Você está na página 1de 14

David Roas

Aproximações teóricas

·.�
editora
unesp
Título original: La amenaza de lo fantóstico: aproximaciones
teóricas
© 2 0 13 Editora Unesp

Direitos de publicação reservados à:


Fundação Editora da Unesp (FEU)
Praça da Sé, 1 08
0 100 1-900- São Paulo- SP
Tel.: (Oxx11) 3242-7 17 1
Fax: (Oxx11) 3242-7172
www.editoraunesp.com.br
www.livrariaunesp.com.br
feu@editora. unesp.br

CIP - Brasil. Catalogação na publicação


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

R544a

Roas, David

A ameaça do fantóstico: aproximações teóricas I David

Roas; tradução Julión Fuks. - 1.ed. - São Paulo: Editora

Unesp, 2014.

Tradução de: La amenaza de lo fantóstico: aproxima­


ciones teóricas

ISBN 978-85-393-0497-4

1. Literatura espanhola - História e crítica. 2. Crítica

literória. I. T ítulo.

13-052 16 CDD: 809

CDU: 82.09

Editora afiliada:

EJ!JJ AD
Asociación de Ed1tor1ales UllÍ\I'ersitarias Assoctação Bra81.1eira de
de América Latina y el Car1be Editoras Untversit.Arias
3.
Contexto sociocultural
e efeito fantástico:
um binômio inseparável

Um dia, um homem recebe em sua casa a vi­


sita de um vendedor de Bíblias. Entre os diversos
livros que lhe oferece, há um diferente dos demais.
Trata-se de um livro de inumeráveis páginas. Um
livro infinito. O homem o examina e, transtornado
pela presença de um objeto que ele sabe impossí­
vel, nada pode fazer a não ser exclamar: "Isso não
pode ser." O vendedor de Bíblias, que já previa essa
reação (porque também pensa a mesma coisa), res­
ponde de maneira lacônica: "Não pode ser, mas é."
Essa cena, esse paradoxo narrado por Borges em
seu conto "O livro de areia", define perfeitamente o
gênero fantástico.
Dentro da ideia do real (do possível) que os
personagens do conto compartilham, a existência
de um livro infinito é impossível, contraria as leis
físicas que organizam o mundo (como diz o pro­
tagonista: "Senti que era um objeto de pesadelo,
uma coisa obscena que inflamava e corrompia a

109
David Roas
' A ameaça do fant6stico

realidade.").1 O problema é que, apesar de tudo, o j terpretar o verdadeiro sentido da história narrada:

I
livro está ali. "Não pode ser, mas é." se o mundo do texto, que funciona como o nosso,
Por que essa história fantástica impressiona os pode-se ver assaltado pelo inexplicável, poderia isso
leitores? Para além da habilidade do narrador em ocorrer no nosso mundo? Ainda, quem poderia su­
comunicar o escândalo (e o temor) do protagonista, por que isso pudesse acontecer na realidade? Esse é
para além da verossimilhança em que está mergu­ o grande efeito do fantástico: provocar - e, portan­
lhado o conto todo, a inquietude que o leitor expe­ to, refletir- a incerteza na percepção do real.
rimenta nasce da relação inevitável que estabelece Podemos afirmar, portanto, que a literatura
entre a história narrada e seu próprio mundo, entre fantástica oferece sempre uma temática tendente a
um fato ficcional e sua própria realidade. contradizer nossa concepção do real. Por mais que
O mundo construído nos contos fantásticos é saibamos quanto são fictícios os fatos narrados, o
sempre um mundo em que de início tudo é normal leitor deve contrastá-los com sua ideia do real para
e que o leitor identifica com sua própria realidade. avaliar na medida justa o que acontece na história
E não me refiro aqui simplesmente à presença no narrada e, sobretudo, para compreender o que se
texto de dados provenientes da realidade objetiva pretende com a narração de tal história (alterar nos­
(assim, no conto de Borges o protagonista vive em sa noção do real). O fantástico, portanto, depende
Belgrano, fala-se da Bíblia, menciona-se Lutero, Ste­ sempre do que consideramos real, e o real deriva
venson, a cidade de Bombaim e o Museu Britânico). diretamente daquilo que conhecemos.2 Assim, não
Além dessas referências, reconhecíveis pelo leitor e podemos manter nossa recepção limitada à reali­
que garantem uma evidente ilusão de realidade, o dade intratextual quando nos deparamos com um
que é verdadeiramente importante é que a constru­ conto fantástico. Relacionando o mundo do texto
ção do mundo textual parece estar destinada a de­ com o mundo real, torna-se possível a interpretação
monstrar que ele funciona de modo idêntico ao real. do efeito ameaçador que o narrado impõe para as
Um funcionamento aparentemente normal que, de crenças sobre a realidade empírica.
repente, se verá alterado pela presença do sobrena­ É evidente que, em todo processo de leitura, seja
tural, isto é, por um fenômeno que contradiz as leis de um texto fantástico, seja de um texto "realista"
físicas que organizam esse mundo. É isso o que leva (mimético), o leitor projeta sua visão do mundo ex­
os leitores a abandonar o âmbito estrito do textual terno sobre o mundo criado no texto para interpre-
e a assomar a sua própria realidade: primeiro, para
pôr o narrado em contato com a sua ideia do real,
uma vez que é algo que a contradiz; e, segundo, e 2 Toda representação da realidade depende do modelo de mun­
do de que parte uma cultura: "realidade e irrealidade, possí­
que para mim é muito mais importante, para in-
vel e impossível se definem em sua relação com as crenças às
quais um texto se refere" (Segre, Principias de análisis dei texto
Borges, El libro de arena. ln: __ , El libro de arena, p. I 15. literário, p.257).

