEMINICÍDIO: QUANDO A sividade é que mata, não o amor, portanto, Embora o aumento das medidas proteti-
POSSESSIVIDADE FALA MAIS é crucial tratar esse fenômeno pelo o que vas possa ser visto como uma notícia positi-
ALTO QUE O AMOR ele realmente é: um crime de ódio. va, é essencial não se dar por satisfeito com
Em uma sociedade com suas raízes apenas esse passo, mas cortar o mal pela
Laura Helena Amorim Pinheiro enterradas sob concepções machistas e raiz, reconhecendo o feminicídio não como
patriarcais, onde há algumas décadas a um crime gravíssimo, mas como fenômeno
violência doméstica e o feminicídio eram sociocultural, proveniente de costumes ma-
Junho de 2019, e na tela de LED da longe das águas, a história se mostra um tidos como atos disciplinares, esse com- chistas cultivados ao longo do tempo.
sala uma notícia preocupante. Piracica- exemplo claro da romantização que circula portamento fatal pode ser justificado como Para isso, é crucial que sejam tomadas
ba, que há apenas uma semana era palco esse tópico, fato que dificulta uma discus- de natureza masculina, afinal, segundo tais medidas de curto e longo prazo. As primei-
de mais um feminicídio, agora, estrelava a são mais assertiva sobre o problema em concepções, um homem tem de defender ras, focadas em aprimorar os serviços já
reportagem da noite carregada de dados questão, bem como contribui para a per- sua honra, sua masculinidade. Contudo, é existentes de apoio à mulher, ou seja, in-
que alarmam a população: em apenas cin- manência ou até mesmo o aumento da vio- inconcebível que esse comportamento ain- vestir principalmente na preparação des-
co meses, a cidade registrou um aumento lação dos direitos das mulheres. É impres- da se reproduza nos dias atuais. tes serviços, para que quando em situação
de 43% no número de mulheres vítimas de cindível tomar conhecimento de que o fe- Além de ser problema crescente na re- de perigo, as mesmas sejam devidamente
violência, buscando proteção, desprovidas minicídio já deixou vítimas o suficiente, e gião, o feminicídio e a violência doméstica acolhidas; outrossim, órgãos públicos, co-
de seus direitos fundamentais. de que algo precisa ser feito com urgência. são fenômenos assustadoramente demo- mo o Ministério Público, têm o papel de fis-
Anos antes de essa problemática vir à A princípio, é de suma importância cráticos: não escolhem cor, classe social calizar o efetivo cumprimento das leis que
tona, o município, conhecido pelo extenso ressaltar que o feminicídio e a violência ou idade, não há mulher imune à violên- as protegem, para que não saiam impunes
rio que o corta ao meio, já contava com his- contra a mulher são questões de seguran- cia. Existe, entretanto, um perfil mais vul- aqueles que ousem cercear seus direitos.
tórias que retratavam essa realidade. Conta ça pública, que dizem respeito à nossa so- nerável a esses abusos, que se manifesta Para as metas de longo prazo, é impor-
uma antiga lenda que o rio Piracicaba, com ciedade como um todo, não somente ao em mulheres de classe baixa, jovens e ne- tante que se estabeleçam medidas de pre-
suas águas até então serenas, enfureceu- agressor e à vítima em debate. Portanto, gras. É nesse perfil que se encaixa a víti- venção, promovendo a conscientização em
-se ao notar que sua deusa havia se apai- noções populares como a de que “em bri- ma do mais recente caso de feminicídio em escolas e nas ruas, de forma que o papel da
xonado pelo moço mais bonito da cidade. ga de marido e mulher não se mete a co- Piracicaba: com apenas 16 anos, a adoles- mulher como propriedade seja desconstruí-
Possesso, o mesmo se armou de abundan- lher” devem ser combatidas, pois são elas cente teve sua vida tirada pelo ex-namora- do, evitando assim que esses abusos conti-
tes correntezas ao desafiar o jovem à luta, que omitem a real gravidade desses casos do dentro da própria casa. O autor do cri- nuem assombrando as mulheres da região.
