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Letras 2021- Primeiro Bimestre/TMA10

Fichamento de resumo do texto ‘’O conceito de ficção’’


Juan José Saer

O escritor argentino Juan José Saer discorre em seu texto o conceito de

ficção, introduzindo ao leitor uma discussão a respeito dos biógrafos de James

Joyce, e quão verídico são essas biografias feitas acerca da vida do poeta e

romancista. Tendo em mente que a verdade é um conceito incerto, e que as

biografias são estruturadas a partir de relatos que mesmo sendo supostamente

baseados em fatos, não possuem garantia alguma de que os acontecimentos

narrados se encontram plenamente de acordo com os eventos ocorridos na vida do

biografado. Fontes como entrevistas e cartas são muitas vezes inseguras e

anedóticas, e o biógrafo às vezes pode gradualmente se envolver com a

subjetividade do biografado.

Outro ponto abordado por Juan Saer é relacionado ao gênero non-fiction, que

se baseia na exclusão completa de qualquer narração ou evento fictício, o que

supostamente deveria ser uma garantia de plena veracidade e compromisso com a

realidade, na prática não é nenhuma garantia de fidelidade aos fatos reais, porque

mesmo com a intenção de se manter fiel aos eventos ocorridos, existem obstáculos

como a autenticidade das fontes, por exemplo. Neste ponto, o escritor argentino

enfatiza que aquilo que se propõe não ser fictício, não é automaticamente

verdadeiro.
Levando em conta que o non-fiction se propôs a representar a verdade, cabe

a ele aplicar as provas de sua eficacia, segundo Saer. Mas, a respeito do gênero de

ficção, se engana quem pensa que este se esquiva ou foge do tratamento da

verdade. Como o escritor cita em um trecho de seu texto

‘’[…] Ao dar o salto em direção ao inverificável, a ficção multiplica ao infinito

as possibilidades de tratamento.’’

A ficção necessita ser acreditada não enquanto verdade, mas sim em ficção,

pois ela não é a romantização do que é real, mas sim um tratamento específico do

mundo, interligado com aquilo do que trata, de forma própria e extremamente

enriquecedora para quem o lê. Wolfgang von Goethe diz “O Romance é uma

epopéia subjetiva na qual o autor pede permissão para tratar o universo a sua

maneira; o único problema consiste em saber se tem ou não uma maneira; o resto

vem por conseqüência”.

O romance, é o tratamento da realidade a partir do ponto de vista subjetivo de

quem o escreve. Quem cria uma ficção, apresenta ao mundo sua própria

interpretação dos fatos, trazendo uma nova forma de enxergar a realidade. Portanto,

se engana quem pensa que a não ficção é de alguma forma superior a ficção, pois

como Juan Saer aponta, não há garantia de verdade absoluta em uma não ficção,

assim como um romance possui em si o caráter complexo da situação abordada,

trazendo uma nova perspectiva do que é real dentro de um texto fictício.

‘’[…]verdade e ficção relativizam-se mutuamente: a ficção torna-se um esqueleto

ressecado, mil vezes esfolado e recoberto com a carnadura relativa das diferentes

verdades que vão se substituindo umas às outras.’’


Chegando ao fim do texto, Juan Saer aponta que não podemos ignorar que

‘’nas grandes ficções de nosso tempo, e talvez de todos os tempos, está presente

esse entrecruzamento crítico entre verdade e falsidade, essa tensão íntima e

decisiva, não isenta nem de comicidade nem de gravidade, como a ordem central de

todas elas, às vezes enquanto tema explícito e às vezes como fundamento implícito

de sua estrutura.’’ Então, a ficção carrega em si essa dualidade que pode soar para

alguns como um tipo de alienação da realidade, ou até mesmo falsidade. Porém,

para Juan, a ficção é o entrecruzamento crítico entre verdade e falsidade, uma forma

particular de lidar com o real, através de críticas que muitas vezes não são

entendidas por todos exatamente por ter um caráter ficcional e peculiar. ‘’[…] Nem o

Quixote, nem Tristram Shandy, nem Madame Bovary nem O castelo pontificam

sobre uma suposta realidade anterior a sua materialização textual, mas tampouco se

resignam à função de entretenimento ou de artifício: ainda que se afirmem como

ficções, querem no entanto ser tomadas ao pé da letra.’’ Finalmente, podemos

definir a ficção como uma antropologia especulativa.

‘’“O real precisa ser ficcionado para ser pensado. Essa proposição deve ser

distinguida de todo discurso - positivo ou negativo - segundo o qual tudo seria

‘narrativa’, com alternâncias entre ‘grandes’ e ‘pequenas’ narrativas…’’

‘’[…] Não se trata de dizer que tudo é ficção.

Trata-se de constatar que a ficção da era estética

definiu modelos de conexão entre apresentação

dos fatos e formas de inteligibilidade que tornam

indefinida a fronteira entre razão dos fatos e razão

da ficção, e que esses modos de conexão foram


retomados pelos historiadores e analistas da realidade social. Escrever a

história e escrever histórias pertencem a um mesmo regime de verdade.”

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