110 111
David Roas A ameaça do fantástico

tar o que acontece nele.3 Ler supõe cooperar com o Assim, a confrontação- sempre problemática -
texto, colocá-lo em contato com nossa experiência que se produz entre o crível e o incrível, entre o
do mundo. Mas, a meu ver, a literatura fantástica real e o sobrenatural, é o que distingue a litera­
obriga, mais que qualquer outro gênero, a ler re­ tura fantástica de outros gêneros (ou subgêneros)
ferencialmente os textos. Sabemos que um conto narrativos, sobretudo daqueles, como a literatura
é fantástico por sua relação conflituosa com a rea­ maravilhosa, em que também há a intervenção de
lidade empírica. É por isso que ele vai além do tipo fenômenos que à primeira vista consideraríamos
de leitura gerado por uma narração realista, em que sobrenaturais. O mundo maravilhoso, diferente­
o interesse da história está focado principalmente mente do fantástico, é sempre construído como um
nos conflitos enfrentados pelos personagens, uma lugar inventado- um mundo paralelo- onde qual­
vez que tudo o que acontece, dentro de suas múlti­ quer fenômeno é possível, o que permite ao leitor
plas variações, se situa sempre dentro do possível. supor que tudo o que acontece ali é normal, natu­
A analogia com o mundo real é total. Não há trans­ ral. Esses textos, assim, não provocam a intervenção de
gressão, tudo é coerente, homogêneo. Em outras nossa ideia de realidade, de modo que não se estabele­
palavras, nas ficções realistas a "verdade" dos fatos ce nenhuma transgressão dessa ideia.
não está sujeita à discussão, uma vez que a realidade Diante do maravilhoso, o mundo construído
representada coincide com a experiência do leitor.4 no interior do texto fantástico deve oferecer signos
que possam ser interpretados a partir da experiên­
3 A fenomenologia e a pragmática do conto tornaram evidente cia de mundo do leitor. Isso lhe permite contrastar
a relação dialética que existe entre o mundo do texto e o as naturezas opostas dos acontecimentos narrados
mundo do leitor. Assim, Hrushovski ressalta que ler supõe
e captar sua relação de conflito.
projetar o "campo de referência externo" (ERF), isto é, a
realidade física, social e humana, sobre o "campo de refe­ Um conflito que, em muitas ocasiões, já é de­
rência interno" (IRF), criado no texto. O IRF é um conjunto clarado explicitamente pelos narradores fantásticos
heterogêneo de elementos (personagens, situações, espa­ nas primeiras linhas de seus contos:
.,,

ços, ideias etc.), relacionados entre si, que a linguagem do , ,

texto institui desde a primeira frase, ao mesmo tempo que


se refere a ele, e que está modelado a partir de aspectos da Confesso que encaro com considerável timidez
realidade externa (Harshaw (Hrushovski), Fictionality and a estranha narração que estou a ponto de relatar. Os
Fields of Reference. Remarks on a Theoretical Framework,
acontecimentos que pretendo detalhar são de uma na­
Poetics Today, 5, 2, 1984, p. 227-51). Por sua vez, Paul Ricoeur,
por exemplo, fala da intersecção entre o mundo do texto e o
tureza tão extraordinária que estou plenamente pre­
mundo do leitor (Narratividad y referencia. ln: __ , Tiem­ parado para me confrontar com uma quantidade in­
po y narración, p.153-60). Sobre esse assunto, ver também 'I comum de incredulidade e escárnio. Aceito tudo de
"
Villanueva, Teorías del realismo !iteraria (sobretudo as páginas
antemão. Tenho, confio nisso, o valor literário neces­
101 a 120).
4 Ver Campra, Lo fantástico: una isotopía de la transgresión. sário para enfrentar o ceticismo. Decidi, depois de
ln: Roas (org.), Teorías de lo fantástico, p l 56
. . uma madura consideração, contar da forma mais sim-

