Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
GUMBRECHT, Hans Ulrich. A Mídia Literatura. In: Modernização dos Sentidos. São Paulo:
Editora 34, 1998.
I
“Mas se se pode ver que é legítima a questão de saber se a literatura é um meio de
comunicação, então também está correto que esta questão é potencialmente vazia. Pois ambos
os conceitos em discussão, “mídia” e “literatura”, podem naturalmente ser traduzidos de tal
maneira a contrapelo dos sentidos predominantes que a “literatura” aparece como uma
"mídia''.” 2º p.
“A pergunta com a qual eu me defronto por ora não é – para enfatizar pela última vez – se a
literatura é um meio de comunicação, mas qual o conceito (e, em última instância
também:qual a história) de "literatura" que se modela com uma tal concentração na “presença
à distância” e nas “relações de asseveração”.” 3º p.
“Os leitores de literatura – segundo lugar – estão propensos a propor a questão, geralmente
necessária e amiúde obsessiva no cotidiano, de saber se são confiáveis as referências ao
mundo apresentadas por um texto.” 3º p.
“(...) a ficcionalidade é um componente central da literatura.” 3ºp.
"Atribuímos aos textos literários – em face de todos os outros discursos – uma mais-valia
(praticamente impossível de ser determinada de modo mais claro), mas nossa única certeza
frente a esta mais-valia repousa no fato de que ela não se deixa traduzir numa mais-valia
relevante em termos da prática cotidiana, enquanto permanece obscuro o princípio de sua
fundamentação.” 3ºp.
“(...) partindo do status de mídia que a literatura ocupa no nosso presente, podem ser
rastreadas até a Idade Média uma série de etapas de transformação, que consideramos, com
alguma boa vontade, como continuidade e podemos contar como história.” 4ºp.
“O fato dessa genealogia iniciar-se na Idade Média não implica a tese de que antes da Idade
Média – sobretudo na Antiguidade grega e romana – não tenham existido textos que se
aproximassem ou correspondessem ao nosso conceito de mídia “literatura”.” 4ºp.
II
“(...) Guilherme IX, o duque de Aquitânia (1071-1127), que, segundo a transmissão
convergente da historiografia latina, esteve, durante toda a sua vida, em conflito com a
autoridade clerical e espiritual da Igreja.” 5ºp.
III
“Com a institucionalização da imprensa a partir da segunda metade do século XV,
modifica-se tão fundamentalmente a rede de relações em torno dos textos fixados na escrita,
que se propôs a considerar este período – e não já o da literatura cortesã da Idade Média –
como o início da continuidade histórica da mídia “literatura”.” 10ºp.
“(...) é possível dizer, portanto, que a introdução da imprensa desaloja o corpo do escriba e o
corpo do receptor da situação de comunicação midiática que se desenvolve em torno do livro
moderno.” 10ºp.
“(...) durante os séculos XV e XVI, desenvolve-se uma conotação cada vez mais evidente da
palavra “expressão” que, somente agora, passa de uma metáfora a um conceito-padrão,
conotação esta que insinua que a superfície textual –falada ou escrita – nunca corresponde
totalmente àquilo que um sujeito “tem a dizer”.” 10ºp.
“(...) durante os dois primeiros séculos da história do livro impresso, realiza-se uma recepção,
riquíssima em influências, da Poética de Aristóteles, que está centrada no conceito de
"mímesis", isto é, da imitação da realidade.” 11ºp.
“Somente porque uma tal asseveração de referência ao mundo tornou-se importante para
autores e leitores,existe espaço para a ficção enquanto suspensão consciente do ceticismo
diante dessa asseveração.” 11ºp.
“Os conceitos familiares para nós de autoria, de intenção de autor e leitura, de reflexo do
mundo, de ficção e de identificação são, portanto, grandezas que se tornam constitutivas da
mídia “literatura” somente a partir do início da era moderna.” 12ºp.
“Não basta mais escrever e recitar esses textos em que se consumam as formas de vida
específicas de certos grupos sociais – os textos devem agora obedecer a um vago critério de
“utilidade”. Se aqui se manifesta a mais-valia específica da mídia “literatura” (a literatura
deve, ao mesmo tempo, alegrar os leitores e ser relevantes em termo de utilidade), então a
crescente ênfase desse aspecto pode esclarecer por que os tons provocativos da literatura, no
início da era moderna, aparecem claramente abafados.” 12ºp.
