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Entenda a importância da figura do herói para histórias de

sucesso
Quando pensamos na figura do herói, os primeiros nomes que costumam vir à mente
são guerreiros como Hércules e Odisseu ou, ainda, personagens como os Vingadores e o
Super-Homem.
No entanto, vale lembrar que o conceito vai muito além da ideia de um guerreiro que
luta para proteger a justiça e o bem, sendo uma das peças fundamentais para a estrutura
de uma história. Continue lendo para entender melhor a figura do herói e a sua
importância!
A figura do herói
A ideia de herói tem origem nos mitos gregos, cujos guerreiros se destacam pelos seus
poderes e ações que excedem a capacidade humana. Isso nem sempre quer dizer força
física ou habilidades paranormais: para os gregos, atitudes altruístas e guiadas por uma
lógica não egoísta eram uma demonstração do sagrado.
Talvez seja daí que venha a associação que fazemos, hoje em dia, entre a figura do
herói, uma índole impecável e motivações nobres. Porém, quando falamos do herói de
uma história, o conceito vai além disso.
No livro O Herói de Mil Faces, Joseph Campbell analisa uma espécie de “modelo” de
herói que se repete em quase todos os mitos ao redor do mundo, com base nas teorias de
Freud e Jung, fundadores da psicanálise. Desse modo, Campbell compreendeu que, na
simbologia das mitologias, esse personagem representa a relação de uma pessoa com
seu próprio ego e a superação dos seus limites.
Assim, um herói bem-sucedido, tanto no sentido clássico quanto na análise de
Campbell, seria aquele que consegue dominar e transcender o próprio ego.
O anti-herói
Além de descrever esse modelo geral de herói (que recebe o nome de “arquétipo”),
Campbell também identificou várias modalidades dessa figura que apareciam nas
histórias. O anti-herói é uma das mais famosas dentre essas variações.
Como o nome indica, esse é o personagem que contraria os valores e a moral
tradicionalmente associados ao herói grego, mas ocupa o mesmo papel na narrativa
(vamos falar disso mais a fundo no próximo tópico). Em termos simples, trata-se de
alguém marginalizado ou mal visto pela sociedade, mas com quem o público se
identifica.
Esse conceito surgiu durante o período medieval e, não à toa, um grande exemplo é
Macbeth, de Shakespeare. Já na literatura nacional, o personagem Macunaíma, de Mário
de Andrade, é sempre lembrado. Na cultura popular atual, Walter White, da série
Breaking Bad, é um dos anti-heróis mais amados.
A importância do herói para a história
Na estrutura da narrativa, o herói é responsável por causar identificação com o público.
É a partir do ponto de vista desse personagem que o leitor ou espectador vai acessar e
acompanhar a história.
Em muitos casos, é ele quem determina, também, os personagens secundários que
entrarão em ação, pois, muitas vezes, eles representam facetas da personalidade (ou
ego) do herói.
O mais comum é que a identificação com o herói seja utilizada para passar os
ensinamentos ou reflexões da narrativa — quando o protagonista e o herói coincidem,
aprendemos junto com o personagem.
No entanto, escritores habilidosos também podem se aproveitar dessa conexão para
inverter a norma e causar tensões que enriquecem a narrativa ou dão início a reflexões
no público.
Hitchcock faz isso com maestria no filme Psicose. Ao matar a suposta heroína do filme
em menos de 30 minutos, ele deixa os espectadores “perdidos”, causando uma sensação
de confusão e levando a audiência a se identificar com um personagem que se revela, ao
final, ser o vilão da história.
Com base em tudo o que foi dito, não é exagero concluir que a figura do herói ocupa um
papel central na narrativa e é responsável por fazer todo o resto se encaixar.
Tendo consciência da importância desse personagem e sabendo trabalhá-lo bem, o
escritor consegue acrescentar conflitos, questionamentos e aprendizados da maneira
certa para construir uma história inesquecível!
Entre heróis e vilões

Sendo um dos doze principais arquétipos definidos por Jung, a figura do herói é uma
constante no pensamento coletivo de uma sociedade. Simplificadamente,

o herói é aquele que atende a critérios morais e desejos em comum de um grupo de


pessoas.

Por essa razão os conceitos tanto de herói quanto de vilão não são estáticos e nem
universais. Eles variam de época para época, de povo para povo, já que dependem
intrinsecamente dos valores e desejos de uma sociedade.

Lucifer Rising – Uma releitura do Yin Yang por Kirsi Salonen.