1 12 113
David Roas A ameaço do fantástico

ples e direta possível alguns fatos que testemunhei fira esse mundo ao texto em sua mais absoluta
no último mês de julho, e que não têm precedentes cotidianidade. Desde suas distantes origens nos
nos anais dos mistérios da ciência física.5 castelos medievais em ruínas do romance gótico,
as histórias fantásticas vieram progressivamente

Como vemos, o narrador tem perfeita cons­ se instalando na simples e prosaica vida cotidiana,
ciência de que os acontecimentos que vai relatar para impressionar um leitor que, com o passar do
contradizem aquilo que o leitor conhece de seu tempo, foi se tornando cada vez mais cético diante
universo. No entanto, conta justamente por isso, do sobrenatural.7 Quanto mais próximo do leitor,
por essa contradição. Essa é a razão básica do con­ mais crível, e quanto mais crível, maior será o efeito
to fantástico: revelar algo que vai transtornar nossa psicológico produzido pela irrupção do fenômeno
concepção da realidade. Sem esquecer, além disso, insólito.
que, em todo conto fantástico, o fenômeno sobre­ Mas existem narrativas em que a representa­
natural é sempre sugerido como exceção, como um ção de uma realidade cotidiana e de elementos que
acontecimento incomum, pois do contrário se con­ o leitor identifica como sobrenaturais não provo­
verteria em algo normal e não seria tomado como ca um efeito fantástico. Temos um bom exemplo
uma transgressão, como uma ameaça. disso em A Christmas Carol ("Um conto de Natal"),
Assim, todos os esforços do narrador se des­ de Charles Dickens, em que a presença dos fantas­
tinam a vencer a esperada incredulidade do leitor mas que vêm atormentar o pobre Scrooge não tem
(que sabe que, no seu mundo, essas coisas não nenhuma vontade transgressora. E isso é assim
acontecem) e conseguir fazer com que a ocorrência porque o efeito final que se quer comunicar é uma
sobrenatural seja aceita, que sua presença se im­ alegoria moral: os fantasmas são simples adver­
ponha como factível, ainda que ela não possa ser tências para que Scrooge volte ao caminho "corre­
explicada. Admitir sua origem sobrenatural não sig­ to". Não esqueçamos, além disso, que tudo parece
nifica explicá-lo (compreendê-lo), como acontece acontecer em sonhos, explicação racional que des­
com o protagonista de "O livro de areia". barata, como sabemos, o efeito fantástico. Assim,
E não se trata apenas de construir um espaço essa alegoria moral que se quer comunicar é o que
verossímil6 e similar em seu funcionamento ao determina a recepção do leitor: uma vez acabada a
mundo do leitor, e sim que o narrador como de­
monstra a evolução do gênero fantástico trans- 7 São numerosas e variadas as estratégias discursivas e narra­
tivas para conseguir fazer o leitor abandonar seu ceticismo e
5 O'Bríen, C:Qué es eso? ln: __, La lente de diamante y otros aceitar a dimensão sobrenatural do narrado, ou, quando me­
relatos de terror, p. 71. nos, duvidar da explicação racionalista da realidade. Pode-se
6 Sobre o problema da verossimilhança fantástica, ver Srámek, ver uma análise de algumas dessas estratégias em Herrero
La V raísemblance dans !e récít fantastique, Études Romanes de Cecilia, Estética y pragmática dei relato fantástico las estrategias
-

Brno, XIV, 1983, p.71-82. narrativas y la cooperación interpretativa del lector, p.l45-238.