“Na era do livro impresso, a comunicação é cada vez mais compreendida como circulação de
figuras de sentido mais ou menos complexas – e isto vale para a mídia “literatura” tanto
quanto para todas as outras modalidades de interação linguística.” 13ºp.
“A moderna mídia ''literatura” ensina seus leitores a imaginar não apenas significações
textuais, mas também a presença do uso destes textos.” 14ºp.
IV
“Em contraposição aos meios de comunicação medievais, são constitutivos destes últimos
meios o papel do autor (inclusive a intenção autoral) e o papel do leitor solitário, uma
proximidade entre o autor e leitor, que é exclusivamente proximidade psíquica ou intelectual,
e o pressuposto de que os textos funcionam sempre como representação do mundo (no modo
ficcional e não-ficcional).” 15ºp.
“Por algumas décadas, o conceito de literatura, na verdade, desdobrou-se para englobar a
gama de todos os textos e gêneros de textos, dos quais os leitores – seja em que modalidade
específica for – podiam esperar a mais-valia de uma ampliação e complexificação de seu
saber sobre o mundo.” 15ºp.
“Com isso reforçou-se, sob uma constelação duplamente paradoxal de condições, a pretensão
da literatura de ser transgressiva, pretensão que fora um tanto abafada no início da era
moderna.Nosso conceito de Iluminismo ainda é determinado por sua reivindicação
tradicional de que o novo saber veiculado por sua literatura era cada vez menos um
conhecimento que se alimentava da tradição de instituições corporativas e que servia à
legitimação dessas instituições.” 16ºp.
“(...) embora esses fatos verdadeiros estivessem amiúde articulados em histórias inventadas
ou “fábulas”. 17ºp.
“(...) a literatura do século XVIII era altamente alegórica – e isto também quer dizer:
dependente da possibilidade de estabelecer uma distinção inequívoca entre o saber que seus
autores intencionavam mediar e os processos e formas literários que foram utilizados para
esse fim.” 17ºp.
V
“Esta incompatibilidade entre as posições da subjetividade e as reivindicações da
objetividade tornar-se-ia o leitmotiv epistemológico do século XIX. Ela motivou aquela
“crise de representação” que se preparava por volta de 1800 e que Michel Foucault descreveu
repetidamente – às vezes em tons quase dramáticos.” 19ºp.
“(...) a recepção literária tornou-se uma zona central no campo das atividade de lazer e,
justamente a partir desta ligação, surgiu, primeiramente compreendida como um título de
honra, a autocompreensão da literatura como “carente de função” (o que, a nossa
retrospectiva histórica, não pode ser confundido com uma falta factual de função social).”
21ºp.
“Esta mais-valia foi amiúde associada à contribuição dos textos literários para a formação de
uma imagem normativa da vida social e individual – uma visão que elevou a leitura literária à
posição de uma quase religião e, assim se supõe, desempenhou um papel fundamental na
decisão de políticos da educação em diversas nações europeias, de organizar e financiar uma
disciplina acadêmica dedicada à literatura.” 21ºp.
“Desde o início do século XIX, espera-se de todo texto literário que seu conteúdo e sua forma
sejam inéditos." 22ºp.
VI
“ Pode-se considerar a literatura do “alto modernismo” – assim denominada segundo uma
formação vocabular anglo-americana – do início do século XX na Europa e na América do
Norte, a literatura de Joyce e Pound, de Doblin e Marinetti, Artaud e Breton, como produto
de um convergência de diversas crises que já se preparavam na mídia “literatura” do século
XIX.” 23ºp.
“(...) a crescente crença na "carência de função” da mídia “literatura”, que na verdade não é
nada mais do que um presságio,um tabu, atrás do qual se podem realizar os efeitos
compensatórios e reconciliadores dos textos literários.” 23ºp.
“No século XX, a literatura é definitivamente apreendida como um meio de comunicação
esotérico." 23ºp.
“(...) os novos meios técnicos institucionalizados desde o fim do século XIX introduziram
padrões na produção da presença à distância, com os quais os textos impressos em livro
praticamente não podem concorrer.” 24ºp.