Desde os primórdios da história humana o herói está presente no nosso imaginário. Os


deuses gregos, dotados de diversas características humanas, se diferenciavam pelos seus
super-poderes e a imortalidade. Eram heróis, cheios de defeitos, mas mesmo assim
idolatrados pela população.

Com a ascensão do cristianismo, esses deuses foram sintetizados em dois grandes pólos:
de um lado, a divina trindade, do outro, a figura de Lúcifer. Com o florescimento de
uma mitologia laica, mais próxima do Renascimento, e até o ápice do positivismo, quem
foi assumindo a posição de Bem foi a Razão, enquanto ao Mal sobrou qualquer coisa
que à razão se opunha.

Como lembra Hilda Magalhães, nos dias de hoje “a produção literária, particularmente,
a ocidental sobre a figura do herói realmente assenta-se no maniqueísmo, na
unilateralidade e no sucesso do herói”. E podemos complementar dizendo que esse
maniqueísmo tem fortes influências religiosas.

 
A relação herói-vilão

Cena do filme “Batman – O Cavaleiro das Trevas”. O Coringa funciona


como a principal “escada” para a construção do personagem Batman.

Joseph Campbell, estudioso na área de mitologia e autor da famosa teoria da “jornada


do herói”, defende que o vilão é o responsável por levar o protagonista ao status de
herói (ou anti-herói).

Por exemplo, é muito comum o vilão possuir uma força e poderes muito superiores aos
do herói. Se fosse o contrário, não haveria nenhum obstáculo a ser superado pelo herói e
sua vitória poderia ser vista como injusta. No entanto, por ser mais fraco o protagonista
é obrigado a usar outros recursos, que o distinguem do vilão: sua inteligência, destreza,
coragem e até mesmo seu amor. E com essas características, consideradas muito mais
nobres que a força bruta, o protagonista supera honradamente o seu opositor, tornando-
se herói.

É quase uma contradição o eterno conflito entre herói e vilão e o fato deles possuírem
essa relação mutualística (quase simbiótica), na qual a existência de um não se justifica
sem a existência do outro, como a luz que não existe independentemente da escuridão.
Apesar dessa aparente contradição, os dois, de fato, só existem em pares.

Por que personagens de heróis funcionam nas narrativas?

Transformar uma história complexa e profunda numa simples disputa entre duas forças
– o Bem e o Mal – torna essa história muito mais fácil de ser contada e compreendida.
Esse maniqueísmo entre herói e vilão – ou anjos e demônios – é amplamente usado no
cinema, na mídia em geral, arriscaria a dizer que até em (alguns?) livros de história.

Por exemplo, para noticiar uma troca de


tiros entre policiais e traficantes, suponha que um jornalista resolva transformar os
traficantes (ou supostos traficantes) em vilões arquetípicos, enquanto à polícia cabe o
papel de herói. Com isso, ao lermos a notícia, já novelizada, romanceada, roteirizada,
temos a mais nítida certeza de que os vilões estão absolutamente errados, têm
motivações escusas para seus atos, suas existências ferem a dignidade humana e coloca
em risco a vida de inocentes, eles devem pagar pelos seus atos e, por isso, qualquer
medida tomada pelos heróis é justificável, até mesmo se precisarem matar os vilões.
Sem querer expressar juízo de valor sobre a história hipotética (ou não) acima, esse forma
de contar histórias é chamada por René Köthe de narrativa trivial, e é marcada “pelo
automatismo, pela repetição e pelos clichês, em nível de enredo, personagens, temário,
valores e final”. Se você pegar um jornal para ler e tentar identificar esse tipo de
narrativa é bem provável que encontre, e se perguntar às pessoas que impressões
tiveram sobre as matérias, vai ver que essa narrativa trivial ainda por cima é bastante
eficiente.

Um personagem um pouco mais complexo – o anti-herói

Hannibal Lecter, Dexter, Walter White, Raskólnikov, Macbeth, Frank Underwood,


Pedro Bala, Macunaíma, Capitão Nascimento, Aladdin, Michael Corleone, Rorschach…
Nenhum desses protagonistas possuem as virtudes e a moral do herói clássico, muito
pelo contrário, têm todas as características para receberem o crachá de vilão: furto,
homicídio, latrocínio, canibalismo, produção e tráfico de drogas, extorsão, abuso de
autoridade, etc. Apesar de todas essas imoralidades, são personagens que despertam
nossa empatia e nos convencem até a torcer por suas causas.