1 14 1 15
David Roas A ameaça do fantóstico

leitura, o que inicialmente poderia passar por nar­ O componente sobrenatural da narrativa de
rativa fantástica acaba desembocando em um tipo Dickens não tem como finalidade estabelecer uma
de história muito diferente, uma vez que sua in­ transgressão ameaçadora do real, sendo em vez
tenção se afasta daquela alteração de nossa ideia do disso utilizado como meio para intensificar o efei­
real que define o fantástico. Com isso torna-se evi­ to moral da história sobre o leitor. Trata-se, pois,
dente que não podemos decidir a priori que um con­ para utilizar um conceito cunhado pelos formalis­
to é fantástico pelo mero fato de que apareçam em tas russos, de uma questão de dominante.9 jakobson
suas páginas supostos fenômenos sobrenaturais. A definia o dominante como o componente central de
qualidade fantástica de um texto não é nunca aprio­ uma obra de arte que rege, determina e transforma
rística, estabelecendo-se à medida que avançamos todos os demais. Aplicando essa ideia aos textos
na leitura. Pensemos, por exemplo, em narrativas fantásticos, poderíamos dizer que a função primor­
aparentemente fantásticas como os romances góti­ dial deles seria transgredir a concepção do real que
cos de Ann Radcliffe, onde tudo se explica racional­ os leitores possuem. Quando essa transgressão de­
mente no final, demonstrando que os fenômenos saparece ou passa a ocupar um posto secundário,
sobrenaturais que aparecem nas histórias não pas­ substituída por outra função (no exemplo comen­
sam de truques para aterrorizar os personagens (e, tado, a alegórica), a narrativa não pode ser conside­
com eles, o leitor). O que a princípio parece fantás­ rada fantástica.
tico, tanto para os personagens quanto para o leitor, Algo semelhante acontece nos textos em que
é desmentido no final da leitura.6 se combina o sobrenatural e o humor, um assunto
bastante espinhoso que requer muito mais espaço
do que seria possível dedicar aqui. Ainda assim,
8 A mesma coisa acontece com o que Jean Fabre chama de
"fantasmatique". e que não deve ser confundido com o fan­ não resisto a colocar algumas ideias básicas.
tástico (Le Memoir de sorciere. Essai sur la littérature fantasti­
que). O "fantasmatique" corresponde à expressão direta de
fenômenos psicológicos ou psicopatol6gicos, como o sonho.
a alucinação (como efeito da febre ou do uso de drogas), a consciente, de clausura insular, e que interfira na realidade,
obsessão etc. Essa forma de "fantástico" funciona proviso­ criando algo sobrenatural que o escritor possa tratar de ma­
riamente no decorrer da leitura, gerando efeitos similares de neira maravilhosa ou fantástica", p.l24); e aquelas narrati­
suspense e angústia. Seu final explicado, no entanto, elimina vas, como "O Horla", de Maupassant, e A outra volta do pa­
o efeito fantástico e produz uma evidente decepção no leitor. rafuso, de Henry James, nas quais se cria um efeito ambíguo
Trata-se, afinal, de um falso sobrenatural. Mas Fabre acres­ entre uma explicação sobrenatural e uma racional (a possí­
centa que "seria simplista concluir pela incompatibilidade vel doença mental do personagem).
entre Fantástico e Fantasmático" (p.l21), e dá exemplos 9 O conceito de dominante está documentado já em Tomashe­
em que os recursos do sonho e da loucura de fato geram vski e em Tynyanov no contexto da teoria dos gêneros, tendo
um efeito fantástico: os sonhos de caráter preditivo, ou seía. sido utilizado por jakobson para definir a função poética. Ver
os que se convertem em realidade ("para isso é preciso que Tomashevski, Teoría de la literatura; e Jakobson, Lingüística y
ele transgrida seu estatuto natural de íardim privado do in- poética, In: --· Ensayos de lingüística general, p.347-95.

116 117
David Roas A ameaça do fant6stico

Como observa Bakhtin com muita lucidez, "o lher, mas isso não supõe sua morte. A narrativa nos
riso destrói o medo e o respeito pelo objeto, pelo oferece aventuras sucessivas e disparatadas tendo
mundo, transformando-o em um objeto de cantata como culpado esse novo estado (todos acham que
familiar, preparando com isso sua investigação livre ele está morto), até que no final, por puro acaso, ele
e completa".10 E é assim porque o riso estabelece consegue recuperar o fôlego perdido.11 Neste caso,
uma distância entre o leitor e o mundo da narra­ é o tratamento humorístico do fenômeno o que o
tiva, o que provoca o desaparecimento da habi­ despoja de seu possível componente transgressor.
tual identificação que se estabelece entre o leitor Trata-se pura e simplesmente de um jogo grotesco­
e o personagem. Quando o humor se combina ao isto é, deformante e hiperbólico - que estabelece
sobrenatural em narrativas (supostamente) fantás­ uma situação que transcende toda verossimilhança
ticas, não apenas desaparece essa identificação lei­ e que vai além de qualquer sentido. A única coi­
tor-personagem como também - algo muito mais sa que interessa é sua deformação. Uma ideia que
importante - a que existe entre a realidade do leitor coincide com a definição do grotesco proposta por
e a realidade representada no texto. Sem esquecer Valeriano Bozal:
que o narrador, por meio desse distanciamento que
o humor lhe permite, oferece um tratamento da Utilizo o termo grotesco para me referir às imagens
história claramente descrente. Em um e outro âm­ que não se limitam a uma representação satírica cor­
bito- emissor e receptor- estabelece-se o que po­ retora ou reformadora, imagens que encontram inte­
deríamos denominar uma "distância de segurança" resse estético na deformação (grotesca) da natureza e
em relação ao sobrenatural, desvirtuando o possível que, portanto, valorizam em si mesma essa deforma­
efeito fantástico. ção sem finalidades ulteriores.12
Assim, enquanto no conto de Dickens o sobre­
natural é utilizado como meio para comunicar e
intensificar o efeito da alegoria moral, neste caso
11 Dois contos de temática e intenção semelhante ao de Poe
ele se converte em um mero veículo do humor. E
são "O nariz", de Nikólai Gógol (o nariz do protagonista ga­
essa união entre o sobrenatural e o cômico costu­ nha independência de seu rosto por um tempo) e "Onde está
ma desembocar no grotesco. Um bom exemplo dis­ minha cabeça?", de Benito Pérez Galdós (um dia o protago­
so é o que temos no conto "Perda de fôlego", de nista acorda sem cabeça e sua única preocupação é recuperá­
-la; curiosamente, sua nova aparência não produz nenhum
Edgar Allan Poe, cujo protagonista perde o fôlego espanto nas pessoas que ele vai encontrando). Ver uma
(deixa de respirar) em uma discussão com sua mu- análise mais detalhada desses três contos em minha tese de
doutorado: La recepción de la literaturafantástica en la Espana dei
siglo XIX, Universidad Autónoma de Barcelona, 2000, cap.
VII, seção 2.3.5.
10 Bakhtin, Épica y novela. Acerca de la metodología dei análi­ 12 Bozal, Goya: imágenes de lo grotesco. ln: Davis; Smith
sis novelístico. ln: __ , Teoria y estética de la novela, p.468. (orgs.), Art and Literature in Spain: 1600-1800, p.SO.