e impiedosamente encarcerou a mulher em e permitem que essa atrocidade ainda seja me, onze anos mais velho, tinha um filho
águas profundas, matando ambos. vista como um crime excepcional, em que de 2 anos com a vítima, e fugiu do local an-
Embora seja uma mera lenda, popu- a paixão do agressor passou dos limites – tes que as autoridades chegassem, em um Professora Nilda Meireles da Silva
larizada com intuito de manter crianças “matou porque amava demais”. A posses- ato de covardia. EE Dr. Alfredo Cardoso, Piracicaba-SP

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(DES)INTERIORIZAÇÃO DO ENSINO cursos, bolsas para pesquisa, verbas pa- tância para toda a região. Dessa forma, é
SUPERIOR: REDUÇÃO DE GASTOS OU ra projetos e a demissão de funcionários. indiscutível que, sem a universidade, o so-
AMPLIAÇÃO DA DESIGUALDADE? Endossando a postura da reitoria, par- nho de muitos jovens seria extinto, assim
te da população goianesiense afirma que a como propõe a Comissão de Redesenho
Gilberto Gonçalves Gomes Filho crescente oferta de bolsas pelas universida- da Universidade.
des particulares do município torna a per- Ademais, o papel exercido pela UEG
manência da UEG irrelevante. Em contrapar- na formação de professores é notório.
“Soletrando”. A priori, o significado do de Ensino Superior do município. Sua for- tida, outra parcela defende sua continuida- Egressos dos cursos de Pedagogia, História
gerúndio parece óbvio, e, segundo o “Di- mação relaciona-se ao Processo de Inte- de, visando aos benefícios que ela promove. e Letras atuam na educação goianesiense,
cionário Aurélio”, significa “ler, pronun- riorização no Ensino Superior em Goiás, Desse modo, instaurou-se a polêmica. fortalecendo-a, o que é comprovado pe-
ciando separadamente as letras e juntan- que buscou, durante a década de 1980, Particularmente, creio que a busca pe- los bons resultados no Índice de Desen-
do estas em sílabas”. No lugar onde vivo, facilitar o acesso à universidade daqueles lo fortalecimento da UEG a partir da rees- volvimento da Educação Básica (Ideb), que
contudo, essa palavra é carregada de me- cuja rotina estava fora do ciclo das gran- truturação de cursos e da otimização dos chegam até 8,6, segundo dados de 2017 do
mórias e constitui motivo de orgulho pa- des cidades. custos relativos à manutenção são atitudes Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
ra a população, pois o primeiro campeão Paradoxalmente, penso que houve uma necessárias à sobrevivência da instituição. Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
do Concurso Soletrando, da Rede Globo inversão desse pensamento, pois a conjun- Porém, o seu fechamento não é a decisão Dessa maneira, acredito que o Campus
de Televisão, foi Aurélio. Não o escritor do tura atual propõe novamente a concentra- mais viável, pois suas consequências se- Goianésia deve ser mantido em detrimen-
dicionário, mas o aluno, igualmente apai- ção do saber ao determinar a extinção de riam desastrosas. to de qualquer fator externo. Assim, como
xonado pela gramática, natural da peque- quinze campi. Outrossim, vale destacar que, segun- pontua a diretora da instituição, Profa. Ma.
na Goianésia, localizada no norte goiano Para o reitor Dr. Ivano A. Devilla, a ne- do dados do Campus Goianésia, cerca de Maria das Graças B. Silva: “Fechar um cam-
e marcada pelos traços típicos do interior. cessidade do fechamento decorre do es- 620 alunos estão atualmente ingressos. O pus é eliminar a oportunidade de acesso à
Histórias como a de Aurélio mostram o gotamento orçamentário e financeiro des- perfil desses estudantes, quase em sua to- educação para o jovem do interior”. Desse
poder revolucionário da educação e inspi- tinado à manutenção do campus, que ex- talidade, mostra que são de escola pública modo, clamo para a continuidade da ins-
ram os jovens goianesienses. Todavia, uma pandiu-se exageradamente, a ponto de e possuem situação socioeconômica des- tituição em nossa cidade, para que tantos
notícia recente disseminou desesperança não conseguir manter-se em bom funcio- favorecida. Com o possível fechamento da outros “Aurélios” escondidos sejam reco-
àqueles que veem na educação a possibi- namento. Assim, as medidas propostas pe- instituição, qual opção restará à média dos nhecidos por nós e pelo mundo.