O serial killer mais


famoso e querido da atualidade, Dexter Morgan. Um, dos vários exemplos de anti-heróis de sucesso na televisão.

Segundo a psicóloga Tatiana Souza o anti-herói é tão fascinante e conquista as pessoas,


porque ele “é a personificação da face obscura da subjetividade existente em todos os
seres humanos. Pensemos numa válvula de escape que, de maneira camuflada,
possibilita a descarga de todos aqueles impulsos agressivos e sexuais que estão
inconscientes”. No entanto, não basta ele ser cheio de defeitos e evocarem o pior que há
em nós.

O grande sucesso do anti-herói mostra que não é somente pela gama de virtudes do
herói que nós torcemos por eles. Usando as palavras certas e sabendo contar histórias,
qualquer pessoa – tenha ela uma moral ilibada ou seja completamente imoral, ou amoral
– tem potencial de conquistar a empatia do público.

Resumidamente

Um personagem protagonista que tem motivações nobres e realiza ações nobres é um


herói. Um personagem antagonista que tem motivações perversas e realiza ações
perversas é um vilão. Quando uma figura vilanesca sai do papel de antagonista e ganha
o protagonismo ele se torna potencialmente um anti-herói, porque passaremos a ver o
mundo através de seus olhos e ele terá a oportunidade de justificar todas as suas ações e
motivações sombrias (chance essa que um vilão nunca terá).
Por essa perspectiva, é possível concluir com segurança que quem tem o poder de
contar a história e levar as pessoas a olharem o mundo através dos seus óculos, é que
será o herói. Ou, como diria Orwell:

Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o


passado. (1984, George Orwell)

Como um anti-herói inescrupuloso é capaz de nos conquistar?

Para contra-balancear os defeitos morais dos anti-heróis e torná-los fascinantes e


merecedores de nossa torcida, os escritores e roteiristas utilizam alguns artifícios em
comum, além de torná-los, obviamente, protagonistas da história:

1. Backstory: Quando conhecemos os antecedentes de um personagem seus defeitos se


tornam mais compreensíveis e fica bem mais fácil aceitar as suas ações e escolhas,
mesmo quando elas envolvem o cometimento de algum crime.
2. Motivos nobres: Outra maneira de humanizar um anti-herói é dar a ele motivos
nobres, ou em outras palavras, justificar os meios através dos fins.
3. Traços redentores: É comum, também, os anti-heróis demonstrarem pequenos
momentos redentores, que minimizarão todo o mal que ele já cometeu. Uma
demonstração de sensibilidade ou de empatia, a exposição de uma fraqueza, algum
tipo de sofrimento pelo qual ele passe, etc.
4. Colocá-lo ao lado de um vilão clássico: Construir um vilão que seja muito mais imoral
que o anti-herói em questão também é essencial para que ele nos conquiste.

Por exemplo

Vamos pegar o personagem da série Dexter (se não conhecê-lo, tente observar esses 4
pontos na trajetória de outros anti-heróis). Apesar do fato dele ser um serial killer esse
seu terrível lado não o impediu de ser aclamado pelo público e até visto como um
“serial killer do bem”, e isso se deve (além da excelente atuação de Michael C. Hall) à
excelente construção do personagem.

1) Dexter Morgan tem um passado muito trágico, que envolve a morte de sua mãe;

2) O personagem desenvolveu um código ético próprio, no qual ele só se permitia


assassinar “pessoas ruins”. Já que ele nunca conseguiu livrar-se do impulso de matar,
sua ética dá a ele uma forma compensar o mal que faz, e funciona como um motivo
“nobre”;

3) São vários os momentos redentores que cativam o público e humanizam o serial


killer: Os momentos com seu filho, sua reação após a morte da esposa (é spoiler? É, mas já
fazem quase 10 anos, então não reclamem), sua relação com a irmã, seus momentos de
fraqueza, etc.;

4) Como dito no item 2, os roteiristas foram muito bem sucedidos em deslocar o papel
de vilão para as pessoas sob o radar de Dexter. Assassinos, sequestradores,
estupradores, pedófilos, pessoas que fazem mal a inocentes. E assim, o serial killer se
torna heróico ao reservar as lâminas de sua coleção de facas para essas pessoas, que
dentro de sua ética são piores que ele, promovendo uma espécie de limpeza social.

E é através desse discurso que uma pessoa completamente imoral (ou talvez amoral, no
caso de um psicopata) e criminosa consegue erguer-se ao posto de herói.

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