118 119
David Roas A ameaça do fantástico

Desse modo, a intencionalidade do grotesco que o leitor tem.14 Em outras palavras, para definir
não vai além do estrito campo do fictício, ou seja, o gênero fantástico é necessário contrastar o mun­
dirige-se sempre à ficção e não ao referente real. A do do texto com o contexto sociocultural em que
hipérbole grotesca impede que o leitor possa chegar vive o leitor. O discurso fantástico é, como alerta
a "acreditar" no que é narrado, que é consumido Roberto Reis, um discurso em relação intertextual
fundamentalmente como um divertimento. O efei­ constante com esse outro discurso que é a reali­
to final é única e exclusivamente o riso. Porque essa dade, entendida como construção cultural.15
é a intenção final do autor: oferecer uma história Isso supõe ir além de definições de caráter es­
humorística. Trata-se, de novo, de um problema de truturalista ou imanente, como a de Todorov,16 que
dominante. se esquiva do problema da relação com o real pos­
Os contos de Dickens e Poe são, portanto, nar­ tulando que a existência do fantástico depende uni­
rativas "pseudofantásticas", termo com o qual iden­ camente da reação do leitor implícito, uma entidade
tifico as narrativas que utilizam estruturas, temas que faz parte do mundo ficcional. A definição de
e recursos próprios do conto fantástico autêntico, Todorov reduziria, desse modo, o fantástico a um
mas cujo tratamento do sobrenatural os distan­ puro jogo intratextual: cria-se no texto um mundo
cia do gênero: são textos que não pretendem criar cujo funcionamento é alterado por um fenômeno
qualquer efeito sinistro sobre o leitor, uma vez que, que vai além da lógica que ordena esse mundo (à
ou terminam racionalizando os supostos fenôme­ primeira vista, não importaria muito se está próxi­
nos sobrenaturais, ou a presença deles não passa de mo ou não da realidade). E essa alteração provoca
um pretexto para oferecer uma narrativa grotesca, a vacilação do leitor implícito, que não sabe como
alegórica ou satírica.13
No fim das contas, o que diferencia radicalmen­ 14 É claro que, como comenta Susana Reisz, "quando se pro­
te os textos citados das narrativas fantásticas puras cura estabelecer o grau de adequação de um texto à reali­
dade, é preciso renunciar a todo tipo de definição ontológica
é que, com eles, o leitor nunca vê sua ideia de rea­
e basear-se, em vez disso, naquilo que aceitamos cotidia­
lidade ameaçada. namente como realidade, em geral sem questionamento,
Como se faz evidente, a condição genérica que naquilo que apreendemos e descrevemos como realidade e
estou expondo para definir o fantástico se situa na que ao ser verbalizado é, se não constituído, ao menos cc­
constituído pela língua de que nos valemos para verbalizá-lo
dimensão pragmática do texto, na forma como ele é e, mais especificamente, pelos textos concretos nos quais
lido e interpretado, uma vez que, a meu ver, o fan­ o verbalizamos. Não falamos, portanto, da realidade em si
tástico depende diretamente da ideia de realidade nem do mundo em si, mas dos modelos interiores do mundo
exterior postos em jogo pelos comunicantes no ato de comu­
13 Sobre a terminologia exposta e sua aplicação no estudo da nicação" (Teoría y análisis del texto literario, p.llO).
literatura fantástica espanhola do século XIX, ver o capítu­ 15 Reis, O fantástico do poder e o poder do fantástico, Ideologies
lo VII (seções 2.2.4 e 2.3.5) de minha tese de doutorado, and Literature, n.l34, 1980, p.6.
antes citada. 16 Ver Todorov, Introduction à la littérature fantastique, p.28-45.

