Você está na página 1de 7

Teoria da Literatura III

Fichamento do Texto “A mídia Literatura” de Hans Ulrich Gumbrecht.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. A Mídia Literatura. In: Modernização dos Sentidos. São Paulo:
Editora 34, 1998.

I
“Mas se se pode ver que é legítima a questão de saber se a literatura é um meio de
comunicação, então também está correto que esta questão é potencialmente vazia. Pois ambos
os conceitos em discussão, “mídia” e “literatura”, podem naturalmente ser traduzidos de tal
maneira a contrapelo dos sentidos predominantes que a “literatura” aparece como uma
"mídia''.” 2º p.

“A pergunta com a qual eu me defronto por ora não é – para enfatizar pela última vez – se a
literatura é um meio de comunicação, mas qual o conceito (e, em última instância
também:qual a história) de "literatura" que se modela com uma tal concentração na “presença
à distância” e nas “relações de asseveração”.” 3º p.

“Quando se procura, então, dar alguma precisão a suas associações pré-conscientes e


semiconscientes, fica claro quão esclarecedoras são as perspectivas “relação à distância" e
“relações de asseveração”.Pois, sem dúvida, enquanto leitores, estabelecemos –
primeiramente – uma proximidade específica com os autores da literatura, uma relação de
intimidade (imaginada).” 3º p.

“Os leitores de literatura – segundo lugar – estão propensos a propor a questão, geralmente
necessária e amiúde obsessiva no cotidiano, de saber se são confiáveis as referências ao
mundo apresentadas por um texto.” 3º p.
“(...) a ficcionalidade é um componente central da literatura.” 3ºp.

"Atribuímos aos textos literários – em face de todos os outros discursos – uma mais-valia
(praticamente impossível de ser determinada de modo mais claro), mas nossa única certeza
frente a esta mais-valia repousa no fato de que ela não se deixa traduzir numa mais-valia
relevante em termos da prática cotidiana, enquanto permanece obscuro o princípio de sua
fundamentação.” 3ºp.

“Há um conjunto de colocações e asseverações – a proximidade imaginada entre leitores e


autores, a ficcionalidade como suspensão do ceticismo sistemático, a mais-valia da forma
textual e a transgressividade social –, do qual não podemos necessariamente esperar (mas
também não excluir peremptoriamente) que tenha se formado dessa maneira ou se formará
fora das culturas ocidentais.” 4ºp.

“(...) partindo do status de mídia que a literatura ocupa no nosso presente, podem ser
rastreadas até a Idade Média uma série de etapas de transformação, que consideramos, com
alguma boa vontade, como continuidade e podemos contar como história.” 4ºp.

“O fato dessa genealogia iniciar-se na Idade Média não implica a tese de que antes da Idade
Média – sobretudo na Antiguidade grega e romana – não tenham existido textos que se
aproximassem ou correspondessem ao nosso conceito de mídia “literatura”.” 4ºp.

II
“(...) Guilherme IX, o duque de Aquitânia (1071-1127), que, segundo a transmissão
convergente da historiografia latina, esteve, durante toda a sua vida, em conflito com a
autoridade clerical e espiritual da Igreja.” 5ºp.

“ Até o início da Idade Moderna, a Igreja reclamava para si a competência exclusiva em


todos os campos que descreveríamos hoje como “produção intelectual”, de forma que os
textos de Guilherme IX eram transgressivos não apenas porque embelezavam de forma
totalmente explícita asexualidade fora dos laços matrimoniais, mas também (e talvez
devêssemos dizer: sobre tudo) porque pela sua simples existência, encontravam-se, como
formas textuais elaboradas singularmente, próximos culturalmente do limiar da escrita – mas
forma dos limites institucionalizados da competência da escrita." 5º p.
“Descobrimos, portanto, nesses textos bastante antigos em vernáculo, referências à presença à
distância, relativizações do compromisso textual, pretensões a uma mais-valia textual
fundamentada numa competência formal e – sobretudo – diversos gestos de transgressão, em
suma, uma admirável gama de fenômenos que lembram a “mídia” literatura da nossa época.”
8º p.