lidade de transformação social. Foi anun- la equipe gestora, constatadas no RELA- estudantes de Goianésia que, assim, como
ciado o fechamento da Universidade Esta- TÓRIO N o 1 / 2019 COLEGIADOS – 16136, eu, não têm condição de deslocar-se para
dual de Goiás (UEG) – Campus Goianésia. publicado em 2 de maio de 2019, devem outra cidade a fim de concluir o Ensino Su- Professora Patrícia Nara
Criada pela Lei no 13.456, de 16 de abril ser postas em prática urgentemente. Tais perior? Além disso, a UEG atende a outros da Fonsêca Carvalho
de 1999, a UEG é a única instituição pública ações incluem a progressiva extinção de dez municípios, o que mostra sua impor- CE Jalles Machado, Goianésia-GO

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MEU LUGAR É UM “PULMÃO gundo anciões, a chuva não chega mansa Entristece-me quando em minha pu-
VERDE” NO MEIO DA IMENSIDÃO e tranquila, vem em forma de tempestade pila reflete um céu acinzentado, mas me
ACINZENTADA e violenta, em resposta à ação devastado- alegro em saber que o homem mais inteli-
ra do homem branco. gente é aquele que preserva o seu habitat
Rafael Caxàpêj Krahô Ademais, o homem branco (fazendei- e esses são os mehin (índios krahôs).
ros que são vizinhos da Reserva Krahô), le- O futuro do nosso lugar não está só
va sua vida marcada pelo ato da destrui- nas mãos do mehin. Será que um dia não
No lugar onde vivo, na aldeia Krahô, o corrompidos, demonstrando uma impor- ção dos recursos naturais mais importan- vamos ter mais uma bela natureza para
verde das matas e da floresta preservada tância apreciativa aos meros fenômenos tes para a vida, através do desmatamento, contemplar? Diante dessas perguntas, é
encanta e propicia a vida aos indígenas, que ocorrem na natureza. do uso de pesticida nas lavouras e da mais necessário que formemos uma corrente
que desfrutam dos alimentos e de todas Pois, para nosso povo, é de suma impor­ nova “moda” de acabar com os matos das entre mehin e cupen para proteger a na-
as riquezas que a floresta oferece, man- tância aquilo que o meio ambiente fornece pastagens pulverizando veneno, que eu de- tureza. Por outro lado, o Governo deve re-
tendo uma relação integrada e harmônica e, como forma de agradecimento aos bens nomino como “o matador invisível” de tudo fletir e vetar a liberação dos agrotóxicos
entre o homem mehin (krahô) e a natureza naturais, realizamos comemorações, exal- que o cerca. Isso tudo vem afetando a be- e pesticidas. E devemos criar ONGs para
que o cerca. Porém, essa relação está sen- tando desde o nascer de uma fruta até o leza do nosso lugar. proteger o meio ambiente. Somente com
do prejudicada devido às políticas externas cair de uma chuva, mostrando, então, que Outro fator preocupante é a política do essas atitudes o nosso “pulmão verde” não
do Governo e à ação do homem branco no por mais que a natureza não precise da in- Governo Federal em relação à liberação de vai mudar de cor.
contexto de preservação do meio ambien- tervenção do homem em seu meio, contu- agrotóxicos e pesticidas, algo que contribui-
te nos arredores da Reserva Krahô. do o homem necessita de tudo aquilo que rá ainda mais para a devastação da nossa
Primeiramente, é de suma importância ela tem a oferecer. Por isso é tão essencial mãe natureza e para a poluição do ar que
para os indígenas krahô a preservação do saber respeitar seus limites. respiramos. Com tudo isso, me deparo a
meio ambiente, consagrando suas tradições A paz e a tranquilidade do lugar não pensar: será que o homem vai ser predador
em local tranquilo e comemorando o fenô- estão sendo respeitados devido os cupen de si próprio? Até quando vamos sobreviver
meno natural da frutificação do cerrado e (homens brancos) estarem destruindo to- cercados por tamanha devastação?