120 121
David Roas A ameaça do fant6stico

explicar o que aconteceu. Definida desse modo, autora reconheça a necessidade de uma leitura refe­
qual seria então a transcendência da literatura fan­ rencial, de contrastar os fenômenos narrados com a
tástica? Como explicar a inquietude provocada no concepção que o leitor tem do real para poder iden­
leitor real e o interesse que ela continua suscitando tificar um texto como fantástico.20 Não obstante,
no gênero fantástico? Não é estranho que Todorov essa perspectiva linguística serviu para tornar evi­
compare o funcionamento da narrativa fantástica dente que a transgressão, a subversão, proposta por
com o da literatura policial mais clássica, baseando­ toda narrativa fantástica não se limita unicamente
-se única e exclusivamente no jogo formal da re­ a sua dimensão temática, manifestando-se tam­
solução de um mistério aparentemente insolúvel. bém no nível linguístico, uma vez que, ao propor
A intenção última da narrativa policial não é outra a descrição de um fenômeno impossível, altera a
senão conquistar a admiração e o prazer do leitor representação da realidade estabelecida pelo siste­
diante de sua perfeição formal. Tudo fica, portanto, ma de valores compartilhado pela comunidade. A
dentro do estrito âmbito intratextual.17 literatura fantástica manifestaria, assim, as relações
Apesar de tudo, Todorov não pode deixar de re­
problemáticas que se estabelecem entre a lingua­
conhecer a relação do fantástico com o mundo ex­
gem e a realidade, uma vez que tenta representar
tratextual ao enumerar os temas que caracterizam o
o impossível, ou seja, ir além da linguagem para
gênero, todos eles são expressão de nossa visão do
transcender a realidade admitida.
real, de nossos temores e tabus.
E tudo isso nos leva, de novo, a afirmar a ne­
Essa definição pragmática que estou expondo
cessária leitura referencial dos textos fantásticos, a
também supõe ir além das definições baseadas no
colocá-los sempre em contato com a realidade ex­
uso particular da linguagem que se faz nos textos
tratextual, com o contexto sociocultural do leitor.
fantásticos. Embora Rosalba Campra18 tenha razão
Acontece a mesma coisa quando nos confronta­
ao afirmar que o fantástico se caracteriza por uma
transgressão linguística em todos os níveis do tex­ mos com o que deu por se chamar de "neofantás­
to- em outras palavras, que "não é apenas um fato tico", termo cunhado por AlazrakF1 que identifica
da percepção do mundo representado, mas também uma nova forma de cultivar o fantástico e que pode-
de escrita"19 -, é muito significativo que a própria

20 Mary Erdal Jordan, depois de definir o fantástico moderno


17 Isso é o que diferencia a literatura policial do romance noir, como um fenômeno linguístico, também considera "tal nar­
em que o problema formal, o mistério a resolver, funciona rativa extremamente dependente de uma noção de extratex­
simplesmente como pretexto ou armação para desenvolver to que a define como expressão de uma realidade contrasta­
uma visão crítica da sociedade. da" (La narrativa fantástica. Evoluci6n dei género y su relaci6n con
18 Ver Campra, Lo fantástico: una isotopía de la transgresión. las concepciones del lenguaje, p.ll1).
ln: Roas, Teorías de lo fantástico, p.153-91. 21 Alazraki, C:Qué es lo neofantástico?, publicado em Mester,
19 Cambra, Lo fantástico: una isotopía de la transgresión, op. v.XIX, 2, outono de 1990, p.21-33; reunido com algumas
cit., p.191. correções em Roas, Teorías de lo fantástico, p.265-B2.

122 123
David Roas A ameaço do fantástico

mos exemplificar, para citar apenas alguns autores, tista- uma entidade perfeitamente ordenada e imu­
com as obras de Kafka, Borges e Cortázar. Desse tável. O neofantástico, pelo contrário, responderia a
modo, Alazraki contradiz a discutível afirmação de uma concepção inédita da realidade, segundo a qual
Todorov de que o gênero fantástico já não tem razão à margem do racional existiria outra realidade que,
de ser no século XX, por ter sido substituído pela em determinadas ocasiões, se imiscui no devir da
psicanálise.22 primeira. Nas palavras de Cortázar:
Essa asseveração de Todorov é motivada, so­
bretudo, por um fato fundamental, manifesto cla­ [ . ] o fantástico é a indicação súbita de que, à mar­
. .

ramente em A metamorfose, de Kafka: a ausência de gem das leis aristotélicas e de nossa mente pensante,

vacilação e de espanto tanto no narrador quanto existem mecanismos perfeitamente válidos, vigen­

nos personagens diante de um fenômeno que não tes, que nosso cérebro lógico não capta, mas que em

duvidaríamos em classificar como sobrenatural.23 alguns momentos irrompem e se deixam sentir.24