“(...) os gestos de provocação das canções trovadorescas – e isto pode ser um


desenvolvimento que se repete na história da literatura – são domesticados no espaço de
poucas décadas. Quando surgem, no terceiro quartel do século XII, os romances cortesãos em
versos Chrétiens de Troyes, Erec, Cliges, Yvain, Lancelot e Perceval, os enredos
fundamentam-se na conciliação entre o ideal do amor cortesão e a instituição cristã do
matrimônio – mesmo quando essa conciliação não tem êxito em alguns casos (Lancelot,
Perceval).” 9ºp

III
“Com a institucionalização da imprensa a partir da segunda metade do século XV,
modifica-se tão fundamentalmente a rede de relações em torno dos textos fixados na escrita,
que se propôs a considerar este período – e não já o da literatura cortesã da Idade Média –
como o início da continuidade histórica da mídia “literatura”.” 10ºp.

“(...) é possível dizer, portanto, que a introdução da imprensa desaloja o corpo do escriba e o
corpo do receptor da situação de comunicação midiática que se desenvolve em torno do livro
moderno.” 10ºp.

“(...) durante os séculos XV e XVI, desenvolve-se uma conotação cada vez mais evidente da
palavra “expressão” que, somente agora, passa de uma metáfora a um conceito-padrão,
conotação esta que insinua que a superfície textual –falada ou escrita – nunca corresponde
totalmente àquilo que um sujeito “tem a dizer”.” 10ºp.

“(...) durante os dois primeiros séculos da história do livro impresso, realiza-se uma recepção,
riquíssima em influências, da Poética de Aristóteles, que está centrada no conceito de
"mímesis", isto é, da imitação da realidade.” 11ºp.
“Somente porque uma tal asseveração de referência ao mundo tornou-se importante para
autores e leitores,existe espaço para a ficção enquanto suspensão consciente do ceticismo
diante dessa asseveração.” 11ºp.

“Os conceitos familiares para nós de autoria, de intenção de autor e leitura, de reflexo do
mundo, de ficção e de identificação são, portanto, grandezas que se tornam constitutivas da
mídia “literatura” somente a partir do início da era moderna.” 12ºp.

“Não basta mais escrever e recitar esses textos em que se consumam as formas de vida
específicas de certos grupos sociais – os textos devem agora obedecer a um vago critério de
“utilidade”. Se aqui se manifesta a mais-valia específica da mídia “literatura” (a literatura
deve, ao mesmo tempo, alegrar os leitores e ser relevantes em termo de utilidade), então a
crescente ênfase desse aspecto pode esclarecer por que os tons provocativos da literatura, no
início da era moderna, aparecem claramente abafados.” 12ºp.

“Na era do livro impresso, a comunicação é cada vez mais compreendida como circulação de
figuras de sentido mais ou menos complexas – e isto vale para a mídia “literatura” tanto
quanto para todas as outras modalidades de interação linguística.” 13ºp.

“Onde a mídia “literatura” conserva esta função de produção da presença, ela é


institucionalmente desarticulado e passa a ser compreendido como “teatro” (bem no sentido
moderno do conceito), como aquela forma especial e literatura da qual a presença corporal é
constitutiva.” 13ºp.

“A moderna mídia ''literatura” ensina seus leitores a imaginar não apenas significações
textuais, mas também a presença do uso destes textos.” 14ºp.

IV

“Em contraposição aos meios de comunicação medievais, são constitutivos destes últimos
meios o papel do autor (inclusive a intenção autoral) e o papel do leitor solitário, uma
proximidade entre o autor e leitor, que é exclusivamente proximidade psíquica ou intelectual,
e o pressuposto de que os textos funcionam sempre como representação do mundo (no modo
ficcional e não-ficcional).” 15ºp.
“Por algumas décadas, o conceito de literatura, na verdade, desdobrou-se para englobar a
gama de todos os textos e gêneros de textos, dos quais os leitores – seja em que modalidade
específica for – podiam esperar a mais-valia de uma ampliação e complexificação de seu
saber sobre o mundo.” 15ºp.

“Com isso reforçou-se, sob uma constelação duplamente paradoxal de condições, a pretensão
da literatura de ser transgressiva, pretensão que fora um tanto abafada no início da era
moderna.Nosso conceito de Iluminismo ainda é determinado por sua reivindicação
tradicional de que o novo saber veiculado por sua literatura era cada vez menos um
conhecimento que se alimentava da tradição de instituições corporativas e que servia à
legitimação dessas instituições.” 16ºp.

