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A Guerra na Ucrânia sob o viés liberalista

Com o surgimento do campo de estudo das Relações Internacionais em


meados do séculos XIX, ao final da Primeira Guerra Mundial, surge também a
necessidade de pesquisa e debate acerca das origens das guerras e como evitá-las.
Simultaneamente, o estudo da disciplina levou a origem de diversas teorias
baseadas em autores clássicos a fim de buscar uma justificativa para a
movimentação dos atores dentro do sistema internacional, sendo uma das principais
o liberalismo. Tendo em vista a recente movimentação mundial acerca da Guerra na
Ucrânia, nos próximos parágrafos será feita uma análise do papel da Organização
das Nações Unidas nesse conflito sob a ótica de princípios liberais baseando-se nos
argumentos dos autores estudados.
O liberalismo em si derivou diversas vertentes cada qual com suas
especificidades, como o liberalismo clássico, o liberalismo social, o liberalismo
econômico… Entretanto, apesar da ausência de uma unicidade, todos eles têm uma
base teórica comum baseada em três pilares: o livre comércio, a democracia e as
instituições. Primeiramente, o livre comércio configura-se como uma ferramenta de
integração entre os Estados e os povos, estabelecendo uma relação de cooperação
internacional. A democracia é um dos princípios utilizados na Teoria da Paz
Democrática, baseada nos pensamentos de Immanuel Kant (2008) e definida por
Doyle (1983), onde para assegurar a vida, liberdade e propriedade, o sistema de
governo ideal é o democrático para assegurar a paz, não só entre os indivíduos,
mas também entre os Estados, ou seja, as relações pacíficas tendem a ser
mantidas entre Estados democráticos desde que estes cumpram três mecanismos
concomitantemente: exercer uma forma de governo republicano, ter um
compromisso normativo com os direitos humanos e a interdependência
transnacional (DOYLE, 1983). Por fim, a criação e manutenção de instituições
internacionais garantem que os Estados mantenham-se unidos para atuar
conjuntamente em prol do benefício da comunidade internacional, assegurando o
cosmopolitismo, onde cada indivíduo é membro de uma sociedade moral
cosmopolita (KANT, 2008).
Além disso, John Locke (2001) ao debater sobre a natureza humana, afirma
que ela é positiva e que tendemos a um estado de harmonia e convivência
cooperativa por meio de nosso interesses comuns e vontades compartilhadas, logo,
os conflitos seriam a exceção e não a regra, vivemos em busca da paz. Ele também
alega que o ser humano ao sair do seu estado de natureza rumo à sociedade
civilizada, abdica de uma parte de sua liberdade natural para assegurar a proteção
de suas vidas, liberdades e bens. Schmidt (1998) em sua obra, enfatiza a ausência
de uma autoridade suprema no sistema internacional e assim como Locke, mas
dessa vez em âmbito global, reitera que os Estados abdicam de parte de sua
soberania em prol da comunidade internacional.
A invasão russa ao território ucraniano iniciada em fevereiro de 2022, é uma
guerra com profundas raízes seculares em meio a um conflito de interesses e
soberania. Os motivos lineares são extremamente complexos para serem
explicados integralmente, entretanto em um viés geral pode-se afirmar que as
razões do conflito derivam dos conflitos ideológicos durante a Guerra Fria, da
anexação da Crimeia e das negociações para a entrada da Ucrânia na OTAN, a
qual por expandir seu domínio de influência “cercando” o território russo, faz com
que a Rússia tenha seus interesses ameaçados. Baseando-se na Teoria da Paz
Democrática, pode-se afirmar que a Rússia não se configura como uma
democracia, visto que democracias não fazem guerra entre si, apenas Estados não
democráticos que usam a guerra como uma alternativa à paz diplomática (DOYLE,
1983). Ademais, analisando o posicionamento e atuação da Organização das
Nações Unidas nesse conflito, que tem por objetivo manter a paz e a segurança
internacional, observa-se que ela adotou medidas como a convocação do Conselho
de Segurança, investigações de crimes de guerra, elaboração de resoluções e
assistência aos refugiados por meio da ACNUR que está angariando fundos,
solicitando apoio e abrigo aos refugiados aos países e fornecendo assistências
básicas; além das próprias sanções econômicas impostas à Rússia pelos países
constituintes. Apesar das ações, os efeitos não tiveram os resultados esperados,
visto que a própria Rússia faz parte do Conselho de Segurança e tem o poder de
veto garantido, sendo que também em 2014 quando a Rússia foi expulsa do G8 e
condenada a encarar diversas sanções por ter anexado a Crimeia a força, nada
impediu que um futuro confronto armado ocorresse. Além disso, as sanções
impostas pelos países, derivadas das medidas adotadas pela ONU, afetam
diretamente a população russa e o direito à vida, liberdade e propriedade, que
apesar de não ser a vítima nessa situação, tem seus princípios atingidos de
qualquer forma segundo o liberalismo. De um viés liberal, para legitimar a Teoria da
Paz Democrática, as democracias deveriam se apoiar e confrontar militarmente as
tropas russas, já que os direitos e princípios ucranianos, uma democracia, estão
sendo feridos e passando por uma crise humanitária.
Tendo em vista os argumentos apresentados, nota-se que não há nenhuma
evidência que a Teoria da Paz Democrática possa ser de fato aplicada, pois nada
garante que um mundo composto apenas de democracias seja repleto de paz
mundial, além de que essa teoria possa ser uma forma dos Estados ocidentais
enaltecer o liberalismo que deve ser seguido mundialmente e legitimar intervenções
e invasões em Estados não democráticos. Ademais, diante da análise feita, é
possível observar que diante da estrutura atual da ONU a sua atuação não é efetiva
e que o dilema de segurança faz com que os Estados atuem em prol dos próprios
interesses os mascarando de cosmopolitismo, o que poderia talvez ser revertido
pela reconfiguração do Conselho de Segurança e de alguns mecanismos dentro da
ONU para assegurar uma maior representatividade no sistema e uma tomada de
decisões mais assertiva.

Natália Novacoski Silva


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