Uma ausência que Todorov justifica afirmando que


o mundo descrito na narrativa de Kafka é totalmen­ Assim, o objetivo da literatura "neofantástica",
te estranho, tão anormal como o acontecimento que segundo Alazraki, mais que propor uma possível
lhe serve de fundo. Isso o leva a considerar o mundo transgressão do real, seria revelar essa segunda rea­
criado por Kafka como um mundo de ponta-cabeça lidade que se esconde atrás da cotidiana. Ampliar
em que o fantástico deixa de ser uma exceção para nossa visão do real. Poderíamos dizer que o verda­
se converter em sua regra de funcionamento. Desse deiramente transgressor é que se outorgue a mes­
modo, já não haveria possibilidade alguma de trans­ ma validade e verossimilhança a ambas as ordens.
gressão do real, que é o que define o fantástico. As situações estabelecidas nesses textos são
Para Alazraki, entretanto, a obra de Kafka mos­
tra a transformação que se produz entre a literatura [.. . ] metáforas que buscam expressar vislumbres, en­
fantástica do século XIX e a do XX. Na primeira, trevisões ou interstícios de sem-razão que escapam

caracterizada pelo efeito aterrorizante sobre o lei­ ou resistem à linguagem da comunicação, que não

tor (ausente, segundo Alazraki, no neofantástico), cabem nas células construídas pela razão, que vão a

o que se postula é a possível ruptura da coerência contrapelo do sistema conceptual ou científico com

do mundo, considerado - segundo a visão oitocen- que lidamos diariamente.25

22 ·� psicanálise substituiu (e tornou inútil) a literatura fan­


O problema dessas situações - perfeitamente
tástica. [ ...] Os temas da literatura fantástica se tornaram, ilustrado pela narrativa de Kafka - é que seu sen-
literalmente, os mesmos das pesquisas psicológicas dos úl­
timos cinquenta anos." (Todorov, Introduction à la littérature
fantastique, p.l69). 24 González Bermejo, Conversaciones con Cortázar, p. 42.
23 Todorov, lntroduction à la littérature fantastique, p.l77-84. 25 Alazraki, iQué es lo neofantástico?, op. cit., p.277.

124 125
David Roas A ameaça do fant6stico

tido metafórico nos escapa.26 O paradoxal é que mundo representado nesses textos, está se produ­
não haveria outra forma de aludir a essa segunda zindo uma transgressão de sua concepção do real.
realidade que resiste a ser nomeada pela linguagem Como adverte com muita lucidez Susana Reisz, o
ordinária. fato de
A definição que Alazraki dá para o neofantás­
tico está diretamente relacionada, a meu ver, com [ .. ] que a transformação de Gregor Samsa em inseto
.

a visão que a filosofia e a ciência contemporâneas seja apresentada pelo narrador e assumida pelos per­
têm da realidade como uma entidade indecifrável. sonagens sem questionamento é sentido pelo recep­
Vivemos em um universo incerto, em que não há tor como outro dos impossíveis da história, embora de
verdades gerais, pontos fixos a partir dos quais con­ ordem diversa da metamorfose em si. Como a meta­
frontar o real. Isso supõe abolir a concepção positi­ morfose constitui uma transgressão das leis naturais,
vista que se tinha no século XIX, da realidade como o não questionamento dessa transgressão é sentido
uma entidade imutável e ordenada. Porque já não por sua vez como uma transgressão das leis psíquicas
há como compreender, como captar o que é a reali­ e sociais que, junto com as naturais, fazem parte da
dade. Portanto, se não sabemos o que é a realidade, nossa noção de realidade. 27
como podemos nos propor a transgredi-la? Mais
ainda, se não há uma visão unívoca da realidade. Sem esquecer que a transformação de Gregor
'

tudo é possível, de modo que também não haveria Samsa, apesar da comentada falta geral de espanto,
possibilidade de transgressão. é proposta como uma exceção, condição básica do
Mas, apesar dessa nova concepção filosófica, tratamento do sobrenatural em toda narrativa fan­
nossa experiência da realidade continua nos di­ tástica. Tal como ressalta Cortázar, "só a alteração
zendo que os seres humanos não se transformam momentânea dentro da regularidade delata o fan­
em insetos nem vomitam coelhinhos vivos (como tástico, mas é necessário que o excepcional passe a
acontece com o protagonista de "Carta a uma se­ ser também a regra sem deslocar as estruturas ordi­
nhorita em Paris", de Cortázar). Por mais que os nárias entre as quais se inseriu".28 Não tem que ser
narradores e personagens dessas narrativas não se um simples relance momentâneo, e sim permane­
espantem e não se perguntem as causas de suas ex­ cer, inserir-se na realidade.29
periências inquietantes, não resta dúvida de que,
para o leitor, que apesar de tudo se reconhece no
27 Reisz, Las ficciones fantásticas y sus relaciones con otros
tipos ficcionales, op. cit., p.218.
28 Cortázar, Dei cuento breve y sus alrededores. ln:--·
Ú l­
26 Utilizando as palavras de Saúl Yurkievich para descrever o timo round, p.S3.
fantástico cortazariano, tratar-se-ia de "fissuras do normal/ 29 O exemplo que Cortázar dá é perfeito: "Descobrir em uma
natural que permitem a percepção de dimensões ocultas, mas nuvem o perfil de Beethoven seria inquietante se durasse dez
não sua intelecção" (Julio Cortázar: mundos y modos, p.27). segundos antes de se desfazer e se transformar em fragata