“(...) o de ser um saber a serviço da mudança e da inovação.” 16ºp.

“(...) a transgressividade da literatura do Iluminismo realizou-se, por isso, na sua


auto-encenação como natureza e humanidade, e sua reivindicação de objetividade baseava-se
numa subjetividade que não raro se encenou como individualidade, ou seja, como
excentricidade de uma virtude perseguida por uma sociedade que se tornou desumana.” 16ºp.

“Ficcionalidade como eliminação da diferenciação entre “verdadeiro” e “falso”,


ficcionalidade como suspensão de um ceticismo básico diante do saber configurava uma
atitude que só podia permitir-se de modo comedido de uma literatura que se fiava, tanto
quanto a do Iluminismo, na adequação universal do saber que circulava nela.” 17ºp.

“(...) embora esses fatos verdadeiros estivessem amiúde articulados em histórias inventadas
ou “fábulas”. 17ºp.

“(...) a literatura do século XVIII era altamente alegórica – e isto também quer dizer:
dependente da possibilidade de estabelecer uma distinção inequívoca entre o saber que seus
autores intencionavam mediar e os processos e formas literários que foram utilizados para
esse fim.” 17ºp.

V
“Esta incompatibilidade entre as posições da subjetividade e as reivindicações da
objetividade tornar-se-ia o leitmotiv epistemológico do século XIX. Ela motivou aquela
“crise de representação” que se preparava por volta de 1800 e que Michel Foucault descreveu
repetidamente – às vezes em tons quase dramáticos.” 19ºp.

“(...) a premissa da incompatibilidade entre posição da subjetividade e reivindicação da


objetividade fundamenta a tese hegeliana do “fim do período da arte” na produção artística
"romântica" cada vez mais subjetiva.” 19ºp.

“(...) a recepção literária tornou-se uma zona central no campo das atividade de lazer e,
justamente a partir desta ligação, surgiu, primeiramente compreendida como um título de
honra, a autocompreensão da literatura como “carente de função” (o que, a nossa
retrospectiva histórica, não pode ser confundido com uma falta factual de função social).”
21ºp.

“Esta mais-valia foi amiúde associada à contribuição dos textos literários para a formação de
uma imagem normativa da vida social e individual – uma visão que elevou a leitura literária à
posição de uma quase religião e, assim se supõe, desempenhou um papel fundamental na
decisão de políticos da educação em diversas nações europeias, de organizar e financiar uma
disciplina acadêmica dedicada à literatura.” 21ºp.

“Desde o início do século XIX, espera-se de todo texto literário que seu conteúdo e sua forma
sejam inéditos." 22ºp.

VI
“ Pode-se considerar a literatura do “alto modernismo” – assim denominada segundo uma
formação vocabular anglo-americana – do início do século XX na Europa e na América do
Norte, a literatura de Joyce e Pound, de Doblin e Marinetti, Artaud e Breton, como produto
de um convergência de diversas crises que já se preparavam na mídia “literatura” do século
XIX.” 23ºp.

“(...) a crescente crença na "carência de função” da mídia “literatura”, que na verdade não é
nada mais do que um presságio,um tabu, atrás do qual se podem realizar os efeitos
compensatórios e reconciliadores dos textos literários.” 23ºp.
“No século XX, a literatura é definitivamente apreendida como um meio de comunicação
esotérico." 23ºp.

“A ficcionalidade como suspensão consciente do ceticismo pressupõe um mundo onde são


valorizadas todas as experiências com os binarismos “real/irreal” e “verdadeiro/falso” — pois
ficção não é nada mais do que a suspensão temporária desses binarismos.” 24ºp.

“(...) os novos meios técnicos institucionalizados desde o fim do século XIX introduziram
padrões na produção da presença à distância, com os quais os textos impressos em livro
praticamente não podem concorrer.” 24ºp.

“Não é possível que a sobrevivência da mídia “literatura” dependa inteiramente da questão de


saber se a conjectura clássica – e desde sempre vaga – de uma mais-valia inerente a ela pode
ser deslocada para novos eixos de associação e de funcionalização.” 25ºp.

Você também pode gostar