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VEROSSIMILHANÇA
by Aristides Ledesma Alonso | Dez 23, 2009 | 0 comments

Em sentido genérico e comum, verossimilhança é a qualidade ou o caráter do que é verossímil


ou verossimilhante; e verossímil, o que é semelhante à verdade, que tem a aparência de
verdadeiro, que não repugna à verdade provável. Como se sabe, o entendimento do que seja
verossimilhança é fundamental para o estudo da literatura e das artes em geral desde a Poética
de Aristóteles, que entendia que “pelas precedentes considerações se manifesta que não é
ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer
dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade” (Aristóteles, Poética, Abril
Cultural, 1984).

Diferentemente da noção de verdade e de verdadeiro, entende-se desde então por verossímil


na ordem narrativa tudo o que está ligado ao campo das possibilidades simbólicas relativas ao
homem e à história. Desde então, todo questionamento quanto aos possíveis sentidos da
verossimilhança está relacionado ao entendimento das referências que norteiam a sua
constituição.

Passou-se assim à possibilidade de consideração de duas grandes modalidades ou formas de


verossimilhança inter-relacionadas: (a) a interna, que emerge da própria estrutura da obra
apresentando os componentes fundamentais de sua coesão interna, congruentes com as
demais partes da construção narrativa que dessa forma não parece imposta ou enxertada
como um corpo estranho dentro da obra narrativa. Esta forma de verossimilhança está
diretamente relacionada ao modo mesmo como a obra está sendo concebida como objeto de
representação lingüística e simbólica e assim confunde-se com a própria mímese tanto em seu
sentido de produto como de produção; (b) a externa, que estuda principalmente a estrutura do
discurso narrativo e suas possíveis relações com a série dos outros discursos disponíveis na
sociedade e na cultura onde a obra se dissemina e tem o seu modo de recepção. Isto assim
posto significa que todo critério de verossimilhança que venha a se estabelecer é relativo e em
parte dependente da ordem constituinte dos discursos que o cercam e se constituem como

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princípio de realidade ou de referencialidade. Porque em última instância, é disso que se trata:


qual a realidade que a obra literária apresenta e representa ao leitor?

A verossimilhança externa utiliza um conhecimento já sedimentado por parte do receptor da


obra artística, o que facilita sua leitura e aceitação. Aí se integram tanto exemplos de
Aristóteles sobre a referência às famílias ilustres apresentadas pelos trágicos, quanto às
modernas novelas de televisão que reciclam constantemente a mesma narrativa, tornando a
qualidade desta verossímil a cada vez por um processo de redundância típica da cultura de
massa. A certeza do receptor, ou no caso, do consumidor, decorre de indicadores externos, de
discurso já arqueologicamente constituído e fixados como sentido comum. A verossimilhança
interna, ao contrário, apóia-se intrinsecamente na necessidade morfológica da própria
organização da narrativa. Na verossimilhança externa, a referência é bastante explícita ou pelo
menos de mais fácil verificação. Na interna, depende da composição, do arranjo das partes
entre si e da significação que pode então produzir. Segundo Luiz Costa Lima “verossimilhança
(…) sempre resulta de um cálculo sobre a possibilidade de real contida pelo texto e sua
afirmação depende menos da obra que do juízo exercido pelo destinatário. A obra por si não se
descobre verossímil ou não. Este caráter lhe é concedido de acordo com o grau de redundância
que contém” (Luiz Costa Lima, Estruturalismo e Teoria da Literatura, Vozes, 1973). A partir
deste foco, a especificidade do que seja artístico fica na dependência da ordem de
interpretação ou recepção do destinatário que com ela dialoga.

Conforme ficou anteriormente dito, o conceito de verossimilhança está na dependência do


possível e do necessário. Sem esses elementos, a mímese, como pensada por Aristóteles, ainda
seria dependente do modelo platônico que estabelecia uma relação de sacralidade com a idéia
original, e a criação artística pôde deixar de ser uma imitação da imitação, uma forma menor da
atividade humana. O conceito de mímese só adquiriu seu sentido próprio quando, ao discutir a
noção de unidade de ação, Aristóteles considerou que a unidade de qualquer objeto que possa
ser objeto da mímese não decorre da pura e simples imitação, pois “há muitos acontecimentos
e infinitamente variáveis, respeitantes a um só indivíduo, entre os quais não é possível
estabelecer unidade alguma” (Aristóteles, Poética, Abril Cultural, 1984). É a partir deste
momento da Poética que se estabelece relação estreita entre verossimilhança, possibilidade e
necessidade. Ou seja, que não é ofício do poeta narrar o que aconteceu e sim de representar o
que poderia acontecer, aquilo que é possível, verossímil e o necessário à organização de uma
determinada obra. Por isso poeta e historiador são figuras tão distintas entre si, pois o primeiro
narra fatos sucedidos e o segundo, fatos possíveis.

Podemos então perceber que qualquer operação mimética é conduzida por um critério
fundamental que, em última instância, é a verossimilhança. É ela que situa a mímese na
fronteira do possível, objeto morfológico da mímese por excelência e não verdade ou realidade
em qualquer de suas acepções. Devemos então considerar que é o critério de verossimilhança
que subordina a dupla articulação da mímese: a externa, ligada às referências exteriores de
tempo e espaço, e a interna, referida à seleção e disposição estrutural do material discursivo do
tema desenvolvido. Dada a ênfase aristotélica na dependência maior da mímese ao seu
princípio de organização, a verossimilhança interna acaba por se impor como critério
fundamental para a produção literária ou artística, onde tudo é verossímil ou possível, mesmo
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aquilo que possa vir a ser considerado como inverossímil, desde que devidamente
determinado, representado ou simulado como possível ou admissível por aqueles que
interagem com a obra artística e suas possíveis leituras.

A verossimilhança, cujo grau maior exigido pela ação é a necessidade, tem por função principal
a coesão e a unidade entre as partes da narrativa que assim não precisa ser historicamente
“verdadeira”, bastando que seja verossímil dado que o poeta, o artista tem liberdades e
obrigações no que diz respeito à ação e seus desdobramentos. É por essa razão que o
maravilhoso, comentado por Aristóteles em sua Poética, não apresenta nenhuma contradição
frente às possibilidades da produção da mímese e sua competência como possível e verossímil.

{bibliografia}

Aristóteles. Poética. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

Heinrich Lausberg. Manual de retórica literária. Fundamentos de uma ciência de la literatura.


Madrid: Gredos, 1967.

Jose Guilherme Merquior. A astúcia da mimese: ensaio sobre lírica. Rio de Janeiro: José Olympio,
1972.

_____. Formalismo e tradição moderna. O problema da arte na crise da cultura. São Paulo: Forense-
Universitária, 1974.

Luiz Costa Lima. Estruturalismo e Teoria da Literatura. Petrópolis: Vozes, 1973.

_____. Mímesis e modernidade: formas das sombras. Rio de Janeiro: Graal, 1980.

René Wellek e Austin Warren. Teoria da Literatura. Mira-Sintra: Publicações Europa-América,


1976.

Wolfgang Iser. O fictício e o imaginário: perspectivas de uma antropologia literária. Rio de Janeiro:
EDUerj, 1996.

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