das matas. Entre elas, a chegada do cajuí, da das as florestas nos arredores da Reserva Em consequência disso, os rios que
bacaba, do buriti – tudo isso é comemorado Krahô. A mente ambiciosa e a ação desses percorrem a Reserva Krahô estão sofren-
com rituais da coleta dos mesmos. homens brancos têm substituído os verdes do, as águas já não estão cristalinas e vo-
Além disso, vale ressaltar que, mes- das florestas por plantios de soja, pasta- lumosas como antes, o cerrado e as matas
mo os povos krahô deparando-se com uma gens e queimadas. apresentam-se “desbotados”, a fauna pro-
demasiada evolução tecnológica, isso não Como consequência, as nossas noites cura abrigo em apenas um “pulmão verde” Professora Deuzanira Lima Pinheiro
permitiu que seus valores culturais fossem já não são tão frias e aconchegantes. Se- no meio da devastação: a Reserva Krahô. Escola Indígena 19 de Abril, Goiatins-TO

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MINHA TERRA TEM BELEZAS, dos já foram realizados acerca do assunto turismo é outra forma de gerar renda. Com
MAS EMPREGO JÁ NÃO HÁ! e, através desses, foi possível concluir que certeza, o campo industrial também repre-
o Bairro Mococa se mostra um local pro- senta um caminho viável, contudo, esta
Ana Paula Comuni missor para o desenvolvimento da ativida- opção trará benefícios se, primeiramente,
de industrial. O bairro, por estar afastado respeitar e agir de forma sustentável com o
do centro da cidade, apresenta terrenos meio ambiente e assegurar empregos aos
Fazendo limite com o Estado de São prego, ocasionado pela hipertrofia do se- apropriados para construir; ademais, um cidadãos monte-sionenses. Acredito que
Paulo, encontra-se Monte Sião, cidade in- tor produtivo, já que há excesso de mão número significativo de habitantes que lá nossa querida Monte Sião possa se desen-
teriorana com uma população estimada de obra disponível e produção de peças moram se deslocam todos os dias para tra- volver e se modernizar sem agredir os re-
em 23 mil habitantes. Foi aos pés da Serra de roupas em larga escala, aumentando a balharem longe de suas casas ou estão de- cursos naturais, garantindo assim, às gera-
da Mantiqueira que o aconchegante muni- concorrência nas vendas de peças de tricô. sempregados. Nesse contexto, indústrias ções presentes e às futuras o privilégio de
cípio se desenvolveu e construiu seu lega- Além disso, a desvalorização do po- no bairro favoreceriam moradores que tra- respirar ar puro e desfrutar desse imenso
do histórico e cultural, constituído de boa der de compra, devido à crise alojada em balhariam perto de suas casas e trariam mar verde. Assim, em meio a tantas rique-
culinária e também de construções e mo- âmbito nacional, tem prejudicado os ven- emprego a quem não tem. zas naturais, poderíamos dizer, parodian-
numentos que valorizam a fé e os costu- dedores. Conforme informações da revis- Em minha opinião, é indiscutível que a do Gonçalves Dias: “Minha terra tem be-
mes dos imigrantes europeus que fazem ta “Exame”, nos últimos cinco anos a ren- cidade precisa de novos nichos econômi- lezas e emprego também há!”.
parte da história monte-sionense. Devido da dos trabalhadores chegou a cair 16%; cos e maiores investimentos para seu pro-
a isso, turistas de várias regiões do Brasil desse modo, custos adicionais são corta- gresso, pois emprego já não há, advindo
são atraídos para a cidade. dos, cada vez mais, da lista de despesas das malharias como era antes. Uma boa
Além dos atrativos turísticos, o princi- dos brasileiros. alternativa seria o turismo rural, a fim de
pal fator que traz pessoas à cidade é o co- Diante da questão, surge um conflito usufruir e valorizar as belas paisagens da
mércio de roupas, pois a base econômi- de opiniões sobre as possíveis soluções, cidade. Por meio de trilhas, passeios e es-
ca do município está, em sua grande par- pois há quem defenda a necessidade de portes de entretenimento, assim como é
te, na confecção e venda da moda tricô, a instalar indústrias – de base ou de bens de feito em várias fazendas e sítios do municí-
qual é fomentada por mais de mil malha- consumo – na cidade. Entretanto, outros pio vizinho, Águas de Lindóia, onde muitos
rias, responsáveis por gerar empregos para acreditam que tal medida pode causar da- turistas que vêm a Monte Sião se hospe-
a maioria da população. Tal fato concedeu nos ao meio ambiente, já que a cidade pos- dam, em razão das variadas opções de la-
a Monte Sião, em 1973, o título de “Capital sui uma vasta área verde e muitas nascen- zer oferecidas por lá. Dessa forma, além de
Nacional do Tricô”. tes. Então, estaria Monte Sião preparada atrair turistas, que terão mais uma opção
Professora Carolina Nassar Gouvêa
No entanto, nos últimos anos, os cida- para receber indústrias? Segundo o pre- de lazer em nossa cidade, a população da EE Provedor Theofilo Tavares Paes,
dãos têm sido prejudicados pelo desem- feito da cidade, José Pocai Júnior, estu- zona rural também será beneficiada, pois o Monte Sião-MG

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APRENDIMENTOS ATERRADOS fessor de Ecologia da Universidade Esta- tos, prejudicando a saúde e o bem-estar
À BEIRA-MAR dual do Ceará, causará desequilíbrios na da população.