126 127
David Roas A ameaça do fant6stico

Podemos dizer, portanto, que possuímos uma mente sem importância: um homem chega em casa,
concepção do real que, embora possa ser falsa, é se aconchega no sofá preferido e começa a ler um
compartilhada por todos os indivíduos (trata-se, romance em que se narra a história de um casal de
como eu disse antes, de uma construção cultural) e amantes que planejam a morte do marido dela. O
nos permite, em última instância, identificar o con­ que surpreende nesse conto magistral de Cortázar
flito entre o ordinário e o extraordinário que define é que essa realidade cotidiana acaba sendo invadida
o gênero fantástico. pela esfera do mundo da ficção: na última cena, o
Assim, tanto o conto fantástico "tradicional" protagonista é assassinado por um dos personagens
quanto o "neofantástico" têm um mesmo efeito, do romance que está lendo. O efeito fantástico surge
ainda que expresso por meios diferentes: transgre­ dessa metalepse, dessa intersecção entre duas ordens
dir nossa percepção do real. Afinal, como adverte inconciliáveis, entre as quais, aparentemente, não
Teodosio Fernández, existe continuidade possível. Daí o sentido do título.
E é tal a confusão que o conto de Cortázar gera
[...] a aparição do fantástico não tem por que residir que, quando o leitor termina de ler, acaba olhando
na alteração por elementos estranhos de um mundo para trás por cima do ombro, por via das dúvidas.
ordenado pelas leis rigorosas da razão e da ciência. Em última instância, o que essa intersecção de níveis
Basta que se produza uma alteração do reconhecível, de ficção põe em suspenso é nossa própria realidade.
da ordem ou desordem familiares. Basta a suspeita Assim, é fundamental colocar em contato o mun­
de que outra ordem secreta (ou outra desordem) do intratextual e o mundo extratextual- o horizon­
possa colocar em perigo a precária estabilidade da te sociocultural do leitor - ao nos depararmos com
nossa visão do mundo.30 ficções fantásticas,

Pensemos, por exemplo, na utilização que se [.. ] já que elas se sustentam no questionamento da
.

faz do recurso da metaficção em alguns contos fan­ própria noção de realidade e tematizam, de modo
tásticos contemporâneos. Um bom exemplo disso muito mais radical e direto que as demais ficções lite­
é "Continuidade dos parques", de Cortázar. Nesse rárias, o caráter ilusório de todas as "evidências", de
brevíssimo conto, o narrador constrói uma reali­ todas as "verdades" transmitidas em que o homem
dade ordinária feita de atos cotidianos e aparente- de nossa época e de nossa cultura se apoia para elabo­
rar um modelo interior do mundo e situar-se nele.31
ou pomba; seu caráter fantástico só se afirmaria caso o perfil
de Beethoven continuasse ali enquanto o resto das nuvens 31 Reisz, Las ficciones fantásticas y sus relaciones con otros
seguisse com sua desintencional desordem sempiterna" (Dei tipos ficcionales, op. cit., p.l94. Ana María Barrenechea ma­
cuento breve y sus alrededores, op. cit., p. 53; grifo meu). nifesta uma opinião semelhante quando afirma que "não se
30 Fernández, Lo real maravilloso de América y la literatura pode escrever contos fantásticos sem contar com um quadro
fantástica. ln: Roas, Teorías de lo fantástico, p.296-7. de referência que delimite o que é que ocorre ou não ocorre

128 129
David Roas

Gênero transgressor em todos os níveis, a in­


tenção última de todo texto fantástico, seu efeito
fundamental e distintivo, é provocar a dúvida do lei­
tor sobre a realidade e sobre sua própria identidade.

em uma situação histórico-social. Esse quadro de referência


está dado ao leitor por certas áreas da cultura de sua épo­
ca e pelo que ele sabe de outros tempos e espaços que não
os seus (contexto extratextual). Mas, além disso, sofre uma
elaboração especial em cada obra porque o autor - apoiado
também no quadro de referência específico das tradições do
gênero - inventa e combina, criando as regras que regem
os mundos imaginários que propõe (contexto intratextual)"
(La literatura fantástica: función de los códigos sociocultu-
rales en la constitución de un género. ln: ___ , El espacio
crítico en el discurso literario, p.45).

130

Você também pode gostar