temperatura e bolsões de calor na região. Concordo, portanto, com a douto-
Rúbia Ellen Campelo Costa A prefeitura de Fortaleza caracterizou ra em Ciências Marinhas, Liana Queiroz,
o projeto como de “utilidade pública”, pois, quando ela afirma que “é imensurável a
de acordo com o órgão, além de promover real magnitude do impacto [causado pelo
Com verdes mares e águas mornas, de saúde precários e escolas com péssima um aumento no turismo da cidade, tam- aterro] em toda biodiversidade [...]”, uma
Fortaleza, a Terra da Luz, tem belezas infraestrutura. O temor da população cres- bém irá prover à praia local uma reestrutu- vez que essas consequências negativas são
muito apreciadas em todo o país, sendo ce ao relembrar casos como o do Aquário ração da faixa de areia que vem sofrendo, certas e as atitudes para revertê-las nem
elas retratadas, por exemplo, na canção do Ceará, que nasceu a partir da alegação ao longo dos anos, um estreitamento cau- sempre se concretizam. Além das implica-
de mesmo nome – “Fortaleza” –, compos- de que iria incrementar o turismo cearen- sado pelo processo de erosão. Os defenso- ções ecológicas, acresça-se que a nature-
ta pelo cantor cearense Fagner. Porém, al- se, entretanto as obras foram paralisadas res da obra afirmam também que a requali- za tem muito a nos ensinar, como afirma
gumas belezas se encontram comprometi- por falta de verba e, hoje, nem Governo ficação trará urbanização e modernização o poeta Manoel de Barros, em seu poema
das devido a projetos recentes, como a re- nem iniciativa privada querem mais assu- necessárias à área, aumentando até mes- “Aprendimentos”, ao dizer que “não tinha
qualificação de um dos principais pontos mir a finalização da obra, restando à po- mo o comércio da região, pois irá organi- as certezas científicas, mas que aprende-
turísticos da cidade: a Avenida Beira-Mar. pulação apenas frustração e indignação. zá-lo e restabelecê-lo, contribuindo para a ra coisas di-menor com a natureza”, coisas
Esse fato está preocupando a comunidade Em acréscimo, constata-se que o ater- economia da cidade. estas que não dizem respeito a interesses
pelo gasto exorbitante da obra e os male- ramento do mar preocupa também am- Em contrapartida, acredito que tal econômicos, mas à teia da vida.
fícios que sofrerão a fauna e a flora locais. bientalistas e pesquisadores, como o pro- avanço na urbanização de um setor belo por Para um litoral bonito, antes de tudo,
Visando aumentar o turismo da região, o fessor do Instituto de Ciências do Mar, da si desfoca a prefeitura de problemas mais deve-se preservá-lo, pois, talvez assim,
projeto de requalificação da avenida mais Universidade Federal do Ceará, Marce- pertinentes que afetam a população, exer- os verdes mares do Mucuripe e a Aveni-
turística da cidade, proposto pela prefei- lo Soares, que afirma que os impactos de cendo, assim, uma política apelidada co- da Beira-Mar possam encher os olhos dos
tura, consiste em aumentar 80 metros a grande magnitude podem causar o soter- mo “pra turista ver”. Enquanto isso, áreas habitantes e turistas de Fortaleza pela be-
faixa de areia (mar adentro) do aterro. Ele ramento dos recifes de corais, além de tra- periféricas da cidade sofrem pelo desca- leza natural, e não artificial, de suas praias.
está orçado inicialmente em 68 milhões, o zer prejuízos ao habitat do boto cinza e da so em vários espaços públicos, como es-
que causa revolta em uma grande parce- tartaruga verde, espécies que se alimen- colas e postos de saúde, além da ausên-
la da população por ver tanto dinheiro pú- tam na região. Somando-se ao prejuízo da cia de saneamento básico na maioria das
blico empregado em uma obra que pode fauna, também ocorrerão danos à flora e, comunidades que se encontram mais dis-
trazer, inclusive, prejuízos ambientais, en- indiretamente, à população, já que o pro- tantes da região considerada “nobre”, co-
quanto outras necessidades básicas da po- jeto retirará quarenta árvores do calçadão, mo, por exemplo, o bairro Jangurussu, que Professora Suziane Brasil Coelho
pulação são negligenciadas, como postos o que, de acordo com Oriel Herrera, pro- convive com a poluição e esgotos expos- EEM Governador Adauto Bezerra, Fortaleza-CE

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